RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS EM CONTRATOS DE CONCESSÕES DE SERVIÇO PÚBLICO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS EM CONTRATOS DE CONCESSÕES DE SERVIÇO PÚBLICO
Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxx x Xxxxxxxx*
RESUMO
A concessão de serviço público é uma modalidade de contrato administrativo, prevista na Lei n. 8.987/95, que consiste em delegação de serviço público, feita pelo poder público, mediante licitação, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado, havendo necessidade de autorização legislativa específica. As incumbências das concessionárias são diversas, tais como: prestar serviço adequado, de acordo com a lei e contrato; zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço; prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, etc.. No que tange à remuneração, em regra a concessionária mantém a sua atividade mediante tarifa do usuário. Caso a concessionária causar um dano, em razão do serviço público, a particulares, conforme prevê o artigo 37, § 6º, da CF/88, a responsabilidade será objetiva, isto é, independe de dolo ou culpa, exigindo-se apenas o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Mas, e o Estado que contratou a concessionária, pode ser responsabilizado, quando esta cometer um prejuízo? O presente artigo tem por escopo investigar os principais pontos de vista doutrinários acerca da responsabilidade civil do Estado por danos cometidos pelas concessionárias, ressaltando o tipo de responsabilidade que o Estado será enquadrado: subsidiária ou solidária, subjetiva ou objetiva. Ao final, tratar-se- à também de outro tema polêmico concernente ao alcance da responsabilidade objetiva das concessionárias por danos cometidos às vítimas não usuárias do serviço, ou apenas para as sejam usuárias.
Palavras-chave: Concessão de serviço público. Responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público. Responsabilidade do Estado por danos cometidos pelas concessionárias. Danos cometidos às vítimas usuárias e não usuárias do serviço público.
*Bacharel em Direito pela Universidade Anhanguera, especialista em Direito do Estado, com ênfase em Controle Externo, pela Universidade Unigran; Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar se o Estado tem responsabilidade por danos cometidos pelas concessionárias de serviço público, e em caso afirmativo, qual tipo de responsabilidade o Poder Público contratador da concessionária terá.
Demonstrar-se-á que o assunto não possui consenso, e que para alguns doutrinadores, devido o Estado ser titular do serviço público, e ter transferido apenas o seu exercício à concessionária, havendo prejuízo realizado por esta, o Poder Público não pode afastar do seu dever principal de prestar serviços adequados e reparar o dano em caso de má-fé ou falta de serviços, respondendo de forma solidária e objetiva.
Por outro lado, outros teóricos acreditam que a concessionária é a única responsável, porque age em nome próprio por sua conta e risco. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, por exemplo, afirma que a responsabilidade do Estado é subsidiária, e não solidária, frente aos danos cometidos pelos concessionários, tendo em vista que o Estado só irá responder quando estas deixarem de cumprir com a sua obrigação, o que acontece com a insolvência da empresa concessionária.
Outra questão polêmica que será respondida neste trabalho é se a responsabilidade objetiva da concessionária se estende apenas às vítimas usuárias do serviço público, ou também, às vítimas não usuárias do serviço. Observar-se-á a intenção do legislador e os posicionamentos majoritários dos doutrinadores e da jurisprudência.
O Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, Dr. Xxxxxxx Xxxxxx, requereu que a pesquisa fosse feita sobre qualquer assunto referente à contratos administrativos. Optou-se explanar a respeito da “Concessão de Serviços Públicos”, por se tratar do mais relevante contrato
administrativo brasileiro, e na seara da “responsabilidade civil”, em razão de existir várias questões polêmicas e que geram debates profundos na doutrina.
Em relação ao desenvolvimento da pesquisa, como a concessão de serviço público é um tipo de contrato administrativo, antes de adentrar no tema de concessão, ressaltar-se-á sobre os aspectos mais discutidos sobre contrato.
Dessa forma, no primeiro capítulo abordará o conceito e as características do contrato administrativo. Sobre o conceito, verificar-se-á a diferença entre contratos privados da administração e contratos administrativos, mesmo que ambos podem ser celebrados pela Administração Pública.
