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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DOS FEITOS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR DO ESTADO DA BAHIA
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/C TUTELA DE URGÊNCIA. CONTRATOS EDUCACIONAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DA COMARCA DE SALVADOR - BAHIA. NECESSÁRIA E URGENTE READEQUAÇÃO FINANCEIRA DOS CONTRATOS. PROTEÇÃO DOS INTERESSES E DOS DIREITOS COLETIVOS E DIFUSOS DOS CONSUMIDORES.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por
intermédio da 3º Promotoria de Justiça do Consumidor, sediada na Xx. Xxxxx Xxxxxxxx, 0000, Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx, 0x xxxxx, Xxxxxxxx/Xxxxx – XXX 00000-000, e-mail xxxxxxxxxxxx@xxxx.xx.xx, Tel: (00) 0000-0000– Fax: (00) 0000-0000, vem, perante
V. Exa., com fulcro nos artigos 129, III, da Constituição Federal, artigo 25, IV, da Lei 8.625/93, artigos 3º, 11, 12 e 13 da Lei 7.347/85, artigos 81 e seguintes da Lei 8.078/90 e artigo 72, IV, da Lei Complementar Estadual n.º 11/96, ajuizar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de tutela provisória de urgência
em face de FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, mantenedora da ESCOLA BAHIANA
DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA, instituição sem fins lucrativos, de caráter científico, educacional, assistencial, com sede na Xx. X. Xxxx XX, 000, Xxxxxx, Xxxxxxxx/ BA, inscrita no CNPJ n° 13.927.934/0001-15.
I LEGITIMIDADE ATIVA
A Constituição Federal estabelece em seu art. 127 as atribuições genéricas do Ministério Público, expressamente afirmando que se trata de uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O art. 129 da Carta Magna dispõe acerca das funções específicas do Ministério Público:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
No mesmo sentido, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor assegura a posição do Ministério Público como um dos legitimados para proteção dos direitos coletivos, assim dispondo:
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público,
O Superior Tribunal de Justiça, extinguindo qualquer dúvida acerca da legitimidade do Ministério Público para a tutela dos direitos coletivos, editou o enunciado de Súmula nº 601: “O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. Corte Especial, aprovada em 7/2/2018, DJe 14/2/2018”.
Busca-se, através da presente ação civil pública, a tutela dos direitos coletivos dos consumidores que firmaram contratos de prestação de serviços educacionais com o estabelecimento de ensino demandado, de modo a efetivar os descontos sobre o valor dos contratos de prestação dos serviços educacionais, enquanto perdurar o isolamento social decorrente da pandemia de Covid-19.
II SÍNTESE FÁTICA
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde, órgão vinculado a Organização das Nações Unidas, declarou situação de pandemia mundial ocasionada pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2), causador da enfermidade COVID-19, que tem se mostrado de rápida transmissão e contágio, levando a óbito milhares de pessoas.
No plano interno, o Governo Federal, via Portaria nº 188/GM/MS, de
4 de fevereiro de 2020, declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019- nCoV).
No intuito de dirimir a rapidez da contaminação pelo vírus e diante do elevado número de infectados, sobrecarregando o sistema de saúde, foram adotadas medidas de isolamento, restringindo o contato e circulação nos espaços urbanos e rurais. A medida incluiu, assim, toda e qualquer forma de aglomeração de pessoas, inclusive, aulas presenciais.
O Decreto n.19.586/2020 do Estado da Bahia, alterado pelo Decreto n. 19.885, dispõe em seu art. 9º, II, que ficam suspensos, em todo território do Estado da Bahia, até o dia 14 de agosto de 2020, as atividades letivas, nas unidades de ensino, públicas e particulares, a serem compensadas nos dias reservados para os recessos futuros.
No mesmo teor o Decreto Nº 32.630 de 30 de julho de 2020, do Município de Salvador, prorrogando até 14 de agosto de 2020 a suspensão das atividades de classe da Rede Municipal de Educação e da Rede Privada de Ensino.
Assim, o isolamento social domiciliar é medida oficialmente adotada como política pública de combate à pandemia, impossibilitando que as instituições de ensino prestem o serviço educacional conforme contratado no início do ano/semestre letivo.
Diante disso, a suspensão das aulas presenciais tem sido causa de grande celeuma entre pais, estudantes e instituições de ensino básico e superior. Por um lado, as entidades tiveram de adaptar seu cronograma, conteúdo programático, e principalmente, métodos de ensino, a fim de garantir a continuidade da prestação do serviço, sem prejudicar ou pôr em risco a saúde e integridade física dos envolvidos.
Por outro, os discentes e responsáveis financeiros foram surpreendidos com as alterações na prestação do serviço que impactaram agressivamente no processo de aprendizagem e na qualidade do ensino prestado. Os contratos educacionais não estão sendo cumpridos conforme pactuado no período de matrícula, visto que se contratou pelo serviço presencial, porém se recebe o serviço remoto.
Além disso, boa parte dos consumidores sofreu perda ou redução abrupta da renda mensal familiar ou individual, de modo que as mensalidades/parcelas de anuidade/semestralidade tornaram-se excessivamente onerosas, sendo imprescindível a concessão de descontos.
Posto isto , este Ministério Público do Estado, em parceria com os demais órgãos de defesa do consumidor, tem buscado soluções para as dificuldades enfrentadas pela relação consumerista aqui retratada, diante da abrupta alteração imposta pela Pandemia de Coronavírus.
Em 21 de maio 2020, foi recepcionada pelo CEACON - Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Consumidor, denúncia informativa dos discentes XXXXXX XXXXXXXX DE ARAÚJO LIMA, LUCAS GONZAGA MOURA e XXXXXXX XXXXXXX acerca da IES ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E
SAÚDE PÚBLICA, ora acionada.
Em Síntese, os estudantes manifestam inconformismo com a decisão da instituição de não reduzir o valor da mensalidade, embora houvesse alteração na prestação dos serviços contratados, com a substituição de aulas presenciais por aulas remotas. Alegam que a formatação on line prejudicou a qualidade das aulas e ocasionou a redução de despesas diante da não utilização dos espaços físicos dos Campi.
Ante as declarações de suspeição (pág., Doc. 01, PAPIC) e impedimento (Doc.02- PAPIC) dos membros da 1ª, 5ª e da 2ª Promotorias de Justiça do Consumidor da Comarca de Salvador-BA, respectivamente, esta 3ª Promotoria de Justiça recepcionou o já instaurado Procedimento Preparatório Administrativo de Inquérito Civil Público nº 003.9.86198/2020.
Instada a prestar esclarecimentos acerca das denúncias, a então investigada FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, mantenedora da ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAUDE
PÚBLICA, fez longo relato (pág. 30, doc. 01, PAPIC), apontando, em suma: a) que é
instituição de direito privado, sem fins econômicos, de caráter educacional, cultural, científico e assistencial; b) apresentou planilha de custos, segundo a qual mais de 70% das despesas previstas são com folha de pagamentos dos professores e terceiros; c) Que sobreveio os custos com a adequação do projeto pedagógico às aulas remotas; d) que, após o retorno das aulas, as atividades práticas serão repostas e os encargos recairão unicamente sobre a responsabilidade da IES.
Ante os argumentos, a Instituição afirmou que não teria como suportar a concessão de desconto linear de 30% sobre o valor da mensalidade , conforme requerido pelos estudantes reclamantes.
Ressaltada nossa estima e respeito ao reconhecido serviço prestado pela EBMSP, tanto aos estudantes quanto à sociedade como todo, pelo alto nível dos profissionais ali formados, o Ministério Público prima pela defesa dos direitos coletivos dos consumidores, sabidamente a parte mais vulnerável da relação de consumo, que não podem arcar sozinhos com as perdas econômicas decorrentes da Pandemia.
