NATHÁLIA RODRIGUES CALDEIRA
NATHÁLIA RODRIGUES CALDEIRA
A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
Tangará da Serra-MT 2022
NATHÁLIA RODRIGUES CALDEIRA
A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade de Cuiabá, campus Tangará da Serra, como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Direito.
Orientadora: Regiane Cremasco Molina
Tangará da Serra-MT 2022
NATHÁLIA RODRIGUES CALDEIRA
A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade de Cuiabá, campus Tangará da Serra, como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Direito.
BANCA EXAMINADORA
Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)
Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)
Prof(a). Titulação Nome do Professor(a)
Tangará da Serra, dia, mês ano.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus que me permitiu chegar até aqui, pois o caminho para tornar este sonho real, não foi fácil, a começar pelo ensino médio de apenas um sonho distante de cursar Direito, até se realizar com a aprovação no ProUni com bolsa integral, meus agradecimentos de todo o meu coração a Deus, pois sem Ele nada disso seria possível, em todos os momentos difíceis foi Ele que esteve comigo, segurando a minha mão e me dando forças, meu Deus que me mostrou que todos os sonhos são possíveis.
A minha mãe, minha primeira fonte de inspiração acadêmica, guerreira, que fez o papel de pai e mãe, gratidão a minha mãezinha que sempre acreditou em mim, sempre me disse que seria possível, para ter fé, e sempre orou pelos meus sonhos, ela quem foi comigo fazer minha matricula, toda feliz e animada, a minha maior inspiração, pois sempre batalhou para alcançar seus objetivos e mesmo em meio a muitas dificuldades alcançou e sem perceber me mostrou que nós somos do tamanho dos nossos sonhos.
A minha irmã, minha segunda maior inspiração acadêmica, a pessoa que eu olhava e falava “será que um dia vou ser igual?”, e ela sempre me dizia “você é melhor que eu”, minha maninha, a que ficava feliz por cada conquista minha, a pessoa que comprou meus livros e xxxxxxxx, a pessoa que acreditou nos meus sonhos muito mais que eu mesma, minha querida irmã que sempre me encheu de orgulho e hoje consigo retribuir.
Ao meu irmão pelo apoio, por demonstrar que somos capazes de alcançar os objetivos com muita luta e dedicação, e por sempre ter acreditado em mim.
Ao meu namorado, pela compreensão em todos os momentos difíceis dessa trajetória, por todos os conselhos, pelo apoio, paciência, amor, dedicação e incentivo, por tornar mais leve esses 5 (cinco) anos, bem como, me mostrar que sou capaz e sempre olhar pra mim e dizer “você já conseguiu!”, meus agradecimentos de todo meu coração, pois em todos os momentos que me senti incapaz, e triste, ele quem olhava pra mim e me dizia que eu já tinha conseguido.
O ser humano é aquilo que a educação faz dele. Xxxxxxxx Xxxx.
Fiados nos Contratos de Locação: 2022. 30. Trabalho de Conclusão de Curso em Direito – UNIC, Tangará da Serra, 2022.
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi apontar a inconstitucionalidade da penhora do único bem de família do fiador nos contratos de fiança, expondo as formas de família, contrato de fiança, instituo da penhora e a inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/1990, concluindo pela inconstitucionalidade, em razão da violação ao princípio da igualdade e ao direito digno à moradia. Ademais, a metodologia adotada neste trabalho foi a Revisão Bibliográfica, pelo método de pesquisa qualitativa e descritiva.
Palavras-chave: Bem de família. Contrato de Locação. Fiança. Fiador. Impenhorabilidade.
Asset in the Lease Contracts. 2022. 30Trabalho de Conclusão de Curso em Direito
– UNIC, Tangará da Serra, 2022.
ABSTRACT
The objective of this work was to point out the unconstitutionality of the attachment of the guarantor's only family asset in the surety contracts, exposing the forms of family, surety agreement, attachment institute and the unconstitutionality of article 3, item VII of Law 8.009/1990, concluding for unconstitutionality, due to the violation of the principle of equality and the right to decent housing. Furthermore, the methodology adopted in this work was the Bibliographic Review, using the qualitative and descriptive research method.
Keywords: Good family. Lease agreement. Bail. Guarantor. unseizability.
SUMÁRIO
2. AS FORMAS DE FAMÍLIA E O ÚNICO BEM FAMILIAR. 11
3. O CONTRATO DE FIANÇA E A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO BEM DE FAMILIA 16
4. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 3, INCISO VII, DA LEI Nº 8.009/90 20
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como por objetivo uma análise acerca da penhora do único bem de família no caso do fiador locatício nos contratos de locação, inserida pela Lei n º 8.009, de 20 de março de 1990, no qual dispõe acerca da Impenhorabilidade do Único bem de Família, o enfoque deste trabalho é a abordagem na exceção elencada no artigo 3º inciso VII, que dispõe ser passível de penhora o único bem de família do fiador nos contratos decorrentes de fiança.
