A FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO NO ORDENAMENTO PÁTRIO
A FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO NO ORDENAMENTO PÁTRIO
Alunos: Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Orientadores: Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx Terra e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Introdução
A frustração do fim do contrato é instituto desenvolvido em outros ordenamentos, cuja aplicação no Brasil é objeto de controvérsia. Sua incidência conduz à ineficácia do vínculo contratual quando a finalidade comum assumida pelas partes se torna inalcançável por fatores externos aos contratantes, embora a prestação ainda seja possível. Esse instituto está intimamente ligado ao que se compreende por fim do contrato, que não se confunde com os motivos individuais dos contratantes, aproximando-se, na realidade, da função concreta do negócio jurídico.1
Nesse sentido, uma vez identificada a finalidade do contrato e verificando-se ser esta inalcançável, haverá, inevitavelmente, a perda de sentido na contratação, já que não persistem os interesses das partes na continuação ou mesmo na modificação do contrato celebrado. Assim, ante a perda da função social do contrato, as partes serão liberadas do cumprimento de suas obrigações.
É essencial, todavia, que o risco do evento que levou à impossibilidade de se alcançar o fim pretendido não decorra de ação culposa das partes e nem tenha sido imputado a um dos contratantes, seja por força de lei ou por disposições contratuais. Afinal, havendo previsão legal ou contratual nesse sentido, esta prevalecerá, tornando descabida a aplicação do instituto ora estudado. Assim, a partir da necessidade prática verificada quando da ocorrência de eventos extraordinários que afetam sobremaneira os contratos e as relações comerciais, a frustração do fim do contrato se desenvolveu na doutrina e na jurisprudência em diferentes países, com o objetivo de solucionar questões específicas que não podem ser resolvidas por meio da aplicação de institutos jurídicos já positivados naqueles ordenamentos. Contudo, a noção de frustração do fim do contrato não se afigura exatamente idêntica nesses diversos contextos.
Portanto, a doutrina da frustração do fim assegura que, se uma mudança imprevista das circunstâncias impossibilitar a consecução da finalidade assumida por ambas as partes, cada um dos contratantes poderá resolver o contrato ainda não cumprido. Com efeito, o contrato somente será útil e vinculante na medida em que fatos supervenientes à contratação não impliquem no esvaziamento do seu escopo, mantendo-se hígida sua eficácia.
Objetivos
A pesquisa teve como principal objetivo analisar o desenvolvimento da teoria da frustração do fim do contrato na doutrina pátria, bem como a necessidade e utilidade de sua aplicação no direito brasileiro, em cotejo com outras ferramentas já disponíveis no ordenamento.
Para tanto, o grupo investigou a origem histórica do instituto e como o direito brasileiro, por meio de construções doutrinárias, busca incorporá-lo. Ademais, buscou-se identificar, a partir disso, como os Tribunais vêm aplicando a teoria na prática.
1 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A frustração do fim do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 193-269. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)
– Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 35
Assim, investiga-se se a teoria da frustração do fim do contrato traz inovações significativas ao âmbito jurídico, ou se os institutos já positivados na legislação são suficientes para solucionar os problemas que ela busca remediar.
Metodologia
A pesquisa se deu em duas fases. Na primeira, ocorreram encontros quinzenais nos quais os orientadores encaminhavam ao menos dois textos a respeito do tema escolhido com posições divergentes, complementares ou provenientes de momentos históricos diferentes, para que os alunos pudessem compará-los e analisá-los à luz do Código Civil de 2002 e dos casos concretos. Nesses encontros, cada aluno fazia breves comentários a respeito dos textos encaminhados para, em seguida, iniciar-se um debate com questionamentos e propostas interpretativas, sempre em face de casos trazidos pelos orientadores.
Em um segundo momento, foram analisadas decisões de Tribunais Estaduais brasileiros
– com recorte temporal de 11 de janeiro de 2003 até 11 de janeiro de 2020 – acerca da incidência da frustração do fim do contrato no ordenamento pátrio. As palavras-chave utilizadas foram “frustração”; “frustração do fim”; “contrato”.
