ANÁLISE DOS ASPECTOS CONTRATUAIS QUE DEFINEM OS CONTRATOS ASSOCIATIVOS E A OBRIGATORIEDADE DE NOTIFICAÇÃO AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa LL.M. - Direito dos Contratos
Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx
ANÁLISE DOS ASPECTOS CONTRATUAIS QUE DEFINEM OS CONTRATOS ASSOCIATIVOS E A OBRIGATORIEDADE DE NOTIFICAÇÃO AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
São Paulo 2016
Análise dos aspectos contratuais que definem os
contratos associativos e a obrigatoriedade de notificação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE
Artigo apresentado ao Programa de LL.M.
- Direito dos Contratos do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como parte dos requisitos para a obtenção do título de pós-graduado em Direito.
Área de concentração: Direito Contratos Orientador: Prof. Doutor Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx – Insper
São Paulo 2016
Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx.
Análise dos aspectos contratuais que definem os contratos associativos e a obrigatoriedade de notificação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. /
Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx. – São Paulo, 2016.
54 f.
Monografia (programa de pós graduação em Direito: LLM – Legal Law Master). Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, 2016.
Orientador: Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx.
1. Direito 2. Contratos associativos 3. Classificação contratual. I. Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx. II. Análise dos aspectos contratuais que definem os contratos associativos e a obrigatoriedade de notificação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE.
Análise dos aspectos contratuais que definem os contratos associativos e a obrigatoriedade de notificação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE.
Artigo apresentado ao Programa de LL.M. em Direito dos Contratos do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título de pós-graduação em Direito.
Área de concentração: Direito dos Contratos
Aprovação: / / 2016
XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Análise dos aspectos contratuais que definem os contratos associativos e a obrigatoriedade de notificação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. 2016. 54 f. Artigo (Pós-graduação Lato Sensu em Direito dos Contratos – LL.M.) - Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2016.
Com a publicação da nova lei de concorrência, em vigor desde o ano de 2012, tornou-se obrigatória a submissão prévia dos contratos associativos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. Nesse sentido, torna-se oportuno investigar os elementos desses contratos, os aspectos e os requisitos que determinam a sua submissão obrigatória ao CADE. A definição de contrato associativo não é encontrada na lei, cabendo à doutrina e à jurisprudência, entre outras, a sua modelação. O presente artigo analisa os contratos associativos e suas principais características em comparação com outras formas de classificação contratual, bem como os aspectos e requisitos que determinam a obrigatoriedade de sua submissão ao CADE para análise prévia. Para tanto, o artigo parte da análise da classificação tradicional dos contratos passando pelas classificações mais modernas e formas híbridas contratuais e, ainda, pelos contratos plurilaterais, Joint Ventures e Consórcios, para então propor, sem a pretensão de exaurir, uma delimitação dos elementos comuns caracterizadores dos contratos associativos, conjugando tais elementos com os requisitos e aspectos legais determinantes para a sua análise quanto à obrigatoriedade de submissão à aprovação prévia do CADE.
Palavras-chave: Contratos Associativos; Contratos Plurilaterais; Classificação Contratual; Submissão ao CADE.
XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Associative contracts and the mandatory requirements for their submission for prior examination by the Administrative Council for Economic Defense - CADE. 2015. 54 f. Article (Pós-graduação Lato Sensu em Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais – LL.M.) - Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2015.
The edition of the new competition law, in force since the year 2012, it became mandatory prior notification of the associative contracts to the Administrative Council for Economic Defense - CADE. In this sense, it is appropriate to investigate the elements of these contracts, the aspects and requirements that determine their mandatory submission to CADE. The associative contract definition is not placed in the law, which delegates to the doctrine and case law, among others, its modeling. This study examines the associative agreements and their main characteristics compared to other forms of contract classification, as well as aspects and requirements that determine mandatory its communication to the prior analysis of CADE. Thus, this study starts from the analysis of the traditional classification of contracts through the most modern classifications and contractual hybrid forms and also by plurilateral contracts, joint ventures and consortium, and then propose, without the perspective to exhaust, a delimitation of the common elements characterizing the associative contracts, combining these elements with the requirements and legal aspects to be considered in their analysis regarding the mandatory requirement of submission to prior approval by CADE.
Keywords: Associative Contracts; Plurilateral Contracts; Contract Classification; Notification to CADE.
SUMÁRIO
2 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS E A DICOTOMIA ENTRE CONTRATOS PLURILATERAIS, DE PERMUTA, RELACIONAIS E HÍBRIDOS 11
2.1 Os Contratos e a sua Classificação Civil versus Mercantil 11
2.2 A Classificação Tradicional Doutrinária dos Contratos 14
2.2.1 Bilaterais e Unilaterais 15
2.2.3 Comutativos e Aleatórios 18
2.2.5 Solenes e Não-Solenes 20
2.2.6 De Execução Instantânea, Diferida e Sucessiva 20
2.2.7 Pessoais ou Impessoais 21
2.2.8 Principal Acessório ou Coligado 22
2.2.9 Empresariais e Existenciais (Civis e Mercantis) 24
2.3 Classificação pela Função Econômica dos Contratos 27
2.3.1 De Troca, Permuta ou Escambo 29
2.3.2 Associativos ou Plurilaterais ou de Organização 29
2.4 Contratos Relacionais ou Híbridos 32
3 OS CONTRATOS PLURILATERAIS 36
3.1 Teoria dos Contratos Plurilaterais, de Organização ou Associativos Latu Sensu 36
3.2 Joint Ventures e Consórcios: aspectos contratuais 38
3.3 Contratos Associativos Stricto Sensu 41
4 CRITÉRIOS E REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS CONTRATOS ASSOCIATIVOS STRICTO SENSU COMO ATOS DE CONCENTRAÇÃO SOB A ÓTICA CONTRATUAL 45
4.3 Exclusividade e Compartilhamento de Riscos e Interdependência 47
INTRODUÇÃO
A Lei nº 12.529 de 2011, a qual estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, revogou a grande maioria dos dispositivos da Lei nº 8.884 de 1994, trazendo importantes alterações de proteção à ordem econômica.
A nova lei da concorrência traz inovações sensíveis para a ordem econômica, tais como as alterações na estrutura administrativa dos órgãos responsável pela proteção à ordem econômica, a obrigatoriedade da submissão dos atos de concentração para análise prévia pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE –, o estabelecimento dos critérios que caracterizam as partes obrigadas a submeter os atos de concentração, e a definição dos atos de concentração, previstos nos artigos 88 e 90, da Lei nº 12.529 de 2011, dentre os quais destacamos a inclusão dos contratos associativos, ao lado dos consórcios e das joint ventures, dentre os atos de concentração.
O objeto de análise e pesquisa do presente estudo buscará a delimitação dos elementos comuns caracterizadores dos contratos associativos, conjugando tais elementos com os requisitos e aspectos legais determinantes para a sua análise quanto à obrigatoriedade de submissão à aprovação prévia do CADE.
Os contratos associativos não tem definição legal no ordenamento jurídico, o que trouxe insegurança e incerteza quanto necessidade de sua submissão para a análise prévia pelo CADE, considerando a elevada possibilidade de operações econômicas e jurídicas (transações no sentido dados pelos economistas) celebradas entre os agentes de mercado que poderiam ser consideradas como contratos associativos.
Diante da indefinição gerada pela abrangência do conceito desses instrumentos, o CADE, após consulta pública, publicou a Resolução nº 10, de 29 de outubro de 2014, que disciplina as hipóteses de notificação da celebração de contrato associativo, de que trata o inciso IV do artigo 90 da Lei 12.529/2011.
A Resolução nº 10/2014 trouxe critérios objetivos para avaliação da necessidade de submissão dos contratos associativos à análise prévia do CADE, tais como prazo de vigência da relação contratual, existência de cooperação horizontal ou vertical, exclusividade entre as partes e percentual de participação no mercado afetado pelo contrato.
No entanto, mesmo com os critérios objetivos previstos na Resolução nº 10/2014, a avaliação da submissão ou não dos contratos associativos ao CADE é permeada por uma série de requisitos e conceitos implicando em dúvidas e incertezas, seja pelo atendimento aos critérios, seja pela forma e característica dos negócios jurídicos bilaterais materializados nos contratos associativos. Com efeito, a jurisprudência do CADE vem se formando e apresentando os contornos necessários à caracterização dos contratos associativos passíveis de submissão à análise prévia do CADE.
As alterações legislativas e a evolução do conceito de contatos associativos estão intrinsecamente relacionadas às atividades e transações comerciais dos negócios celebrados pelos agentes econômicos, mas também se relacionam estreitamente com a prática contratual sob os aspectos jurídicos.
Isto porque, nos dizeres de Roppo1, “(...) o contrato é a veste jurídico-formal de operações econômicas”, ou seja, não há que se falar em contratos sem que haja uma operação econômica como substrato de sua existência.
Nesse sentido, o presente estudo traz à baila os conceitos e definições necessários ao entendimento dos instrumentos contratuais previstos no inciso IV do artigo 90 da Lei nº
12.529 de 2011, quais sejam, as joint ventures, os consórcios e os contratos associativos, os quais também podem ser considerados como contratos plurilaterais em razão de suas características e, portanto, serão objeto de análise. Esse estudo, contudo, não tem a pretensão de aprofundar-se nos diversos aspectos passíveis de análise acerca das joint ventures e consórcios, reservando o seu escopo aos aspectos contratuais para não fugir do principal objetivo desse estudo.
1 XXXXX, Xxxx. O contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 11.
Os contratos plurilaterais constituem gênero do qual as joint ventures e os consórcios são espécie. Essa premissa é assumida no contexto deste estudo para posicionar, qualificar e caracterizar os contratos plurilaterais e, ato contínuo, individualizar aqueles instrumentos de submissão obrigatória ao CADE, delimitando as suas características e buscando os contornos e conceitos necessários ao entendimento e definição dos contratos associativos, bem como dos requisitos que os qualificam como atos de concentração e, por conseguinte, obrigam a sua submissão.
Este estudo está organizado em cinco capítulos, sendo o primeiro esta introdução, que abordarão, em breve síntese, os conceitos jurídicos que norteiam a classificação dos contratos e definição dos contratos plurilaterais para, em seguida, discutir os conceitos, natureza jurídica e características dos consórcios, das joint ventures e, por fim, dos contratos associativos, bem como os requisitos legais e critérios objetivos contidos na Resolução nº 10 de 2014 que determinam os critérios a serem analisados para verificação da sua submissão à aprovação do CADE.
