O ADVOGADO EMPREGADO E A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA:
O ADVOGADO EMPREGADO E A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA:
Liames fáticos do vínculo empregatício na advocacia
Xxxxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx
RESUMO
O advogado empregado possui previsão em normas editadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, refletindo uma realidade do mercado de trabalho nacional. Profissionais da advocacia podem ser contratados enquanto sócios de sociedades de advogados, bem como a partir de contratos de associação. Tanto a sociedade de advogados quanto o contrato de associação possuem previsões no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados (OAB), Lei Federal
n. 8.906 de 1994, sendo estabelecidas formalidades para tais contratações. O contrato de trabalho sctricto sensu, por seu turno, prescinde de forma escrita, nos contornos das disposições contidas na Consolidação das Leis Trabalhistas, Decreto-Lei n. 5.453 de 1943. Lado outro, em razão do princípio da primazia da realidade sobre os atos, elementos fáticos das relações jurídicas serão ponto determinante para caracterização do vínculo de emprego, independente de outras formas de contrato existentes. Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência majoritária nacional se posicionam no sentido de destacar a subordinação jurídica como requisito caracterizador da relação de emprego do advogado. Alinhada à isenção técnica, à independência e à liberdade profissional do exercício da advocacia, a subordinação jurídica do advogado ganha novos contornos, reclamando uma interpretação diferenciada ou atenuada do instituto relativamente à uma concepção clássica do mesmo.
Palavras-chave: Advogado empregado. Vínculo empregatício. Subordinação jurídica.
INTRODUÇÃO
A figura do advogado empregado reflete uma realidade cotidiana em nosso país. Inobstante haja a previsão legal destes profissionais no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados (OAB), Lei Federal n. 8.906/1994, subsistem dúvidas dos profissionais da advocacia quanto à matéria, especialmente no que tange aos elementos fáticos aptos a configurar os caracteres dispostos no artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Sendo profissão tradicionalmente reconhecida como autônoma, diversos advogados atuam na prática enquanto legítimos empregados de outros advogados ou de escritórios de advocacia, porém, mais das vezes, sem as garantias e direitos previstos na lei trabalhista.
Embora seja um tema conexo, o presente trabalho não pretende debruçar-se sobre discussões acerca de eventuais intenções de fraude às normas celetistas por parte dos contratantes. Ao revés, busca apresentar os elementos fáticos como fatores a caracterizar o vínculo de emprego, independente da forma de contratação.
Assim, a partir da legislação pertinente, de estudos produzidos no Brasil e de decisões recentes proferidas no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e do
Tribunal Superior do Trabalho (TST), apresentam-se subsídios à identificação do vínculo empregatício no âmbito fático das relações de trabalho de advogados, com foco no caractere da subordinação jurídica.
1. Advogado: de profissional autônomo à trabalhador subordinado
No ano de 1994, a edição do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906) estabeleceu capítulo próprio contendo regras atinentes ao advogado empregado, reconhecendo uma realidade que já não era nova.
Xxxxxx (2003) aponta que, no período do segundo pós-Guerra (1945), ocorre um movimento de deslocação dos advogados de profissionais autônomos para trabalhadores empregados. Dificuldades de cunho econômico teriam afetado a prática de profissões liberais, devido ao custo com montagem da infraestrutura e compra de equipamentos essenciais ao seu exercício. O aumento da concorrência de profissionais, com a multiplicação dos cursos de formação na área jurídica, também teria sido um fator a impulsionar que advogados laborassem de forma subordinada.
Bomfim e Xxxxxxx destacam que também a sociedade de massa do capitalismo avançado provocou mudanças na advocacia. As profissões tradicionalmente consideradas liberais, como as de engenheiro, médico e advogado1, passam a ser exercidas dentro de uma lógica de organizações corporativas, guiadas pelo lucro. Os autores pontuam, ainda, que nesse quadro, a litigância de massa, exercida estrategicamente por diversas empresas, opera como fator de barateamento da mão-de-obra do advogado.
A sociedade de massa do capitalismo avançado envolve organizações corporativas gigantes, que xxxxxx a concorrência pelo volume de negócios realizados. Só sobrevive no mercado quem concentra, para produzir o lucro pela quantidade de movimentação. [...] O atual fenômeno de concentração nos escritórios de advocacia decorre de dois processos, que se conjugam ao final: 1) a concorrência entre escritórios, fenômeno do atual estágio do capitalismo, utilizada como instrumento para enfrentar a judicialização de massa, 2) mas também é fruto das vantagens estratégicas ocasionadas pela judicialização de massa [...]. Quanto ao primeiro processo, as empresas buscam no mercado escritórios que lhe apresentem melhores preços e
1 “as profissões nobres do Século XX foram [...] a de engenheiro, a de médico e a de advogado. Todas [...] profissões liberais, ou seja, em sua etimologia, livres de sujeição a outrem. Os médicos atuando em seus próprios consultórios, hospitais e clínicas. Engenheiros em suas empresas de construção de edifícios ou maquinário. Advogados exercendo a profissão em seus próprios escritórios, onde atendiam os clientes de sua carteira. A nota que une essas profissões em sua forma clássica é a liberdade e a autonomia na condução de suas atividades e suas carreiras” (BOMFIM; CARELLI, 2017, online).
organização para lidar com a judicialização em massa das questões [...]. O outro fenômeno correlato é que as grandes corporações, utilizando grandes escritórios, aproveitam-se da ineficácia das reformas processuais – ou até de sua conivência – e conseguem manter a litigância habitual como estratégia empresarial [...]. Às vezes, as corporações realizam competição direta entre alguns escritórios [...]. Estes baixam os seus preços para conquista do cliente, chegando a cobrar migalhas por uma audiência ou uma peça processual. (2017, online)
No Brasil, atualmente, o mercado de trabalho da advocacia tem se apresentado altamente competitivo. Em janeiro de 2020, os números informados pela Ordem dos Advogados do Brasil constatam que são mais de 1,1 milhão de advogados inscritos2. Nesse contexto, há advogados que optam por laborar em proveito de escritórios já guarnecidos de infraestrutura, equipamentos e clientes.