Dessa forma, buscou-se avaliar (i) como os julgadores identificavam o fim comum no caso concreto; (ii) quais as consequências jurídicas aplicáveis quando a finalidade assumida pelas partes restava frustrada; e (iii) os fundamentos utilizados para explicar por que aquele fim se tornou inútil naquela relação contratual. Para tanto, após a pesquisa jurisprudencial nos Tribunais brasileiros, foram escolhidos os casos com maior aproximação da real aplicação do instituto ora estudado. Os julgados que mais chamaram a atenção dos alunos foram adicionados a uma planilha, posteriormente encaminhada aos orientadores. Ao final, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar e debater os julgados de maior relevância.
Resultados da Pesquisa
1. O conceito de frustração do fim do contrato
O instituto da frustração do fim do contrato é bem estudado e aplicado em diversos ordenamentos jurídicos alienígenas, como no Direito Alemão, mas, por não ser positivado no ordenamento jurídico pátrio, sua aplicação na ordem interna tem vindo por meio de um esforço hermenêutico que se reputou desnecessário.
Os autores que defendem a utilidade da frustração do fim entendem que ela pode ser entendida como o “remédio que conduz à ineficácia do vínculo contratual quando a finalidade objetiva do contrato – [...] que tenha sido levada em conta ao determinar o conteúdo do contrato – se tornar inalcançável, embora a prestação ainda seja possível”2.
Sabe-se que, para a doutrina adepta à frustração do fim, a finalidade objetiva não se confunde com os motivos internos das partes. Caso se admitisse a incidência de contornos subjetivos no próprio instituto, isso acarretaria mais insegurança jurídica, mas é certo que, no nosso ordenamento, os motivos subjetivos ou internos de uma das partes que a levou a praticar determinado ato são totalmente irrelevantes para o direito3. A finalidade objetiva, diferentemente do motivo individual de uma das partes, deve incidir na decisão de celebrar o contrato e na determinação de seu conteúdo 4. Nessa linha, como se verá, entendeu-se que essa finalidade objetiva integra o objeto da prestação.
2 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 114.
3 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. 3 Ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2014, p. 277
4 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.
A título exemplificativo, imagine-se a contratação de serviços de pintura da abóbada e de construção de porta para uma igreja5. Acontece que, no decorrer do contrato, a Igreja sofre bombardeio sendo, por óbvio, motivo alheio ao controle das partes contratantes. Nesse caso, os autores que defendem o instituto entendem que “a destruição da igreja torna a pintura da abóbada impossível”6, mas que ainda seria possível a construção da porta, mesmo que tenha se tornado inútil.
No entanto, diferentemente do entendimento desses autores, entende-se que a prestação, isto é, a construção da porta, não é possível, pois violaria as legítimas expectativas e interesses criados pelos contratantes. Desse modo, amplia-se o conceito de objeto à luz do princípio da boa-fé objetiva, solucionando o caso pela impossibilidade superveniente.
Portanto, violado o fim objetivo do contrato, a doutrina que aplica a frustração do fim entende pela ineficácia do contrato, mesmo ele sendo “possível”. Assim, passaremos a analisar brevemente alguns importantes argumentos que os doutrinadores usam para defender o instituto.
1.1 – Argumentos favoráveis
Como dito, pelo fato de a frustração do fim não ser positivada, a sua aplicação se dá pelo esforço hermenêutico dos operadores do direito. Para os que a aplicam, não há, nos diplomas legais vigentes, institutos que possam substituí-lo, como a condição, o erro sobre o motivo, o desequilíbrio contratual superveniente e a impossibilidade superveniente da prestação, pelos motivos que se passa a expor.
