PARECER PROCSET- 05071 Nº 16/2020
ESTADO DE GOIÁS SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE
PROCURADORIA SETORIAL
Processo: 201900010048537
Nome: HOSPITAL DE DOENCAS TROPICAIS
Assunto: CONSULTA
PARECER PROCSET- 05071 Nº 16/2020
EMENTA: 1. CONSULTA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR CEDIDO POR INTERPOSTA PESSOA JURÍDICA. 2. MATÉRIA ORIENTADA.
3. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO OBJETO DA CONTRATAÇÃO.
4. IMPOSSIBILIDADE QUANDO DESTINADA EXCLUSIVAMENTE AO PAGAMENTO DO ADICIONAL DE QUE TRATA O ART. 14-B,
§3º, DA LEI Nº. 15.503/2005. 5. POSSIBILIDADE QUANDO DESTINADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE SAÚDE, RELACIONADO À EXECUÇÃO DE ATIVIDADE INERENTE AO CONTRATO DE GESTÃO. 6. PROPOSTA DE COMPLEMENTAÇÃO/REVISÃO DO PRECEDENTE DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO.
1. Versam os autos sobre consulta (000010641285), formulada pela Diretoria Geral do Hospital Estadual de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad – HDT, acerca da possibilidade dos servidores estatutários lotados na unidade hospitalar celebrarem novo vínculo de contratação e recebimento, mediante Pessoa Jurídica, para a prestação de serviços a serem executados na unidade.
2. Os autos aportaram nesta Procuradoria Setorial via atualização de andamento processual promovida pela Gerência de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas.
3. Pois bem. Em caráter preliminar, diante da generalidade/abrangência do questionamento realizado, cumpre salientar que o exame acerca da (im) possibilidade de contratação de pessoal, mediante interposta pessoa jurídica, pela organização social, para atuação na unidade hospitalar gerenciada pela parceria privada pode ser desenvolvido a partir, no mínimo, das seguintes perspectivas: quanto a forma de operacionalização do pagamento do adicional decorrente do exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade; ou quanto ao modo de execução das atividades-fim do objeto do contrato de gestão, incluindo-se as atividades assistenciais das unidades de saúde.
4. No tocante à primeira hipótese, cumpre salientar que o art. 14-B, §3º, da Lei nº. 15.503/2005 admite o pagamento, pela organização social, de adicional ao servidor público cedido, relativo ao exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento, nos seguintes termos:
§ 3º Não será permitido, com recursos provenientes do contrato de gestão, o pagamento, pela organização social, de vantagem pecuniária permanente a servidor público cedido, ressalvada a hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade.
4.1. O modo de instrumentalização do pagamento do referido adicional foi objeto de apreciação pela Procuradoria-Geral do Estado, por meio do Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 autos nº. 201700010004468) e do Despacho GAB nº. 251/2019 (6232676 - autos n° 201700010007406), que orientou pela impossibilidade de celebração de vínculo celetista com servidor estatutário cedido à organização social com o objetivo exclusivo de remunerar o exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade.
4.2. Isso porque, além de inexistente, nesta hipótese, qualquer vínculo empregatício que justifique a celebração do contrato de trabalho, os servidores públicos cedidos às Organizações Sociais continuam com o vínculo estatutário, o qual não é desnaturado com a cessão nem com o pagamento do adicional de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade, o que refuta a necessidade de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS. Assim, os valores relacionados ao exercício das funções de direção, chefia e assessoramento deverão ser pagos diretamente pela própria Organização Social, mediante recibo, com recursos provenientes do contrato de gestão, conforme determina o art. 14-B, §3º, da Lei nº. 15.503/2005.
4.3. Para melhor elucidação do entendimento, convém trazer à colação os fragmentos do Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 - autos nº. 201700010004468) e do Despacho GAB nº. 251/2019 (6232676 - autos n° 201700010007406), que sintetizam a orientação exposta. Vejamos:
"11. Significa dizer que os servidores públicos cedidos às Organizações Sociais continuam com o vínculo estatutário, sendo que o pagamento do adicional de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade não altera a natureza do vínculo originário, regido pelo direito público, o que refuta a necessidade de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS.