A classificação dos contratos sob os aspectos civis, comerciais e econômicos, bem como e as diferenças entre os contratos de permuta, os plurilaterais e os relacionais serão abordados no capítulo segundo desse estudo. Nesse capítulo serão discutidos alguns dos critérios utilizados na classificação dos contratos, bem como os conceitos que identificam uma ou outra classificação. Esse exercício se mostra importante do ponto de vista da interpretação dos contratos e da correta aplicação dos princípios e legislação pertinentes a cada um, segundo as suas características.
A teoria do contrato plurilateral como contrato de organização e os seus principais instrumentos relacionados com o objeto do estudo aqui desenvolvido, pertinentes aos contratos plurilerais, ou seja, as joint ventures, os consórcios e os contratos associativos stricto sensu serão abordados no capítulo terceiro. Não é nossa intenção debruçar sobre as formas e características societárias desses instrumentos, uma vez que, ainda que as sociedades seja o principal representante dessa categoria contratual, não é esse o objetivo aqui traçado.
Em razão das suas peculiaridades e para que fosse identificada a clara e nítida separação entre as questões contratuais pertinentes ao direito civil e ao direito comercial daquelas características e abordagens pertinentes e resguardadas ao direito econômico, foi reservado ao capítulo quarto tratar dos critérios e requisitos para a caracterização dos contratos associativos stricto sensu como atos de concentração.
Por fim, o último capítulo traz as conclusões que esse estudo pode alcançar com base no caminho percorrido ao longo dos capítulos acima mencionados, sem qualquer pretensão de esgotar as questões aqui discutidas ou apresentar conclusões e conceitos definitivos para os instrumentos jurídicos analisados, uma vez que tal como a biologia, a ciência jurídica também evolui e sofre mutações de acordo com o momento histórico, social, político e econômico.
2 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS E A DICOTOMIA ENTRE CONTRATOS PLURILATERAIS, DE PERMUTA, RELACIONAIS E HÍBRIDOS
2.1 Os Contratos e a sua Classificação Civil versus Mercantil
Contratos são normalmente definidos pelos juristas como um negócio jurídico bilateral, pois resulta sempre de um acordo de vontades2. Ressalte-se que os contratos podem ser unilaterais, não porque sejam formados somente por uma parte, o que seria inconcebível com o “acordo de vontades” acima mencionado, mas sim por criarem obrigações somente para uma das partes que manifestou a sua vontade quando da celebração do contrato.
Xxxxxxx Xxxxx aprofundando a questão do conceito jurídico de contrato propõe que contrato é um conceito derivado de negócio jurídico, diferenciando-se um do outro no momento da sua formação, haja vista que para o contrato são necessárias ao menos duas partes. Em sua definição, contrato “é, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral”3 sendo possível aplicações distintas de sua acepção, sendo uma delas “para designar o negócio jurídico bilateral gerador de obrigações” e outra “o instrumento em que se formaliza, seja a escritura pública, o escrito particular de estilo, simples missiva ou um recibo” e conclui que contrato “é, assim, o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”4.
A valiosa lição do professor Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx nos ensina que os negócios jurídicos ditos contratos são traduzidos em “todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados ou pressupostos de existência, validade e eficácia impostos sobre a norma jurídica que sobre ele incide”.5
2 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 171
3 GOMES, Orlando; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 4
4 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p.11
5 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia - 4ª Ed. Saraiva, p. 16
Importante notar no conceito apresentado pelo professor Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx o reconhecimento que o ordenamento jurídico deve conferir aos efeitos designados como queridos, respeitados ou pressupostos de existência, validade e eficácia, ressaltando o caráter do ato volitivo das partes.
Identifica-se, assim, expressa conexão com o conceito apresentado pelo professor Xxxxxxx Xxxxx quando diferencia contrato de negócio jurídico quanto à formação, uma vez que a mera declaração de vontades não seria suficiente, necessitando-se de duas partes, ao menos, que desejam os efeitos pretendidos, ou seja, aceitam a declaração de vontade uma da outra.
Tais conceitos bebem das fontes e qualificações regadas pelo direito civil. Não se quer dizer com isso que tais conceitos, praticamente universais, sejam inaplicáveis em outras áreas do direito como, por exemplo, o direito comercial. Pelo contrário, o que se pretende aqui é destacar as nuances que apesar de notoriamente afeitas ao direito civil agregam ou contrapõem-se ao direito comercial, notadamente aos contratos mercantis.
Com efeito, o direito comercia é uma categoria histórica e não ontológica, portanto, “a sua razão de ser perante o direito civil não pode repousar sobre critérios lógicos, mas sobre critérios históricos”6, portanto, somente se pode entender a essência do direito mercantil se encararmos as razões históricas de seu nascimento, i.e., a gênese de seus “princípios peculiares”, de sua “especificidade intrínseca”7.
Desde o final do século XVIII a liberalismo já propunha os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade traduzidos na lógica contratual como individualismo, liberdade de contratar e igualdade formal entre as partes, conforme explica Xxxxxxx Xxxxx.
A moderna concepção de contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção.
6 XXXXXXXXX, Xxxxx. Corso del diritto commerciale. 3ª ed. Milano: Giufrè, 1962. P. 79 in XXXXXXXX, Xxxxx
A. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 47.
7 XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 47.
O conjunto das idéias então dominantes, nos planos econômico, político e social, constituiu-se em matiz da concepção do contrato como consenso e da vontade como fonte dos efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do indivíduo.
O liberalismo econômico, a idéia basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia, que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto permitiram fazer-se do contrato o instrumento por excelência da vida econômica.
O processo econômico caracterizado então pelo desenvolvimento das forças produtivas exigia a generalização das relações de troca determinando o esforço de abstração que levou à construção da figura do negócio jurídico como gênero de que o contrato é a principal espécie. O contrato surge como uma categoria que serva a todos os tipos de relação entre sujeitos de direito e a qualquer pessoa independentemente de sua posição ou condição social. Não se levava em conta a condição ou posição social dos sujeitos, se pertenciam ou não a certa classe, se eram ricos ou pobres, nem se consideravam os valores, mas somente o parâmetro da trocam a equivalência da mercadorias, não se distinguia se o objeto de contrato era uma bem de consumo ou um bem essencial, um meio de produção ou um bem voluptuário: tratavam do mesmo moda a venda de um jornal, de um apartamento, de ações ou de uma empresa89.
Assumindo como premissa que o direito mercantil torna-se autônomo em meados do século XII10, sua percepção mais clara nas relações sociais se deve à revolução industrial. O caráter já preconizado na prática contratual fica acentuado após a revolução industrial que traz consigo a necessidade dos agentes de mercado por segurança jurídica devido à multiplicidade de operações que essa nova fase do capitalismo propiciava.
Esse movimento e comércio pulsante introduziram definitivamente os contratos mercantis na prática das operações comerciais, consubstanciados pelos princípios liberais e o regime capitalista ainda insipiente, mas com promessa de rápido e contínuo desenvolvimento. Com efeito, os agentes de mercado ditavam as regras para as suas operações, formalizadas através de instrumentos do que seriam hoje o que designamos por contratos empresariais.
8 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p.7
9 BARCELONA, Pietro. Diritto privado e processo economico, Napoli: Jovane, 1973, p. 272 e 277 in XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 7 e 8
10 XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 48.
A prática contratual, consubstanciadas em princípios próprios das operações comerciais, passa a ditar uma verdadeira guinada na substância dos contatos, permitindo distinguir os interesses dos contratantes para além da forma contratual adotada, conforme será abordado no capítulo sobre a classificação econômica dos contratos.
Assim, ainda que a classificação contratual tenha evoluído consideravelmente, uma forma de classificação mais moderna dos contratos, rompendo com a tradição romanística, focou-se na distinção entre os contratos civis e os contratos mercantis. Essa distinção, atualmente, perde o seu sentido, conforme veremos abaixo, dando lugar a novas formas de distinção, segundo a doutrina mais recente.
2.2 A Classificação Tradicional Doutrinária dos Contratos
Quanto à classificação contratual, em que pese o entendimento de parte da doutrina que confere ao tema caráter meramente teórico, nossa posição propõe a existência de um caráter prático na sua relação com o ordenamento jurídico, seguindo critério adotado, entre outros, por Xxxxxxx Xxxxx00.
A classificação dos contratos auxilia na identificação das particularidades de cada instrumento, realça as suas semelhanças e diferenças, bem como aponta para o sentido do ordenamento jurídico que deve ser aplicado ao contrato. Nesse sentido também é a lição de Xxxxxx Xxxxxxxxxxx:
Para cada ordem de interesses deve ser individuada, sem preconceito, a normativa a ser aplicada mediante um autônomo e unitário procedimento de interpretação e de qualificação do fato causativo, dos seus efeitos, voluntários e/ou legais, respeitando as peculiaridades e os reais interesses e valores envolvidos 12.
11 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 83
12 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis de Direito Civil, Introdução ao Direito Constitucional. Trad. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Xx. Xxxxxxx, 0000. p. 209
Os contratos, segundo doutrina amplamente difundida em nosso ordenamento13, são classificados, segundo diversos critérios, conforme o foco que a classificação propõe para a sua análise.
Sob essa ótica, os contratos são tradicionalmente e exemplificativamente classificados, dentre outros aspectos, quanto aos direitos e obrigações que criam para as partes e o número de partes, a onerosidade patrimonial, os riscos alocados na contratação, o tempo de execução, a sua completude ou incompletude, etc.
Dentre os aspectos exemplificativos acima mencionados, os critérios de classificação comumente utilizados e que serão descritos resumidamente no presente capítulo são os seguintes: (a) bilaterais e unilaterais; (b) onerosos e gratuitos; (c) comutativos e aleatórios (d) consensuais e reais; (e) solenes e não-solenes; (f) de execução instantânea, diferida e sucessiva; (g) pessoais ou impessoais; (h) principal, acessório ou coligado; (i) empresariais e existenciais (civis e mercantis); e (j) típicos e atípicos.
2.2.1 Bilaterais e Unilaterais
A distinção em unilateral ou bilateral é de extrema importância sob o aspecto das obrigações assumidas pelas partes. Ao contrário do que se possa inferir dos prefixos “uni” e “bi” do adjetivo “lateral”, essa distinção não se refere ao número de partes que celebraram o contrato, mas sim às partes que se obrigaram a, nos termos do contrato, dar, fazer ou não fazer alguma prestação.