O advogado como um profissional particular de confiança do cliente, análogo ao médico de família, concede espaço a profissionais concentrados em escritórios, que atuam como verdadeiras empresas, submetidos a contratações por ajustes precários, geralmente em fuga ao direito trabalhista (BOMFIM; CARELLI, 2017).
O recorte proposto no presente trabalho não pretende debruçar-se sobre o tema das fraudes intencionais às normas celetistas eventualmente operadas por escritórios de advocacia, embora trate-se de tema conexo à discussão apresentada. Consoante afirmado alhures, visa-se apresentar elementos fáticos passíveis de identificar a existência do vínculo de emprego de advogados, independente dos termos formais da contratação do profissional.
Com efeito, no próximo tópico serão abordadas as formas mais comuns de contratação de advogados perante escritórios de advocacia ou outros advogados, quais sejam: contrato de sociedade, contrato de associação e contrato de trabalho nos moldes da CLT.
2. Formas de contratação de advogados em escritórios de advocacia
Em regra, as relações de trabalho entre advogados e escritórios de advocacia pode decorrer de uma sociedade, de um contrato de associação ou de um contrato de trabalho stricto sensu.
2 Os dados, atualizados diariamente, foram colhidos no sítio eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil no Brasil, disponível em < xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxx >. Acesso em 17 jan 2020.
A seguir serão abordadas características e exigências normativas relacionadas ao ato constitutivo da sociedade de advogados (contrato social) e ao contrato de associação. Após, serão analisados os caracteres da relação de emprego, conforme artigo 3º CLT, voltando-se à realidade do advogado empregado.
Isto porque, nos moldes do posicionamento jurisprudencial majoritário, nomeadamente do TST, a existência de vínculo empregatício do advogado independe das formalidades contratuais, seja a priori, um sócio ou associado.
Por força do princípio da primazia da realidade sobre a forma, consagrado no artigo 9º da CLT, os elementos fáticos do caso concreto poderão tornar nulo o contrato firmado, impondo-se o reconhecimento do vínculo de emprego do advogado. Nesse contexto, a verificação do caractere da subordinação jurídica calca-se ponto nevrálgico da discussão.
2.1 Sociedade de advogados
O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados dispõe sobre a sociedade de advogados nos artigos 15 a 17, podendo os advogados inscritos3 reunirem-se em sociedade simples de prestação de serviços ou constituir sociedade unipessoal de advocacia4.
Citam-se, ainda, o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, nomeadamente os artigos 37 a 34, e o Provimento n. 112/2006 da OAB, enquanto documentos normativos pertinentes à sociedade de advogados.
De acordo com as disposições do Estatuto5, tanto a sociedade de advogados quanto a sociedade unipessoal de advocacia, devem submeter seus atos constitutivos para registro perante o Conselho Seccional local6, momento a partir do qual terão personalidade jurídica própria.
No artigo 2º do Provimento n. 112/2006 da OAB, por seu turno, são estabelecidas exigências a serem observadas na elaboração do ato constitutivo da sociedade de advogados, isto é, do contrato social. Com efeito, a norma estabelece que no contrato social deverá
3 “Todos os sócios da sociedade de advogados devem, necessariamente, ser advogados, regularmente inscritos na OAB, ressalvadas as considerações sobre incompatibilidade e impedimentos” (SILVEIRA, 2014, p.70).
4 A sociedade unipessoal de advocacia foi introduzida no dispositivo estatutário a partir da Lei n. 13.247/2016. Trata-se de instituto próximo à empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) instituído pelo Código Civil de 2002 (através da Lei n. 12.441/2011), sendo espécie do gênero sociedade de advocacia, possuindo apenas um sócio, detentor da totalidade do capital social (Cf. LOBO, 2019).
5 Art. 15, parágrafo 1º, Lei Federal n. 8906 de 1994.
6 “O advento do Código Civil de 2002 não alterou a competência da OAB para registro das sociedades de advogados, porque o Estatuto é lei especial que prevalece sobre lei geral. Assim, não se aplicam às sociedades de advogados as regras do Código Civil acerca das sociedades simples” (LOBO, 2019, online).
constar o valor do capital social, distribuído entre os sócios, a responsabilidade solidária e subsidiária destes, bem como o critério de distribuição dos resultados e dos prejuízos verificados no período de duração da sociedade.
Xxxxx Xxxxxx (2012) esclarece que a sociedade de advogados possui natureza jurídica sui generis, não se submetendo, a princípio, ao regime do direito de empresa do Código Civil, artigos 997 a 1.0387, mas às disposições do Estatuto da Ordem.
Inobstante, tratando-se de uma espécie de sociedades simples (Cf. XXXXXXX XXXXXX, 2002), a sociedade de advogados é regida em caráter suplementar pela lei civil, naquilo em que não destoe expressamente das normas contidas no Estatuto, no Regulamento interno e nos provimentos editados pelo Conselho Federal da OAB (DIAS, 2015).
Nos termos do artigo 37 do Regulamento Geral da OAB, a sociedade de advogados tem como finalidade a colaboração profissional recíproca. Nesse sentido, ao se agruparem em sociedade, os advogados alcançam maiores condições de distribuir e compartilhar tarefas, receitas e despesas, facilitando o desenvolvimento de suas atividades (Cf. LOBO, 2019).