A um, a frustração do fim não se confunde com a condição. A condição se constitui como um elemento acidental dos negócios jurídicos, caracterizada pela voluntariedade, futuridade e incerteza7, como preconiza o art. 121 do Código Civil8. Desse modo, é possível ver duas diferenças. Em primeiro lugar, na condição “os contratantes partem da incerteza acerca do evento, enquanto nas hipóteses que caracterizam a frustração do fim, as partes pressupõem certo estado fático, partindo da certeza de que tal estado acontecerá ou subsistirá”9. Em segundo lugar, como dito acima, a condição é um elemento acidental dos negócios jurídicos, limitando, pela autonomia das partes, a sua eficácia, enquanto na frustração do fim não seria necessário ter qualquer previsão contratual para invocá-la.
A dois, o erro de motivo diverge da frustração do fim, mesmo que existam semelhanças. Em regra, é irrelevante o motivo, seja ele falso ou não, para tornar defeituoso o negócio jurídico10. Contudo, sabemos que é possível ter um motivo reconhecido por ambas as partes no contrato, passando a ser razão determinante dele. Nessa mesma linha, a frustração do fim entende por finalidade objetiva aquela empreendida pelos contratantes, integrando a própria prestação. Logo, ambos têm a função de tutelar as razões determinantes empreendidas pelas partes no contrato. Apesar das semelhanças, os dois institutos se diferenciam no momento de sua atuação. Assim, entende-se que “o erro é um defeito do negócio jurídico, que surge no momento da contratação”, enquanto a frustração do fim não tem uma causa originária de
5 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 42.
6 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 42.
7 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx.Teoria Geral do Direito Civil (Fundamentos do Direito Civil). Rio de Janeiro: Forense, 2020.. Pág. 294.
8 Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
9 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.Pág. 44/45
10 Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
ineficácia do contrato, mas uma causa superveniente, pois “a ocorrência do evento que a gerou, era absolutamente válido e eficaz”11.
A três, o desequilíbrio contratual superveniente12 tem uma abordagem de cunho econômico diferente daquilo que a doutrina entende para a frustração. Para os autores adeptos ao instituto, ele pode até gerar um sacrifício excessivo a uma das partes, mas não sob a ideia de desproporção das obrigações assumidas pelos contratantes, e sim por não ter mais qualquer utilidade pela perda da finalidade13.
A quatro, o último motivo seria pela diferença entre impossibilidade superveniente14 e a frustração do fim. Para Xxxxx Xxxxxxx, uma das diferenças estaria calcada no fato de a impossibilidade ter uma tendência de proteger os interesses do devedor, enquanto a frustração em proteger o credor, pois este não seria obrigado a receber uma prestação que não lhe é útil15. Ou ainda, que a impossibilidade incidiria quando a prestação for irrealizável, enquanto a frustração incide quando a prestação ainda for “possível”, mas é inútil16.
Assim, passa-se a analisar os argumentos contrários à introdução desse instituto alienígena no ordenamento pátrio.
1.2 – Argumentos contrários: da insegurança jurídica diante da aplicação da teoria da frustração do fim do contrato e da possível solução no direito brasileiro
Uma vez expostos os elementos que caracterizam o instituto da frustração do fim do contrato, sobressaem algumas incertezas, dentre as quais duas merecem especial atenção. São elas: (i) a insegurança jurídica quanto à compreensão do que seria, de fato, a finalidade comum às partes capaz de conduzir o contrato à ineficácia diante de sua frustração e (ii) a inexistência de dispositivos normativos que regulem a matéria.
O problema da insegurança jurídica acompanha o instituto desde o seu nascimento. No direito continental europeu, a teoria da frustração do fim do contrato foi primeiramente estruturada pelo jurista alemão Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, que desenvolveu a chamada teoria da pressuposição. Para o autor, ainda que as razões internas de cada um dos contratantes não fossem expressas na consecução do contrato, uma vez frustradas, acarretariam a ineficácia da avença, desde que constituíssem pressuposto para a contratação. Diante do flagrante subjetivismo e insegurança de tal concepção, que em muito se confundia com os motivos internos de cada uma das partes na celebração do negócio jurídico, a teoria de Xxxxxxxxxx perdeu força e não foi adotada pelo ordenamento alemão17.