Ocorre que, a Lei de Impenhorabilidade do bem de família, estipula que o bem de família em regra é impenhorável, entretanto, dispõe a exceção supracitada, cumpre apontar por meio deste, que o bem de família do fiador não merece ser penhorado, no sentido de que o locatário que deve ser responsabilizado primeiro pelo seu inadimplemento, não podendo o fiador ter seu bem que reside com sua família penhorado, uma vez que é o próprio locatário que usufrui do imóvel, não possuindo o fiador benefício algum.
Dessa forma surge a problemática, acerca da redação do inciso VII, da referida lei, seria inconstitucional, a constituição federal de 1988, assegura a todo cidadão brasileiro, o direito digno à moradia, bem como a declaração universal dos direitos humanos, e ainda o pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, no qual o Brasil faz parte, ocorre que este direito é violado, no caso da penhora do único bem de família, do fiador nos contratos de locação, ocasionando dessa forma a violação em conjunto do princípio da isonomia.
Sendo necessário a análise detida da Impenhorabilidade do único bem de Família do fiador, enfatizando as formas de constituição de família, a caracterização do único bem familiar com a aplicação do direito à moradia e o princípio da isonomia, necessário ainda, em conjunto a análise do contrato de fiança, com a figura do fiador e suas responsabilidades, para a compreensão da referida inconstitucionalidade presente na redação do inciso VII, inserida no artigo 3º da referida lei, foi introduzida por meio da Lei nº 8.009/90 (Lei da impenhorabilidade do bem de família), no qual estipula que no caso de obrigação decorrente de fiança, é penhorável o único bem de família, exceção supracitada, viola o direito à moradia pois, não garante o mínimo a dignidade da pessoa humana, na medida em que o único bem de família do fiador é penhorado, ficando este sem sua moradia, em decorrência de um contrato acessório, qual seja o contrato de fiança.
Cumpre destacar que o referido inciso foi objeto de repercussão geral, sendo discutido diversas vezes sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, e ainda é objeto de discussão, sem ser pacifico tal entendimento a inconstitucional a penhora do único bem de família do fiador, não sendo sanada tal problemática, dessa forma é de suma importância a análise do presente caso.
O fundamento utilizado foi com base em doutrinas e jurisprudências, com ênfase a jurisprudência, pois existe uma discussão permanente acerca deste tema, que até o momento não foi sanada, a metodologia de pesquisa realizada neste trabalho foi uma Revisão Bibliográfica, sendo os fundamentos com base em doutrinas, jurisprudências, legislação especifica, bem como a Constituição Federal, portanto o método utilizado é a pesquisa qualitativa e descritiva, através das fontes do direito, para aplicação do caso concreto em discussão, sendo a análise bibliográfica o elemento essencial para justificar a necessidade deste estudo, pois através dela, se comprova a inconstitucionalidade supracitada.
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2. AS FORMAS DE FAMÍLIA E O ÚNICO BEM FAMILIAR.
2.1 A DIVERSIDADE DE FAMÍLIAS
Existe uma diversidade nas formas de família, sendo um grande avanço ao decorrer dos anos, visto que, rompeu diversos preconceitos acerca dos conceitos de família, pois em primeiro momento muitos consideravam como família apenas “tradicional” composta por homem e mulher, não acreditando na possibilidade de constituição de outras formas de famílias.
Neste viés, é possível identificar atualmente várias formas de constituição de uma unidade familiar, de tal forma, que não seria possível apenas a identificação da família tradicional enraizada, neste contexto preceitua Xxxx Xxxxxxxx:
Por isso não é admissível preordenar espécies estanques de unidade familiar e destiná-las como emissárias únicas da proteção estatal, quando a sociedade claramente acolhe outros dignificantes modelos de núcleos familiares e demonstra que aquelas previamente taxadas não espelham todo o alicerce social da família brasileira. (XXXX XXXXXXXX, 2018, pág. 46).
O dever do Estado é proteger a família, sendo está família constituída de diversas formas, pois assim dispõe o texto constitucional em seu artigo 226, caput, “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, dessa forma, é necessário a análise das diversas formas de família, elencadas no texto constitucional, bem como as não elencadas.
2.2 FAMÍLIA MATRIMONIAL
A família matrimonial é a mais conhecida, basicamente está espécie de família é aquela reconhecida através do casamento, que é a consagrada pelo sacramento da Igreja, ao unir de forma indissolúvel um homem e uma mulher e cujos vínculos foram igualmente solenizados pelo Estado, que, durante largo tempo, só reconheceu no matrimônio a constituição legítima de uma entidade familiar, marginalizando quaisquer outros vínculos informais (MADALENO, 2018, pág. 47).
Conforme preceitua, Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (2021, pág. 83), quando se diz família matrimonializada se refere aquela constituída pelo casamento civil e religioso, sendo está família constituída pelo casamento em seus moldes tradicionais, ou seja, herdados de um período em que não havia separação entre a Igreja Católica e o Estado, ocorre que em um Estado Laico, este termo nem sempre é o mais utilizado,
pois é diversas formas de constituição familiar, não devendo portanto se prender a apenas este conceito, pois não reflete a sociedade como um todo e sim apenas a parte que considera está forma familiar.
2.3 FAMÍLIA MONOPARENTAL
A família monoparental tem crescido cada vez mais em nossa sociedade, sendo mais comum vermos as mães criando seus filhos sozinhas, está forma familiar está elencada no artigo 226 da Constituição Federal, parágrafo 4º, no qual dispõe “Art.
226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Cumpre destacar, que as famílias monoparentais são aquelas em que um progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivos, dessa forma, são constituídos os núcleos monoparentais formados pelo pai ou pela mãe e seus filhos, ainda que o outro genitor esteja vivo, ou tenha falecido, ou que seja desconhecido porque os filhos provenha de uma mãe solteira, sendo bastante frequente que os filhos mantenham relação com o progenitor com o qual não vivam cotidianamente, daí não haver como confundir família monoparental com lugar monoparental (MADALENO, 2018, pág. 49).
2.4 FAMILIA ANAPARENTAL
A família anaparental, não se forma somente da parentalidade, mas sim da convivência de pessoas do mesmo sexo ou não, vivendo como família se fosse família, sendo comum os laços de afeto, a formação desta família é aquela entre irmãos, primos ou pessoas que têm uma relação de parentesco entre si, no entanto, sem que haja conjugalidade entre elas e sem vínculo de ascendência ou descendência, está é uma espécie do gênero família parental. (PEREIRA, 2021, pág. 73).
Dessa forma, uma vez inexistente a diferença de grau de parentesco entre seus membros da família, ou seja, hierarquia entre as gerações, como a família formada apenas pelos irmãos, surge então a chamada família anaparental (DIAS, 2021, pág. 668).
2.5 FAMILIA UNIPESSOAL
Vivemos em um século em que é comum as pessoas viverem sozinhas em suas residências, e por escolherem esta forma de família, merecem a proteção do Estado da mesma maneira que as outras espécies de família, devemos respeitar a vontade do próximo, visto que nem todos tem interesse em comum de ter filhos, e até mesmo de se casar.
Embora pareça incoerente, pois o conceito de família está relacionado ao conceito primário, no qual seria aquele constituído por vínculo de parentesco ou conjugalidade, o Direito de Família brasileiro tem considerado como família os que vivem sozinhos, especialmente para caracterização de sua moradia como um bem de família e, portanto, impenhorável (XXXXXXX, 2021, pág. 74).
2.6 FAMÍLIA HOMOAFETIVA
Está forma familiar homoafetiva, está é altamente alvo de críticas dentro da nossa sociedade, pois existem muitas pessoas que não “aceitam” esse tipo de constituição de família, sendo o preconceito constante, ocorre que está forma de família, não busca aceitação, e sim o devido respeito, uma vez que a opção sexual de alguém não define o caráter desta pessoa, é comum vermos, pais de sexos opostos abandonar filhos, e de outro lado, é comum a adoção por familiar homoafetivas, que entregam todo carinho e amor, que essas crianças precisam, devendo portanto ser respeitada essa forma familiar.
Esta espécie é formada por pessoas do mesmo sexo, a não inclusão desta forma familiar no laço social, deixando de dar-lhe legitimidade e desconsiderá-la como uma entidade familiar como outra qualquer, é continuar repetindo os erros e injustiças históricas de exclusão de cidadanias, é um verdadeiro retrocesso de todos os direitos adquiridos e lutas sociais, em que as pessoas buscam por todos esses anos (XXXXXXX, 2021, pág. 88).
2.7 O ÚNICO BEM DE FAMÍLIA
Inicialmente cabe destacar o conceito de único bem de família, segundo a lei nº 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do único bem de família, o qual aduz em ser o único imóvel residencial utilizado por uma entidade familiar (casamento, união estável e a entidade monoparental e até mesmo de outra origem), nesse sentido:
Na busca do estabelecimento de um conceito para ilustrar o instituto, podemos compreender o bem de família como o bem jurídico cuja titularidade se protege em benefício do devedor — por si ou como integrante de um núcleo existencial —, visando à preservação do mínimo patrimonial para uma vida digna (XXXXXXXX, XXXXX XXXXXX, E PAMPLONA FILHO, 2019, p. 439).