12. Com respaldo na premissa do item precedente, a medida que se impõe a esta Casa consiste em orientar as Organizações Sociais para regularizar as situações ilegais vivenciadas pelos servidores públicos cedidos que mantenham vínculo trabalhista, procedendo a necessária rescisão desses contratos de trabalho. Tal conduta deve ser doravante adotada pelas Organizações Sociais, considerando que a cessão disposta no art. 14-B e §§ da Lei nº 15.503/2005 não desnatura o vínculo estatutário dos servidores públicos firmados com a Administração Pública.
[...]
14. Contudo, o pagamento do referido adicional requer maiores esclarecimentos no que tange à forma de sua operacionalização, ensejando a manifestação da Secretaria de Estado da Saúde, por intermédio de sua unidade competente, que poderá explicitar como tal parcela é repassada aos servidores públicos cedidos que se enquadram na regra de exceção do § 3º do art. 14-B, da Lei nº 15.503/2005.
[...]
28. Em resposta às questões formuladas na parte final do Despacho nº 276/2017 (fls. 289-97), registro as seguintes conclusões e recomendações:
[...]
d) A despeito da legislação de regência dispor que as Organizações Sociais devem pagar o adicional referente ao exercício de função de confiança utilizando os recursos advindos do contrato de gestão, o deslinde da questão requer outros esclarecimentos junto à Secretaria de Estado da Saúde, por sua unidade competente, que poderá explicitar o iter procedimental para o adimplemento da parcela devida aos servidores públicos cedidos que se enquadram na regra de exceção do § 3º do art. 14-B, da Lei nº 15.503/2005;
e) recomenda-se que todo ato de cessão seja regularmente formalizado com anotação junto ao dossiê de cada servidor e, doravante, orienta-se que não haja a anotação da CTPS para os servidores cedidos que exerçam função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade nos termos do §3º do art. 14-B, da Lei nº 15.503/2005, devendo as Organizações Sociais providenciarem as rescisões desses contratos de trabalho; (...)" [Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 - autos nº. 201700010004468)]
"12. A problemática surgiu a partir do momento em que, com o intuito único de justificar o pagamento feito a título de adicional pelo exercício da função de confiança, a Organização Social optou, erroneamente, por celebrar contrato de trabalho com o servidor cedido.
13. A irregularidade da situação reside, portanto, não na cumulação de pagamentos, mas na celebração de contrato de trabalho a despeito da inexistência de vínculo empregatício, já que o interessado prestava serviços à organização social unicamente na condição de servidor cedido da Administração, com respaldo na legislação aplicável.
[...]
16. De todo modo, cumpre reforçar a orientação pela impropriedade do reconhecimento de vínculo empregatício com o servidor cedido, assentando que, em tais casos, os valores relacionados ao exercício das funções de direção, chefia e assessoramento deverão ser pagos diretamente pela própria Organização Social, mediante recibo e com recursos provenientes do contrato de gestão, consoante determina o art. 14-B, § 3º, da Lei Estadual nº 15.503/2005 (“Não será permitido, com recursos provenientes do contrato de gestão, o pagamento, pela organização social, de vantagem pecuniária permanente a servidor público cedido, ressalvada a hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade”).
[...]
18. Portanto, na prática, os servidores cedidos para o exercício de função temporária de direção e assessoria receberão dupla remuneração: da Administração, os vencimentos regulares pelo exercício do cargo efetivo e, da Organização Social cessionária, o adicional pelo exercício da função temporária." [Despacho GAB nº. 251/2019 (6232676 - autos n° 201700010007406)]
4.4. Atualmente, consoante informado no Despacho SUPER nº. 900/2019
(000010696361), a delimitação da forma de operacionalização para o pagamento do adicional previsto no
§3º do art. 14-B, da Lei nº. 15.503/2005 encontra-se sob exame da unidade técnica desta Secretaria Estadual de Saúde, nos autos dos processos n. 201600010021535 e 201700010020374, carecendo, até o momento, de manifestação conclusiva.