A fim de atender as demandas dos consumidores e ajustar com a IES um percentual razoável de desconto, garantindo a necessária readequação dos contratos e manutenção dos mesmos, encaminhamos minuta de TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, elaborado especialmente para a respeitável instituição, para análise e discussão das propostas, tendo, em especial, a proposta de redução das mensalidades em 30% para todos os cursos, advertindo-os que admitiríamos contrapropostas.
Neste ínterim, recepcionamos inúmeras denúncias acerca: da ausência total de descontos nas mensalidades pela EBMSP; da dificuldade de adaptação e manejamento das aulas on line, ante a falta de plataforma virtual própria; e redução da carga horária. Abaixo uma síntese do conteúdo das denúncias, todas juntadas ao Procedimento Preparatório de Inquérito Civil anexo a presente ação:
NOTÍCIA DE FATO Nº 003.9.75648/2020
CONSUMIDOR: XXXX XXXXXXXX XX XXXXX XXXXXX – Estudante
de medicina
Síntese: requer descontos nas mensalidades e extensão de prazo para pagamento em face da necessária readequação dos contratos devido a Pandemia.
NOTÍCIA DE FATO Nº 003.9.126140/2020
CONSUMIDORES: XXXXXXX XXXXXXXX, XXXXX XXXXXXXXX XXXXXX, XXX XX XXXXX, XXXXXX XXXX XXXXXXXXX XX XXXXX –
Pai e Estudantes de medicina
Síntese: Realizam uma denúncia a EBMSP quanto a mensalidade abusiva, visto que as aulas estão sendo realizadas no modelo EAD e as atividades práticas não estão sendo realizadas (sendo prometidas impossíveis reposições). Alegam que o custo por aluno diminuiu, mas não foi realizada a redução da mensalidade, a qual foi mantida em R$5.210,00 (cinco mil, duzentos e dez reais) mensais). Solicitam uma investigação quanto a manutenção desse montante mensal, considerando que as promessas do contratado no contrato assinado não estão sendo cumpridas.
NOTICIA DE FATO Nº 122903/2020:
CONSUMIDOR: XXXXXXX XXXXXX XX XXXXX XXXXX (pai e
provedor de aluno)
Síntese: Alega a abusividade da EBMSP em não conceder descontos nas mensalidades dos cursos de ensino superior, no período de suspensão das aulas presenciais, ocasionados pela pandemia do Covid19. Aponta a dificuldade de comunicação com a EBMSP .
NOTÍCIA DE FATO Nº 003.9.120830/2020
Consumidores: XXX XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXXXXX e XXXX
XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX – estudantes do curso de
Denuncia a EBMSP quanto a mensalidade abusiva, visto que as aulas estão sendo realizadas no modelo EAD e as atividades práticas não estão sendo realizadas (sendo prometidas impossíveis reposições). Alega que o custo por aluno diminuiu de forma importante, mas não foi realizada a redução da mensalidade, a qual foi mantida em R$5.210,00 (cinco mil, duzentos e dez reais) mensais). Solicita investigação quanto a manutenção desse montante mensal, considerando que as promessas do contratado no contrato assinado não estão sendo cumpridas.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.127801/2020 E Nº 003.9.134077/2020 CONSUMIDOR: XXXXX XXXXXXX XX XXXXX
Síntese: Aponta a falta de manifestação da EBMSP acerca das aulas presenciais práticas a serem repostas; critica o canal de comunicação
disponibilizado, alegando que é insuficiente para atender as demandas estudantis; critica o período de matrícula semestral divulgado; e afirma o prejuízo ao aprendizado dos alunos com a substituição pelas aulas on line, visto que muitos professores não se adaptaram ao novo método. Critica ainda o uso de plataforma ZOOM, na versão gratuita, o que gera a necessidade de iniciar nova reunião a cada 40 minutos, interrompendo o raciocínio.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.105957/2020 – Declínio de Atribuição do MPF
Consumidor: sigiloso – estudante do curso de Odontologia
Síntese: Reclama acerca da manutenção das mensalidades no mesmo valor aventado anteriormente à pandemia. Relata dificuldades financeiras enfrentadas pela maioria dos alunos e informa que tem uma irmã no mesmo curso, de modo que seus pais estão pagando integralmente a mensalidade, mas nenhuma das duas tem utilizado o espaço da universidade. Requer a redução da mensalidade, sob o argumento de que o serviço atualmente prestado não condiz com o valor pago.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.129888/2020
Consumidores: XXX XXXXXXXXXX XXXXXX XXXXXXX, XXXXXX XXXXXX XX XXXXX, XXXXXX XXXXXX XXXXXXX XX XXXXX, XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, XXXXXXX XX XXXX XXXXXXX , XXXXXXXX XXXXXXXXX XXX XXXXXX, XXXX XXXXX XXX XXXXXX, XXXXXXXXX XXXX, XXXXX XXXXXXXX, XXXXX XXXXXXX, XXXXXX XXXXX XXXXXX, XXXXXX XXXXX XXXXX XX XXXXXXXX,
YASMIN MENEZES LIRA - Estudantes dos cursos de Medicina, Biomedicina e Odontologia
Resumo: Informam a não readequação dos contratos no aspecto financeiro. Que as aulas on line não tem a mesma qualidade e custo das aulas presenciais, e que não é cediço se as aulas práticas serão repostas ainda neste semestre letivo. Criticam o uso de plataforma ZOOM, na versão gratuita, o que gera a necessidade de iniciar nova reunião a cada 40 minutos, interrompendo o raciocínio.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.130513/2020
Consumidores: XXXX XXXXX XXXXXXX, XXXXX XXXXXX XX XXXXXXX XXXXX XXXX , XXXXX XXXXXX XXXXXXXX XXXXXX, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, XXXX XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX , XXXX XXXXXXX XXXXX XXXX , XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX XX XXXXX , XXXXXX XXXXXXX XXXXX – Pais e estudantes
dos cursos de Medicina, Odontologia, e Psicologia
Síntese: Denunciam a EBMSP quanto a mensalidade abusiva, visto que as aulas estão sendo realizadas na modalidade EAD e as atividades práticas não estão sendo realizadas. Alega que o custo por aluno diminuiu, mas não foi realizada a redução da mensalidade, a qual foi mantida, não havendo readequação dos contratos no aspecto financeiro. Que as aulas on line não tem a mesma qualidade e custo das aulas presenciais. Criticam o uso de plataforma ZOOM, na versão gratuita, o que gera a necessidade de iniciar nova reunião a cada 40 minutos, interrompendo o raciocínio.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.131812/2020
Consumidores: XXX XXXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, XXXXXXX XXXXXXX, XXXXXXXX XXXXX XXXXXXXX , XXXX XXXXXX XXXXX
XXXX , XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXXX – alunos de Psicologia e Medicina
Síntese: Denunciam a EBMSP quanto a mensalidade abusiva, visto que as aulas estão sendo realizadas na modalidade EAD e as atividades práticas não estão sendo realizadas. Alega que o custo por aluno diminuiu, mas não foi realizada a redução da mensalidade, a qual foi mantida, não havendo readequação dos contratos no aspecto financeiro. Que as aulas on line não tem a mesma qualidade e custo das aulas presenciais. Que a rematricula para o 2º semestre só poderá ser feita com a quitação de todas as mensalidades. Que aos alunos novos, está sendo ofertado desconto de 30% por 01 ano no curso de psicologia, porém aos já estudantes não há negociação.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.131843/202
Consumidores: XXXXX XXXXX XXXXXXXX XXXXXX – estudante de Biomedicina
Síntese: Denuncia a EBMSP quanto a mensalidade abusiva, visto que as aulas estão sendo realizadas no modelo EAD e as atividades práticas não estão sendo realizadas (sendo prometidas impossíveis reposições). Alega que o custo por aluno diminuiu de forma importante, mas não foi realizada a
redução da mensalidade, a qual foi mantida em R$1.595,00. Solicita investigação quanto a manutenção desse montante mensal, considerando que as promessas do contratado no contrato assinado não estão sendo cumpridas.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.133076/2020
Consumidores: XXXXXX XXXXXXX E XXXXXXX –Estudante de Psicologia
Síntese: Denuncia a EBMSP quanto a mensalidade abusiva, visto que as aulas estão sendo realizadas no modelo EAD e as atividades práticas não estão sendo realizadas (sendo prometidas impossíveis reposições). Alega que o custo por aluno diminuiu de forma importante, mas não foi realizada a redução da mensalidade, a qual foi mantida em R$1.735,00. Solicita investigação quanto a manutenção desse montante mensal, considerando que as promessas do contratado no contrato assinado não estão sendo cumpridas.