Ainda neste contexto, vale destacar o entendimento pacifico do Superior Tribunal de Justiça na Súmula nº 364, “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”, demonstrando, portanto, as formas de família e o imóvel impenhorável destas.
2.8 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO
Está modalidade de bem de família, é assim denominada pois consiste em um ato da entidade familiar, por meio do registro ou testamento, para escolher um bem a fim de ser impenhorável, insta salientar, que essa forma de bem, está disposta no Código Civil, em seu artigo 1.711, caput em que dispõe:
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Nesta modalidade, a entidade familiar pode escolher um bem para deixar a salvo da penhora, desde que observadas as exigências previstas no Código Civil, no entanto se não a fizer, será considerada bem de família legal, concretizando então este entendimento:
Diferentemente do bem de família legal, o convencional é uma opção do seu instituidor. Se não fizer essa escolha naturalmente, a propriedade de sua moradia será um bem de família legal. Mas uma vez instituído o bem de família voluntário, o núcleo familiar não mais pode alegar em seu benefício a garantia do bem de família legal. (PEREIRA, 2021, pág. 609).
Cumpre destacar, que esta forma de bem de família, apenas protege as dívidas futuras, nesta hipótese é passível a penhora, visto que não houve a proteção, diferente do bem de família legal, que protege as dívidas já constituídas (PEREIRA, 2021, pág. 608).
2.9 BEM DE FAMÍLIA LEGAL
O bem de Família Legal está disposta na Lei nº 8.009/1990, na lei de Impenhorabilidade do Único bem de Família, no qual foi instituída a proteção do único imóvel residencial da família, sendo, portanto, dever do Estado realizar a proteção do único bem de família de forma imediata, por estar expressa no texto legal.
Nesse sentido, dispõe, Xxxxx Xxxxx, (2016, pág. 766), sendo a instituição do bem de família legal oficializado, apenas pelo fato de a família residir no imóvel de sua propriedade, seja esta residência urbana ou rural, nesta forma de bem de família, não tem outra exigência, sendo irrelevante o valor da residência, bem como a extensão patrimonial dos cônjuges, companheiros ou chefia da entidade monoparental.
Está forma de bem de família é denominada legal, pois está expressamente previsto no texto legal, sem margens para demais exigências, o que difere do bem de família voluntário, a forma legal, abrange as dividas futuras e já constituídas, não sendo possível a penhora do único imóvel familiar para quitação destas.
3. O CONTRATO DE FIANÇA E A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO BEM DE FAMILIA
3.1 O INSTITUTO DA PENHORA
O instituto da penhora, é a maneira de garantir a satisfação de uma dívida através do confisco de bens do devedor, nesse sentido preceitua, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx, (2021, pág.1276), sendo a penhora o meio em que realiza a constrição o qual tem por objetivo individualizar os bens do devedor, a fim de que seja afetado ao pagamento dos débitos que serão excutidos posteriormente.
Ademais a penhora é o ato primordial para todo cumprimento de sentença ou processo de execução, pois este é o instituto que garante o pagamento do devedor de maneira forçada por todos os meios possíveis para que haja o adimplemento pelo devedor, posto que sem a sua realização não é possível alcançar a satisfação do credor.
Extrai-se do artigo 835 do Código de Processo Civil, que a penhora deverá seguir preferencialmente a ordem disposta em seus incisos, sendo que a primeira que consta no rol é a forma de pagamento em dinheiro, ao passo que a penhora em bens imóveis consta no inciso V:
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;
III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV - veículos de via terrestre;
V - bens imóveis;
Diante disso, seguindo a ordem de preferência da penhora, poderia o fiador estar respaldado que somente seria penhorado seu imóvel, caso não sanado o débito conforme a ordem do rol do citado artigo, ademais, o artigo 827 do Código Civil dispõe que o fiador pode exigir até a contestação que seja executado primeiramente os bens do devedor, ou seja mais um motivo determinante para que não seja penhorado o único bem de família incialmente.
3.2 O CONTRATO DE FIANÇA
O contrato de fiança conforme Xxxxx Xxxx (2018, pág. 302), é a maneira em que o fiador garante com seu próprio patrimônio uma dívida de terceiro, ou seja, o
devedor, a finalidade é o adimplemento caso o devedor não cumpra a obrigação principal, a natureza jurídica do contrato de fiança é a sua gratuidade, pois é um negócio jurídico de benefício, bem como é um contrato unilateral, uma vez que não há uma contraprestação do credor e do devedor da dívida principal
O contrato de fiança está elencado no Capítulo XVIII, artigo 818, do Código Civil, no qual dispõe, que o contrato de fiança é a forma de garantir a satisfação do credor, pois, o fiador garante satisfazer ao credor a obrigação que foi assumida pelo devedor, caso este não cumpra, sendo está uma espécie de contrato acessório, vez que segue o principal.