Em seguida, no segundo capítulo mencionar-se-á exemplos mais recorrentes de cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, o significado do equilíbrio econômico-financeiro e das teorias da imprevisão, bem como sobre a duração e as formas de rescisão dos contratos administrativos.
Por fim, no terceiro e último capítulo serão expostos o conceito de concessão de serviço público, a maneira pela qual as concessionárias são remuneradas, sobre a responsabilidade civil na concessão, tanto das concessionárias, quanto do Estado contratador das concessionárias, e ainda as formas de extinção da concessão.
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
Existem vários posicionamentos doutrinários diferentes a respeito do conceito de contrato administrativo. A maioria dos doutrinadores têm preferência pela expressão “contratos da administração”, uma vez que nem todo contrato celebrado pelo Poder Público tem natureza de contrato administrativo.
Ocorre que os contratos da administração podem ser regidos pelo direito privado, quando serão denominados “contratos privados da Administração”, ou regidos pelo direito público, quando terão o nome de “contratos administrativos”. Alguns exemplos da primeira hipótese, são uma compra e venda, e a locação de um imóvel para a instalação de uma repartição pública, e da segunda hipótese são a concessão de serviços públicos, e o contrato de gestão. (MARINELA, 2015, p. 483)
Tanto os contratos administrativos quanto os contratos privados da administração detêm as mesmas disciplinas em relação às condições e formalidades para estipulação e aprovação, como por exemplo, a exigência de licitação, e o controle pelo Tribunal de Contas, por outro lado apenas o contrato administrativo, não incluindo o contrato privado da administração, possui alguns instrumentos que instabilizem o vínculo jurídico, tal como a possibilidade de alterar ou de extinguir unilateralmente o contrato.
De acordo com o entendimento de MAZZA (2011, p. 365), contrato administrativo é:
O ajuste estabelecido entre a Administração Pública, agindo nessa qualidade, e terceiros, ou somente entre entidades administrativas, submetido ao regime jurídico-administrativo para a consecução de objetivos de interesse público.
Já a doutrinadora Maria Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx (0000, p. 251) acredita que os contratos administrativos são:
Ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público.
Quanto à competência para legislar sobre normais gerais de contratos administrativos, não há dúvidas de que é da União, conforme o artigo 22, inciso XXVII, da CF/88. Devido esta atribuição, a União editou a Lei n. 8.666/93 que
define as normas gerais sobre licitações e contratos válidos para todas as esferas federativas. (MAZZA, 2011, p. 366)
No tocante às características dos contratos administrativos, pode-se elencar as mais discutidas pelos doutrinadores, quais sejam:
a) Submissão ao regime de direito público, ou seja, são sujeitos aos princípios e normas de Direito Público para possibilitar a proteção do interesse público, tendo como exemplo, a exigência de prévia licitação para que se tenha um contrato.
b) Participação da Administração Pública em um dos polos: é atributo necessário para existência dos contratos administrativos.
c) Desigualdade entre as partes: a relação é vertical entre os interesses da Administração e do contratado, e por isso ela possui supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste.
d) Bilateralidade: o contrato administrativo prevê obrigações para as
duas partes.
e) Confiança recíproca: o contrato administrativo é personalíssimo,
celebrado intuitu personae.
f) Mutabilidade dos contratos administrativos: no Direito Administrativo a legislação possibilita que a Administração Pública realize a modificação unilateral das cláusulas do contrato, instabilizando a relação contratual diante de causas supervenientes de interesse público, ao contrário do que acontece no direito privado.
g) Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro: o contratado, para cumprir certos encargos, recebe da Administração Pública uma contraprestação pecuniária. Esse equilíbrio econômico-financeiro deve ser mantido durante toda a execução do contrato, de modo que, se ocorrer alguma situação de mutabilidade do contrato, o equilíbrio econômico financeiro deve ser reestabelecido.
h) Existência de cláusulas exorbitantes: são disposições contratuais que definem poderes especiais para a Administração dentro do contrato,
projetando-a para uma posição de superioridade em relação ao contratado. São exemplos de cláusulas exorbitantes: 1) possibilidade de revogação unilateral do contrato por razões de interesse público; 2) alteração unilateral do objeto do contrato; 3) aplicação de sanções contratuais.