NOTICIA DE FATO Nº 003.9.134824/2020
Consumidores: Anônimo
SÍNTESE: Critica a má prestação do serviço remoto em contradição à manutenção do valor integral das mensalidades. Que a qualidade das aulas caiu, pois se utiliza plataforma gratuita e a aula é interrompida a cada 40 minutos. Que para as algumas matérias o tempo de aula foi reduzido para se adequar ao tempo gratuito. Que não houve divulgação da nova planilha de custos. Que a carga horária de aulas teóricas não foi cumprida e não há previsão de reposição.
Conforme se depreende dos relatos, acima tão apenas resumidos para ofertar a Vossa Excelência uma visão geral das reclamações recebidas (Texto integral nos Docs. 01, 10 a 38, PAPIC), nota-se que a parte mais fraca e vulnerável da relação jurídica, os consumidores contratantes, por óbvio, suportam, quase que com exclusividade, os prejuízos advindos da pandemia. A instituição de ensino aqui demandada NÃO OFERECEU DESCONTO NAS MENSALIDADES, mesmo havendo avençado, com estudantes e pais/responsáveis financeiros de alunos, no início do semestre letivo, a prestação de serviço presencial, e, agora, fornece serviço de ensino remoto, que, como se observa, não satisfaz os consumidores.
Esta Promotoria de Justiça tentou firmar com a instituição o compromisso de reduzir as parcelas da semestralidade, com a concessão de desconto
percentual de 30% sobre o valor integral, não cumulativo com outros descontos outrora concedidos, e prevalecendo o maior dentre eles, não logrando êxito na tratativa. Obtendo a seguinte resposta da instituição:
“Prezados,
No prazo que lhe foi assinalado, a teor do quanto assinalado no seu expediente, alusivo aos autos sob n.003.9.108408/2020, cumpre, a esta FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTODAS CIÊNCIAS, mantenedora da ESCOLA BAHIANA DE
MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA, aduzir que a propositura do firmamento do TAC se constitui inadmissível, inclusive em razão de inexistência de lastro jurídico-ormativo que represente ser encestado na ambiência de agora, notadamente por conta da sua manifesta inadequação, considerando-se as inconsistências e assimetrias mercê dos princípios fundantes contidos na ordem constitucional.
Atenciosamente,
Xxxxxxx Xxxxxxxx - OAB/BA 3371
Xxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxx - OAB/BA 19.487
O Código de Defesa do Consumidor expressamente consagrou a norma da revisão contratual por fato superveniente como regra apta a ensejar a revisão do contrato quando houver alteração das circunstâncias iniciais do negócio celebrado, o que se amolda ao estado vigente. Nos termos do art. 6º, inciso V da Lei nº 8.078/90 é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Além da modificação das cláusulas contratuais, passando da prestação de ensino presencial para ensino remoto, também se alterou a situação social e econômica dos estudantes e responsáveis financeiros, que sofreram perda ou redução abrupta da renda mensal diante dos efeitos nefastos da pandemia e medidas restritivas, como o fechamento de comércio e indústria, e com o aumento de custo básicos, como alimentação, serviço de internet, cuidados com higiene e saúde, dentre outros.
Destacamos, ainda, a recente aprovação do Projeto de Lei n. 23.798/2020, pendente de sanção ou veto pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, o qual determina a concessão de desconto de 30% sobre o valor integral das mensalidades às instituições de ensino superior.
Apesar da evidente necessidade de readequação contratual, a ESCOLA BAIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA negou a tratativa, sequer
apresentando contraproposta, e aduzindo pela inadmissibilidade de firmamento de Termo de Ajustamento de Conduta, e consequente aplicação de descontos.
Ante a inviabilidade de resolução extrajudicial do conflito, colocamos ao julgo do Judiciário a presente demanda, a fim de garantir o direito à revisão das cláusulas contratuais aos consumidores contratantes do serviço de ensino superior prestado pela Acionada.
III. FUNDAMENTOS JURÍDICOS
III.I A PROTEÇÃO À EDUCAÇÃO E AOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
As Instituições de Ensino Superior Privadas são criadas por credenciamento junto ao Ministério da Educação (MEC) e mantidas e administradas por pessoa física ou jurídica de direito privado, podendo ter ou não fins lucrativos.
Uma das garantias constitucionais às universidades é a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, conferida pelo art. 207, o que não justifica a iniciativa da Acionada de não instituir descontos em face da Pandemia. O ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidas as seguintes condições de cumprimento das normas gerais da educação nacional; e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209, CFRB/88). Nesse sentido:
Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. Tratando-se de serviço público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação, rigorosamente acatar as normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo Estado-membro, no exercício de competência legislativa suplementar (§ 2º do art. 24 da Constituição do Brasil).<br>[ADI 1.266, rel. min. Xxxx Xxxx, x. 6-4-2005, P, DJ de 23-9-2005.]"
As universidades privadas estão, portanto, adstritas não apenas a liberdade de iniciativa econômica, mas a outros princípios tutelados pela Constituição,
quais sejam: o Direito à Educação, e a Defesa do Consumidor . Assim se manifesta o Supremo Tribunal Federal:
Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da autonomia universitária não significa soberania das universidades, devendo essas se submeter às leis e demais atos normativos. [RE 561.398 AgR, rel. min. Xxxxxxx Xxxxxxx, j. 23-6-2009, 2ª T, DJE de 7-8-2009.]
As universidades públicas são dotadas de autonomia suficiente para gerir seu pessoal, bem como o próprio patrimônio financeiro. O exercício dessa autonomia não pode, contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem a Constituição e as leis (art. 207 da Constituição do Brasil/1988). Precedentes: RE 83.962. <br>[RMS 22.047 AgR, rel. min. Xxxx Xxxx, j. 21-2-2006, 1ª T, DJ de 31-3-2006.]"
Quando as pessoas jurídicas de direito privado optam pela prestação de serviços educacionais, não podem jamais olvidar de que não estão vendendo bens disponíveis e de menor importância, mas, sim, de extrema magnitude social, o que requer um exame cuidadoso dos conflitos oriundos, em especial para manter a qualidade do ensino e o equilíbrio contratual.
A prestação do serviço educacional é matéria consumerista, e como tal, tutelada pela Constituição Federal – art. 5º, XXXII, 170,V - , por legislação específica - Código de Defesa do Consumidor - Lei n.8.078/90), e correlata - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9.394/96. Portanto as universidades privadas, como a Acionada, não podem se esquivar de observar os princípios e normas de proteção ao Consumidor.
Destaca-se que, com a presente ação, não se está a preconizar que as Instituições de Ensino Superior da Comarca de Salvador devem sofrer prejuízos com a
redução dos valores das mensalidades. Em verdade, busca-se garantir o direito dos consumidores ao equilíbrio contratual vinculado a educação de boa qualidade.