Este regime de colaboração recíproca da sociedade de advogados, segundo Xxxxxxxxx Xxxx, “diz respeito, não tanto à chamada affectio societatis8, mas, principalmente, ao caráter intuitu personae, que é próprio dessa sociedade” (2006, p.35). Desta forma, para além do ânimo de estarem vinculados, que reflete a affectio societatis, há também uma relação de confiança pessoal entre os sócios.
Por se tratar de espécie de sociedade simples, a affectio societatis tem valor inquestionável na sociedade de advogados. Diversamente da sociedade anônima, na sociedade de advogados está presente a vontade de os sócios estarem a ela ligados e entre si vinculados. Há um liame de confiança ou conveniência entre os sócios, conferindo à sociedade um cunho intuitu personae (DIAS, 2015, p.21).
Sendo um regime de colaboração recíproca, a existência de hierarquia ou subordinação entre os sócios calca-se incompatível com a natureza societária.
O advogado sócio atua autonomamente, sem subordinação, e na qualidade de empregador, é o titular do poder diretivo, admitindo, assalariando e dirigindo a prestação e trabalho de seus empregados. É o advogado sócio que contrata com advogados associados e
7 Código Civil brasileiro de 2002.
8 “A expressão affectio societatis [...] encontra diversos conceitos diferentes na doutrina brasileira. De forma geral, há necessariamente referências a termos genéricos e subjetivos, como colaboração ativa, confiança, vontade e empenho na busca de um resultado comum, harmonia, fidelidade, e até mesmo igualdade, consubstanciados na sociedade” (XXXXXXX, 2018, p.13).
advogados empregados. Nas sociedades de advogados as diferenças entre os sócios são apenas quantitativas, visto que o qualificativo é idêntico (SILVEIRA, 2014, p.71).
Na sociedade de advogados, portanto, além da observância às formalidades quanto ao registro e ao conteúdo do contrato social, destaca-se que o advogado sócio se reúne em sociedade por espontânea vontade, aliando interesses, capital e/ou atividades com os demais profissionais, com os quais mantem certa relação de confiança. Nesta modalidade, há distribuição dos resultados9, sejam positivos (lucros) ou negativos (prejuízos), não havendo hierarquia ou subordinação entre os sócios.
Destarte, ao apreciar Recurso de Revista nos autos do processo de n. 8956020125010042, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que reconhecia o vínculo empregatício de advogado, sendo declarada a nulidade do contrato social:
Na hipótese, o Regional, com base na prova produzida, concluiu pela existência de vínculo de emprego entre o autor e o reclamado, afastando, consequentemente, a alegada condição de sócio do escritório de advocacia, porquanto presentes os pressupostos necessários ao reconhecimento do liame empregatício, na forma prevista no artigo 3º da CLT. O Regional consignou que "não se nega a prestação de serviços, nem a não eventualidade daquela, sendo também incontroversa a onerosidade" e, no tocante à configuração da subordinação jurídica, assentou que "o autor juntou vários e-mails enviados por representantes do escritório, indicativos do controle rigoroso de jornada do autor, os quais não foram impugnados pelo réu. Note-se que o de fl.98 é categórico ao demonstrar que era obrigação do autor cumprir determinado horário. Mais, ainda, tinha obrigação de informar a hora em que saía para o almoço (fls. 91 e 92). Ora, sócio algum tem que atender a esse tipo de determinação rígida, muito menos a pretexto de manter a organização do escritório; sócio não leva 'puxão de orelha' de outro 'sócio', como ocorreu com o autor e outros tantos 'sócios' que receberam email os repreendendo por não obedecer o horário de início da jornada no escritório, mas estarem com os computadores desligados no exato horário de encerramento do expediente". De acordo com a decisão recorrida, "a prova documental compreendidas nos e-mails e o depoimento testemunhal têm consistência suficiente a comprovar o controle de horário e, portanto, a subordinação jurídica, elemento de suma relevância para distinguir o trabalhador autônomo, do advogado subordinado". A alegada prestação de serviços na condição de sócio do reclamado foi
9 O sócio poderá auferir lucros como remuneração do capital, em quantias variáveis, conforme o movimento social, ou também pode receber pro labore fixo (Cf. XXXXXXXX, 2014, p.71). Em qualquer situação, outros elementos fáticos, além da distribuição dos resultados, devem ser considerados, sobretudo a existência ou não de subordinação.
rechaçada pelo Regional, mediante o fundamento de que "da análise das alterações contratuais acostadas aos autos (fls. 211/228 e fls. 249/265) verifica-se que eram frequentes as modificações do contrato social para a entrada e saída de diversos sócios, todos advogados. Essa constatação reforça a tese de que o escritório simula contratos sociais, para camuflar pactos laborais, burlando os direitos trabalhistas" e, por conta disso, concluiu que "a fraude resta patente, sendo, dessa forma, nulo o contrato social entre o autor e o réu, nos termos do ad. 9º da CLT". Assim, comprovado o preenchimento dos requisitos necessários à configuração da relação de emprego, já que o labor prestado pelo reclamante em prol do reclamado se dava mediante subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade, deve, de fato, ser confirmada a decisão na qual se reconheceu o vínculo entre as partes. (TST, 2018)
No julgado mencionado, fora observada prova documental da inserção e exclusão frequente de sócios na sociedade, a qual corroborou com a tese de simulação do contrato social, a fim de burlar pactos laborais. Por outro lado, verificou-se a presença da subordinação, caracterizada no caso concreto pelo rígido controle da jornada de trabalho e recebimento de reprimendas através de mensagens eletrônicas.
Passa-se à análise da figura do advogado associado.
2.2 Contrato de associação
O artigo 39 do Regulamento Geral da OAB estabelece que o advogado pode associar-se à sociedade de advogados, sem vínculo de emprego, para participação nos resultados. De acordo com o Provimento n. 112/2006 da OAB, deverá ser apresentado um contrato separado para cada advogado associado, a ser averbado à margem do registro da respectiva sociedade10.
