RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DECORRENTE DO CONTRATO DE FRANQUIA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COORDENADORIA GERAL DE ESPECIALIZAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO E EXTENSÃO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONTRATUAL
TALES DESTRO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DECORRENTE DO CONTRATO DE FRANQUIA
SÃO PAULO 2011
TALES DESTRO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DECORRENTE DO CONTRATO DE FRANQUIA
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Direito Contratual da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Contratual.
Orientadora: Profª. Ma. Xxxxxx Xxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx
SÃO PAULO 2011
Banca Examinadora:
A Deus, pelo incentivo de cada dia e por estar ao nosso lado em todas as adversidades.
Aos meus pais, fonte inesgotável de apoio, estímulo, carinho e dedicação.
O objetivo deste estudo é o de analisar o contrato de franquia, suas cláusulas e as responsabilidades dele decorrentes. A preocupação com esta espécie contratual se justifica pelo seu potencial econômico, podendo ser extremamente rentável às partes, o que acaba por atrair todo tipo de investidor, até mesmo os incautos. As consequências advindas de um mau contrato podem ser desastrosas, comprometendo o investimento daquele que pretendia fazer fortuna com uma marca conhecida, ou até mesmo arruinar a atividade daquele que detém a marca e o esquema de comercialização de um produto ou serviço. Além disso, trata-se de um negócio jurídico complexo que envolve várias atividades, e suas particularidades merecem especial atenção da doutrina e da jurisprudência. Por tais razões, antes, durante e depois da celebração do pacto é necessário um cuidado diferenciado com todas as informações, muitas vezes confidenciais, que são transmitidas. Por fim, esses aspectos serão estudados simultaneamente com os novos paradigmas trazidos pelo Código Civil de 2002 e sua principiologia avançada, possibilitando uma interpretação adequada dos contratos na sociedade moderna.
Palavras-chave: Franquia. Responsabilidade. Principiologia Contratual. Deveres Anexos.
The objective of this case is to analyze the franchising contract, its clauses and its responsibilities. The concern with this type of contract is justified by its economical potential, which can be extremely profitable to the people involved, attracting all kinds of investors, even the unwary. The consequences of a terrible contract can be disastrous, endangering the investments of those who wanted to make a fortune with a specific brand, or even ruin the activity of those who owns the brand and the selling flow of a product or service. Furthermore, it is about a complex juristic act which involves many activities, and its particularities deserve special attention of the books of authority and the case law. For these matters, before, during and after the celebration of the agreement is necessary a special care with all information, often confidential, that are transmitted. Ultimately, these aspects will be simultaneously studied with the new paradigm in the Brazilian Civil Code of 2002 and its advanced principles, enabling and accurate interpretation of the contracts in the modern society.
Key-words: Franchising. Responsibility. Contractual Principles. Duty of Care.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. | 8 |
2 PRINCIPIOLOGIA CONTRATUAL .................................................................. | 10 |
2.1 Evolução dos Contratos ............................................................................... | 10 |
2.1.1 Conceito Clássico de Contrato .................................................................. | 11 |
2.1.2 Conceito Contemporâneo de Contrato ....................................................... | 13 |
2.2 Novos Paradigmas Trazidos pelo Código Civil de 2002 .............................. | 15 |
2.3 Técnicas de Abertura do Sistema ................................................................ | 18 |
2.4 Função Social ............................................................................................... | 20 |
2.5 Princípio da Boa-Fé ..................................................................................... | 23 |
2.5.1 Deveres Anexos ......................................................................................... | 28 |
2.5.1.1 Deveres de Lealdade e Confiança Recíprocas ....................................... | 29 |
2.5.1.2 Dever de Assistência ............................................................................... | 30 |
2.5.1.3 Dever de Informação ............................................................................... | 31 |
2.5.1.4 Dever de Sigilo ou Confidencialidade ..................................................... | 32 |
3 CONTRATO DE FRANQUIA ........................................................................... | 33 |
3.1 Origem .......................................................................................................... | 33 |
3.2 Definição ...................................................................................................... | 34 |
3.3 Natureza Jurídica ........................................................................................ | 37 |
3.4 Características ............................................................................................. | 38 |
3.5 Espécies de Franquia .................................................................................. | 41 |
3.5.1 Quanto à Forma de Gestão Empresarial ................................................... | 41 |
3.5.1.1 Franquia de Marca ou de Produto ........................................................... | 41 |
3.5.1.2 Franquia do Negócio Formatado (Business Format Franchising) ........... | 41 |
3.5.2 Quanto ao Âmbito do Contrato ................................................................... | 42 |
3.5.2.1 Franquia-Mestre (Master Franchising) .................................................... | 42 |
3.5.2.2 Franquia de Desenvolvimento de Área (Area Development Franchise) . | 42 |
3.5.2.3 Franquia de Canto (Corner Franchise) ................................................... | 42 |
3.5.3 Quanto à Natureza do Franqueamento ...................................................... | 43 |
3.5.3.1 Franquia de Produtos .............................................................................. | 43 |
3.5.3.2 Franquia de Serviços .............................................................................. | 43 |
3.5.3.3 Franquia de Distribuição ......................................................................... | 43 |
3.5.3.4 Franquia Industrial ................................................................................... | 43 |
3.6 Circular de Oferta de Franquia (COF) ......................................................... | 44 |
4 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL .......................................................... | 48 |
4.1 Responsabilidade Pré-Contratual ................................................................ | 48 |
4.2 Responsabilidade Contratual ...................................................................... | 55 |
4.3 Responsabilidade Pós-Contratual ............................................................... | 60 |
4.4 Responsabilidade Trabalhista ..................................................................... | 65 |
5 CONCLUSÃO .................................................................................................. | 71 |
REFERÊNCIAS ................................................................................................... | 73 |
1 INTRODUÇÃO
Desde a antiguidade, o comércio era utilizado como forma de circulação de riquezas, baseado inicialmente na troca de mercadorias. Posteriormente, com o surgimento da moeda e a evolução da sociedade, o comércio gradativamente tomou forma até chegar aos moldes conhecidos dos dias atuais.
Nesse contexto, o contrato passou a ser um instrumento mais elaborado de transferência de valores e bens, por disciplinar aspectos dessa relação.
Na metade do século XX, surgiu nos Estados Unidos o modelo de comércio denominado franquia ou franchising, no intuito de se expandir as atividades negociais. Criou-se um método completo de exploração comercial no qual outrem poderia se valer de um negócio ou modelo de empresa já criado, testado e aprovado pelo público1.
Entretanto, com o sucesso deste modelo de negócio e a sua própria evolução, surgiram novas questões que merecem especial atenção do Direito, na medida em que influenciam diretamente as atividades de ambas as partes, franqueador e franqueado.
O contrato de franquia envolve basicamente a transferência de métodos e utilização da imagem criada pelo franqueador. Estes são, em suma, os bens de maior valor na relação e que devem ser precisamente regrados.
Para estudar a contento este tema, razoavelmente complexo, inicialmente será necessário entender, desde o princípio, o surgimento dos contratos e a sua regulamentação no decorrer dos tempos.
Será necessário ressaltar a mudança na maneira de interpretação dos contratos, marcada pelo advento do Código Civil Brasileiro de 2002, que trouxe diversas inovações no campo principiológico, possibilitando uma atuação social dos magistrados nas relações jurídicas.
Na esteira da principiologia trazida pela nova legislação, será conferida atenção especial ao princípio da boa-fé e os chamados deveres anexos dela
1 Xxxxxxx Xxxx, Franquia pública. São Paulo: Editora Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, p. 8.
decorrentes, que são de extrema relevância, por atuarem nos diversos momentos do contrato.
E para estudar a aplicação destes preceitos, será imprescindível minuciar o contrato de franchising, partindo do seu surgimento, passando por sua conceituação, características, diversas modalidades e o seu conteúdo, objeto deste trabalho.
Posteriormente, cuidado especial será conferido à responsabilidade decorrente desta modalidade contratual. A partir dela, será o aludido contrato separado em três momentos, cada um com seus caracteres devidamente pormenorizados.
Em razão disso, será feito o cotejo com arcabouço jurídico necessário para se estabelecer os limites e o âmbito de incidência do contrato, para que o negócio seja vantajoso e seguro para ambas as partes.
Ademais, impossível seria este estudo sem os ensinamentos da doutrina brasileira e estrangeira, em conjunto com a jurisprudência pátria, que nortearão a aplicação de toda a teoria estudada aos casos concretos, sinalizando os melhores caminhos a serem seguidos.
2 PRINCIPIOLOGIA CONTRATUAL
2.1 Evolução dos Contratos
O contrato é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação2, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico.
Entretanto, não é possível fixar uma data específica de surgimento dos contratos.
O direito romano distinguia contrato de convenção. Convenção representava o gênero do qual o contrato e o pacto eram espécies. Hoje, as expressões convenção, contrato e pacto são empregadas sem qualquer diferenciação3.
A primeira grande codificação moderna, o Código de Xxxxxxxx, a exemplo da dicotomia feita pelo direito romano, disciplinou o contrato como simples instrumento de aquisição da propriedade. O acordo de vontades representava uma garantia para a burguesia e as classes proprietárias. A transferência de bens era dependente apenas da vontade4.
O Código Civil alemão, promulgado posteriormente, considera o contrato uma espécie de negócio jurídico, que por si só não transfere a propriedade, assim como ocorre no Código Civil Brasileiro5.
Todavia, de forma mais acentuada se observa a transformação do Direito Civil e seus paradigmas na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, no século XIX, com o surgimento de dois conceitos distintos de contrato6.
Chama-se de clássico o modelo liberal de contrato firmado no Código Civil francês de 1804, pós-revolução francesa.
2 “Fonte de obrigação é o fato que lhe dá origem” (Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.1).
3 Id., Ibid., p.3.
4 Id., Ibid., p.3.
5 Id., Ibid., p.3.
6 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx; TARTUCE, Xxxxxx (coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 20.
O conceito contemporâneo de contrato tem origem no ideal do Estado do Bem-Estar Social e da ordem civil-constitucional-social-econômica, baseada nos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988.
2.1.1 Conceito Clássico de Contrato
O conceito clássico de contrato tem como marco histórico o Código Napoleão, de 1804.
O tratamento conferido pelo legislador burguês, reproduzido na interpretação feita pelo Código Civil Brasileiro de 1916, foi marcado por fortes traços individualistas. Entendeu-se como destinatário um indivíduo isolado do restante da coletividade e abstratamente considerado, sem ligação com o contexto social, formalmente igual ao outro contratante e livre para contratar e estabelecer, conforme sua vontade, o conteúdo dos contratos7.
Esse modelo clássico de contrato trazia a ideia de oposição entre as partes, pessoas com interesses opostos que atuavam em antagonismo, sendo as relações jurídicas observadas isoladamente, sem qualquer interação entre seus interesses8.
Na esteira dos lemas da revolução francesa, dois pressupostos estão presentes: a igualdade formal e a liberdade de contratar.
A igualdade formal buscava fortalecer a ascensão econômica e política da burguesia, eliminando os privilégios da aristocracia da época, conferindo o mesmo tratamento jurídico às partes, considerando-as iguais. O ideal de igualdade passou a ser pressuposto dos negócios jurídicos. Por isso a igualdade nos Códigos de inspiração liberal é uma ideia de igualdade jurídica (não econômica ou social) e formal (não substancial) 9.
Xxxxxx Xxxxxxx Brasileiro Borges10 ressalta que:
A justiça contratual era consequência lógica da soma da igualdade (formal) com a liberdade de contratar, pois se as partes eram iguais e livres para contratar ou não contratar, sendo a vontade um poder jurígeno, o que as
7 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 20.
8 Id., Ibid., p. 21.
9 Id., Ibid., p. 21-22.
10 Ibid., p. 22.
partes contratassem seria, necessariamente, justo: “quem diz contrato diz justo”, em expressão da época.
Ainda em razão da adoção dos pressupostos de igualdade formal e liberdade de contratar, destacavam-se os princípios da intangibilidade e da obrigatoriedade do contrato:
O contrato era considerado intangível porque, gerado pelo acordo de vontades entre as partes, apenas por novo acordo seu conteúdo poderia ser alterado, não cabendo alteração unilateral, ainda que por via judicial, salvo por caso fortuito ou força maior, excepcionalmente11.
Pelo princípio da intangibilidade encontra-se o princípio da obrigatoriedade ou da força obrigatória dos contratos ou o pacta sunt servanda:
Por esse princípio, o acordo de vontades tinha força vinculante jurídica entre as partes, e desse vínculo, em regra, só era possível liberar-se pelo pagamento ou pelo distrato. O contrato tinha que ser cumprido, como se fosse lei entre as partes e, diante de inadimplemento, o credor poderia exigir do Estado intervenção para garantir o cumprimento do que foi contratado12.
Nesse contexto, ainda, havia o princípio da relatividade que, segundo ele, o contrato produz efeitos entre as partes, as pessoas que o formaram, que manifestaram a sua vontade. Não havia vinculação entre os contratantes e o restante da coletividade, o contexto social da base. A sociedade tinha o dever geral de abstenção, deixando de tomar qualquer atitude. Por isso os direitos obrigacionais ou pessoais são classificados como direitos relativos, pela oponibilidade exclusiva entre credor e devedor, dentro da relação obrigacional13.
Ao Estado cabia apenas assegurar o cumprimento do contrato, pois este era justo, uma vez que decorria de um acordo de vontade das partes iguais e livres. Não havia motivos para a atuação estatal senão a garantia de que fossem cumpridos.
Assim sendo, a função dos contratos era arrimada na individualidade, voltada para a realização dos interesses das partes, sem a observância de outros sujeitos afetados pela relação. O próprio conceito clássico, liberal de contrato, impedia a sua crítica.
11 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 23.
12 Id., Ibid., p.23.
13 Id., Ibid., p.23.
2.1.2 Conceito Contemporâneo de Contrato
A definição contemporânea de contrato possui dois âmbitos: de forma geral, assentado em alguns países europeus, surgiu com o chamado Estado do Bem-Estar Social (Welfare State); no âmbito nacional, é uma decorrência da Constituição Federal de 1988, com a ordem jurídico-social-econômica voltada pelos objetivos fundamentais expressos no art. 3º da Carta Magna14 e outras condicionantes presentes ao longo do texto15.
Neste conceito, os sujeitos de direito dos contratos e seus destinatários são diversos, podendo ser compostos por vários modos e contextos de atuação contratual. Não existe apenas um sujeito envolvido, e sim uma variedade deles, distintos entre si e com contextos variáveis. Ocorre a substituição da clássica visão de contratante-proprietário-pai de família burguês por uma multiplicidade de sujeitos com perfis variados16.
Um valor que se sobressai na ordem civil constitucional obrigacional contemporânea é a justiça contratual ou equidade contratual.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Brasileiro Borges17:
A ordem civil constitucional brasileira contemporânea não é conservadora, mas dirigente, propositiva, progressiva, promocional e solidária. Portanto, no que se refere à teoria contratual, não é mais o valor da segurança jurídica que ocupa lugar privilegiado, mas o valor da equidade, do equilíbrio, da justiça nas relações negociais. Para atingir os objetivos fundamentais assumidos pelo constituinte de 1988 (...), não serve um ordenamento conservador; é necessário um conjunto de normas com mandamento de mudança, de transformação, de evolução, de progresso em vários âmbitos: progresso social, progresso econômico, progresso cultural, progresso ambiental, progresso jurídico.
Assim, o conservador princípio da segurança jurídica é substituído pela justiça contratual, exigência dos objetivos fundamentais18 e dos fundamentos19 do Estado brasileiro.
14 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
15 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 24.
16 Id., Ibid., p. 25.
17 Ibid., p. 27.
Com as alterações no decorrer do contexto histórico dos contratos, passa-se à noção de contrato como vínculo de cooperação. Deste novo conceito derivam algumas consequências jurídicas: a proteção da confiança no ambiente contratual, a exigência de boa-fé e a observância da função social do contrato20.
Supera-se aqui a velha ideia de antagonismo entre as partes. No decorrer das atividades, percebeu-se a necessidade de atuação cooperativa entre os contratantes, uma vez que ambas possuem interesses dependentes da atuação recíproca. Ou seja, a satisfação dos interesses de uma das partes depende da atuação da outra, ambos cooperando para que o contrato alcance o seu escopo.
Nesse rumo, os motes da revolução francesa, igualdade e liberdade, sofreram as devidas atualizações. Surgiram, influenciados também por outros fatores, os conceitos de igualdade substancial e de autonomia privada.
A igualdade substancial é decorrência da solidificação dos discursos de que todos são iguais perante a lei.
Entretanto, no campo jurídico, era nítida a desigualdade material entre as partes.
Tal situação afetava a vontade livre, decorrência da disparidade econômica e social, e foi ressaltada após a revolução industrial e a expansão da economia de massa e do consumo de massa. Questionou-se, então, a real autonomia do trabalhador e do consumidor perante o empresário21.