O Ministério Público do Estado da Bahia urge que a Acionada seja compelida à revisão dos posicionamentos adotados perante o corpo discente, aplicando- se os descontos devidos sobre as mensalidades, independentemente da finalidade não lucrativa da entidade, pois não se trata de doação ou assistencialismo, mas, sim, do direito ao equilíbrio contratual.
III.II DA RELAÇÃO CONSUMERISTA ENTRE UNIVERSIDADE E ESTUDANTE/RESPONSÁVEL FINANCEIRO. VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
Os contratos de prestação de serviços da Educação Superior são pactos onerosos e bilaterais, através do qual o contratante (estudante/responsável) estabelece uma relação jurídica com a prestadora de serviço (universidade), objetivando o aprendizado, o conhecimento e desenvolvimento, garantindo-lhe a formação necessária para o exercício da cidadania, assim como lhe assegurando os meios para a qualificação voltada ao mercado de trabalho e estudos posteriores, conforme art. 205 da CF.
O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que a “prestação de serviços educacionais caracteriza-se como relação de consumo, motivo pelo qual devem incidir as regras destinadas à proteção do consumidor, o qual, por ser a parte mais vulnerável, merece especial atenção quando da interpretação das leis que, de alguma forma, incidem sobre as relações consumeristas”2.
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica estabelecida com o objetivo de prestação de serviços educacionais. O estudante é o destinatário final dos serviços educacionais e a instituição de ensino é a responsável por sua prestação, enquadrando-se, portanto, aos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos artigos 2º e 3º do CDC. (Acórdão 1132582, 07225152320178070001, Relator Des. XXXXXX XXXXXXXXX, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 24/10/2018, publicado no DJe: 30/10/2018)
2 STJ – REsp 1583798. 2ª T. Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx. DJ-e de 07.10.2016.
A própria Lei n. 9.870/99, que dispõe sobre o valor das anuidades escolares, aponta a incidência do CDC em tal relação (art. 6º e 9º).
Caracterizada a relação de consumo, incidem-se, por consequência, as normas de ordem pública e de interesse social, direcionadas à proteção e defesa do consumidor, previstas na Lei n. 8.078/90 - CDC.
Como explicitado linhas acima, a pandemia de Covid-19 impactou diversos setores da sociedade, exigindo novas posturas diante desse fato novo e imprevisível. Trata-se de contexto de incertezas acerca das consequências jurídicas, sociais e econômicas do fenômeno. Por isso, é extremamente importante o respeito aos princípios norteadores das relações jurídicas, a fim de dirimir os prejuízos advindos do contexto.
A vulnerabilidade do consumidor é presunção constitucional absoluta, prevista no art. 5º, LV, de modo que carece de comprovação. Geralmente é abordada pela doutrina em quatro aspectos: técnica, jurídica ou científica, fática ou socioeconômica, e informacional.
A parte mais vulnerável da relação, o consumidor, sofreu com a redução ou perda abrupta da renda familiar, diante das suspensões no contrato de trabalho e dispensas, fechamento de comércios e indústria, além de ter aumento de custos com alimentação, higiene, prevenção e tratamento de doenças. Trata-se de crise epidêmica, sendo que muitos dos consumidores adoeceram e foram forçados a assumir gastos adicionais com o tratamento. Casos outros ocorreram de óbitos, por vezes, excluindo o auxílio de familiares para o orçamento doméstico.
A ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAUDE PÚBLICA,
por sua vez, tem se mostrado insensível às nuances na vida dos acadêmicos, colocando- se como a parte prejudicada da relação, em momento que é impossível sê-lo. A Universidade se nega a ofertar qualquer desconto aos seus discentes, mesmo com todas as alterações na prestação de serviço, de modo que este Ministério Público não poderia deixar de submeter ao crivo do Judiciário a presente demanda.
A justificativa de que o valor da semestralidade é um dos mais baixos praticados no mercado não isenta a IES de fazer a devida readequação face à causa superveniente, já demasiadamente explicitada acima. Tão pouco a previsão de que em seu contrato de prestação de serviços educacionais já havia a previsão de aulas on line, já que estas, se ocorrerem, não foram de forma exclusiva.
III.III DA PRESTAÇÃO DO ENSINO REMOTO PELA ACIONADA
Os consumidores celebraram, originalmente, contrato com a FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, mantenedora da
ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA, para que esta prestasse o serviço educacional na modalidade presencial e, em contrapartida, pagariam pela semestralidade, geralmente, parcelada, em mensalidades.
Contudo, em razão da suspensão das atividades escolares presenciais, o serviço vem sendo executado de modo diverso ao previamente contratado, com a prestação de ensino remoto e com todas as dificuldades que advieram com essa alternativa à forma do serviço habitual, que exige outras aptidões, equipamentos tecnológicos, serviço de internet, e ainda implicou redução da carga horária de ensino, se comparada àquela tradicional, fornecida presencialmente.
Uma atividade ou aula remota constitui solução temporária, para dar continuidade às atividades pedagógicas e tem como principal ferramenta a “rede mundial de computadores”. Para Thuinie3, essas aulas surgiram com “a finalidade de minimizar os impactos na aprendizagem dos estudantes advindos do sistema de ensino originalmente presencial, aplicadas neste momento de crise”. Não se trata de uma modalidade ensino, mas uma solução rápida para as instituições, utilizada em um curto período de tempo, mas com implantação açodada diante de situação emergencial. Diferente, assim, do EAD, que tem sua estrutura e metodologia pensados para garantir o ensino e educação a distância.
A questão é que os consumidores não optaram e não contrataram o ensino EAD, ainda mais de tratando de cursos da área de saúde, os quais, inevitavelmente, necessitam de aulas práticas para complementação do ensino. Até mesmo a autorização federal para substituição das aulas presenciais por aulas digitais, tem exceções para o cursos da área de saúde.
A Portaria nº 544, de 16 de junho de 2020, do Ministério da Educação autoriza, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em cursos regularmente autorizados, por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais, por
3 Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxx-xxxxxx-x-xxx/ #:~:text=O%20ensino%20remoto%20se%20tornou,privado%20deem%20continuidade%20%C3%A0s
%20aulas.&text=Com%20o%20intuito%20de%20manter,modelo%20de%20ensino%20a%20dist
%C3%A2ncia>. Acesso em 17 jun 2020.
instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino (art. 1º). Especificamente para o curso de Medicina, fica autorizada a substituição apenas às disciplinas teórico-cognitivas do primeiro ao quarto ano do curso e ao internato, conforme disciplinado pelo CNE (art. 2º, §5º).
A portaria ainda definiu critérios para estágios e práticas laboratoriais, que não haviam sido flexibilizados pela Portaria anterior nº 345/2020. Tais atividades poderão agora ser realizadas à distância no período da pandemia, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Programa Pedagógico do Curso, porém a regra deixa de fora os cursos de saúde, para os quais é indispensável a vivência acadêmico-hospitalar.
A adoção compulsória do ensino remoto pelas instituições de ensino superior (dada a situação epidêmica), não autoriza a redução na qualidade do ensino contratado e o descumprimento do contrato firmado, o que, todavia, tem ocorrido na ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAUDE PÚBLICA, segundo os relatos dos estudantes reclamantes.
Os consumidores alegam (Notícias de Fato, Docs. 01, 10 a 38, PAPIC) que o próprio ambiente virtual utilizado pela Acionada para ministrar aulas - Plataforma ZOOM – não tem sido proveitoso aos estudantes; o que nos permite questionar a real continuidade das aulas e cumprimento do conteúdo programático, capaz de justificar a manutenção da cobrança, como aponta a Acionada.
Conforme se depreende das reclamações recebidas por esta Promotoria, a maioria dos estudantes relatou a precariedade da plataforma utilizada, por se tratar de serviço gratuito, no qual o tempo disponível aos usuários é de apenas 40 minutos por reunião. Isto significa que, independente do andamento da aula ou discussão, a linha de raciocínio tem de ser interrompida para que o professor envie novo link de acesso aos alunos, e estes, novamente, possam ingressar na reunião .
Associado a isto, os estudantes também informaram que alguns professores não se adaptaram às aulas online, e as aulas perderam qualidade, ainda que minimamente. Tal fato é previsível, pois não é possível perquirir a todos os professores e aos estudantes se têm aptidão para manuseio da informática, se têm boa conexão de rede de internet e satisfatórios equipamentos em seus lares para recepção do novo serviço de ensino que a demandada passou a prestar.
Não se pode olvidar ainda dos problemas de conexão à internet, frequentes nesta Capital, em especial durante o período de isolamento, no qual o teletrabalho,
ensino on line, e o aumento das pessoas conectadas a uma mesma rede, têm contribuído para a sobrecarga do sistema de transmissão de dados via internet, ocasionando falhas na conexão.
Além das dificuldades operacionais supervenientes em face da nova prestação do serviço, a Acionada operou mudanças na organização do calendário escolar e na carga horária, de modo que o conteúdo programático outrora garantido aos estudantes , não pôde ser mais ofertado, apesar do que alega a acionada. Segundo relatos dos discentes, as aulas passaram a ter duração de apenas 40 minutos para se adequar ao tempo gratuito da Plataforma ZOOM, comprometendo o aprendizado, e a carga horária prevista inicialmente não foi cumprida . Um dos representantes afirma:
(...) ocorreu redução de carga horária, várias matérias reduziram o tempo de aula para se adequar a 40 minutos gratuitos do aplicativo comprometendo o aprendizado. Matérias teóricas que duravam 1 hora e 30 minutos foram reduzidas para apenas 40 minutos, sem consentimento dos estudantes. Outras aulas que possuem duração maior que 40 minutos, são interrompidas após esse período sendo necessário abrir outra sala com um link para que todos os estudantes entrem novamente no aplicativo para assistir às aulas. Além disso, a faculdade não oferece suporte adequado e as aulas não ficam gravadas para assistir depois.
(Pág.05, NF 003.9.134824/2020, Doc. 28, PAPIC)
Outra consumidora informou (pag. 05, Doc. 25, PAPIC) que o contrato para o oitavo semestre do Curso de Odontologia previa 05 disciplinas, totalizando 468 horas- aulas presencias, das quais 360 horas-aulas são práticas – o que corresponde a 77% das aulas do semestre. No entanto, a partir de março as aulas foram suspensas e as disciplinas teóricas retornaram em 23/04, com apenas 10horas semanais.
Diante disso, a aluna teve acesso a menos de 25% do conteúdo a ser disponibilizado no semestre, e ainda assim, foi-lhe cobrada a mensalidade integral, sem negociação. Frisamos que a suspensão das atividades não é motivada por ato da Universidade, mas por força maior, porém o Consumidor não pode, sozinho, arcar com as consequências desta crise epidêmica.
A Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBSMP) não apresentou, até o presente momento, garantia aos discentes quanto a reposição das aulas práticas de
forma integral, o que é essencial para que não haja prejuízos a formação acadêmica e profissional. Do contrário, abriu-se prazo para matrícula no semestre 2020.2, sem sequer noticiar aos estudantes quais medidas serão adotadas pela instituição para repor as aulas não ofertadas.
Sob o argumento de que se trata de entidade sem fins lucrativos, a ACIONADA afirma que na fixação dos preços são considerados tão somente os custos necessários ao desenvolvimento das atividades institucionais, na forma da lei, e portanto não poderia reduzir a mensalidade. Ocorre que o ensino contratado envolvia não apenas ministrar aulas, mas todo o acompanhamento presencial do aluno, que implica um custo maior à universidade. Com a suspensão das aulas presenciais e prestação de serviços remotos, impossibilitou-se a realização de atividades práticas, acesso às bibliotecas e laboratórios de pesquisa, e até mesmo o internato restou prejudicado. Assim sendo, é cristalina a redução de despesas, sendo imperativo o abatimento proporcional do preço com a realização do serviço à distância.
Parece evidente que a adoção de tecnologias para a conversão do ensino presencial em digital satisfaz apenas em parte o cerne do serviço prestado pela IES. Portanto, ainda que se alegue redução ínfima das despesas, os consumidores não estão recebendo o serviço que contrataram. Do contrário, tiveram que se adequar a nova realidade e ainda buscar meios de aprimorar, sozinhos, o processo de aprendizagem.
III.II Da Revisão Contratual, Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico e Princípio da Equivalência Material das Prestações
O Código de Defesa do Consumidor consagrou a norma da revisão contratual por fato superveniente como regra apta a ensejar a revisão do contrato quando houver alteração das circunstâncias iniciais do negócio celebrado. Nos termos do art. 6º, inciso V da Lei nº 8.078/90 é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx, trata-se da possibilidade de uma revisão contratual facilitada, pois o Código de Defesa do Consumidor não exige o fator imprevisibilidade
– previsto na teoria da imprevisão do Direito Civil. Basta que o desequilíbrio negocial ou a onerosidade excessiva decorram de um fato superveniente, ou seja, um fato novo não existente quando da contratação original. Na realidade civilista, porém, o
Abordando acerca da diferenciação entre a revisão contratual tratada pelo CDC e pelo CC/2002, extrai-se de aresto do Superior Tribunal de Justiça:
a teoria da base objetiva, que teria sido introduzida em nosso ordenamento pelo art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor – CDC, difere da teoria da imprevisão por prescindir da previsibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva. Em que pese sua relevante inovação, tal teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção” (STJ – REsp 1.321.614/SP– Terceira Turma – Rel. Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx – Rel. P/ Acórdão Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx – j. 16.12.2014 – DJe 03.03.2015).
Marques5:
A teoria da base objetiva do negócio jurídico é comentada por Xxxxxxx Xxxx
A norma do art. 6º do CDC avança, em relação ao Código Civil (arts. 478-480 – Da resolução por onerosidade excessiva), ao não exigir que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível – apenas exibe a quebra da base objetiva do negócio, a quebra de seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência
4 TARTUCE, Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Manual de direito do consumidor : direito material e processual – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018 P. 293.
5 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: XX, 0000. p. 71. Apud. TARTUCE, Xxxxxx; NEVES, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Manual de direito do consumidor : direito material e processual – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018 P. 294.
entre as prestações, o desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível, fato que podia ser previsto e não foi.
Na presente demanda, observa-se que houve uma quebra da base objetiva do negócio jurídico: o ensino presencial. Destruiu-se, assim, a equivalência das prestações, pois se pagou por serviço presencial, quando, na verdade, o mesmo está sendo prestado on line.
É evidente a necessidade de revisão contratual, pois houve uma alteração da situação fática pré-existente à celebração do contrato. Ora, se as circunstâncias que embasaram a celebração do contrato foram modificadas de forma significativa por fato superveniente imprevisível, não é juridicamente aceitável que as obrigações constantes no instrumento se mantenham inalteradas e, até mesmo, minimamente revisadas.
O STJ já defendeu a ideia de que é pressuposto para aplicação da teoria da quebra da base do negócio a demonstração pela parte prejudicada de que, se previsse a alteração da circunstância intrínseca à época da celebração do negócio, não o teria celebrado ou só o teria celebrado com outro conteúdo. 6
A questão é facilmente visualizada quando posto que os estudantes/responsáveis financeiros hoje, não contratariam serviços educacionais de ensino superior na modalidade EAD - Ensino à Distância, pelos mesmos valores pagos ao ensino presencial, como quer a Acionada. Ainda mais em se tratando de cursos da área de saúde, os quais, sabidamente, sofrem severas críticas ao serem ministrados à distância; a prática não é recomendada pelo MEC e há Projetos de Lei proibindo o EAD nos cursos de saúde.