Dessa forma, assegura que tradicionalmente, a fiança sempre foi a garantia mais utilizada, ou seja, desempenhando a função na vida econômica. Sendo que alguns contratos, como os de locação de imóveis urbanos, basicamente só se concluem com a figura do fiador, ainda que a lei estipule outras modalidades para tal, visto que a maioria das locações exigem como garantia a figura do fiador.
Ocorre que nos contratos de fiança conforme citado, o fiador assume a obrigação em conjunto com o devedor, pois caso a obrigação não seja devidamente paga por este, o contrato de fiança (contrato acessório) garantira o pagamento, visto que deriva de uma execução condicionada a inexecução de outro, ou seja um depende do outro, nesse sentido conceitua:
O contrato de fiança trava-se entre o fiador e o credor do afiançado. Sua natureza é a de um contrato subsidiário, por ter a execução condicionada à inexecução do contrato principal. Por outras palavras, a obrigação fidejussória só se toma exigível se a obrigação principal não for cumprida. Contudo, tal sucessividade não é da essência do contrato de fiança. Podem os interessados eliminá-la, estipulando a solidariedade entre o fiador e o afiançado, como, de regra, se procede na prática (XXXXX, XXXXXXX, 0000, p 556).
Dessa maneira, por ser um contrato subsidiário/acessório, não poderia dessa forma, o fiador, estar diante da penhora do seu único bem de família penhorado, visto que o devedor principal que deveria ser primeiramente executado, seguindo a ordem de preferência da penhora, para somente então o fiador, responder pela indébito, conforme preceitua:
Em outras palavras: se o fiador for demandado pelo locador, visando a cobrança dos aluguéis atrasados, poderá o seu único imóvel residencial ser executado, para a satisfação do débito do inquilino. Não ignorando que o fiador possa se obrigar solidariamente, o fato é que, na sua essência, a fiança
é um contrato meramente acessório, pelo qual um terceiro (fiador) assume a obrigação de pagar a dívida, se o devedor principal não o fizer. (GAGLIANO, 2019, p. 450).
Ocorre que a fiança por ser um contrato acessório/subsidiário conforme mencionado, este notadamente segue a sorte do contrato principal, ou seja dependerá do contrato principal, ao qual se vincula, dessa forma, caso o contrato principal for extinto ou for declarado inválido, a fiança por consequência não lhe sobreviverá, também deixando de existir, do mesmo modo, se a pretensão à obrigação prescrever, cessa a fiança, em razão de ser acessório a fiança não pode garantir dívida superior à do contrato principal (LÔBO, 2018, pág. 303).
No entanto não se demostra justo que o fiador sofra penhora de seu único imóvel familiar, em razão de um contrato subsidiário, enquanto o devedor principal ou seja o locatário não sofra com a penhora, o que acarreta na violação de princípio constitucional da igualdade, visto que somente o fiador resta prejudicado na relação em que prestou fiança, neste sentindo preceitua Xxxxxx Xxxxxxx:
Primeiro, porque o devedor principal (locatário) não pode ter o seu bem de família penhorado, enquanto o fiador (em regra devedor subsidiário – art. 827 do CC) pode suportar a constrição. A lesão à isonomia reside no fato de a fiança ser um contrato acessório, que não pode trazer mais obrigações do que o contrato principal (locação). (TARTUCE, 2007).
Cumpre destacar, o entendimento de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx (2018, pág. 158-159) que demostra, quando o fiador ser executado, este tem o direito de exigir que inicialmente sejam executados os bens do devedor situados na mesma comarca, livres e desembaraçados, indicando-os à penhora, e ainda os bens do fiador ficarão sujeitos apenas se os bens do devedor supracitado, for insuficiente para satisfação do credor.
Insta salientar, que este instituto demonstra a possibilidade de direito de regresso, dessa forma na ação promovida contra o fiador, este poderá chamar o afiançado por meio do chamamento ao processo, sendo que o mesmo ganhará a vantagem do título executivo, ou seja poderá executa-lo, bem como de exercitar o benefício de ordem, para que este nomeie bens livres e desembargados do devedor à penhora (XXXXXX XX, 2019, pág. 596).
