INTERMITTENT EMPLOYMENT CONTRACT: COMPARATIVE ANALYSIS BETWEEN BRAZIL AND PORTUGAL
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE BRASIL E PORTUGAL
INTERMITTENT EMPLOYMENT CONTRACT: COMPARATIVE ANALYSIS BETWEEN BRAZIL AND PORTUGAL
Charles da Costa Bruxel1
Resumo
Diante da importância da matéria e das novidades trazidas pela Lei nº. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), o artigo objetivou analisar e comparar as diferenças e semelhanças do tratamento normativo conferido pelo Brasil e por Portugal em relação ao con- trato de trabalho intermitente. O método de abordagem empre- gado foi, precipuamente, o comparativo, sob o viés funcionalista, enquadrando-se a pesquisa como uma microcomparação. Após o desenvolvimento do trabalho, verificou-se que o sistema brasileiro adotou um regramento de contrato de trabalho intermitente “super
1. Doutorando e Mestre em Direito na área de concentração de Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico pela Universidade Federal do Ceará (2021). Especialista em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional (2018). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2011). Analista Judiciário – Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), exercendo atualmente a função de Assistente em Gabinete de Desembargador. Presidente da Diretoria Executiva do Sindicato dos Servidores da Sétima Região da Justiça do Trabalho (Sindissétima/CE). Coordenador da Diretoria Executiva da Federação Nacional dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe). Integrante do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (GRUPE) da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Suas pesquisas exploram principalmente o Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Constitucional.
flexível” que não garantiu quase nenhum direito para o trabalhador, consubstanciando verdadeira proteção insuficiente aos laboristas em virtude da violação ao modelo constitucional de proteção mínima aos trabalhadores; em contrapartida, o modelo português, apesar de ter sofrido algumas recentes modificações criticáveis, adota impor- tantes regras que, em tese, submetem essa modalidade contratual laboral a parâmetros razoáveis de civilidade. Nesse sentido, consta- tou-se que a hipótese encampada no início do articulado se mostrou acertada, pois, de fato, o Direito Português possui regulamentação do contrato de trabalho intermitente mais favorável ao trabalhador do que o modelo adotado no Brasil. Diante dessa conclusão, o legislador brasileiro, até mesmo a fim de sair do estado de inconstitucionali- dade em que se encontra a deficitária regulamentação vigente, deve adotar diversos aprimoramentos urgentes na disciplina do contrato de trabalho intermitente, os quais podem se basear nas diretrizes já adotadas por Portugal, quais sejam: a limitação da modalidade apenas a algumas situações empresariais e econômicas específicas que efetivamente justifiquem a adoção dessa modalidade contratual especial; a garantia de uma quantidade mínima anual de prestação de serviços no trabalho intermitente; e a garantia de uma contra- prestação ao trabalhador pelo período de inatividade.
Palavras-chave: Trabalho intermitente; contrato de traba- lho. Brasil. Portugal.
Abstract
Given the importance of the matter and the news brought about by Law no. 13,467/2017 (Labor Reform), the scientific paper aimed to analyze and compare the differences and similarities in the normative treatment given by Brazil and Portugal in relation to the intermittent employment contract. The approach method used was, primarily, comparative, under a functionalist bias, framing the research as a micro-comparison. After the development of the work, it was found that the Brazilian system adopted a “super flexible” intermittent employment contract rule that guaranteed almost no rights for the worker, substantiating a truly insufficient protection for workers due to the violation of the constitutional model of mi-
nimum protection for workers; on the other hand, the Portuguese model, despite having undergone some recent objectionable modi- fications, adopts important rules that, in theory, subject this type of employment contract to reasonable parameters of civility. In this sense, it was found that the hypothesis presented at the beginning of the article proved to be correct, since, in fact, Portuguese Law has regulations on intermittent employment contracts that are more favorable to workers than the model adopted in Brazil. In view of this conclusion, the Brazilian legislator, even in order to escape the state of unconstitutionality in which the current deficient regulation finds itself, must adopt several urgent improvements in the discipline of the intermittent employment contract, which can be based on the guidelines already adopted by Portugal, namely: limiting the modality to only some specific business and economic situations that effectively justify the adoption of this special contractual modality; the guarantee of a minimum annual amount of services provided in intermittent work; and the guarantee of monetary compensation to the worker for the period of inactivity.
Keywords: Intermittent Work; employment contract; Brazil.
Portugal.
Introdução
A Lei nº. 13.467/2017, conhecida como “Reforma Traba- lhista”, modificou profundamente o Direito do Trabalho no Brasil, trazendo, a partir da extinção, redução e da flexibilização de direitos a promessa de geração de empregos. Uma das figuras criadas com o intuito de impactar positivamente nas estatísticas de emprego no Brasil foi o denominado “contrato de trabalho intermitente”, cuja regulamentação foi incluída na Consolidação das Leis do Trabalho. Nesse sentido, conforme será desenvolvido mais à frente, essa
modalidade especial de contrato de trabalho se destaca, no modelo brasileiro, pela quebra do conceito clássico de subordinação jurídica (o empregado não é obrigado a prestar serviços quando convocado), pela ausência de garantia de continuidade da prestação de serviços (característica própria da noção de “intermitência”) e, em linhas gerais, pela ausência de garantia de efetividade da relação laboral
firmada sob essa modalidade (não há direito a uma quantidade de convocações mínimas, nem a uma quantidade mínima de prestações de serviços nem a outros direitos que poderiam assegurar uma remuneração estável e previsível ao trabalhador).
Por se tratar, ainda, de um tema novo e que suscita diversas dúvidas, entende-se que a análise comparativa de como a matéria está sendo tratada em Portugal – país com o mesmo sistema jurí- dico do Brasil (romano-germânico) (Xxxxx, 1978) e que, por ter sido colonizador do Brasil, apresenta traços jurídicos e culturais razoavelmente similares, a iniciar pelo idioma – pode qualificar e aprofundar o debate em curso, indicando possíveis pontos que necessitam de aperfeiçoamento legislativo no Brasil.