A alteração superveniente da circunstância inicial - ocasionando a impossibilidade de ministrar aulas presenciais, teóricas e práticas, sem risco a saúde e
6 Xxxxx, Xxxxxxx Xxxx. Distinções entre as teorias da imprevisão, da onerosidade excessiva e da quebra da base objetiva do negócio jurídico a partir da jurisprudência do STJ. Ponto na Curva. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x-xx- quebra-da-base-objetiva-do-negocio-juridico-a-partir-da-jurisprudencia-do-stj/11437.
vida dos envolvidos- não estava contemplada na distribuição contratual e legal dos riscos da contratação (inexistência de alocação de riscos estabelecida em contrato).
O requisito à aplicação da teoria da base objetiva é a demonstração de que houve uma modificação nas circunstâncias intrínsecas verificadas quando da celebração do contrato, ocasionando onerosidade ou desproporção para uma das partes. Assim, se as circunstâncias iniciais foram modificadas no curso da relação contratual e causarem desequilíbrio das obrigações pactuadas, o Poder Judiciário poderá intervir para readequar o contrato, de modo a resgatar, tanto quanto possível, o equilíbrio contratual7.
Ainda que se exigisse, neste caso, a imprevisibilidade do fato que gera a onerosidade excessiva, também o direito estaria resguardado, pois se trata de epidemia por COVID-19, causada por vírus há pouco conhecido, e que, em todo o mundo, modificou as relações contratuais, de consumo, jurídicas, pessoais, sociais, etc.
Atrela-se a questão ainda ao princípio da equivalência material, que constitui a manifestação da busca da efetiva igualdade entre as partes na relação contratual. A equivalência material busca harmonizar os interesses das partes envolvidas e realizar o equilíbrio real das prestações em todo o processo obrigacional8. Nesse sentido, Xxxxxx Tartuce 9assevera:
O parâmetro da equivalência material deve ser, portanto, a igualdade, entendida como equanimidade (fairness de Dworkin) ou trocas de prestações equânimes e comparáveis no contexto contratual. (...) A igualdade que colore a equanimidade prestacional é entendida como “tratamento diferenciado de situações desiguais; compreende o princípio da diferenciação positiva: modulação funcional, rendimentos, titularidades e outros fatores sociais, laborais e familiares”. (Thelma. Citaria apenas doutrinadores consumeristas. Os institutos de consumidor são próprios. Veja arquivos de ações antigas de 1999 sobre Arrendamento Mercantil – Leasing. O art 6, V, foi o fundamento das ações)
7 Informativo 556 – STJ. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA BASE OBJETIVA OU DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO.
8 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxx/x-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxx-xx- equivalencia-material-na-teoria-contratual-contemporanea/. Acesso em 17 jun 2020.
9 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxx-xxx- mensalidades-escolares-de-instituicao-de-ensino-privadas-com-efeito-do-covid-19. Acesso em 17 jun 2020
Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio do contrato, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem desproporcional para uma das partes e onerosidade excessiva para outra, aferíveis objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária.
A determinação judicial do estabelecimento de percentuais de desconto sobre as mensalidades dos cursos de graduação ofertados pela IES ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA , é medida extremamente necessária para consolidação do princípio da equivalência material, pois considera a medida dos esforços empreendidos pela entidade escolar na manutenção das atividades, e abarca a proteção jurídica e contratual dada ao interesse do consumidor, sabidamente, a parte mais vulnerável.
O Código de Defesa do Consumidor também considera como prática abusiva a exigência de vantagem manifestamente excessiva, nos termos do art. 39, V do CDC. Em sede contratual, a interpretação das cláusulas deverão ser realizadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC), sendo consideradas nulas de pleno direito aquelas que estabeleçam prestações abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, nos exatos termos do art. 51, IV e § 1º do CDC.
Não se pode olvidar que os impactos financeiros em decorrência da pandemia de Covid-19 foram sofridos por toda a sociedade, e não menos pelos contratantes das instituições de ensino privado, sendo que muitos perderam os
10 Transformações Gerais do Contrato, RTDC, vol. 16, 2003, p. 111.
empregos, ou tiveram redução dos salários ou da renda mensal auferida. Muitos adoeceram e foram forçados a assumir gastos adicionais com o tratamento, além de todos aqueles que assumiram custos com as normas de prevenção à doença. Casos outros ocorreram de óbitos, por vezes, excluindo o auxílio de familiares para o orçamento doméstico.
Tudo isso afeta, significativamente, a capacidade desses vulneráveis sujeitos, quando não, hipossuficientes, em honrar aquilo que foi previamente contratado a IES, não se podendo olvidar de outros dispêndios inexoráveis, como alimentação, plano de saúde, aluguel, condomínio, energia elétrica e serviço de água e esgoto.
À evidência, com a suspensão das atividades presenciais, há uma redução significativa nos gastos estruturais para as entidades de ensino privado, tais como energia, material de expediente, material e serviços de limpeza, água, vale-transporte dos funcionários, possibilidade de suspensão de contrato de trabalho, dentre outros, tudo em virtude da não utilização dos espaços físicos e seus respectivos serviços-meio.
Ora, se as circunstâncias que embasaram a celebração do contrato foram modificadas de forma significativa por fato superveniente imprevisível, não é juridicamente aceitável que as obrigações constantes no instrumento se mantenham inalteradas e, até mesmo, desproporcionalmente revisadas.
Conforme recente decisão Tribunal de Justiça de São Paulo, as aulas on line oferecidas pela instituição de ensino durante a epidemia do coronavírus não configuram quebra de disposições contratuais, mas, sim, uma opção aos discentes para continuidade do processo educacional, e mantendo ativo o serviço profissional contratado. 11
Conquanto a prestação de aulas remotas não configure ‘quebra’ ou inadimplemento dos contratos por parte do fornecedor, aqueles não estão sendo cumpridos conforme pactuado, havendo uma cobrança pecuniária sem o cumprimento integral da obrigação. No caso de cumprimento parcial da obrigação, é cabível a outra parte se opor ao adimplemento total de sua prestação, pois houve um quebra da base objetiva do negócio . Em outras palavras, como a instituição está ofertando aulas on- line, diversamente do inicialmente contratado, que previa aulas presenciais, é permitido ao consumidor opor-se ao pagamento integral das mensalidades (ou da semestralidade) na forma acordada.
A postura da IES ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE
PÚBLICA em não ofertar descontos aos contratantes, mesmo diante de uma das piores crises financeiras ocorridas na história mundial, caracteriza conduta contrária a boa-fé objetiva e seus deveres anexos, e enseja a oposição por via judicial.
Nas atuais circunstâncias, os efeitos e as repercussões econômicas e financeiras da pandemia devem ser repartidos entre todos os sujeitos da relação, mas não mais pelo consumidor, parte já vulnerável, e por vezes, hipossuficiente. Deve-se garantir o equilíbrio contratual, a conservação da avença e o compromisso no cumprimento das respectivas obrigações, o que só poderá ser feito com a concessão de descontos.
Desde o início da pandemia de Covid-19, o Ministério Público e demais Órgãos Públicos iniciaram negociações com centenas de instituição de ensino básico e superior, na busca de uma solução consensual para as questões. Neste contexto, foi firmado o Compromisso de Ajustamento de Conduta com dezenas de instituições de ensino, de porte variados, reforçando as medidas previstas na Recomendação Ministerial nº 06/2020, e instituindo um percentual de desconto sobre o valor das mensalidades conforme os níveis de ensino, o que foi considerado, por órgãos públicos e fornecedores de serviços educacionais, justo, equânime e proporcional, diante das alterações verificadas na execução dos contratos.