Conforme acima mencionado, o contrato é negócio jurídico celebrado por pelo menos duas partes, não podendo, portanto, ser considerado contrato o negócio jurídico celebrado por uma só parte. Destarte, a esses negócios jurídicos, cuja declaração de vontade de uma só parte é suficiente para a sua realização chamamos negócio unilateral, dentre os quais podemos citar como exemplos a renúncia e o ato de fundação.
13 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. LIMONFI FRANÇA, Xxxxxx. Contrato. In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo. Saraiva. 1977.
Outro conceito importante nessa distinção entre unilateral e bilateral refere-se aos substantivos “parte” e “pessoa”. Não se deve confundir uma parte do contrato com uma pessoa, pois aquela pode ser formada por uma ou mais pessoas. A parte está intrinsecamente relacionada com a posição contratual assumida como, por exemplo, vendedor ou comprador no caso da compra e venda e locador e locatário, no caso da locação. Portanto, a parte será ou um ou outro.
Dessa forma, podemos dizer que contratos unilaterais são aqueles negócios jurídicos bilaterais, ou seja, formado pelo acordo de duas ou mais vontades, mas que, no entanto, somente uma das partes se obriga. A outra parte não assume obrigações, leia-se um dar, fazer ou não fazer.
Por outro lado, os contratos bilaterais são aqueles que todas as partes se obrigam. O conceito de bilateral, apesar de parecer de fácil compreensão, gera discordância na doutrina, segundo nos informa Xxxxxxx Xxxxx00.
A divergência doutrinária repousa na configuração ou não de obrigações dependentes entre si. Para parte da doutrina15, a bilateralidade se dá em razão do sinalagma. Em outras palavras, a bilateralidade existe se as obrigações assumidas pelas partes forem “a causa, a razão de ser, o pressuposto da outra, verificando-se interdependência essencial entre as prestações”16.
Portanto, nesses contratos, as partes são ao mesmo tempo e respectivamente credoras e devedoras umas das outras, gerando consequências distintas o inadimplemento das obrigações assumidas nos contratos bilaterais daquelas assumidas nos contratos unilaterais.
Devido à interdependência das obrigações nos contratos bilaterais, uma parte somente poderá exigir da outra a prestação que lhe é devida se houver cumprido com a sua respectiva prestação, de sorte que pela regra da exceção do contrato não cumprido, uma parte pode recusar-se ao adimplemento da sua prestação em face do inadimplemento da outra parte.
14 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 85
15 BESSONE, Darcy. Do contrato, Teoria Geral, 3ª ed. p. 71
16 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 85
2.2.2 Onerosos e Gratuitos
A distinção entre contratos gratuitos e onerosos deve ser observada sob o ponto de vista do sacrifício realizado por uma parte e da vantagem propiciada para a outra parte, resultando na grande maioria das vezes em acréscimo ou diminuição patrimonial das partes para o cumprimento da prestação.
Nessa esteira, contratos gratuitos seriam aqueles em que somente uma realiza um sacrifício e pode sofrer diminuição de seu patrimônio em proveito da outra. Não necessariamente há redução patrimonial de uma das partes nos contratos gratuitos, uma vez que certos contratos não o exigem, como no caso do comodato.
Nos contratos onerosos, cada uma das partes visa obter uma determinada prestação da outra, portanto, ainda que haja a diminuição patrimonial esta é compensada subjetivamente pela vantagem aferida.
A distinção quanto à onerosidade ou gratuidade se mostra importante quando observada a ressalva proposta por Xxxxx Xxxxxxx quanto à interpretação e à aplicação de determinadas regras do ordenamento jurídico em face dos contratos gratuitos:
a) sendo, em regra, o benefício destinado a certa pessoa, o erro sobre a pessoa assume especial importância e conduz, mais facilmente, à nulidade da operação;
b) não sendo lícito fazer generosidade à custa xxxxxx, a ação xxxxxxxx, cujo escopo é resguardar da fraude direito de terceiros, depende de requisitos mais simples;
c) tratando-se de ato de generosidade, sem interesse próprio, há maior indulgência na apreciação da responsabilidade, por culpa contratual;
d) pela mesma razão, não há responsabilidade do autor da liberalidade pela evicção.17
Com efeito, percebe-se da lição do professor Xxxxxxx que em alguns casos regras diferentes aplicam-se aos contratos gratuitos, seja para proteger a parte que se obriga, seja para proteger direitos de terceiros.
17 BESSONE, Darcy. Do contrato, Teoria Geral, 4ª ed. Saraiva p. 99 e 100
Resumidamente, podemos assumir que os contratos onerosos e os contatos gratuitos são bilaterais e unilaterais, respectivamente. No entanto, deve se ter atenção quanto aos contratos unilaterais, os quais também podem ser onerosos, como é o caso do mútuo feneratício18.
2.2.3 Comutativos e Aleatórios
Os contratos comutativos e aleatórios são subdivisões dos contratos bilaterais onerosos, importando, portanto, obrigações, sacrifício e vantagem percebidos para ambas as partes. Distingue-se um do outro basicamente pela presença da certeza objetiva das prestações acordadas nos comutativos e a sua ausência nos aleatórios.
Os contratos comutativos tem como prestação uma vantagem e um sacrifício equivalentes, se não objetivamente equivalentes, posto que não seja requisito obrigatório, senão nos casos onde podem ser rescindidos por lesão, a prestação e a contraprestação serão certamente subjetivamente equivalentes. Vale a pena, a título de exemplificação e discussão apresentar o contrato de seguro como comutativo.
Isto porque, conforme lição de Xxxx Xxxxxx xx Xxxx Xxxxxx00, a prestação da seguradora é conhecida no momento da contratação. Ou seja, a obrigação de garantia da seguradora que consiste em afastar ou minimizar os danos do sinistro existe, é conhecida e esperada desde a celebração do contrato.
Nos contratos aleatórios existe incerteza quanto à prestação, que pode ser desproporcional à prestação. Não há sequer o requisito da equivalência subjetiva entre o sacrifício e a vantagem. A sua ocorrência é sujeita à álea e pode ou não se configurar, podendo, inclusive a álea ser resultante da vontade das partes como é o caso da liberação do vendedor dos riscos da evicção.
18 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 88
19 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Contratos – Direito Civil e Empresarial, RT. São Paulo. 2009. p. 275 e ss. e
XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx
Xxxxxxx. Direito comercial: contratos empresariais em espécie (segundo a sua função jurídico-ecnômica). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 289 e ss.
Esses contratos podem versar sobre coisas futuras (inexistentes no momento da contratação) pelas quais o adquirente assume o risco da inexistência ou existência em quantidade diversa da contratada, bem como coisas existentes no momento da celebração do contrato, mas expostas a risco. Em qualquer dos casos, o preço integral ainda será devido pelo adquirente se o vendedor não houver agido com culpa. Os contratos aleatórios podem versar, ainda, sobre fatos que podem ou não ocorrer.
Exemplo de contrato aleatório hodiernamente celebrado são os contratos diferenciais em marcado de capitais.
A distinção entre aleatórios e comutativos tem utilização prática no que se refere à vedação à aplicação dos institutos das arras, dos vícios redibitórios, da teria da imprevisão e onerosidade excessiva aos contratos aleatórios.
2.2.4 Consensuais e Reais
Conforme mencionado acima, o consenso, ou seja, o acordo de vontades de pelo menos duas partes é condição necessária à formação dos contratos. Essa ressalva é necessária para que não se confunda a presente classificação como qualquer antagonismo entre consensual e real no que se refere à exigência do consentimento para a sua formação, o qual estará presente nas duas formas de contrato, consensuais e reais, como requisito subjetivo de sua validade.
A presente classificação observa o aperfeiçoamento dos contratos para distingui- los entre consensuais e reais. Assim, temos que os contratos consensuais são aqueles considerados perfeitos e acabados no momento da declaração das vontades e respectivo aceite, como é o caso da compra e venda.
Os contratos reais, por sua vez, dependem de um elemento extra além do consentimento recíproco. Esse elemento denomina-se tradição, o que significa entrega e transferência de uma coisa, de um bem. Esses contratos somente são considerados perfeitos e acabados com a entrega da coisa.
Apesar de não dispensarem o consentimento, a conclusão dos contratos reais depende, como visto, da tradição, ou, se “a coisa já estiver em posse do devedor, a conclusão é no momento do acordo”20. Podem ser citados como exemplo de contratos reais o comodato e o depósito. Note-se que geralmente os contratos reais são unilaterais, exceção ao depósito remunerado que é bilateral e real.
2.2.5 Solenes e Não-Solenes
A liberdade de forma é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, mas nos casos em que a lei exige, a forma deve ser observada. Denominam-se solenes os contratos cuja forma está prevista na lei e dela dependem para o seu aperfeiçoamento.
Nesses casos, a declaração de vontade das partes não é suficiente para a formação dos contratos, implicando em nulidade se a forma prescrita se referir ao ato da declaração da vontade em si. Se a forma, por sua vez, referir-se à publicidade do ato, o contrato é válido entre as partes21.
2.2.6 De Execução Instantânea, Diferida e Sucessiva
A presente classificação leva em consideração o tempo da execução do contrato. Conforme seja a sua execução no tempo, os contratos podem ser considerados de execução instantânea, diferida ou sucessiva.
Os contratos de execução instantânea ou de execução única são aqueles cujas prestações são realizadas em um só instante, não importando para esta classificação se a execução se dá imediatamente ao momento de formação do contrato ou em prazo posterior. A execução será instantânea se ocorrida em um só momento.
20 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 90
21 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 92
A execução diferida é aquela que não pode ocorrer no momento de formação do vínculo, pois depende de evento futuro, termo. Difere da execução instantânea ocorrida em prezo posterior à formação do vínculo, pois as prestações não ocorrem num só momento, dependendo a contraprestação de evento futuro.
Diferem, ainda, os contratos de execução imediata e diferida na possibilidade de aplicação para estes, em detrimento daqueles, da teoria da imprevisão, pertinente à revisão ou resolução do contrato por onerosidade excessiva.
Os contratos de execução sucessiva, também denominados de contratos de duração, podem ser subdivididos em duas categorias, quais sejam: contratos de execução continuada e de execução periódica. Nos primeiros, cujo exemplo temos a locação, a prestação é única, ininterrupta. Nos últimos, a prestação se repetirá mediante acordo das partes.
Tanto os contratos de execução continuada como execução periódica podem perdurar por prazo determinado ou por tempo indeterminado, sendo que nesses casos comportariam denúncia, nos termos contratuais ajustados.