18 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
19 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
20 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 27.
21 Id., Ibid., p. 28.
Nesse contexto, tornou-se necessário um tratamento jurídico diferenciado entre as partes de um mesmo contrato, afastando a premissa burguesa de igualdade formal, explicitando a desigualdade jurídica dos contratantes.
“Ou seja, diante de uma desigualdade material entre as partes, necessária é uma desigualdade jurídica de tratamento que reconheça e equilibre as forças de poder – sobretudo de natureza econômica – presentes na relação” 22.
Deste modo, a igualdade substancial pressupõe a igualdade das partes diante da lei e principalmente diminui a desigualdade extrema, aquela das partes materialmente desiguais, que celebram contratos desequilibrados.
A autonomia privada, também chamada de liberdade negocial, é definida como o poder de realizar negócios jurídicos, reger seus atos e suas relações conferindo-lhes efeitos jurídicos, princípio fundamental do direito privado. As partes pactuam livremente as suas condições em situação de igualdade23.
Com base nesses princípios, o ordenamento jurídico avalia o caso prático, podendo ignorar o negócio, reconhecê-lo ou repeli-lo. Esse intervencionismo não fere a autonomia das partes, apenas a corrige, estabelecendo os limites para que estejam em consonância com o ordenamento jurídico24.
2.2 Novos Paradigmas Trazidos pelo Código Civil de 2002
A sociedade brasileira, no decorrer do século passado, passou por diversas transformações. O progresso cultural, o desenvolvimento científico e a evolução social exigiram do direito uma constante evolução, ocorrendo nesse período a elaboração de várias leis especiais, movimento incessante que modificou estruturalmente o direito civil. Não é possível esquecer a promulgação da Constituição Federal de 1988, que causou grande impacto nas relações civis25.
22 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 28.
23 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, op. cit., p. 4.
24 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 30.
25 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: parte geral. volume I. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.21.
Tais contínuas alterações culminaram na elaboração de um novo Código Civil, que buscou reformular e atualizar o antigo Código de 1916, baseado nos valores sociais e éticos despontados pela experiência legislativa e jurisprudencial26.
O Código Civil de 2002 adotou valores considerados imprescindíveis para se atingir essa atualização normativa, compatível com os anseios da sociedade contemporânea. Esses valores, princípios básicos, são a socialidade, a eticidade e a operabilidade.
A socialidade se opõe ao individualismo do Código de Beviláqua, preocupado em manter os interesses individuais em detrimento dos aspectos sociais e da experiência do homem em sociedade27. O princípio da socialidade busca a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem deixar de lado o valor fundamental da pessoa humana28.
A esse propósito, Miguel Reale29, supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil, assevera nos seguintes termos:
É constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente, feita para um País ainda eminentemente agrícola, com cerca de 80% da população no campo.
Hoje em dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporção de 80%, o que representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive em razão dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Daí o predomínio do social sobre o individual.
O princípio da eticidade se diferencia do formalismo jurídico do Código passado, ineficiente quanto aos valores éticos necessários à realização do bem comum nas relações jurídicas30. O valor da pessoa humana é alçado à fonte de todos os demais valores. Há a prevalência de valores como a boa-fé, a equidade, a
26 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: parte geral. volume I. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 22.
27 Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, et al. Código civil comentado. - 5ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.180.
28 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: parte geral. volume I. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 24
29 Xxxxxx Xxxxx, Visão geral do novo código civil. Pronunciamento do acadêmico Xxxxxx Xxxxx na sessão de 29 de novembro de 2001, na Academia Paulista de Letras – APL, reconstituído pelo autor. In: Brasil. Código Civil (2002). Código civil brasileiro e legislação correlata. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008, p. 544. Disponível em
<xxxx://xxx0.xxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxx/xx/00000>. Acesso em: 28 ago. 2011.
30 Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, op. cit., p. 180.
justa causa, entre outros valores éticos31. Ao juiz, com base nesses valores, cabe encontrar a solução mais justa ou equitativa, tendo o princípio econômico dos contratos se tornado base ética de todo o direito obrigacional32.
O ilustre professor Miguel Reale33 prossegue:
Procurou-se superar o apego do Código atual ao formalismo jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida a cavaleiro dos séculos XIX e XX, do Direito tradicional português e da Escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do trabalho empírico dos glosadores; está dominada pelo tecnicismo institucional, haurido na admirável experiência do Direito Romano.
Não obstante os méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com aqueles deve se compatibilizar.
Daí a opção, muitas vezes, por normas genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos preceitos legais.
A operabilidade surge com o intuito de superar a ineficiência de alguns institutos da legislação anterior, que continha soluções normativas e institutos jurídicos de interpretação duvidosa e de difícil aplicação. O direito é feito para ser efetivado, executado, evitando-se o complicado34.
Finalmente, o já citado Miguel Reale35 conclui:
Muito importante foi a decisão tomada no sentido de estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito.
Nessa ordem de ideias, o primeiro cuidado foi eliminar as dúvidas que haviam persistido durante a aplicação do Código anterior.
(...)
Por outro lado, pôs-se termo a sinonímias que possam dar lugar a dúvidas, fazendo-se, por exemplo, distinção entre associação e sociedade, destinando-se aquela para indicar as entidades de fins não econômicos, e esta para designar as de objetivos econômicos. Não menos relevante é a resolução de lançar mão, sempre que necessário, de cláusulas gerais,
31 Ética negocial - Ofensa. O sistema jurídico nacional, a meu juízo, deve ser interpretado e aplicado de tal forma que através dele possa ser preservado o princípio da boa-fé, para permitir o reconhecimento da eficácia e validade de relações obrigacionais assumidas e lisamente cumpridas, não podendo ser a parte surpreendida com alegações formalmente corretas, mas que se chocam com princípios éticos, inspiradores do sistema (STJ, 4.ª T., REsp 95539-SP, rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, v.u., x. 3.9.1996, DJU 14.10.1996).
32 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Direito civil brasileiro: parte geral. volume I. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 25.
33 Op. cit., p. 543.
34 Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, op. cit., p. 180.
35 Op. cit., p. 545-546.
como acontece nos casos em que se exige probidade, boa-fé ou correção (corretezza) por parte do titular de direito, ou quando é impossível determinar com precisão o alcance da norma jurídica.
(...)
São previstos, em suma, as hipóteses, por assim dizer, de “indeterminação do preceito”, cuja aplicação in concreto caberá ao juiz decidir, em cada caso ocorrente, à luz das circunstâncias ocorrentes.
(...)
Somente assim se realiza o direito em sua concretude, sendo oportuno lembrar que a teoria do Direito concreto, e não puramente abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Xxxxx, Xxxxxx, Xxxxx e muitos outros, implicando maior participação decisória conferida aos magistrados.
Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma.
2.3 Técnicas de Abertura do Sistema
O sistema de direito privado brasileiro é móvel na medida em que possibilita a adequação das relações abstratas de acordo com a realidade vivida.
Não há como negar que as relações jurídicas evoluem ao longo do tempo, transformando-se das mais diversas maneiras. Não é crível exigir do legislador a previsão de todas as relações jurídicas possíveis e que possam sofrer mutações durante a vigência da legislação36.
Em se tratando de um sistema fechado, o ordenamento jurídico passaria a ser obsoleto rapidamente, uma vez que não seria permitido a sua adequação à realidade vivida pela sociedade37.
O sistema aberto permite a integração da norma abstrata, que por vezes revela-se inadequada, conflitante com os interesses pretendidos nos dias atuais.
Seguindo esse entendimento, o legislador introduziu no Código Civil algumas válvulas capazes de adequar a norma ao caso concreto a ser estudado, tornando o direito muito mais dinâmico, possibilitando uma caminhada conjunta entre o direito e a evolução da sociedade38.
36 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: parte geral. volume I. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 48.
37 Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: XX, 0000, passim.
38 Id., Ibid., passim.
Nesse contexto surgem os chamados princípios gerais de direito, cláusulas gerais, conceitos legais indeterminados e conceitos determinados pela função.
Os princípios gerais do direito são regramentos de conduta solidificados que auxiliam o magistrado no momento de interpretação da norma. Encontram-se situados na consciência dos indivíduos, sendo por eles aceitas, ainda que não escritas. “Tais regras, de caráter genérico, orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não incluídas no direito positivo”39.
As cláusulas gerais são comandos legislativos que deixam margem à interpretação do magistrado, permitindo que ele adapte a norma da maneira mais conveniente ao caso concreto. Dessa maneira, em alguns casos, o legislador deixou a aplicação da norma de acordo com a discricionariedade do juiz40.
Xxxxxx Xxxx Junior41 conceitua as cláusulas gerais da seguinte forma:
Formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz.
Rosa Maria de Andrade Nery42 frisa a importância das cláusulas gerais no ordenamento jurídico:
A vantagem da cláusula geral é que ela permite que o sistema do CC seja revestido de maior mobilidade, abrandando a rigidez da norma conceptual casuística. Faz o sistema ficar vivo e sempre atualizado, prolongando a aplicabilidade dos institutos jurídicos, amoldando-os às necessidades da vida social, econômica e jurídica. Evita o engessamento da lei civil.
Conceitos legais indeterminados são conceitos ou regramentos trazidos pelo legislador com grande carga de incerteza, contendo palavras ou expressões altamente vagas e genéricas, que, da mesma forma, deverão ser interpretadas pelo magistrado43. Entretanto, tais conceitos trazem consigo uma solução preestabelecida pelo legislador:
39 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: parte geral. volume I. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 53.
40 Nelson Nery Junior, op. cit., p. 176.
41 Op. cit., p. 176.
42 Op. cit., p. 213.
43 Nelson Nery Junior, op. cit., p. 176.
Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal indeterminado, a solução já está preestabelecida pela própria norma legal, competindo ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora 44.
Os conceitos determinados pela função estão intimamente ligados aos conceitos legais indeterminados, uma vez que são decorrência natural destes.
Os conceitos legais indeterminados se transmudam em conceitos determinados pela função que têm de exercer no caso concreto. Servem para propiciar e garantir a aplicação correta, equitativa do preceito ao caso concreto45.
Aplicando-se o conceito legal indeterminado no caso concreto, este passa a ser determinado, sendo certo que se adequou à relação enfrentada. Ao ser adequado, o conceito determinado passa a ser utilizado de acordo com a sua função (objetivo) na relação, daí porque chamá-lo de “determinado pela função”. Um princípio anteriormente vago e genérico passou a ser certo e determinado, de acordo com a função que exerceu no caso concreto.
Tais conceitos são fruto de um sistema aberto que possibilita a integração das normas jurídicas às diversas particularidades apresentadas pelos casos concretos, permitindo que o direito acompanhe a evolução das relações.
2.4 Função Social
A função que mais se destaca nos contratos é a econômica, ou seja, a circulação de riquezas.
A liberdade de contratar não é absoluta. Há o dever de se respeitar a supremacia da ordem pública e não contrariar os bons costumes. A vontade das partes está condicionada ao interesse coletivo, intimamente ligado à função social do contrato, que o condiciona à satisfação do bem comum e dos fins sociais, consagrando o princípio da socialidade. Trata-se da preocupação com o impacto
44 Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 211.
45 Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, op. cit., p. 176.
social de um contrato – o impacto que a sociedade tem sobre o contrato e que o contrato tem sobre a sociedade46.
A função social do contrato é cláusula geral, prevista no artigo 421 do Código Civil47, o que permite ao magistrado valorar, diante do caso concreto, o seu conteúdo, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. É a chamada função instrumentalizadora da função social48.
A esse propósito, é de grande valia transcrever os ensinamentos de Maria Helena Diniz49:
A função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui cláusula geral, que impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito; reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas e não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
Esta cláusula tem fundamento na Constituição Federal, por ser decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa, presentes no art. 3º, I, já mencionado. Há quem entenda também ser decorrência da função social da propriedade50 e do valor social da livre iniciativa51 52.
46 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Código civil anotado. – 9. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 321-322.
47 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
48 Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, op. cit., p. 476.
49 Op. cit., p. 322.
50 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. (...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade. (...)
51 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (...)
52 Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, op. cit., p. 477.
A função social está conectada à socialidade, uma das diretrizes do Código Civil de 2002, e possui três diferentes funções: a) o contrato entre duas partes não pode prejudicar terceiros53; b) o contrato entre duas partes não deve prejudicar a coletividade; c) terceiros não devem prejudicar contratos alheios54.
Além disso, o conteúdo da função social deve ser ensinado nas palavras de Xxxxxx Xxxx Junior:
O contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (CF 3.º I) e da justiça social (CF 170 caput), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (CF 1.º III), não se ferirem valores ambientais (CDC 51 XIV) etc. Haverá desatendimento da função social quando: a) a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato;
b) quando houver vantagem exagerada para uma das partes; c) quando quebrar-se a base objetiva ou subjetiva do contrato etc. A boa-fé objetiva, cláusula geral prevista no CC 422, decorre da função social do contrato, de modo que tudo o que se disser sobre a boa-fé objetiva poderá ser considerado como integrante, também, da cláusula geral da função social do contrato.
O seu objetivo, limitar a autonomia privada, a liberdade de contratar e impor às partes um comportamento ético e comutativo, acaba conferindo ao contrato um procedimento justo, evitando situações desproporcionais55.
Nessa linha de intelecção, Xxxxxxx Xxxxxx Donnini56 salienta que:
Na culpa post factum finitum, uma cláusula considerada abusiva que continua a produzir efeitos, mesmo posteriormente à extinção do contrato, com o efetivo cumprimento do acordado, fere a concepção social do contrato, o que permite ao magistrado, ao abrigo da cláusula geral de boa- fé, responsabilizar aquela pessoa (ex-contratante) que se beneficiou injustamente dos efeitos da avença.
Ademais, também é um dos fundamentos da responsabilidade pós-contratual.
53 Súmula 308, STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
54 Código Civil, Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.
55 Rogério Ferraz Xxxxxxx, Responsabilidade pós-contratual no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 114.
56 Op. cit., p. 114.
2.5 Princípio da Boa-Fé
A regra da boa-fé é uma cláusula geral que possibilita a solução de conflitos levando-se em consideração fatores metajurídicos e princípios jurídicos gerais.
Xxxxx Xxxxxx Gagliano57 observa:
A boa-fé é, antes de tudo, uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico. Vale dizer, a boa-fé se traduz em um princípio de substrato moral, que ganhou contornos e matiz de natureza jurídica cogente.
No Direito Alemão, o conceito de boa-fé é baseado na fórmula do Treu und Glauben (lealdade e confiança), regra objetiva, que deveria ser respeitada nas relações jurídicas em geral.
O princípio da boa-fé exige das partes um comportamento correto durante as tratativas, a formação e o cumprimento do contrato. Está relacionado com o princípio de que ninguém pode ser beneficiado pela própria torpeza. A boa-fé é presumida, devendo a má-fé ser comprovada por quem a alega58.
A boa-fé impõe aos contratantes um padrão de conduta, um dever de retidão, probidade, honestidade e lealdade, de acordo com o modelo do homem comum, levando-se em consideração as características dos usos e costumes de cada lugar.
Xxxxx esteira, Maria Helena Diniz59 aduz:
O princípio da boa-fé, intimamente ligado não só à interpretação do contrato
– pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc. É uma norma que requer o comportamento leal dos contratantes, sendo incompatível com quaisquer condutas abusivas, tendo por escopo gerar na relação obrigacional a confiança necessária e o equilíbrio das prestações e da distribuição dos riscos e encargos, ante a proibição do enriquecimento sem causa.
57 Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.64.
58 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.33.
59 Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. volume III. –
19. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 41.
O princípio da boa-fé é dividido em duas partes: boa-fé subjetiva, também chamada de concepção psicológica da boa-fé, e boa-fé objetiva, também denominada concepção ética da boa-fé.
A boa-fé subjetiva esteve presente no Código Civil de 1916, com a natureza de regra de interpretação do negócio jurídico. Ela consiste em uma situação psicológica, um estado de ânimo ou de espírito do agente que realiza determinado ato. Diz respeito ao conhecimento ou à ignorância de certas circunstâncias; se baseia em uma crença ou em uma ignorância. Em suma, implica a noção de entendimento equivocado, em erro que envolve o contratante60.
É chamada de subjetiva porque, para a sua aplicação, deve o intérprete levar em consideração a intenção do agente da relação jurídica, o seu estado psicológico ou a sua íntima convicção61.
Segundo Xxxxxx Xxxx Junior62:
Pode estar agindo com boa-fé subjetiva aquele que está num estado de consciência tal, que ignora estar prejudicando um interesse alheio tutelado pelo direito. Implica a noção de entendimento equivocado, um erro que enreda o contratante. Ele acredita que a situação seja regular e essa sua ignorância escusável reside no próprio estado (subjetivo) da ignorância, seja numa errônea aparência de certo ato.
Trata-se de fonte de interpretação da manifestação de vontade unilateral ou negocial (artigos 112 e 113 do Código Civil63) 64.