Destacamos, ainda, a recente aprovação do Projeto de Lei Estadual n. 23.798/2020, pendente de sanção ou veto pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, o qual determina a concessão de desconto de 30% sobre o valor integral das mensalidades às instituições de ensino superior. Tal valor está em consonância às decisões liminares nos tribunais de todo o país acerca da concessão de descontos nas parcelas de anuidade:
(...)
Obviamente, não se desconhece a grave situação que assola o País em razão do Coronavírus (Covid-19). Certo que, por força da Lei Federal nº 13.979/20, bem como do Decreto Estadual nº 64.881/20 e, ainda, dos Decretos Municipais nºs 59.285/20 e 59.298/20, teve a demandante prejuízo econômico. Pois bem. A pretensão redigida nas razões recursais se amolda ao conceito de tutela de urgência, com previsão no art. 294 do CPC.
No caso em testilha, a análise sumária mostra-se plausível, em parte, eis que não há tempo para fazê-lo de forma mais aprofundada, em razão da urgência. A pandemia pelo Coronavírus se traduz em fato imprevisível, ao menos para os leigos. As medidas de supressão e mitigação, em razão da Covid-19, impostas pelo Governo revelam evidente desproporção entre o quantum mensal a que se obrigara autora, quando da celebração do contrato de prestação de serviços educacionais, e o momento da execução.
Não se olvide, pois, do art. 317, do CC, que assim preceitua: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. Em análise perfunctória, vislumbra-se a verossimilhança das alegações da demandante, bem assim o periculum in mora.
É, pois, caso de concessão parcial do pleiteado efeito ativo, e isso apenas para conceder desconto no valor da mensalidade no percentual de 30%, pelo prazo de 60 dias, a contar do presente mês. Porém, a diferença faltante deverá ser prontamente quitada após a quarentena e após o estado de calamidade pública, com correções legais. Intime-se a parte adversa para apresentação da contraminuta, no prazo legal. No mesmo prazo, digam as partes acerca da possibilidade de conciliação, bem como se há oposição ao julgamento virtual do presente recurso. Int. São Paulo, 9 de junho de 2020. Agravo de Instrumento Processo nº 2118029-77.2020.8.26.0000 Relator(a): XXXXXX XXXXXXX
Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Todavia, A Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBSMP) insiste, de forma contrária aos princípios e normas consumeristas, em não conceder o desconto linear nas mensalidades, abarcando todos os alunos e no percentual recomendado, a despeito de o serviço contratado na modalidade presencial não estar sendo efetivamente prestado.
Por isso a educação privada, até o presente momento, mostra-se como uma grande celeuma para pais/estudantes, de um lado, e entidades de ensino particular, do outro. Não tem sido tarefa fácil coadunar os interesses, no geral, conflitantes, em que o
grupo de sujeitos vulneráveis almeja pagar menos, frente a não prestação do serviço aos moldes contratado, e os fornecedores de serviços desejam manter os preços nos patamares antes estabelecidos, embora com redução nas despesas e modificação da prestação do serviço, em detrimento do consumidor contratante.
Portanto, reiteramos que o pedido formulado nesta inicial é justo, razoável, e plenamente possível, não constituindo a causa de encerramento das atividades ou injustificável prejuízo econômico a FUNDAÇÃO BAIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, porquanto, vivenciando um período de exceção para todos, especialmente, para os vulneráveis consumidores, e as medidas de revisão, renegociação ou compensação nada mais significam do que razoáveis reflexos e expressões de justiça.
Se assim não o fosse, os Juízes e Tribunais de Justiça de todos os estados não estariam admitindo e determinado a redução das mensalidades como forma de readequação dos contratos educacionais. Verbi gratia :
(Fonte: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/0000-00/xxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxxxx-xx-00-xx- mensalidade-devido-pandemia)
%20desembargador%20Campos%20Petroni%2C%20da,de%20curso%20superior%20em%2030%25.&text=Assim%2C%20concedeu%20desconto
%20no%20valor,pelo%20prazo%20de%2060%20dias.)
(Fonte: xxxxx://x0.xxxxx.xxx/xx/xxx-xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/00/xxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxx- durante-a-pandemia-da-covid-19.ghtml)
Igualmente, as notas técnicas do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) e nº 14/2020 da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), que orientam os consumidores a não solicitar descontos, não apresentam conteúdo coercitivo e não podem sobrepujar as normas de ordem e interesse social do CDC, de modo que este Ministério Público, cujo dever legal é de proteção ao consumidor, não pode quedar-se inerte.
Busca-se, nesta ação, dirimir as consequências da pandemia de Covid-19, garantindo a manutenção dos contratos e das matrículas, obstando o prejuízo desmedido e o gasto excessivo do consumidor. A via extrajudicial não foi suficiente para solucionar o conflito, exigindo-se a atuação jurisdicional para intervir na relação
contratual e reequilibrar as obrigações pactuadas, no que se refere ao valor das mensalidades cobradas aos graduandos.
Buscamos assim, salvaguardar ao consumidor, sabidamente a parte mais vulnerável da relação de consumo, o acesso à atividade educacional. Por outro lado, preservar-se-á, mesmo diante da crise sanitária vigente, a continuidade do pacto educacional.
Como ressaltado, os consumidores contratantes dos cursos de ensino superior ofertados pela ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA estão assumindo, excessivamente, os prejuízos ocasionados pela pandemia. Portanto, à luz do postulado da revisão contratual e pelo princípio da equivalência das prestações, tem-se que a modificação temporária das condições contratuais é medida premente, fazendo-se necessária a redução do preço mensal pago pelo serviço até o fim do isolamento social, oportunidade em que o contrato voltará a ser executado na forma inicialmente entabulada.
Diante do exposto, requer a Vossa Excelência que acolha os pedidos a seguir dispostos.
IV TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
A Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, instituiu o novo Código de Processo Civil, introduzindo uma nova filosofia processual, buscando, dentre outros objetivos, conferir maior dinamismo a marcha processual, assim como assegurar garantias as partes litigantes, com o fim de estabelecer uma melhoria na prestação jurisdicional.
Nesse sentido, o art. 300 do CPC/2015, ao tratar da prestação jurisdicional em casos urgentes estabelece que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Na mesma toada, especificamente quanto à tutela coletiva, o caput do art. 12 da Lei nº 7.347/85 preconiza que “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
Na mesma linha, com objetivo de assegurar o direito básico do consumidor de facilitação de sua defesa, o Código de Defesa do Consumidor consignou no art. 84, § 3º, os pressupostos para concessão de liminar em sede de tutela coletiva, exigindo o
relevante fundamento da demanda e o receio de ineficácia do provimento final (fumus boni iuris e periculum in mora).
No caso específico, o requisito da probabilidade do direito alegado encontra-se satisfeito, conforme exaustivamente exposto nesta exordial, conforme previsto nas normas protetivas do consumidor previstas no art. 6º, V , art. 39, V, art. 51, IV, art. 20, todos do CDC.
O periculum in mora reside na necessidade de revisão dos contratos de prestação de serviços educacionais enquanto durar a pandemia de Covid-19, sob pena dos consumidores contratantes terem que arcar com os valores integrais das mensalidades, pagando por um serviço que não está sendo prestado conforme o pactuado; tal contraprestação que se apresenta abusiva e desproporcional, ainda mais considerando a alteração das circunstâncias existentes à época da celebração do contrato.