A inexistência de vínculo empregatício entre o advogado associado e a sociedade de advogados é reafirmada pelo Provimento n. 169/2015 da OAB. Ao ser contratado nesta modalidade, o advogado tem mantida sua autonomia profissional, podendo inclusive associar- se a outras sociedades de advogados e manter clientes próprios11.
Na relação entre o advogado associado e a sociedade não há, portanto, subordinação, tampouco controle de jornada. As partes devem estabelecer as cláusulas e condições da associação no contrato e, caso o documento contenha, no conjunto, elementos
10 Artigo 8º, parágrafo 2º, inciso II, do Provimento n. 112/2006 da OAB. 11 Artigos 5º e 8º do Provimento n. 169/2015 da OAB.
caracterizadores de uma relação de emprego, não será admitida a averbação tratada no artigo 39 do Estatuto12.
Por outro lado, a figura do advogado associado também não se confunde com a do sócio, sendo alheio ao capital social, à composição do quadro societário e desprovido de qualquer responsabilidade social13.
O advogado associado seria um intermediário entre o sócio e o advogado empregado, devendo, contudo, estar mais próximo da posição do primeiro do que da situação do segundo (Cf. BOMFIM; XXXXXXX, 2017). Com efeito, o profissional associado atua em parceria com a sociedade de advogados, em causas de patrocínio comum, auferindo percentual dos resultados e honorários percebidos, podendo utiliza-se das instalações da sociedade (Cf. LOBO, 2019).
No que tange à participação nos resultados mencionada no caput do artigo 39 do Estatuto, o Provimento n. 169/201514 especifica que o advogado associado não participa dos lucros nem dos prejuízos da sociedade, mas sim dos honorários contratados com os clientes, além dos honorários de sucumbência das causas que lhe forem confiadas. A forma de pagamento, bem como os critérios de proporcionalidade da participação deverá ser estipulada no contrato de associação.
O advogado associado, portanto, possui forma de contratação específica, sendo exigida averbação à margem do contrato social da sociedade de advogados contratante. Não há vínculo de emprego e, assim, qualquer relação de subordinação, dependência ou controle de jornada, sendo mantida a autonomia do profissional. Os critérios de remuneração podem ser estabelecidos livremente no contrato de associação, havendo, de qualquer modo, participação nos resultados, relativa à porcentagem dos honorários contratuais e sucumbenciais das causas que atuar.
2.3 Advogado empregado
12 Artigo 8º do Provimento n. 169/2015 da OAB.
13 Contudo, compete mencionar que “Os advogados sócios e os associados respondem subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados diretamente ao cliente, nas hipóteses de dolo ou culpa e por ação ou omissão, no exercício dos atos privativos da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possam incorrer” (SIQUEIRA, 2014, p.71).
14 Artigo 7º do Provimento n. 169/2015 da OAB.
O Estatuto da Advocacia e da OAB de 1994 disciplina as regras tangentes ao advogado empregado entre seus artigos 18 a 21, reconhecendo figura que já se calcava cotidiana no contexto da advocacia brasileira.
O Estatuto dedica um capítulo específico ao advogado empregado, ou seja, ao profissional assalariado. É o reconhecimento legal a um fenômeno que se tornou predominante na advocacia brasileira. O anterior Estatuto tomava como paradigma o advogado liberal, que não se subordinava, por laços de emprego, a seus clientes. Em algumas legislações estrangeiras, a advocacia é incompatível com a relação de emprego. [...] No Brasil, é grande o número de profissionais que se subordinam a algum vínculo empregatício, não podendo esse enorme contigente ficar à margem da tutela legal (LOBO, 2019, online).
Na qualidade de empregado, o advogado mantém sua isenção técnica e independência profissional, inerentes à advocacia15. O profissional não está obrigado a prestações de serviços de interesse pessoal do empregador, alheios à relação de emprego16, podendo recusar-se, sem recair em ato de insubordinação (Cf. SILVEIRA, 2014).
A respeito do piso salarial do advogado, a norma estatutária prevê que seja fixado em sentença normativa ou ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho17. No entanto, até o presente inexiste um parâmetro nacional salarial para os advogados empregados no Brasil, tramitando na Câmara de Deputados o Projeto de Lei n. 6.689, proposto em 2013 pelo Deputado Xxxxx Xxxxxxxxxx (PDT/CE) com tal finalidade18.
A jornada de trabalho do advogado não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva19. O Estatuto também assegura a remuneração do advogado pelas horas extraordinárias e o adicional noturno20.
15 Artigo 18, caput, Lei Federal n. 8.906/1994.
16 Parágrafo único do artigo 18, Lei Federal n. 8.906/1994. 17 Artigo 19, Lei Federal n. 8.906/1994.
18 “De acordo com a proposta, o Estatuto do Advogado fixará a remuneração mínima do profissional, conforme jornada de trabalho e tempo de inscrição na ordem: R$ 2.500,00 (um ano); R$ 3.100,00 (dois anos); R$ 3.700 (dois a quatro anos); R$ 4.500,00 (mais de quatro anos). Esses valores têm como parâmetro a jornada de vinte horas semanais. O Projeto prevê o acréscimo de 30%, em caso de dedicação exclusiva, e cláusula de reajuste anual pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)” (BRASIL, 2013).
19 “atualmente, tanto a lei, quanto o regulamento e os julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) respaldam a exigência de previsão expressa de dedicação exclusiva em contrato individual de trabalho para que seja possível advogados empregados que atuem em atividade empresarial que não esteja submetida ao regime de monopólio possuam jornada de trabalho superior a 20 (vinte) horas semanais” (SANTOS, 2014, p.201).
20 Artigo 20, Lei Federal n. 8.906/1994.
A legislação trabalhista geral funciona como norma supletiva ao Estatuto da OAB, tendo em vista o princípio da especialidade enquanto critério de solução de antinomias21.