3.3 A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO BEM DE FAMÍLIA A LUZ DA LEI 8.009/1990.
A impenhorabilidade do único bem de família está elencada na Lei 8.009/1990, no qual dispõe em seu artigo 1, que o imóvel residencial é impenhorável, e não responde por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal previdenciária ou de outra natureza, deixando evidentemente descrito que o imóvel unifamiliar é impenhorável.
Nesse sentido ainda que a lei mencione que o bem de família deve proteger o imóvel que sirva de residência do casal ou da entidade familiar, cumpre destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça tem alargado o seu conceito, como resulta da Súmula 364 o qual demonstra que o conceito de impenhorabilidade do bem de família, abrange também, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas.
Sendo o único bem de família impenhorável eis que protege o único imóvel do devedor, no sentindo de proteção ao núcleo familiar, ainda que o devedor resida sozinho em virtude das diversas hipóteses de constituição de família, se tratando de uma qualidade que agrega a um bem imóvel a imunidade em relação aos credores, sendo o principal objetivo do instituto da impenhorabilidade a garantia ao individuo ao teto para morar. (DIAS, 2021, pág. 758).
A interpretação da qualificação do bem de família, não deve se limitar tão somente ao que é indispensável para a subsistência, mas, sim, ao necessário para uma vida familiar digna, ou seja, sem luxo. (GAGLIANO, 2019, pág. 449), dessa forma o único bem de família de fato seria aquele destinado ao mínimo existencial.
Ocorre que a norma federal, Lei nº 8.009/90, ao dispor acerca das hipóteses de impenhorabilidade, prevista em seu artigo 3º, elencou inciso VII, o qual estipula ser passível de penhora o único bem de família do fiador decorrentes dos contratos de fiança.
4. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 3, INCISO VII, DA LEI Nº 8.009/90.
4.1 DIREITO A MORADIA
O Direito à moradia está estipulado na Constituição Federal em seu artigo 6º onde dispõe o rol dos direitos sociais, com a emenda constitucional 26/2000, no qual passou vigorar com a seguinte redação “Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Constituição Federal, 1988)”, insta saliente, que o direito à moradia também consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) dispõe em seu artigo XXV:
Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle
Além disso, o Brasil integra o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o qual tem por objetivo jurídico de vincular os dispostos na Declaração de Direitos Humanos, dessa forma, determina a responsabilidade internacional dos Estados-parte no caso de violação do respectivo pacto, (MONTE, 2002), sendo que que este foi promulgado em 1996, no qual dispõe em seu artigo 11:
1. Os Estados Partes do presente Xxxxx reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
Diante disso o bem de família é uma garantia constitucional, estipulada tanto na Constituição Federal, norma maior do Estado, como também na Declaração dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, devendo-se preserva o mínimo a dignidade da pessoa humana, dessa forma “A par de garantir o constitucional direito à moradia, o bem de família também
culmina por proteger o próprio núcleo familiar, preservando um patrimônio mínimo que garanta a sua dignidade”. (GAGLIANO, 2019, p. 440).
4.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O princípio da igualdade esta interligado diretamente com o direito à moradia visto que a Constituição Federal estipula este direito, assegurando a todos serem tratados iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natura, sendo o referido dispositivo elencado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no qual dispõe:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)”
Dessa forma, conforme Preceitua Associação Nacional dos Analistas Judiciários da União, o legislador não poderia editar normas que afasta o princípio da igualdade, pois ensejaria na inconstitucionalidade, ao passo que a autoridade política não poderia aplicar lei que aumente a desigualdade.
A garantia deste princípio é o tratamento igual para todos os indivíduos, ocorre que este princípio e direito estipulada na nossa Carta Magna, não se mostra presente quando se trata da exceção da Lei de Impenhorabilidade, uma vez que é possível a penhora do único bem do fiador, entretanto não se sujeita a penhora o único bem de família do devedor principal.
4.3 A CONTROVERSA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO INCISO VII, ARTIGO 3º, DA LEI 8.009/90.
A Lei nº 8.009/90, estipula a impenhorabilidade do único bem de família, entretanto abre exceção no caso do fiador locatício “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”.
Ocorre que referido dispositivo fere o direito à moradia, bem como o princípio da igualdade, e ainda, cumpre destacar que a inconstitucional do inciso do artigo supracitado, foi discutida no RE. 612.360, tema 295 de repercussão geral, o qual firmou entendimento que era constitucional a penhora, no entanto não fez distinção entre o imóvel residencial e o comercial.