4.5. Embora pendente a definição quanto ao método a ser adotado para resolução do imbróglio, as razões que motivaram a fixação da aludida tese, que inadmite a celebração de contrato celetista diretamente com o servidor cedido para os fins de que trata a regra de exceção do art. 14-B, §3º, da Lei nº. 15.503/2005, parecem ser as mesmas que obstaculizam a celebração de contrato, mediante interposta pessoa jurídica, para o mesmo objeto (isto é, o de viabilizar exclusivamente a compensação financeira consubstanciada no adicional relativo ao exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade), a saber: o servidor cedido mantém o seu vínculo estatutário originário, de modo que o provimento dos acréscimos na contraprestação realizada pela função pública desempenhada, a priori, não comportam a celebração de novo ajuste em que inexistente o vínculo que supõe-se firmado, devendo o pagamento ser realizado diretamente pela Organização Social, mediante recibo e com recursos provenientes do contrato de gestão.
4.6. Logo, com amparo na orientação sublinhada nos paradigmáticos Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 - autos nº. 201700010004468) e Despacho GAB nº. 251/2019 (6232676 - autos n° 201700010007406), infere-se que a inadmissibilidade de celebração de novo vínculo jurídico, com o servidor cedido à Organização Social, exclusivamente para o pagamento do adicional devido pelo desempenho de funções temporárias ou de produtividade independe da natureza, do modo e da forma do pacto negocial ou do instrumento adotado para a sua formalização, estendendo-se, pois, não só aos contratos firmados sob o regime celetista, como também aos contratos celebrados via pessoa jurídica quando o objeto do acordo, enfatize-se, residir exclusivamente no pagamento do adicional admitido pelo art. 14-B, §3º, da Lei n º. 15.503/2005.
4.7. Assim, em caráter conclusivo, não se mostra factível a contratação do servidor cedido, por interposta pessoa jurídica, tendo por objeto unicamente o pagamento pelo exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade, sendo aplicável ao caso, portanto, a mesma solução jurídica que a adotada nos citados precedentes da Procuradoria-Geral do Estado, em atenção ao princípio geral da hermenêutica segundo o qual onde existe a mesma razão fundamental deve prevalecer a mesma regra de direito (ubi eadem est ratio, ibi ide jus).
5. Situação outra é aquela em que a Organização Social realiza a contratação, mediante interposta pessoa jurídica, do servidor cedido para que, cumulativamente às funções já desempenhadas por força do vínculo estatutário, execute serviço ligado à saúde – o que, deduz-se, é a hipótese que, a princípio, mais se aproxima com a consulta formulada nos presentes autos –.
5.1. Nesse ponto, insta salientar que o enfrentamento da matéria de direito pela Procuradoria-Geral do Estado foi realizado a partir, em especial, dos seguintes precedentes: em um primeiro momento, de forma mais abrangente, por meio do Despacho GAB nº. 457/2018 (3377424 - autos nº. 201400029007345), que versou sobre a terceirização lato sensu da atividade-fim, no âmbito da execução de serviços de saúde, e, a posteriori, através do Despacho GAB 1933/2019 (000010604522 - autos nº. 201900010038784), em que o exame da questão direcionou-se, com mais propriedade, à contratação do servidor cedido.
5.2. O Despacho nº. 457/2018 (3377424 - autos nº. 201400029007345) tornou sem efeito o Despacho n. 440/2018-GAB e, consequentemente, os Despachos "AG" n. 004906/2016 e n. 00454/2018, naquilo em que colidente com a nova orientação firmada, em que fixou-se a tese da possibilidade de que as Organizações Sociais, que mantenham Contrato de Gestão com a Secretaria Estadual de Saúde, celebrem contratos de prestação de serviços a terceiros, nos termos da Lei Federal n. 6.019/74, com as alterações promovidas pelas Leis n. 13.429/17 e n. 13.467/17, tanto para a execução de atividades-meio quanto atividades-fim do objeto do contrato de gestão, incluindo-se as atividades assistenciais das unidades de saúde.