Nos termos do artigo 442 da CLT, o contrato de trabalho relativo ao emprego traduz- se em um acordo tácito ou expresso estabelecido entre as partes. Destarte, ao revés do que ocorre com a sociedade de advogados e com o advogado associado, inexistem exigências formais relativas à contratação do advogado empregado.
Ao passo que o contrato de emprego prescinde formalização, podem ocorrer situações em que o advogado labore em proveito de outro sem que tenha sido qualquer contrato firmado. Nesse caso, a priori, tratar-se-á de uma relação de emprego.
Isto porque, a relação de emprego é a regra da prestação de serviços realizada de forma pessoal e remunerada, estando a atividade ligada ao objeto negocial do empreendimento. Nesse sentido, cita-se decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho 7ª Região, em sede de apreciação do Recurso Ordinário n. 0000099- 58.2016.5.07.0011:
RELAÇÃO DE EMPREGO CARACTERIZAÇÃO. Em matéria de
relação de emprego, o entendimento dominante nos Tribunais Pátrios é o de que, em se considerando que somente necessitam de prova os fatos extraordinários e que os fatos ordinários são favorecidos por presunção, e que, no Direito Pátrio, o trabalho pessoal e remunerado, em atividade ligada ao objeto negocial do empreendimento, deve, em regra, ser contratado sob a forma de relação de emprego, o julgador, em se defrontando com uma determinada situação que se caracterize pela prestação de serviços com tais características, deve firmar seu convencimento no sentido da ocorrência de relação de emprego, salvo se outra modalidade de contratação for comprovada. (TRT7, 2017, online)
Demais disso, o princípio da primazia da realidade sobre a forma, consagrado no artigo 9º da CLT, tem significativa importância para o tema do advogado empregado. Com efeito, independente da forma de contratação, caso os elementos fáticos que caracterizam uma relação de emprego sejam verificados, incidirá a lei trabalhista. Acerca da primazia da realidade, Xxxxxxxxx explica que corresponde a
princípio à que as relações sejam consideradas pelo que são, e não pelo que formalmente aparentam ser, é o dever estatal de perquirir aquilo que se pode depreender da análise dos fatos e elementos colacionados, não em favor de quaisquer das partes de uma relação jurídica, mas sim, da real natureza jurídica dessa relação. Assim,
21 De acordo com artigo 2º, parágrafo 2º da Lei n. 12.376/2010.
aparte enfrentamentos ideológicos, ou elucubrações filosóficas, fato é que há inegável distanciamento entre o que cartorialmente se pode documentar e aquilo tido por ocorrido. Obviamente, não pretende o princípio ora em analise sua aplicação singela em favor de uma das partes da relação laboral, mas sim, pretende seja garantido instrumental para que o Estado possa, eficaz e efetivamente, concluir com base nas informações a que obteve acesso, qual a natureza da relação jurídica controvertida. Dessa forma, [...] determina ao Estado
– no exercício do poder de polícia ou da função jurisdicional – a apuração das reais conformações assumidas por determinada relação jurídica (2012, p. 143).
Portanto, presentes os caracteres da pessoalidade, não habitualidade, onerosidade e subordinação numa relação de trabalho entre um advogado e outrem, estar-se-á diante de um vínculo empregatício, inobstante exista a inclusão do profissional no contrato social enquanto sócio ou um contrato de associação.
A seguir serão tratados os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício, conforme artigo 3º da CLT, destacando-se as singularidades do ofício de advogado, em especial no que tange à independência do profissional da advocacia perante o caractere da subordinação.
2. Caracteres da relação de emprego do advogado
De acordo com o art. 3º da CLT “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”.
A partir do referido dispositivo legal, temos os caracteres da relação empregatícia, quais sejam: a pessoalidade, a não eventualidade, a subordinação e a onerosidade, a serem observadas cumulativamente no caso concreto.
2.1 Pessoalidade
A pessoalidade reflete o caráter infungível da relação jurídica, no que tange ao empregado, devendo este realizar os serviços contratados pelo empregador, sem que seja substituído por outrem. Consoante explica Xxxxxxxx,
A contratação de um empregado leva em consideração todas as suas qualidades e aptidões pessoais. Por conta dessas características é que o empregador espera ver o empregado, e não outra pessoa por ele designada, realizando o serviço contratado. No conceito de “pessoalidade” existe, portanto, a ideia de intransferibilidade, ou seja, de que somente uma específica pessoa física, e nenhuma outra em seu lugar, pode prestar o serviço ajustado (2013, p.114).
O vínculo empregatício traduz-se, portanto, numa relação jurídica intuitu personae. Xxxxxxx (2017) explica que o requisito da pessoalidade obsta substituições frequentes, posto que permutas eventuais do obreiro não descaracterizam o vínculo.
O artigo 3º da CLT também informa que o empregado constitui pessoa física, isto é, pessoa natural. Não há, portanto, vínculo empregatício cujo prestador de serviços calca-se pessoa jurídica.
O fator “pessoa física” é incluso na caracterização da relação empregatícia visto que o pacto realizado entre uma pessoa natural para a prestação de serviços é o objeto de atenção do Direito do Trabalho. Este campo do direito tutela os bens da vida, da saúde, da integridade moral, do bem-estar, do lazer que se relacionam a constituição da pessoa física, o sujeito trabalhador, e que não é atribuída a pessoas jurídicas (XXXXXXXX, 2014, p.41)
Xxxxxx e Casalli (2017) destacam enquanto indícios fáticos da pessoalidade na relação entre advogados e escritórios: (a) a participação do advogado em processo seletivo tais como entrevistas e provas; (b) a impossibilidade de substituição do advogado por outro alheio ao escritório para realização das tarefas como subscrever uma peça ou participar de audiências; (c) o recrutamento de advogados ocorrer por anúncios em jornais ou sítios eletrônicos de emprego e (d) a impossibilidade de confeccionar substabelecimentos à advogados alheios ao escritório, denotando também ausência de autonomia.