Oportunamente em 2018, foi discutido pela 1ª turma do STF no RE. 605.709, momento este que a Ministra Xxxx Xxxxx, entendeu que não poderia favorecer o direito da livre iniciativa em prejuízo ao direito à moradia, votando pela inconstitucionalidade do inciso supracitado, no entanto ficou estipulada a impenhorabilidade no caso do fiador em contrato de locação comercial, conforme demonstra o julgado:
"A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador, destinado à sua moradia, cujo sacrifício não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial ou de estimular a livre iniciativa. Interpretação do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990 não recepcionada pela EC nº 26/2000.' 'A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia' (RE 605709, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: XXXX XXXXX, Primeira Turma, julgado em 12/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 15-02-2019 PUBLIC 18-02-
2019) (Grifo nosso)
O próprio julgado evidentemente destaca que não há justificativas para o devedor principal gozar de benefícios do qual o fiador não goze, pois claramente fere o princípio da igualdade ao tratar o devedor principal com vantagens do qual o fiador não tem, bem como fere o direito digno a moradia, pois o fiador perde seu único bem de família, ao tentar “ajudar” o devedor principal, pois fere ainda o artigo 827, caput, do Código Civil no qual dispõe “Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.”
Novamente a discussão foi retomada, no RE nº 1.307.334, no dia 12 de agosto de 2021, ficando o placar empatado, acerca do fiador na locação comercial. no entanto teve seu julgamento suspenso, denota-se que a controversa do Supremo Tribunal Federal é constante, bem como cabe destacar que tal discussão vem sendo objeto de apreciação desde 2010.
O ministro Xxxxx Xxxxxx, em seu voto no RE. 1.307.334, sob tema de repercussão geral 1.127, votou pela impenhorabilidade do bem de família do fiador decorrente de contrato de locação comercial, sob o crivo de que se o entendimento
da Suprema Corte era da penhorabilidade do imóvel residencial, pois seria possível contrapor o direito à moradia de fiadores de igual maneira relevante ao direito à moradia dos locatários, o mesmo não era verificado na hipótese de fiança em contrato de locação de imóvel comercial, dessa forma, declarou pela impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação não residencial, vejamos:
Ministro Xxxxx Xxxxxx, que dava provimento ao recurso extraordinário para declarar a impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação não residencial, propondo a seguinte tese: “É impenhorável o bem de família do fiador de contrato de locação não residencial”, no que foi acompanhado pelos Ministros Xxxx Xxxxx, Cármen Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro Xxxx Xxx. Plenário, 12.08.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)(Grifo Nosso).
Restando o placar empatado, com o consequente julgamento suspenso, pois metade concordava com a penhorabilidade, enquanto a outra metade pela impenhorabilidade, no entanto, o Supremo Tribunal Federal, retornou a referida discussão, acerca da impenhorabilidade do único bem de família, sendo consolidado em tese de repercussão geral número 1.127, com entendimento da constitucionalidade do referido inciso do dispositivo, sendo votado por 7 votos a 4, no dia 08 de março de 2022.
Ocorre que mesmo com o entendimento consolidado, o referido inciso VII, artigo 3º, da Lei 8.009/90, demonstra ser inconstitucional, uma vez que deixa de lado, o direito à moradia e o princípio da igualdade elencado na Constituição Federal de 1988, ao passo que o fiador a responder com o seu único bem pela dívida decorrente de fiança, o que fere friamente o direito à moradia.
Cumpre ressaltar, que a votação acerca da temática não restou unânime, pois quatro ministros não concordaram com a constitucionalidade do dispositivo legal, bem como no julgamento que restou suspenso metade do colegiado não concordou com a penhorabilidade, portanto ainda que haja entendimento consolidado, não é o que todos os ministros entendem de igual maneira.
Ainda nesse sentido, em Recurso Extraordinário 605.709, a Ministra Xxxx Xxxxx votou pelo provimento da inconstitucionalidade da penhora do único bem de família do fiador, com fundamento na dignidade da pessoa humana, do princípio da isonomia, demonstrando que o bem imóvel destinado a moradia, não pode ser objeto de satisfação de crédito do locador, conforme segue o jugado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO EM 31.8.2005. INSUBMISSÃO À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. PREMISSAS DISTINTAS DAS VERIFICADAS EM PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE, QUE ABORDARAM GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM LOCAÇÃO RESIDENCIAL. CASO CONCRETO QUE ENVOLVE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO À MORADIA E COM O
PRINCÍPIO DA ISONOMIA. A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador, destinado à sua moradia, cujo sacrifício, com a vênia dos que pensam em sentido contrário, não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial ou de estimular a livre iniciativa. Tal interpretação do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990 não foi, a meu juízo, recepcionada pela EC nº 26/2000. A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário, vale recordar, não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não vislumbro, assim, justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador (garante), sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito fundamental à moradia. Acrescento que, no caso de locação comercial, a imposição de restrições ao direito fundamental à moradia do fiador, por meio da penhora do único imóvel destinado à sua residência, tampouco se justifica sob o ângulo da proporcionalidade. A uma, porque a medida não é necessária, ante a existência de instrumentos outros suscetíveis de viabilizar a garantia da satisfação do crédito do locador de imóvel comercial, notadamente caução, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundos de investimento (art. 37 da Lei nº 8.245/1991). A duas, porque conjecturas meramente teóricas, sobre a dificuldade ou a onerosidade na prestação de outras modalidades de garantia ou, ainda, sobre empecilho na obtenção de fiadores com mais de um imóvel, não legitimam, segundo compreendo, o sacrifício do direito fundamental à moradia em nome de projetada promoção da livre iniciativa. (RE 605709, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Xxxxxxx: XXXX XXXXX, Primeira Turma, julgado em 12/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 15-02-2019
PUBLIC 18-02-2019 Grifo nosso)
Dessa forma, referido julgado demonstra que de fato não haveria motivos para o devedor principal, se exonerar de sua responsabilidade para que o fiador responda com seu único bem de família pelas dívidas oriundas do contrato de fiança, insta salientar a figura do fiador, demonstra a de alguém que no intuito de ajudar o próximo se presta ao contrato de fiança, e ao final tem seus bens como objeto de penhora.