3. DAS CLÁUSULAS EXORBITANTES, EQUILÍBRIO ECONOMICO-FINANCEIRO, DURAÇÃO e RESCISÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
604):
3.1 Das cláusulas exorbitantes
São exemplos de cláusulas exorbitantes, segundo DIAS (2016, p.
a) Da possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato pela
Administração Pública
A parte que pode ser alterada unilateralmente pela Administração Pública é a das cláusulas regulamentares ou de serviço, que se referem ao objeto do contrato e ao modo de sua execução. Contudo, se a Administração Pública alterar a cláusula regulamentar ou de serviço, criando ou retirando algum encargo para o contratado, deverá, também, alterar a parte econômica com o intuito de ser mantido o equilíbrio entre o encargo a ser desempenhado e a remuneração a ser recebida pelo contratado.
A alteração unilateral do contrato pode ser quantitativa ou qualitativa. Em relação à quantidade significa que o objeto do contrato tem alguns limites, a saber: para obras, serviço e compras é de até 25% do valor inicial atualizado do contrato, em caso de acréscimos ou supressões; e para reforma de edifício ou equipamento é de até 50% para os seus acréscimos. Quanto à qualidade porque a Administração Pública pode necessitar realizar alteração do objeto do contrato para ajustá-lo com a conveniência e oportunidade ao interesse público.
A Administração poderá, também, rescindir unilateralmente o contrato, isto é, colocar fim ao vínculo contratual mesmo sem a anuência do contratado. As razões da rescisão podem ser por interesse público ou em razão de falta praticada pelo contratado.
b) Da possibilidade de aplicação, pela Administração Pública, de sanções ao contratado: estão fixadas na Lei n. 8.666/93, em seu art. 87, e dependerá de uma decisão discricionária e devidamente fundamentada do administrador. São possíveis as seguintes sanções: multas, advertências, suspensão de participar em licitações e impedimentos de contratar com o Poder Público, bem como a declaração de inidoneidade da empresa.
Sobre as penas de multa e advertência, MARINELA (2015, p. 511) aborda que:
A pena de advertência deve ser realizada por escrito. No caso da aplicação da pena de multa, devem ser observadas as regras previstas no próprio contrato. Caso o valor seja superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
Em relação às penas de suspensão de licitar, e impedimento de contratar com a Administração Pública, MARINELA (2015, p. 511) aduz que:
Na suspensão de licitar, somado ao impedimento de contratar com o Poder Público, o prazo será de até dois anos, ficando a empresa, por esse período, impedida de contratar com o ente que a penalizou. Nada impede que ela o faça com os demais entes.
Já sobre a pena de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, a mesma doutrinadora ressalta que:
A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública é sanção da competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso. Essa sanção mantém-se enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação do licitante perante a própria autoridade que aplicou a sanção. A reabilitação poderá ser requerida após dois anos de sua aplicação, desde que o contratado tenha ressarcido a Administração pelos prejuízos causados. Tendo em vista que a Administração Pública só pode contratar com empresas idôneas, a empresa penalizada, ao perder essa qualidade, ficará impedida de contratar com todos os entes da federação, e não somente com quem aplicou a pena, como ocorre no caso anterior.
c) Da exigência de garantia
A Administração Pública pode exigir garantia do contratado, desde que esteja prevista anteriormente no instrumento convocatório. A escolha da modalidade da garantia é feita pelo próprio contratado e tem por finalidade cobrir eventuais prejuízos que o contratado tenha causado à Administração Pública. É possível descontar da garantia o valor da penalidade de multa aplicada ao contratado.
d) Inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido
Para a doutrina mais moderna, assim como nos contratos privados, aos contratos administrativos também é aplicável a cláusula da exceção do contrato não cumprido, porém ela ocorre de forma diferenciada.