Se para a contratação do advogado foram determinantes suas aptidões profissionais, os elementos presentes em seu currículo, como experiência e formação acadêmica, seus conhecimentos técnicos e teóricos, percebe-se que o escritório não estava em busca de um sócio, mas de alguém que realize determinado serviço com qualidade.
2.2 Não eventualidade
A não eventualidade, por seu turno, constata-se pelo fato de o trabalho ser prestado de forma habitual, contínua. Consoante lição de Xxxxxxxx (2013), enquanto a eventualidade é baseada numa ideia de imprevisibilidade de repetição, a não eventualidade desponta na medida em que o empregado e o empregador sabem que a atividade laboral se repetirá.
Assim, no que tange ao advogado, uma jornada de trabalho pré-estabelecida, com horários de saída e de chegada do advogado ao escritório, revela-se como indício fático da existência de vínculo empregatício. Ao passo que o controle exercido pelo empregador em
relação ao cumprimento dos horários demonstrará, ainda, a presença da subordinação22, tema a ser tratado em tópico posterior.
Todavia, a habitualidade da prestação de serviços, para além de um padrão de dias e horários, será verificada a partir da atividade realizada pelo empregado e se tal atividade se identifica com uma necessidade regular do empregador.
Nesse sentido, o parágrafo 4º do artigo 9° do Decreto n. 3.048/99 auxilia no entendimento da não eventualidade, ao estabelecer que “Entende-se por serviço prestado em caráter não eventual aquele relacionado direta ou indiretamente com as atividades normais da empresa”. A disposição deste artigo coaduna com a chamada Teoria dos Fins do Empreendimento, a qual informa que “eventual será o trabalhador chamado a realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa – tarefas que, por essa mesma razão, serão esporádicas e de estreita duração” (DELGADO, 2016, p.305).
No caso do advogado empregado, ao exercer atividades privativas da advocacia ou atividades correlatas que, no mínimo, exigem conhecimento específico, em regra a não eventualidade, nos moldes da teoria dos fins do empreendimento, é de fácil identificação. Isto porque escritórios de advocacia, em geral, têm como finalidade a prestação de serviços advocatícios e/ou a consultoria jurídica.
Além disso, são indícios fáticos da não eventualidade, portanto, a exigência de cumprimento de horários, anotação de chegada e saída, reprimendas por atrasos e faltas, a necessidade de apresentar atestados médicos ou documentos análogos para justificar faltas, bem como o desconto por faltas ou atrasos na remuneração do advogado.
2.3 Onerosidade
A onerosidade do contrato de emprego traduz-se na contraprestação pecuniária percebida pelo trabalhador em troca de sua mão-de-obra.
Xxxxxxx explica que a onerosidade se manifesta tanto num plano objetivo, quanto num plano subjetivo:
A onerosidade, em geral, manifesta-se no plano objetivo, através de pagamentos materiais feitos ao prestador de serviços. Já no plano subjetivo, a onerosidade manifesta-se pela intenção contraprestativa, intenção econômica conferida pelas partes – em especial pelo
22 Conforme decisão proferida pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho na apreciação do Recurso de Revista nos autos do processo de n. 8956020125010042, citada no tópico relativo à sociedade de advogados do presente trabalho.
prestador de serviços – ao fato da prestação de trabalho. Existirá o elemento fático-jurídico da onerosidade no vínculo firmado entre as partes caso a prestação de serviços tenha sido pactuada, pelo trabalhador, com intuito contraprestativo trabalhista, com o intuito essencial de auferir um ganho econômico pelo trabalho ofertado. A pesquisa da intenção das partes – notadamente do prestador de serviços – em situações fronteiriças, em que não há aparente efetivo pagamento ao obreiro, desponta como elemento analítico fundamental para se decidir sobre a natureza do vínculo formado entre as partes. (TRT3,1998)
Consoante dito alhures, inobstante esteja prevista no Estatuto da OAB a fixação de um patamar mínimo salarial aos advogados empregados, ainda não fora estabelecido um piso salarial para tais profissionais.
Bomfim e Xxxxxxx (2017) destacam que a onerosidade diferencia o advogado empregado do sócio. Destarte, no contrato de sociedade o advogado não almeja prestar serviços em troca de uma contraprestação econômica, mas, antes, contribuir com seu capital e serviços para um resultado a ser compartilhado, podendo este ser bom ou ruim.
A remuneração fixa percebida por advogado, por seu turno, a princípio indica a existência de vínculo empregatício. Nesse sentido, recorde-se que o advogado associado participa dos resultados da sociedade de advogados, referente aos honorários contratuais e sucumbências das causas que atua, os quais, em regra, refletirão em uma remuneração variável.
Nesse sentido, a 7ª Turma do TRT 3ª Região, em julgamento de Recurso Ordinário, autos n. 017642201201703000, destacou que o advogado empregado recebe salário, em contraprestação aos serviços realizados, enquanto o advogado associado tem direito a participação nos resultados, gerando valor variável:
O empregado recebe salário, que corresponde à contraprestação pelos serviços prestados ou postos à disposição, enquanto que o advogado associado, nos termos do referido contrato, tem direito a participação nos resultados, o que leva à conclusão de que receberia um valor variável.
Ocorre, contudo, que no caso dos autos as provas produzidas revelam que a
remuneração da reclamante não possuía vinculação com os resultados da
sociedade. [...] Diante do exposto, entendo que estão presentes todos os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego, razão pela qual dou provimento ao recurso para reconhecer que a reclamante foi empregada no primeiro reclamado (TRT3, 2013).