Entretanto, a boa-fé que constitui inovação no Código de 2002 e trouxe profundas alterações no direito obrigacional é a objetiva, classificada como regra de conduta, de fundo ético e exigibilidade jurídica65.
Nessa linha, Xxxxxxx Xxxxxxxx, citada por Xxxxx Xxxxxx Gagliano66, diferencia as duas espécies:
60 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al., Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral.
– 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 64-65.
61 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.35.
62 Op. cit., p. 480.
63 Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
64 Nelson Nery Junior, op. cit., p. 480.
65 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.35.
A mais célebre das cláusulas gerais é exatamente a da boa-fé objetiva nos contratos. Mesmo levando-se em consideração o extenso rol de vantagens e de desvantagens que a presença das cláusulas gerais pode gerar num sistema de direito, provavelmente a cláusula da boa fé-objetiva, nos contratos, seja mais útil que deficiente, uma vez que, por boa-fé, se entende que é um fato (que é psicológico) e uma virtude (que é moral).
Por força desta simbiose – fato e virtude – a boa-fé se apresenta como a conformidade dos atos e das palavras com a vida interior, ao mesmo tempo que se revela como o amor ou o respeito à verdade. Contudo, observe-se, através da lição encantadora de Xxxxx Xxxxx-Xxxxxxxxx, que a boa-fé não pode valer como certeza, sequer como verdade, já que ela exclui a mentira, não o erro.
O homem de boa-fé tanto diz o que acredita, mesmo que esteja enganado, como acredita no que diz. É por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo. Vale dizer, é uma crença ao mesmo tempo que é uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se crê. É também o que se chama de sinceridade, ou veracidade, ou franqueza, é o contrário da mentira, da hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas, privadas ou públicas, da má-fé.
Esta é a interessante visão da boa-fé pela sua angulação subjetiva; contudo, enquanto princípio informador da validade e eficácia contratual, a principiologia deve orientar-se pelo viés objetivo do conceito de boa-fé, pois visa garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, tutelando a justa expectativa do contraente que acredita e espera que a outra parte aja em conformidade com o avençado, cumprindo as obrigações assumidas. Trata-se de um parâmetro de caráter genérico, objetivo, em consonância com as tendências do direito contratual contemporâneo, e que significa bem mais que simplesmente a alegação da ausência de má-fé, ou da ausência de intenção de prejudicar, mas que significa, antes, uma verdadeira ostentação de lealdade contratual, comportamento comum ao homem médio, o padrão jurídico standard.
Em todas as fases contratuais deve estar presente o princípio vigilante do aperfeiçoamento do contrato, não apenas em seu patamar de existência, senão também em seus planos de validade e de eficácia. Quer dizer: a boa- fé deve se consagrar nas negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na sua conclusão e na sua interpretação. Deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio contratual, se necessário.
A boa-fé objetiva consiste em uma imprescindível regra de comportamento, umbilicalmente ligada à eticidade que se espera seja observada em nossa ordem social. As partes devem guardar entre si a lealdade e o respeito que se esperam de um homem comum.
A esse respeito, pontifica Xxxxxx Nery Junior67 quanto ao seu conteúdo:
A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos
66 Xxxxxxx Xxxxxxxx apud Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al. Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 65-66.
67 Op. cit., p.480.
esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei, fonte de direito, regra jurígena criadora de direitos e de obrigações) de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar.
As partes devem observar a boa-fé, tanto na fase pré-contratual68, das tratativas preliminares ou puntuação, como durante a execução do contrato e, ainda, após a sua execução69. Os deveres anexos gerarão efeitos e subsistirão à própria vigência do contrato70 (pós-eficácia das obrigações71).
Nesse rumo, ainda, é o pensamento de Menezes Cordeiro72:
A boa-fé apenas normatiza certos factos que, estes sim, são fonte: mantenha-se o paralelo com a fenomenologia da eficácia negocial: a sua fonte reside não na norma que mande respeitar os negócios, mas no próprio negócio em si.
(...)
O Direito obriga, então, a que, nessas circunstâncias as pessoas não se desviem dos propósitos que, em ponderação social, emerjam da situação em que se achem colocadas: não devem assumir comportamentos que a contradigam – deveres de lealdade – nem calar ou falsear a actividade intelectual externa que informa a convivência humana – deveres de informação. Embora a estrutura e teleologia básicas sejam as mesmas, adivinha-se a presença de concretizações diversas, consoante os fatos que lhes dêem origem.
68 Civil e processual civil - Embargos de terceiros - Contrato de mútuo celebrado entre a construtora e a CEF - Promessa de compra e venda - Promitentes compradores – Legitimidade – Hipoteca - Ineficácia da penhora - Fraude à execução – Inocorrência - Honorários de advogado - Redução. 1. Os promitentes compradores, em que pese não haver registro da promessa de compra e venda, o qual efetivou-se sob a nomenclatura de promessa de cessão de direitos e obrigações, são partes legítimas para a propositura dos embargos de terceiros, tendo em vista serem possuidores de boa-fé do bem objeto de constrição. 2. Se os embargantes de boa-fé adquiriram imóvel por promessa de cessão de direitos e obrigações, obrigando-se ao pagamento de financiamento e honraram todas as prestações vincendas, não há que falar em fraude à execução, sendo ineficaz a penhora recaída sobre o bem dos adquirentes possuidores, mesmo em face da inadimplência do promitente vendedor junto ao agente financeiro, não havendo que falar, tampouco, em fraude à execução. 3. Prevalece o princípio da boa-fé contratual, segundo o qual as partes devem guardar a boa-fé, tanto na fase pré-contratual, das tratativas preliminares, como durante a execução do contrato e, ainda, depois de executado o contrato, razão pela qual os entabulantes (ainda não contratantes) podem responder por fatos que tenham ocorrido antes da celebração e da formação do contrato (responsabilidade pré-contratual) e os ex-contratantes também, por fatos que decorram do contrato findo. 4. Nas causas em que não houver condenação, deve o valor dos honorários advocatícios ser fixado em conformidade com o parágrafo 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil. 5. Apelação parcialmente provida. (TRF 1ª Região – Ap. Cível 2000.01.00.000662-2 – 3ª Turma Suplementar – 30-9-2004) (grifos nossos)
69 Enunciado 170 da III Jornada de Direito Civil CJF-STJ: “Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.
70 Jornada I STJ 25: “Art. 422: O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”.
71 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
72 Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx, Da boa-fé objetiva no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 646.
A doutrina aponta diversas implicações ou funções da boa-fé objetiva:
a) função interpretativa e de colmatação - permite ao aplicador do direito proceder à interpretação e até a supressão de lacunas eventualmente presentes nos contratos, como em casos de situações não previstas no momento da celebração73. Tem-se, portanto, um referencial hermenêutico, para que se possa extrair da norma o sentido moralmente mais recomendável e socialmente mais útil. Deverá, por exemplo, o magistrado raciocinar como uma pessoa de boa-fé objetiva celebraria aquele contrato74;
b) função delimitadora do exercício de direitos subjetivos - de acordo com esta função, a boa-fé objetiva evitar o exercício abusivo dos direitos subjetivos (abuso de direito). Exige de seus proprietários o dever de exercê-los de modo razoável e limitado, agindo de acordo com o seu contexto e a sua função social, relativizando-os75. Aqui estão as denominadas cláusulas leoninas ou abusivas, quem em muitos casos podem ser consideradas atos ilícitos76;
c) função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção - o contrato não se esgota apenas nas principais obrigações das partes dentro de um contrato, ou as chamadas cláusulas centrais ou nucleares. A boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres que não são os centrais ou nucleares, mas que estão anexos, laterais, marginais aos contratos, e que grande parte das vezes não foram redigidos. Eles decorrem da justa expectativa existente nas relações sociais de lidar com pessoas íntegras e probas77. São os chamados deveres de proteção aos contratantes, a exemplo dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo, informação etc.78
73 Jornada I STJ 26: “Art. 422: A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes”.
74 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Implicações práticas da boa-fé objetiva. In: Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al. (coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 118. 75 Jornada I STJ 27: “Art. 422: Na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos”.
76 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 118-119.
77 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 116-117.
78 Apelação cível - Ação de rescisão de contrato cumulada com perdas e danos - Responsabilidade pré-contratual - Teoria da culpa ‘in contrahendo’ - Cessão de cotas sociais - Inexistência de contrato - Conduta da ré compatível com a boa-fé objetiva. Induvidosa a possibilidade de reconhecer-se a responsabilidade pré-contratual ou culpa ‘in contrahendo’, daquela parte que rompe imotivadamente relação jurídica notadamente existente, embora ainda não consubstanciada em contrato escrito. Tal possibilidade repousa na tutela da confiança que o contratante lesado depositou no vínculo, bem
2.5.1 Deveres Anexos
A boa-fé objetiva também tem a importante função criadora de deveres anexos ou de proteção. Conforme explicitado acima, tais deveres não dependem de previsão contratual ou de circunstâncias passíveis de sua aplicação, servindo, portanto, de fundamento normativo.
Assim, a enumeração destes deveres não pode ser exaustiva e geralmente dizem respeito à segurança dos contratantes, ao sigilo, à intimidade e à vida privada do cidadão, às informações sobre os termos contratados, ao zelo e a lealdade com que os contratantes devem guardar reciprocamente79.
Nessa mesma linha de intelecção, é o magistério de Judith Martins-Costa80:
Entre os deveres com tais características encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum; o do consultor financeiro, de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico de esclarecer ao paciente sobre a relação de custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré- contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC, arts. 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, v. g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento
como no fato do outro contraente não ter agido de acordo com a boa-fé objeto, ou seja, desconsiderando a pessoa do ‘alter’ e renegando deveres anexos ao contrato propriamente dito, como o dever de informação, de lealdade, de honestidade, de diligência – verdadeiros preceitos éticos que devem reger não apenas as relações negociais, mas a vida em sociedade. Na casuística apresentada, embora existentes negócios entre as partes, não restou provado nos autos ter a Apelada despertado na recorrente a expectativa quanto a compra de suas cotas sociais. Outrossim, a conduta empreendida pela COTRIJUI demonstra ter estudado com apuro a viabilidade e oportunidade da compra da empresa recorrente que, induvidosamente, estava a passar por dificuldades financeiras, mandando, inclusive, fazer auditoria na mesma. Logo, não tem a Apelada responsabilidade pré-contratual, uma vez que,’in casu’, não restou comprovada a existência de pré- contrato, bem assim sua conduta não afronta a boa-fé objetiva. Apelo improvido” (TJRS, Ap. Cív. 599418266, Rel. Desa. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx, julgado em 20-12-2000, 2ª Câmara Especial Cível).
79 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 117.
80 Judith Martins-Costa apud Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al. Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 68.
comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares, pagamento, por parte do devedor etc.
Os deveres mais conhecidos que podemos ilustrar são: lealdade e confiança recíprocas, assistência, informação, sigilo ou confidencialidade.
2.5.1.1 Deveres de Lealdade e Confiança Recíprocas
Os deveres de lealdade e confiança81 são comumente designados de deveres anexos gerais de uma de relação contratual.
Trata-se, aqui, de fidelidade aos compromissos contratuais assumidos, respeitando-se os princípios e regras que orientam a honra e a probidade. Isto deve estar implícito em qualquer relação jurídica82.
A noção de lealdade baseia-se nas relações fundadas em transparência e verdade, com a devida correspondência entre a vontade exteriorizada e a conduta praticada83, sem qualquer omissão dolosa84. Há íntima ligação com o dever anexo de informação, pois deve haver confiança85 entre as partes, ou seja, segurança jurídica, demonstrando de maneira cristalina os direitos e deveres de cada um86.
00 Xxxxxxx XX XXX 000: “Art. 422. A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil”. 82 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al. Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral. –
4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 71.
83 Ação Revisional de Contrato - Contrato de Mútuo. I. É inviável a revisão de contrato extinto. Incidência da novação (art. 999, I, do anterior Código Civil, ou art. 360, I, do atual diploma). II. Obtenção do mútuo e ajuizamento da ação revisional. Pagamento de apenas uma das doze prestações do contrato. Ademais, o autor não demonstrou a intenção sequer de efetuar o depósito judicial das prestações no valor que entende correto, sem os encargos alegadamente abusivos. III. Lide temerária. Infringência aos princípios da lealdade, de probidade e da boa-fé, que devem nortear as relações contratuais de consumo. O princípio da boa-fé é exigido tanto do consumidor quanto do fornecedor (art. 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor). Apelação desprovida.” (TJRS, Ap. Cív. 70008063398, rel. Des. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 28-4-2004, 11ª Câmara Cível)
00 Xxxxxxx XX XXX 000: “Art. 422. Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação”.
85 Processual Civil. Civil. Recurso Especial. Prequestionamento. Condomínio. Área comum. Utilização. Exclusividade. Circunstâncias concretas. Uso prolongado. Autorização dos condôminos. Condições físicas de acesso. Expectativa dos proprietários. Princípio da boa-fé objetiva. O Recurso Especial carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido. Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local,
Pablo Stolze Gagliano87, citando Xxxxxxx Xxxxxxxx, ressalta a sua importância:
Na sua falta, qualquer sociedade se esboroa. Em termos interpessoais, a confiança instalada coloca os protagonistas à mercê uns dos outros: o sujeito confiante abranda as suas defesas, ficando vulnerável. Seguidamente, todos os investimentos, sejam eles econômicos ou meramente pessoais, postulam a credibilidade das situações: ninguém dá hoje para receber (apenas) amanhã, se não houver confiança nos intervenientes e nas situações. Por fim, a confiança e a sua tutela correspondem a aspirações éticas elementares. A pessoa defraudada na sua confiança é, desde logo, uma pessoa violentada na sua sensibilidade moral. Paralelamente, o agente que atinja a confiança alheia age contra um código ético imediato.
2.5.1.2 Dever de Assistência
Quanto ao dever de assistência, também conhecido como dever de cooperação, as partes devem colaborar de boa-fé para a correta execução do contrato, em toda a sua extensão, e está intimamente ligado à obrigação de minimizar os danos88.
Assim também deve agir o credor em não dificultar o pagamento ou o recebimento do crédito a que tem direito, exigindo daquele uma conduta negativa89.
e estavam autorizados por Assembléia condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé objetiva. (STJ, REsp 356821/RJ; Recurso Especial 2001/0132110-4, DJ, 05-08- 2002, p. 334, RSTJ, 159/366, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, data da decisão 23-4-2002, 3.ª Turma)
86 CRT. Aquisição de ações. Ação proposta por acionistas que pretendem diferença de ações a que teriam direito. Ocorrência de coisa julgada material. Negócios realizados mediante contratos de participação financeira, conforme portaria n. 1361/76 e na portaria 86/91. Caracterizada a inexistência da lealdade contratual no contrato original. Necessidade de preservação do princípio da boa fé ante a inexistência de cláusula prevendo a correção do capital integralizado. Diferença deferida com base em índices oficiais e no IGP-M. Inexistência de prejuízo no contrato firmado sob a égide da portaria 86/91. Apelo provido parcialmente. Unânime. (TJRS, Ap. Cív. 70006912810, rel. Des. Xxxxx Xxxxxx, julgado em 9-6-2004, 20ª Vigésima Câmara Cível)
87 Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx apud Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al. Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 72.
88 Xxxxxxxxx Xxxxx; Xxxxxxx Xxxxxxx, Responsabilidade civil nas negociações preliminares: boa-fé, deveres anexos e relações negociais. In: XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxx; XXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxx (coords.). Responsabilidade civil contemporânea: em homenagem a Sílvio de Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: Atlas, 2011, p. 279.
89 Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não
2.5.1.3 Dever de Informação
O dever de informar é uma imposição moral – imperativo de lealdade90 – e jurídica da necessidade de comunicação aos contratantes a respeito de todas as características e circunstâncias do negócio, qualidades, riscos, objeto91, entre outros dados, de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões. É um dever exigido mesmo antes do início de qualquer relação92.
Pablo Stolze Gagliano93 ressalta que a violação ao dever de informação não exige a configuração específica de dolo ou culpa, uma vez que as regras decorrentes da boa-fé têm ampla aplicação, não exigindo pressuposto fático precisamente tipificado em que se insere a culpa ou o dolo.
Essa é a posição firmada no Enunciado 24, da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal/STJ: “Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art.
422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.
conhecido.” (STJ, REsp. 272.739/MG, Recurso Especial (2000/0082405-4) DJ, 2-4-2001, p. 299, JBCC, 200/126, RSTJ, 150/398, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, data da decisão 1-3-2001, 4.ª Turma)
90 Responsabilidade civil. Resilição unilateral de contrato de cheque especial. Ausência de prévia informação ao correntista. Dever de indenizar, conquanto tenha o cliente dado causa ao emitir cheques acima do limite estabelecido. Dano moral. Critério para sua fixação. Falha no serviço do banco ao deixar de comunicar ao correntista do cancelamento do limite do cheque especial, não lhe oferecendo oportunidade para eventual sustação dos cheques que se encontravam em circulação. Xxxx ensejador de dano moral, pois que atingiu a honra do correntista. Registro negativo nos cadastros do SERASA. Inobservância da regra contida no artigo 43, § 2º, do CDC, que determina a comunicação, por escrito, ao consumidor, da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo. Recurso do autor, em parte, provido. Improvido o do banco” (TJRS, Ap. Cív. 70002976298, rel. Des. Clarindo Favretto, julgado em 13-12-2001, 5.ª Câmara Cível).