A mencionada explanação resulta da aplicação do art. 78, XV, da Lei
n. 8.666/93, que prevê:
O atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração, decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação.
Então, até o prazo de noventa dias, o contratado deve continuar prestando o serviço, mesmo que não esteja recebendo da Administração Pública, mas após tal prazo a lei permite a suspensão do serviço. Caso o contratado deseje a rescisão do contrato, deverá se valer do judiciário.
e) Da fiscalização dos contratos administrativos (art. 67 da Lei n.
8.666/93)
É poder-dever da Administração de fiscalizar a execução do contrato
administrativo, em razão disso a execução do contrato deve ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidia-lo de informações pertinentes a essa atribuição. Todas as situações devem ser registradas, devendo a autoridade determinar a regularização de possíveis falhas e defeitos, como também comunicar à autoridade competente, quando a medida extrapolar a sua esfera de competência.
f) Ocupação provisória de bens e pessoal do contratado prestador de serviços essenciais para a coletividade
Tem por finalidade preservar o princípio da continuidade dos serviços públicos, e está prevista em dois casos: a Administração pode ocupar bens do contratado e utilizar o pessoal no caso de rescisão do contrato por falta cometida pelo contratado, ou para apurar faltas contratuais pelo contratado sempre que houver necessidade da Administração se acautelar na produção dessas provas.
3.2 Equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo
A relação firmada pelas partes no tocante aos encargos do contratado e retribuição da Administração com justa remuneração deve como regra ser mantida durante toda a execução do contrato. A exceção acontecerá caso haja alteração na situação fática de forma a causar prejuízo para uma das partes, devendo o contrato ser revisto ou rescindido.
Assim sendo, são hipóteses de teoria da imprevisão:
• Força maior e caso fortuito: trata-se de ato do homem que seja estranho à vontade das partes ou fato da natureza.
Alguns doutrinadores diferenciam força maior de caso fortuito, alegando que a primeira é evento humano imprevisível, enquanto que o segundo é evento da natureza imprevisível.(XXXX, 2016, p. 612, 613)
• Fato do príncipe: consiste em uma determinação estatal, superveniente e imprevisível, geral e abstrata, que onera o contrato, repercutindo indiretamente sobre ele- incidência reflexa. Alguns doutrinadores asseveram que só é fato do príncipe quando quem praticou a conduta onerosa for da mesma esfera de governo do administrador com o qual se celebrou o contrato.
• Fato da administração: resulta de uma atuação estatal especifica que incide diretamente sobre o contrato, impedindo a sua execução nas condições inicialmente estabelecidas. Então, essa atuação atinge o objeto principal do contrato.
• Interferências imprevistas: são fatos materiais imprevistos, existentes ao tempo da celebração do contrato, mas só verificados ao tempo da sua execução.
3.3 Duração dos contratos
O contrato administrativo não pode ser celebrado por prazo indeterminado, e a duração dos contratos administrativos é vinculada à duração do respectivo crédito orçamentário, com algumas exceções, segundo o artigo 57 da Lei n. 8.666/93.
3.4 Rescisão contratual
A rescisão do contrato administrativo pode acontecer de diferentes maneiras, tais como:
a) Rescisão administrativa: acontece por ato unilateral da Administração Pública e independe da anuência do contratado, apesar de ser lhe concedido o direito de contraditório e ampla defesa. Decorre de duas situações: inadimplência do contratado ou razões de interesse público. A última situação ocorre por razões de conveniência e oportunidade ao interesse público que apontam para a descontinuidade do contrato, cabendo ao contratado direito à indenização pelo que deixou de lucrar.
b) Rescisão amigável: ocorre por acordo entre as partes e desde que haja interesse da Administração para a rescisão.
c) Rescisão judicial: acontece nos casos em que a Administração Pública está inadimplente, isto é, quando está devendo financeiramente para o contratado além do prazo normal de 90 dias. Neste caso, o contratado pode exigir a recomposição dos prejuízos sofridos, lucros que deixou de ganhar, além da devolução da garantia anteriormente prestada.
d) Rescisão de pleno direito: acontece por circunstancias estranhas à vontade das partes, como, por exemplo, o falecimento do contratado, dissolução da sociedade, perecimento do objeto.