11 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 46/47
12 Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
13 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 49/50.
14 Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.
15 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 41/43
16 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.
17 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 20-23.
Anos depois, em uma tentativa de compatibilizar diversas correntes doutrinárias que mantinham aquecida a discussão acerca da frustração do fim do contrato, Xxxx Xxxxxx elaborou uma perspectiva objetiva do instituto, entendendo que a finalidade que subordina os efeitos do contrato deve ser comum às partes, o que se extrai não só da declaração de vontade de cada um dos contratantes, mas de elementos objetivos que o contrato carrega consigo (como preço e tipo contratual adotado) que, como ferramentas interpretativas que norteiam o princípio da boa fé objetiva, determinam se os contratantes assumiram o escopo do acordo de forma compartilhada 18.
Esta perspectiva objetiva da frustração do fim do contrato, adotada inclusive pelos doutrinadores brasileiros que se dedicam ao estudo do instituto, traz mais previsibilidade à aplicação da teoria, sobretudo se comparada com a teoria da pressuposição de Windscheid. Contudo, mesmo assim, a ideia de que seria possível imputar às partes a assunção de um fim comum presumido, vinculando os efeitos do contrato a uma suposta comunhão de vontades subentendida, ainda representaria grande fonte de insegurança nas relações privadas.
Vale lembrar que a manifestação de vontade, expressa ou tácita, é elemento essencial que compõe o plano da existência do negócio jurídico. É por meio dela que cada um dos polos da relação obrigacional se torna sujeito de direitos e deveres 19. No entanto, embora se admita que a expressão volitiva dos contratantes possa se revelar valiosa ferramenta interpretativa, não se pode cogitar que toda e qualquer declaração feita pelas partes no bojo de uma relação contratual vincule e altere os efeitos que se vislumbra produzir.
No contexto do estudo da frustração do fim do contrato, mesmo que um dos contratantes expressamente reconheça a finalidade almejada pela contraparte na celebração da avença, inclusive adaptando cláusulas contratuais ao contexto específico, isso não significa que a tenha tomado para si, subordinando a ela a eficácia do vínculo. Em outras palavras, tomar conhecimento e até mesmo concordar com o fim pretendido pelo outro contratante não cria, necessariamente, um pressuposto para a eficácia contratual, eis que qualquer um pode, em meio a tratativas e negociações, assentir a tal finalidade sem assumi-la para si ou a ela se vincular.
Isto posto, a presunção do compartilhamento do fim acarreta, em última análise, a redistribuição dos riscos da execução do contrato, o que, na maioria das vezes, diverge frontalmente com o que ao menos uma das partes legitimamente esperava no momento da contratação, gerando grande insegurança nas relações privadas.
Deste modo, é possível perceber que, mesmo que se reconheçam os esforços da doutrina especializada em tornar a definição da finalidade compartilhada pelas partes um conceito objetivo, sempre haverá, na análise das relações contratuais, uma zona subjetiva de incerteza entre aquilo que foi de fato assumido mutuamente pelos contratantes e o que seriam meros motivos internos, juridicamente irrelevantes, que cada um deles espera alcançar com a avença. Ademais, a inexistência de dispositivo normativo que regule a matéria torna a questão ainda mais conturbada, já que, em meio a debates doutrinários quanto aos limites e características do instituto, seus contornos se tornam imprecisos. A aplicação de teorias sem fundamentação em norma positivada, sobretudo daquelas importadas de outras experiências jurídicas, como a que ora se analisa, pode acarretar em decisões judiciais inconsistentes, o que nos leva a crer que a solução para o problema buscada pela teoria da frustração do fim do contrato pode ser alcançada de modo mais eficiente se pautada em ferramentas já disponíveis
em nosso ordenamento.
18 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 24-26.
19 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil, v. I. 30ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Pág. 403-406.