Diante do retro sumulado, bem como exaustivamente demonstrado o fumus boni iuris e o periculum in mora, requer o Ministério Público, nos termos do art. 300 do CPC e art. 84, §3º do CDC, a concessão da tutela de urgência de natureza antecipada, inaudita altera pars, para que Vossa Excelência, determine a FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, mantenedora da ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAUDE PÚBLICA:
1. Promover a adequação financeira dos contratos de prestação de serviços educacionais pelo fato superveniente da pandemia, reduzindo em 30% (trinta por cento), RETROATIVOS AO VALOR DA PARCELA COM VENCIMENTO EM ABRIL DE 2020, o valor integral das mensalidades de todos os Cursos de Graduação e de Pós-Graduação ministrados, lato sensu (especializações) ou stricto sensu (Mestrados, Doutorados e Pós- Doutorados), quer tenham sido, a priori, contratados para a modalidade presencial, de forma não cumulativa com descontos previamente concedidos e prevalecendo maior entre eles, mantendo este valor enquanto durar a pandemia COVID-19 e o isolamento social, nos termos dos artigos 6º, inciso V, 39, inciso V, e 51, inciso III, e parágrafo 1º, I a III, da Lei Federal n.º 8.078/90, incluindo também as parcelas e valor integral da semestralidade referente ao 2ª semestre de 2020:
1.1) O percentual de redução de 30% (trinta por cento) das mensalidades de todos os Cursos de Graduação e de Pós-Graduação ministrados, conforme previsto no item 1, deverá ser aplicado independentemente da condição financeira do discente e da exigência de qualquer documento sobre este fator, bem como deste ser beneficiário de bolsa auxílio;
1.2) A incidência do percentual de 30% (trinta por cento) das mensalidades de todos os Cursos de Graduação e de Pós-Graduação ministrados não será vinculada à apresentação de qualquer documento comprobatório das condições financeiras do discente, eis que resta configurada alteração no modo da prestação de serviço originariamente pactuado, não devendo o risco ser arcado unicamente pelos consumidores;
2) Suspender integral e indistintamente, independentemente de qualquer comprovação de instabilidade financeira, a cobrança de atividades extracurriculares tão somente realizadas de forma presencial, por demandar necessariamente o uso da estrutura da Faculdade ou Universidade, como as disciplinas que demandem desenvolvimento de atividades artísticas, laboratoriais, e demais correlatas;
3) Salvaguardar a opção do consumidor pelo trancamento do Curso de Graduação ou Pós Graduação, ou pela rescisão do contrato, proibindo-se seu enquadramento como inadimplemento contratual, razão pela qual não cobrarão quaisquer encargos a esse título;
4) Na hipótese de inadimplemento, parcial ou total, do consumidor, durante a pandemia de COVID-19 e isolamento social, a Acionada isentará os consumidores quanto ao pagamento de multas de mora e os juros incidentes, abstendo-se de incluir eventualmente os responsáveis pelo pagamento em cadastros restritivos de crédito;
5) Criar um canal de comunicação específico para tratar das questões financeiras e pedagógicas apresentadas em razão da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), com ampla e imediata divulgação aos discentes e diretórios acadêmicos, se houver;
6) Substituir, ou aprimorar, a plataforma virtual de reuniões para a prestação do serviço remoto, com a oitiva e respeito às opiniões e necessidades dos discentes, no prazo máximo de 15(quinze) dias;
7) Não promover a inclusão do nome do discente ou seu responsável financeiro em cadastros dos órgãos de restrição ao crédito, ou os exclua, em razão da inadimplência pela Pandemia, no prazo de 48 horas;
8) a fixação de multa diária de R$1.000,00 (um mil reais) por contrato, em caso de descumprimento das medidas requeridas.
Os consumidores não podem mais aguardar, já que se avizinha o período de geração de novos boletos de mensalidades, e não se sabe por quanto tempo perdurará a suspensão das aulas presenciais, decorrente da quarentena.
V PEDIDOS
Ante todo o exposto, requer à Vossa Excelência:
1) A concessão da tutela provisória de urgência de natureza antecipada, sem oitiva prévia das partes demandadas, nos termos acima dispostos, com fulcro nos art. 84 do CDC, art. 300 e ss. do CPC/15 e art. 3º da Lei 7.347/85, para promover a adequação financeira do contrato de prestação de serviços educacionais, de maneira proporcional e razoável, com a concessão dos descontos de 30% sobre o valor das prestações mensais da semestralidade constante no Contrato de Prestações de Serviços Educacionais, não cumulativa com descontos previamente concedidos e prevalecendo maior entre eles, e demais pedidos acima descritos.
Além da confirmação da tutela liminar, requer a Vossa Excelência que determine à acionada FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, mantenedora da ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA:
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1. Apresentar planilha de custos e valores em conformidade com o Decreto nº 3.274, de 6 de dezembro de 1999, com orçamentos previstos para o ano de 2020 e orçamentos efetivamente aplicados com o advento da pandemia de Covid-19;
2. Admitir o trancamento do curso e a rescisão contratual, por opção do consumidor contratante, sem a imposição de encargos/multas eventualmente previstas, informando ao mesmo os impactos decorrentes do cancelamento da matrícula.
3. Manter as adequações financeiras realizadas anteriormente, em comum acordo com os contratantes, desde que sejam mais vantajosas ao consumidor;
4. Ofertar condições diferenciadas de pagamento das parcelas mensais da semestralidade escolar, diante de circunstâncias individuais, concretas e comprovadas dos discentes e/ou responsáveis financeiros decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19);
5. Garantir aos discentes que se desligaram do curso ou trancaram a matrícula pagando multa contratual que, ao ser readmitido ou rematriculado, seja compensado nas parcelas mensais de semestralidade vincendas, em valor igual ao que foi pago como multa;
6. Restituir, proporcionalmente, à readequação financeira do contrato, os valores pagos pelos discentes/responsáveis consumidores que eventualmente adimpliram a semestralidade integral antecipadamente, caso assim seja requerido pelos consumidores;
Requer ainda:
1. A inversão do ônus da prova, na forma do artigo 6º, VIII do CDC, por se tratar de demanda de proteção ao consumidor, fundamentando-se tanto na verossimilhança das afirmações quanto na hipossuficiência dos consumidores, segundo os fundamentos já expostos;
2. A dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no art. 18, da Lei n° 7.347/85 e Art. 87 da Lei nº 8.078/90;
3. A cominação de multa diária (astreintes), prevista no art. 537 do CPC/ 15, art. 84, § 4º, do CDC e art. 11 da Lei 7347/85, no valor de R$1.000,00 (um mil reais) por contrato, por dia de descumprimento da decisão deste juízo;
4. A citação da ré, na pessoa de seus representantes legais para, querendo, no prazo legal, apresentarem contestação, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato;
5. Sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, em face do disposto nos arts. 180 do Código de Processo Civil, art. 199, inciso XVIII, da Lei Complementar Estadual nº 11/96 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da Bahia) e art. 41, IV, da Lei no 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público);
6. Ao fim, após a instrução probatória, seja a presente ação julgada procedente, confirmando-se a tutela provisória de urgência requerida no item IV, e os demais pedidos do item V.
7. Pretende o Autor provar as alegações aduzidas na inicial mediante perícia contábil e técnica, juntada de documentos relativos às alegações da inicial, se porventura negadas ou contestadas pela Acionada, além da oitiva de testemunhas e depoimentos dos representantes legais da Acionada, juntando, desde já, como prova do alegado, os autos do Procedimento Administrativo Preparatório de Inquérito Civil nº 003.9.96108/2020 – referente a FUNDAÇÃO BAHIANA PARA DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS, mantenedora da ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA;
8. Valor da causa: Em sintonia com o artigo 292 do CPC, atribui-se à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
9. O Ministério Público opta pela realização de audiência de conciliação ou de mediação, nos termos do art. 319, inc. VII, do CPC/2015.
Pede deferimento.
Salvador, 13 de agosto de 2020.