Processo nº 207/04-L
Processo nº 207/04-L
Acordo de cessação do contrato de trabalho
Regras sobre as alterações do acordo; a questão da boa fé na execução dos negócios jurídicos
Sumário:
1. As partes podem livremente celebrar acordo de cessação do contrato de trabalho, através de documento assinado pelas partes, de onde conste expressamente a data de celebração do acordo e o início de produção dos seus efeitos, nos termos do art.º 64º, da Lei nº 8/98, de 20 de Julho.
2. O acordo de cessação de contrato de trabalho deve ser pontualmente cumprido, e só pode ser modificado ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes, de acordo com o nº 1, do art.º 406º, do C. Civil.
3. As partes devem proceder de boa fé, tanto nos preliminares, como na execução e cumprimento dos negócios jurídicos, de acordo com as disposições combinadas do nº 1, do art.º 227º e art.º 762º, nº 2, ambas do C. Civil.
ACÓRDÃO
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal Supremo:
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, com os demais sinais de identificação nos autos, intentou junto do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, uma acção emergente de violação de contrato contra o Banco Austral, SARL, com sede na Xxxxxxx 00 xx Xxxxxxxx em Maputo, tendo por base os fundamentos constantes da sua petição inicial de fls 2 a 8, à qual juntou os documentos de fls 9 a 26.
Citada regularmente na pessoa do seu representante legal, o réu deduziu contestação, fazendo-o por excepção e impugnação, conforme se alcança a fls 34 a 39, e juntou o documento de fls 40.
O autor respondeu à matéria excepcionada pelo réu, nos termos constantes de fls 54 a 59.
Findos os articulados, teve lugar audiência de discussão e julgamento, na qual foram ouvidas as partes em litígio, fls 87 a 89.
Posteriormente, foi proferida sentença, fls 93 a 97, que considerou improcedente a excepção arguida pelo réu por alegada ineptidão da petição inicial, absolveu o réu do pedido de compensação por danos morais e condenou-o a pagar ao autor a quantia global de 1.121.059.519,00Mt da antiga família, assim discriminada:
- 86.649.490,01 Mts mensais a título de pensão de reforma;
- 985.152.408,08Mt de diferença entre a pensão fixada em juízo e a que foi sendo paga pelo réu até a data da sentença;
- 49.257.620,44Mt de juros de mora.
Não se tendo conformado com a decisão assim tomada pelo Tribunal da primeira instância, o réu interpôs tempestivamente recurso, logo juntando as respectivas alegações, fls 104 a 109, e cumprindo o mais de lei para que o mesmo pudesse ter seguimento.
Sustentando o recurso interposto, o apelante vem dizer o seguinte:
- “Por manifesto lapso… foi somado ao montante dos diferenciais vencidos e aos juros de mora o montante fixado para o pagamento mensal da pensão de reforma…”;
- “O montante da condenação a pagar ao A seria de 1.034.410.028,00Mt, e não 1.121.059.519,00Mt…;
- “Tendo o R requerido a intervenção do Estado, com fundamento na cláusula 9ª do contrato de compra e venda de 80% das acções do Banco Austral, tal requerimento foi indeferido porque o Tribunal entendeu que a causa de pedir era posterior à data da alienação”;
- “ (…) o R não fixou livremente ao A o montante da pensão de reforma”;
- “ (…) os salários que haviam sido fixados não respeitam as tabelas impostas;
- “ (…) o A passou a receber salário como Director, nunca tendo sido nomeado pelo Conselho de Administração que era o único órgão com competência para fazer tal nomeação…”;
- “Não se pode pois o R conformar que o tribunal ignorando as razões que deram origem à causa de pedir, indefira a intervenção do Estado”.
- “ (…) a pensão de reforma cuja base de incidência para o cálculo foi um salário fixado abusivamente acima dos valores permitidos na função e categoria do A enquanto trabalhador”.
Termina por considerar que a sentença proferida deve ser anulada.
O apelado, por sua vez, veio contra-alegar, fls 114 a 118, dizendo que:
- “ficou sobejamente demonstrado que a presença do Estado em juízo ou o seu chamamento aos autos era e é dispensável”.