Como exposto anteriormente, os doutrinadores que estudam a frustração do escopo a distinguem com atenção da impossibilidade superveniente do objeto, assim prevista em nosso Código Civil:
Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.
As diferenças residem tanto nos elementos quanto nos efeitos de cada um dos institutos. Primeiramente, ressalta-se que, enquanto na impossibilidade superveniente o objeto se torna inatingível, na frustração do fim, a prestação ainda é possível, mas, devido à suposta falta de interesse das partes, sequer merece ser executada. Quanto aos efeitos, a frustração do fim permite, além da resolução, indenização a depender do caso, ao passo que a impossibilidade superveniente do objeto, prevista em lei, só prevê a resolução 20.
Dito isso, ao que nos parece, uma atualização do conceito de objeto à luz do direito civil-constitucional contemporâneo nos permitiria englobar no instituto da impossibilidade superveniente, positivado em nosso ordenamento todas as hipóteses cobertas pela frustração do fim do contrato.
Com o advento dos chamados princípios modernos do direito contratual, sobretudo da boa fé objetiva, não se pode mais compreender o objeto da obrigação como a simples entrega de bem ou prestação de serviço, descolada da legítima expectativa das partes. Por meio da leitura principiológica do direito civil, o objeto da relação obrigacional deixa de ser uma simples conduta e se torna a busca pela satisfação mútua dos interesses de cada um de seus sujeitos.
Portanto, desde que se respeitem os riscos assumidos por cada uma das partes, o que só é possível determinar no caso concreto, da análise do que efetivamente, de forma livre e informada, cada uma delas tomou para si, é possível compreender que a dita finalidade almejada pelos contratantes passa a integrar o objeto da relação contratual, de modo que a prestação que não possa atendê-la se torne impossível.
Neste sentido, o princípio da boa fé objetiva, preconizado no art. 422, do CC,21 se revela fundamental para delimitar os contornos do objeto contratual, a partir avaliação concreta não só do que as partes legitimamente esperam com a execução do contrato, mas com o que elas exteriorizam ao outro contratante de forma clara e inequívoca.
Com isso, inexistiria a distinção entre os institutos da frustração do fim e da impossibilidade superveniente do objeto, pois a prestação executável, porém incapaz de atingir os legítimos interesses dos sujeitos da relação, se tornaria, a partir da interpretação que se propõe, impossível.
Por meio dessa compreensão, aplicar-se-iam os dispositivos previstos em lei para regular a matéria, como os artigos 23422 e 24823 do Código Civil, o que traria maior previsibilidade e precisão para lidar com situações nas quais a relação contratual perde sua
20 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Frustração do fim do contrato. 2019. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019. Pág. 41-44.
21 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
22 Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.
23 Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.
razão de ser em função de se tornar impossível atingir seu objeto, qual seja o de satisfazer os legítimos interesses de cada um dos contratantes.
Vale dizer, contudo, que, embora esta revaloração traga melhora considerável na resolução de casos concretos, a zona de incerteza entre os motivos internos de cada um dos contratantes e os interesses que integram o objeto contratual persiste, sendo esta uma problemática que, mesmo amenizada pela função interpretativa do princípio da boa fé objetiva, se encontra longe de solução.
Mesmo assim, pode se dizer que, em razão de se tratar de instituto já positivado pelo ordenamento pátrio, a aplicação da impossibilidade superveniente do objeto ainda seria mais eficaz do que a tentativa de importar uma teoria estrangeira, cujos contornos não estão bem delimitados por lei, ao direito brasileiro.
2. Aplicação pelos Tribunais
A doutrina da frustração do fim do contrato vem sendo aplicada pelos tribunais, a partir da ideia de finalidade contratual, como meio de solucionar as adversidades geradas pela alteração das circunstâncias. No entanto, pode-se perceber que não há um consenso quanto ao conceito de fim do contrato bem como de suas consequências, havendo, na verdade, uma enorme polêmica entre teorias objetivas e subjetivas.