5.3. A seu turno, através do Despacho GAB 1933/2019 (000010604522 - autos nº. 201900010038784), a referida tese assim como os fundamentos jurídicos que possibilitaram a sua fixação foram reafirmados, com os acréscimos e/ou ratificações delineadas na seguinte ordem de ideias:
i) a orientação firmada por meio do Despacho n. 457/2018 não implicou em salvo conduto para a prática deliberada da pejotização (na acepção pejorativa do termo), desde sempre vedada pelo ordenamento, em especial pelo art. 9º da CLT, consistente na intermediação dissimulada de uma pessoa jurídica como fornecedora de serviços vinculados à atividade principal do tomador (geralmente outra pessoa jurídica) que, a despeito do envoltório formal de um contrato civil ou empresarial, mantém com os prepostos ou sócios verdadeira relação jurídica de emprego, com todos os elementos que lhe são inerentes, sobretudo o da subordinação;
ii) não se admite que a referida prática sirva de chancela para transgressões funcionais disciplinares, a exemplo da proibição expressa do servidor público de “participar da gerência ou da administração de empresa industrial ou comercial, exceto as de caráter cultural ou educacional” ou de “exercer comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como acionista, cotista ou comanditário” (art. 303, VI e VII, da Lei Estadual n. 10.460/88);
iii) a revisão da orientação promovida pelo Despacho n. 457/2018 se deu apenas naquilo em que divergente os opinativos antecedentes, de modo que nem todo o Despacho "AG" 000454/2018 fora superado, permanecendo, por exemplo, o entendimento de que: a contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços nas Organizações Sociais não foi generalizadamente proibida, mas "aqueles indivíduos que já laboram para a organização social na qualidade de empregado celetista, servidor estatutário ou diretor não podem prestar serviços mediante vínculo diverso e serem, remunerados, neste segundo vínculo, através de pessoa jurídica", sendo vedado, ainda, que a contratação, quando feita mediante interposta pessoa jurídica, se dê com inobservância e fraude à legislação, sobretudo trabalhista, tributária e previdenciária.
iv) é defeso ao servidor estatutário cedido à Organização Social a prestação de serviços mediante vínculo diverso e serem remunerados, neste segundo vínculo, através de pessoa jurídica da qual seja sócio ou administrador.
5.4. Sem embargo da clareza e objetividade das teses firmadas no recente opinativo da Procuradoria-Geral, para o momento, mostra-se imprescindível avalia-las e perquiri-las à luz do ordenamento vigente, com vistas a conferir segurança jurídica à atuação administrativa e resguardar o alcance do interesse público concretamente envolvido na questão.
5.5. À vista da conclusão traçada no citado opinativo, poder-se-ia inferir, em um primeiro momento, que o servidor estatutário cedido à Organização Social não poderia prestar serviços, na unidade hospitalar em que lotado, sob qualquer outro vínculo que não fosse aquele originariamente firmado com a Administração Pública, que possibilitou a sua cessão, qual seja, o estatutário.
5.5.1. Entretanto, impende reconhecer que a admissão desta tese implicaria na inadvertida criação, mediante atividade interpretativa, de proibição até então não prevista no ordenamento jurídico, o que é obstado pelas regras de hermenêutica jurídica, que preceituam a impossibilidade de se conferir interpretação ampliativa à norma restritiva.
5.5.2. In casu, o comando proibitivo que reclama para si o exercício da interpretação restritiva é o do art. 37, inc, XVI da Constituição Federal, que veda, em regra, a acumulação remunerada de cargos públicos, nada tratando sobre o acúmulo de cargo público com o exercício de emprego na iniciativa privada, o que, a princípio, observada a compatibilidade de horários no exercício das funções, é admitido pelo ordenamento.
5.5.3. Na hipótese do servidor cedido que, juntamente com o cargo público, exerce emprego privado na unidade hospitalar em que lotado, o instituto jurídico que reveste o caso, ainda assim, é o da cumulação de cargo público e emprego privado, com a peculiaridade de que, em ambos os vínculos, a execução da atividade ligada à saúde ocorre no mesmo local, o que, de per si, não deslegitima a acumulação, bastando que, a despeito da identidade do estabelecimento em que prestado o serviço, seja possível a individualização das relações e o confronto dos horários de cada jornada, o que, de fato, determinará casuisticamente a compatibilidade e a possibilidade de acumulação.
5.5.4. A propósito, a Procuradoria-Geral do Estado, por meio do Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 - autos nº. 201700010004468), admitiu a possibilidade de cumulação de cargo público e empregado privado, desde que observada a compatibilidade de horários, o limite semanal de 60 (sessenta) horas, a ausência de superposição de horários e a ausência de vinculação ao órgão de origem sob o regime de dedicação exclusiva.