2.2.7 Pessoais ou Impessoais
Em nosso ordenamento jurídico, “a pessoa concreta do contratante é, em regra, juridicamente indiferente22. Os contatos para os quais essa regra é aplicável são denominados contratos impessoais, para fins de sua classificação. Entretanto, não são os contratos impessoais que importam à essa classificação, mas sim aqueles denominados contratos pessoais.
Contratos pessoais, também designados como intuito personae, são aqueles nos quais a pessoa do contratante é a razão de se realizar o contrato, ou seja, aquela pessoa é elemento causal do contrato.
Na lição de Xxxxxxx Xxxxx, um contrato é intuito personae:
22 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 97
(...) quando a consideração da pessoa de um dos contratantes é, para o outro, o elemento determinante de sua conclusão. A uma das partes convém contratar somente com determinada pessoa, porque seu interesse é de que as obrigações contratuais sejam cumpridas por essa pessoa. Por isso, a pessoa do contratante passa a ser elemento causal do contrato.
Em contraposição aos contratos nos quais é indiferente a pessoa com quem se contrata, os que se realizam intuito personae podem ser denominados contratos pessoais. Geralmente, originam uma obrigação de fazer, cujo objeto é um serviço infungível, isto é, que não pode ser executado por outra pessoa, ou porque só aquela seja capaz de prestá-lo, ou porque à outra parte interessa que seja executado tão-somente por ela.23
Essa classificação importa quanto à transmissão das obrigações e anulabilidade do contrato por erro. Devido o caráter personalíssimo das obrigações previstas nos contratos pessoais, a sua transmissão não é permitida, bem como se extingue o contrato pela morte do devedor.
No que concerne à anulabilidade, está é permitida nos contratos pessoais em razão de erro quanto à pessoa, uma vez que a determinação da pessoa de uma das partes é elemento causal do contrato, conforme acima mencionado.
2.2.8 Principal Acessório ou Coligado
A presente classificação toma por base o elo existente entre diferentes contratos que podem ser autônomos e independentes, no caso dos coligados e principais, ou dependentes, no caso dos acessórios.
Os contratos principais são independentes e autônomos, ou seja, tem existência própria. Os contratos acessórios dependem necessariamente de um contrato principal. Sua função principal reside na garantia do cumprimento das obrigações constantes do contrato principal.
23 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 97 - 98
Como exemplos de contratos acessórios podemos citar “o penhor, a anticrese, a hipoteca, a fiança, a caução”, mas ressalte-se que, “não são apenas acessórios os contratos de garantia, senão todos os que tem como pressuposto outro contrato”24.
A justificativa dessa distinção encontra-se no princípio geral de que o acessório segue o principal. Disso, podemos concluir que da extinção do contrato principal decorre a extinção do contrato acessório.
Contudo, aproveitando a lição de Xxxxxxx Xxxxx, vale ressaltar que o contrato acessório, em que pese seguir a sorte do principal, exerce sobre ele também alguma influência, na medida em que pode o credor exigir imediato pagamento se a coisa dada em garantia perece ou se deteriora.25
Os contratos coligados, por sua vez, são autônomos e conservam a sua individualidade, podendo ser unidos de três formas, segundo classificação doutrinária: (i) união externa ou extrínseca; (ii) união com dependência; e (iii) união alternativa.
A união externa é meramente instrumental. Ocorre quando dois contratos independentes entre si, que não se completam ou excluem, são unidos no mesmo instrumento para sua conclusão simultânea. “Nesse caso, não há propriamente coligação de contratos (...)”26.
A união com dependência ocorre entre contratos celebrados e ambos desejados pelas partes como um todo, sendo um dependente do outro “de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante”27. A coligação pode ser necessária ou genética quando decorre da lei, como o contrato de transporte aéreo e o seguro de passageiro, ou voluntária, se decorrer da vontade das partes.
Por último, a coligação pode ser alternativa. Ou seja, dois contratos são celebrados para que um ou outro subsista depois de verificada certa condição. Um contrato é excludente do outro, não se completam, como na união por dependência, pelo contrário, se excluem.
24 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 93 25 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 93 26 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 121 27 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 121
Sob o aspecto prático, a aplicação das normas para os contratos coligados não enfrenta, em primeira análise, dificultadas quanto à sua definição. São aplicadas as normas de cada qual que sejam os contratos no caso de união externa ou por dependência e, no caso de união alternativa, aplica-se a norma do contrato que subsistir28.
2.2.9 Empresariais e Existenciais (Civis e Mercantis)
Atualmente, a antiga distinção entre contratos civis e mercantis vem cedendo lugar a uma nova forma de distingui-los. A unificação do direito privado, tendência seguida pelo nosso ordenamento jurídico com o Código Civil em vigor, gerou na doutrina outra distinção mais adequada às características sociais, econômicas e políticas de nosso tempo.
A forma adotada refere-se à classificação entre contratos empresariais, também designados por contratos de lucro, e contratos existenciais.
Os contratos empresariais seriam, nessa concepção, aqueles celebrados entre empresas ou entre profissionais. Os contratos existenciais seriam, por sua vez, aqueles destinados às atividades normais e rotineiras das pessoas naturais e, portanto, devido aos bens e serviços que tais contratos tem como objeto estes estariam sujeitos às regras e aos princípios próprios a essas atividades constantes do ordenamento jurídico.
28 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 122
O professor Xxxxxxxxx, tratando dessa distinção, propõe:
(...) uma nova dicotomia contratual – contratos existenciais e contratos de lucro, a dicotomia do séc. XXI – porque essas duas categorias contratuais nõa devem ser tratadas de maneira idêntica na vida prática. Os contratos existenciais tem como uma das partes, ou ambas, as pessoas naturais; essas pessoas estão visando a sua subsistência. Por equiparação, podemos também incluir nesse tipo de contrato, as pessoas jurídicas sem fins lucrativos. Ora, as pessoas naturais não são “descartáveis” e os juízes tem que atender às suas necessidades fundamentais; é preciso respeitar o direito à vida, à integridade física, à saúde, à habitação, etc. de forma que cláusulas contratuais que prejudiquem esses bens podem ser desconsideradas. Já os contratos de lucro são aqueles entre empresas ou entre profissionais e, inversamente, se essas entidades ou pessoas são incompetentes, devem ser expulsas, “descartadas”, do mercado ou da vida profissional. No caso desses contratos de lucro, a interferência dos juízes perturba o funcionamento do mercado ou o exercício das profissões; o princípio pacta sunt servanda tem que ter aí maior força.29
Os exemplos de contratos existenciais são nitidamente aqueles rotineiros, em que pelo menos uma das partes é uma pessoa natural que o celebra sem qualquer profissionalismo envolvido e que não tenha objetivado lucro. Podemos citar como exemplos os contratos de consumo e locação residencial.
Já os contratos de lucro ou empresariais são aqueles praticados por empresas visando o seu lucro ou a melhoria das condições operacionais para incremento da atividade, refletindo-se em aumento do lucro. É vasta a gama de exemplos, dentre os quais podemos citar os contratos de empreitada, distribuição, consórcios empresariais, etc.
Sob os aspectos práticos, essa classificação importa, conforme destacado no trecho acima citado da entrevista do professor Xxxxxxxxx, para indicar a correta interpretação dos contratos em razão da sua função social e do desequilíbrio de informações das partes que os celebram. Ou seja, sendo o contrato celebrado por empresas ou profissionais, as regras quanto a flexibilização da pacta sunt sevanda devem ter aplicação restrita.
29 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Diálogos com a Doutrina: entrevista com Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 9, nº 34, abril/junho 2008 p. 304
Diferente, porém, a situação na qual a parte contratante o celebra contratos na necessidade usual da sua existência, sem fim lucrativo. Para tais situações, a rebus sic stantibus, o princípio da boa fé e a função social do contrato devem ter interpretação extensiva.
2.2.10 Típicos e Atípicos
A classificação entre típicos e atípicos observa na lei a existência de esquematização, denominação própria e regulação das espécies contratuais próprias. Logo, se dizem típicos os contratos que estão estipulados na lei, e atípicos aqueles que não estão estipulados na lei.
Uma vez que sejam típicos, a lei aplicável a estes contratos está previamente definida. A questão da aplicabilidade da lei apresenta complexidade quanto aos contratos atípicos. Isto porque, em nosso ordenamento jurídico a liberdade de contratar não está restrita aos contratos previstos na lei e as pessoas que desejam obrigar-se podem celebrar contrato desde que observados os seus requisitos essenciais, quais sejam, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
Os contratos atípicos são usualmente divididos, para fins de estudo, em atípicos propriamente ditos e mistos. Os últimos, porém, subdividem-se, ainda, em múltiplos, geminados, cumulativos e complementares ou, segundo classificação adotada por Xxxxxxx Xxxxx, gêmeos, dúplices e mistos stricto sensu30.
Nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxx, “diz-se misto, o contrato onde se reúnem elementos de dois ou mais negócios jurídicos, total ou parcialmente regulados na lei”31
Xxxxxxx Xxxxx, explica os contratos mistos gêmeos (também designados como múltiplos) e dúplices (também designados como geminados) da seguinte forma:
30 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 123
31 XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Das obrigações em geral, v.1. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 279
Nos contratos gêmeos e nos contratos dúplices, há pluralidade de prestações típicas de vários contratos que se misturam. Distinguem-se, no entanto, porque nos contratos gêmeos, como é o de hospedagem, a diversas prestações de uma das partes corresponde uma única contraprestação, enquanto nos contratos dúplices, como o de alojamento pago em dinheiro e trabalhos, a diversas prestações correspondem várias contraprestações32.
Os contratos mistos stricto sensu geram controvérsias na doutrina quanto à sua aceitação como contratos mistos. Para alguns escritores, trata-se, na verdade, de contrato simulado. O exemplo apresentado pela doutrina para esses contratos é a transferência de um bem por “preço amigo”, ou seja, ainda que pareça uma compra e venda, trata-se no fundo de uma doação (negotium mixtum cum donatione).
Conforme mencionado acima, os contratos mistos ensejam certa dificuldade quanto à definição da disciplina jurídica que lhes seja aplicável além dos princípios de direito contratual. Com efeito, a doutrina desenvolveu três teorias para definir a disciplina jurídica aplicável: teoria da combinação, teoria da absorção e teoria da aplicação analógica33.
Das três teorias citadas apenas a da aplicação analógica oferece subsídios para a disciplina jurídica dos contratos atípicos. Segundo essa teoria, o intérprete deve verificar o contrato típico que melhor se assemelha ao contrato atípico e aplicar as normas referentes àquela espécie de contrato típico.