Justamente por isso, a jurisprudência ao adotar a doutrina da frustração do fim mistura uma série de institutos sem expor com clareza porque determinado aspecto revela-se como o fim contratual assumido naquela relação e quais seriam as razões para o fim ter se tornado inviável para as partes. Diante disso, cabe explicitar alguns exemplos da jurisprudência pátria. Na apelação nº 2009.005314-9, julgada em 17/03/2009, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul analisou a pretensão recursal de Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx em face do Banco Bradesco. Pleiteava o apelante o reconhecimento da abusividade da conduta do apelado, que encerrara, sem sua autorização e sem a prática de nenhum ato ilícito por parte do consumidor, sua conta corrente. Nesse sentido, o tribunal desproveu o recurso, argumentando basicamente que, como o contrato firmado entre as partes era por prazo indeterminado, não poderia ser vedado ao banco resilir unilateralmente o compromisso, sob pena de obrigar-se
um dos contratantes a permanecer indefinidamente vinculado a sua contraparte. Veja-se: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR - NULIDADE DA SENTENÇA - OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - REJEITADA - MÉRITO - ENCERRAMENTO UNILATERAL DA CONTA-DEPÓSITO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO - POSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA ISONOMIA CONTRATUAL - AUTONOMIA DE VONTADE - CONTRATO INDETERMINADO - EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA CONVENÇÃO - CESSAÇÃO POR INICIATIVA DE QUALQUER DAS PARTES - FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO NÃO SE CONFUNDE COM A IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO OU COM A EXCESSIVA ONEROSIDADE - NÃO VIOLAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.
(TJMS, Ap. 2009.005314-9, 4ª T., Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, x. em 17.03.2009)
O precedente demonstra que, na jurisprudência, a análise da teoria da frustração do fim do contrato é, por diversas vezes, realizada de maneira atécnica. No julgado ora analisado, por exemplo, o Tribunal referiu-se à frustração do fim, consignando, inclusive, tratar-se de teoria
diversa da impossibilidade da prestação ou da resolução por excessiva onerosidade. Entretanto, aplicou esse instituto como sinônimo de resilição unilateral. Explique-se: o voto do relator menciona que, apesar de não ter havido nenhum evento imprevisível que impossibilitasse o cumprimento do acordo ou o tornasse excessivamente oneroso para o Banco, nem mesmo qualquer inadimplemento do consumidor, a resolução ainda seria possível porque a "frustração do fim do contrato não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade". Fato é que, não houve qualquer análise mais detida sobre os fundamentos da teoria, nem mesmo a exposição das razões pelas quais a perseguição do fim do contrato, compartilhado entre as partes, tornou-se inviável.
Já a apelação nº 0061241-41.2011.8.26.0114, julgada em 07/08/2017, refere-se à ação ajuizada por empresa de Telemarketing que firmara com a Companhia detentora da marca China in Box contrato em que prestaria serviços de Call Center para todos os franqueados da rede. Discutia-se a possibilidade de resolução do contrato por inadimplemento da franqueadora, que não teria cumprido com seu dever de garantir que as franqueadas adotassem o novo serviço de Call Center. Pleiteava-se, ainda, o pagamento de cláusula penal fixada em R$ 10.000.000,00. A conclusão do TJSP foi no sentido de que nenhuma das duas partes inadimpliu o instrumento, que teve seu fim frustrado por razões alheias à vontade do contratante. Assim, determinou-se a resolução, mas afastou-se o dever de pagar a cláusula penal e qualquer indenização suplementar. Confira-se:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – TELEMARKETING E CALL CENTER INTEGRADO À REDE DE LOJAS "CHINA IN BOX" – AUTORA QUE IMPUTA À RÉ A CULPA PELO INADIMPLEMENTO DO CONTRATO E POSTULA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS ALÉM DE COBRANÇA DA CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA – RÉ QUE, POR SUA VEZ, AJUÍZA RECONVENÇÃO, NA QUAL IMPUTA A EXTINÇÃO DO CONTRATO À AUTORA E EXIGE PARA SI O MONTANTE DA CLÁUSULA PENAL – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA PRINCIPAL E PROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO – PRETENSÃO À ANULAÇÃO OU À REFORMA – CABIMENTO – CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO - ELEMENTOS DOS AUTOS QUE EVIDENCIAM A RESOLUÇÃO POR FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO - FRUSTRADO O ESCOPO DO CONTRATO, PROGRAMADO, PREVISTO E DESEJADO POR AMBAS AS PARTES NO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO, POR FATO IMPUTÁVEL A TERCEIROS, NÃO INTEGRANTES DA RELAÇÃO NEGOCIAL, SEM QUE SE POSSA AFIRMAR QUE QUALQUER DOS CONTRATANTES SEJA CULPADO PELA INEXECUÇÃO DA AVENÇA, RESOLVE-SE O NEGÓCIO, POR FORÇA DO ESVAZIAMENTO DE SUA FUNÇÃO SOCIAL (ART. 421 DO CÓDIGO CIVIL), RETORNANDO AS PARTES AO ESTADO ANTERIOR, SEM APLICAÇÃO DA CLAUSULA PENAL OU INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – DEMANDA PRINCIPAL E RECONVENÇÃO JULGADAS IMPROCEDENTES – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP, Ap. 0061241-41.2011.8.26.0114, 27ª Câmara
Extraordinária de Direito Privado, Des. Rel. Xxxxxx Xxxx, x. em 07.08.2017) Pela leitura do acórdão, é possível perceber que o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o fato de as lojas franqueadas não terem aderido ao novo sistema de Call Center não resultou de inadimplemento de nenhuma das partes. Esse fato imputável a terceiros não integrantes da relação contratual foi entendido pelo Tribunal como um evento externo
suficiente para impedir o atingimento do fim comum das partes, qual seja, a instalação de novo sistema de Call Center para atender à rede China in Box. Interessante notar, ainda, que, diante da resolução pela frustração do fim do contrato, os julgadores afastaram qualquer indenização, e aplicaram, basicamente, as mesmas consequências previstas pelo Código Civil para a impossibilidade superveniente.
Ainda, vale mencionar a apelação nº 10024074678467001, julgada em 21/03/2019, na qual o Tribunal de Justiça de Minas Gerais analisou a pretensão de Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, que buscava rescindir a promessa de compra e venda de terreno anteriormente adquirido da Santa Rosa Empreendimentos Ltda. em razão de, posteriormente à aquisição, ter sido instituída em parcela da área abrangida pelo imóvel uma área de preservação permanente, o que, nos termos do acórdão, "inviabiliza ou dificulta a construção de edificações". Sendo assim, o Tribunal autorizou a resolução do negócio, determinando o retorno das partes ao status quo ante, sem o pagamento de nenhuma indenização em razão de não ter havido "cometimento de ilícito pela apelada". Veja-se:
APELAÇÃO CIVEL. RESCISAO CONTRATUAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE LOTE COM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MUDANÇA SUPERVENIENTE DO CURSO NATURAL DO RIO. FORÇA MAIOR. RESCISÃO DEVIDA. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. DANO MORAL.
INEXISTÊNCIA. - Não há nexo causal entre a conduta da apelada e a frustração dos fins contratuais, visto que a mudança da situação ambiental do imóvel alienado adveio de fenômeno da natureza, posterior ao negócio jurídico firmado entre as partes, situação que afasta a responsabilidade da empresa ré. O retorno das partes ao status anterior é medida que se impõe, com a restituição das parcelas pagas e a rescisão do contrato. Na hipótese, os danos morais não foram configurados. (TJMG, Ap. 10024074678467001, 13ª C.C., Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxxxx, x. em 21.03.2019)
Pela leitura do precedente, é possível perceber que o Tribunal de Minas Gerais tratou a hipótese como de frustração do fim do contrato, afirmando que a instituição da área de proteção permanente tornara inviável a construção de edificações no imóvel rural adquirido pelo apelante. O acórdão, entretanto, não chegou a avaliar as razões pelas quais entendeu que a construção de edificações no terreno seria um fim contratual compartilhado entre as partes. Ademais, importante notar que os julgadores também mencionam, em diversos trechos, o instituto do caso fortuito e da força maior para justificar a rescisão, apesar de os artigos do Código Civil que os estabelecem não tratarem dessa possibilidade, mas simplesmente abordarem o referido conceito como uma causa de exclusão do dever de indenizar.