5.5.5. Tal entendimento, posteriormente, foi retificado/complementado, através do Despacho n° 251/2019-GAB (6232676 - autos n° 201700010007406), para superar a impossibilidade de que a soma das jornadas ultrapasse o limite de 60 (sessenta) horas semanais. Na ocasião, reforçou-se que, desde que haja compatibilidade de horários, a contratação, pela Organização Social, do servidor cedido é plenamente possível, in verbis:
"20. No entanto, consoante posicionamento desta Casa (vide, uma vez mais, o teor do Despacho nº 478/2018 SEI GAB), é plenamente possível a contratação do servidor público por Organização Social, paralelamente à cessão, a ser formalizada conforme procedimento de contratação estabelecido no regulamento de cada entidade, desde que haja compatibilidade de horários.
21. Além disso, é também necessário observar que o servidor que pretende acumular o emprego não labore, perante a Administração estadual, em regime de dedicação exclusiva, descrita pelo art. 61 da Lei Estadual nº 10.460/88 como “a obrigatoriedade de permanecer o funcionário, em regime de tempo integral, à disposição do órgão em que tiver exercício, ficando, de consequência, proibido de exercer outro cargo, função ou atividade particular ou pública, ressalvada a pertinente a uma de magistério, desde que haja correlação de matérias e compatibilidade de horário”.
[...]
24. Cumpre observar que, na hipótese de cumulação, o servidor deverá cumprir integralmente as duas jornadas de trabalho: uma em favor da Administração estadual, mediante contraprestação na respectiva folha de pagamento, e a outra em favor da Organização Social, mediante celebração de contrato de trabalho e assinatura de CTPS".
5.5.6. Assim, como o Despacho GAB 1933/2019 (000010604522 - autos nº. 201900010038784) não superou a orientação firmada no Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 - autos nº. 201700010004468), devidamente retificado pelo Despacho n° 251/2019-GAB (6232676 - autos n° 201700010007406), presume-se válida e atual a premissa de que o servidor público cedido pode ser contratado pela Organização Social para a prestação de serviços diretamente relacionados à execução do Contrato de Gestão, não existindo, de pronto, impedimentos a que a contratação ocorra mediante interposta pessoa jurídica, o que, inclusive, coaduna-se com a regra do art. 8º, inc. III, da Lei nº. 15.503/2005, combinada com as inovações promovidas pelas Leis Federais nº. 13.429 e 13.467, ambas de 2017, que introduziram mudanças na Lei Federal nº. 6.019/74, de modo a permitir a terceirização de atividades-meio e atividades-fim, desde que observada a compatibilidade e ausência de superposição de horários, bem como a ausência de vinculação ao órgão de origem sob o regime de dedicação exclusiva.
5.5.7. Ademais, a análise conjunta das razões que justificam a tese firmada no Despacho GAB 1933/2019 permite a compreensão de que a intenção consolidada no opinativo não foi, em absoluto, a de impossibilitar que o servidor cedido, paralelamente à cessão, execute a prestação dos serviços mediante vínculo diverso, inclusive via pessoa jurídica interposta, mas a de vedar que este vínculo se dê com inobservância e fraude à legislação, sobretudo trabalhista, tributária e previdenciária.
5.6. Na ocasião, o arrazoado em exame (opinativo n. 1933/2019), de forma ilustrativa, definiu, ao que parece, as situações em que a fraude, impeditiva da contratação do servidor cedido através de empresa interposta, seria verificada, a saber: aquelas em que existentes transgressões funcionais disciplinares, a exemplo da proibição contida no art. 303, VI e VII, da Lei Estadual n. 10.460/88, o que, a principio, estaria configurado quando o servidor cedido for sócio OU administrador da pessoa jurídica interposta.
5.6.1. Nesse ponto, o acerto do entendimento fixado passa pela investigação do alcance e amplitude da regra proibitiva do art. 303, VI e VII, da Lei Estadual n. 10.460/88, in verbis:
Art. 303 - Constitui transgressão disciplinar e ao funcionário é proibido:
VI - participar da gerência ou da administração de empresa industrial ou comercial, exceto as de caráter cultural ou educacional;
VII - exercer comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como acionista, cotista ou comanditário;
5.6.2. Da leitura do comando reproduzido, extraem-se as figuras típicas, com diferentes núcleos proibitivos, consubstanciadas nas condutas de i) "participar" da gerência ou da administração de empresa industrial ou comercial; e ii) "exercer" comércio ou "participar" de sociedade comercial.