Se a remuneração fixa, a priori, evidencia a existência de vínculo empregatício, a remuneração variável não necessariamente descaracteriza o vínculo. O advogado empregado poderá receber de forma variável em razão de participação nos lucros ou por um sistema de recompensa por produtividade adotado pelo empregador.
O Estatuto da OAB, inclusive, prevê que sejam partilhados com os advogados empregados os honorários de sucumbência recebidos pela sociedade de advogados, nos termos do artigo 21 e parágrafo único da norma estatutária23.
O ponto crucial da caracterização do vínculo de emprego relativo a advogado ocorrerá, no entanto, no plano da subordinação jurídica, conforme será tratado no próximo tópico.
2.4 Subordinação
À parte das discussões doutrinárias acerca das espécies de subordinação, comumente a subordinação jurídica (contraposta às concepções econômica e técnica do termo) é sublinhada como o aspecto efetivamente referido pelo art. 3º da CLT.
Sobre o conceito de subordinação no âmbito do direto laboral, Xxxxxxxx explica que
Por subordinação tem-se uma limitação da autonomia do empregado, em que a vontade do empregador é preponderante quanto aos aspectos do exercício do trabalho. Tem-se um poder de direção do empregador quanto ao empregado que se ramifica em fiscalização, hierarquia de posição de valores, de dependência do segundo quanto ao primeiro e sujeição às ordens dentro das funções estabelecidas – sem, é claro, ferir a dignidade do empregado, que ainda que submetido ao poder de mando do empregador, continua sendo sujeito de direitos (2014, p.43).
A doutrina e a jurisprudência pátria têm conferido grande relevância à verificação da subordinação jurídica para fins de reconhecimento de vínculo empregatício de advogados. Embora o caractere da subordinação pressuponha hierarquia e obediência, não há incompatibilidade com a atividade exercida pelo advogado, de cunho intelectual. A respeito, Xxxxxx afirma que
O fato de executar um trabalho intelectual não descaracteriza o liame empregatício, pois ele consistirá sempre na exteriorização e desenvolvimento da atividade de uma pessoa em favor de outrem. Por outro lado, inexiste incompatibilidade jurídica, tampouco moral, entre
23 “O STF, na ADI 1.194-4, deu interpretação conforme ao art. 21 e seu parágrafo único sem redução do texto” (LOBO, 2019, online).
o exercício dessa profissão e a condição de empregado; isto porque a subordinação é jurídica e não econômica, intelectual ou social; ela traduz critério disciplinador da organização do trabalho, sendo indispensável à produção econômica (2001, p. 28-29).
Nesse sentido, em decisão proferida pela 8ª Turma do TST, em sede de apreciação de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, autos n. 0000000000000000, destacou-se a subordinação jurídica como requisito caracterizador da relação de emprego, inclusive no caso de profissionais da advocacia:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. ADVOGADO EMPREGADO. O
Tribunal a quo, após extensiva análise do conjunto probatório, concluiu que “a prova oral e mesmo a documental indicam que o autor era advogado empregado e não associado como alegou a ré em defesa”. Ademais, como foi expressamente registrada a presença de subordinação jurídica do reclamante à reclamada, o recebimento de salário fixo e o controle de horário de trabalho, elementos que configuram a relação empregatícia, constata-se que a decisão regional não viola os arts. 0x x 0x xx XXX. Xxxxxxx xx xxxxxxx diversa seria reexaminar provas, procedimento vetado nesta instância recursal, nos termos da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST, 2018)
O artigo 18 do Estatuto da OAB assegura a isenção técnica e a independência profissional dos advogados empregados. O artigo 4º do Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez, estabelece o dever do advogado empregado de zelar por sua independência e liberdade profissional.
Entende-se por isenção técnica do advogado empregado a total autonomia quanto à correta aplicação dos atos, meios e prazos processuais, sem interferência do empregador. O advogado empregado não pode prosseguir orientação tecnicamente incorreta, mesmo quando ditada pelo empregador. Na atuação técnica o advogado deve observar apenas sua consciência profissional e ética. Nessa área estritamente profissional, a relação de emprego não o alcança. Sem independência profissional não há advocacia. [...] A subordinação hierárquica, própria da relação de emprego, é limitada pela independência profissional, que não pode ser maculada. A isenção técnica e a independência profissional são requisitos indisponíveis e independentes do exercício da advocacia. (LOBO, 2019, online)
Portanto, além da atividade advocatícia ser iminentemente intelectual, o advogado empregado possui isenção técnica, independência e liberdade profissional. Por tais razões, a análise da subordinação ocorre de forma diferenciada ou atenuada, Conforme explica Xxxxxx,
A direção do trabalho, pelo empregador, exsurge com tons mais tênues, menos salientes, o que nada tem de excepcional, pois, segundo a doutrina francesa, ‘la subordination ne suppos(e)...pas le controle étroit et constant de toutes les facettes de l’activité du travailleur; elle p(eut) se conjuguer avec une certaine liberté de ce dernier’24. [...] Em linhas gerais, a subordinação no escritório não se exterioriza como a subordinação na fábrica. Mais ainda, não é descabido falar em verdadeira atenuação da subordinação, que dia a dia mais se aproxima de simples “supervisão”, por parte do empregador, da atividade realizada. (2012, p.233)
Os tribunais trabalhistas brasileiros têm concedido à subordinação jurídica no caso do advogado empregado em tais termos, interpretação em consonância com as singularidades da atividade advocatícia mencionadas, conforme julgados colacionados:
RELAÇÃO DE EMPREGO – ADVOGADO EMPREGADO –
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. Embora a profissão de advogado seja exercida, via de regra, em caráter autônomo, a própria Lei n.º 8.906/94 admite a possibilidade de existência do advogado empregado, contando inclusive com capítulo exclusivo no referido diploma legal. [...] É importante enfatizar que a caracterização da subordinação jurídica envolvendo este profissional não pode ser analisada com o mesmo rigor em relação aos contratos de trabalho em geral, tendo em vista a natureza eminentemente intelectual que envolve o exercício da profissão em relevo, sendo que nem mesmo o vínculo laboral poderá retirar a isenção técnica e reduzir a independência funcional inerentes à advocacia (art. 18 da Lei n.º 8.906/94), bastando que haja a participação Integrativa do advogado na dinâmica das atividades de sua empregadora (TRT3, 2012).