91 Recurso especial. Processual civil. Instituição Bancária. Exibição de documentos. Custo de localização e reprodução dos documentos. Ônus do pagamento. O dever de informação e, por conseguinte, o de exibir a documentação que a contenha é obrigação decorrente de lei, de integração contratual compulsória. Não pode ser objeto de recusa nem de condicionantes, face ao princípio da boa-fé objetiva. Se pode o cliente a qualquer tempo requerer da instituição financeira prestação de contas, pode postular a exibição dos extratos de suas contas correntes, bem como as contas gráficas dos empréstimos efetuados, sem ter que adiantar para tanto os custos dessa operação” (STJ – REsp 330.261, Recurso Especial (2001/0080819-0), DJ, 8-4-2002, p. 212, JBCC, 200/116, RSTJ, 154/350, rel. Xxx Xxxxx Xxxxxxxx, data da decisão 6-12-2001, 3.ª Turma).
92 Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, Curso de direito do consumidor. – 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 136.
93 Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral. – 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 75.
2.5.1.4 Dever de Sigilo ou Confidencialidade
Se, de um lado, é extremamente importante a prestação de informações completas e suficientemente claras para que haja o maior equilíbrio possível na negociação, de outro, deve haver sigilo por parte dos entabulantes acerca de quaisquer dessas informações que sejam potencialmente lesivas para a contraparte, ainda que o contrato não venha a ser firmado94.
Surge, então, a necessidade de uma relação especial de confidencialidade entre si visando à proteção de segredos industriais e de informações estratégicas, que podem acarretar consequências patrimoniais em caso de sua quebra.
94 Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, Responsabilidade pré e pós-contratual à luz da boa-fé. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2003, p. 236-237.
3 CONTRATO DE FRANQUIA
3.1 Origem
A palavra franchising é derivada do francês franchisage, referente ao privilégio existente na época do feudalismo, em que se concedia autonomia aos Estados e aos súditos. As cidades franqueadas eram aquelas que podiam usar um privilégio ou vantagem até então reservados apenas aos senhores feudais. Assim, cidade franche ou franchisée (franqueada) era aquela em que havia livre circulação de pessoas e bens que por ela transitassem95.
Este conceito foi redescoberto pelos americanos, no final do século passado, como um moderno sistema de distribuição.
Grande parte da doutrina atribui a origem do contrato de franquia ao espírito empreendedor do empresário norte-americano, notadamente com a empresa Singer Sewing Machine Company, sediada em Stamford, Connecticut, nos Estados Unidos da América, por volta do ano de 186096. Essa grande indústria de máquinas de costura, para ampliar sua rede de distribuição de produtos sem a necessidade de utilizar recursos próprios, outorgou franquias a pequenos comerciantes, que, então, passaram a comercializar seus produtos em lojas denominadas “Singer”, arcando com as despesas e riscos. Com o sucesso da medida, o sistema se expandiu pelo mundo97.
O sistema de franquias teve significativo crescimento após a Segunda Guerra Mundial, quando militares e ex-combatentes regressaram aos Estados Unidos sem capital e necessitavam ser absorvidos pelo mercado de trabalho. Tal estrutura permitiu que se estabelecessem com autonomia, com negócio próprio, utilizando-se de uma estrutura comercial já formada98.
No Brasil, conforme aponta Ana Cláudia Redecker99, o pioneiro em franquia empresarial foi Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx, fabricante de calçados, que, em 1910,
95 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Franquia empresarial. São Paulo: Memória Jurídica, 2002, p. 26-27.
96 Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 605.
97 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 664.
98 Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 605.
99 Op. cit., p.31.
utilizou práticas que hoje são responsáveis pelas atividades de franquia para ampliação de vendas.
Atualmente, o franchising é adotado em todo o mundo, incluindo Rússia e China, havendo milhares de franqueados nos mais diversos ramos, como atividade industrial, comercial e de prestação de serviços.
Maria Helena Diniz100 aponta os fatores que levaram este instituto a se tornar expoente no mercado mundial:
O franchising é vantajoso para ambas as partes, pois possibilita ao franqueado a expansão de seus negócios com baixos investimentos, e ao franqueado a oportunidade de ser seu próprio patrão, de ser dono de sua empresa, com riscos bem menores do que os enfrentados por aqueles que se aventuram no autoempresariamento sem contar com auxílio de alguém com experiência, proprietário de uma grande marca. E, além disso, permite ao consumidor beneficiar-se da qualidade uniforme do produto ligado a uma marca conhecida e a método já experimentado.
3.2 Definição
A qualificação ou a natureza jurídica de um instituto é estabelecida pela sua essência, expressa em sua definição.
A natureza jurídica de uma relação jurídica negocial é encontrada na determinação das prestações que constituem o objeto das obrigações principais assumidas pelas partes.
Assim, compreender o conceito de franquia é essencial para a análise das diversas e complexas relações decorrentes deste contrato.
A palavra franchise, em inglês, advém do verbo francês franchir, que significa libertar ou liberar, dar imunidade a alguém originalmente proibido de praticar certos atos. Juridicamente, portanto, significa um direito concedido a alguém101.
Para compreendermos o conceito será preciso trazer à baila os doutrinadores que sempre brilhantemente explicaram esta forma de relação empresarial.
Nos dizeres de Fran Martins102:
100 Tratado teórico e prático dos contratos. volume IV. – 6. ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 50.
101 Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 605.
102 Contratos e obrigações comerciais – 00x xx. - Xxx xx Xxxxxxx: Forense, 2002, p 486.
Franchising é o contrato que liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade sem que, contudo, a esses estejam ligadas por vínculo de subordinação.
No mesmo sentido, utilizando-se de notáveis ilustrações, Xxxxx Xxxxxx Diniz103 preleciona:
Franquia ou franchising é o contrato pelo qual uma das partes (franqueador ou franchisor) concede, por certo tempo, à outra (franqueado ou franchisee) o direito de usar a marca, transmitindo tecnologia (p.ex. General Motors, Coca-Cola), de comercializar marca, desenvolvendo rede de lojas (p.ex., lojas Benetton, O Boticário etc.), serviços (p.ex., o de hotelaria – Hilton, Holliday Inn, Sheraton; de ensino – Follow Me, CCAA, Yázigi; o de restaurante e lanchonete – McDonald’s, Pizza Hut, Casa do Pão de Queijo, Amor aos Pedaços, Café do Ponto etc.) ou produto que lhe pertence, com assistência técnica permanente, recebendo, em troca, certa remuneração.
Aduz Fábio Ulhoa Coellho104:
A franquia é um contrato pelo qual um empresário (franquiador – franchisor) licencia o uso de sua marca a outro (franquiado – franchisee) e presta-lhe serviços de organização empresarial, com ou sem venda de produtos. Através deste tipo de contrato, uma pessoa com algum capital pode estabelecer-se comercialmente, sem precisar proceder ao estudo e equacionamento de muitos dos aspectos do empreendimento, basicamente os relacionados com a estruturação administrativa, treinamento de funcionários e técnicas de marketing. Isto porque tais aspectos encontram- se já suficiente e devidamente equacionados pelo titular de uma marca de comércio ou serviço e lhe fornece os subsídios indispensáveis à estruturação do negócio.
A Corte de Apelação de Paris105, em decisão de 28.04.1978, definiu o
franchising desta forma:
Um método de colaboração entre duas ou várias empresas comerciais, uma franqueadora, outra franqueada, pelo qual a primeira, proprietária de um nome ou razão social conhecidos, siglas, símbolos, marca de fábrica, comércio ou de serviços, bem como de savoir-faire particular, coloca à disposição de outra o direito de utilizar, mediante um pagamento ou outra vantagem, uma coleção de produtos ou de serviços, originais ou específicos, para explorar obrigatoriamente e totalmente segundo técnicas comerciais experimentadas, desenvolvidas e periodicamente recicladas, de uma maneira exclusiva, para o fim de realizar um melhor impacto sobre um mercado considerado e de obter um crescimento acelerado da atividade comercial das empresas envolvidas; esse contrato pode ser acompanhado de uma ajuda industrial, comercial ou financeira, permitindo a integração na atividade comercial do concedente franqueador em benefício do franqueado iniciado em uma atividade técnica original e num savoir-faire fora do
103 Curso de direito civil brasileiro, Vol. 3: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais – 19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003, p 687-688.
104 Manual de direito comercial: direito de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p 439-440.
105 Xxxxx Xxxx, Contrato de “franchising”. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 29.
comum, permitindo a manutenção da imagem de marca do serviço ou produto vendido e o desenvolvimento da clientela por menor custo e com uma maior rentabilidade para as duas partes, que conservam juridicamente uma independência total.
A International Franchise Association (IFA)106 define o franchising nos seguintes termos:
Franchising is a method of distributing products or services. At least two levels of people are involved in a franchise system: (1) the franchisor, who lends his trademark or trade name and a business system; and (2) the franchisee, who pays a royalty and often an initial fee for the right to do business under the franchisor's name and system. Technically, the contract binding the two parties is the “franchise,” but that term is often used to mean the actual business that the franchisee operates.
A Associazione Italiana del Franchising107 concebe-o da seguinte forma:
L'affiliazione commerciale ("franchising") il contratto che interviene fra l'Affiliante ed un soggetto economicamente e giuridicamente indipendente. In base a questo contratto una parte mette a disposizione dell'altra, verso un corrispettivo, un insieme di diritti di proprietà industriale o intellettuale relativi a marchi, segni distintivi, insegne, modelli di utilità, Know-how, brevetti, assistenza o consulenza tecnica e commerciale, inserendo l'affiliato in un sistema costituito da una pluralità di affiliati distribuiti sul territorio allo scopo di commercializzare determinati beni o servizi.
Jorge Lobo108, no mesmo diapasão:
Franchising é o contrato de cessão temporária de uso de marca, para fabricação ou venda de produtos ou serviços, que o franqueador faz ao franqueado, com ou sem exclusividade em determinada zona geográfica, mediante remuneração, que pode consistir numa taxa inicial de ingresso, num percentual sobre o faturamento, ou de ambos, com a garantia de assistência técnica podendo, ainda, abranger, conforme o tipo de atividade, a elaboração de um projeto para construção e reforma das instalações do estabelecimento, mobiliário, cores, maquinaria etc. (engineering), o treinamento do pessoal do franqueado e montagem da organização contábil e administrativa (management) e o estudo do mercado em potencial, publicidade, vendas proporcionais e lançamento de produtos (marketing).
Por fim, a Lei nº 8.955/94, que regulou o que denomina franquia empresarial, assim a define, in verbis:
Art. 2º - Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de
106 Frequently Asked Questions About Franchising. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxx?xxx00000>. Acesso em: 07 jul. 2011.
107 Glossario. Disponível em <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xx/xx/xxxx-xx-xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxxx>. Acesso em: 07 jul. 2011.
108 Op. cit., p. 32.
distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.
Em suma, a franquia é o contrato pelo qual um comerciante detentor de uma marca ou produto concede, mediante remuneração, o seu uso a outra pessoa e lhe presta serviços de organização empresarial109. Franqueador é a pessoa jurídica que outorga sua marca, seus produtos e serviços e o franqueado é a pessoa física ou jurídica adquirente dessa outorga110.
3.3 Natureza Jurídica
Na operação jurídica que recebe o nome de franquia, convergem diversos elementos heterogêneos, os quais, individualmente considerados, integram diversos tipos contratuais, mas que, reunidos nesta operação, distinguem-se do tipo contratual ao qual pertencem e integram-se formando uma unidade contratual diferenciada111.
Xxxxxx xx Xxxxx Venosa112 alerta para o fato de que o contrato de franquia é composto por um plexo negocial muito amplo, o que lhe aproxima de diversos contratos típicos e atípicos, como locação, compra e venda, licenciamento de marcas, assistência técnica, cessão de know-how, mandato, comissão, prestação de serviços, entre outros.
Na mesma toada, Jorge Lobo113 ressalta a divergência existente na doutrina, havendo os mais diversos tipos de tratamento: contrato de trabalho, de propriedade industrial, preliminar ou normativo, de concessão comercial, de cooperação entre empresas, de licença comercial, de distribuição, de adesão, atípico.
Portanto, o contrato de franquia é um contrato complexo, vez que possui em seu conteúdo diversas relações que, por si só, poderiam caracterizar-se como
109 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 664.
110 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 542.
111 Xxxxxxx Xxxx, Franquia pública. São Paulo: Editora Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, p. 28.
112 Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 607.
113 Op. cit., p. 37.
contratos autônomos e que reunidas identificam um tipo contratual próprio e específico.
O que se pode observar é que o franchising é um sistema que permite a cooperação entre empresas com vistas a maximizar os resultados operacionais de ambos os interessados.
3.4 Características
O contrato de franquia pode ser classificado como consensual, típico ou atípico, misto, bilateral ou sinalagmático, oneroso, comutativo, intuitu personae, de trato sucessivo ou de execução continuada e de adesão.
Consensual, por depender e se tornar perfeito e acabado com a simples manifestação de vontade do franqueador e do franqueado.
Há divergência entre os autores quanto à classificação do contrato. Segundo alguns, o contrato de franquia é atípico. Para outros, ele é típico.
É necessário esclarecer que as expressões típico ou nominado e atípico ou inominado não são sinônimas. Carlos Roberto Gonçalves114 ressalta que as relações jurídicas se aperfeiçoam sob formas especialmente disciplinadas na lei, sendo os contratos nominados aqueles que possuem designação própria. Contratos inominados seriam aqueles que não têm denominação própria, ou seja, não têm um nome no ordenamento jurídico. Contratos típicos são aqueles regulados pela lei, com perfil nela traçado. Contratos atípicos são os decorrentes de acordo de vontades, não tendo suas características e requisitos definidos e regulados na lei.
A celeuma tem como fundamento o advento da Lei n. 8.955/94, que dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising). Entretanto, a despeito de ter disciplinado alguns de seus aspectos e lhe conferir um nomen juris, a norma não definiu os direitos e deveres dos contratantes, sendo que as relações continuam regidas exclusivamente pelas cláusulas convencionadas115.
114 Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 91.
115 Id., Ibid., p. 666.
A melhor doutrina, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho116, entende que:
A lei n. 8.955, de 1994, embora discipline determinados aspectos da franquia, não a tornou modalidade de contrato típico. Ao contrário, as relações entre franquiador e franquiado continuam regendo-se exclusivamente pelas cláusulas contratualmente pactuadas. O que o legislador estabeleceu, com esse diploma, foi a regra de absoluta transparência nas negociações que antecedem a adesão do franquiado à franquia.
Bilateral ou sinalagmático, por conter obrigações recíprocas entre as partes.
Oneroso, porque uma das partes sofre um sacrifício patrimonial correspondente em uma vantagem que pleiteia.
Comutativo, pois cada contratante conhece e identifica seus proveitos e obrigações, apesar de existirem cláusulas com certa aleatoriedade117.
Intuito personae, pois a franquia é concedida após processo seletivo, em que as características pessoais do aspirante é que determinam a sua aceitação ou eleição, e só por sua causa existe o contrato118.
A execução continuada se dá pela duração do contrato, seja o seu prazo mais ou menos longo.
A adesão é quase sempre uma de suas características. Para Sílvio de Salvo Venosa119, “o franqueador somente admite no negócio quem aceitar seus termos, com exigência de obediência contínua a determinado padrão de conduta”.
A esse propósito, Xxxxxx Abrão120 obtempera nas seguintes palavras:
O contrato de franquia comercial é por xxxxxx, uma vez que o franqueador
– parte economicamente mais forte – o impõe ao franqueado: o concessionário não é o senhor de sua política de venda. Os métodos de venda, as promoções, tudo é decidido e previsto por seu fornecedor, que decide acerca da apresentação de sua insígnia ao público, da aparência de seu pessoal, de seus preços. É verdade que o franqueado é um comerciante independente, mas cláusulas contratuais são dispostas pelo franqueador como controles que o beneficiam: “o melhor método para o sucesso da franquia é uma feliz aplicação de controles pelo franqueador – controles que não são restritivos, mas que beneficiam o franqueado”. É por isso que se disse que “a good franchise will never permit a franchisee complete freedom”. Na realidade, para entrosar-se na franquia, o franqueado renuncia em parte à sua liberdade de comerciante autônomo, mas essa renúncia é considerada como redundando em seu próprio
116 Manual de direito comercial: direito de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 441.
117 Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 611. 118 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 42. 119 Op. cit., p. 607.
120 Xxxxxx Xxxxx apud Xxxxx Xxxx, op. cit., p. 38-39.
xxxxxxxxx, uma vez que dá margem à inserção da assistência e proteção ao franqueador: “O concessionário se torna um comerciante livremente associado que aliena provisoriamente sua liberdade para consagrá-la exclusivamente à distribuição de um produto ou marca. O produto transita em seu negócio, é vendido o mais frequentemente ao preço do catálogo do fornecedor, em embalagens e condições impostas, sempre as mesmas etc. Embora não se possa dizer que haja um contrato padronizado de franquia comercial – “there is not now, never has been, and probably never will be anything resembling a ‘standard’, or ‘average’, or ‘typical’ franchise contract”
– existem contudo, cláusulas essenciais, tais como “prazo, localização, taxas, quotas de venda e territorialidade”. Esta última, devido às suas diversas modalidades, comporta um exame mais detalhado.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Bojunga121 visualiza dois momentos diversos nos contratos de adesão:
Num primeiro momento, o franqueador elabora um sistema para rede de franquia, redigindo cláusulas contratuais abstratas que irão reger o conteúdo das relações contratuais que pretende concluir, de forma uniforme, com os candidatos à franquia. Em momento posterior, o candidato adere ao sistema, podendo negociar, criando-se entre as partes uma relação sinalagmática.
Assim sendo, no contrato de franquia, o livre consentimento cede espaço ao princípio da adesão. Isto é necessário para fortalecer a prática contratual estabelecida, indispensável para o êxito do negócio franqueado. Logo, o franqueado não participa da elaboração do conteúdo do contrato, pois ao franqueador cabe estabelecer as diretrizes do negócio, com o intuito de beneficiar e proteger seu sistema de franquia122.
Ana Cláudia Redecker123 salienta que:
Esse mecanismo beneficia a finalidade última do franqueador, ou seja, a constituição de uma rede de lojas homogêneas, mas também, a cada um dos franqueados, os quais se ligam em consideração à organização de uma rede cujos membros ficam submetidos a um estatuto tal que não permite substanciais diferenças de tratamento entre aqueles que a integram.
Consequentemente, ao franqueado, diante das cláusulas contratuais apresentadas pelo franqueador, não possui outra alternativa que aceitá-las em bloco ou desistir de contratar. A ideia de contratualidade pela adesão, meramente formal, aperfeiçoa-se com o livre consentimento do franqueado.
121 Natureza jurídica do contrato de franchising. Volume 653. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 170.
122 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 45.
123 Op. cit., p. 46.
3.5 Espécies de Franquia
De acordo com as experiências e o processo evolutivo decorrentes do contrato de franquia, é possível identificar diversos tipos e formas deste contrato. Apesar de não haver consenso na doutrina, podemos classificá-las sob três aspectos: quanto à forma de gestão empresarial; quanto ao âmbito do contrato; e quanto à natureza do franqueamento.
3.5.1 Quanto à Forma de Gestão Empresarial
3.5.1.1 Franquia de Marca ou de Produto
Franquia de produção é aquela em que os produtos comercializados são fornecidos ou fabricados pelo franqueador ou outros fabricantes-fornecedores autorizados124.
3.5.1.2 Franquia do Negócio Formatado (Business Format Franchising)
No business format franchising o franqueador transfere ao franqueado todas as informações necessárias para desenvolvimento de um negócio-atividade de sucesso, inclusive quanto à sua implantação e operacionalização125.
É concedida ao franqueado toda a competência e estrutura do negócio. O franqueador desenvolve um negócio cujo modelo formatado é transferido aos franqueados, os quais deverão seguir uma espécie de regras. Concede- se o uso da marca registrada, nome comercial, logotipo, planos de comercialização, assistência técnica etc. O pagamento ao concedente é feito geralmente com uma taxa inicial e pagamento periódico de royalties. Nessa modalidade, o controle exercido pelo franqueador é rígido, não permitindo autonomia ao franqueado, que deve submeter-se à estrutura previamente estabelecida126.
124 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 35.
125 Xxxxx Xxxx, op. cit., p. 34.
126 Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 606.
3.5.2 Quanto ao Âmbito do Contrato
3.5.2.1 Franquia-Mestre (Master Franchising)
O franqueador original, visando à expansão do seu negócio, delega a uma empresa local o direito de subfranquear. “É a técnica segundo a qual um franqueador repassa a uma outra pessoa (master franqueado) o direito, em um determinado território, de exercitar poderes normalmente reservados ao franqueador”127.
A master franquia é meio de alavancagem de um sistema de franquia, simultaneamente em paralelo, em vários mercados, mediante a associação para exploração de uma área cuja ocupação demanda recursos que não estejam diretamente disponíveis pelo franqueador, não importando seu tamanho, ou que implique uma dispersão indesejada de esforços do franqueador, se ocupada de forma convencional de franquia unitária128.
3.5.2.2 Franquia de Desenvolvimento de Área (Area Development Franchise)
É a franquia em que o franqueado é contratado para desenvolver sua marca em pontos de venda de determinados territórios para serem franqueados a xxxxxx000.
3.5.2.3 Franquia de Canto (Corner Franchise)
Esta modalidade é caracterizada pelo desenvolvimento de um negócio em uma área parcial e específica da loja do franqueado (shop in shop).
Com o contrato de franquia de canto, um comerciante tradicional aceita dedicar-se em parte, por exemplo, a um ângulo da superfície do seu próprio negócio para a venda de produtos fabricados ou selecionados pelo franqueador130.
127 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 60.
128 Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx, apud Xxxxx Xxxx, op. cit., p. 35-36.
129 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 37.
130 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 63.
3.5.3 Quanto à Natureza do Franqueamento
3.5.3.1 Franquia de Produtos
Nesta espécie de franquia, o franqueador é um produtor de bens reconhecidos no comércio que por meio de seus franqueados busca assegurar a venda e a distribuição de tais produtos em um determinado território, nacional ou internacional, adquirindo os franqueados o direito ao uso da marca131.
3.5.3.2 Franquia de Serviços
Na franquia de serviços, que poderá ser a propriamente dita, o franqueado reproduz e vende as prestações de serviços inventadas pelo franqueador, e a do tipo hoteleiro, que abrange escolas, hotéis, restaurantes, lanchonetes, tendo por objetivo fornecer serviços a certo segmento de clientela132.
3.5.3.3 Franquia de Distribuição
A franquia de distribuição ou de comércio visa o desenvolvimento de lojas com aspectos idênticos, sob um mesmo símbolo, aplicado na comercialização ou distribuição de artigos similares de grande consumo. O franqueado vende os produtos do franqueador, mantendo a sua marca, enquanto o franqueador busca o contínuo aperfeiçoamento do método de comercialização133.
3.5.3.4 Franquia Industrial
A franquia industrial refere-se à fabricação de produtos ou bens nos exatos termos acordados, após o franqueador conceder-lhe o que é necessário para tanto. Trata-se de uma colaboração industrial e comercial, por haver transferência de tecnologia com a consequente comercialização e distribuição de produtos para os
131 Xxxxx Xxxx, op. cit., p. 34.
132 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Tratado teórico e prático dos contratos. volume IV. – 6. ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 54.
133 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 667.
franqueados. Envolve licença de marca, licença de produção baseada em patente ou sobre know-how técnico/comercial134.
3.6 Circular de Oferta de Franquia (COF)
Um dos princípios fundamentais que regem o contrato de franquia, corolário do princípio da boa-fé contratual, é a chamada disclosure, pela qual o franqueador tem a obrigação pré-contratual de fornecer todas as informações necessárias para que o candidato a franqueado tenha condições de analisar com a antecedência necessária todas as nuances do negócio135.
Nos dizeres de Xxxxxx xx Xxxxx Venosa136:
A disclosure encerra a noção de revelação, informação, tornar público, conhecido. É instituto proveniente do direito norte-americano. Entre nós, podemos definir a disclosure como um fator de proteção à lisura e boa-fé dos negócios e do mercado.
Para garantir o respeito aos interesses e direitos daqueles que eventualmente desejem atender à oferta de franquia, viu por bem o legislador instituir – no artigo 3º da Lei 8.955/94 – um procedimento civil, extrajudicial, obrigatório, qual seja, a emissão pelo franqueador de uma circular de oferta de franquia137.
Dispõe o item 3 do Código de Autorregulamentação do Franchising, produzido pela Associação Brasileira de Franchising – ABF, uma breve definição da chamada circular de oferta de franquia:
Circular de Oferta de Franquia (C.O.F.): documento elaborado pelo Franqueador segundo as exigências legais, que deve ser entregue ao candidato a Xxxxxxxxxx, visando informá-lo a respeito dos aspectos mais relevantes da Franquia que pretenda adquirir (art. 3º da Lei 8955/94).
A circular de oferta de franquia é um documento prévio, elaborado pelo franqueador, que contém, pormenorizadamente, as condições gerais do negócio e seu conteúdo passa a integrar todos os contratos futuros que vierem a ser
134 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 66.
135 Xxxxxxx X. Bertoldi, Curso avançado de direito comercial. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 762-763.
136 Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 604-605.
137 Gladston Mamede, Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. vol. I. São Paulo: Atlas, 2004, p. 310.
celebrados com os franqueados, servindo de elemento para a interpretação destes contratos.
A ratificar o acima expendido, Fábio Ulhoa Coelho138 preconiza:
Reúnem-se na COF as informações, dados, elementos e documentos capazes de apresentar aos interessados na franquia um completo quadro da situação em que se encontra a rede e a exata extensão das obrigações que serão assumidas pelas partes, caso vingue o contrato. A COF deve apresentar o conteúdo exigido pela lei (art. 3.º), conter somente informações verídicas, e ser entregue ao interessado em aderir ao sistema, com a antecedência mínima de dez dias, sob pena de anulabilidade do contrato que vier a ser firmado, devolução de todos os valores pagos a título de filiação e royalties, além de indenização (art. 4.º).
A importância da circular de oferta de franquia pode ser observada pelo tratamento despendido pela Associação Brasileira de Franchising, que ao elaborar o chamado Código de Ética, preocupou-se em exigir uma relação clara e transparente, pautada na boa-fé dos contratantes, conforme se verifica através da leitura de seu item de n. 6:
Em conformidade com a Lei 8.955/94, todas as informações sobre a franquia, bem como aquelas relevantes para o relacionamento entre franqueador e franqueado, devem ser fornecidas aos candidatos e franqueados através de documentos por escrito, estabelecendo claramente todos os princípios dessa relação, suas particularidades, direitos, obrigações e respectivas responsabilidades, precedendo sempre a qualquer compromisso formal entre as partes.
No mesmo sentido, Celso Marcelo de Oliveira139 afirma que “tal circular tem função similar aos editais das licitações públicas, estabelecendo relações transparentes entre franqueador e franqueado, e isonômicas entre esses”.
Nos termos do artigo 3º da Lei de Franquias, sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, sendo que qualquer dúvida no seu texto deverá ser interpretada em desfavor do franqueador, pois caracteriza desrespeito à determinação legal, e deverá conter, obrigatoriamente, as seguintes informações:
I - histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos nomes de fantasia e endereços;
138 Curso de direito comercial. vol. I. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127.
139 Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: XXX, 0000, p. 461.
II - balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios;
III - indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da franquia;
IV - descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;
V - perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente;
VI - requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;
VII - especificações quanto ao:
a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação e entrada em operação da franquia;
b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e
c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento;
VIII - informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:
a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties);
b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial;
c) taxa de publicidade ou semelhante;
d) seguro mínimo; e
e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam ligados;
IX - relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço e telefone;
X - em relação ao território, deve ser especificado o seguinte:
a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e
b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações;
XI - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores;
XII - indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a:
a) supervisão de rede;
b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado;
c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos;
d) treinamento dos funcionários do franqueado;
e) manuais de franquia;
f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e
g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado;
XIII - situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador;
XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:
a) know-how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e
b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador;
XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato- padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade.
Deve-se ainda observar que a circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo dez dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este (artigo 4º, caput, Lei 8.955/94).
A pena para o não cumprimento do disposto anteriormente, é de anulabilidade, podendo ainda o franqueado exigir a devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança, mais perdas e danos, sendo que essa mesma pena será aplicada ao franqueador que veicule informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis (artigo 7º, Lei 8.955/94)140.
140 Waldirio Bulgarelli. Contratos mercantis. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 532.
4 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
4.1 Responsabilidade Pré-Contratual
Em grande parte dos negócios jurídicos que envolvam conteúdo patrimonial, pouco importando o seu valor, os envolvidos, em primeiro lugar, se utilizam da chamada fase das negociações preliminares ou da puntuação, caracterizada por conversações, estudos, debates e sondagens, tendo em vista um contrato futuro.
Em geral, este momento não gera vinculação entre as partes, ainda que haja projeto ou minuta, não havendo perdas e danos.
Entretanto, haverá responsabilidade de reparar o dano, em caráter excepcional, quando restar demonstrada a intenção deliberada, mediante a falsa manifestação de interesse, de causar prejuízos à outra parte. Este dever de reparação não é fundado em um inadimplemento contratual, mas sim na prática de um ato ilícito genérico141, previsto no Código Civil142.
Ademais, não apenas um ato ilícito genérico é capaz de ensejar perdas e danos a uma das partes contratantes. O princípio da boa-fé tem, nesse momento, um lugar especial, notadamente no que diz respeito aos deveres anexos. Sobre tal aspecto, é oportuno transcrever os dizeres de Carlos Roberto Gonçalves143:
Embora as negociações preliminares não gerem, por si mesmas, obrigações para qualquer dos participantes, elas fazem surgir, entretanto, deveres jurídicos para os contraentes, decorrentes da incidência do princípio da boa-fé, sendo os principais os deveres de lealdade e correção, de informação, de proteção e cuidado e de sigilo. A violação desses deveres durante o transcurso das negociações é que gera a responsabilidade do contraente, tenha sido ou não celebrado o contrato. Essa responsabilidade ocorre, pois, não no campo da culpa contratual, mas da aquiliana, somente no caso de um deles induzir no outro a crença de que o contrato será celebrado, levando-o a despesas ou a não contratar como terceiro etc. e depois recuar, causando-lhe dano. Essa responsabilidade tem, porém, caráter excepcional.
Apesar da redação insuficiente do art. 422 do Código Civil, na Jornada de Direito Civil (CJF-STJ), o Enunciado n. 25, já mencionado, assentou estar contido no
141 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
142 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. volume III. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49.
143 Ibid., p. 49-50.
dispositivo as tratativas preliminares, antecedentes ao contrato, e que podem carrear responsabilidade pré-contratual144.
No que tange ao contrato de franchising, o período preparatório e de caráter pré-contratual tem início após a manifestação de interesse do futuro franqueado em se tornar parte da rede de franquia, quando solicita mais informações detalhadas.
Nessa fase, o franqueador seleciona os pretendentes de acordo com critérios objetivos de tipo pessoal (aptidão para gerir e desenvolver a atividade comercial) ou econômico (capacidade financeira). Qualquer tipo de discriminação não será tolerada, seja por questões étnicas, culturais etc. Além disso, caso o afastamento de algum pretendente decorra de uma decisão injustificada e que gere prejuízos constatáveis, tal ato dará origem à responsabilidade extracontratual. Esta indenização também será devida em casos de proposta falsa ou fictícia145.
A aplicação do princípio da boa-fé nas relações pré-contratuais demanda que as partes envolvidas forneçam informações corretas acerca das circunstâncias que possam afetar o contrato futuro. Aqui, há forte influência do dever de informação, capaz de ensejar responsabilidade.
O dever de informação nesta fase contratual é caracterizado pela Circular de Oferta de Franquia. Por meio dela, o franqueador divulga todas as informações necessárias para que o candidato a franqueado tenha condições de analisar as nuances do negócio, tendo em vista que seu conteúdo passará a integrar todos os contratos futuros que vierem a ser celebrados com os franqueados.
Assim sendo, a sua entrega é de especial relevância para as relações que serão entabuladas, conforme se verifica nos julgados abaixo relacionados:
144 “Contrato. Tratativas. Culpa “in contrahendo”. Responsabilidade da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes, no tempo do plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois resolve, por sua conveniência, não mais industrializá-lo naquele ano, assim causando o prejuízo do agricultor, que sofre a frustração da expectativa da venda da safra, uma vez que o produto ficou sem possibilidade de colocação. Decorre do princípio da boa-fé objetiva, aceito pelo nosso ordenamento, o dever de lealdade durante as tratativas e a consequente responsabilidade da parte que, depois de suscitar na outra a justa expectativa de celebração de um certo negócio, volta atrás e desiste de consumar a avença” (RJTJRS, 154/378).
Responsabilidade pré-contratual. Culpa "in cotrahendo". Alienação de quotas sociais. E possível o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual, fundada na boa-fé, para indenização das despesas feitas na preparação do negocio que não chegou a se perfectibilizar por desistência de uma das partes. No caso, porem, o desistente agiu justificadamente. Cessão da totalidade das ações por quem apenas detinha parte do capital. (Apelação Cível nº 591017058, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, Julgado em 25/04/1991)
145 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 40-41.
Contrato de franquia - Descumprimento da entrega da circular de oferta da franquia nos moldes da lei 8955/94 - Cobrança de comissões mensais e de indenização sobre o faturamento bruto da franqueada - Indenização por dano moral - Reconvenção. Competindo, ao franqueador, antes mesmo da assinatura do contrato de franquia, entregar ao franqueado a Circular de Oferta da Franquia, prevista nos arts. 3º e 4º da Lei nº 8955/94 e não tendo este também cumprido a sua obrigação, não pode exigir o implemento um do outro. Art. 476 do CC de 2002. Tampouco faz jus, o franqueador, à pretensão indenizatória, pois deu azo aos fatos que teriam denegrido a sua imagem comercial. Outrossim, não havendo demonstração segura acerca das ameaças de agressões, não merece prosperar a pretensão indenizatória deduzida em reconvenção. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70022528228, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxx Xxxx, Julgado em 21/05/2008)
FRANQUIA. Assinatura de pré-contrato. Pedido de restituição da quantia entregue à franqueadora (R$ 7.000,00). Recusa à devolução da importância ao candidato a franqueado, com fundamento em cláusula do instrumento, que não previa o ressarcimento. Importância que se destinava a reembolsar a "franqueadora das despesas iniciais por ela suportadas com treinamento, orientação, reuniões e providências preliminares para a concessão da franquia". CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Inaplicabilidade. Relação de insumo e não de consumo. Relacionamento entre dois empresários. DESCUMPRIMENTO DA LEI N° 8.655/94. Questão de ordem pública. Necessidade de se subsumir aos dispositivos da referida lei, sob pena de a avença vir a ser rescindida por culpa do pré-franqueador. Desobediência ao art. 4o, pelo pré-franqueador. A entrega da Circular de Oferta de Franquia ao franqueado, sem a observância da antecedência mínima de dez dias à assinatura do contrato, ou a qualquer pagamento, invalidade o contrato. Sentença reformada. Ação procedente. Condenação da ré a restituir o autor a quantia pleiteada, com atualização e juros de mora. SUCUMBÊNCIA. Xxxxxxx, arcará a ré com as custas e honorários advocatícios de 15% da condenação. RECURSO PROVIDO. (TJSP – AC 9185388-81.2004.8.26.0000 - 18ª Câmara de Direito Privado - Relator: Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx - Data do julgamento: 29/04/2008)
Ação declaratória c/c cobrança - Contrato de franquia - Obrigatoriedade de entrega de circular de oferta de franquia - Lei 8.955/94 - Inadimplemento por parte do franqueador - Rescisão contratual - Possibilidade - Perdas e danos. É dever do franqueador fornecer, aos interessados, Circular de Oferta de Franquia, prestando as informações essenciais do negócio jurídico, sob pena de anulabilidade do contrato de franchising. [TJMG, Processo n. 2.0000.00.422908-3/000(1), julgado em 13-5-2004, rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx]
Direito comercial. Contrato de franquia. Invalidade do contrato. Entrega da circular de oferta de franquia. É inválido o contrato quando não observado o decêndio para entrega da Circular de Oferta de Franquia ao franqueado. Lei 8.955/94, parágrafo único do art. 4º. Recurso improvido. (Processo: AC 5308999 DF Relatora: Xxxx Xxxxxxxx Julgamento: 17/04/2000 Órgão Julgador: 1ª Turma Cível Publicação: DJU 14/06/2000 Pág. 22)
Franchising – Franquia não formatada – Falta de estrutura para manutenção dos negócios – Responsabilidade da empresa franqueadora pelos prejuízos disso advindos aos franqueados – Reconvenção – As vendas efetivamente realizadas devem ser remuneradas ao franqueador, compensando-se os
valores – A franquia exige, para que se desenvolva o negócio a contento, a estrutura básica necessária. Provada a inexistência dessa estrutura, é a franqueadora responsável pelos prejuízos decorrentes. As vendas efetivamente realizadas, porém, devem ser remuneradas à franqueadora. (TJRS – AC 596040527 – 6ª C. Cív. – Rel. Des. Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx – Julgado em 24.09.96)
Os códigos de ética redigidos por todo o mundo seguem esse mandamento. No Brasil, o Código de Autorregulamentação do Franchising, elaborado pela ABF, em diversos itens explicita as referidas diretrizes:
1. - Este Código de Auto-Regulamentação do Franchising estabelece os preceitos gerais de ética, moral e boa-fé que deverão pautar a conduta de Franqueadores, Franqueados e Prestadores de Serviços do Sistema de Franquia.
(...)
4. - O Franqueador deverá adotar as seguintes práticas comerciais:
4.1. - Observar e manter com os seus Franqueados, relações honestas, éticas, pautadas pela transparência, boa-fé e respeito mútuo, seguindo as exigências legais estabelecidas para o “Franchising” e cumprindo as obrigações assumidas no contrato.
(...)
6. - O Franqueado deverá adotar as seguintes condutas e práticas comerciais:
6.1. - Observar e manter com o seu Franqueador, relações honestas, éticas, de boa-fé e respeito mútuo, cumprindo sempre as obrigações assumidas no contrato de franquia e as normas legais.
Nesse raciocínio, Jorge Lobo146 ressalta que:
Se o franqueado oferecer condições vantajosas e atrativas para adesão do franqueado e estas não existirem na prática, o franqueador deve responder pelos prejuízos causados ao franqueado, pois as condições de franquia devem sempre ser muito objetivas e específicas, de modo a impedir que o futuro franqueado seja induzido a erro.
Além disso, a Lei 8.955/94, em seu artigo 7º, dispõe sobre as falsas informações prestadas pelo franqueador:
Art. 7º. A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré- contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este.
146 Op. cit., p. 50.
Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.
A jurisprudência assenta que a base do contrato de franquia é a fidúcia, ou seja, a segurança, havendo a necessidade de colaboração entre franqueador e franqueado, pois o franqueador expõe todos os segredos de sua atividade147.
Outro dever anexo decorrente da boa-fé que faz parte deste momento contratual é o de confidencialidade, que atinge todas as informações prestadas pelas partes, ainda que o contrato não venha a ser celebrado.
No período pré-contratual muitas informações técnicas e sigilosas são reveladas, uma vez que são necessárias para o devido conhecimento do negócio que está sendo entabulado. Caso haja divulgação de seu conteúdo, pouco importando a intenção, restará configurado ato de concorrência desleal. É desleal todo comportamento objetivamente contrário às exigências da boa-fé, prescindindo do conceito de culpa ou dolo148.
Nesse rumo, Xxxxxxxx Xxxx e Michael Einbinder149 destacam a necessidade de proteção dos segredos que envolvem a atividade negocial:
It is essential that the franchisor protect its brand and other intellectual property. This is the lifeblood of its business.
Franchise agreements should contain strong protections of trade secrets:
i. The non-competition clause should assist in this by referring specifically to trade secrets;
147 Direito comercial - Contrato de franquia regulado pela lei 8.955/94 - Requisitos legais não preenchidos pela apelada - Apelante induzida em erro - Circular de oferta de franquia incompleta e falaciosa - Minuta de pré-contrato de franquia que não atende às determinações legais - Processo de contratação obstado - Quebra da fidúcia e verificação de ilegalidades - Despesas tidas com deslocamento e elaboração de projeto arquitetônico que devem ser reembolsadas pela franqueadora
- Decisão reformada apelo conhecido e provido. A base do contrato de franquia é a fidúcia, haja vista a necessidade contínua de colaboração entre franqueador e franqueado, pois aquele abre a terceiro os "segredos" de seu negócio e este depende do franqueador para a implantação e manutenção da empresa. Quebrada a confiança inicialmente presente entre as partes tornou-se impossível a continuação do processo de contratação da franquia. A posterior verificação pela apelante de que agiu mal a apelada, contrariando inclusive disposições legais expressas, induzindo-a em erro, impõe o dever de indenizar pelos valores gastos pela apelante que acreditou na proposta irregularmente formulada pela apelada. (TJPR – AC 0084179-0 – Acórdão 4878 - 6ª Câmara Cível - Relator: Xxxx Xxxx Xxxx - Data do julgamento: 19/04/2000)
148 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 48.
149 Strengthen your franchise agreement. Franchise Law News: Franchise Agreements. 2010. Disponível em: <xxxx://xxx.xx-xxxxxxx.xxx/Xxxx-xxx-Xxxxxx/Xxxxxxxxx-Xxx-Xxxx-Xxxxxxx-X0- 2010.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.
ii. The franchise agreement should require that the franchisee obtain a nondisclosure agreement from all of its employees, independent contractors, agents, management, owners, etc.;
iii. The franchise agreement should provide a form non-disclosure agreement for the franchisee to use;
iv. The franchisor should develop enforcement procedures and vigorously apply them; and
v. The franchisor should clearly mark all trade secrets as confidential.
Marcelo Lamy150 realça ser conveniente a celebração de um acordo de sigilo, seja por meio de um pré-contrato ou instrumento autônomo. Assim, as informações e conhecimentos divulgados antes da celebração do contrato de franquia passam a ter caráter sigiloso, adotando-se medidas para evitar a sua revelação (direta ou indireta)151.
Ademais, a confiança também estará presente caso haja ruptura injustificada das negociações, nos casos em que há certeza na conclusão do contrato.
A liberdade de contratar permite às partes a não conclusão do negócio – fato este que impede a execução específica. Todavia, exsurgem dúvidas sobre as hipóteses em que a ruptura acarretar danos às partes.
Se a ruptura resulta de comportamento desleal ou abusivo de uma das partes, há o dever de indenizar, fundamentado nos atos ilícitos e na responsabilidade extracontratual.
Assim, verificada a má-fé152 da parte que abandonou o negócio, o caráter indenizatório é evidente. Nos casos em que não é possível averiguar a má-fé, as circunstâncias do caso concreto balizarão a indenização, mediante dados objetivos153. Diversos documentos, como conversações preliminares, cartas de
150 Op. cit., p.48.
151 “Neste ponto, cabe ao negociador fixar claramente quais são os pontos que devem estar sujeitos ao sigilo entre as partes, resguardando-se, se preciso, pelos modernos instrumentos intitulados secrecy agreements, confidentiality arrangements, acordos de segredo. Assim, resguarda-se daqueles que iniciam negociação apenas para avaliar o avanço tecnológico de uma empresa, ou para conhecer seus segredos”. (Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p.54)
152 “No Brasil, só é responsável por perdas e danos aquele que agiu de má-fé (culpa ou dolo) na fase de formação contratual, pois é necessária a culpa para atrelar a conduta à responsabilidade aquiliana”. (Id., Ibid., p. 56)
153 Responsabilidade pré-contratual. Culpa "in cotrahendo". Alienação de quotas sociais. E possível o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual, fundada na boa-fé, para indenização das despesas feitas na preparação do negocio que não chegou a se perfectibilizar por desistência de uma das partes. No caso, porem, o desistente agiu justificadamente. Cessão da totalidade das ações por quem apenas detinha parte do capital. (Apelação Cível Nº 591017058, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, Julgado em 25/04/1991)
intenções, acordos de segredo e contratos preparatórios podem servir de parâmetro sobre a confiança de conclusão do negócio. Nas hipóteses de não existência de dados ou elementos capazes de condicionar a confiança, qualquer ruptura é justa154.
A corroborar o exposto acima, insta transcrever as palavras de Jorge Lobo155:
Se os acordos provisórios ou preparatórios, acertados entre os interessados no campo da autonomia da vontade, são reduzidos a escrito, com a fixação de cláusulas, condições e termos insuscetíveis de emendas ou modificações posteriores, não se constituindo, portanto, em simples minutas ou projetos, mas de acordos definitivos sobre pontos fundamentais do negócio, exsurge um vínculo entre as partes, de inegável relevância jurídica, obrigatória para os signatários, que, se violado, acarreta responsabilidade do faltoso.
(...)
Por conseguinte, se o franqueador e o franqueado, de forma irretratável, acordam, durante as negociações preliminares, determinados pontos por eles julgados fundamentais para a boa execução do contrato de franchising, a parte, que der causa à não celebração do contrato definitivo, deve ressarcir os prejuízos causados à outra, que, na certeza de já haver sido fixado o acordo neste ou naquele ponto ou aspecto, prossegue nas negociações, dando àquele ponto ou aspecto por definitivamente contratado.
Os danos indenizáveis são apenas aqueles que derivam das negociações. A indenização é baseada na não conclusão do contrato, deixando de lado a sua não execução.
A respeito da responsabilidade pré-contratual, Guido Alpa156 sintetiza ao afirmar que esta responsabilidade é decorrência da violação do princípio da boa fé, dispondo que:
L’esercizio di um giudizio di responsabilità per il caso di recesso e l’eventuale redistribuzione dei danni che conseguono ala rottura dela trattativa non richiedono particolari giustificazioni, appunto perché in linea di principio non si dubita che sai meritevole di tutela la parte che abbia ragionevolmente confidato nelle apparenze create dal comportamento altrui.
Assim sendo, o período pré-contratual não deixa de ser uma relação jurídica obrigacional, no qual estão presentes direitos e deveres.
154 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., passim.
155 Op. Cit., p. 50-51.
156 I Principi Generali. Milano: Giuffrè Editore, 1993, p. 346.
4.2 Responsabilidade Contratual
O contrato de franquia possui uma estrutura jurídica complexa, por envolver atividades inter-relacionadas em uma estrutura sinalagmática avançada de colaboração.
Inicialmente, é preciso destacar que por se tratar de um negócio jurídico complexo, a praxe estabelece que se determinadas obrigações forem cumpridas com defeito ou vício, conceder-se-á prazo mediante notificação, quando possível, para que as irregularidades sejam sanadas, sem prejuízo de eventuais ressarcimentos. Sanado o problema, a resolução não se realiza. Quando não sanadas, a parte poderá livremente escolher entre a resolução do contrato157 com os ressarcimentos cabíveis ou pela execução forçada, também quando possível.
A questão sobre o grau de relevância do inadimplemento não abrange apenas as obrigações essenciais do contrato, mas também as obrigações de meio, como obrigação de assistência técnica e comercial, a de colaboração e a de exploração da atividade.
Somente as peculiaridades do caso concreto serão capazes de verificar a relevância das falhas ocorridas, mediante uma apreciação objetiva, pautada nas circunstâncias das empresas e da operação concreta realizada.
À guisa de exemplo, Marcelo Lamy158 pondera que o descumprimento deve ser de tal monta que impeça o fim normal do contrato, frustrando as legítimas expectativas das partes, ou que abale ou diminua a confiança entre as partes na certeza dos cumprimentos sucessivos.
157 Nesse sentido já decidiu o TJPR: “Contrato. Franquia. Inadimplemento parcial das obrigações constantes do artigo 3º da lei nº 8955, de 15/12/94 por parte da franqueadora. Direito de resilição ou resolução por parte da franqueada. Prova suficiente. Perdas e danos. Condenação parcial parágrafo único do artigo 1092 combinado com o artigo 1059 do código civil. Apuração em liquidação por artigos. Pedido de lucros cessantes não acolhido. Ausência de prova robusta. 1. Restando suficientemente provada a violação pela franqueadora das obrigações excogita-as no artigo 3º da Lei de Franquias, bem como do princípio geral da boa-fé que deve nortear todas as relações obrigacionais, tem direito a franqueada à resilição ou rescisão do pactuado, nos termos do parágrafo único do artigo 1092 combinado com o artigo 1059 do Código Civil. 2. Reconhecida a culpa leve da franqueada pelo malogro do empreendimento, devem as perdas e danos ser distribuídas equitativamente. 3. Não se acolhe o pedido de lucros cessantes quanto estes, à míngua de prova robusta, não tiveram por causa imediata e única o ato da franqueadora, ou seja, não resultaram direta e imediatamente do fato ilícito a ela imputado”. (TJPR, Ap. Cív. 0094173-1, PR, 5ª Câmara Cível, rel. Xxxxxx Xxxxxxxxx, 03.10.2000)
158 Op. cit., passim.
Embora cumprida a parte essencial do contrato, ainda podemos falar no cumprimento defeituoso de alguma obrigação complementar ou acessória.
“A presença de vícios ou defeitos na base patrimonial transferida é caracterizadora de inadimplência parcial, quando estes vícios tornam os bens impróprios para o uso ou a utilidade almejada para eles no contrato”159. Nesses casos – vícios ou defeitos sanáveis -, uma renegociação impede o inadimplemento definitivo.
Há ainda o cumprimento defeituoso, que pode ser ilustrado pela negligência no dever de colaboração, pela atividade de concorrência que afete os franqueados, além de conflito nas delimitações territoriais de cada franqueado.
O descumprimento de cláusula de exclusividade160 pela franqueada, na linha de produtos industrializados, é justa causa para a rescisão, conforme manifestação do Tribunal de Justiça do Paraná161.