4 CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
4.1 Conceito de concessão de serviço público e remuneração das concessionárias
A respeito do contrato de concessão de serviço público, MAZZA (2011, p.373) traz o seguinte conceito:
A concessão de serviço público é o mais importante contrato administrativo brasileiro, sendo utilizado sempre que o Poder Público opte por promover prestação indireta de serviço público mediante delegação a particulares. Exemplos de serviços sob concessão: transporte aéreo de passageiros, radiodifusão sonora (rádio) e de sons e imagens (televisão), concessão de rodovias etc.
A Administração Pública ao delegar a prestação a concessionários e permissionários, por determinação do artigo 175 da CF/88, deverá realizar procedimento licitatório, sendo que no caso da concessão, a licitação será na modalidade concorrência pública, diferentemente da permissão, que pode utilizar qualquer modalidade licitatória.
A Lei n. 8.987/95, em seu art. 2º, II, também define a concessão de serviço público como
A delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
A remuneração das concessionárias é feita por tarifa do usuário, sendo que as regras da política tarifária são estabelecidas durante a licitação, atendendo as disposições dos artigos 9º, 10, 11 e 13 da Lei n. 8.987/95.
As concessões de serviço público também podem contar com o auxílio de recurso público, porém não é algo comum.
Para que o custo para o usuário não se torne muito oneroso, as concessionárias podem fazer uso de receitas alternativas, consagrando o princípio da modicidade das tarifas.
4.2 Responsabilidade civil na concessão de serviço público
Uma das perguntas que mais se faz a respeito do tema de concessão de serviço público é: “Se o serviço da concessionária provocar prejuízo para alguém, a responsabilidade perante os administrados é da concessionária ou do Poder Público contratante da concessionária?
Não há dúvidas quanto à responsabilidade da concessionária, de acordo com o artigo 37, § 6º, da CF/88, que ressalta que a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos é objetiva, isto é, independe de dolo ou culpa.
Os concessionários adotam como regra geral a teoria do risco administrativo, no que se refere à prestação de serviço público, e sobre isso, LIMA (2011) assevera que:
Os concessionários exercem suas atividades como pessoas jurídicas interpostas da Administração Pública, assumindo o ônus da responsabilidade, aplicando-se, na regra gera, a teoria do Risco Administrativo. Conforme tal entendimento, todo e qualquer ente que se propõe a desenvolver determinada atividade, arca, necessariamente, com a obrigação de responder pelos eventuais danos ocorridos, motivo pelo qual a Carta Magna reza que a responsabilização dar-se-á nos mesmos previstos pelo art. 37, § 6º.
Sobre a responsabilidade do Estado ser objetiva, significa que para responder, não se exige conduta dolosa ou culposa, mas o nexo de causalidade entre a conduta, lícita ou ilícita, e o dano. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx (2004), leciona o seguinte sobre tal tema:
O concessionário, já foi visto, gere o serviço por sua conta, riscos e perigos, daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados à prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do estado, pois ambas estão conjuntamente no mesmo dispositivo constitucional. Isto significa, segundo opinião absolutamente predominante no Direito brasileiro, que a responsabilidade em questão é objetiva, ou seja, para que seja instaurada, prescinde- se o dolo ou a culpa da pessoa jurídica, bastando a relação causal entre a atividade e o dano.
Logo, não se discute sobre a responsabilização das concessionárias por danos a usuários ou terceiros. O ponto polêmico e de divergentes opiniões doutrinárias é se o Estado tem responsabilidade frente os atos dos concessionários públicos que provocam prejuízos a alguém.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx possui a concepção de que a responsabilidade pelos danos, em tese, será das concessionárias, e que o Estado só irá responder quando estas deixarem de cumprir com a sua obrigação, o que ocorre em caso de insolvência da empresa concessionária. Caso a concessionária não arcar com a sua obrigação por ato estranho ao serviço público, apenas ela responderá pelo prejuízo, e não o Estado.
