OS CONTRATOS PRIVADOS DE SAÚDE E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS
OS CONTRATOS PRIVADOS DE SAÚDE E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS
Daniela Maria Paludo1
É indiscutível a configuração de uma relação de consumo, formada de um lado por um fornecedor de serviços que objetiva o lucro, tendo a livre iniciativa permitida pelo artigo 199 da Constituição Federal2, e de outro lado por um segurado (consumidor) que almeja que sua saúde esteja amplamente segurada, mediante o pagamento de mensalidades a uma seguradora, quando recorrer ao atendimento necessário.
Regulamentado pela Lei 9.656/98, o contrato de plano de saúde é de trato sucessivo, envolvendo por anos fornecedor e o consumidor, sua família e beneficiários. São igualmente aleatórios, dependendo a contraprestação do fornecedor da ocorrência de evento futuro e incerto, a doença dos consumidores.
Como os planos e seguros privados de assistência à saúde vinham revelando várias cláusulas abusivas, o governo federal resolveu editar uma medida provisória que, a despeito de convertida em lei (Lei nº 9.656/98), até hoje tem sido alterada por uma sucessão infindável de medidas provisórias (Xxxxx, 2003, p. 179).
Quanto ao Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de harmonizar e dar transparência às relações de consumo, o CDC, além de trazer novos direitos aos consumidores e novos deveres aos fornecedores, proibiu expressamente às cláusulas abusivas.
Como sabemos, nos contratos de adesão são comuns as chamadas cláusulas abusivas. Com tal rubrica, o Código de Defesa do Consumidor diz que são nulas as cláusulas abusivas, indicando-as em dezesseis incisos do art. 51. Havia nos contratos certas cláusulas limitativas que podem ser tidas como abusivas (Wald, 2004, p. 614).
O CDC não trouxe em seu texto uma definição legal para o que deva ser considerada cláusula abusiva, indicando somente a abusividade em certas condutas, deixando tal trabalho para a jurisprudência ou presumindo-a em alguns casos e práticas. Assim, esclarecendo de forma doutrinária, há a conceituação trazida por alguns importantes nomes do meio jurídico.
Para Marques (2002, p. 147):
A abusividade da cláusula contratual e, portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico: e a unilateralidade excessiva, e a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, e igualmente, a autorização de atuação futura contrária a boa-fé,
1 Acadêmica formanda A/2005, do Curso de Direito da Univates, Lajeado/RS. Publicação ago/05.
2 CF, “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”
arbitrária ou lesionária aos interesses do outro contratante, e a autorização de abuso no exercício da posição contratual preponderante.
Presente no art. 51 do CDC3 está uma lista exemplificativa de cláusulas consideradas abusivas. No entanto, a análise do real interesse das partes na assinatura do contrato é fator primordial. A autonomia da vontade sempre deve ser considerada como prejudicada quando há uma vantagem excessiva para uma das partes causando desequilíbrio contratual.
A nulidade de uma cláusula não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar de esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. As nulidades absolutas, como as do artigo 51 do CDC, caracterizam-se por não serem sanáveis pelo juiz, passando a relação contratual, naquele aspecto, a ser regida pela lei.
Como a esmagadora maioria destes contratos, senão a totalidade deles, corresponde aos chamados "contratos de adesão" (aqueles que já apresentam todas as suas cláusulas previamente impressas, diferenciando-se apenas quanto à qualificação da parte contratante), não são incomuns as inserções de cláusulas abusivas, as quais são ferrenhamente refutadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
[...] Assim, garantindo-se o tratamento pelo seguro-saúde, há cláusula indicando quais os danos cobertos. Mas a cláusula seguinte indica quais os danos não cobertos, e são tais as exclusões que o segurado fica praticamente sem cobertura. Isso é cláusula abusiva. Assim, a apólice indica as causas que admitem internação, como urgência médica, mas logo após exclui as mesmas causas, porque adita que não estão cobertas as que decorram de doenças infecto-contagiosas ou as que decorram de doenças crônicas. Todas essas exclusões são explicadas, mas o aderente nem sempre sabe o que significam, nem ê a apólice antes de assinar, mesmo porque só lhe mandam (quando o fazem) após a assinatura (Wald, 2004, p. 614).
3 CDC, “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código; III – transfiram responsabilidade a terceiros; IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V – segundo as circunstâncias, e em particular, segundo a aparência global do contrato, venham, após sua conclusão, a surpreender o consumidor; (Vetado) VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3º O Ministério Público, mediante inquérito civil, pode efetuar o controle administrativo abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais, cuja decisão terá caráter geral. (Vetado). § 4º É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.”
Elas colocam o consumidor em desvantagem exagerada, perturbando a harmonia e o equilíbrio que deve haver na relação contratual. Assim, não podem ser aceitas.
REFERÊNCIAS
MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Código de Defesa do Consumidor Anotado e legislação complementar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
XXXX, Xxxxxxx. Obrigações e contratos. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.