Por tais razões Xxxxxxxx Xxxx e Michael Einbinder162 reforçam a necessidade da presença de cláusulas que limitem a concorrência:
159 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 105.
160 “É uma obrigação típica dos contratos em que se estabelece exclusividade territorial aos franqueados. Será de não-fazer concorrência ao franqueado, não exercendo por si mesmo a atividade da rede na circunscrição do franqueado”. (Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p. 88)
161 Contratos de distribuição, representação comercial e franquia (franchising). Ação de reparação de danos por ato ilícito cumulada com rescisão contratual e perdas e danos. Distrato operado por iniciativa da franqueadora. Descumprimento de cláusula de exclusividade pela franqueada, na linha de produtos industrializados. Justa causa para a rescisão. Incorporação das empresas contratantes, desinfluente na espécie. Notificação regular, desnecessária no caso. Prova quanto a fato constitutivo de seu direito. Ônus do autor. Não demonstração de prática de ato ilícito pela franqueadora. Não comprovação de prejuízo para a franqueada. Honorários advocatícios em caso de improcedência da demanda. Aplicação do art. 20, § 4º, do código de processo civil. 1. Tendo a franqueada dado causa à rescisão contratual, conduzindo-se de maneira bastante distanciada daquilo que fora avençado pelas partes, incabível a pretensão de ver-se ressarcida por eventuais prejuízos decorrentes do rompimento das relações comerciais até então existentes entre ela e a franqueadora. 2. Dentre as obrigações do representante, está a de respeitar a cláusula de exclusividade, se expressamente pactuada, não tendo direito a nenhuma indenização na hipótese de ter dado causa à rescisão, por descumprimento do contrato, podendo ainda ser responsabilizado, com base no direito civil (CC, art. 159), pelos danos que causou ao representado. 3. "Cada parte tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio", incumbindo ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil. 4. Improcedente a demanda, não fica o juiz adstrito ao limite entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) para estabelecer os honorários, de acordo com o § 3º do art. 20, do Código de Processo Civil, mas deve observar, como ocorreu no caso dos autos, o disposto no § 4º do mesmo dispositivo legal, fixando a verba honorária consoante apreciação eqüitativa e de acordo com as diretrizes traçadas pelas alíneas "a", "b" e "c" do § 3º. Recurso conhecido e desprovido. [TAPR - Xxxxxx X.Xxxxx (XX) - XX 0000000-0 - Xxxxxxx - Rel.: Des. Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx - Unânime - J. 08.11.2000]
Non-competition agreements. Every franchisor should have a noncompete provision in its franchise agreement. However, the franchisor must be certain that the scope of both in-term and post-term covenants are not too broad and provide for limited duration and limited territory. The clauses should be drafted to protect the franchisor's business interests.
Outra obrigação que configura justo motivo para rescisão do contrato é a falta de suporte técnico e no apoio que deveria dar a franqueada, a denominada assistência técnica. O Tribunal de Justiça de São Paulo já se pronunciou a esse respeito:
Franquia - Rescisão contratual - O contrato foi rescindido pela r. sentença, sob a fundamentação de que a franqueadora, fira apelada, não comprovou ter fornecido suporte técnico, assistência, supervisão c acompanhamento das atividades da franqueada - Hipótese em que ficou caracterizado o descumprimento das obrigações da franqueada - Sentença mantida - RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP – Ap c/ Rev. 9135934-
98.2005.8.26.0000 – 24ª Câmara de Direito Privado - Relator: Xxxxxxx Xxx Xxxxxxx - Data do julgamento: 22/03/2007)
Contrato - Rescisão - Franquia empresarial - Aquisição de exclusividade na aquisição de pintos de um dia "Label Rouge", pela tabela de preços emitida pela franqueadora e obrigações de cria, abate e comercialização por esta estipuladas - Prejuízos suportados pelo autor franqueado - Franqueadora deixou de prestar a devida fiscalização e assistência ao franqueado - Culpa da ré comprovada - Indenização fixada em RS 35.619,65, mais verba referente a lucros cessantes a ser apurada em liquidação por artigos - Afastada a condenação por demais gastos porque não comprovadas pelo autor - Honorários advocatícios fixados em 10% sobre a condenação e as despesas processuais serão reciproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre elas - Agravo retido improvido - Apelação da ré parcialmente provida. [TJSP – Ap c/ Rev. 9139971-81.1999.8.26.0000 – 11ª Câmara (Extinto 1° TAC) - Relator: Xxxxxxx Xxxxxx - Data do julgamento: 04/10/2001]
Portanto, configurado o descumprimento, surge o juízo de responsabilidade.
O sistema de responsabilidade figurante como regra geral é o chamado subjetivo, decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo, e baseado na teoria da culpa. A culpa é fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. “Esta culpa, por ter natureza civil, se
162 Strengthen your franchise agreement. Franchise Law News: Franchise Agreements. 2010. Disponível em: <xxxx://xxx.xx-xxxxxxx.xxx/Xxxx-xxx-Xxxxxx/Xxxxxxxxx-Xxx-Xxxx-Xxxxxxx-X0- 2010.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.
caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente” 163.
Segundo ensinamento de Xxxxxx Nery Junior164, “para que haja o dever de indenizar é necessária a existência: a) do dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano; c) da culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia
– ou dolo) do agente”.
No que tange ao contrato de franquia, o prejuízo, ou dano, ganha especial relevância. Por se tratar de uma relação entre pessoas jurídicas, sempre haverá certo grau de risco ou insegurança em relação ao negócio.
Assim sendo, podemos afirmar que a responsabilidade nesse tipo de contrato, via de regra, é objetiva.
Marcelo Lamy165, exemplificando o tema, cita as indenizações decorrentes de mora, oriundas do fato objetivo do atraso, pouco importando a causa ou a culpa da parte; o franqueado que utiliza auxiliares para exercer as suas obrigações - ele será responsável por todo descumprimento originado por aqueles, por ser responsável pela exploração (direta e pessoalmente da atividade); e a obrigação de entrega de coisas não se efetiva com a diligência no cumprimento, apenas pelo resultado obtido.
Nos casos acima e nas obrigações de resultado em geral, a diligência é desconsiderada. A não ocorrência do resultado gera responsabilidade, inevitavelmente, exceto em casos de caso fortuito e força maior.
Contudo, não é qualquer dano decorrente da atividade de franchising que será ressarcido. Apenas o serão aqueles excluídos dos riscos naturais da atividade empresarial, decorrentes de algum tipo de descumprimento da outra parte, calculados de acordo com as consequências ocasionadas pelo descumprimento166.
Quanto o contrato estabelecer cláusula penal167, o credor da obrigação não cumprida não precisa provar o dano efetivamente sofrido, recebendo o valor da pena
163 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al. Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral.
– 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.13.
164 Op. cit., p. 705.
165 Op. cit., p. 109-110.
166 Id., Ibid., p. 110.
167 “É a obrigação acessória na qual se estabelece uma pena ou multa em caso de inadimplemento da obrigação principal ou o retardamento de seu cumprimento”. (Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito
convencional, pouco importando se o montante é superior ou inferior ao prejuízo sofrido168.
Impende frisar que a liberdade contratual permite que as partes possam dispor livremente sobre as cláusulas contratuais, inclusive sobre as regras de responsabilidade.
Costumeiramente, o que ocorre é o agravamento da situação do franqueado, com montantes indenizatórios altos e responsabilidades excessivas. Cabe, aqui, a atuação do Judiciário para sopesar tais penalidades e equilibrar a relação contratual, a despeito da autonomia das partes, que estabelecem disposições de validade questionável169.
A responsabilidade perante terceiros, em especial os consumidores-clientes das redes de franquia, tem especial relevância, notadamente pelas regras do Código de Defesa do Consumidor.
O franqueador e o franqueado, nos termos do art. 3º170 do Código do Consumidor, são considerados fornecedores, aplicando-se, consequentemente, as disposições contidas nos artigos 12171 e 18172 do referido diploma, que tratam da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e da responsabilidade por vício ou defeito do produto ou do serviço, entre outros.
Observe-se que a legislação consumerista, em seu artigo 34173, no intuito de proteger o consumidor lesado, disciplina que o fornecedor do produto ou do serviço
civil brasileiro: teoria geral das obrigações. volume II. – 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 387)
168 Xxxxxxx Xxxx, op. cit., p.111.
169 Id., Ibid., p. 111.
170 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
171 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
172 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
173 Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Aplicando-se tal regra ao franchising, franqueador e franqueado são responsabilizados solidariamente, mesmo quando apenas uma das partes tenha atuado em prejuízo do consumidor174.
Nesse sentido, sempre haverá a possibilidade de incluir no polo passivo da demanda o franqueador, assegurando a este o direito de regresso contra o causador direto do dano, sempre no intuito de se proteger a vítima.
A responsabilidade de franqueador e franqueado também é objetiva em razão do risco criado, o que exime a vítima de comprovação de culpa do causador do dano, mas somente a ação, o nexo causal e o resultado danoso175.
Além disso, vale ressaltar que durante a execução do contrato, é imprescindível também a observância dos deveres acessórios de conduta. O dever de cooperação entre as partes, trocando informações e experiências durante a relação contratual, é essencial para o êxito do contrato. Sem essa relação de cooperação e confiança, as partes ficarão vulneráveis às alterações do ambiente que envolve a atividade, o que os deixam estagnados quanto às ameaças e oportunidades que o mercado possa oferecer176.
4.3. Responsabilidade Pós- Contratual
Não é fácil delimitar precisamente no tempo os efeitos de um contrato. Mesmo após a sua execução, ainda podemos verificar reflexos relevantes, da mesma forma que o período pré-contratual, quando ações ou omissões podem acarretar responsabilidades177.
Enéas Costa Garcia178 ressalta que:
Analisando a relação obrigacional em sentido amplo, considerando-a como um todo complexo, orgânico, é possível reconhecer que esta relação não se esgota apenas no aspecto de cumprimento da prestação. Alguns deveres, especialmente os deveres acessórios de conduta, podem subsistir ainda após o cumprimento da prestação.
174 Xxxxx Xxxx, op. cit., p. 53.
175 Id., Ibid., p.54.
176 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 104.
177 Sílvio de Xxxxx Xxxxxx, Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.p. 499.
178 Op. cit., p. 69.
Conforme estudado alhures, o princípio da boa-fé e os deveres anexos ou de proteção são considerados o núcleo das atividades negociais.
Na fase pós-contratual, assim como nas anteriores, ainda há a possibilidade de exigir boa-fé dos contratantes, pois os deveres anexos, como os de colaboração, informação e segredo, ainda vigoram.
A extinção das obrigações principais do contrato não faz desaparecer, necessariamente, os deveres acessórios de conduta. Segundo Xxxxxx X. do Couto e Silva179:
A particularidade mais importante de algumas das obrigações anexas é a de perdurarem ainda, mesmo depois do adimplemento da obrigação principal, de modo que, quando se diz que o adimplemento extingue um crédito determinado.
A este fenômeno é dado o nome de pós-eficácia das obrigações ou eficácia ulterior dos contratos. O descumprimento dos deveres anexos acarreta a chamada culpa post factum finitum180.
Maurício Jorge Mota181 observa:
A pós-eficácia das obrigações constitui portanto um dever lateral de conduta de lealdade, no sentido de que a boa-fé exige, segundo as circunstâncias, que os contratantes, depois do término da relação contratual, omitam toda conduta mediante a qual a outra parte se veria despojada ou essencialmente reduzidas as vantagens oferecidas pelo contrato. Esses deveres laterais de lealdade se consubstancializam primordialmente em deveres de reserva quanto ao contrato concluído, deveres de segredo dos fatos conhecidos em função da participação na relação contratual e deveres de garantia da fruição pela contraparte do resultado do contrato concluído.
No Brasil, o Tribunal do Rio Grande do Sul, de maneira inovadora, acolheu a teoria da responsabilidade pós-contratual fundamentada no princípio da boa-fé objetiva:
Compra e venda. Resolução. Culpa post pactum finitum. O vendedor que imediatamente após a venda torna inviável à compradora dispor do bem, ameaçando-a de morte e a escorraçando do lugar, para aproveitar-se disso e vender a casa para outrem, descumpre uma obrigação secundária do contrato e dá motivo à resolução. Princípio da boa-fé. Preliminar de nulidade rejeitada. Apelo provido em parte, apenas para suspender exigibilidade dos ônus da sucumbência. (Apelação Cível Nº 588042580, Quinta Câmara
179 A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 112.
180 Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 70.
181 A pós-eficácia das obrigações, in Xxxxxxx Xxxxxxxx (coord.), Problemas de Direito Civil- Constitucional, Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 204.
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, Julgado em 16/08/1988)
A doutrina estrangeira, representada por Esperanza Gallego Sánchez182, pactua do mesmo entendimento: “el tratamiento de la cláusula termina con la extensión de la licitud de su prohibición al período posterior a la expiración del contrato.”
Em grande parte dos contratos de franquia, os seus bens incorpóreos, como o conhecimento, a propriedade intelectual e a confiança dos clientes no know-how são mais valiosos que os próprios bens físicos da empresa.
Esses aspectos justificam o interesse do franqueador em protegê-los mesmo após o fim do contrato. Do contrário, todo o exitoso resultado de um longo e preciso trabalho, testado e formatado, que garantiu ao franqueador sucesso no mercado, poderá ser comprometido183.
Nesse sentido é a observação de Garth Snider184:
Much, if not all, of the value in a franchise is contained in the unique manner in which the franchise is sold and the unique nature of the product itself i.e., its trade secrets. The ability of the franchisor to sell franchise units is a direct function of a prospective franchisees belief that the franchisor has created a product and a product distribution system that cannot be easily replicable. The value of the franchise is necessarily derivative of how easily a non- franchisee (or ex-franchisee) can replicate the franchisors’ offering. A franchisors “gold” lies in its trade secrets. A franchisor derives value from its franchise system because its unique system is not generally known by the public. Therefore a franchisor must be diligent in preventing the unique means and methods it has of conducting business from being readily known by the public.
Portanto, o fim do contrato não põe fim ao dever de sigilo ou autoriza as partes a revelarem segredos que só tiveram acesso por força da relação contratual. Há, após a sua conclusão, o dever de se proceder de maneira ética e proba, conforme o comportamento esperado pelas partes, uma em face da outra185.
000 Xx Xxxxxxxxxx. Madrid: Editorial Trivium, 1991, p. 143-144.
183 Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 51.
184 Franchise Trade Secrets. Disponível em <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx/>. Acesso em: 08 set. 2011.
185 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, et al., Novo curso de direito civil: contratos, volume IV, tomo 1: teoria geral.
– 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 293.
O dever de sigilo impõe à parte o dever de não tornar público os fatos por ele conhecidos, seja para uso pessoal ou para uso de terceiros, a exemplo de segredos industriais, comerciais e privilégios de invenção186.
Thomas Oppold187 salienta a importância de se proteger as informações secretas no contrato de franchising:
Trade secrets can provide a competitive advantage to a business as long as they remain unknown to competitors. Thus, unlike a patent, which has a term of 20 years, after which the information becomes public domain, a trade secret can continue to provide a competitive advantage long after a patent would have expired. For example, if the formula for Coca-Cola had been patented instead of being maintained as a trade secret, the patent would have expired long ago, and with it, the competitive advantage that Coca- Cola Co. and its bottling franchises have otherwise enjoyed for over 100 years.
A esse propósito, vale mencionar o precedente abaixo, exarado pelo Tribunal Superior do Trabalho, que reconhece a validade das cláusulas de confidencialidade e não concorrência nos contratos de trabalho:
SEGREDO INDUSTRIAL. COMPROMISSO DE NÃO DIVULGAR. LEGALIDADE
1. É vedado ao empregado divulgar o segredo da empresa (a lei não estabelece prazo para essa vedação); se o empregado divulgar comete falta grave. A proibição alcança o ex-empregado, visto que a rescisão do contrato de trabalho não transfere a este o direito de divulgar, explorar ou comercializar a fórmula industrial de que teve conhecimento, ainda que passe a trabalhar para empresa concorrente.
2. O ajuste consistente no compromisso firmado pelo reclamante de não divulgar, não explorar e não utilizar o segredo da fórmula do produto industrial de que tem conhecimento guarda perfeita sintonia com o disposto no art. 195, inc. XI, da Lei 9.279/1996. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. (Processo: XX - 000000- 21.2001.5.15.0093 Data de Julgamento: 24/09/2008, Redator Ministro: Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, 5ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 12/12/2008.)
O mesmo raciocínio é aplicado nos casos de franquias em que haja a necessidade de transferência de tecnologia e informação para o franqueado.
Uma das cláusulas essenciais do contrato de franquia, a transferência ou cessão de know-how pelo franqueador ao franqueado, também deve esclarecer que o franqueado não poderá ceder estes elementos ou conhecimentos a terceiros, a
186 Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 237.