Então, para o mencionado doutrinador, a responsabilidade do Estado é subsidiária, e não solidária, por se tratar de um devedor secundário.
No mesmo sentido é o entendimento de XXXXXXXXX (1995, p. 244), a
saber:
É subsidiária sempre que, esgotadas as forças do outorgado, restar por satisfazer certo montante decorrente de obrigações originadas diretamente da prestação dos serviços.
Outros doutrinadores acreditam que o Estado tem responsabilidade solidária em caso de danos cometidos pelas concessionárias, uma vez que quando este delega a prestação dos serviços públicos, não pode afastar da sua obrigação precípua de realizar serviços adequados e reparar o dano em caso de má-fé ou falta do serviço.
Grande parte da doutrina ressalta que quando o Poder Público escolhe particular delegando a prestação do serviço público, havendo danos, a culpa será “in vigilando”, isto é, decorrente da falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável deve pagar, cujo fundamento está previsto no artigo 932 do Código Civil.
Dessa forma, o referido entendimento é de que o Estado arcará com a obrigação, quando há presunção de falha do Poder Público na escolha da concessionária (“in elegendo”) ou na fiscalização de suas atividades (“in vigilando”).
Ao contrário de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, o jurista XXXXXX (2007) tem o posicionamento de que a responsabilidade do Poder Público será solidária e objetiva, quando existe falha na escolha da concessionária, e nas situações em que age com omissão na fiscalização da atividade prestada pela concessionária.
(2007):
Neste sentido, é importante trazer os ensinamentos de CAHALI
A responsabilização solidária incide quando a concessão tenha por objeto a prestação de serviços públicos, tendo em vista que na execução de atos estranhos a prestação da serventia a reparação deve ocorrer de forma subsidiária, mas não em função de uma eventual insolvência da empresa concessionária, mas em função de omissão culposa da fiscalização da atividade pelo poder público.
Tratando-se de concessão de serviço público, permite-se reconhecer que, em função do disposto no art. 37, § 6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde
objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, em razão da presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades.
Acerca desta discussão se o Estado responde de forma solidária, ou subsidiaria, ou ainda, de forma subjetiva ou objetiva, o foco deste trabalho não é trazer decisões judiciais, no entanto, caso seja realizada pesquisa jurisprudenciais, será constatado que a maioria das decisões são no sentido de considerarem o Estado como responsável subsidiário, uma vez que as concessionárias executam o serviço, por sua conta e risco, não sendo prepostas do Estado, por não existir relação de subordinação, sendo incabível, consequentemente, a aplicação do artigo 932, III, do Código Civil.
Outro ponto polêmico e que era fruto de muitas discussões doutrinárias e entendimentos divergentes do Poder Judiciário é se a responsabilidade objetiva das Concessionárias se estende também à vítima não usuária do serviço público.
Acerca deste tema, é importante citar o entendimento de XXXXX (2004), a saber:
(...) Quando o Texto Constitucional, no § 6º do art. 37, diz que as pessoas ‘de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes nesta qualidade causarem a terceiros’, de fora parte a indispensável causação do dano, nada mais exige senão dois requisitos para que se firme dita responsabilidade: (1) que se trate de pessoa prestadora de serviço público; (b) que seus agentes (causadores do dano) estejam a atuar na qualidade de prestadores de serviços públicos. Ou seja: nada se exige quanto à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não se exige que sejam usuários, nesta qualidade atingidos pelo dano. Com efeito, o que importa, a meu ver, é que a atuação danosa haja ocorrido enquanto a pessoa está atuando sob a titulação de prestadora de serviço público, o que exclui apenas os negócios para cujo
desempenho não seja necessária a qualidade de prestadora de serviço público. Logo, se alguém, para poder circular com ônibus transportador de passageiros do serviço público de transporte coletivo necessita ser prestadora de serviço público e causa dano a quem quer que seja, tal dano foi causado na qualidade de prestadora dele. Donde, sua responsabilidade é a que está configurada no § 6º do art. 37.