Além disso, a comparação do modelo brasileiro com o portu- guês faz ainda mais sentido quando considerado que Portugal vive momento similar de flexibilização do Direito Laboral, contexto que reforça o ordenamento jurídico português como sendo uma signifi- cativa e potencialmente influente fonte normativa, jurisprudencial e doutrinária para o Direito do Trabalho brasileiro, até mesmo porque o art. 8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho2 estabelece que o direito comparado é uma fonte subsidiária do Direito do Trabalho do Brasil.
Desse modo, buscar-se-á analisar e comparar as diferenças e semelhanças do tratamento normativo conferido pelo Brasil e por Portugal no que diz respeito ao contrato de trabalho intermitente. Referido objetivo decorre da seguinte indagação investigativa: o Direito Português apresenta uma regulamentação do contrato de trabalho intermitente mais favorável ao trabalhador do que o modelo adotado no Brasil?
Nesse sentido, a hipótese encampada é a seguinte: o Direito Português regulamenta o contrato de trabalho intermitente de modo mais favorável ao trabalhador do que o modelo adotado no Brasil.
2. CLT, art. 8º, caput: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principal- mente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
Para tanto, a pesquisa implementada será bibliográfica (doutrina), e documental (Constituição da República Portuguesa, Código do Trabalho de Portugal, Constituição da República Fede- rativa do Brasil, Consolidação das Leis do Trabalho, julgados de tribunais, dentre outros).
O método de abordagem empregado será, precipuamente, o comparativo, sob o viés funcionalista3, pois se buscará cotejar a realidade do ordenamento jurídico do Brasil e de Portugal acerca de matéria trabalhista existente em ambos os países, identifican- do diferenças e semelhanças. Além desse, será adotado também o método dedutivo (Prodanov, 2013), pois, a partir da análise e da interpretação de princípios, leis e teorias existentes no Brasil e em Portugal a respeito do contrato de trabalho intermitente, serão extraídas conclusões aptas a explicar a controvérsia examinada, viabilizando a verificação da hipótese traçada e do questiona- mento propulsor do presente estudo.
A pesquisa será realizada dentro do campo do Direito Comparado do Trabalho, pois, além de empregar o método com- parativo, característico desse ramo científico, ainda atende ao requisito, defendido por Xxx Xxxxxx (2000, p. 25-26), de cotejo entre ordenamentos jurídicos contemporâneos e vigentes. Além disso, por se tratar de um estudo que busca comparar um institu- to específico (contrato de trabalho intermitente) dentro de cada ordenamento jurídico – e não os ordenamentos jurídicos como um todo (macrocomparação) -, a pesquisa se enquadra como sendo uma microcomparação (Dantas, 2000).
Além da introdução e das considerações finais, o trabalho será dividido em duas seções, sendo a primeira a respeito da aná- lise do contrato de trabalho intermitente existente no Brasil; e a segunda acerca da apresentação da regulamentação do contrato de trabalho intermitente em Portugal de forma comparada com o modelo brasileiro.
3. “O método funcionalista pode ser definido como aquele que pretende identificar respostas jurídicas similares ou distintas, em conflitos sociais que se assemelham mesmo ocorrendo em lugares distintos no mundo”, conforme menciona Xxx Xxxxxx Dutra (Dutra, 2016, p. 198).
1. O contrato de trabalho intermitente no Brasil
O contrato de trabalho, em sentido amplo, é o acordo tácito ou expresso, verbal ou escrito, por prazo determinado ou indeter- minado, visando a prestação de serviços sob a forma empregatícia, inclusive na modalidade intermitente (artigos 442 e 443, caput, da CLT). A legislação considera como intermitente
o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determi- nados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx (2019, p. 59), após realizar análise gra- matical da expressão “intermitente”, compreende que o trabalho intermitente seria aquele que começa e recomeça diversas vezes, alternando, conforme previsto na CLT, períodos de prestação de serviços e de inatividade. O mesmo autor, entretanto, destaca que, em tese, todo trabalho oscila entre períodos de trabalho efetivo e de inatividade, haja vista que os intervalos intra e interjornada, o repouso semanal remunerado, os feriados e as férias, são inter- rupções inerentes a qualquer relação de emprego, o que dificulta a compreensão precisa do trabalho intermitente a partir dessa conceituação. Em seguida, o autor refina a noção sobre o que efetivamente seria o trabalho intermitente a partir do exame de situações fáticas que seriam incompatíveis, segunda a sua compre- ensão, com o labor intermitente, concluindo que o
contrato de trabalho intermitente é modalidade contratual trabalhista bilateral e celetista, com prestação de serviço não eventual e em razão da necessidade de trabalho do em- pregado, quando se dará e por quanto tempo demandará a prestação laborativa, marcada pela incerteza do momento exato da necessidade do trabalho e das interrupções e não pelo número reduzido de horas trabalhadas em um dia, se- mana ou mês. (Xxxxx, 2019, p. 72).
Avançando para as especificidades das regras trazidas pela Lei
nº 13.467/2017, no trabalho intermitente brasileiro o empregador convoca o empregado para trabalhar sempre que houver serviço e o trabalhador aceita se quiser, sem que isso descaracterize a subor- dinação inerente ao contrato de emprego (art. 452-A, §3º, da CLT). Essa convocação deve ser feita pelo menos três dias corridos antes da data em que deve ocorrer a prestação de serviços e o empregado, uma vez recebendo a comunicação, tem um dia útil para responder se vai ou não atender o chamado (art. 452-A, §1º e 2º, da CLT). Em caso de ausência de resposta pelo trabalhador, presume-se que hou- ve a recusa de atender à convocação (art. 452-A, §2º, da CLT). Uma vez aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, o pactuado – deixar de comparecer ao serviço, no caso do empregado, e deixar de oferecer o trabalho prometido, no caso do empregador – pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% da remuneração que seria devida, per- mitida a compensação em igual prazo (art. 452-A, §4º).