Conclusões
Como exposto, a teoria da frustração do fim do contrato é instituto por meio do qual, uma vez frustrada a finalidade objetivamente concebida da avença, compartilhada entre as partes, o vínculo se torna, em razão de perda de interesse no cumprimento das prestações, ineficaz. Trata-se de instituto estrangeiro, desenvolvido tanto no direito continental europeu quanto na tradição consuetudinária inglesa, que a doutrina brasileira busca incorporar no ordenamento jurídico pátrio.
Resta claro que, à luz da interpretação corrente entre os juristas que dedicam estudo ao tema, a frustração do fim do contrato não se confundiria, a princípio, com outros institutos disponíveis no direito brasileiro, como a condição, erro quanto ao motivo, desequilíbrio contratual superveniente e impossibilidade superveniente do objeto.
No entanto, como demonstrado, embora a teoria busque traçar seus limites de aplicação, ainda existe fundado receio quanto à sua adoção por nosso ordenamento, tanto pelo
fato de ser difícil delimitar o que seria o fim compartilhado entre as partes no bojo da relação contratual, quanto por não existir dispositivo normativo positivado que regule a matéria.
Quanto à primeira questão, expôs-se que é necessária especial atenção ao valorar a manifestação de vontade de cada um dos contratantes, eis que, mesmo que reconheçam o interesse da contraparte e, ainda, modulem cláusulas contratuais para se adequar ao caso concreto, não se pode admitir que tenham assumido a finalidade da outra parte como sua sem prévia análise aprofundada das circunstâncias.
Em relação à segunda problemática, ressaltou-se que a inexistência de diploma legal que discipline expressamente a frustração do fim do contrato leva à aplicação equivocada do instituto, resultando, muitas vezes, na confusão com diferentes conceitos do direito civil, em decisões judiciais inconsistentes, que atribuem efeitos equivocados à teoria da frustração do escopo contratual e, em última análise, criam cenário de grande insegurança e instabilidade jurídica.
Propôs-se, portanto, a revaloração do instituto da impossibilidade superveniente do objeto, a fim de englobar todas as hipóteses que, hoje, a doutrina especializada busca solucionar por meio da frustração do fim do contrato. Isto se daria a partir da reinterpretação, à luz do princípio da boa fé objetiva, do conceito de objeto, que, no direito civil-constitucional contemporâneo, deixa de ser a mera entrega da prestação para assumir a função de atender mutuamente a todas as legítimas expectativas e interesses criados pelos contratantes no decorrer da relação contratual.
Embora não solucione o problema que recai sobre a zona de incerteza entre os motivos internos das partes e os interesses legítimos que integram o objeto do contrato, a reinterpretação da noção de objeto e a aplicação do instituto da impossibilidade superveniente trazem mais segurança jurídica ao ordenamento, eis que recorrem a dispositivos legais positivados, resultando em decisões judiciais mais previsíveis
Sendo assim, conclui-se que, por meio deste esforço interpretativo, a teoria da frustração do fim perderia sua função, uma vez que o instituto da impossibilidade superveniente do objeto, cujos contornos são bem delimitados por lei, seria capaz de solucionar as situações nas quais os legítimos interesses das partes, informados pela boa fé objetiva, tornam-se inalcançáveis. Deste modo, deixaria de existir a necessidade de importação de um instituto estrangeiro sem previsão legal no ordenamento brasileiro, o que traria, sem dúvidas, maior previsibilidade na atuação dos Tribunais.
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