Ademais, a penhorabilidade do único bem de família do fiador, poderia acarretar na ausência de fiança, visto que atualmente a maioria dos contratos de locação necessita da figura de um fiador, no entanto, ao passo que o fiador na tentativa de facilitar a locação tem seu único bem de família como objeto de penhora, ocasiona medos, quanto a assumir uma responsabilidade que derivará posteriormente
na perca de seu único imóvel residencial, caso o devedor principal não cumpra com a obrigação.
Posto isso, mesmo diante da decisão no tema de repercussão geral pela penhorabilidade do único bem de família do fiador nos contratos de fiança, denota-se que o Supremo Tribunal Federal corriqueiramente reaprecia este assunto de forma, extraindo-se que é um assunto que gera controvérsia, pois já foi decido a questão pela penhorabilidade, no entanto não fizeram distinção entre imóvel residencial ou comercial, ao passo que deixou lacunas a decisão.
No entanto, o Direito está em constante mudança, conforme demonstrado o próprio Supremo Tribunal Federal discutiu o mesmo assunto por diversas vezes, ao passo que o Direito se transforma a cada dia conforme as necessidades sociais, sendo que vemos constantemente decisões sendo rediscutidas, sendo um benefício que o Direito proporciona a reanalise, conforme a necessidade social.
Novamente discutido acerca do tema, no entanto foi decidido em março de 2022, que seria passível a penhora dos imóveis comerciais, no entanto mesmo diante da controvérsia do Supremo Tribunal Federal, e ainda diante do tema de repercussão geral, no qual foi objeto por 02 (duas) vezes, bem como em razão do Direito estar em constante mudanças, não merece prosperar o entendimento pela penhorabilidade do único imóvel do fiador nos contratos de fiança, pois o fiador em um contrato acessório, na intenção de ajudar o devedor principal perde seu único bem familiar.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posto isso, muito embora o conceito de justiça seja subjetivo, não se demostra justo a penhorabilidade, pois o fiador perde seu único bem de família, enquanto o devedor principal no contrato principal continua com seu único bem de família impenhorável, sendo que a própria norma da Lei Federal, garante que o único bem de família é impenhorável.
Diante disso, surge o questionamento, se o único bem de família é impenhorável, por qual motivo seria possível a penhora do único bem de família do fiador? Ao passo que é passível referida penhora, se demonstra o rompimento do princípio constitucional da igualdade, de todos serem tratados de forma igual perante a Lei.
Dessa forma, sendo passível a penhora do único bem de família do fiador, nitidamente não seria todos tratados de forma igual, pois o devedor principal com seu bem impenhorável ao passo que o fiador agindo de boa-fé e na tentativa de ajudar o devedor principal, em um contrato acessório perderia seu abrigo familiar o que por conseguinte fere o direito a digno a moradia expresso no texto constitucional.
Em razão disso, não merece prosperar o entendimento em tema de repercussão geral, pois fere o princípio da igualdade, bem como o direito à moradia, em razão de permitir a penhora do bem de família do fiador enquanto o devedor principal permanece sobre o abrigo desta garantia jurídica, a corrente que se posiciona pela inconstitucionalidade do inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 parece- nos a mais acertada.
Por fim, conclui-se, que resta evidentemente, presente a violação ao direito à moradia em razão da penhorabilidade decorrente de contrato acessório, bem como, viola o princípio da igualdade, pois enseja o tratamento desigual na medida em que o devedor principal se exonera ao passo em que o fiador perde seu único bem familiar mínimo necessário para se viver com dignidade.
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