Estabelecer, contra o empregado, uma multa pecuniária (sanção) por ter aceitado a convocação e, posteriormente, dei- xado de prestar o serviço parece ser uma maneira “discreta” de dividir com o trabalhador os ônus da atividade empresarial, que são de responsabilidade exclusiva do empregador, segundo o art. 2º, caput, da CLT. Isso porque os custos e “transtornos” que o empregador tem quando o empregado intermitente convocado falta, acabam sendo parcialmente pagos pelo próprio trabalhador que aceitou e não compareceu.
Por outro lado, aparentemente a legislação quis “resolver” o problema advindo do descumprimento da oferta e do aceite exclu- sivamente com a multa pecuniária prevista no art. 452-A, §4º, da CLT. Entretanto, além da duvidosa constitucionalidade dessa multa pecuniária (quando aplicada contra o empregado), é plenamente defensável que a conduta do empregado de reiteradamente aceitar a convocação e faltar injustificadamente ao serviço possa configu- rar “desídia”, motivo ensejador da resolução contratual por justa causa do trabalhador (art. 482, “e”, da CLT). Em contrapartida, a conduta reiterada do empregador de convocar o trabalhador para o serviço, este aceitar e, no dia do trabalho, o empregador deixar
de efetivamente exigir os serviços do laborista pode perfeitamente configurar a justa causa patronal pelo não cumprimento das obri- gações do contrato (art. 483, “d”, da CLT).
Prosseguindo, nota-se que a regulamentação legal do la- bor intermitente não cuidou de assegurar ao trabalhador uma quantidade mínima de trabalho que obrigatoriamente deveria ser demandada, assim como não garantiu nenhuma contraprestação pelo período de inatividade4.
As únicas “garantias” ofertadas ao trabalhador intermi- tente são: (a) a de que o contrato de trabalho intermitente seja pactuado por escrito; (b) a de receber ao menos o valor horário do salário mínimo ou o valor horário da remuneração paga aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, em contrato intermitente ou não (art. 452-A, caput, da CLT); (c) a de, a cada doze meses de contrato, poder gozar, nos doze meses subsequentes, de um mês de férias, período no qual o trabalhador não poderá ser convocado para prestar serviços para o mesmo empregador (art. 452-A, §9º, da CLT); e (d) a de receber, do empregador, os comprovantes de que este cumpriu com as duas obrigações previdenciárias e realizou os depósitos do FGTS (art. 000-X, §0x, xxxxx xxxxx, xx XXX).
A cada período de prestação de serviços, o empregador paga ao empregado a remuneração, as férias proporcionais com acrésci- mo de um terço, o décimo terceiro salário proporcional, o repouso semanal remunerado e os adicionais legais (art. 452-A, §6º, da CLT)
– sem prejuízos de outras parcelas de natureza contraprestativa não constantes nesse rol meramente exemplificativo – e efetua o recolhimento previdenciário e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com base nos valores pagos no período mensal (art. 452-A, §8º, da CLT).
Nota-se uma certa semelhança no tratamento do empregado submetido a um contrato de trabalho intermitente e um trabalha- dor avulso. Este, tal como aquele, recebe o pagamento da contrapar- tida pelo trabalho ao final de cada período de prestação de serviços
4. CLT, art. 452-A, §5º: “O período de inatividade não será considerado tempo à dispo- sição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes”.
(art. 2º, §§2º e 3º, da Lei nº 9.719/1998 e artigos 6º, I, e 7º da Lei nº 12.023/2009). Porém, ao contrário do intermitente, que já recebe proporcionalmente o décimo terceiro e a remuneração das férias mais um terço logo após a prestação laboral, os avulsos acumulam os valores relativos às férias e ao décimo terceiro salário em uma conta individual vinculada e só podem usufruir desses montantes oportuna e futuramente (art. 2º, §6º, da Lei nº 9.719/1998 e art. 7º da Lei nº 12.023/2009).
Por outro lado, diante da adoção do sistema de rodízio, fica implícito que o trabalhador avulso tem uma garantia de parti- cipar das escalas de trabalho periodicamente (art. 5º, caput, da Lei nº 9.719/1998 e art. 5º, I, da Lei nº 12.023/2009), enquanto o empregado intermitente não tem nenhuma segurança de que será convocado para prestar serviços ao empregador.
A partir desses elementos legais, pode-se deduzir que o con- trato de trabalho intermitente seria aquele: (i) pactuado de forma escrita, contendo especificamente o valor da hora de trabalho equi- valente, pelo menos, ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não; (ii) firmado para o desempenho de atividade que não possui natureza “contínua”, o que significa que a atividade para a qual o trabalhador intermitente foi contratado se dá de forma esporádica e sem condições de previsi- bilidade pela empresa; (iii) em que não há legalmente garantia de efetiva prestação de serviços nem de uma quantia salarial mensal mínima; (iv) em que há uma subordinação legal meramente fictícia, haja vista o fato de que inexiste subordinação real (o empregado não é sequer obrigado a atender a convocação do empregador); e
(v) há praticamente o exaurimento do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, por ambas as partes, após cada oferta, aceite e prestação de serviços.
Compreende-se que a inobservância das poucas formali- dades exigidas pela lei para a utilização da modalidade (forma escrita e com especificação clara da contrapartida pecuniária pela hora laborada) implica na nulidade dessa espécie laboral extraor- dinária e precarizadora, com a consequente consideração de que
o vínculo de emprego se desenvolve sob a forma ordinária (não intermitente). Nesse sentido está sendo gradualmente solidificada a jurisprudência5-6.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2017,
p. 154) apontam que o trabalho intermitente desestrutura dois direitos componentes da estrutura central do Direito do Trabalho, quais sejam, a noção de duração do trabalho (e de jornada) e a ideia de uma garantia salarial. Coloca-se o trabalhador intermitente em um uma espécie de tempo à disposição (“período de inatividade”), porém sem assegurar os efeitos jurídicos clássicos do chamado tempo à disposição (art. 4º, caput, da CLT). Cria-se, por outro lado, um contrato de trabalho sem salário, já que este é pago apenas ocasionalmente, se e quando houver prestação de serviços. De- fendem os autores, por outro lado, a partir de uma interpretação sistemática que leva em conta o art. 7º, VII, da Constituição Federal e o art. 78 da CLT, que o trabalhador intermitente teria direito, in- dependentemente de convocação laboral, a perceber pelo menos
o valor do salário mínimo mensal.
Apesar dos esforços doutrinários para submeter o contrato de trabalho intermitente dentro de um parâmetro de civilidade laboral, fato é que a legislação, conforme visto, somente garantiu, na questão remuneratória, o pagamento do valor horário do sa-
5. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE (ART. 452-A DA CLT). AUSÊNCIA DE REQUISISTOS LEGAIS. NULIDADE. O ART. 452 -A da CLT determina como requisito le- gal necessário que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito, com indicação do valor da hora trabalhada. No caso, tal documento não foi juntado aos autos. Dessa forma, o contrato de trabalho intermitente deve ser considerado como contrato de trabalho celebrado por prazo indeterminado, pois ainda vigente. Recurso ordinário em rito sumaríssimo da reclamada ao qual se nega provimento. (TRT-2 – RORSum: 10008064020205020065 SP, Relatora: CINTIA TAFFARI, 13ª Turma, Data de Publicação: 25/06/2021)
6. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. INEXIS- TÊNCIA. De acordo com o artigo 452-A da CLT, o contrato de trabalho intermitente exige, dentre outras formalidades, sua elaboração por escrito. A forma solene é da substância do ato, tratando-se de condição insuperável que o contrato de trabalho intermitente observe a forma escrita, ante expressa previsão legal nesse sentido. Ausente um dos requisitos formais do contrato intermitente, resta inviabilizado o acolhimento do pedido relativo ao reconhecimento do vínculo empregatício sob tal modalidade. [...]. (TRT-9 – ED-RORSum: 00011229520195090005 PR, Relatora: XXXXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX, Data de Julgamento: 29/04/2021, Data de Publi- cação: 17/05/2021)
lário mínimo ou o valor horário da remuneração paga aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, em contrato intermitente ou não. Destaque que a garantia foi específica em se limitar a um valor remuneratório horário, sem assegurar nenhuma remuneração mensal consistente ou equivalente ao menos ao salário mínimo mensal.
Ao mesmo tempo, a legislação foi clara ao elucidar que não há obrigação de convocação laboral pelo empregador e nem de aceitação da “oferta” de serviço pelo empregado. Talvez, na prática, o empregado se sinta coagido a aceitar as ofertas de prestação de serviços do empregador, sob pena de ter o contrato intermitente rescindido. Porém a opção de, ao menos legalmente, fazer constar que o trabalhador não seria obrigado a aceitar a oferta de trabalho, talvez tenha sido efetivada, pelo legislador, com o intuito de evitar construções que entendessem que o período de inatividade se equipararia ao regime de sobreaviso e deveria ser remunerado, de alguma forma.
De qualquer modo, é certo que não há nenhuma segurança legal, para o empregado, de uma quantidade mínima, periódica ou estável de convocação para o serviço nem de uma remuneração mínima mensal. A modalidade é uma espécie de “bico” institu- cionalizado que visou criar um contrato de emprego meramente formal e sem garantia que se limita a criar uma “alternativa” para o aprofundamento da precarização das relações laborais – linha ide- ológica da Reforma Trabalhista instituída pela Lei nº 13.467/2017
– e, talvez, criar “empregos” meramente estatísticos para reduzir os índices oficiais de desemprego formal no Brasil.
Trata-se, assim, de uma espécie contratual em que o traba- lhador não tem qualquer contrapartida minimamente estável e assegurada pela sua vinculação subordinada a um empregador, o que fere o projeto constitucional que elege a aferição de renda por meio da venda da força de trabalho como o principal meio de sobrevivência e de busca por uma existência digna para a população brasileira (artigos 1º, IV, 6º, 170, caput e VII, e 193, todos da Carta Magna).
Além disso, é notório que o artigo 7º da Constituição Fede-
ral traz uma série de dispositivos que presumem que a relação de emprego deve proporcionar uma renda mínima e estável ao trabalhador, tanto que prevê a irredutibilidade salarial (art. 7º, VI) e o salário mínimo (art. 7º, IV), inclusive para quem recebe remuneração variável (art. 7º, VII).
O contrato de trabalho intermitente é, na verdade, uma re- lação de emprego “fake”, até mesmo porque, segundo os ditames legais, sequer há uma subordinação real, mas meramente fictícia/ formal, já que nem o empregador é obrigado a exigir a prestação de serviços e nem o trabalhador é obrigado a atender a uma con- vocação, quando eventualmente ocorrer.
Ademais, o contrato de trabalho intermitente foi regrado de modo a, salvo para os aeronautas7, poder ser adotado de forma generalizada por qualquer empregador, de qualquer ramo de ati- vidade. Porém, sendo um contrato essencialmente precarizador, deveria, no mínimo, haver uma severa e racional limitação de seu escopo de aplicabilidade para situações bastante delimitadas e especiais que justificassem a utilização da modalidade.
Como se não bastasse, a modalidade laboral traz a possibili- dade de o empregado, após manifestar seu aceite a uma convocação ao trabalho, ser multado por uma eventual falta não justificada ao serviço. Ou seja, enquanto o trabalhador submetido a um contrato de emprego comum deixa de receber a remuneração no caso de faltar injustificadamente ao serviço e pode sofrer alguma punição disciplinar, o trabalhador intermitente se submete a uma pena- lidade pecuniária8 que desconsidera a sua condição financeira, sendo, ainda, obscura a possibilidade de “compensação” no prazo
7. Categoria que, apesar de ter especificidades indiscutíveis, somente foi excluída da possibilidade de se submeter a um contrato de trabalho intermitente por conta da pressão política realizada ao longo da tramitação da Lei nº 13.467/2017. Isso por- que, logicamente, existem diversos contratos laborais especiais e mesmo atividades submetidas a situações específicas que, a partir de uma análise racional, também não deveriam se submeter ao precarizador contrato de trabalho intermitente.