Dessa forma, o artigo 37, § 6º, da CF/88 não menciona a palavra “terceiros” a toa. Caso as concessionárias apenas fossem responsáveis por danos cometidos a usuários de serviços públicos, o dispositivo constitucional teria utilizado um termo mais específico para o sujeito passivo do dano.
Após a decisão do Recurso Extraordinário número 591.874/PE, proferida em 2009, praticamente há consenso de que é irrelevante se o terceiro que sofreu o dano seja usuário ou não do serviço público delegado, sendo suficiente que o dano produzido pelo agente público seja capaz de provocar o dano, com vistas a consagrar as características do serviço público, quais sejam, universalidade e generalidade, dessa forma a responsabilidade objetiva também se estende às vítimas não usuárias do serviço.
4.3 Formas de extinção da concessão
O artigo 35 da Lei 8.987/95 aborda sobre as formas de extinção do contrato de concessão, quais sejam:
• Término do prazo de duração;
• Rescisão unilateral da Administração Pública: que pode ser por encampação ou caducidade. A encampação gera a extinção da concessão, quando não há interesse público para a Administração Pública manter o contrato, devendo indenizar a empresa concessionária. A caducidade, por outro lado, ocorre quando não há cumprimento de algumas das cláusulas do contrato pela concessionária, havendo inadimplência.
• Rescisão: judicial (concessionária não deseja mais manter o serviço), ou amigável (ambos não desejam manter)
• Anulação: extinção da concessão por vício de legalidade no contrato.
• Falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No exercício do serviço público, as empresas concessionárias podem provocar prejuízos a particulares, e neste caso surgem diversos questionamentos.
O primeiro deles se refere à necessidade da vítima comprovar a culpa/xxxx ou não do agente causador do dano. No que concerne a isso, não há dúvidas da responsabilidade civil objetiva das concessionárias, em razão do que está previsto no artigo 37, § 6º, da CF/88, que coloca as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos ao lado das pessoas jurídicas de direito público.
Um segundo questionamento que se faz é se o Estado responde de forma solidária ou subsidiária frente aos danos cometidos pelas concessionárias. Durante este trabalho restou evidente que a doutrina não possui consenso, pois, por exemplo, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx consideram que a responsabilidade é subsidiária, haja vista que a obrigação do Estado é secundária, agindo apenas se a concessionária se tornar inadimplente.
Percebeu-se também durante a pesquisa que existe outra corrente, na qual se enquadra, por exemplo, o jurista Xxxxxx, que possui a concepção de que a responsabilidade do Estado é solidária, sob o argumento de que ele não pode se negar a reparar danos, sendo titular do serviço público, e que tem o dever de fazer
boa escolha da concessionária vencedora da licitação, e de fiscalizar todos os atos cometidos pela mesma.
A maioria das decisões judiciais são no sentido de que em caso de prejuízos realizados pelas concessionárias, o Poder Público tem responsabilidade subsidiária, cujo entendimento compartilho, visto que não há lei que dispõe sobre solidariedade em tal caso, e ainda por o delegatário do serviço público não ser considerado preposto ou mandatário do poder público.
Ocorre que a relação entre a concessionária e o poder público que a contratou não é de preposição, que possui previsão no artigo 932, III, do Código Civil, porque não há relação de subordinação entre eles, agindo a concessionária, na execução de serviço de interesse coletivo, em seu nome próprio.
Um terceiro questionamento, e não menos importante, é se a responsabilidade objetiva das concessionárias, com o cometimento de um dano, alcançaria também as vítimas não usuárias do serviço público, ou apenas as usuárias.
Conforme se vê no teor deste trabalho, o STF já proferiu várias decisões no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva restrita aos usuários do serviço público, porém após decisão do Recurso Extraordinário nº 591.874, julgado em 26 de agosto de 2009, com a admissão da repercussão geral, a jurisprudência está pacífica quanto a este tema, reconhecendo a responsabilidade civil objetiva das empresas que prestam serviços públicos, mesmo em relação a terceiros não usuários do serviços públicos.
6 REFERÊNCIAS
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