“ (…) ficou provado que o Estado, nos termos do referido Acordo tinha o dever de atender as custas legais, às indemnizações e quaisquer outros custos judiciais referentes aos processos judiciais e ás reclamações contra a sociedade cujas causas de pedir tenham origem antes da DATA DE TRANSAÇÃO, incluindo causas de pedir que tenham origem em contrato de cessação involuntária de trabalho devido a irregularidades anteriores à DATA DE TRANSAÇÃO, em relação às quais a SOCIEDADE não tenha tomado a acção legal apropriada antes da DATA DE TRANSAÇÃO, e incluindo acordos de cessação involuntária de trabalho baseados em contratos de trabalho anteriores à DATA DE TRANSAÇÃO…”.
- “No caso do Recorrido a causa de pedir que constitui o esteio do seu pedido em primeira instância, teve cumulativamente origem em facto jurídico registado cerca de sete meses depois da chamada DATA DE TRANSAÇÃO, consubstanciado em convenção escrita de cessação voluntária do contrato de trabalho por reforma antecipada, subsequente e antecipadamente rompida pelo apelante aos 19 de Julho de 2002”.
- “… Donde o seu total desajustamento e não aplicabilidade ao acordo de cessação voluntária de contrato de trabalho celebrado entre o Apelante e o Apelado e sem qualquer intervenção do Estado”.
- “…No caso vertente a proposta de contrato foi apresentada pelo Apelante… sendo depois recebida e expressamente aceite em 7 de Maio de 2002 pelo Apelado através do preenchimento da ficha de Inscrição Voluntária no âmbito do Processo de Racionalização…. O Xxxxxxxx apresentou depois em 7 de Junho de 2002 uma carta confirmativa de que havia sido autorizada por despacho de 17 de Maio de 2002 do Administrador Delegado do Banco Austral a modalidade de reforma antecipada por aderência voluntária ao processo de racionalização de pessoal… à qual se anexaram em detalhe todos os cálculos da pensão”.
-“O rompimento protagonizado pelo Apelante em 17 de Julho de 2002… também não pode colher nem ser aceite alegadamente como aceitação com modificações porque as modificações apresentadas pelo Apelante ao Apelado ocorreram depois do processo de formação de vontades se encontrar perfeito e depois das partes terem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”.
Conclui por considerar que ao recurso seja negado provimento e que deve ser confirmada a sentença proferida na primeira instância.
No seu visto, fls 147 vº, o Exmº Representante do Ministério Público nesta instância, considera que:
“É claramente infundada a pretensão de levar o Estado à demanda nos presentes autos uma vez que a causa de pedir é posterior à data da transação e por conseguinte não enquadrável nas previsões da cláusula 9ª do contrato de cessão de 80% das acções do Banco Austral assinado entre… o Estado e os actuais cessionários”.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
No caso ora em reapreciação, a impugnação da sentença recorrida diz respeito a matérias de facto e de direito que importa analisar.
Comprova-se que o contrato de trabalho celebrado entre o apelante e o apelado em 1974 cessou por mútuo acordo das partes no âmbito e tendo por base as regras estabelecidas para o processo de redimensionamento do efectivo de trabalhadores ao serviço do Banco Austral, tendo o apelado optado pela reforma antecipada, nos termos e condições constantes de fls 14.
Está provado, através dos documentos de fls 9, 10, 21 e 26, que na data em que ocorreu a cessação do contrato de trabalho, 30 de Junho de 2002, o apelado auferia uma remuneração mensal de 4.600 dólares americanos, sobre a qual veio a ser calculada a pensão de reforma fixada em 3.649,03 dólares americanos, valor este proposto pelo apelante e aceite pelo apelado, a 7 de Maio de 2002 (fls 19, 20 e 22).
Nesta base, o quadro factual acima descrito, e que foi dado como assente na primeira instância, evidencia que as partes no acordo mútuo de cessação do contrato de trabalho e consequente reforma antecipada do apelado, o qual assume entre ambas a dignidade de lei, se obrigaram a cumprir pontualmente e
de boa fé, os precisos termos do aludido acordo (cfr artigo 64º, da Lei nº 8/98 de 20 de Julho e artigos 406º, nº 1 e 762º, nº 1 do Código Civil).