8. Aparentemente, a aplicação da penalidade substituiria qualquer possibilidade de punição disciplinar pela falta injustificada do trabalhador intermitente. Porém a legislação não é totalmente clara nesse sentido e, como visto em parágrafo anterior, parece inegável que a reiteração do descumprimento contratual pelo empregado ou pelo empregador pode vir a ensejar a resolução do contrato de trabalho.
de trinta dias9. Esse tratamento distinto para a falta injustificada do empregado convencional e para o trabalhador intermitente re- almente parece ferir, de forma imotivada, o Princípio da Isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988).
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx e Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxx (2022, p. 118) entendem que o contrato de trabalho inter- mitente é tão precarizador e tão desprovido de garantias que seria inadequado tentar enquadrar os trabalhadores autônomos “ube- rizados” (trabalhadores por aplicativo) nessa modalidade laboral, já que isso não resolveria a situação desses trabalhadores – que se submeteriam a um contrato de emprego com severos problemas de compatibilidade constitucional e convencional – e configuraria uma segunda etapa de discriminação desses laboristas. Além disso, o reconhecimento da submissão generalizada dos trabalhadores por aplicativo ao contrato de emprego intermitente traria o prejuízo de consolidar e normalizar essa modalidade extremamente pre- cária de vínculo laboral, prejudicando o eventual reconhecimento, perante o Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente.
Diante de todas as análises desenvolvidas e posições apre- sentadas, entende-se, assim, que o contrato de trabalho intermi- tente, da forma em que regrado, é incompatível com a Constituição Federal do Brasil de 1988.
Inclusive, tramita perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5826, de relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxxx, cujo julgamento ainda se encontra pendente de con- clusão. Entretanto, é de se destacar que o relator já manifestou seu voto no sentido de “declarar a inconstitucionalidade do artigo 443, caput, parte final, e § 3°; artigo 000-X, § 0x xx § 0x, x xxxxxx 000-X, VIII, todos da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017”, justamente porque entendeu que o contrato de trabalho intermi- tente foi regrado sem garantir praticamente nenhum direito ao
9. O trabalhador teria que trabalhar um dia a mais de graça para não ser multado pelo dia faltante? Ou trabalharia um dia a mais, teria a multa perdoada e receberia a remuneração do dia em que faltou ao serviço? O empregador seria obrigado a ofertar serviço suficiente para viabilizar a possibilidade de o empregado trabalhar o dia compensatório? Enfim, são muitas dúvidas.
trabalhador, em verdadeira omissão inconstitucional (violação à proibição de proteção insuficiente) (STF, 2020).
Por outro lado, a eventual aceitação da validade consti- tucional dessa modalidade contratual empregatícia impõe a limitação de seu escopo de incidência. Considerando se tratar de um contrato de reduzido conteúdo obrigacional entre as partes e levando em conta o caráter especial e muito pouco protetivo para o empregado da modalidade intermitente, logicamente esse tipo contratual deve ser interpretado de forma restritiva e subsidiária. Ou seja, sempre que a prestação laboral faticamente se desenvol- ver sob certa regularidade e previsibilidade, deve-se rejeitar/afas- tar a modalidade intermitente e se reconhecer que o contrato de trabalho se submete ao regramento laboral convencional. Nesse contexto, vislumbra-se, na realidade, que o espaço mais adequado de cabimento do contrato de trabalho intermitente circunscreve-
-se às hipóteses em que o empregador pretende firmar um pacto empregatício simbólico com trabalhadores autônomos, no qual a subordinação – principal elemento caracterizador da relação de emprego – é presumida e meramente fictícia10.
De qualquer sorte, a despeito de todas as críticas formuladas, é importante comparar a regulamentação brasileira do trabalho intermitente com o modelo português, a fim de se constatar as diferenças e semelhanças das soluções adotadas e até mesmo verificar se a normatização brasileira poderia evoluir a partir da experiência de Portugal.
2. O contrato de trabalho intermitente em Portugal comparado com o modelo brasileiro
O contrato de trabalho intermitente é regrado pelos artigos 157º a 160º do Código do Trabalho de Portugal de 2009 (Lei nº 7/2009).
10. Essa interpretação, caso consolidada, acabaria garantindo aos autônomos alguns direitos adicionais em relação ao labor desempenhado sob a forma civil de prestação de serviços e, ao mesmo tempo, impediria que o contrato de trabalho intermitente servisse como meio para precarizar os direitos laborais daqueles que efetivamente laboram sob a presença dos requisitos da relação empregatícia.
O item 1 do artigo 157º limita a possibilidade de pactuação do contrato de trabalho intermitente à empresa que exerça ati- vidade com descontinuidade ou intensidade variável, indicando que essa modalidade especial de contrato de trabalho não pode ser usada por qualquer empregador. Assim, em sintonia com a doutrina de Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de Lima (2020), é notável que o regramento português destoa do regramento brasileiro, uma vez que este se limita a ressalvar a impossibilidade de o contrato de trabalho intermitente se aplicar aos aeronautas e, com isso, dá a entender que, afora essa vedação, a modalidade poderia ser ge- neralizadamente adotada, independentemente das características de funcionamento da atividade da empregadora.
A parte final do mesmo dispositivo português (art. 157º, 1) autoriza, para as empresas que exerçam atividades com as carac- terísticas apresentadas no parágrafo anterior, o trabalho intermi- tente, o qual resta definido como sendo aquele caracterizado por uma prestação de trabalho intercalada por um ou mais períodos de inatividade, em conceituação similar à adotada pelo Brasil.