5.6.3. De início, necessário destacar que a subsunção típica do caso concreto à norma proibitiva em apreço, além de restrita à participação societária na qualidade de gerente ou administrador, depende da comprovação fática da hipótese de incidência, aplicando-se na espécie o princípio da primazia da realidade. Isso significa que a configuração da transgressão disciplinar depende de que o servidor, em paralelo com a atividade pública, efetivamente atue como gerente, administrador ou comerciante, mediante a prática de atos que comprovadamente denotem condutas de decisão na atividade empresarial.
5.6.4. Tal entendimento foi consolidado pela Controladoria-Geral da União, que ao interpretar o art. 117, inc. X, da Lei n. 8112/90 – cujo conteúdo normativo assemelha-se com a vedação contida no Estatuto dos servidores públicos do Estado de Goiás –, editou o Enunciado n. 09, de 30 de outubro de 2015, nos seguintes termos:
ILÍCITO SÓCIO-GERÊNCIA – ATUAÇÃO FÁTICA E REITERADA.
“Para restar configurada a infração disciplinar capitulada no inciso X do art. 117 da Lei nº 8.112/90, é preciso que o servidor, necessariamente, tenha atuado de fato e de forma reiterada como gerente ou administrador de sociedade privada”.
5.6.5. Na exposição de motivos que precedeu a elaboração do Enunciado n. 9/2015 da CGU, foram desenvolvidos os requisitos e critérios necessários para a configuração da referida infração disciplinar, oportunidade na qual esclareceu-se que:
i) não é vedada toda e qualquer participação societária do servidor, mas apenas na qualidade de gerente ou administrador, de modo que, nos casos em que o servidor figure na sociedade enquanto acionista, cotista ou comanditário, não há que se falar em infração disciplinar, já que, nestes casos, os rumos do negócio privado não dependem de decisões a cargo do servidor;
ii) o ilícito em questão (participação de servidor na gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não, exceto na qualidade de acionista, quotista ou comanditário) não abrange a participação do servidor em associações ou fundações, cujas definições no Código Civil (arts. 53 e 62) em nada se confundem com o conceito de sociedades empresárias;
iii) no caso das sociedade ditas personificadas – assim consideradas como aquelas que se estabelecem formalmente e adquirem personalidade jurídica com a inscrição em registro de seus atos constitutivos –, não basta que o estatuto ou contrato social preveja a participação do agente público na qualidade de gerente ou administrador da sociedade, sendo necessário, para que incorra na referida proibição, que o servidor exerça ou tenha exercido efetivamente a gerência ou a administração da sociedade;
iv) o que o servidor não pode, em termos de participação societária, é pessoalmente praticar os atos de gerência ou de administração, quando só então, com a comprovação desta hipótese, é que a infração disciplina restará configurada, inferindo-se disso que o enquadramento deve ser precipuamente fático e não apenas de direito;
v) o Código Civil define que empresário individual é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966), de modo que a prática de um ato isolado ou o caráter eventual de compra e venda de qualquer tipo de bem não caracteriza a prática da transgressão disciplinar;
vi) para a caracterização do ilícito em questão deverá ser evidenciada a habitualidade da conduta, o que poderá ser demonstrado por meio de evidências de que a prática envolva a organização de insumos, mão-de-obra e fatores e que tenha por finalidade a obtenção de lucro.
5.6.6. Além disso, o art. 303, inc. VI e VII, da Lei Estadual n. 10.460/88 somente veda a participação do servidor público em sociedade comercial, mas não nas demais sociedades privadas em geral (personificadas ou não), a exemplo das sociedades simples, dentre as quais incluem-se aquelas que se dedicam ao exercício de "profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa" (art. 966, parágrafo único, do Código Civil), caso em que é livre a participação societária do servidor – não se restringindo, pois, à qualidade de acionista, cotista ou comanditário –.