No caso de nenhum contrato típico se assemelhar ao contrato atípico em análise, empregam-se os princípios de direito contratual por analogia jurídica. Destaque-se também o princípio da boa fé na formação dos contratos e o da autodisciplina contratual com importante papel na determinação dos efeitos dos contratos atípicos.
2.3 Classificação pela Função Econômica dos Contratos
A classificação pela função econômica dos contratos é outro possível enfoque na análise dos contratos. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx00 destaca que os contratos podem ser classificados
32 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 123
33 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 124
34 Xxxx XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 104-105 e XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx;
XXXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito comercial: contratos empresariais em espécie (segundo a sua função jurídico-ecnômica). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 28 e 29.
pelos aspectos substanciais, funcionais e como fato econômico. Naturalmente, o critério de classificação pela função econômica não pode ser de todo rígido, pois “o mesmo negócio é incluído em categorias distintas, se exerce dupla função, como acontece com alguns. É que, como observa Messineo, as categorias econômicas não coincidem necessariamente, na importância e no significado, com as categorias jurídicas”35.
A classificação cujo enfoque se dá na função econômica importa sobremaneira ao estudo dos contratos empresariais. A “empresa”, adotada em seu sentido amplo como agente de mercado, agente econômico, realiza as suas atividades de produção, explora os proveitos dos seus produtos ou serviços, bem como aplica seu capital e excedente no mercado de capitais através da celebração de contratos. Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxx, “na economia moderna, é o contrato, acima de tudo, que cria riqueza”36.
Nesse sentido, a empresa quando celebra contratos o faz no exercício de sua atividade social, na busca pelo lucro e por acreditar em determinado resultado. Os negócios possuem uma função econômica perseguida pelas partes e que dá substância ao contrato, configurando-se no seu elemento causal.
Com efeito, a função econômica dos contratos exerce também a sua relevância na interpretação dos contratos, conforme lição de Xxxxx Xxxxxxx:
É importantíssimo para a interpretação (...) conhecer os fins econômicos que as partes tinham em vista ao contratar; o direito ampara a consecução desses fins e, portanto, o juiz para poder conceder a devida proteção ao negócio jurídico, ou à declaração de vontade de que se trata, tem de começar por conhecer exatamente aqueles fins.37
Segundo a sua função econômica, os contatos, de uma forma geral e simplificada, podem ser classificados em (a) de troca, permuta ou escambo; (b) associativos, plurilaterais ou de organização; (c) de garantia; (d) crédito; e (e) atividade.
35 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 108
36 XXXXX, Xxxxxxx. Il contratto. Milano: Giuffrè, 2001. 1067 p. 56
37 BESSONE, Darcy. Do contrato, Teoria Geral, 4ª ed. Saraiva p. 174
2.3.1 De Troca, Permuta ou Escambo
Os termos troca38, permuta ou escambo39 são utilizados pela doutrina para designar os contratos mais frequentemente utilizados para a circulação de riquezas. Nesse sentido, devem ser entendidos como aqueles contratos caracterizados pela “permuta de utilidades econômicas, importando sempre deslocamento patrimonial, ou prestação e aproveitamento de serviços.”40
Para fins desse estudo, por opção do autor, nossa referência será “contratos de permuta”, os quais, conforme mencionado acima, podem referir-se a um dar ou fazer.
Os contratos cuja obrigação seja dar (dare), podemos designar também como “translativos”, pois transferem uma coisa do patrimônio de uma parte para a outra, podem do ser gratuitos ou onerosos como no caso da compra e venda para estes e da doação para aqueles.
Os contratos de permuta podem gerar obrigações de fazer. Esse fazer (facere) pode ser em troca do recebimento de uma coisa, ou por outro fazer, ou sem nada receber em troca. Podemos citar como exemplo dos contratos de permuta, nos quais pelo menos uma das partes obriga-se a um fazer, os contratos de empreitada, prestação de serviços e transporte.
2.3.2 Associativos ou Plurilaterais ou de Organização
Alguns outros termos também podem ser utilizados para essa classificação, tais como cooperação ou colaboração, os quais entendemos não contem o melhor significado para expressar os critérios que devem ter destaque na classificação quanto à função econômica de que tais instrumentos se revestem.
38 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 104
39 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª ed. Bookseller, 2001. p. 373
40 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 104
No entanto, os termos associativos, plurilaterais ou organização, expressam a função econômica que merece destaque desses contratos, e são utilizados pela doutrina mais avalizada41, mas com o nosso respeito aos que utilizam um ou outro termo, preferimos, tendo em vista o desenvolvimento do presente estudo, nos referirmos a “contratos associativos latu sensu” ou “contratos plurilaterais”. Por opção, utilizaremos a designação “contratos plurilaterais”.
Os contratos plurilaterais serão mais bem abordados em item próprio no próximo capítulo destinado à sua análise, em razão da conexão direta com o objeto principal desse estudo. Entretanto, para fins de classificação em razão da sua função econômica, devemos destacar três características principais desses instrumentos: a possibilidade de participação de mais do que duas partes nesses contratos, a relação dos direitos e obrigações entre as partes, e o caráter organizacional intrínseco aos seus elementos.
Dessa forma, serão plurilaterais aqueles contratos nos quais não necessariamente mais do que duas partes participem, mas que haja a possibilidade de uma pluralidade de partes celebrá-lo. E, ainda, no que se refere aos direitos e obrigações das partes, destaque-se que “[t]odas as partes são titulares de diretos e obrigações”. Cada partem pois, tem obrigações, não para com uma parte, mas para com todas as outras, adquire direitos, não para com uma outra, mas para com todas as outras.”42 Não há, portanto, interdependência ou sinalágma entre as obrigações.
Quanto ao caráter organizacional, este será manifestado na forma como os contraentes dispuserem sobre a tomada de decisões e resoluções de conflito entre elas.
Podemos dizer que nos contratos plurilaterais, tendo em vista a confluência de objetivos e finalidades buscadas pelas partes, a tomada de decisões e resolução de conflitos tem papel de destaque.
41 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª ed. Bookseller, 2001. p. 387 e ss. para contratos plurilaterais; XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 105 para contratos associativos e organização e FRANCO, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 190 e 191 para os termos plurilaterais e associativos.
42 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª ed. Bookseller, 2001. p. 389.
O principal exemplo de contrato plurilateral é a sociedade, mas não é o único. O direito contratual moderno dispõe de muitos exemplos43, dentre os quais, por ora, destacamos os contratos de parceria.
2.3.3 De Garantia
O momento de cumprimento das obrigações assumidas na conclusão dos contratos nem sempre coincide e, não raro, pode decorrer um período de tempo muito extenso entre o cumprimento da prestação por uma das partes e o momento do cumprimento da prestação devida pela outra parte durante a execução do contrato. Esse intervalo de tempo representa um risco para a parte que ainda não recebeu a sua contraprestação.
Outros fatores também importam para o dimensionamento do risco assumido pelas partes, principalmente por aquela que cumprirá primeiro a sua prestação ou parte dela, tais como “o tipo e o valor do negócio; a falta de tradição do devedor no mercado; a distância entre as partes (fator mais sensível quando se trata de negócios internacionais); perspectivas comerciais, políticas, financeiras e cambiais sombrias; nacionalidade da outra parte etc.”44
Sob esse prisma, são classificados de contratos de garantia em razão da sua função econômica, os contratos que visam minimizar os riscos do inadimplemento contratual ou, ainda, no caso do seguro, por exemplo, contra evento futuro e incerto.
Além do contrato de seguro45, podemos citar como exemplos de contratos de garantia real a hipoteca e garantia pessoal a fiança.
43 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Op. cit. p. 316.
44 XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx
Xxxxxxx. Direito comercial: contratos empresariais em espécie (segundo a sua função jurídico-ecnômica). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 289 e ss.
45 Para opinião divergente quanto à classificação do contrato de seguro: XXXXX, Orlando. Op. cit. p. 504 e ss.
2.3.4 Crédito
A classificação dos contratos como “de crédito” em razão da sua função econômica deve ser entendida na vida comercial como aqueles contratos bancários e, além desses, os contratos que, ainda que fundamentalmente celebrados por instituições financeiras, possam também ser celebrados por pessoas naturais ou jurídicas. O mútuo é o contrato de crédito por excelência46. Outros exemplos de contrato de crédito são o financiamento e a abertura de crédito em conta corrente.
2.3.5 Atividade
O principal exemplo dessa classificação é o contrato de trabalho subordinado ou contrato de xxxxxxx00. Não obstante, também podem ser classificados como atividade, por decorrerem de um fazer, a prestação de serviços, o mandato, etc.
2.4 Contratos Relacionais ou Híbridos
O século XX foi um período de grande transformação na forma como as empresas realizam os seus negócios e, portanto, atual, agem no mercado. As formas tradicionais dos contratos e a sua divisão “de uma parte, contratos de intercâmbio e, de outra, contratos em que há solidariedade de interesses” (contratos de sociedade), nos dizeres de Xxxxx Xxxxxxxx00 citando Xxxxxxx, não satisfaziam mais todas as necessidades empresariais.
Essas necessidades são geradas pela criatividade dos empresários (comerciantes), mas também por uma demanda do mercado, que vivenciando novas tecnologias e transformações constantes propicia um ambiente para o desenvolvimento de novos modelos de negócios.
46 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 107.
47 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 108.
48 XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.153
A presente classificação cinde com a divisão existente entre contratos de intercâmbio e os contratos de sociedade. A classificação dos contratos em híbridos49 ou relacionais50 leva em consideração todo o terreno deixado entre as fronteiras dos contratos de intercâmbio e dos de sociedade.
Essa abordagem, como se disse, é recente e ainda passível de um constante amadurecimento de seus conceitos e contornos, tendo ainda grande campo a trilhar pela frente. Xxxxx Xxxxxxxx complementa no seguinte sentido:
O entendimento desses dois polos é também importante para que se tenha a real dimensão dos problemas dos contratos "de entremeio" e que derivam, principalmente, da ausência de respostas jurídicas a vários impasses que surgem durante a sua execução. Se, no que toca ao intercâmbio e às sociedades, essas soluções foram sendo construídas com o passar do tempo e hoje são conhecidas dos juristas, o mesmo não ocorreu com os "híbridos" - até porque a disseminação de seu uso é fenômeno xxxxxxx00.
Portanto, o que podemos propor nesse momento é a apresentação do que foi construído sobre o tema até então. O professor Xxxxxxxxx, em nota de atualização do livro de Contratos de Xxxxxxx Xxxxx, propõe a seguinte abordagem para os contratos relacionais:
A economia moderna se desenvolve intensamente por meio de contratos de duração (por oposição a contratos instantâneos) e, tendo em vista a aceleração da produção e a complexidade das situações que vão surgindo, por acordos com cláusulas abertas. A visão algo padronizada dos momentos contratuais (conclusão e execução dos contratos) não cobre adequadamente essa realidade. Procurando traçar as bases dessa nova categoria, pode-se afirmar que o contrato relacional tem por características principais a longa duração e a exigência de forte colaboração entre as partes. São relacionais, assim, todos os contratos que, sendo de duração, têm por objeto a colaboração (contratos de sociedade, parcerias, consórcios interempresariais etc.), e ainda, os que, mesmo não tendo por objeto a colaboração, exigem-na intensa para poder atingir os seus fins, como os contratos de distribuição e de franquia. O princípio da boa-fé deve ser mais fortemente considerado nos contratos relacionais, tendo em vista o seu caráter aberto, com forte indefinição na sua projeção para o futuro, impondo, para atingir os seus fins, intensa lealdade entre as partes.52
49 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op cit. p. 183
50 MACEDO JUNIOR, Xxxxxxx Xxxxx. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo, Xxx Xxxxxxx, 1998.
51 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op cit. p. 154.
52 XXXXX, Xxxxxxx. Op cit. p. 99-100.
Como se vê, a boa fé e a lealdade contratuais tomam lugar de destaque nesses contratos mais modernos, onde cada vez mais os interesses não são contrapostos entre uma e outra parte, mas, pelo contrário, tendem a uma confluência de desejos e efeitos, maximizando os resultados pretendidos com a conclusão do contrato.
O caráter mutável e vivo que esses instrumentos assumem também demandam especial atenção sob o ponto de vista da boa fé e lealdade das partes. Antes como deveres laterais das partes, essas condutas se mostram indispensáveis para as operações modernas formalizadas por meio dos contratos relacionais. Nesse sentido, explica Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx:
(...) para que possa ocorrer uma coerente produção dos efeitos do contrato, tornam-se exigíveis às partes, em certas ocasiões, comportamentos que não resultam nem de expressa e cogente disposição legal nem das cláusulas pactuadas. A boa fé atual, como cânone hermenêutico, integrativo frente à necessidade de qualificar esses comportamentos, não previstos, mas essenciais à própria salvaguarda da fattispecie contratual e à plena produção dos efeitos correspondentes ao programa contratual objetivamente posto.53
Também nessa seara ressaltamos o estudo inovador quanto aos contratos relacionais de Macneil54 que estabelece as seguintes características para esses contratos:
First, every transaction is embedded in complex relations. Second, understanding any transaction requires understanding all essential elements of its enveloping relations. Third, effective analysis of any transaction requires recognition and consideration of all essential elements of its enveloping relations that might affect the transaction significantly. Fourth, combined contextual analysis of relations and transactions is more efficient and produces a more complete and sure final analytical product than does commencing with non-contextual analysis of transactions.55
53 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2000. p. 429.
54 XXXXXXX, Xxx. Relational contracts: what we do and do not know. Wisconsin Law Review, May/June: 483, 1985.
55 Em tradução livre: “Em primeiro lugar, cada transação é enraizada em relações complexas. Em segundo lugar, a compreensão de qualquer transação requer a compreensão de todos os elementos essenciais das suas relações envolvidas. Terceiro, a análise eficaz de qualquer transação requer o reconhecimento e consideração de todos os elementos essenciais de suas relações envolvidas que possam afetar a operação de forma significativa. Em quarto lugar, a análise contextual combinada das relações e transações é mais eficiente e produz um resultado analítico final mais completo e seguro do que se iniciada sem uma análise contextual das transações". XXXXXXX, Xxx. Relational contract theory: challenges and queries. Northwestern University Law Review, Spring 2000. p. 881.
No entanto, em que pese toda importância e cuidado com esses deveres laterais e a sua importância para o desenvolvimento desses instrumentos contratuais, cabe a ressalva apresentada por Xxxxxx quando da interpretação dos contratos pelo juiz:
O juiz não deve impor seus próprios modos às partes, que determinaram por si o conteúdo do contrato no âmbito de sua autonomia privada, mas apenas levar a termo a ponderação das valorações em que elas se basearam.56
Ainda, com relação à interpretação desses instrumentos, destacamos que:
mesmo nos contratos colaborativos, a boa-fé não pode ser aplicada de maneira a despir o agente econômico da sagacidade que lhe é peculiar. Tampouco deve ser aplicada como justificativa para o inadimplemento da parte ou desculpa para comportamentos desconformes ao parâmetro do mercado.57
Podemos dizer em breve síntese, portanto, dos contratos relacionais ou híbridos, que no que se referem à duração, estes se prolongam no tempo; quanto às suas obrigações, podemos verificar certa reciprocidade; e quando à rigidez de seus termos, verificamos que o caráter de adaptabilidade devido à alterações do mercado deve estar presente. Resultam na integração entre os contratantes, prevalecendo autonomia dos patrimônios, às atividades, aos lucros e aos prejuízos de uma das partes
Como exemplos de contratos híbridos podemos citar os contratos de distribuição, contratos de fornecimento, e contratos de franquia. Identifica-se a cooperação, mas sem a existência de um centro único de decisões, como nas sociedades, e, por outro lado, também não deve haver a contraposição dos interesses das partes por meio de obrigações interdependentes, como nos contratos de intercâmbio.
56 XXXXXX, Xxxx. Derecho Civil – Parte general. Trad. Esp. Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx-Xxxxxxx. Caracas: Edersa. 1978. P. 746 in XXXXXXXX, Xxxxx X. Op cit. p. 214.
57 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op cit. p. 214.
3 OS CONTRATOS PLURILATERAIS
3.1 Teoria dos Contratos Plurilaterais, de Organização ou Associativos Latu Sensu
Os contratos plurilaterais ou associativos, que nos permitimos denominar “associativos latu sensu”, foram desenvolvidos em grande escala por Xxxxxxxxx, quem utiliza corriqueiramente em suas obras a expressão contratos plurilaterais, a qual será também adota por nós no presente estudo.
A teoria dos contratos plurilaterais nos parece ter sido mencionada pela primeira vez, conforme se deduz da nota de rodapé da página 373 do “Problemas das sociedades anônimas e direito comparado” de Xxxxxxxxx, pelo próprio autor, em Rivista di Diritto Commerciale, 1931, II, 25658.
Quanto à classificação instrumental dos contratos plurilaterais, dois fatores tem importante destaque na sua definição: a possibilidade de o número de partes nos contratos exceder o limite de duas, normalmente utilizado nos contratos de permuta; e os direitos e as obrigações devem ser assumidos igualmente por todas as partes, as quais serão titulares tanto de diretos quanto de obrigações. Nesse sentido, cada parte terá direitos e obrigações, não para com uma parte, mas para com todas as outras, acarretando na coincidência de finalidade almejada pelas partes contratantes.
No que concerne ao caráter econômico dos contratos plurilaterais, Xxxxxxxxx nos conta que Asquini os entende como contratos de organização59. Nesse aspecto em especial, nos importa a consideração de que os contratos plurilaterais sejam classificados quanto à sua função econômica como contratos de organização.
Isto porque, ainda que a sociedade seja o maior exemplo de contratos plurilaterais não é o único, nem tampouco, com o desenvolvimento e evolução dos negócios, tais exemplos ficarão estáticos. Pelo contrário, nota-se aí uma tendência de aumento das suas formas e possibilidades, à medida que novas tecnologias e novos negócios surjam.
58 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª ed. Bookseller, 2001. p. 373
59 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Op cit. p. 374.
Com efeito, o que se pretende demonstrar é que não somente os contratos que criam uma sociedade são plurilaterais e de organização, mas outras formas contratuais também atendem, igualmente bem, aos critérios de pluralidade de partes e organizacional.
Para Engrácia Antunes, atualmente já nos deparamos com “uma multiplicidade insistematizável de figuras contratuais que podem servir a cooperação entre empresas”60. O autor ainda destaca que “as cinco principais figuras de cooperação interempresarial são o contrato de joint venture, o contrato de consórcio, o contrato de associação em participação, o contrato de agrupamento complementar de empresas e o contrato de agrupamento europeu de interesse econômico”6162. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Junior definem contratos de sociedade, parceria ou joint venture, consórcio e formação de grupo, como contratos associativos63.
Como se pode verificar, o critério organizacional está presente nos diversos exemplos citados pela doutrina, bem como é utilizado como critério para classificação dos contratos plurilaterais em razão da sua função econômica. Assim, podemos deduzir que os contratos plurilaterais tem também em comum, e como uma de suas principais características, o critério de organização presente na sua estrutura, que deverá dispor sobre tomada de decisões e resoluções de conflito.
A tomada de decisões e resoluções de conflito merece especial destaque nos contratos plurilaterais, na medida que há forte confluência de objetivos e finalidades na atuação das partes.
60 XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia. Os grupos de sociedades: estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 390.
61 XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia. Op. cit. p. 392.
62 Na terminologia adotada por Engrácia, a expressão contratos associativos é preferida pelo autor.
63 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX XXXXXX, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 230
3.2 Joint Ventures e Consórcios: aspectos contratuais
Como apresentado acima, os consórcios e as joint ventures apresentam nítidas características dos contratos plurilaterais, no entanto para que tais características sejam mais bem esmiuçadas, cumpre aqui fazemos a nossa breve análise quanto aos aspectos contratuais eventualmente necessários ao destaque dos conceitos e contornos informadores desses institutos como contratos plurilaterais.
Sob os aspectos contratuais, Xxx Xxxxxx discorre com brevidade e assertividade sobre os consórcios:
Quanto aos contratos de sociedade e de consórcio, não há maiores dúvidas quanto ao seu caráter associativo. No que diz respeito especialmente ao último, a disciplina legal constante do art. 278, da Lei 6.404/7664, deixa clara a existência de um “empreendimento” comum entre os contratantes, ainda que cada consorciado mantenha sua autonomia jurídica e financeira para todos os efeitos. Tanto é assim que não há a criação de nova pessoa jurídica e cada consorciado responde por suas obrigações, sem presunção de solidariedade. Da mesma forma, a falência de um consorciado não se estende aos demais. Tem-se, portanto, nítido contrato relacional de comunhão de escopo estruturado sem a perda da autonomia das pessoas jurídicas contratantes.
Do ponto de vista da organização e estruturação, os consórcios assemelham- se muito ao contrato de sociedade. Basta lembrar que, dentre as cláusulas obrigatórias do referido tipo contratual, encontram-se muitas igualmente presentes nos contratos de sociedade, tais como (i) duração, endereço e foro;
(ii) definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada e das prestações específicas; (iii) normas sobre recebimento de
64Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
§ 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão:
I - a designação do consórcio se houver;
II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio; III - a duração, endereço e foro;
IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas; V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;
VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado;
VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.
Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.
receitas e partilha de resultados; (iv) normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver; (v) forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado; e
(vi) contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver (art. 279, da Lei 6.404/76).
Outra semelhança com o contrato de sociedade decorre da assunção conjunta do risco da nova atividade, o que envolve a criação de meios para arrecadar fundos e partilhar resultados. Por todas essas razões, e até mesmo em razão de estarem estruturados legalmente, não há maiores discussões no sentido de que os consórcios são efetivamente um contrato associativo.65
Ou seja, os contratos de consórcios são estruturalmente semelhantes aos contratos de sociedade, divergindo quanto à criação efetiva de uma nova entidade como ocorre nesses contratos, mas não naqueles.
No caso das joint ventures a questão é um pouco mais delicada, uma vez que não há previsão legal que configure a sua existência, conceito e contornos. Toda a análise sobre esses institutos são realizadas a partir da prática jurídica e da doutrina e, muitas vezes, em direito comparado.
Entretanto, em que pese a ausência de legislação no que tange às joint ventures, não faltam argumentos para a sua classificação como contrato plurilateral, uma vez as joint ventures podem ser consideradas espécies do gênero plurilateral, conforme demonstrado por Xxx Xxxxx, citando o professor Xxxx Xxxxxxxx:
(...) Xxxx xx Xxxx Xxxxxxxx (2003, p. 60-83)66 demonstra que é frequente nesse tipo de acordo a existência de uma organização comum ou a interdependência organizativa entre as participantes, inclusive com centro de receitas e despesas. O autor reconhece igualmente que, “na literatura econômica, o joint venture é por vezes encarado como uma forma de cooperação em que a comunhão de interesses, a integração de recursos empresariais e a estruturação jurídica atingem um grau mais elevado do que no consórcio” (PINHEIRO, 2003, p. 83) e já se viu que a organização é imprescindível mesmo para este último.
00XXXXXX, Xxx. Joint Ventures Contratuais, 2015. p.198. Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/xx/000000/000000000.xxx?xxxxxxxxx0
66 XXXXXXXX, Xxxx xx Xxxx. Contrato de empreendimento comum (joint venture) em direito internacional privado. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
Dessa maneira, não se pode afastar a organização comum ou a estruturação de um sistema de governança para lidar com a interdependência organizativa como uma característica imprescindível das joint ventures, assim como em relação a todos os contratos associativos67, ainda que possa haver diferenças no grau de intensidade e complexidade da referida organização68.
Sob esse prisma, podemos inferir que as joint ventures apesar de configurarem-se como contratos atípicos, podem ser consideradas contratos “socialmente típico”, pois “desempenha uma função jurídico-económica unitária e exibe um conjunto de traços distin- tivos comuns.”69
Os requisitos acima mencionados são também destacados pela autora com ênfase para sua coincidência com a definição de contratos plurilaterais, conforme ensina Xxxxx Xxxxxxxxx, e nos termos que esse estudo entendeu correta a sua apresentação como forma de compreensão e definição dos critérios comuns a esses instrumentos:
Tais conclusões casam-se perfeitamente com a definição de Ascarelli de contratos plurilaterais, vistos essencialmente como contratos de organização. É importante destacar que a questão organizativa está diretamente relacio- nada à assunção do risco comum, o que faz com que a joint venture requeira um centro de imputação de custos e receitas para fazer frente à álea comum que decorre da empresa objeto do contrato70.71
Dessa forma, pode-se verificar que tanto os consórcios quanto às joint ventures vão ao encontro das premissas e dos critérios que configuram os contratos plurilaterais, notadamente, quanto ao número de partes possíveis, as obrigações e direitos assumidos em face de todas as partes, o fim comum almejado pelos contraentes e o caráter organizacional presente.
Esse caráter organizacional pode importar, em maior ou menor escala, para a alocação dos riscos, divisão das despesas e custos, definição da forma de tomada de decisões etc, conforme conveniência das partes e mediante, sempre que possível, ao prévio e expresso acordo entre elas.
67 Contratos associativos como sinônimo de contratos plurilaterais.
68 XXXXXX, Xxx. Joint Ventures Contratuais, 2015. p. 201. Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/xx/000000/000000000.xxx?xxxxxxxxx0 69 XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia. Op. cit. p. 394.
70 XXXXXXXX, Xxxx xx Xxxx. Contrato de empreendimento comum (joint venture) em direito internacional privado. Coimbra: Almedina, 2003. p. 84.
71 XXXXXX, Xxx. Op. cit. p. 201.
3.3 Contratos Associativos Stricto Sensu
Para fins desse estudo, assumimos a premissa de que os contratos associativos, como vimos, tem o significado e é conceito equivalente ao de contratos plurilaterais. Nessa equivalência de conceitos nos referimos àqueles como contratos associativos latu sensu.
Para discernir a menção dos contratos associativos como sinônimos de contratos plurilaterais dos contratos associativos que abordaremos nesse item, esse estudo adotou a designação de contratos associativos stricto sensu.
Essa distinção nos parece necessária em razão da inclusão dos “contratos associativos” ao lado dos consórcios e das joint ventures, dentre os atos de concentração previstos nos artigos 88 e 90, da Lei nº 12.529 de 201172.
72 Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 1º Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.
§ 2º O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.
§ 3º Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.
§ 4º Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3o deste artigo.
§ 5º Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo.
§ 6º Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:
I - cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
§ 7º É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo.
§ 8º As mudanças de controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão, sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, devem ser comunicados ao Cade pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, respectivamente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis para, se for o caso, ser examinados.
Como podemos identificar da leitura dos artigos citados da legislação concorrencial, o legislador individualizou os contratos associativos stricto sensu das outras formas de concentração. Parece-nos que essa individualização não foi um excesso ou uma repetição de atos de concentração já previstos em outros dispositivos da mesma legislação.
Isto porque, os atos de concentração previstos nos incisos I, II e III do artigo 90 da lei de concorrência dependem de registros e formalidades que os configuram inequivocamente, razão pela qual qualquer complemento no sentido de ampliar o alcance dos atos de concentração previsto nesses incisos não se faz necessário.
No que se refere aos atos de concentração também previstos no inciso IV do artigo 90 da lei de concorrência, ou seja, consórcios e joint ventures, já tem seus contornos, conceitos e limites estabelecidos na lei, no caso dos consórcios, e na prática jurídica no caso das joint ventures, não sendo objeto de maiores divergências quando à sua obrigatoriedade de comunicação ao CADE, caso preenchidos os requisitos legais.
Ademais, a própria edição da Resolução nº 10, de 29 de outubro de 2014 (publicada no Diário Oficial da União de 04 de novembro de 2014)73, confirma o aspecto
§ 9º O prazo mencionado no § 2o deste artigo somente poderá ser dilatado:
I - por até 60 (sessenta) dias, improrrogáveis, mediante requisição das partes envolvidas na operação; ou
II - por até 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo.
Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
II 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
III 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.
73 Resolução nº 10, de 29 de outubro de 2014 (publicada no Diário Oficial da União de 04 de novembro de 2014, nº 213, seção 1, página 112) Disciplina as hipóteses de notificação da celebração de contrato associativo, de que trata o inciso IV do artigo 90 da Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011.
O PLENÁRIO DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA, no uso de suas atribuições que lhe confere o art. 9º, XV da Lei nº 12.529 de 2011, nos termos do art. 53, caput, e do art. 54, inciso I da mesma lei, RESOLVE:
Art. 1º Esta Resolução disciplina as hipóteses de notificação da celebração de contrato associativo, de que trata o inciso IV do artigo 90 da Lei 12.529, de 2011.
Art. 2º Respeitados os critérios objetivos estabelecidos no artigo 88 da Lei nº 12.529, de 2011, e para fins do disposto nesta lei, consideram-se associativos quaisquer contratos com duração superior a 2 (dois) anos em que houver cooperação horizontal ou vertical ou compartilhamento de risco que acarretem, entre as partes contratantes, relação de interdependência.
unitário e especializado que o legislador quis conferir aos contratos associativos (para o nosso estudo, stricto sensu). Nesse sentido, ressalte-se que a referida resolução foi objeto de consulta pública74, no intuito de debater as melhorias necessárias à regulamentação do tema.
Com efeito, cabe entender o que quis o legislador ao incluir “contratos associativos” ao lado de consórcios e joint ventures.
Sabemos que os consórcios e as joint ventures são contratos plurilaterais (associativos latu sensu), estes entendidos como aqueles contratos nos quais é possível a participação de mais do que duas partes, os direitos e obrigações são assumidos por todas as partes e há um nítido sistema organizacional para tomada decisões e resoluções de conflito.
Dessa forma, a inclusão dos contratos associativos stricto sensu ao lado dos consórcios e joint ventures indica que o legislador identificou algum ponto de divergência entre os conceitos e contornos desses contratos com aqueles. Por isso, pretendeu individualizar os contratos associativos para fazê-los constar também no rol dos atos de concentração.
Esse elemento identificado nos atos de concentração realizados a partir dos contratos associativos e que não consta dos outros atos de concentração parece-nos ser a individualidade dos centros decisórios das partes.
§ 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, considera-se que há cooperação horizontal ou vertical ou compartilhamento de risco que acarretam relação de interdependência:
I - nos contratos em que as partes estiverem horizontalmente relacionadas no objeto do contrato sempre que a soma de suas participações no mercado relevante afetado pelo contrato for igual ou superior a vinte por cento (20%); ou
II – nos contratos em que as partes contratantes estiverem verticalmente relacionadas no objeto do contrato, sempre que pelo menos uma delas detiver trinta por cento (30%) ou mais dos mercados relevantes afetados pelo contrato, desde que preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
a) o contrato estabeleça o compartilhamento de receitas ou prejuízos entre as partes; b) do contrato decorra relação de exclusividade.
§ 2º Para fins dos incisos I e II deste artigo, consideram-se partes contratantes as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos, conforme definição do artigo 4º da Resolução nº 2, de 29 de maio de 2012.