Parte da doutrina portuguesa, ilustrada por Xxxx Xxxx Xxxxx (2020), compreende que o contrato de trabalho intermitente portu- guês seria um gênero dividido em duas espécies: o “trabalho inter- mitente alternado”, no qual o contrato laboral define previamente não somente a quantidade de prestação laboral a ser exigida, mas também os períodos em que o trabalho ocorrerá (espécie que pouco se assemelha com o modelo brasileiro); e o “trabalho intermitente à chamada”, no qual a quantidade de trabalho é previamente defi- nida, como exige a legislação portuguesa, porém sem a definição de quando o labor deverá ocorrer (espécie um pouco mais próxima do regramento brasileiro). No entanto, essa classificação, apesar de bastante lógica, não foi adotada abertamente pelo legislador, que regrou ambas as espécies de forma conjunta e homogênea.
O art. 157, 2, do Código do Trabalho português, por outro lado, estabelece que o contrato de trabalho intermitente não pode ser celebrado a termo resolutivo11 ou em regime de trabalho
11. Segundo o art. 140º, 1, do Código do Trabalho de Portugal, o “contrato de tra- balho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades
temporário12, ao contrário da regulamentação brasileira, que não estabelece expressamente a incompatibilidade do contrato de trabalho intermitente com a fixação de prazo determinado ou com o trabalho temporário.
O artigo 158º do Código do Trabalho de Portugal traz, em seu item 1, a exigência de o contrato de trabalho intermitente ser firmado de forma escrita, contendo a identificação, as assinaturas e o domicílio/sede das partes, bem como a indicação do número anual de horas de trabalho ou do número anual de dias de traba- lho a tempo completo13. A forma escrita também é adotada pelo modelo brasileiro (art. 452-A, caput, da CLT). Porém o modelo português traz a imposição de definição, no contrato de trabalho, de uma quantidade mínima de labor obrigatório/garantido, sendo esse um ponto muito diferente do modelo brasileiro, que não traz legalmente nenhuma garantia/obrigação de quantidade mínima de prestação de serviços na modalidade intermitente.
O art. 158º, 2, do Código Laboral de Portugal traz a previsão expressa de que a inobservância da forma escrita ou a ausência de indicação do número anual de horas de trabalho ou do núme- ro anual de dias de trabalho a tempo completo fazem com que o contrato seja considerado como sendo sem período de inatividade. Em outras palavras, a modalidade intermitente é considerada nula quando desatendidas essas exigências formais, aplicando-se à relação laboral o contrato de trabalho comum (não intermitente). No caso brasileiro, a legislação estipula a forma escrita do contrato de trabalho intermitente (art. 452-A, caput, da CLT), mas não esta- belece, com clareza, se a modalidade especial, caso inobservada a forma escrita, será considerada nula, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência firmar essa consequência14.
temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, sendo bastante similar, portanto, ao contrato de trabalho por prazo determinado existente no Brasil.
12. O regime de trabalho temporário português se assemelha, em linhas gerais, com o trabalho temporário instituído no Brasil pela Lei nº 6.019/1974.
13. O trabalho a “tempo completo” seria equivalente ao trabalho com jornada integral existente no Brasil. Em síntese, o trabalho a tempo completo seria, portanto, aquele não enquadrado como sendo de tempo parcial.
14. O que já vem ocorrendo, consoante precedentes mencionados anteriormente.
O artigo 159º, 1, do Código Trabalhista português prevê que o empregador e o empregado “devem estabelecer a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de trabalho, ou a antecedência com que o empregador deve informar o trabalha- dor do início daquele”, garantindo, outrossim, que a prestação de trabalho pactuada “não pode ser inferior a cinco meses a tempo completo, por ano, dos quais pelo menos três meses devem ser consecutivos” (art. 159º, 2). A normatização brasi- leira, apesar de viabilizar que o contrato de trabalho detalhe o desenvolvimento da relação laboral e assegure direitos ao trabalhador intermitente, não garante, por si, nenhum tempo mínimo de ativação laboral do trabalhador ao longo do ano, conforme visto anteriormente.
Destaque-se que a doutrina laboral portuguesa aponta e critica a alteração recente, promovida pela Lei de Portugal n. 93/2019, que diminuiu o tempo mínimo obrigatório de prestação laboral de seis para cinco meses por ano e, consequentemente, aumentou o tempo máximo de inatividade permitido de seis para sete meses, bem como reduziu de quatro para três meses o perío- do de labor contínuo assegurado pela legislação, tornando menos protetiva, para o trabalhador, a disciplina do contrato de trabalho intermitente. Glória Rebelo (2019), por exemplo, entende que as alterações trouxeram benefícios para o empregador por meio da compressão dos interesses dos trabalhadores.
O art. 159º, 3, do Código do Trabalho de Portugal estipula que o prazo entre a convocação e o início do trabalho não pode ser inferior a trinta dias, no caso de o trabalhador estar exercendo outra atividade durante o período de inatividade do contrato inter- mitente, e não pode ser inferior a vinte dias nas demais hipóteses. A legislação brasileira, em contrapartida, estabelece o prazo único mínimo de antecedência de apenas três dias corridos.
A recente Lei de Xxxxxxxx x. 00, xx 0 xx xxxxx xx 0000, xx- terou o item 4 no art. 159º – cujo texto anterior15 passou a cons-
15. Redação anterior do art. 159º, 4, do Código de Trabalho de Portugal: “Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior”.
tar, com mínimas adaptações, no incluído item 516 -, passando a estabelecer que “em caso de incumprimento do empregador do disposto nos números anteriores, o trabalhador não é obrigado a prestar trabalho nem pode ser prejudicado por esse motivo”. Essa nova disposição deixa evidente que o empregador que des- cumprir com suas obrigações legais (oferta de serviço mínimo e cumprimento dos prazos legais de convocação, destacadamente) não pode exigir que o empregado labore, de modo que, nesse con- texto, a negativa do trabalhador em atender à convocação é um ato lícito que não pode ensejar nenhuma punição ao empregado.