5.7. Assim, a partir desta conclusão, constata-se que o entendimento registrado no Despacho GAB 1933/2019 (000010604522 - autos nº. 201900010038784), especialmente no que diz respeito à proibição genérica de que o servidor estatutário cedido execute serviços através de pessoa jurídica da qual seja sócio ou administrador, carece de complementação e, eventualmente, de retificação/superação, uma vez que não é vedada toda e qualquer participação societária, assim como não parece razoável que toda e qualquer pessoa jurídica, ainda quando destituída de qualquer caráter comercial, uma vez administrada ou integrada por servidor público, seja alvo do alegado impedimento.
5.8. Ademais, a orientação fixada no citado opinativo poderia conduzir ao raciocínio equivocado de que bastaria ao servidor cedido figurar como sócio ou administrador no contrato ou estatuto social da pessoa jurídica para que estivesse materializada a transgressão disciplinar, o que, consoante entendimento consolidado da Controladoria-Geral da União, não pode ser admitido, devendo restar cabalmente demonstrada a efetiva participação do servidor na sociedade como gerente ou administrador, caracterizada pela habitualidade (não sendo, pois, suficiente a prática de atos de gestão dispersos e esporádicos), cuja verificação, mediante a delimitação da natureza da atividade exercida e da medida da incompatibilidade com o munus público, somente se revela possível com a adequada apuração dos elementos de fato e minuciosa análise do conjunto probatório produzido em sede do respectivo processo administrativo disciplinar, em que oportunizado o exercício do contraditório e ampla defesa.
6. À vista destas considerações e da repercussão da orientação, impõe-se que a questão seja submetida à Procuradoria-Geral do Estado, com a sugestão de complementação ou retificação, se for o caso, do entendimento exarado no Despacho GAB 1933/2019 (000010604522 - autos nº. 201900010038784) e interpretação extensiva ao caso ora tratado do entendimento consolidado no Despacho GAB nº. 478/2018 (3415804 autos nº. 201700010004468) e do Despacho GAB nº. 251/2019 (6232676 - autos n° 201700010007406), propondo-se a fixação ou reforço das seguintes teses:
i) o pagamento pelo exercício de função temporária de direção, chefia ou assessoramento ou associada ao desempenho de produtividade, de que trata a regra de exceção do art. 14-B, §3º, da Lei nº. 15.503/2005, não comporta a contratação, mediante interposta pessoa jurídica, do servidor cedido, devendo ser operacionalizado, na linha da orientação fixada no Despacho GAB nº. 251/2019 (6232676 - autos n° 201700010007406), diretamente pela própria Organização Social, mediante recibo e com recursos provenientes do Contrato de Gestão;
ii) é possível a contratação pela Organização Social de Pessoa Jurídica para prestação de serviços diretamente relacionada à execução do Contrato de Gestão firmado com o Estado de Goiás, da qual servidor público seja sócio, observada a vedação do art. 303, inc. VI e VII, da Lei Estadual n. 10.460/88, desde que observada a compatibilidade e a ausência de superposição de horários, bem como a ausência de vinculação ao órgão de origem sob o regime de dedicação exclusiva;
iii) a caracterização do ilícito previsto no art. 303, inc. VI e VII, da Lei Estadual n. 10.460/88 pressupõe a atuação, de fato e reiterada, do servidor público estadual na conduta tipificada, não sendo suficiente, para a configuração do ilícito, que o agente público tão somente figure no estatuto ou contrato social como gerente ou administrador da sociedade, não existindo óbice a que o servidor público constitua e integre sociedades privadas em geral, com a exceção da sociedade comercial;
7. Isto posto, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral do Estado, via "Assessoria do Gabinete", para que se manifeste sobre as considerações suscitadas neste arrazoado, em especial acerca da plausibilidade de admissão das teses propostas em seu item "6".
PROCURADORIA SETORIAL da SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE, aos 21
dias do mês de janeiro de 2020.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx
Procuradora do Estado Chefe da Procuradoria Setorial
Documento assinado eletronicamente por XXXXXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXXX, Procurador (a) Chefe, em 21/01/2020, às 15:13, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.
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PROCURADORIA SETORIAL
XXX XX 0 000 - Xxxxxx XXXXXX XXXXX XXXX - XXX 00000-000 - GOIANIA - GO -
Referência: Processo nº 201900010048537 SEI 000010966887