§ 3º Os contratos com duração inferior a dois anos devem ser notificados nos termos desta Resolução quando, mediante sua renovação, o período de 2 (dois) anos for atingido ou ultrapassado.
Art. 3º Esta Resolução entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação oficial.
74
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Isto porque, nesses contratos, os centros decisórios permanecem internos às partes, não sendo transferidos para a “estrutura” criada pelo contrato, funcionalmente ou instrumentalmente, para a realização da operação econômica acordada.
Esse também foi o entendimento dos julgadores do Caso Petrobrás / MPEC75, ocorrido antes mesmo da publicação da Resolução nº 10, de 29 de outubro de 2014, segundo os quais os seguintes critérios para identificar contratos associativos sujeitos a notificação obrigatória seriam o estabelecimento de uma relação entre empresas para desenvolver conjuntamente uma atividade econômica, mantendo-se a independência de seus centros decisórios e a previsão de exclusividade entre as partes contratantes no tocante ao objeto da parceria.
Contudo, não se quer dizer que os contratos associativos (stricto sensu) não tenham certa “organização”. Esta é inerente às operações econômicas usualmente praticadas por meio desses instrumentos, que são dotadas de forte ação colaborativa e cooperativa. Ocorre que, nesses contratos, o caráter organizacional não se confunde com a própria estrutura criada instrumentalmente ou funcionalmente, para a realização das operações econômicas pretendidas pelas partes, como nos consórcios por exemplo. E, também, nos contratos associativos (stricto sensu) ela é mais flexível, mais fluida que nos contratos plurilaterais.
Quanto à cooperação e colaboração das partes, tampouco estes são critérios definitivos para a caracterização desses contratos. O que caracteriza também os contratos associativos (stricto sensu) e os distingue dos outros, é o grau de colaboração e cooperação. Notadamente nesses contratos estes deveres de cooperar e colaborar são obrigações principais76.
Portanto, devemos entender esses contratos como acordos de cooperação e colaboração entre as empresas, com forte caráter relacional entre as partes, implicando em duração de médio e longo prazo e, ainda que conservem os seus centros decisórios internamente, são dotados de uma estrutura organizacional.
75 Ato de Concentração nº 08700.008736/2012-92. Requerentes: Petrobrás Distribuidora S.A e Consórcio MPEC.
76 Ato de Concentração nº 08012.002870/2012-38. Requerentes: Monsanto do Brasil Ltda. e Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. Relator: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. Julgado em 28.08.2013, p. 212 e ss.
4 CRITÉRIOS E REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS CONTRATOS ASSOCIATIVOS STRICTO SENSU COMO ATOS DE CONCENTRAÇÃO SOB A ÓTICA CONTRATUAL
Em 2012 entrou em vigor a Lei nº 12.529 de 2011 que revogou a grande maioria dos dispositivos da Lei nº 8.884 de 1994, trazendo importantes alterações de proteção à ordem econômica, tais como a obrigação de submeter os atos de concentração previamente para a análise do CADE.
Um dos aspectos de maior repercussão, conforme visto, foi a inclusão dos contratos associativos, que chamamos nesse estudo de stricto sensu, ao lado dos consórcios e das joint ventures, dentre os atos de concentração.
A falta de definição legal no ordenamento jurídico desses contratos associativos (stricto sensu) e considerando a elevada possibilidade de operações econômicas e jurídicas que podem ser caracterizadas e são celebradas por meio desses contratos trouxeram insegurança e incerteza quanto obrigatoriedade de sua comunicação ao CADE.
Nesse contexto, foi realizada uma consulta pública para definição da regulamentação dessa questão, decorrendo na publicação da Resolução nº 10, de 29 de outubro de 2014, que disciplina os critérios objetivos a serem verificados quando da celebração de contrato associativo, de que trata o inciso IV do artigo 90 da Lei nº 12.529/2011.
Dentre os critérios constantes da Lei nº 12.529/2011 e da Resolução nº 10/2014 destacamos os seguintes: (a) faturamento; (b) critério temporal; (c) exclusividade e compartilhamento de riscos e interdependência; (d) mercado relevante e posição dominante; e
(e) cooperação horizontal e cooperação vertical.
Abaixo, apresentaremos os principais aspectos que, sob a ótica contratual devem ser observados na celebração de contratos. Em razão do escopo desse estudo e para não fugir do seu principal objetivo que é a verificação dos aspectos contratuais, alguns dos critérios acima mencionados, tais como as definições e conceitos de mercado relevante e posição dominante, cooperação horizontal e cooperação vertical não serão comentadas por nós.
4.1 Faturamento
O critério de faturamento, com base no artigo 88 da na Lei nº 12.529/2011, determina que:
Art. 88 Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 1º Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.
A Portaria Interministerial nº 994/2012, com base no §1º do artigo 88, majorou os valores de faturamento previstos nos incisos I e II para R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) e R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais), respectivamente.
Dessa forma, caso as partes contratantes ou seus grupos econômicos atinjam os faturamentos definidos na Portaria Interministerial nº 994/2012, estará preenchido o critério de faturamento para comunicação ao CADE.
4.2 Critério Temporal
Quanto ao critério temporal, vale a regra contida no caput do artigo 2º e em seu
§3º, da Resolução nº 10/2014, segundo o qual, deverão ser notificados os contratos com duração superior a dois anos ou aqueles que mediante a sua renovação atinjam ou superem o prazo de dois anos.
Esse aspecto demanda atenção, principalmente, quanto ao quesito da renovação, pois, ainda que celebrado em prazo inferior, se renovado o contrato e o prazo de dois anos for atingido ou ultrapassado, será necessária a sua comunicação.
Dessa forma, o cuidado a ser tomado quanto a esse critério refere-se às cláusulas de vigência e renovação do prazo contratual.
4.3 Exclusividade e Compartilhamento de Riscos e Interdependência
Sempre que nos contratos em que as partes contratantes estiverem verticalmente relacionadas no objeto do contrato, e que pelo menos uma delas detiver trinta por cento (30%) ou mais dos mercados relevantes afetados pelo contrato, identificando-se exclusividade e/ou o compartilhamento de receitas ou prejuízo entre as partes, estão cumpridos os requisitos quanto a esses critérios para fins de comunicação ao CADE.
A legislação menciona que desde que preenchida uma das condições, ou seja, são condições independentes.
O compartilhamento de receitas ou prejuízo deve ser entendido como compartilhamento de riscos, e não somente como um quesito contábil ou fiscal. A interdependência deve se dar em razão da finalidade comum perseguida pelas partes, ou seja, o dever de colaboração e cooperação.
Portanto, a atenção nesses critérios deve estar focada nas cláusulas e disposições que eventualmente possam ser interpretadas no sentido de se estabelecer exclusividade, implícita ou explícita, entre as partes. De outro lado, a alocação de riscos e seu compartilhamento, independentemente dos critérios fiscais ou contábeis das receitas, devem ser bem observados, pois caracterizado o seu compartilhamento, o critério para comunicação ao CADE será preenchido.
5 CONCLUSÃO
Assim como outras ciências o Direito também sofre mutações e evolui. Esse estudo acompanhou um desses caminhos evolutivos percorridos pelo direito dos contratos.
Buscando atingir os conceitos necessários para o entendimento da inclusão dos “contratos associativos”77 no rol de atos de concentração da recente lei da concorrência, identificamos, primeiramente o nascimento dos contratos mercantis a dualidade da classificação civil versus mercantil existente no florescimento da mercancia, bem como os critérios tradicionalmente adotados pela doutrina na classificação dos tipos contratuais clássicos.
Demonstramos que essa classificação encontra-se superada no que se refere aos contratos empresarias, devido ao desenvolvimento político, social, econômico e, consequentemente, jurídico, levando os doutrinadores à proposições de classificações com fundamento na função econômica dos contratos bem como na essência e substância dos atos.
Modernamente, identificamos e apresentamos os contratos relacionais e híbridos os quais assumem formas metamórficas transitando pelo terreno existente entre as fronteiras dos contratos típicos de permuta e aqueles de sociedades, destacando a função colaborativa e inserindo os deveres, antes alocados como laterais, tais como lealdade e boa fé, no plano principal das obrigações contratuais.
O estudo buscou entender os contratos organizativos, ou seja, contratos que se assemelham aos contratos híbridos e que permitem às partes criarem centros decisórios e de resolução de conflitos externos a si mesmas, transferindo ao contrato e à estrutura criada para a exploração daquela atividade econômica a gestão e gerência desses centros.
É nesse contexto que propomos a nossa definição de contratos associativos, que designamos como latu sensu para fins de distinção quanto aos contratos associativos mencionados na lei de concorrência, os quais designamos por stricto sensu.
77 Conforme citado na lei.
Dessa forma, entendemos que os contratos associativos latu sensu são formas extremamente semelhantes e podem ser assumidos como sinônimos dos contratos plurilaterais ou daqueles chamados “de organização”. Esses contratos teriam, como mencionado acima, centros decisórios e de resolução de conflitos bem sofisticados e gerenciados externamente das partes em si.
Dentre esses contratos de organização identificamos as sociedades como exemplo mais comum, porém não o único, uma vez que podemos considerar as joint ventures também como seus exemplos.
Por fim, propomos que embora os contratos associativos latu sensu e os stricto sensu tenham pontos de contato muito significativos, tais como o caráter colaborativo, a necessidade de boa fé e lealdade como deveres principais e objetivos confluentes entre as partes, a diferenciação entre se dá justamente pela manutenção dos centros decisórios internamente nas partes.
Nos contratos associativos stricto sensu o caráter organizativo existe, uma vez que presente nos contratos relacionais e híbridos, mas não é a sua principal característica, nem tampouco os mecanismos para resolução de conflitos ou centros decisórios, como mencionado, são alocados externamente às partes em si.
Por isso e tendo em vista tais contratos transitarem também pelo terreno dos contratos atípicos que fundem características dos contratos de permuta e plurilaterais, entendeu o legislador necessário incluí-los no rol de atos de concentração, uma vez que mesmo próximos das joint ventures e outros instrumentos contratuais que a prática moderna desenvolveu, estes se diferenciam.
Por fim, abordamos critérios e requisitos legais que caracterizam os contratos associativos (stricto sensu) como atos de concentração, destacando os aspectos contratuais tangenciados pela legislação da concorrência e os principais aspectos para observação das partes quando da celebração desses negócios, e concluímos que os negócios e a legislação continuarão a sua evolução e amadurecimento a medida que a demanda e imaginação do mercado necessitarem.
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