187 Top 10 ways to help protect your franchise's trade secrets. Franchising World Magazine, 2003. Disponível em
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxxxxx_xxxxxx.xxx?XXXXXXX_XXx00&XXXXXXX_XXXX_XXx0>. Acesso em: 08 set. 2011.
não ser nas condições previstas no contrato188. Este irá prever as sanções nas hipóteses de violação desta determinação.
A jurisprudência pátria é assente nesse sentido:
Perdas e danos - Contrato de franquia -Resilição do contrato - Utilização do know-how da franquiada, e permanência de utilização do mesmo estabelecimento e venda dos mesmos produtos pela franqueadora - Caracterizada a infração de confidencialidade do contrato - Devida multa contratual fixada no contrato - Ação procedente - Recurso provido. (TJSP – AC 0064569-42.2008.8.26.0224 – 13ª Câmara de Direito Privado - Relator: Xxxxxxx xx Xxxxxxxx - Data do julgamento: 19/05/2010 )
Tutela antecipada - Declaratória - Franquia - Determinado as agravantes que se abstenham de usar a marca, know-how e quaisquer sinais, uniformes ou elementos que lhes possam identificar com a agravada - Presença dos requisitos necessários à concessão da tutela considerados os elementos de informação no processo - Elementos prováveis que suplantam os improváveis - Liminar mantida - Multa reduzida - Agravo regimental não provido - Recurso provido em parte. (TJSP – Ag 0069515- 84.2007.8.26.0000 – 15ª Câmara de Direito Privado - Relator: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx - Data do julgamento: 11/12/2007)
Agravo de instrumento - Ação de execução de obrigação de fazer - Contratos de franquia e de licença de uso de marcas e instrumento particular de cessão de direitos - Deferimento da de tutela antecipada, consistente em: busca e apreensão do material com a marca "McDonald's"; determinação de proibição do uso das marcas e do sistema de franquia "McDonald’s"; determinação de cessação do uso do "know-how" e de dados confidenciais e dispensa de fornecimento dos produtos de suas marcas - Prova inequívoca do alegado e da possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação - Inteligência do art. 273, "caput", I, do CPC - Recurso não provido e julgado prejudicado o agravo regimental. (TJSP – Ag 0018974- 18.2005.8.26.0000 – 13ª Câmara de Direito Privado - Relator: Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx - Data do julgamento: 17/08/2005)
Nas hipóteses de rescisão do contrato e havendo cláusula proibindo o franqueado de exercer a mesma atividade por um período determinado, o seu desrespeito implica em indenização nos termos estabelecidos no contrato. Esta cláusula, que permanece após a resolução, é uma característica dos deveres ligados à boa-fé.
Nesse passo, são as decisões abaixo transcritas dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e de São Paulo:
Apelação cível. Contrato de Franquia. "Cláusula de quarentena". Viabilidade jurídica. Boa-fé. É perfeitamente viável a previsão de período de
188 Nesse sentido, Lei nº 9.855/94, artigo 3º, XIV, letra “a”: “situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia;”.
"quarentena", imposto ao franqueado, logo após a resolução do negócio jurídico de franquia. No caso concreto, o período previsto é de um ano, com estabelecimento de multa para a hipótese de infração à regra. Apelação desprovida. (Apelação Cível n.º 597023191, 6ª Câmara Cível, TJ-RS, Relator Des. Xxxxxxx Xxxxx Xxxx'Xxxxx Xxxxxx, julgado em 18/03/1997)
Contrato de franquia – Cláusula de confidencialidade e de concorrência – Impossibilidade do franqueado continuar no mesmo local com o mesmo ramo de atividade do franqueador. A lei 8.955/94 prevê a possibilidade do contrato de franquia regulamentar a situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação à: a) know-how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador. (...) Na verdade, trata-se de, por meio dessa cláusula, assegurar ao franqueador, após a expiração do contrato, a devida proteção, por meio indireto, ao direito de clientela que é fator do aviamento do franqueador, e que engloba, portanto, o conjunto de bens e valores acessíveis ao franqueador, mas de titularidade daquele primeiro e não deste último.” (Ag. 1.249.327-9, 7ª. Câmara do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, j. 09/03/2004, rel. juiz Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx)
Contrato - Franquia - Cláusula de restrição de atividade comercial no período subsequente à extinção do contrato - Inobservância por parte do franqueado - Infração contratual configurada - Eventual inadimplemento do franqueador durante a consecução do pacto que não afasta a incidência das penalidades daí advenientes - Inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido em relação a eventos ocorridos após a cessação de eficácia do contrato - Multa contratual devida - Ação procedente - Recurso improvido. (Apelação 7.073.748-5, Des. Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, julgado em 25/04/07, 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de são Paulo).
Cautelar - Medida inominada - Contrato de franquia - Cláusula de confidencialidade e de concorrência - Impossibilidade do franqueado continuar no mesmo local com o mesmo ramo de atividade do franqueador - Não colidência com a disciplina legal do instituto - Inexistência de abuso do franqueador constatável em sede de liminar - Medida cassada - Recurso provido. [TJSP – 0083088-34.2003.8.26.0000 – 7ª Câmara (Extinto 1° TAC)
- Relator: A Xxxxxxx Xxxxxxx - Data do julgamento: 09/03/2004]
4.4 Responsabilidade Trabalhista
Um ponto de grande interesse para a atividade de franquia é a responsabilidade trabalhista do franqueado em relação ao franqueador e a dos empregados em relação a eles.
A sua relevância se deu principalmente após a edição da Súmula 331 pelo Tribunal Superior do Trabalho189, que dispõe sobre a da responsabilidade solidária ou subsidiária das empresas integrantes de grupos econômicos.
Conforme verificado, o artigo 2º da Lei 8.955/94190 definiu a franquia empresarial e salientou, em sua parte final, que na atividade não haveria configuração de vínculo empregatício.
Entretanto, o referido dispositivo silenciou quanto à responsabilidade trabalhista do franqueador pelos débitos do franqueado, limitando-se tão somente a mencionar a inexistência de vínculo trabalhista entre este e aquele.
O contrato de trabalho recebe proteção Constitucional desde o seu preâmbulo, que prevê um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, além de erigir a princípio fundamental os valores sociais do trabalho191 e a dignidade da pessoa humana192, ressaltando o artigo
189 SÚMULA - 331 - Contrato de prestação de serviços. Legalidade.
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
190 Art. 2º. Franquia empresarial é o sistema pelo qual um Franqueador cede ao Franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo Franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. (grifos nossos)
191 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (...)
192 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana. (...)
170193, caput, que prescreve estar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos existência digna, colocando a busca do pleno emprego como princípio da atividade econômica e financeira.
Por outro lado, o franchising tem ínsito em sua natureza a independência jurídica entre franqueador e franqueado, e que a assessoria prestada é meramente técnica com o escopo de garantir o sucesso do empreendimento, não havendo, em princípio, subordinação entre franqueado e franqueador.
Nesse sentido, Xxx Xxxxxxx Redecker194 obtempera:
Mister esclarecer que a independência do franqueado é formal, visto que é atrelada às orientações e às imposições do franqueador. Entretanto, esta vinculação não caracteriza o vínculo empregatício, uma vez que, para o mesmo, é necessário a existência, de um lado, de pessoa jurídica, como empregador e, de outro, de uma pessoa natural ou física, com empregado, prestando serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário (Consolidação das Leis do Trabalho, Artigo 3º). Enquanto na franquia o franqueado pode ser pessoa física ou jurídica que, sem vínculo empregatício, dependência direta e remuneração salarial, recebe orientações e diretrizes do franqueador para desenvolver uma atividade por sua conta (Artigo 1º da Lei nº 8.955/94).
Do mesmo modo, Maria Helena Diniz195 ressalta que o franqueado não será sucursal do franqueador, porque aquele possui autonomia financeira e jurídica. Além disso, a autonomia referida que dizer que são pessoas distintas, tendo o franqueado responsabilidade pelos atos que praticar.
A vinculação das partes se restringe à relação de natureza civil decorrente da concessão de direitos e repasse de tecnologia, mediante remuneração, o que não torna o franqueador empresa tomadora de serviços ou intermediadora de mão-de- obra.
Ademais, o valor pago pelo franqueado não consiste em uma contraprestação pelo serviço prestado, mas sim uma contraprestação pelo uso da marca.
193 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VIII - busca do pleno emprego. (...)
194 Op. cit., p. 69.
195 Tratado teórico e prático dos contratos. volume IV. – 6. ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 51.
Logo, a tentativa encontrada para responsabilizar o franqueador com base no chamado grupo econômico não tem lugar, demonstrando nítido desconhecimento do modelo de negócio.
Esse foi o entendimento dos Tribunais Trabalhistas, competentes em razão da matéria discutida:
‘Franchising’ - Responsabilidade solidária - Grupo econômico. O contrato mercantil de “franchising”, de que trata a Lei nº 8.955/94, em especial o artigo 2º, caracterizado entre as empresas – demandadas, autônomas, com personalidades jurídicas próprias e diversidade de sócios, impede a caracterização de grupo econômico, e, por consequência, o reconhecimento da responsabilidade solidária prevista no artigo 2º da CLT”. (TST – 2ª Turma
– Decisão de 23.05.2001, d.j. 22.06.01, Proc. XX xx 000000/0000, 10ª
Região).
‘Franchising’. – Ausência de responsabilidade subsidiária da empresa franqueadora. O contrato de franquia, regido pela Lei 8.955/94, não é figura jurídica capaz de atrair a responsabilidade solidária/subsidiária da franqueadora, que não tem qualquer responsabilidade pelos débitos trabalhistas da franqueada. O contrato de franquia não é modalidade de trabalho terceirizado, sendo inaplicável o critério de responsabilização apreendido na ordem jurídica pelo enunciado 331, IV, do C. TST”. (TRT 3ª
R. – 5ª Turma – RO nº 4148/01 – Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx – DJMG 26/05/2001)
Recurso de Revista - Contrato de franquia - Responsabilidade subsidiária. Súmula 331, IV - Inaplicabilidade. Franquia empresarial, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.955/94, é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. A franqueadora não se assimila a empresa tomadora de serviços, o que afasta a possibilidade desse lhe impor responsabilidade subsidiária pelos débitos da franqueada, em relação a seus empregados, nos moldes da Súmula nº 331, IV, do TST. Com efeito, em regra, a franqueadora não interfere na gestão dos empregados da franqueada. Recurso de revista conhecido e provido . (TST
- RR - 3692/0000-000-00-00 PUBLICAÇÃO: DJ - 14/12/2007 Min. Xxxxxxx
Xxxxxxxxx 6ª Turma)
Por outro lado, não é possível olvidar a outra realidade. Há casos em que, apesar de haver um contrato de franquia, o que se verifica é a subordinação ou a ingerência na relação entre franqueador e franqueado.
Na Justiça do Trabalho prevalece o princípio da primazia da realidade, no qual muitas vezes os fatos têm mais valor do que uma prova documental, prevalecendo a relação que existe na prática.
Nessas situações, é possível a existência da responsabilidade solidária ou subsidiária do franqueador, por restar comprovado de maneira cristalina que o contrato de franchising foi distorcido. Desse modo, haverá a incidência do artigo 2º,
§ 2º da CLT:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
(...)
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Desta feita, outro não poderia ser o entendimento da jurisprudência:
Agravo de instrumento em Recurso de Revista. Contrato de franquia não configurado. Incidência da Súmula nº 331, IV, do TST. Havendo o e. TRT da 9ª Região registrado que o objeto do suposto contrato de franquia era o fornecimento de mão-de-obra e ainda que o serviço prestado pela aparente franqueada era essencial à atividade da franqueadora, correta a condenação subsidiária dessa última. Com efeito, o desvirtuamento do contrato de franquia atrai a incidência da Súmula nº 331, IV, do TST. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TST- 6ª Turma - AIRR- 5331/2003-651-09-40.4, julgamento 05/08/2009, Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx)
Agravo de Instrumento em Recurso de Revista. Responsabilidade subsidiária - Tomadora de serviços - Contrato de franquia - Desvirtuamento. Recurso de revista que não merece admissibilidade em face da aplicação das Súmulas n os 126, 296 e 331, item IV, desta Corte e do que dispõem a alínea a e o § 4º do artigo 896 da CLT, bem como porque não foi configurada contrariedade ao item III da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, pelo que, não infirmados os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista, mantém-se a decisão agravada por seus próprios fundamentos. Ressalta-se que, conforme entendimento pacificado da Suprema Corte (MS-27.350/DF, Rel. Min. Xxxxx xx Xxxxx, DJ 04/06/2008), não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação a decisão do Juízo ad quem pela qual se adotam, como razões de decidir, os próprios fundamentos constantes da decisão da instância recorrida (motivação per relationem), uma vez que atendida a exigência constitucional e legal da motivação das decisões emanadas do Poder Judiciário . Agravo de instrumento desprovido. (TST – 2ª Turma - AIRR 688401520095030139 68840-15.2009.5.03.0139, Relator: Xxxx
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Julgamento: 09/02/2011)
É de se concluir, destarte, que o contrato de franquia é uma cooperação entre empresas independentes, caracterizado pela autonomia entre as partes, não sendo
o franqueador empregador do franqueado ou de seus empregados, não havendo, portanto, razão para responder pelas obrigações trabalhistas do franqueado196.
196 Xxxxx Xxxx, op. cit., p. 93.
5 CONCLUSÃO
O contrato de franquia representou verdadeira inovação no mercado mundial de produtos e serviços. Permitiu aos franqueadores, donos de marcas consagradas no mercado, expandir suas atividades para diversas localidades, mundialmente consideradas, fazendo uso de um instrumento hábil a tal fim.
Em um mercado de massa, onde o consumismo prevalece, esta ferramenta se tornou prática frequente nos variados ramos de atividade.
Trata-se de um contrato vantajoso para ambas as partes. O franqueador pode expandir seus negócios, transmitindo seus conhecimentos ao franqueado, que fará uso de sua marca e de seu método, mediante uma determinada remuneração.
Este contrato, no entanto, deve ser realizado com diversas precauções.
Apesar da promulgação da Lei 8.955/94, a denominada Lei de Franquia, não é possível considerar que houve o necessário regramento da matéria. Grande parte da doutrina ainda o considera um contrato atípico, uma vez que a suscitada lei se limitou a regulamentar apenas alguns aspectos deste contrato, deixando de lado temas de inegável importância.
Nesse panorama, coube então aos doutrinadores e ao Poder Judiciário o mister de preencher as lacunas deixadas pela legislação deficitária.
Acrescente-se nesse desenvolvimento do contrato de franchising a promulgação do Código Civil de 2002. A nova legislação civilista é marcada por um forte traço ético e social. O seu objetivo foi o de superar o individualismo e o anacronismo predominantes nas relações do século passado, dando especial atenção à sociedade e a dignidade da pessoa humana. Assim, o legislador criou mecanismos dinâmicos capazes de adequar a norma ao caso concreto e, deste, modo, acompanhar a evolução das relações.
Especial atenção é dada ao princípio da boa-fé e aos deveres anexos, muito utilizados nos contratos de franquia.
Este princípio impõe às partes contratantes deveres que não são o escopo do contrato e por vezes não foram documentados, mas mesmo assim devem ser
respeitados. São diversos deveres de proteção aos pactuantes e que não possuem rol exaustivo.
A importância desses deveres é justificada pela grande quantidade de informações valiosas e sigilosas que são trocadas no decorrer do contrato. A franquia baseia-se em modelos prévios de métodos, marcas e produtos. Por isso, o franqueador deve ter a cautela de se proteger desde o princípio do contrato e até mesmo após a sua conclusão. Uma informação que se torne pública é capaz de arruinar o trabalho de gerações.
Assim, o sistema jurídico impõe às partes deveres que devem ser observados antes, durante e depois da execução do contrato, como os de lealdade e confiança, assistência, informação, sigilo e confidencialidade. Sem isso, a atividade complexa que gira em torno do franchising estaria fadada ao insucesso.
Desta feita, especial atenção deve ser dada às cláusulas de assistência, aos acordos de sigilo e confidencialidade, aos contratos de exclusividade e à não concorrência.
Caso haja a violação das suscitadas proteções, surgirá para a parte prejudicada o direito de reclamar indenização em face do ofensor. A cautela exigida durante o contrato culmina neste momento. As avenças devem ser elaboradas prevendo também esta situação de descumprimento contratual, atribuindo responsabilidades. A diligência das partes deve ser no sentido de se evitar a ocorrência de prejuízos, que muitas vezes podem ser irreversíveis.
Além disso, a falta de previsão contratual deixa os contratantes ao alvitre das decisões dos Tribunais, o que pode demandar um tempo precioso para quem observa o negócio ruir.
Portanto, o cuidado na elaboração de um contrato de franquia deve permear toda a sua extensão, partindo das negociações preliminares, passando por sua fase de execução, culminando no momento posterior ao seu cumprimento, em que ainda há a necessidade de observância de deveres pós-contratuais.
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