RELAÇÃO DE EMPREGO. ADVOGADO. CONFIGURAÇÃO. A
subordinação jurídica se manifesta de forma mais tênue em casos de prestação de serviços por advogado, uma vez que este profissional desempenha trabalho eminentemente intelectual. Assim, não pode ser aferida com o mesmo rigor em relação aos contratos de trabalho em geral, até porque a legislação assegura ao advogado que o vínculo de emprego não poderá retirar a isenção técnica nem reduzir a independência profissional inerentes à advocacia (art. 18 da Lei nº 8.906/94). [...] Assim, não é necessária a constatação da subordinação em seu conceito clássico, que se manifesta por meio de ordens intensas e constantes do empregador quanto ao modo de prestação de serviços (TRT3, 2013)
A subordinação jurídica diferencia o advogado empregado das figuras do sócio e associado. Consoante afirmado alhures, a subordinação inexiste no âmbito da sociedade de
24 Tradução livre: a subordinação não implica controle constante de todas as facetas das atividades do trabalhador; ela pode se conjugar com uma certa liberdade deste último.
advogados, entre os seus sócios, sendo também ausente nos contratos de associação advocatícia.
Mallet (2011) enfatiza que a subordinação trabalhista apenas pode ser verificada casuisticamente, apontando, para tanto, quatro indícios: (a) a sujeição do trabalhador a horário de trabalho25, (b) a forma fixa e regular da remuneração26, (c) a determinação pelo empregador do local de trabalho27 e (d) a propriedade do empregador dos equipamentos e ferramentas utilizadas na execução do labor28.
Bomfim e Xxxxxxx (2017) elencam diversas situações fáticas que demonstram a existência de subordinação em relação ao advogado, dentre as quais destacam-se: (a) atuação do profissional somente em processos de cliente do escritório; (b) concentração das cotas em poucos advogados e distribuição de cotas pequenas aos demais; (c) grande mobilidade no quadro societário, de entrada e saída de sócios; (d) não participação em reuniões decisórias com os clientes; (e) baixa remuneração, comparada ao sócio e ao faturamento geral do escritório; (f) participação em honorários somente nas causas angariadas pelo advogado; (g) remuneração desvinculada do resultado da sociedade; (h) remuneração vinculada à produção (número de peças, audiências, reuniões ou quantidade de horas trabalhadas); (i) cobrança de frequência; (j) existência de horário de trabalho; (k) obrigação de justificar ausências e atrasos; (l) convocação para seminários e treinamentos; (j) pautas diárias pré-estabelecidas;
(m) cobranças, repreensões, orientações e tarefas dadas pessoalmente ou por e-mails; (n) supervisão ou correção das peças elaboradas; (o) exigência de prestação de contas de audiências e diligências e (p) existência de modelos de petições do escritório, sem liberdade de alteração.
Frisa-se, nesse sentido, que os elementos fáticos que apresentam a subordinação jurídica estão intimamente relacionados aos demais caracteres do vínculo de emprego: pessoalidade, não eventualidade e onerosidade.
25 Em regra, o empregado está adstrito a um determinado horário, o qual delimita temporalmente a sua disponibilidade perante o empregador. O trabalhador autônomo, pelo contrário, habitualmente gere o seu tempo de trabalho (MALLET, 2011).
26 O empregado percebe remuneração de acordo com o tempo colocado à disposição do empregador, havendo, outrossim, regularidade dos valores e dos pagamentos. Ao revés, nos contratos de prestação de serviço, o pagamento é feito de acordo com o trabalho realizado (tarefas ou produtividade), podendo a remuneração apresentar-se através de montantes incertos e sem regularidade. (MALLET, 2011).
27 Indica que a atividade do empregado é realizada em local que pertence ao empregador ou em local indicado pelo empregador. O prestador de serviços, de modo diverso, possui liberdade para desenvolver sua atividade onde melhor lhe convir (MALLET, 2011).
28 Os instrumentos de trabalho ou as ferramentas utilizadas na execução dos serviços, comumente, pertencem ao empregador (MALLET, 2011).
Considerações finais
Embora o advogado seja tradicionalmente considerado profissional liberal, de atuação autônoma, mudanças operadas no contexto da advocacia, inclusiva brasileira, retratam a realidade de um mercado de trabalho cada vez mais ocupado por advogados empregados.
As formas de contratação do advogado poderão ocorrer por sociedade (contrato social), por associação ou por contrato de trabalho stricto sensu.
Prescindindo o contrato de emprego de forma escrita e em razão do princípio da primazia da realidade sobre a forma, tanto na inexistência de contrato formal de trabalho individual, quanto na existência de contrato de sociedade ou de associação, o vínculo empregatício poderá ser observado no caso concreto.
Respaldado por posições doutrinárias e jurisprudenciais, verifica-se que o caractere da subordinação jurídica, enquanto elemento balizador dos demais requisitos caracterizados do vínculo empregatício, calca-se ponto nevrálgico para o reconhecimento do vínculo de advogados ante a escritórios de advocacia.
Com efeito, espera-se que o presente artigo possa auxiliar os profissionais da advocacia, enquanto potenciais contratantes e/ou contratados, a compreender os contornos singulares da subordinação jurídica do advogado, evitando fraudes às normas estatutárias e à legislação trabalhista.
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