A contrario sensu, fica claro que o empregado intermitente é obrigado a prestar o trabalho para o qual foi convocado na hipótese em que o empregador cumpre rigorosamente as suas obrigações legais. Essa linha destoa totalmente do caso brasileiro, que adotou um modelo “super flexível” de contrato de trabalho intermitente em que nem o empregador é obrigado a convocar e nem o empre- gado é obrigado a atender à convocação (art. 452-A, §§2º e 3º, da CLT), ainda que o empregador cumpra com as quase inexistentes obrigações legais (no caso, o prazo mínimo de convocação de três dias previsto no art. 452-A, §1º, da CLT).
O modelo brasileiro somente “obriga” ambas as partes a concretizarem o serviço no caso de o trabalhador responder positivamente à convocação realizada pelo empregador, diretriz essa que pode ser deduzida do fato de que a legislação brasileira estabeleceu uma multa pecuniária visando sancionar a parte que, sem justo motivo, vier a descumprir a prestação de serviços ofer- tada e aceita (art. 452-A, §4º, da CLT).
O art. 160º, 1, do Código de Trabalho português assegura que, durante o período de inatividade, o trabalhador pode exer- cer outra atividade, devendo, no entanto, informar o empregador desse fato. A legislação brasileira também autoriza que, durante o período de inatividade, o trabalhador possa prestar serviços a outros contratantes, porém não obriga que essa circunstância seja informada ao empregador intermitente (art. 452-A, §5º, da CLT).
16. Redação atual do art. 159º, 5, do Código de Trabalho português: “Constitui con- traordenação grave a violação do disposto no n.º 3”.
O art. 160º, 2, do Código Laboral de Portugal traz a garantia de que o trabalhador receba uma compensação retributiva pelo período de inatividade, a ser paga na mesma periodicidade do salário, em valor estabelecido em instrumento coletivo de tra- balho ou, não havendo este, pelo montante de, ao menos, 20% (vinte por cento) do salário básico17. Esse é um dos pontos mais relevantemente diferentes entre Portugal e Brasil, haja vista que a regulamentação brasileira não garantiu nenhuma remuneração mínima pelo período de inatividade do trabalho intermitente.
A diferença se dá porque o sistema português adota a com- preensão de que o trabalhador sujeito a um “contrato de trabalho intermitente à chamada”, caso efetivamente convocado, deve aten- der à convocação do empregador para trabalhar, observando-se, para tanto, período mínimo de antecedência convocatória muito superior ao Brasil.
Nessa trilha, Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2017, p. 65) explica que o contrato de trabalho intermitente à chamada estabelece a “compen- sação contributiva” com o intuito de garantir que o empregado per- maneça disponível para cumprimento do contrato quando convoca- do para trabalhar18 ou, no caso do contrato de trabalho intermitente alternado, com a finalidade de manter o trabalhador disponível para prestar serviço nos períodos pactuados e para que o laborista até mesmo aceite e se submeta a essa modalidade contratual especial mais instável e sujeita a vários e longos períodos de inatividade.
Sobre o tema, Glória Rebelo (2019, p. 630) reforça o es- clarecimento sobre a justificativa da retribuição compensatória pelos períodos de inatividade: “A intenção do legislador sendo de compensar financeiramente o trabalhador pela inactividade, dado que mantendo-se o trabalhador disponível para responder à convocatória do empregador nestes períodos existe uma hete- rodisponibilidade que deve ser remunerada”.
17. Entretanto, o salário recebido pelo trabalhador em virtude do exercício de outras atividades no período de inatividade é deduzido da compensação retributiva pelo pe- ríodo de inatividade do trabalho intermitente (art. 160º, 3, do CT Português de 2009).
18. Há uma obrigação do trabalhador de aceitar o chamado para prestar serviços, ao contrário do modelo brasileiro.
Complementando a regra sobre a “compensação retribu- tiva” dos períodos de inatividade, o art. 160º, 3, do Código de Trabalho de Portugal preceitua que se o “trabalhador exercer outra atividade durante o período de inatividade, o montante da correspondente retribuição é deduzido à compensação re- tributiva calculada de acordo com o número anterior”. Trata-se de disposição inserida pela Lei de Portugal n. 93/2019 que cria uma espécie de “dedução” atípica entre o salário pago por outros tomadores e o valor devido pelo empregador intermitente a título de “compensação retributiva”, ignorando que a remuneração paga por outro tomador é uma contraprestação ao serviço prestado, enquanto a “compensação retributiva” visa manter o empregado à disposição e vinculado ao contrato de trabalho intermitente até a próxima convocação. Trata-se de norma precarizadora, portanto, que força uma “dedução” entre parcelas de natureza e finalidade distintas. Porém, como o ordenamento jurídico brasileiro sequer remunera o período de inatividade do trabalhador intermitente, mesmo com essa novidade prejudicial aos laboristas, o modelo português ainda permanece sendo muito mais favorável aos em- pregados do que o paradigma implementado no Brasil.
O artigo 160º, 4, do Código Trabalhista de Portugal dispõe que a remuneração das férias e do décimo terceiro salário deve ser calculada com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos doze meses ou no período de duração do contrato, se esta for inferior. O orde- namento jurídico brasileiro optou por determinar o pagamento imediato e proporcional ao período trabalhado das férias mais um terço e do décimo terceiro salário imediatamente após a conclusão da prestação de serviços.
O art. 160º, 5, do Código Laboral português traz expres- samente que, durante o período de inatividade, são mantidos os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Inexiste previsão similar na le- gislação brasileira, sendo, entretanto, possível deduzir que essa disposição também se aplica em relação ao trabalhador intermi- tente brasileiro, uma vez que apresenta uma regra implícita que
logicamente deve incidir, salvo disposição especial em contrário, a todas as partes de todas as modalidades contratuais empregatícias. Importante elucidar que a figura do contrato de trabalho intermitente, ao menos considerando dados de 2014, não cumpriu a promessa, em Portugal, de combater a precariedade laboral e de melhoria da proteção social dos trabalhadores independentes, sendo muito pouco utilizado na prática (Monte, 2020, p. 19), encon- trando ainda alguma aceitação mais relevante no setor de turismo
(Rebelo, 2019, p. 629). No Brasil, apesar de ter sido instituído mais recentemente (em 2017) e sem qualquer promessa de combate à precarização trabalhista, a modalidade, considerando informações apuradas até 2019, ainda representa menos de 0,5% dos contratos de trabalho formalizados no país e, de forma bastante preocupante, um a cada cinco vínculos intermitentes não chegou a gerar renda alguma para o trabalhador ao longo de 2019 (DIEESE , 2020).
Independentemente dessa constatação, a comparação entre os modelos português e brasileiro deixa evidente que este, até mesmo a fim de sair do estado de inconstitucionalidade em que se encontra, deve adotar diversos aprimoramentos que podem se basear nas diretrizes já adotadas por Portugal.
Considerações Finais
A análise comparativa entre o Direito do Trabalho brasilei- ro e português evidencia um descompasso muito acentuado na regulamentação do contrato de trabalho intermitente. Enquanto no Brasil se adota um modelo extremamente precarizador e sem garantias para os empregados, Portugal adota importantes regras que, em tese, submetem essa modalidade contratual laboral a parâmetros razoáveis de civilidade.
Nesse sentido, constatou-se que a hipótese encampada no início do escrito se mostrou acertada, pois, de fato, o Direito Portu- guês possui regulamentação do contrato de trabalho intermitente mais favorável ao trabalhador do que o modelo adotado no Brasil.
Diante dessa conclusão, o legislador brasileiro, até mesmo a fim de sair do estado de inconstitucionalidade em que se encontra
a deficitária regulamentação vigente, deve adotar diversos apri- moramentos urgentes na disciplina do contrato de trabalho inter- mitente, os quais podem se basear nas diretrizes já adotadas por Portugal, quais sejam: a limitação da modalidade apenas a algumas situações empresariais e econômicas específicas que efetivamente justifiquem a adoção dessa modalidade contratual especial; a ga- rantia de uma quantidade mínima anual de prestação de serviços no trabalho intermitente; e a garantia de uma contraprestação ao trabalhador pelo período de inatividade.
Referências
XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação ju- rídica. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019.
XXXXX, Xxxx Xxxx. Contrato de Trabalho: à luz do novo Código do Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2009.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo nº 1000806-40.2020.5.02.0065, da 13ª Turma. Recorrente: WMB Supermercados do Brasil Ltda. Recorrida: D. S. F. P. Relatora Desembargadora: Cíntia Táffari, São Paulo, SP, 10 de junho de 2021. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, São Paulo, SP, 29 jun. 2021.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Embargos de Declaração em Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo nº 0001122-95.2019.5.09.0005, da 7ª Tur- ma. Embargante: A. F. P. P. Embargado: Xxxxxx Xxxxxxxxx de Pontes & Cia Ltda – EPP. Relatora Desembargadora: Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, Curitiba, PR, 29 de abril de 2021. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Curitiba, PR, 17 mai. 2021.
CUNHA, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx da; XXXXX, Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. O contrato de tra- balho intermitente e a uberização do trabalho: será juridicamente adequado conside- rar um motorista uberizado como trabalhador com contrato intermitente? Revista Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, [S. l.], v. 8, n. 1, p. 96 – 122, 2022.
XXXXXX, Xxx. Direito Constitucional Comparado: introdução, teoria e meto- dologia. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
XXXXX, Xxxx. Os grandes sistemas do direito contemporâneo: direito com-
parado. 2 ed. Lisboa: Meridiano, 1978.
XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. A reforma trabalhis- ta no Brasil: com os comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: Ltr, 2017.
DIEESE – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SO-
CIOECONÔMICOS. Boletim emprego em pauta número 17 (dezembro de 2020). São Paulo: Dieese, 2020. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/ boletimempregoempauta/2020/boletimEmpregoEmPauta17.html. Acesso em: 5 dez. 2022.
XXXXX, Xxx Xxxxxx. Método(s) em Direito Comparado. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, v. 61, n. 3, p. 189 – 212, dec. 2016. ISSN 2236-7284. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/00000>. Acesso em: 02 dez. 2022.
MONTE, Xxxxxxxx Xxxxxx. O Regime Jurídico do Contrato de Trabalho In- termitente em Portugal e no Brasil. 2020. 81 f. Dissertação (Mestrado em Solicitadoria de Empresa) – Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Leiria, 2020. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxxxxxx/00000.0/0000/0/ JO_DISSERTAÇÃO_com_correções_formais.pdf. Acesso em: 5 dez. 2022.
XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de. Trabalho intermitente: um estudo compa- rativo da legislação estrangeira. In: XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de (org.). Relações de trabalho contemporâneas: da uberização à Covid-19. Fortaleza: Premius/Excola Judicial, 2020.
XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de. Metodologia do tra- balho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acedêmico. 2 ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.
REBELO, Glória. O contrato de trabalho a termo e o contrato de trabalho inter- mitente – alterações ao Código do Trabalho. Revista da Ordem dos Advoga- dos, Lisboa, v. III/IV, n. 1, p. 611 – 637, 2019.
XXXXXXXXX, Xxxxxxx. O Contrato de Trabalho Intermitente no Direito Por- tuguês e a Introdução desta Modalidade Contratual no Direito Brasileiro Através da Lei 13.467/2017. 2018. 188 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Laborais, Universidade de Lisboa (Faculdade de Direito), Lisboa, 2017. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx/00000/00000. Acesso em: 5 dez. 2022.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Relator vota pela inconstitucionalidade de contrato de trabalho intermitente. Supremo Tribunal Federal, 2 dez. 2020. Disponível em: xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxXxxxxxxXxxxxxx. asp?idConteudo=456516&ori=1. Acesso em: 21 set. 2023.