Entretanto, demonstra-se pelos documentos de fls 23 a 25 que, a 19 de Julho de 2002, o apelante decidiu unilateralmente modificar os termos e condições anteriormente acordados, incluindo o valor da pensão de reforma do apelado, alegando, mas sem o demonstrar, entre outros, o facto de que tais alterações teriam resultado de instruções dadas “informalmente” pelo Ministério do Plano e Finanças, no quadro de um Contrato de Compra e Venda das Acções do Banco, celebrado entre o Estado Moçambicano e o ABSA Group Limited.
E, nas suas alegações do presente recurso, o apelante invoca a cláusula 9ª do referido contrato para responsabilizar terceiros, no caso o Estado, pelo pagamento de quaisquer quantias devidas ao apelado.
Xxxxx ainda o apelante que o apelado auferia um salário de Director sem que para tanto tivesse sido nomeado pelo competente Conselho de Administração e que não fixou livremente o montante da pensão de reforma do apelado.
Trata-se de fundamentos que não podem proceder porque, como acima se referiu, no caso, os efeitos jurídicos decorrentes do acordo de cessação do contrato de trabalho, bem como a obrigação de pagar a pensão nas condições e no valor convencionados restringem-se apenas as partes contraentes (cfr artigos 64º, nº 1 da Lei nº 8/98 e 406º, nº 1, do Código Civil), tanto mais que o apelado não consta como parte do aludido contrato, nem as prestações que lhe são devidas integram o objecto do mesmo contrato de compra e venda de acções celebrado entre o Estado e o Banco.
Por outro lado, note-se que, enquanto os documentos de fls 20 e 21, aceitando a desvinculação voluntária do apelado e autorizando o pagamento do valor convencionado para a reforma do apelado, se mostram ambos devidamente assinados e autenticados, o mesmo já não se verifica com o documento de fls 25, pelo qual o apelante comunica ao apelado a 19 de Julho de 2002, as alterações que unilateralmente decidiu introduzir no acordo de cessação do vínculo laboral e no valor da pensão de reforma.
Tendo presente que, como acima se demonstra, a declaração negocial apresentada pelo apelante e aceite, sem modificações, pelo apelado, visando a
cessação voluntária e consensual do contrato de trabalho, bem como o pagamento do valor acordado da pensão de reforma antecipada, a conduta do apelante foi desleal, defraudando as legítimas expectativas do apelado, na medida em que, no contrato, as partes devem proceder de boa fé, tanto nos preliminares, como na execução dos negócios jurídicos (cfr artigos 224º, nº 1, 227º, nº 1 e 230º, nº 1 do Código Civil).
Assim, para além da indiscutível falta de legitimidade para proceder às referidas alterações, com esta sua atitude, o apelante incorre nas consequências jurídicas do incumprimento culposo de convenção livremente celebrada com o apelado (cfr artigos 798º e 799º, do Código Civil).
Quanto ao montante da condenação fixado em 1.121.059,519,00Mt, o apelante pretende, nas suas alegações, que o mesmo seja alterado para 1.034.410.028,00Mt, porque, no seu entender “foi somado ao montante dos diferenciais vencidos e aos juros de mora o montante fixado para o pagamento mensal da pensão de reforma”.
Ora, de acordo com o fixado na sentença recorrida, fls 97, foi fixado em 86.649.490,00Mt o valor mensal da pensão de reforma a ser paga pelo apelante ao apelado. O valor de 985.152.408,00 Mt corresponde ao montante das diferenças entre aquele valor e o que vem sendo pago, sendo 49.257.620,00Mt o correspondente aos juros de mora de 5% relativos ao período compreendido entre a data da primeira prestação, Julho de 2002, até a do efectivo pagamento do valor da pensão de reforma fixado na primeira instância, tendo por base o disposto nos artigos 198º, nº 2, da Lei nº 8/98, de 20 de Julho, 559º, nº 1 e 798º, do Código Civil.
Nesta conformidade, feita a revisão neste Tribunal Supremo, com base nos dados disponíveis no processo, conclui-se que tem razão o apelante ao pretender que seja excluído do valor total da condenação o montante de 86.649.490,01 Mts que deve pagar mensalmente ao apelado, a título de pensão de reforma.
Termos em que, por todo o exposto, decidem declarar parcialmente procedente o recurso interposto e alteram a decisão proferida na primeira instância, quanto ao valor da condenação.
Custas pelas partes na proporção do vencido.
Maputo, 05 de Março de 2009
Ass:) Xxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx