ALUNO: JOSÉ CRISTÓBAL AGUÍRRE LOBATO
INSPER PROGRAMA DE ENSINO
ALUNO: XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX
Caracterização dos grupos de sociedades:
Estudo dos seus reflexos na responsabilidade contratual
SÃO PAULO 2016
XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX
Caracterização dos grupos de sociedades:
Estudo dos seus reflexos na responsabilidade contratual
Monografia apresentada ao Programa de LLM em Direito dos Contratos do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como parte dos requisitos para a obtenção do título de pós lato sensu em Direito.
Área de concentração: Direito dos Contratos
Orientador: Rodrigo Fernandes Rebouças
SÃO PAULO 2016
XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx.
Caracterização dos Grupos de Sociedades: estudo dos seus reflexos na responsabilidade contratual / Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx; orientador: Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. – São Paulo: Insper, 2016.
115 f.
Monografia (LLM – Legal Law Master). Programa de pós- graduação em Direito. Área de concentração: Contratos. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
1. Grupos de sociedades 2. Contratos 3. Responsabilidade.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Caracterização de Grupos de Sociedades: estudo dos seus reflexos na responsabilidade contratual
Monografia apresentada ao Programa de LLM. em Direito dos Contratos do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título de pós graduado em Direito. Área de concentração: Contratos.
Aprovado em: /
Banca Examinadora
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Orientador
Instituição: Insper Assinatura:
Prof. Dr. Instituição:
Assinatura:
Prof. Dr. Instituição:
Assinatura:
RESUMO
XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Caracterização de Grupos de Sociedades: estudo dos seus reflexos na responsabilidade contratual. Monografia (pós- graduação lato sensu em Direito dos Contratos – LLM) Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2016.
O fenômeno da concentração empresarial assume várias formas, resultando no exercício articulado de uma série de atividades sob uma direção unitária. Isto, em alguma medida, influencia toda a malha contratual: os contratos firmados pela holding e, especialmente, os contratos firmados pelas sociedades integrantes do grupo. Nesse contexto, cumpre pesquisar se a coligação societária pode dar causa à coligação contratual e quais as suas repercussões nos planos da validade e eficácia do negócio jurídico.
Palavras-chave: Grupos Societários; Negócios Complexos; Contratos Coligados; Responsabilidade Contratual.
ABSTRACT
XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Characterization of groups of companies: study of his reflections on contractual liability. Monograph (lato sensu in Contract Law-LLM) Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2016.
The phenomenon of business concentration assumes various forms, resulting in the exercise of a series of activities articulated under a unitary direction. This, in some measure, influences the whole group of contracts: the contracts signed by the holding and, especially, the contracts signed by other members of the group. In this context, on have to search if the corporate coalition can cause the contract coalition and their repercussions in the plans of the validity and effectiveness of legal agreements.
Key-words: Corporate Groups; Complex Business; Related Contracts; Contractual Liability.
Sumário
Introdução 07
Capítulo I – Grupos societários
1. Definição legal e estruturação 11
2. Grupos societários de direito 22
3. Grupos societários de fato 25
4. Consequências da caracterização do grupo segundo os planos do negócio jurídico 30
Capítulo II – Responsabilidade contratual
1. O contrato: comutar, distribuir, organizar 34
2. Responsabilidade contratual e pós-contratual 49
3. Alocação de risco e evolutividade contratual 54
4. Incompletude e coligação de contratos nos negócios complexos 62
Capítulo III – Grupo societário e responsabilidade contratual
1. A possibilidade de a coligação societária definir a coligação contratual
2. Interferência do bloco de controle
3. Ruptura do contrato e terceiro cúmplice
4. Cláusula cruzada de inadimplemento entre contratos coligados
5. Extensão da cláusula compromissória nos grupos de sociedades
6. Exceção de contrato não cumprido
7. Inadimplemento antecipado
8. Influência das regras de compliance
Conclusões Referências
Introdução
A socialidade humana, em última análise, visa obter o maior proveito para todos os envolvidos. Xxxxxxx vive sozinho, porque não é da sua natureza, mas também porque precisa dos demais, dentro de um espectro de relações de toda ordem: econômicas, sociais, afetivas, para a realização de seus próprios interesses.
Acontece que os riscos dos empreendimentos humanos, seu alcance e os fatores de competição acabaram por exigir novas formulações nas sociedades empresárias. E, se por um lado, nas duas primeiras revoluções industriais foi suficiente a figura do comerciante individual, seguida depois da sociedade comercial, na terceira, desponta a figura do grupo de sociedades1 como estrutura apta a absorver as demandas de relações empresariais mais complexas e de um mercado competitivo cada vez mais exigente2.
Todavia, pensando o grupo como um feixe de interesses, estes são mais passíveis de conflito e as relações entre elementos do grupo, assim como destes com terceiros, assumem uma feição toda especial porque várias atividades e contratos sofrerão influência do bloco de controle. Pois, são suscetíveis de alteração da parte do acionista controlador, alcançando o alinhamento das próprias políticas e estratégias empresariais do grupo. Diversas questões, nesse particular, podem ser suscitadas, já a começar pelo problema das transações entre partes relacionadas, mas não só. Se há uma análise de conjunto, um enquadramento finalístico dos propósitos dados pelo interesse grupal, isto também afeta – e não causa estranheza
1A esse respeito, destaca Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, que os grupos possuem uma característica própria, aliando “diversidade jurídica” e “unidade econômica.” Isto, segundo o referido autor, propiciaria de um lado a adoção de diversas formas e estruturas organizacionais adaptadas a rápidas mudanças, até desmobilização de capitais e; de outro lado, uma unidade econômica conducente à concentração de poder empresarial, com obtenção de economias de escala, maior alcance internacional, aproveitamento de sinergias. In. Estrutura de governo dos grupos societários de fato na Lei Brasileira: acionista controlador, administradores e interesse do grupo. Direitoe outros estudos de direito em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Xxxxxxx X. Xxxxxxxx xx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (Coordenadores). São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, pp. 269-291, p.269.
2 Interessante observar que já no fim do século XIX a tendência da concentração se afirmava, tornando o mundo formado por corporações monopolísticas. A esse propósito, afirmou-se a posição destas grandes corporações como captadoras da poupança de pessoas e pequenas empresas, sendo ainda de se destacar a forma de associação denominada holding “para controlar as ações com direito a voto das corporações participantes.”XXXX, X.X.; XXXXXXX, Xxxxxx X. História do pensamento econômico. Trad. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. 26. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 121.
nenhuma dizê-lo – uma interpretação contratual atenta à realidade econômica subjacente e aos verdadeiros propósitos das partes contratantes3.
A afirmação acima, perfeitamente aceitável quando se pensa em grandes conglomerados empresariais a propósito de suas tendências de concentração de mercado. Não esqueçamos também que a estrutura hierarquizada e a especialização das atividades dentro de uma mesma empresa estão cada vez mais em desuso. A desverticalização das sociedades, acompanhada da fragmentação da disciplina contratual, fenômenos bem percebidos por Xxxx xx Xxxxx Xxxxx e que, na essência, levam ao reconhecimento de centros autônomos de poder em estruturas não verticalizadas, cujo relacionamento não se dá por subordinação hierárquica direta, mas por coordenação ou, então, como no caso dos grupos societários, por uma subordinação indireta mediante controle acionário. Igualmente, o reconhecimento de contratos cativos de longa duração cuja característica é tornar viável um investimento de longo prazo, sendo ainda de se destacar, exatamente pelas múltiplas variáveis, sua tendência à atipicidade4 somado ao forte elemento relacional entre as partes contratantes. A figura do consórcio é exemplar5, contrato entre sociedades para fim estável, para exploração de determinada empresa, ele – ao contrário do que propõe o direito das obrigações – está mais para uma instituição de caráter duradouro do que para uma obrigação contratual qualquer cujo curso entre o seu surgimento e sua conclusão é bastante rápido.
Exatamente nessa zona de aporia os grupos societários de direito e de fato se articulam com vantagens evidentes para os investidores, porquanto distribuem riscos, estabelecem melhor aproveitamento das energias empresariais, organizando
3 A esse propósito, observe-se que, no fim das contas, verdadeiramente todo e qualquer processo de produção de sentido – interpretação – é teleológico, ou seja, tem como meta a busca da finalidade última do ato analisado, sua razão de ser. Nessa linha, veja-se: “Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica.” XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Hermenêutica e aplicação do direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 151.
4 Entre mercado e hierarquia: repercussões da desverticalização na disciplina dos contratos empresariais. Rev. de Direito Mercantil, n. 163, set-dez/12, São Paulo, Malheiros, pp. 120-137, p. 127.
5 Relativamente ao consórcio interessa sublinhar seu caráter de contrato plurilateral, mas ainda assim, apartado das sociedades que o compõe, já que não assume personalidade jurídica. Isto apesar do detalhe de que o consórcio, a teor do artigo 279, da Lei nº 6.404/1976 não se confunde com o contrato que o institui. Mais ainda, os elementos constantes do consórcio, especialmente a designação do consórcio, as normas sobre administração, contabilização e representação, bem como a exigência de estabelecimento da forma de deliberação demonstram que é uma figura que agrega elementos contratuais com elementos de sociedade.
atividades, sem perder para uma estrutura institucional muito pesada e burocrática. A alavancagem financeira em projetos de financiamento demonstra o tipo de ganho que se obtém, em contrapartida da vantajosa limitação de responsabilidade, mediante a combinação de várias sociedades formando um grupo societário.6
Mas toda essa complexidade, todas essas diversas variáveis alinham-se contratualmente, porquanto é ainda a forma por excelência de circulação das energias capitalistas as quais, na sua expressão mais elementar, reduzem-se as obrigações de dar, fazer e não fazer.
A articulação societária do grupo e sua qualificação jurídica enquanto tal, portanto, possuem reflexos contratuais maiores e menores, reflexos creditícios e outros de natureza legal tais como os de caráter trabalhista, tributária e, atualmente, consumerista. E, se não é objeto do presente trabalho, analisar reflexos legais do reconhecimento de grupos societários é exatamente sua proposta a avaliação de se e como esse reconhecimento reflete nos contratos firmados pelas empresas do grupo entre si e perante terceiros. A análise estabelece, nos dois primeiros capítulos, as bases das coligações societárias e contratuais, com revisão de literatura especializada, para, só então, entroncar com os reflexos específicos das primeiras nas segundas. Nesse ponto, entra em cena a análise da exceção de contrato não cumprido, enriquecida por novo leque de possibilidades, os deveres de proteção e outros deveres inerentes à boa-fé objetiva em contexto de poder de controle em cascata, a interferência do bloco de controle, o inadimplemento antecipado e, atualmente, a influência das regras de compliance como política de um grupo e não apenas de uma sociedade empresária, o que poderá influir em inúmeras contratações e no relacionamento com fornecedores em geral.
Resumindo: se há coligação societária e coligação contratual, ambas já fruto de regime jurídico e análises próprias, também há, no mundo prático, uma influência entre essas duas espécies de vínculo jurídico. O que resta definir é a diretriz mínima para aferição da intensidade e extensão dessa influência.
6 XXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Project finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, 442p, p. 77.
Se a obrigação pode ser encarada como um processo, conforme demonstrou Clóvis do Couto e Xxxxx, influenciada por uma noção de totalidade abarca como fato jurídico todos os elementos que gravitam em torno de si. Ou seja, como afirmou, citando Xxx Xxxxx Xxxx0, observa que o todo condiciona a relação jurídica, é dizer: a pessoa dos contratantes, o contexto negocial, a coletividade social, tudo influencia e integra a relação jurídica que não está isolada no mundo. Muito ao contrário, completamente integrada a ele como fato social que é.
E assim, se o fenômeno jurídico não pode ignorar o fenômeno social chamado poder, é bastante evidente que a concentração deste mesmo poder, personificada no grupo societário enquanto centro ejetor de decisões econômicas e empresariais influencia os contratos e a responsabilidade inerente. Acerca da dicotomia entre a sociedade e a empresa, a primeira, fenômeno jurídico e a segunda, fenômeno social que agrupa uma série de interesses, muitos deles conflitantes, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx critica essa separação e propugna a busca de um modelo mais aderente à realidade econômica8. Tudo isso, não custa repetir, passa também pelo tema da rede contratual que esses grandes conglomerados mantêm, afinal, não se pode falar de realidade econômica sem falar de contratos, eixo central da atividade econômica e figura ancestral do direito sobre cuja base a evolução humana aconteceu, desde as cidades-estados, passando pelas feiras comerciais medievais, grandes navegações até chegar ao período atual.
É esta, portanto, a investigação que se pretende.
7“O princípio da boa-fé exige maior consideração aos partícipes do vínculo, às suas necessidades e interesses, o que permite definir-se o fato jurídico lato sensu como o fez o Prof. Ruy Cirne Lima:
„Fato jurídico não é, portanto, o contrato, de conclusão instantânea; mas os contratantes, o objeto do contrato, o contrato mesmo, e a própria coletividade social, a que aqueles pertencem. O todo condicionará a relação jurídica que, graças a essa conjunção, virá a surgir e a perdurar.” A obrigação como processo. Reimpressão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, 176p, p. 169.
8 Empresa contemporânea e direito societário. Poder de controle e grupos de sociedades. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, 360p, p.02. Xxxxx, o autor citado faz afirmação que calha com a justificativa da escolha do tema da presente monografia, diz ele que “os conceitos de grupos e de poder de controle, hauridos do direito societário, podem influenciar a solução de questões que constituem objeto de preocupação de outros ramos jurídicos (...).”Ob. cit. p. 08.
Capítulo I – Grupos Societários
1. Estruturação legal
O regime legal do grupo societário consta de todo o capítulo XXI – GRUPO DE SOCIEDADES, da Lei Federal nº 6.404/76 – Lei das Sociedades Anônimas, a partir do artigo 265. Antes, porém, de tratar da estruturação legal em si mesma, oportuno tratar do ideário por trás da lei nacional de sociedades anônimas, representado, segundo Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, pelo objetivo de “estimular a formação da „grande empresa‟ nacional”9. Ainda, nesse particular, explicita as premissas para atingir esse objetivo: “o estímulo à concentração empresarial e o fomento do mercado de capitais (tanto o mercado acionário, quanto o de títulos de dívida).”10 E, por fim, com apoio na doutrina de Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, observa como isso se daria, primeiramente, estabelecendo a segregação de duas modalidades de ações, as votantes e as preferenciais não votantes. A partir daí, o controle restaria lastreado em parcelas modestas do capital total nas mãos do acionista controlador e, por outro lado, a capitalização abundante derivaria da participação de investidores de mercado. Acontece que o controle era fundado na propriedade da maioria das ações com direito a voto, ou seja, poder de controle e propriedade equivaliam-se. Conclusão: essa dicotomia levou a um antagonismo entre controladores e não controladores, o que, por sua vez, levou ao fenômeno da concentração de capital.11
Ainda insistindo nesse tópico, urgia definir o regime jurídico das companhias de capital aberto de forma confiável para aumentar o interesse na aquisição de valores mobiliários e estruturar o mercado de ações; também, nessa mesma linha,
9Regime jurídico do capital disperso na lei das S.A. São Paulo: Xxxxxxxx, 0000, 407p, p. 15.
10 Ob. cit., p. 15.
11“Importante notar que o controle exercido a partir de tais parcelas modestas do capital era possível graças à emissão de ações preferenciais sem direito a voto no montante de até 2/3 do capital social, sendo, contudo, fundado na propriedade da porção majoritária das ações com direito a voto. O modelo consagrava, portanto, a dicotomia da relação entre maioria e minoria, expressa no antagonismo entre controladores e não controladores, considerada a „pedra de toque do sistema anonimário‟, refletindo a influência do pensamento dominante nos países que serviram de inspiração para a LSA. Como resultado desse sistema construído a partir do modelo calcado no antagonismo entre acionistas controladores e não controladores, verificou-se a extrema concentração de capital no Brasil.” XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Ob. cit., p. 16.
objetivou-se colocar à disposição do empresariado um grande número de opções para emitir títulos e assim fazer a captação dos recursos necessários.
A Lei da Sociedade Anônima pretendia abertamente servir de indutora do processo de modernização empresarial e econômica do País. Em defesa da citada lei e do modelo da companhia aberta, um civilista, o Professor Xxxxxxx Xxxxx, entendeu que a Lei nº 6.404 foi um efetivo avanço, afirmando o alinhamento dos autores do projeto com a política legislativa para facilitara capitalização das companhias, evitando o aporte estatal.12
Enfim, a questão das corporações é central para o estudo do desenvolvimento do direito privado como um todo, mas também para uma análise séria da evolução das sociedades ocidentais no último século. Vale sublinhar a importância da entidade corporativa capaz de movimentar grandes quantidades de recursos sem empecilhos. Nas sociedades anônimas de capital aberto as ações são vendidas livremente sem necessidade de reorganização, viabilizando grandes empreendimentos de maneira estruturada e impessoal, com limitação dos riscos, o que também desembaraça a atividade empresarial, tornando-a mais simples.
A verdade é que a extensão do direito societário, inclusive como promotor de políticas, ou seja, regulador de interesses alheios à estrutura da companhia e dos acionistas é posta em relevo por importantes autores, o que, xxxxx, não seria de se estranhar já que para o texto constitucional atual a atividade econômica possui funções e sofre a interferência de princípios com inegável alcance republicano (art. 170, caput, da Constituição Federal), implicando uma série de considerações sobre os efeitos da atividade dos agentes e do exercício do poder do controlador. O direito societário, como fica evidente, sofre acentuada pressão regulatória, demonstrando cabalmente que nem tudo ali são normas de direito privado puro (se é que ainda existe um direito privado baseado unicamente no laissez-faire). De outro modo: se a questão se restringisse a normatizar os interesses da companhia e dos acionistas tão somente, não seria necessária a regulamentação que esse ramo possui. Nem seria discutida, fossem exclusivamente privados os interesses e situações jurídicas envolvidas, pensando especificamente nas sociedades de capital aberto, a
12 As inovações da Lei n. 6.404. In. Escritos menores. São Paulo: Saraiva, 1981, pp. 145-158, p. 151.
legitimação extraordinária do Ministério Público para ações coletivas no mercado de valores13 (o que parece, em vista dos interesses em jogo nesses casos, perfeitamente possível), mercado este que trabalha com a captação da poupança e envolve interesses individuais homogêneos de grande reflexo social (artigo 81, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor).
Importante lembrar ainda, a propósito do artigo 170 da Constituição Federal, que esse dispositivo possui uma feição mais do que meramente programática, possui uma dimensão cogente inafastável para as atividades estatais e para as privadas. Ou seja, é antijurídica a atividade econômica que não atende aos princípios ali enumerados e outros, extraídos do texto constitucional. Sobre a ordem econômica na Constituição, destaca-se que muito embora não seja ela composta de normas com forma de atingimento de finalidades já prefixada, tais normas interferem na hermenêutica de todo o direito positivo abaixo dela. Dentro da ideia de pirâmide normativa, tão cara a Kelsen, o topo influencia a base. Como afirmou Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, dissertando sobre o mencionado artigo, a finalidade de que a ordem econômica realize justiça social “é uma determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função dela.”14
13 Em longa explicação sobre o sistema de ações coletivas (class action) no mercado de ações Xxx Xxxxxx lembra não existirem no Brasil “ações de responsabilidade civil coletivas de natureza privada (class actions) por parte de investidores que buscam reparações para si contra as companhias e outros que participaram de algum ato ilícito. No Brasil, há a Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários. Nessa ação, o autor será sempre o Ministério Público, que poderá ajuizar uma ação por sua iniciativa ou a pedido da CVM.” Derivativos e governança corporativa: o caso Sadia – corrigindo o que não funcionou. In. Risco e regulação: por que o Brasil enfrentou bem a crise e como ela afetou a economia mundial. Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx (Organizadores). Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, pp. 239-257, p. 251.
14 Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2015, 319p, p.
139. Também nesse sentido: “As normas consagradoras de direitos sociais, econômicos e culturais são, segundo alguns autores, normas programáticas. As constituições condensam, nestas mesmas normas programáticas, princípios definidores dos fins do Estado, de conteúdo eminentemente social (cfr. artigo 9º). A relevância delas seria essencialmente política, pois servem apenas para pressão política sobre os órgãos competentes. Todavia, sob o ponto de vista jurídico, a introdução de direitos sociais nas vestes de programas constitucionais, teria também algum relevo. Por um lado, através das normas programáticas pode obter-se o fundamento constitucional da regulamentação das prestações sociais e, por outro lado, as normas programáticas, transportando princípios conformadores e dinamizadores da Constituição, são susceptíveis de ser trazidas à colação no momento de concretização.” XXXXXXXXX, X. X. Xxxxx. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, 1506p., p. 473. Ainda: “Com o advento do Estado Social, governar passou a não ser mais a gerência de fatos conjunturais, mas também, e sobretudo, o planejamento do futuro, com o estabelecimento de políticas a médio e longo prazo. Com o Estado social, o government by policies vai além do mero government by law do
Assim, é inegável a função pública do direito societário, tal como assere Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx para quem o modelo societário brasileiro não pode esquecer a orientação dada pelo texto constitucional, quando disciplinou a atividade empresarial, e, portanto, a preocupação não pode ser apenas dirigida às “questões de índole exclusivamente privada.”15Outro civilista, o português Xxxxxxx Xxxxxx, tratando das sociedades de capital aberto lembrou que existem “numerosas e expressivas medidas de proteção do interesse público”16. Por fim, Xxxxx Xxxxxx Comparato afirma de modo peremptório a imiscuição entre interesses públicos e privados, tornando as grandes empresas, no que toca ao desenvolvimento nacional, como agentes de realização da agenda de política econômica e social do Estado, demonstrando a centralidade do papel exercido por estas.17
Feita a contextualização necessária, a análise da lei demonstra como elementos centrais da definição de grupo societário, os seguintes pontos: (i) primeiro, a conexão das sociedades por via de uma articulação econômica constante mais ou menos forte; (ii) segundo, parece fundamental a formação de interesse grupal, o que só acontecerá se o grupo tiver um alinhamento e uma estratégia definida, autônoma e hierarquicamente superior – ainda que referida hierarquia não seja fruto de formalização mas de controle acionário – as sociedades-satélites integrantes do grupo; (iii) terceiro, que haja um centro ejetor das influências relevantes sobre as sociedades.
Na linha do acima exposto, a tipologia dos grupos societários possui como núcleo central a noção de ação concertada e atuação sinérgica em caráter de
liberalismo. A execução de políticas públicas, tarefa primordial do Estado social, com a consequente exigência de racionalização técnica para a consecução dessas mesmas políticas, acaba por se revelar muitas vezes incompatível com as instituições clássicas do Estado Liberal.” XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 2003, 330p, p. 51.
15 Ob. cit., p. 29.
16 O conceito de sociedade anônima. In. Estudos jurídicos em homenagem ao professor Xxxxxxx Xxxxx. Xxxxxxxx Xxxxxxxx et al. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp.495-521, p.521.
17“A inter-relação crescente de interesses públicos e privados, na atividade empresarial, já não precisa ser sublinhada, nos dias que correm. Mesmo em sistemas econômicos como o nosso, que consagram o princípio da apropriação privada dos meios de produção, as grandes empresas tendem a se inserir no plano nacional de desenvolvimento, como agentes da realização da política econômica e social do Estado.” O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, 429p, p.233. Na verdade, o direito de empresas como um todo, é regido por princípios vinculados ao interesse público, bem longe de um liberalismo indiscriminado. XXXXXXXX, Xxxxx X. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 187p, p. 20.
permanência. Naturalmente, isso não aparta de maneira definitivaas diversas formas de colaboração societária. Há uma dificuldade já captada pela doutrina em delimitar as formas de colaboração intersocietária em geral, por conta da rapidez das práticas econômicas bem como pela diversidade de formas pelas quais se manifesta e pela diversidade de finalidades para as quais se presta.18
Outro aspecto, ainda no que concerne à dificuldade de obter uma definição completa, acabada, do fenômeno do grupo societário está em que a abordagem muda conforme o ramo do direito. Neste ponto, Tércio Sampaio de Xxxxxx Xxxxxx faz observações interessantes no que concerne ao grupo de fato na legislação societária, concorrencial e trabalhista, demonstrando essa variabilidade19.
Ainda sobre o tema do direito de grupos, há todo um esforço da doutrina para estabelecer alguns conceitos fundamentais, nos quais se assenta a noção de grupo de sociedades. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx enfatiza a independência jurídica das sociedades integrantes, as quais conservam sua individualidade e autonomia jurídica o que distingue o grupo de outras técnicas de concentração como a fusão; depois, enfatiza também a unidade de direção econômica.20
Inicialmente, é central a direção unitária como requisito de integração empresarial.21E é ela que dá a unidade e singulariza o grupo, tornando-o uma entidade autônoma de suas células tanto do ponto de vista econômico quanto jurídico. Fica muito patente o valor desta noção para os estudiosos da matéria, como deixa claro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx:
18 XXXXXXX, Xxxxx do Rosário Palma. Grupos empresariais e societários. Incidências laborais. Coimbra: Almedina, 2008, 794p, p. 72.
19 Grupo de fato: da legislação societária e concorrencial à legislação trabalhista. In. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (Coord.) São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 369-381. Também, a propósito, observa Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx que “é imensa a variedade de estruturas organizacionais assumidas pelos grupos societários, envolvendo nível mais ou menos elevados de integração e, por conseguinte, maior ou menor autonomia das sociedades que o integram (grupos centralizados e descentralizados). Estrutura de governo dos grupos societários de fato na Lei Brasileira: acionista controlador, administradores e interesse do grupo. Direito Empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Xxxxxxx X. Xxxxxxxx xx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (Coordenadores). São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, pp. 269-291, p.269.
20Os grupos de sociedades. Coimbra: Almedina, 1993, 842p, p. 26.
21 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Ob. cit., p. 270. Muito embora, nos grupos de fato, a direção unitária perca importância, conforme se verá.
A doutrina atual converge, porém, para o reconhecimento de que a direção unitária constitui elemento central dos grupos societários. Não se trata de um conceito unívoco (são análogos, por exemplo, os conceitos de influência dominante e de controle, disciplinados de forma distinta nas leis dos diversos países), mas ele é útil para identificar, de forma ampla, o grupo de sociedades. Por direção unitária, entende-se o exercício do poder de definir, de forma mais ou menos centralizada, a orientação empresarial dos diversos membros do grupo societário, que passam a seguir, assim, uma política global.22
Na verdade, a direção unitária, como instrumento de controle favorece a obtenção de máxima eficiência produtiva intrassocietária23. Nessa linha, ainda, vejamos os seus elementos característicos, bem notados por Xxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx:
Sem prejuízo do maior ou menor grau de centralização, é possível afirmar que o grupo, fundado sob a direção unitária, se caracteriza por um conjunto essencial de fatores: (i) o controlo; (ii) a integração econômica; (iii) a interdependência administrativa; (iv) a interdependência financeira; (v) a interdependência de trabalhadores; (vi) a imagem comum.24
O controle referido pela autora portuguesa é aquele de uma sociedade-mãe sobre outras sociedades, para dirigir-lhes a gestão e definir-lhes as políticas. Mas, o tema permite mais algumas reflexões, já que o conceito de controle acabará, nos casos da caracterização dos grupos, por ter repercussões contratuais interessantes.
Assim seguem algumas observações sobre este conceito: o controle se verifica do ponto de vista formal, com a assembleia da sociedade anônima. Entretanto, esse poder formal pode não coincidir com o poder de fato. Assim, o poder de controle, tal como o estudou Xxxxx Xxxxxx Comparato, implica não só a situação de participação majoritária no capital com direito ao voto, mas também quando “uma sociedade exerce sobre a outra, direta ou indiretamente, uma influência dominante.”25 O primeiro é controle interno, cujo centro de gravidade é
22Estrutura de governo dos grupos societários de fato na Lei Brasileira: acionista controlador, administradores e interesse do grupo. Direito Empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Xxxxxxx X. Xxxxxxxx xx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (Coordenadores). São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, pp. 269-291, p. 271.
23 XXXXXXXX, Xxx Xxxxxxxxxx de. Grupos de sociedades e deveres de lealdade. Por um critério unitário de solução do “conflito do grupo”. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, 759p, p. 38.
24 Ob. cit., p. 143.
25 Ob. cit., p. 60.
o direito de voto, como manifestação no órgão máximo da sociedade anônima, a assembleia geral (artigo 121, da Lei nº 6.494/76). O segundo – influência dominante – é controle externo. Exemplifica Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxx essa influência com as situações de endividamento das companhias, as concessionárias de serviço público submetidas ao regime próprio com intervenção do Estado.26
Quanto à influência dominante, vários instrumentos podem servir para articular essa dominação de uma sociedade sobre outra. Mas, no que interessa ao escopo do trabalho, também os contratos podem exercer esse papel, conforme observado por Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Afirma o citado autor que o domínio intersocietário (é sua a expressão) se dá também por via de contratos de empresa, o que, na nomenclatura que utiliza, significa “aqueles contratos que visam instituir ou conformar uma relação de integração econômica, financeira ou empresarial mais ou menos intensa entre duas empresas societárias.”27 E também pelos contratos de direito civil e comercial comum, os quais podem corporificar uma forma de exercício de domínio, cujos exemplos são: o contrato de fornecimento, os contratos de empréstimo, os contratos de licença, os contratos de exclusividade, os contratos de franquia.28
Da definição constante do artigo 116, da Lei nº 6.404/76, em linha de princípio, há o reconhecimento da influência dominante29 externa à sociedade. Acerca deste artigo as considerações abarcam a ênfase no acionista controlador enquanto figura que sofre a pressão regulatória da lei, especialmente do parágrafo único que deixa muito clara a função social da companhia, perante os trabalhadores e a comunidade em geral. É acionista controlador a pessoa natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas que tenham assegurada a maioria dos votos nas deliberações da
26 Ob. cit., p. 53, nota 98. No caso das concessionárias de serviço público a influência mais evidente do Estado será no estabelecimento da política tarifária, interferindo no preço do serviço contratado pelo usuário. O artigo 9º e seguintes da Lei nº 8.987, de 13.02.1995, estabelece as diretrizes da política tarifária a ser supervisionada pelo poder concedente.
27Os grupos de sociedades. Coimbra: Almedina, 1993, 842p, p. 412.
28 Para os contratos de distribuição de um modo geral, o abuso da dependência econômica poderá interferir na condução das atividades da sociedade dependente, constituindo-se em um verdadeiro poder de fato. Sobre o tema: HAJ MUSSI, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Abuso de dependência econômica nos contratos interempresariais de distribuição. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito da Univ. de São Paulo. São Paulo, jan. 2007, 222p.
29 A influência significativa é presumida quanto a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante, nos termos do artigo 243, §5º, da Lei de Sociedade Anônima.
assembleia geral e dirige, efetivamente, as atividades sociais orientando o funcionamento dos órgãos da companhia.
Cuidando ainda desse artigo é notório que a dependência econômica, nas suas variadas facetas, tem potencial para influir no controle societário. A ausência de alternativas econômicas, reconduzindo toda uma operação ou uma etapa crítica de operação (o que dá no mesmo) à dependência de agente externo, acaba por interferir no grau de liberdade de atuação da companhia e no seu poder de deliberação e atuação social.
Fundamentais, nesse tópico, as considerações sobre as diversas formas de manifestação desse fenômeno, antes de tudo, fático. Essas considerações, com a citação de Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx Xxxxx, se fazem mirando o ângulo contratual do problema, confirmando a já referida operabilidade dos contratos, como instrumento de dominação:
A demonstrar a possível correlação entre as fontes de dependência econômica e controle externo veja-se que Xxxxxx Xxxxx Orcesi da Costa identifica, exemplificativamente, três espécies de controle externo nas companhias: (i) controle externo tecnológico, que decorre da dominação por motivos de técnica, de que é exemplo de estruturação o contrato de transferência de tecnologia; (ii) controle externo comercial, que decorre de situações estruturais em determinados contratos entre empresários, de que é exemplo de estruturação o contrato de distribuição e; (iii) controle externo financeiro, que decorre da concessão de crédito à sociedade, de que é hipótese de deslocamento a situação de caução fiduciária de bloco acionário.Ainda é possível identificar mais uma forma, não descrita pelo citado autor, que diz respeito a aspectos de controle em função de fatores econômicos decorrentes, por exemplo, das situações de monopsônio (um só comprador) e monopólio (um só produtor). A aparente identidade, contudo, não justifica que o tratamento das hipóteses (controle externo e dependência econômica) seja semelhante, conforme já pontuado.30
No entanto, apesar de sua importância, o controle acionário (que não se confunde com o controle empresarial pertencente à sociedade) perde espaço para o management control, num contexto de dispersão acionária e absenteísmos como observam Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, os
30 Ob. cit. p. 104, nota 231.
quais afirmam a emergência de uma nova forma de controle, fundados em outros mecanismos e com base em outra fonte.31
De seu turno, o elemento da integração econômica implica a existência de unidade de planejamento e decisão, com a integração das atividades econômicas e empresariais. A razão desse tipo de organização é a busca por eficiência, diminuição de custos de agência, ganhos de escala, dentre outros benefícios derivados de uma sinergia empresarial.
Advém daí a unidade financeira: “no contexto do grupo, as empresas não procuram, tipicamente, financiamento autónomo, antes dependem de adiantamentos financeiros de sociedades dele integrantes ou de garantias por elas prestadas, assentando o crédito, frequentemente, em garantias cruzadas (cross- garantees), com a corrente reafectação de fundos intragrupo.”32Por outro lado, poderão ser instituídos sistemas de centralização da gestão financeira.
Outra característica dos grupos, esta extremamente interessante para o tema do presente trabalho, repousa na interdependência administrativa das sociedades, pelo que uma ou mais sociedades podem oferecer serviços administrativos para outras. Nesse tocante, a autora afirma que os contratos internos ao grupo, tais como de serviços administrativos, engenharia, dentre outros aumenta a interdependência diminui a autonomia, podendo chegar a criar grupos de base exclusivamente econômica, “quando previamente se não identifique já um grupo (de direito ou de facto).33 Como decorrência pode surgir também interdependência de trabalhadores entre sociedades, com uma inusitada mobilidade dos mesmos, suscitando uma série de questões, das quais o interlocking directorate é um exemplo.34
Por fim, a imagem comum, o que pode ser crucial para a obtenção de crédito externo privado e também de apoio estatal, seja o financiamento, seja a subvenção.
00XXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx de. Poderes de controle no âmbito da companhia. Direito Empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Xxxxxxx X. Xxxxxxxx xx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (Coordenadores). São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, pp. 497-513, p. 503.
32Grupos de sociedades e deveres de lealdade. Por um critério unitário de solução do “conflito do grupo”. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, 759p, pp. 144-145.
33Ob. cit., p. 146.
34Acerca da mobilidade de trabalhador dentro do grupo ver: XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx. Ob. cit., p. 477 e seguintes.
A imagem comum agrega um componente essencial porque também irá mexer com a legítima expectativa de terceiros, a depender do grau de prestígio e poderio econômico do grupo dentre outros fatores. É a imagem comum uma variável intensamente levada em conta quando das contratações com sociedades controladas do grupo, pelo que se chega a afirmar a existência de um verdadeiro goodwill do grupo35, o que possui uma relevância acentuada em termos contratuais, especialmente no que concerne a questão da legítima expectativa.
Soma-se ao conceito de direção unitária aquele de interesse de grupo. Ora, se o grupo se autonomiza, o seu interesse também, em relação aos das sociedades constituintes. Bom lembrar que interesse no direito em geral tem importância preponderante servindo, por exemplo, para tradicional definição de lide dada por Xxxxxxxxxx, como um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.36
Um direito subjetivo é, antes de qualquer coisa, um interesse subjetivo tutelado pelo Estado-legislador. Por conseguinte, a noção de interesse tem uma relevância enorme para o Direito e para os direitos. Há interesses tutelados e interesses não tutelados, como deliberada opção do legislador sobre o que proteger e o que não proteger.37Resumindo: a vida em sociedade gira em torno do encontro e do desencontro de interesses, situações cooperativas, situações conflitivas.
Voltando ao interesse do grupo societário, ele acompanha a direção unitária como elemento que dá individualidade a este, destacando o conjunto de seus membros, fazendo-o ganhar vida própria. Tanto isso é verdade que a questão dos deveres de lealdade dentro do grupo é um tema de grande importância, bem como os conflitos de interesses também na esfera interna ao grupo. Sem o interesse do
35Ob. cit., p. 619.
36“Por interesse pode-se entender a relação existente entre um sujeito, que possui uma necessidade, e o bem apto a satisfazê-la, determinada na previsão geral e abstrata de uma norma. Para satisfação das suas necessidades, o homem vale-se de bens. Entre o sujeito e o bem, portanto, forma-se uma relação que, na situação enfocada, toma o nome de interesse.” FRANÇA, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx e Novaes. Conflito de interesses nas assembléias de S. A. São Paulo: Malheiros, 1993. 109p, p. 15-16.
37“Os comandos legais não só se destinam a resolver conflitos de interesses, mas são também, como todos os comandos activos, verdadeiros produtos de interesses.” XXXX, Xxxxxxx. Interpretação da lei e jurisprudência dos interesses. Trad. Xxxx Xxxxxx. São Paulo: Livraria Saraiva S/A, 1948, 326p, p. 19.
grupo não há uma integração com tal grau de estabilidade geradora de uma unidade de propósitos economicamente direcionada.
Igualmente, a respeito do interesse do grupo como algo destacado dos demais interesses sociais, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx observa que o interesse social é ultrapassado pelo interesse do grupo, há uma subordinação do interesse social da controlada em proveito do interesse social do grupo, o que diminui o poder da assembleia de dirigir a sociedade, podendo outorgar caráter meramente declarativo de certas deliberações, as quais apenas consubstanciam dentro da sociedade decisões já previamente tomadas fora dela, o que coloca o problema da internalização do conflito de interesses dentro do grupo.
Da mesma maneira, Xxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx faz consideração relevante sublinhando com acurácia constituir problema essencial do direito dos grupos societários compatibilizar os interesse sociais singulares das sociedades agrupadas e o interesse do próprio grupo.38
Igualmente distinguindo o interesse social de uma sociedade singularmente considerada, do interesse social do grupo, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de Toledo é bastante enfático, afirmando a distinção de finalidades entre os dois: o interesse social tem por fim o lucro, o interesse do grupo tem por fim “a participação nos benefícios trazidos pela atividade em comum”.39Como se constata há uma vincada diferença entre um interesse social singular e o interesse do grupo, o qual, aliás, é muito mais do que a soma dos interesses de cada sociedade componente.
O interesse do grupo, por conseguinte, poderá ser elemento de conexão contratual demonstrando que a causa concreta daquela contratação específica pode não ter sido apenas para atender ao interesse social da contratante, mas atender ao interesse do grupo, beneficiando-o como um todo. A constatação tem profundo reflexo nas questões inerentes à boa-fé objetiva e os deveres anexos, bem como a
38 Ob. cit., p. 61.
39 Recuperação judicial de grupos de empresas. Temas de direito empresarial e outros estudos em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xxxxx. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx e Novaes França e Xxxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxxx (Coords.). São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 336-357, p.346.
questão do terceiro cúmplice, já que há outro interesse inserido naquela relação contratual, o interesse do grupo.
Articulação de sociedades conduz à formação de interesse destacado, reflete- se na articulação contratual e nas causas concretas dos referidos contratos, alterando por vezes o próprio tipo de uma dada figura contratual e, por consequência, exigindo análise investigativa. Análise que examine retrospectivamente a razão de ser do contrato e prospectivamente sua finalidade não para a sociedade, mas para o grupo.
Tudo isso faz crescer a complexidade do assunto e exige que os contratos, nesses casos, não sejam objeto de uma análise simplista, devendo o intérprete buscar a razão de ser de uma determinada cláusula não no contratante, mas no que lhe subjaz, no grupo societário. A pesquisa dos interesses em jogo naquela relação contratual, então, terá de ser muito maior e mais perspicaz.
2. Grupos societários de direito
Há diversas classificações de grupo societário, no entanto, para o presente trabalho interessa apenas o estudo mais detido dos grupos de direito e dos grupos de fato. O grupo de direito (artigo 265, da Lei nº 6.404) é constituído para “combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos” ou, então, “a participar de atividades o empreendimentos comuns”. Na verdade, a realização dos respectivos objetos sempre haverá, enquanto imposição evidente e responsabilidade com os acionistas. Já a participação em empreendimentos comuns poderá existir ou não, mas é tendência especialmente forte nos casos de financiamentos de projeto, os quais pela sua dimensão e pelos riscos exigem a criação de uma sociedade de propósito específico (SPE).
Em suma: a combinação de recursos e esforços para realizar os respectivos objetos é a finalidade mesma da concentração em formato de grupos; a participação em atividades ou empreendimentos comuns é consequência natural da evolução do grupo enquanto tal, fortalecendo a estratégia unificada e criando laços cada vez mais fortes dentro do grupo.
Os grupos de direito, no enfoque que lhes dá Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, existirão quando houver, entre as sociedades, uma relação de subordinação; for celebrada uma convenção obrigando as partes a combinar recursos e esforços em prol da realização dos respectivos objetos ou a participarem de atividades ou empreendimentos comuns e; desde que estejam submetidas à direção única, permanente, pela sociedade controladora ou pelo comando do grupo.40
A convenção prevista no artigo 269 da Lei de Sociedade Anônima possui natureza de contrato plurilateral, podendo ser incompleto para o atingimento das finalidades postas pela direção do grupo como as metas a atingir. Nota-se, insistindo nesse particular, que as alíneas do mencionado artigo, requisitos mínimos da convenção, não exigem o estabelecimento de um objetivo de grupo ou de finalidades específicas, podendo-se afirmar, nesse caso, que a convenção é realmente incompleta podendo suas finalidades variar conforme a estratégia da direção do grupo. Os requisitos dizem com a designação do grupo, indicação de comando, prazo, condições de participação, admissão e retirada, cargos de administração do grupo, ou seja, todos os aspectos operacionais do cotidiano do grupo.
Aferindo as características dos grupos de direito na legislação brasileira é possível notar também, com Nelson Eizirik, o seguinte:
Embora todas as condições exigidas pelo dispositivo sejam imprescindíveis para a validade e eficácia da convenção, as cláusulas mais importantes, do ponto de vista prático, são aquelas que regulam as condições de participação das sociedades associadas (inciso III) e a estrutura administrativa do grupo (inciso VI). 41
A vantagem da convenção do grupo de direito é a possibilidade de formação de um interesse subordinante dos demais, sem a necessidade de operações estritamente comutativas. Relevante frisar tal ponto: as operações do grupo criado por convenção admitem a subordinação dos interesses sociais ao interesse grupal, o que não acontece – ao menos a lei assim não admite – com o grupo de fato.
40 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Das sociedades anônimas. Comentários à lei (arts. 189 a 300). Vol. 3. Rio de Janeiro, Renovar, 2012, 1.272p, p. 1002.
41A lei das S/A comentada. Vol. III. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, 640p, p. 533.
Portanto, no Brasil, a subordinação do interesse social ao interesse do grupo acontecerá regularmente no caso dos grupos de direito. O princípio da autonomia, nessa hipótese, cede passo, ficando afastado o regime geral das sociedades anônimas, valendo, então, o regime excepcional de que a convenção do grupo é o instrumento, aliás, muito próximo – segundo Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx – ao contrato de subordinação da lei portuguesa.42
A vantagem do grupo de direito é a possibilidade de estabelecimento de convenção, com segurança jurídica para qual o regime a ser aplicado e com a clareza de que haverá, licitamente, a subordinação de sociedades ao grupo. Sobre essa subordinação juridicamente vinculativa, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx é claro ao afirmar que o interesse social da sociedade integrante fica subordinado ao da sociedade-mãe, tornando assim a condução dos negócios sempre voltada para o interesse do grupo.43
A estruturação do grupo de direito apostava no êxito que essa figura teria na prática empresarial o que, todavia, não aconteceu. Conforme observou Nelson Eizirik, o tratamento dos grupos de direito foi um equívoco do legislador, eis que muito embora a disciplina detalhada de seus elementos característicos, essa estrutura legal ficou, na prática, sem eficácia social, ou seja, sem aceitação dos agentes econômicos os quais mantém, no seu dia-a-dia, a forma do grupo de fato.
42Empresa contemporânea e direito societário. Poder de controle e grupos de sociedades. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, 360p, p. 119.
43“Dizem-se assim grupos de direito aqueles cuja criação resulta da utilização de um dos instrumentos jurídicos que a lei previu taxativamente para tal efeito – no direito português são três esses instrumentos: o domínio total (arts. 488º, 489º), o contrato de grupo paritário (art. 492º) e o contrato de subordinação (art. 493º) -, e a cuja organização e funcionamento se fez associar um regime jurídico excepcional, derrogador dos cânones gerais do direito das sociedades – regime esse traduzido, por um lado, na legitimação do poder de direcção da sociedade-mãe sobre as sociedades-filhas e da subordinação dos interesses sociais individuais destas ao interesse geral do grupo (em derrogação ao princípio básico de acordo com o qual a sociedade deve conduzir os negócios sociais à luz da sua vontade e interesses sociais próprios) e, por outro, no estabelecimento de contrapartidas especiais de protecção para estas últimas sociedades, seus sócios minoritários e credores sociais.” Ob. cit. p. 46. Nelson Eizirik chega a observar que o interesse específico de cada companhia poderá até ser contrariado a bem do interesse geral do grupo: “As sociedades que compõem o grupo de direito formam uma unidade econômica, reconhecida pelo ordenamento jurídico, uma vez que, por meio da convenção e com o objetivo de viabilizar a consecução do interesse geral, abrem mão da sua individualidade estratégica e administrativa, submetendo-se à direção centralizada do grupo. A Lei das S.A. admite, inclusive, que a administração do grupo adote medidas contrárias aos interesses específicos de cada companhia que o integra, favorecendo, em prol do interesse geral, determinadas convenentes em prejuízo de outras.” Ob. cit., p. 331.
Por fim, José Xxxxxxx Xxxxxx00, observou que não há obrigatoriedade de todas as sociedades empresárias do grupo revestirem a forma de sociedades anônimas, até porque, vale a premissa de interpretação segundo a qual aonde o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. Outros pontos de interesse, acerca da estruturação desse tipo de grupo, consistem na exigência da nacionalidade brasileira da sociedade controladora, o que demonstra uma preocupação com a indústria nacional e demonstra a importante função que esses grupos exercem e, além disso, a previsão da designação “grupo” ou “grupos de sociedades”, constante do artigo 267 da Lei de Sociedade Anônima poderá gerar uma expectativa no contratante que trava relações com sociedade do grupo.
3. Grupos societários de fato
Os grupos societários de fato formam a grande maioria dos grupos empresariais no direito brasileiro. As causas da opção da maioria pelo grupo de fato são a rigidez do modelo do grupo de direito, a falta de uma jurisprudência formada que dê previsibilidade, o próprio custo da formação destes grupos, fundado no direito de recesso dos minoritários discordantes.
No Brasil, o grupo de fato, derivado do controle acionário (art. 243, da Lei de Sociedade Anônima) não possui uma conceituação, ainda que larga, que possa abarcar diversos conglomerados. Acontece, ainda, que o eixo teleológico, ou seja, as finalidades centrais e os princípios do ramo de direito influenciam na interpretação do enfoque dado ao conceito de grupo.45
44 Ob. cit., p. 1002.
45 Na verdade, destaca-se que os ramos do direito exigem uma imputação sobre uma entidade dotada de personalidade, portanto, capaz de contrair direitos e obrigações e do exercício desses mesmos direitos. Isto, como se observa, gera uma perplexidade quando se está a tratar com uma coletividade que não possui personalidade jurídica. Nessa linha: “Ora esta discrepância entre a situação de facto e a situação de direito, que é característica da estrutura empresarial plurissocietária, levanta à ordem jurídica em geral problemas de difícil resolução. Com efeito, e por outro lado, é necessário recordar que praticamente todos os ramos jurídicos que, directa ou indirectamente, disciplinam a actividade económica da empresa no tráfico externo, o fazem por referência aos modelos de imputação jurídico-normativa saídos do sistema pandectista – o que quer dizer que possuem sempre, invariavelmente, como destinatário-base das respectivas normas, uma entidade dotada de personalidade jurídica, seja ela singular (maxime, empresário em nome individual) ou colectiva (maxime, sociedade comercial). Ora, não possuindo o grupo personalidade jurídica mas tão-só as sociedades que o compõem, cria-se assim uma perigosa divergência entre norma e realidade, que põe em causa a consecução dos próprios objectivos regulatórios subjacentes aos comandos normativos concretos: atenta a estrutura jurídica policêntrica da empresa do grupo, multiplicam-se
Como já mencionado, o conceito de grupo conta com grande variabilidade, inclusive a depender do ramo do direito. Exemplo dado pelo já citado Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, o artigo 15 da Lei n. 8.884, de 11 de julho de 1994, que transformou o CADE em autarquia e dispõe sobre a defesa da concorrência, ao determinar sobre quem incide referida norma engloba “qualquer entidade capaz de exercer poder econômico em um mercado relevante. ”46Então, a regra alcança “inclusive a associação de fato, de natureza temporária.”47
Outra autora que inventariou as diversas previsões legais específicas sobre os grupos empresariais e a multiplicidade de ângulos pelos quais pode ser enfocado o fenômeno foi Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Listou as previsões legais começando pela Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 2º, §2°, do Dec. lei 5.452/1943), passando pelo direito econômico (artigo 17, da Lei 8.884/1994), do consumidor (art. 28, Lei 8.078/1990) e ambiental.48 Isto sempre tendo como cerne a responsabilidade das empresas componentes do grupo.
Portanto, na ausência de um lineamento de critérios especificados minimamente, há grande número de possibilidades para a definição de grupos societários de fato. Na verdade, fazendo crítica ao sistema que aposta na dicotomia entre o grupo de direito e o grupo de fato, observou-se que a previsão dos grupos de direito não contém um conceito suficientemente abrangente e a incerteza na
virtualmente as situações em que o direito falha em identificar o verdadeiro centro material de acção, destinatário dos seus próprios comandos, pois muitas serão as condutas que, não obstante exclusivamente procedentes da iniciativa e vontade da sociedade-mãe, acabam por ser jurídico- formalmente imputadas à sociedade do grupo que concretamente a praticou.”XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Ob. cit., p. 152.
46 Grupo de fato: da legislação societária e concorrencial à legislação trabalhista. In. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (Coord.) São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 369-381, p. 371.
47 Ob. cit., p. 371.
48Sobre a perspectiva dos crimes ambientais, adverte: “(...)d) por sua vez, a Lei 9.605/1998, sobre crimes ambientais, não menciona a expressão grupo, mas após afirmar a responsabilidade de pessoas jurídicas no âmbito administrativo, penal e civil, determina a desconsideração da personalidade jurídica sempre que esta “for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos à qualidade do meio ambiente”, possibilitando tratamento unitário de uma empresa plurissocietária. Estas leis esparsas prevêem conseqüências específicas quando configurado um grupo empresarial, em geral relacionadas com responsabilidade das empresas que o formam. Não trazem, entretanto, nenhum critério para determinar, para o direito e para os efeitos da aplicação de determinadas regras, quando existe um grupo societário, de empresas ou econômico.”Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. Revista Direito GV. v.1. n. 21. pp. 05-28, jun-dez 2005, p. 07.
caracterização dos grupos de fato resultam numa combinação que traz insegurança jurídica.
Central é observar que, nos grupos de fato não há a formação de uma direção unitária e de um interesse de grupo tutelados por lei, valendo a regra da autonomia e independência das sociedades. Isto, na verdade, implica no seguinte: o grupo de fato no direito brasileiro não conta com tutela jurídica, sendo tratado pelo regime geral do direito societário positivado na lei.
A ponderação aqui fica por conta necessidade de um conceito ainda que sem contornos rígidos, permitisse uma imputação normativa mais rente à realidade prática do mundo dos negócios. Ora se por um lado a personalidade jurídica representa marco teórico do direito, com uma dimensão prática facilmente demonstrável na própria limitação da responsabilidade dos sócios e que isso foi e é fundamental para o desenvolvimento dos negócios e do mercado enquanto fonte geratriz de riquezas, por outro lado, com o advento de novos desenhos institucionais e de novas organizações e abordagens de empreendimentos, esse modelo não é suficiente para dar conta das situações concretas que a vida propõe.
Não significa em absoluto, sua inutilidade ou obsolescência para os problemas do mundo atual, mas sim que não é o único mecanismo ou não pode ser o grande critério de imputação, devendo mais e mais somar-se a previsões legislativas modernas e uma evolução jurisprudencial coerente e sistêmica tratando desses assuntos. Com efeito, a obtenção de recursos para os grandes empreendimentos, sem isso, seria a grande prejudicada.49
Ainda abordando esses problemas veja-se que o ângulo mais interessante aproveita para criticar, na verdade, a própria opção estrutural da organização de grupos. Distinguiu Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx o modelo regulatório contratual que estabelece a dicotomia grupo de direito e grupo de fato, sendo o primeiro derivado de um negócio jurídico contratual plurilateral que aparta os convenentes do regime
49“De fato, a dissociação entre o poder de condução dos negócios sociais e a propriedade do capital, pressuposto da mobilização da poupança popular, somente se torna viável com a adoção do princípio da responsabilidade limitada. Afinal, se o sócio fosse ilimitadamente responsável pelos débitos sociais, não aceitaria direcionar seus investimentos para a sociedade, sem compartilhar uma parcela considerável do poder de determinar a condução de suas atividades.” XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Empresa contemporânea e direito societário. Poder de controle e grupos de sociedades. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, 360p, p. 69.
geral do direito societário e o segundo derivado do próprio poder de controle reconhecido na lei brasileira.50 O primeiro leva à segurança jurídica e reconhece o interesse do grupo e a unidade diretiva. O segundo não admite a subordinação de interesses de uma sociedade à outra, devendo cada uma atuar para a consecução de seu fim social, e só.
Todavia, o mesmo autor demonstra que há outra forma de tratar juridicamente o fenômeno dos grupos de sociedades: é o modelo orgânico de regulação, no qual “busca-se uma definição geral para os grupos, que seja abrangente, de um lado, mas suficientemente precisa, de outro, pois dela depende a aplicação do regime jurídico próprio, independentemente da vontade dos empresários.”51
Acerca dessa questão dos modelos regulatórios, tenha-se em conta que a ideia do modelo contratual do grupo de direito e de seu regime unitário de tratamento para empresas do mesmo grupo teve origem no direito tributário alemão, sendo que, na gênese, o grupo visava evitar a tributação da distribuição de dividendos.52
Acontece que a regulação brasileira foi bastante simplista, até porque o objetivo era mesmo dar ampla liberdade ao empresariado para formação de grandes grupos societários. O objetivo era, então, evitar o cerceamento da iniciativa formativa de conglomerados.
Por fim, a comutatividade nos grupos de fato, mantendo sem nenhum temperamento o princípio da autonomia da personalidade, protege o acionista de maneira imediata, mas impede a tutela jurídica do interesse do grupo. Assim sendo,
50“Dessa forma, com a distinção entre grupos de direito e grupos de fato, o modelo regulatório contratual soluciona o problema da certeza jurídica, ao estabelecer um regime específico apenas aos primeiros, que se constituem segundo os instrumentos especificamente previstos na lei.”Ob. cit., p. 119.
51Empresa contemporânea e direito societário. Poder de controle e grupos de sociedades. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, 360p, p. 120.
52“O direito tributário alemão encorajou a formação dos grupos empresariais, mas sempre tendo em vista vínculos contratuais, que, quando existentes, afastavam a incidência de tributos ou eram condições para determinados benefícios fiscais. Para efeitos fiscais, sociedades agrupadas deviam ser tratadas como uma unidade, sendo tributadas com base nas demonstrações financeiras do grupo. A partir dos anos 20, passou-se a considerar a unidade econômica do grupo para fins tributários, sendo a condição essencial a Organschaft, isto é, a companhia deveria ser entendida como um órgão de uma outra, devendo integrar-se econômica e financeiramente e também no seu aspecto organizacional. As vantagens foram as seguintes: não-incidência de bitributação (nos lucros da controlada e nos dividendos distribuídos à controladora) e possibilidade de compensar os lucros e perdas em companhias.”XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. Revista Direito GV. v.1. n. 21. pp. 05-28, jun-dez 2005, p. 23, nota 16.
tem-se regramento irreal distante das práticas de mercado, sendo que a proteção da independência das sociedades, do escopo de lucro e a defesa do acionista para acontecerem de maneira adequada não precisariam de solução tão reducionista.
Na verdade, como demonstrou Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, mesmo nos grupos de fato há espaço (reduzido) para a coordenação de uma política de grupo que seja mais do que o mero exercício do poder de controle. Explica ela o seguinte: nos grupos de fato o poder de controle poderá espelhar uma política de grupo quando “o controlador tem interesses que extrapolam o simples exercício do poder de controle, buscando benefícios outros do que aqueles auferidos como sócio.”53Ou seja, conforme explica ela, não se trata apenas de exercer a posição de sócio, mas de exercê-la tendo em vista uma coordenação entre as várias sociedades que compõem o grupo. Então, conforme ensina passa a importar não o exercício de controle em si, mas a “maneira e a finalidade do exercício de controle, que pode manifestar-se segundo diferentes graus de intensidade e extensão.”54
Aqui a direção unitária, adrede referida como elemento característico dos grupos, ganha não o enfoque de subordinação das sociedades à sociedade-mãe, mas de coordenação entre centros autônomos. E, na falta da convenção, ganham destaque os contratos como elemento que possibilitem essa atuação coordenada entre as diversas sociedades.
A estrutura hierarquizada dos grandes conglomerados perde espaço para uma composição com centros autônomos de poder, todos submetidos a um poder de controle societário que espelha mais do que a posição de sócio controlador, uma política de grupo que, se não chega a assumir a feição de um interesse grupal tutelado juridicamente, como poder de fato conduz o conjunto de sociedades por um caminho mais ou menos uniforme, mas ao menos organizado, diminuindo custo de agência.
A caracterização do grupo de fato, por conseguinte, poderá ser relevante para fins de responsabilidade contratual pelos seguintes motivos: (i) na falta formal de direção unitária com suporte na convenção, os contratos coligados entre si vão
53PRADO, Xxxxxxx Xxxxxx. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. Revista Direito GV. v.1. n. 21. pp. 05-28, jun-dez 2005, p.20.
54 Ob. cit., p. 20.
gerar ou, no mínimo reforçar, a coordenação derivada do exercício do poder de controle, ajudando a criar uma linha de atuação sinérgica entre diversas sociedades empresárias; (ii) a diminuição dos custos de agência passa por aproveitar-se de estruturas já estabelecidas, é assim que, pensando em várias etapas de uma cadeia produtiva, um determinado grupo pode ter desde armazém, central de beneficiamento, parque industrial, até transportes e canais de distribuição, cada etapa em si mesma espelhada num objeto social, numa empresa, exercida por várias sociedades empresárias diferentes. Naturalmente, a coligação disso tudo se fará mediante contratos entre essas sociedades.
4. Consequências da caracterização do grupo segundo os planos do negócio jurídico
A utilidade evidente dos planos do negócio jurídico para fins de análise das consequências da caracterização do grupo societário, especialmente do grupo de fato, advém, primeiro, de que esta já é uma forma de estruturação consagrada. São os planos da existência, validade e eficácia, que interferem em qualquer análise preliminar de um fato jurídico. Em segundo lugar, pensando nas repercussões contratuais da caracterização do grupo, convém utilizar um mecanismo próprio da racionalidade do negócio jurídico para, ao depois, fazer a aproximação de um (grupo) com o outro (contrato).
Tratando da questão dos planos do negócio jurídico cumpre distinguir assim: plano da existência, plano da validade e plano da eficácia.55 Os planos se superpõem e as repercussões jurídicas são diferentes para cada um.
No que interessa de verdade, o ponto é que a caracterização do grupo de direito e do grupo de fato terá diferentes repercussões nos diferentes planos. Aliás, o grupo de direito e o grupo de fato são, também eles, diferentes.
O grupo de direito, não há dúvida, constitui-se em negócio jurídico plurilateral. Sua constituição é fruto da autonomia privada das sociedades convenentes, com a convenção aprovada pelas respectivas assembleias (art. 270, da
55 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico. Existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 24.
Lei de Sociedade Anônima). A convenção do grupo é resultante da autonomia da vontade, tanto quanto outro negócio jurídico.
Há, deliberadamente, a manifestação de vontade de submeter-se a esse regime jurídico específico, com regramento e efeitos determinados em grande parte pela referida convenção.
Portanto, fica muito claro: o grupo de direito deriva de negócio jurídico plurilateral.
No entanto, o grupo de fato, tem análise um pouco mais complexa do que isso. A razão é que ele deriva do exercício de poder de controle de fato, sendo que o Brasil não reconhece os grupos de fato qualificados.56 Assim, em linha de princípio o direito positivo nacional não tutela essas realidades. Tanto não tutela que consta do artigo 267, parágrafo único, da Lei de Sociedade Anônima: “Somente os grupos organizados de acordo com este Capítulo poderão usar designação com as palavras „grupo‟ ou „grupos de sociedades‟”.
Muito embora esse artigo contemple uma norma sem sanção, trata-se de norma cogente, portanto, conforme observa Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, a mesma afirma a determinação do legislador em não reconhecer os grupos de fato.57
A caracterização jurídica dos grupos de fato, com seu reconhecimento seja por sentença seja por decisão administrativa (como no caso do CADE), vem para criar responsabilidades para outra sociedade que não àquela constante da relação
56 Sobre o grupo de fato qualificado: “Neste ponto, ressalto que o direito brasileiro difere sensivelmente do direito alemão, no qual foi inspirado. Neste a jurisprudência criou a figura do grupo de fato qualificado (qualifizierter faktischer konzern), nos quais considera-se direção unificada das empresas, mesmo não existindo contrato de domínio. Nestes casos, aplicam-se as regras sobre grupos de direito, no que tange à proteção dos credores e dos minoritários. Já no sistema brasileiro, no qual não existem estes mecanismos de proteção de interesses relacionados e muito é deixado para a autonomia privada de disposição na convenção grupal, inexiste esta
„válvula de escape‟.” XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. Revista Direito GV. v.1. n. 21. pp. 05-28, jun-dez 2005, p.18.
57“Claro que se trata, apesar de desprovida de sanção, de uma norma cogente, imperativa, de ordem pública, ou seja, que se classifica no modal deôntico do obrigatório. Por isso, a todos obriga, segundo o princípio constitucional da legalidade (C.F., art. 5º, III).Assim, como enfatizou Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx, nem os agrupamentos a que se refere o parágrafo 2º, da CLT, nem quaisquer outros grupos de fato poderão utilizar tais designações. O artigo sob exame é uma tomada de posição, um reflexo da atitude firme e determinada do legislador de só considerar grupo o que se constituir pela vontade manifesta dos seus integrantes e com observância das disposições do Capítulo XXI.” Das sociedades anônimas. Comentários à lei (arts. 189 a 300). Vol. 3. Rio de Janeiro, Renovar, 2012, 1.272p, p. 1017.
contratual. Ou seja, se de modo geral o reconhecimento de uma situação jurídica é para reconhecer direitos, neste caso é para reconhecer deveres.
E acontece deste modo porquanto, ato-fato jurídico de caráter complexo (porque integrado por uma série de atos a estruturar o grupo de interesse econômico) o grupo de fato defluirá de um controle acionário (poder de fato), tal como previsto no artigo 243 da Lei de Sociedade Anônima. Assim, é preciso ter atenção com o seguinte: a invalidade dos atos e negócios jurídicos geralmente possui a perspectiva de sanção, todavia, no caso específico dos grupos de fato a caracterização vem em abono do direito de terceiros.
Daí que, é ato-fato jurídico complexo58 pelo seguinte: primeiro pela evidente abstração da volição dos envolvidos para a qualificação do grupo de fato. Insista-se, o direito nacional não traz um regime jurídico próprio para esses grupos, apenas os reconhece, conforme adrede mencionado, para fins de atribuir uma responsabilidade. Assim, muito embora possa derivar de uma pluralidade de negócios jurídicos ou atos jurídicos em sentido estrito, a atribuição do qualificativo de “grupo de fato” com os consectários legais daí advindos se dá independente da vontade das partes. Deriva de atribuição legal de norma de ordem pública, tanto isso é verdade que a previsão consta de leis imperativas. Em segundo lugar, é complexo exatamente porque a sua caracterização de grupo exige uma continuidade, uma permanência acompanhada de uma sucessão de atos e negócios que vinculem uma sociedade às outras, criando a concentração entre elas.
Portanto, o reconhecimento da condição de grupo de fato, o qual tem como consequência no plano da eficácia uma série de efeitos não queridos pelo ente grupal, maiormente relativo à responsabilidade no direito do trabalho, da concorrência, do consumidor, ou seja, efeitos derivados de normas imperativas, não de normas dispositivas, não possui característica em si de negócio jurídico. Nem há
58 A qualificação é dada, para fins de responsabilização, abstraindo a vontade dos envolvidos. Dissertando sobre o ato-fato jurídico, veja: “É evidente que a situação de fato criada pela conduta, comissiva ou omissiva, constitui uma mudança permanente no mundo, passando a integrá-lo definitivamente, sem que haja a possibilidade de, simplesmente, ser desconsiderada (como seria possível se se tratasse, exclusivamente, de conduta). Como o ato que está à base da ocorrência do fato é da substância do fato jurídico, a norma jurídica o recebe como avolitivo, abstraindo dele qualquer elemento volitivo que, porventura, possa existir em sua origem; não importa, assim, se houve, ou não, vontade em praticá-lo.” XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 20 ed. 2 tir. São Paulo: Saraiva, 2014, 349p, p. 188.
um regime jurídico próprio para os grupos de fato, simplesmente dentro do regime jurídico do direito do trabalho, do direito do consumidor, do direito concorrencial, dentre outros, haverá uma necessidade prática para a eficácia social de suas normas em retirar a independência da sociedade imputada, havendo já de si uma ruptura do cerco da personalidade jurídica como pólo sobre o qual incidem as obrigações, ou então, um mecanismo de previsão de solidariedade obrigacional.
O reconhecimento jurídico dos dois tipos de grupo possui repercussões diversas. O grupo de direito, exatamente pelo seu reconhecimento, tem suporte fáctico no negócio convencional, passando pelos três planos do negócio jurídico: existência, validade e eficácia. A validade da convenção do grupo é que possibilita o regime jurídico apartado que este possui, fazendo com que se possa falar em enfraquecimento da autonomia das sociedades, em interesse do grupo superior aos interesses das sociedades-satélite, dentre outras exceções ao regime societário geral. A eficácia, por seu turno, verifica-se na prática desse regime próprio, inclusive a depender de como as partes estabeleceram a convenção.
Já para os grupos de fato, a situação jurídica complexanão se apóia num negócio jurídico específico criador do grupo. Assim, o plano da validade é descartado, até porque não há no direito brasileiro uma definição ou um regramento para o grupo de fato. O que existe sim, conforme já se observou com apoio em Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, são previsões pontuais, em determinados ramos do direito que enfraquecem a autonomia e independência das sociedades para evitar fraude ou facilitar a indenização de terceiros.
De conseguinte, a problemática dos grupos de fato se dá no plano da eficácia, isto naturalmente considerando que existem e são válidos enquanto atos-fatos jurídicos (suportes fáticos que recebem a incidência da norma). A esse respeito, cumpre observar que o reconhecimento do grupo de fato, tanto no direito do trabalho quanto no direito tributário não toca as relações entre os sócios entre si, apenas afasta a independência e a autonomia da sociedade para fins de estender o vínculo obrigacional próprio daqueles ramos para outras sociedades.59
59 Veja como exemplos, o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, a norma geral antielisiva e também o artigo 2º da CLT, respectivamente: “Art. 116. (...) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a
Capítulo II – Responsabilidade contratual
1. O contrato: comutar, distribuir e organizar.
O estudo dos contratos é sempre útil já que estes são indissociáveis da dinâmica econômico-empresarial em qualquer tempo. De antemão, como argumento definitivo para justificar a supremacia do contrato como instrumento de intercâmbio no mercado e de desenvolvimento em geral, não só para os contratantes em si mesmos, mas para a coletividade, veja-se: o reconhecimento da dimensão social dos contratos leva ao reconhecimento de sua função na sociedade e, sem precisar de grande teoria, ao princípio da função social dos contratos.
Muito bem. Os contratos possuem uma dimensão social porquanto requerem um mínimo de convivência para serem firmados.60 A bilateralidade de partes afirma essa dimensão. A função na sociedade, por sua vez, vem reconhecida pela contribuição que essa figura dá à divisão de trabalho: o contrato enquanto laço
finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” “Art. 2º (...) §2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.” O CTN fala em desconsideração de ato ou negócio e, a CLT fala que, para efeitos da relação de emprego, serão solidárias as empresas do grupo. Isto opera no plano da eficácia, sem alterar outras relações entre as sociedades, apenas desconsiderando a personalidade para aquele fim específico. Cumpre lembrar também do que preceitua o artigo 30, inciso IX, da Lei Federal 8.212, de 24 de junho de 1991, ao dispor: “Art. 30. (...) IX – as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;”. A abrangência do dispositivo é de uma latitude bastante grande, alcançando todo e qualquer grupo econômico, seja de fato, de direito, uma subsidiária integral dentre outros. Tal alcance demonstra que o interesse tutelado é externo ao grupo. Ou seja, essas normas antes mencionadas reconhecem o grupo não para o grupo, mas contra o grupo.
60 A respeito da necessária convivência, em algum nível ainda que elementar, para ocorra o fenômeno da contratação, veja-se exemplo dado por Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx com apoio em Betti: “Os cartagineses dizem que, para lá das colunas de Hércules, há um país habitado onde eles vão comerciar. Quando chegam, tiram as mercadorias dos navios e as alinham ao longo da margem; retornam, em seguida, aos seus barcos, de onde fazem muita fumaça. Os naturais da região, percebendo a fumaça, vêm à beira-mar e, depois de deixar o ouro, como preço pelas mercadorias, afastam-se. Os cartagineses saem, então, dos navios, examinam a quantidade de ouro trazida e, se ela lhes parece corresponder ao preço das mercadorias, tomam-na e partem. Mas se o valor não é suficiente, voltam aos barcos, de onde esperam tranqüilamente novas ofertas. Os outros voltam em seguida e acrescentam algum ouro mais, até que os cartagineses se dêem por satisfeitos. Eles não enganam nunca uns aos outros. Os cartagineses não põem a mão no ouro, salvo se for como preço das mercadorias, e os naturais do país não levam nunca as mercadorias antes que os cartagineses tenham levado o ouro.” XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Ciência do direito, negócio jurídico e ideologia. In. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, pp.38- 54, p. 50.
obrigacional de efeito jurídico ajuda na distribuição de tarefas, especializando os agentes em uma ou algumas atividades, com ganho que acaba se distribuindo. Resumindo: a malha contratual, se funciona bem, deixa uma nação ou uma sociedade mais eficiente e mais pujante, representando um ganho geral embora se possa por sob crítica a proporção deste mesmo ganho entre as camadas sociais, especialmente na América Latina que padece de severos problemas no que concerne à distribuição da riqueza.
E, nessa toada, a função social do contrato deve ser encarada como entender o contrato não como uma abstração, um recorte teórico da vida negocial, mas como um instrumento inserido (não insulado) no plano fenomênico. Ora, então, fundamental manter a atenção para as circunstâncias negociais irrepetíveis daquele específico contrato, ou seja, soluções excessivamente abstrativas, ignorando a realidade dos interesses em conflito, não observam a função social. Esta última possui como esteio a causa concreta do negócio jurídico.61 A socialidade do contrato exige atenção às diferenças dos vários setores da vida pós-moderna em que ele viceja.
A respeito da divisão de trabalho, impulsionada pelo contrato, Xxxx Xxxxx afirmou que quando é implementada “acarreta, em cada ofício, um incremento proporcional da capacidade produtiva.”62E, se essa percepção pode estar sujeita a críticas, não deixa de ser evidente que o contrato aperfeiçoa as relações de mercado, gera incentivos para a especialização das atividades entre os agentes, sendo o instrumento por excelência de sua evolução. Se os contratos vão mal, o mercado vai
61 A função social do contrato em caso de processo judicial deve partir da análise da função típica e da causa concreta do contrato. Isto significa o seguinte: a função social do tipo contratual demonstra o que de ordinário se pretende com essa modalidade de contratação e a causa concreta específica ainda mais a análise, trazendo, então, o que se pretendia com aquela contratação em si. Por exemplo, é a partir desse tipo de análise que se pode chegar a concluir pela frustração do fim do contrato. Veja-se: XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Função social do contrato: um ensaio sobre seus usos e sentidos. São Paulo: Saraiva, 2013, 285p, p. 112.
62A mão invisível. Trad. Xxxxx Xxxxxx. 1. ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2015, 120p, p. 07. Importante a aguda observação de Xxxxx X. Forgioni que “mercado” sempre traz a reboque uma ideologia. Veja o que diz a autora: “Não podemos negar que, desde Xxxx Xxxxx, o mercado é concepção eminentemente ideológica, na medida em que se identifica com uma forma de organização social, alimentada pela divisão do trabalho e embasada no „sistema da liberdade natural‟, deixando para cada qual, „enquanto não violar as leis da justiça, perfeita liberdade de ir em busca de seu próprio interesse, a seu próprio modo, e faça com que tanto seu trabalho como seu capital concorram com os de qualquer outra pessoa ou categoria de pessoas‟”. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 187p, p. 142.
mal. Se o mercado vai mal, leva com ele não só as aspirações individuais dos cidadãos, mas também o custeio das políticas públicas. Nesse ponto, o padrão de vida depende da força geratriz de riquezas (bens e serviços), a relação entre a produtividade e o padrão de vida é demonstrada por N. Xxxxxxx Xxxxxx deixando clara a necessidade de eficiência econômica e produtiva em geral para elevar os patamares de renda e bem estar. Naturalmente, isto deve contar com mecanismos derivados de políticas públicas indutoras desses comportamentos produtivos, mas não se pode esquecer neste ponto que o grande responsável pela melhora no nível de vida é o fator produtividade, o qual pressupõe a concatenação de vários contratos entre vários os partícipes da economia de um país.63
Muito importante frisar, como evocativa dessa ligação umbilical entre pujança econômica, desenvolvimento social e contratos, a assertiva de Xxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxxxx trazendo um viés inusitado e fora do costumeiro hábito de reproduzir ideias já consagradas, repetidas e, portanto, saturadas: afirmam eles que a proteção do hipossuficiente, a intervenção estatal no mercado, o impacto do Welfare State com seu poder de polícia sobre os contratos e sobre o mercado em geral, tudo isso existe para a sobrevida do próprio regime capitalista, ou seja, do mercado mesmo.64
63“O que explica essas grandes diferenças de padrão de vida entre países e ao longo do tempo? A resposta é surpreendentemente simples. Quase todas as variações de padrão de vida podem ser atribuídas a diferenças de produtividade entre países, ou seja, a quantidade de bens e serviços produzidos por unidade de insumo de mão de obra. Em países onde os trabalhadores podem produzir uma grande quantidade de bens e serviços por unidade de tempo, a maioria das pessoas desfruta de padrões de vida elevados; em nações onde os trabalhadores são menos produtivos, a maioria das pessoas precisa enfrentar uma existência com maior escassez e, portanto, menos confortável.” (grifo no original).Introdução à economia. Tradução Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx e Xxxx, Ez2 Translate; revisão técnica Xxxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxx. São Paulo: Cengage Learning, 2013, 824p, p. 13.
64“A consagração da responsabilidade objetiva, até a responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, associada à aplicação do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, aparentemente abalaria os pilares de sustentação da teoria embasada na plena liberdade de contratar e de determinar os termos do acordo. No entanto, à atribuição de maior responsabilidade a uma das partes corresponde o estímulo para que outras com ela contratem (v.g., a maior proteção do consumidor acarreta o estímulo do consumo). (...) O mesmo se pode dizer em relação a outras hipóteses de responsabilidade objetiva previstas em nosso ordenamento jurídico, como aquela decorrente de atos que infrinjam a ordem econômica. A Lei Antitruste é instrumento que visa a eliminar os efeitos autodestrutíveis do próprio mercado. Xxxxxxx afirma que „se se deixasse a economia de mercado desenvolver-se de acordo com suas próprias leis ela criaria grandes e permanentes males.‟ E prossegue; „por mais paradoxal que pareça, não eram apenas os seres humanos e os recursos naturais que tinham que ser protegidos contra os efeitos devastadores de um mercado auto-regulável, mas também a própria organização da produção capitalista.” XXXX, Xxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx. Ainda um novo paradigma dos contratos? In. O estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 15-23, p. 19-20. Ainda a questão da falha de
Assim é que, como discorrem de maneira elucidativa, se o mercado fosse deixado por sua própria conta, sem nenhuma peia nada restaria. Também, quando se defende o hipossuficiente na relação de consumo, tal se faz em proveito da credibilidade do sistema de contratações para que o mercado continue funcionando.
Ora, se todo consumidor tiver a certeza de que será explorado sem nenhum mecanismo de proteção do Estado, o tráfico de riquezas simplesmente seria bloqueado pela desconfiança, pela insegurança. Então, proteger o mais fraco, nesse caso implica em permitir que o mais forte (o detentor dos fatores de produção) possa continuar operando economicamente. Mesmo caso vale para os defeitos do negócio jurídico, constantes do Capítulo IV, da Parte Geral do Código Civil vigente. Ao permitir que a vontade viciada admita a anulabilidade do negócio se está exatamente prestigiando a vontade livremente manifestada como aquela que obriga o contratante. Ao estabelecer a exceção, o legislador apenas reforça a regra. Especialmente se pensarmos que a anulação é uma sanção ao ato ou negócio viciado, para quem auferiu vantagens daquilo que o sistema jurídico não quer que seja objeto de exploração: o erro; o dolo; a coação; o estado de perigo; a lesão são institutos que apenas reforçam, por sua excepcionalidade, a força vinculativa do contrato.
Responsabilidade contratual – quem contrata quer segurança65, deposita confiança para a qual espera contrapartida cuja garantia é a sanção – é da fisiologia da avença juridicamente tutelada. Sem isso não haveria sentido contratar. Então, o princípio geral da obrigatoriedade dos contratos não foi abalado, simplesmente sofreu uma mutação para situações específicas reguladas por lei.
Corolário disto: os contratos circulam riqueza e, logicamente, possuem duplo papel: comutativo e distributivo. O tema aqui assume uma feição mais filosófica,
mercado que exige a intervenção estatal, sendo um exemplo o poder de mercado que desequilibra a concorrência e pode influenciar de maneira indevida os preços. MANKIW, N. Xxxxxxx. Introdução à economia. Tradução Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx e Xxxx, Ez2 Translate; revisão técnica Xxxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxx. São Paulo: Cengage Learning, 2013, 824p, p. 12.
65 Frase de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx em aula do Módulo de Teoria Geral do Negócio Jurídico, ministrado no segundo semestre de 2014, no curso de LLM de Contratos do Inst. de Ensino e Pesquisa – Insper.
mas mesmo assim facilmente perceptível, eis que a trajetória de ambas as posições acompanha o debate sobre a interferência do Estado nos contratos e a incidência de outros princípios que teriam enfraquecido a força vinculativa do contrato.
A função comutativa do contrato é, historicamente, sua primeira função. Isto porque a própria justiça era estritamente comutativa, dando a cada um, o que é seu, nada mais. Portanto, a comutatividade pressupõe uma distribuição consoante uma igualdade estrita e formal, dependendo seu cumprimento daquilo que as partes previamente manifestaram, valorizando a vontade declarada com força vinculativa para as partes. Cada um vale o seu poder de compra ou de produção.
A respeito da comutatividade, observa Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx que a mesma é entendida fundamentalmente como uma proporção, a qual determina “que nas transações contratuais nenhuma das partes tenha seu patrimônio (ou o poder de compra que se reflete em tal patrimônio, como se verá) diminuído ao ser obrigada a adimplir uma prestação mais valiosa que a contraprestação que receberá em contrapartida.”66
Continua a pesquisadora, explicando a noção de justiça comutativa e sua oposta, a distributiva:
A justiça comutativa é também adequada aos antípodas dessa classificação, os chamados contratos “aleatórios”. Isto ocorre porque os riscos envolvidos em uma transação podem ser quantificados e valorados. Assim, igualmente, nenhuma das partes deve ter seu poder de compra diminuído, vendando-se a prestação mais valiosa que a contraprestação, valoradas elas também com os riscos inerentes ao tipo contratual.
A justiça distributiva, por sua vez, é a regra que determina a efetivação de uma nova alocação de riquezas, diferente da alocação originária. Diferentemente do conceito de justiça comutativa, esta definição de justiça distributiva admite conteúdos plúrimos.67
66 XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Justiça e contrato: entre comutar e distribuir. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito da Univ. de São Paulo. São Paulo, abr. 2010, 300p; p. 13.
67 Ob. cit. p. 14.
Entretanto, comutar possui o seu lugar, porque nem tudo deve ser distribuído pelo Estado através de políticas interventivas. Comutar tem seu lugar, porque o Direito não planifica, num regime democrático, todas as relações privando os atores das melhores oportunidades de lucro advindo da diferença entre sua prestação e a prestação do outro, entre sua eficiência e a eficiência do outro, entre sua habilidade e a habilidade do outro. Apesar disto, o direito contratual também não pode deixar de observar as desigualdades entre determinados contratantes, na exata medida em que se desigualam. Afinal, isso é a aplicação do princípio da isonomia.
Inicialmente, aqui com apoio teórico em Xxxxxxx Xxxxxx00, o regime democrático afetou a produção do direito – já que a legislação enquanto fonte passou a ser ditada pelo regime da maioria – alcançando também os contratos, fruto da liberdade individual de conduzir seus próprios negócios. Foram afetados pela ideia de função dirigida à consecução de um interesse geral do Estado e das leis editadas pelo próprio povo e, como afirmou o autor, esse interesse geral repudia exceções, situações que lhe sejam estranhas, com resultados que o Estado gostaria de evitar. Destarte, afirma-se uma descrença ou, no mínimo, um desprestígio da vontade individual porque contraria planejamentos estatais amplos, porque minam as políticas públicas de bem estar social com alcance geral para todo um grupo de cidadãos.
Determinado grupo, o legislador escolhe, baseado em sua fragilidade contextual na sociedade (fragilidade econômica, social, informacional), para atribuir um tratamento qualificado, como critério que efetiva um regime desigual na medida das desigualdades dos tutelados, em evidente aplicação da isonomia já referida acima, no seu desdobramento da especialidade. Não custa lembrar que o Estado Brasileiro tem como finalidade a erradicação da pobreza (art. 3º, III, da Constituição Federal), aliás, princípio da ordem econômica (art. 170, VII, da Constituição Federal). Consequência: a busca por atingir essa finalidade sempre terá uma feição distributiva. Ela é da natureza do Welfare State. Explica-se:
68 XXXXXX, Xxxxxxx. O regimen democrático e o direito civil moderno. Trad. J. Cortezão. São Paulo: Saraiva & Cia, 1937, 454p, p. 274.
O Estado de Bem-Estar Social observa Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx é caracterizado não por prestações episódicas fruto de uma “antiquada concepção de protecionismo social”, pelo contrário, baseia-se em “serviços de caráter social de conotação mais ampla e geral, a fim de atingir os trabalhadores e outras pessoas mais fragilizadas, com atividades relacionadas à educação, saúde, assistência social enquanto cidadãos de um país.”69 Todavia, como diversos desses objetos (saúde, educação) podem ser contratados à parte do Poder Estatal, fica muito clara a necessidade de tratar diferentemente os contratos conforme o objeto e a vulnerabilidade das partes, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor. O problema da escassez, eixo central da Economia, também é o problema do Estado de Bem-Estar Social: qual bem estar priorizar? De quem priorizar? Como executar? Logo, o estabelecimento de prioridades é central para uma política eficaz. Isto, aliás, já consta explícito na Constituição Federal, por exemplo, quando estabelece no seu artigo 212 os percentuais mínimos a que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm que aplicar da receita dos impostos em educação.
A questão contratual, então, foi afetada pela plataforma constitucional, com seus fundamentos programáticos e com a denominada superação de um dado paradigma: o modelo liberal. Agora, entretanto, se assiste um realinhamento do discurso, com o reconhecimento da posição em que efetivamente tais recortes intervencionistas devem ocorrer. Mais do que discutir a constitucionalização do direito civil e a tão falada superação do paradigma liberal, é fundamental situar o debate: a autonomia enquanto móvel do crescimento das individualidades, enquanto nascedouro da liberdade de iniciativa não perdeu a centralidade porque é conatural ao Estado Democrático, nem os contratos deixaram de ser vinculantes e com prestações juridicamente tuteladas, porque isso é sua razão de ser. O melhor é dizer que a autonomia privada foi redesenhada.
O ponto de partida do redesenho foi o reconhecimento da insuficiência da igualdade formal.70 É a partir da busca por uma equivalência real das partes, com
69 O Estado do Bem-Estar Social na contemporaneidade e o papel do poder judiciário e dos entes coletivos no estado democrático de direito. In. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, v. 26, p. 16261-16290, 2013, p. 16269.
70 Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxx fala em três modelos de racionalidade jurídica: uma racionalidade jurídica formal, identificada com o modelo contratual liberal e a doutrina individualista em prestígio
base numa igualdade atenta às diferenças que se chegou ao passo seguinte. Ou seja, as vontades são autônomas, mas os poderes de xxxxxxxx, as capacidades, não são. Portanto, não basta reconhecer uma autonomia jurídica que não encontra eco na realidade social.71
A justiça distributiva, por conseguinte, tem como implicação a participação ativa do aparato estatal. Quanto mais se exige ou se busca uma igualdade substancial numa sociedade desigual, tanto mais mecanismos jurídicos de equalização entre as partes serão utilizados. Ou seja, a busca da igualdade nestes casos traz uma força centrípeta que “puxa” as relações para a tutela das normas de ordem pública e a ampla intervenção estatal. Já a justiça comutativa, ao contrário, tem como efeito uma força centrífuga que afasta as relações da tutela estatal cogente, levando as relações contratuais para o tratamento pelas normas ditas dispositivas ou supletivas da autonomia das partes, uma vez respeitada a equivalência das prestações inerente ao objeto das obrigações assumidas pelas partes.
De então, a feição distributiva dos contratos potencia-os como instrumentos de realocação de riquezas e de justiça social, o que não é ruim, apenas não deve ser tomado como o único modo de encarar o contrato. Posta em seu lugar próprio, essa visão tem sua função. Mas não é e nunca pôde ser a única, devendo trabalhar em articulação com outras, atento o aplicador do direito ao campo de atuação da norma interpretanda e aos interesses em jogo.
Se por um lado, mecanismos de controle e de equalização da igualdade são desejáveis, por outro lado, sua utilização indiscriminada termina por gerar outros custos de transação, os quais são repassados aos socialmente mais frágeis, como mais adiante se verá.
da autonomia da vontade; uma racionalidade substantiva de modelo intervencionista, nos termos de um verdadeiro dirigismo contratual; uma racionalidade jurídica reflexiva cuja lógica procedimental busca a autocomposição permitindo que as estruturas sejam “orientadas de forma relacional.” Moderno dirigismo econômico e direito contratual. In. Revista de informação legislativa. Xxxxxxxx, x. 00, x. 000, x.000-000, xxx./xxx. 1992.
71 Propugnando uma visão calcada na intervenção judicial nos contratos e na mudança de paradigma, com a superação do ideal liberal, veja-se: LÔBO, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Contrato e mudança social. Revista dos Tribunais (São Paulo), SÃO PAULO, v. 722, p. 40-45, 1995.
Oportuno transcrever trecho de Xxxxx Xxxx Xxxx Xxxx:
Talvez uma das maiores características do contrato, na atualidade, seja o crescimento do princípio da equivalência das prestações. Este princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e onerosidade excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras de experiência ordinária.72
O pensamento do autor está perfeito. Apenas um detalhe falta: não é possível proscrever o ganho ou eliminar o elemento erro em determinado campo contratual, sem interferir equivocadamente no sistema. Ou seja, nem tudo são contratos de consumo entre os detentores dos fatores de produção e os hipossuficientes. Nem tudo exige a intervenção estatal. Haverá os contratos entre os grandes atores econômicos e nestes, normalmente73 o Estado não tem porque interferir. Contratos em paridade de armas em que não é admissível qualquer ativismo porque importa em perturbação de um equilibro já fundado na isonomia de oportunidades para a obtenção das vantagens ou das posições de mercado que se pretende galgar.
Surge, então, a reapresentação – muito melhorada – de uma ideia que não é nova: a de que os contratos mercantis, hoje contratos empresariais, como regra geral, devem apartar-se do tratamento padrão dispensado aos contratos civís, consumeristas e de direito do trabalho. Não custa lembrar que para a compra e venda mercantil não se aplicava o instituto da lesão.74 Essa não aplicação foi, inclusive, entendida por Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, como implícita à natureza do instituto.75
72 Ob. cit., p. 44.
73 Excluem-se aqui, por opção metodológica, as análises de direito da concorrência, campo no qual há interferência estatal.
74 Veja-se no antigo Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850: “Art. 220. A rescisão por lesão não tem lugar nas compras e vendas celebradas entre pessoas todas comerciantes; salvo provando-se erro, fraude ou simulação.”
75“Esta malícia normal no comerciante, que faz da venda sua fonte de rendimentos, não se coaduna em verdade com o benefício da rescisão por lesão, pois que, se é da essência do ato comercial a especulação com fito de lucro, a segurança da vida mercantil desapareceria se fosse possível
A não aplicação de um instituto que protegia a equivalência das prestações preconiza a aceitação do fator erro como normal ao equilíbrio do sistema.76 Tal é demonstrado por Xxxxx X. Forgioni, sugerindo uma teoria geral dos contratos empresariais atenta à racionalidade deste segmento, não equiparável a racionalidade de outros campos do saber jurídico. A esse propósito, pondera a referida autora, alinhavando argumentos extremamente válidos, dentre os quais o de que o tratamento unificado das obrigações civis e mercantis “trouxe consigo o descaso pela teoria geral dos contratos mercantis.”77 Outro ângulo a merecer destaque é o da centralidade da figura da empresa nos estudos de direito comercial, enfatizado o aspecto institucional da mesma, empresa enquanto instituição e não enquanto atividade, o estudo de uma teoria geral dos contratos mercantis perde espaço, o qual só agora se resgata. Também é preciso lembrar a necessária separação entre os contratos de consumo e os contratos empresariais em sentido estrito, ora, nos primeiros só há escopo de lucro por uma das partes contratuais, nos segundos ambas as partes têm este objetivo.
Ferindo especificamente o artigo 421 do Código Civil de 2002, consagrador da função social, observe-se que esse dispositivo não possui uma interpretação apriorística que sirva para todos os contratos, sob qualquer modalidade (contrato de consumo, contrato empresarial, contrato administrativo), haverá variações isto é um fato. Sem essas variações existirá apenas um esquematismo abstracionista desatento às diferentes situações. Se a função social opera como limite à liberdade de contratar protegendo o mais fraco, isto se dá em circunstâncias negociais específicas atentas àquele grupo de contratos ou àquele microssistema, como é o
reabrir a discussão em tôrno de qualquer venda perfeita, e indagar da proporcionalidade das prestações.” XXXXX XXXXXXX, Xxxx Xxxxx da. Lesão nos contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, 241 p, p.115.
76“Nenhuma interpretação de um contrato empresarial será coerente e adequada se retirar o fator erro do sistema, neutralizando os prejuízos (ou lucros) que devem ser suportados pelos agentes econômicos, decorrentes de sua atuação no mercado. Regra geral, o sistema jurídico não pode obrigar alguém a não ter lucro (ou prejuízo), mas apenas a agir conforme os parâmetros da boa-fé objetiva, levando em conta asa regras, os princípios e as legítimas expectativas da outra parte (agir conforme o direito). Não fosse assim e o sistema jurídico [i] estaria cometendo equívoco metodológico bastante semelhante ao da análise microeconomia clássica, porque anularia ou desconsideraria o necessário diferencial entre os agentes econômicos ou [ii] desestimularia as contratações.” XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, 271p, p. 93.
77 Ob. cit., p. 41.
caso dos contratos de consumo. Podem existir situações em que a função social do contrato é preenchida mediante a aplicação de outra linha de abordagem, permitindo sim o ganho de vantagens comerciais e estimulando a competição e a aptidão na condução dos negócios. Dizendo de outro modo: fazer o Estado-Juiz interferir linearmente, utilizando o julgador dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato, da dignidade da pessoa humana como recurso estilístico (como várias vezes acontece) deixando de lado o conteúdo técnico que essas expressões encerram implica em enfraquecer o significado social do contrato, sua credibilidade e, com certeza, atingir resultados indesejados.
Não custa lembrar que a capacidade de assimilação do mercado a uma nova exigência do Estado (externalidade legal) é imensa. Isto é imediatamente repassado ao longo da cadeia produtiva. Logo, a proteção dos mais fracos, quando desconsidera as estratégias do mercado, acaba por desfavorecê-los sob pretexto de proteger.
É exatamente isso o que captou Xxxxxxx Xxxx ponderando que “a intensificação da proteção legal de uma das partes (locatários, por exemplo) traz em seu bojo, geralmente, um aumento total de custos ao mercado (locação, no caso).”78
A questão parece ser divisar contratos cuja racionalidade intervencionista é exigida pelas características de um dos pólos da relação obrigacional, em franca aplicação do princípio da especialidade (tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam), daqueles na presença de iguais e que, portanto, propõem uma baixa atividade interventiva do Estado, sugerindo ainda a aplicação de princípios de interpretação específicos e atentos aos mecanismos estruturantes de seu campo de atuação. A especificidade destes pode-se afirmar, com boa segurança, deflui de uma causa geral própria, a qual “exterioriza, pois, o alto grau de consciência dos empresários na celebração de um contrato, pois com este estarão
78 Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In. Direito & economia. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx (org.) 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pp. 63-96.
ou organizado ou exercendo sua empresa”.79 A causa geral própria, nas palavras de Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx, consiste na “circulação de fatores de produção ou de objetos de empresa, em relação aos quais as partes contratantes dispõem, em conjunto e ao menos presumivelmente, das informações relevantes para sua contratação.”80
Nesse ponto, a construção teórica propiciada pelo citado contratualista, trabalhando essa conceituação bastante original de causa geral própria, demonstra o seguinte: (i) primeiro, essa causa geral própria atribuiria aos contratos sua necessária empresarialidade, autonomizando a categoria81; (ii) segundo, essa ideia tem a virtude de observar o empresário como agente racional envolvido no exercício da empresa, entendendo de modo adequado a atribuição de responsabilidade e o papel destes contratos no cômputo geral das relações, porquanto seu escopo específico de lucro pressupõe uma atuação especializada e informada. Sobre esse segundo tópico, convém buscar apoio nas seguintes afirmações do autor: aquela que demonstra que se os fatores de produção são relacionados ao objeto da empresa é presumível que sobre eles deva o empresário possuir todas as informações, outra afirmação, também importante, observa que nesse segmento não há, em princípio, fraqueza a ser equalizada pelo Estado, ou seja, em contexto que afirma de hipersuficiência, a regra deve ser a autorregulação.82
Afirma Xxxxx X. Forgioni, a respeito de uma interpretação que considere os contratos empresariais em suas especificidades (o que acaba por lhes dar até uma
79Contratos empresariais. Categoria – Interface com contratos de consumo e paritários – Revisão judicial. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, 160p., p. 86. O autor ainda observa, em defesa de sua tese, que a função do negócio, ou seja, a causa final está no plano da eficácia. Daí, conclui: “Assim, a circulação de fatores de produção especiais ou de objetos de empresa, efeito dos contratos empresariais, pode muito bem ser denominada causa geral própria porque, à semelhança da causa final, refere-se à eficácia do contrato.” Ob. cit., p. 74.
80 Ob. cit., p. 86.
81 Ob. cit., p. 72.
82 No entanto, o próprio autor faz a ressalva a propósito da presunção de hipersuficiência, entendendo que a presunção abarca apenas os casos que envolvam fatores de produção para ambos os empresários. Diz Kleber Xxxx Xxxxxxx: “Tal presunção, contudo, é limitada aos domínios em que os empresários podem efetivamente dispor de amplo arcabouço informacional, em razão do exercício de suas atividades. Noutros termos, referida presunção aplica-se apenas aos casos que envolvam fatores de produção para ambos os empresários ou objetos das empresas destes. Nesses casos, podem-se ver circunstâncias negociais que evidenciam expertise dos contratantes e justificam a conclusão de que eles têm as informações necessárias e relevantes sobre o conteúdo das operações que realizam.” Ob. cit., p. 80.
teoria geral) observou ser imperativo para uma exegese coerente dos negócios empresariais o olhar atento para os pressupostos de funcionamento dos mercados, outorgando ainda aos negócios empresariais um rol de soluções aplicáveis diferente daquele das relações civis e consumeristas em geral.83
Na parte final de obra específica sobre os contratos mercantis e a teoria geral dos contratos, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Verçosa apresenta duras críticas à codificação civil, no que respeita ao tratamento dos contratos entre empresários. O principal, segundo ele, foi à predominância do tratamento dos atos em detrimento da atividade, sendo que os contratos empresariais não poderiam ter sido colocados na mesma “roupagem” dos demais contratos, o que criou limitações para as múltiplas contratações que o empresariado tem que fazer. Também qualificou de paupérrimo o tratamento da teoria geral do contrato no Código Civil o que dificultaria sobremodo o regime dos contratos atípicos, mas, o mais importante, alertou que os mecanismos do Código Civil de 2002 implicariam “a tomada de medidas de defensivas pelos empresários, com o surgimento indefectível de efeitos de segunda ordem.”84
Em conclusão, o melhor caminho divisa as diferenças entre os contratos e os feixes de interesses envolvidos, muito embora o tratamento unificado da teoria
83“Apurada a existência de um direito regido por „princípios peculiares‟, que disciplina as relações dos empresários no mercado, cumpre analisarmos as consequências relevantes para a interpretação dos negócios empresariais. Sabemos que interpretar um contrato entre o fornecedor e o distribuidor é diferente de interpretar uma doação do pai para a filha que vai se casar. Ou ainda, que o método de exegese de um testamento diverge daquele dos contratos que corporificam uma grande fusão. É mesmo evidente que os negócios mercantis merecem tratamento interpretativo diverso daquele reservado às relações entre fornecedores e consumidores, porque estas últimas obedecem a princípios que não podem ser aplicados aos vínculos entre empresários, sob pena de introduzirmos no corpo do direito comercial um inadequado „consumerismo‟ fadado à rejeição.” Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, 271p, p. 218.
84Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos. O Código Civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010, 351p. Ainda a esse propósito, criticando o Código Civil de 2002, por suas consequências em termos empresariais, por ferir a lógica econômica, veja-se um exemplo dado por Xxxxxx Xxxxxx: “Em contratos de distribuição ou representação, por exemplo, as possibilidades de mudanças que afetem as perspectivas de ganho de uma das partes são concretas. Se for fácil e eficaz, invocar ou o art. 478 ou o 157 do novo Código, que estímulos há para negociar a divisão dos riscos? Resolver o contrato, ou ameaçar fazê-lo é estratégia dominante que põe a outra parte quase que contra a parede. Temor de ser confrontado por essa estratégia, externalidade legal, fará com que as partes procurem defender-se preventivamente com o que os custos de transação serão majorados e, talvez, a realocação de direitos será onerosa, pior do que a anterior.” Externalidades e custos de transação: a redistribuição de direitos no Código Civil de 2002. In. Fundamentos do estado de direito. Estudos em homenagem ao Professor Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxx. Xxxxxxxx Xxxxx (organizador). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 345.
geral das obrigações em direito privado e, muito embora a atual opção por manter a matéria, especialmente no que respeita aos aspectos gerais dos contratos, no Código Civil.85
Finalmente, o aspecto organizacional dos contratos: este assume cada vez mais força, primeiro pela desverticalização da empresa, fazendo-se uma organização baseada na horizontalidade e, portanto, organizada por contratos de duração com forte aspecto cooperativo e com o objetivo declarado de organizar a atividade econômica do empresário.86Os contratos possuem além da função socialmente típica, outras que as circunstâncias e a criatividade do mundo dos negócios possa lhes dar. Daí desenvolve-se uma cooperação que é exigida por uma série de fatores, mas, fundamentalmente, destacamos a necessidade prática de se atingir bons resultados para todos os envolvidos. Abstraindo toda a base teórica que dá sustentação ao dever de cooperação entre os contratantes (dever anexo derivado da boa fé objetiva), o que fica evidente do ponto de vista fático é a necessidade desta cooperação para intentos de grande porte, sem o que não é possível para os envolvidos levar a bom termo suas próprias ambições e expectativas a respeito do negócio entabulado.87
85 Interessante observar que no caso da Argentina legislação recente optou por um código único, o Código Civil y Comercial de la Nación, aprovado pela Lei nº 26.994 (B. O. 08-10-2014). Entretanto, o referido diploma traz uma divisão completa tratando da maioria dos contratos. O libro tercero dos Derechos Personales é assim dividido: título I, das obrigações em geral; título II, dos contratos em geral; título III, dos contratos de consumo; título IV, contratos em espécie. Neste último título chama a atenção o capítulo XII a respeito dos contratos bancários. Código Xxxxx x Xxxxxxxxx xx xx Xxxxxx. 0. xx. Xxxxxx Xxxxx: Legis Argentina, 2014. O Brasil, ao que parece, irá tomar caminho oposto, eis que ganha força o projeto de novo Código Comercial (P. L. 1572/2011), apesar das críticas recebidas.
86 A esse respeito, em prefácio de obra coletiva tratando de contratos de organização econômica, observou Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx: “A forma usual de colaboração empresarial se dá no âmbito societário, com a constituição de sociedades nas suas diversas formas. Nosso objetivo, aqui, é demonstrar que o contrato também serve de instrumento para a organização de atividades econômicas. Segundo os autores da análise econômica do direito (law and economics), a colaboração ocorre pela internalização de determinadas atividades (a empresa cria seus departamentos e áreas internas de atuação ou estabelece parcerias nas relações com o mercado pela via contratual – contratos de consórcio, distribuição, representação e outras formas colaborativas). A opção entre um ou outro modelo se dá pela análise dos custos de transação nas relações de mercado e de monitoramento dos colaboradores dentro da empresa, fenômeno que explica as ondas de terceirização ou internalização das atividades no âmbito empresarial.” Prefácio. Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. Wanderley Fernandes, coordenador. São Paulo: Saraiva, 2011, 424p, p. 10.
87“Uma das principais manifestações do caráter realista do princípio da cooperação é trazida pela Análise Econômica do Direito. Através da teoria dos jogos, esta doutrina busca compreender a relação entre os seres humanos que, diante de um determinado fato, têm de tomar decisões sobre seus relacionamentos com os outros. Ela demonstra, através da simulação de situações reais, que os seres humanos, para evitar conflitos, têm interesse em adotar um comportamento compatível com
A feição organizativa se dessume de uma das múltiplas faces da empresa, tal como trata Xxxxxxx Xxxxxxx em trabalho clássico88, no qual elenca os perfis da empresa, cuja função também é de organizar os fatores de produção para devolvê- los na forma de produtos e serviços com uma mais valia da qual provém o lucro empresarial. Acerca da organização por via de contratos aponta-se para o caráter relacional, lastreado na noção cooperativismo. Além do que, a dimensão organizacional dos contratos traz uma perenidade para as avenças inusual no direito das obrigações. Com isso, também fica evidenciada a emergência desse novo padrão de relacionamento entre as partes contratuais, isto por absoluto pragmatismo, eis que a emergência deste standard cooperativo é um imperativo para sobreviver.
Entretanto, ficam algumas perplexidades: se há contratos organizacionais, a ruptura e os interesses envolvidos alcançam consequências para muito além do que seria o normal. Então, num caso como esse, por vezes, o limite da cláusula penal previsto no artigo 412 do Código Civil poderá ser insuficiente, porque o que se perde não é o objeto do contrato, a contraprestação da outra parte, mas a estruturação, por exemplo, de uma rede de distribuição vital para um negócio89.
Igualmente, a resolução será em determinados casos totalmente nefasta para o empreendimento (o que ressalta a importância das soluções autocompositivas dentro do próprio ambiente contratual), sendo o caso de lembrar advertência de Xxxxxx Xxxxxx a respeito. A estudiosa da intersecção entre direito e economia,
o dos demais – a teoria dos jogos de coordenação – e em cooperar com os outros porque será mais benéfico para ambas as partes – a teoria dos jogos mistos. A adoção de um comportamento cooperativo leva ao resultado mais economicamente satisfatório, uma vez que permite a criação de riqueza e um compartilhamento eficiente dessa riqueza entre as partes.” XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Cooperação como princípio diretor dos contratos: a lição dos acordos de acionistas. In. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (Coord.) São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 764-789, p. 769.
00XXXXXXX, Xxxxxxx. Perfis da empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil. 104, pp. 109-126.
89 Isto, por exemplo, justifica o tratamento diferenciado que o direito europeu dá à extinção do contrato de agência, porque muito mais que o objeto há formação de uma clientela com o trabalho do agente. Há uma mais valia perene, uma agregação ao goodwill do agenciado. Sobre o tema: XXXXXX, Xxxxxxx. A extinção do contrato de agência e os modelos de proteção ao agente no âmbito do direito europeu. Estudos de direito privado e processual civil: em homenagem a Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxx. Judith Martins-Costa, Véra Xxxxx xx Xxxxxxx, organizadoras. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 279-307.
dissertando sobre a realocação de direitos e as externalidades criadas pela codificação civil de 2002, observou “a distribuição de riqueza prevista pelo Código Civil poderá ser decepcionante se onerar os contratantes porque poderá resultar em redução do bem-estar geral”90.
Portanto, os contratos num contexto de desverticalização da atividade empresarial são um desafio interpretativo-integrativo para o qual o atual Código Civil, apesar de todos os seus méritos, não estava preparado.91
2. Responsabilidade contratual e pós-contratual
A responsabilidade que o contrato atrai para as partes contratantes deriva de sua estrutura obrigacional. O que, entretanto, alguém não acostumado ao direito dos contratos e ao estudo jurídico em geral poderia estranhar é a existência das responsabilidades pré e pós-contratual, a respeito das quais há abundante produção na literatura especializada.92
A obrigação, estruturalmente, é acompanhada de sanção. É isto que lhe dá juridicidade, ou seja, a possibilidade de invocação perante o Estado-juiz para garantir a tutela, a fruição do bem econômico pretendido por bem, se o devedor cumpre a prestação, a obtenção de seu equivalente em dinheiro, por mal, se o credor tem que acionar o Judiciário para avançar sobre o patrimônio do devedor. Autores clássicos do direito das obrigações fazem apontamentos fundamentais para estruturar a compreensão do problema. O primeiro deles, Limongi França, põe ênfase no vínculo jurídico que existe na relação obrigacional: afirma que dentre os elementos da obrigação – são ao todo, segundo ele, quatro: a) sujeito ativo; b) sujeito passivo; c) objeto; d) vínculo – o mais importante é o vínculo que liga o
90 Externalidades e custos de transação: a redistribuição de direitos no Código Civil de 2002. In. Fundamentos do estado de direito. Estudos em homenagem ao Professor Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxx. Xxxxxxxx Xxxxx (organizador). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 353.
91 Em momento algum desmerecemos o trabalho da codificação civil e seus esforços pela repersonalização do direito civil. Porém, agora, passados alguns anos de sua vigência, é de rigor reconhecer que certos institutos possuem uma gradação especial em campos como o empresarial ou, até mesmo, não se adaptam a ele, como o caso já referido do instituto da lesão contratual. Não significa em absoluto desqualificar uma visão social dos institutos de direito privado e da incidência de vetores constitucionais nestas relações, apenas trata-se de olhar atentamente as diferenças.
92 Não sendo foco do trabalho uma abordagem da responsabilidade pré-contratual não se faz necessária.
credor ao devedor, o qual corresponde à “própria essência da obrigação”93. O segundo, Xxxxx Xxxxxx Comparato, observando a dualidade da obrigação em direito privado, aponta para o conceito moderno de obrigação, demonstrando a divisão entre dívida (schuld) e responsabilidade (haftung)94, a primeira encerra o dever de prestar do devedor ao qual o credor tem direito e, a segunda, apresenta o estado de sujeição que o patrimônio do devedor ou de terceiro em face da possibilidade do credor obter a sua satisfação sobre este, via ação judicial. O terceiro, Xxxxxx Xxxxxxxxx, observa que a responsabilidade surge quando, não performada a prestação pelo devedor, reage o credor acionando mecanismos jurídicos de subtração de parte de seu patrimônio, neste ponto que existe, verdadeiramente, a sujeição do devedor.95
A evidência, então, é que o atributo da responsabilidade acoplado à obrigação contratual lhe dá substância, tornando a pretensão do credor exercitável judicialmente. Contrato sem responsabilidade não existe (ainda que a mesma recaia sobre um terceiro, como o fiador). Porém, existe responsabilidade sem contrato, fundada na expectativa de ser firmado este ou, já firmado e adimplido, nos deveres acessórios que exigem da parte que não interfira na fruição da prestação contratada pelo outro.
A responsabilidade contratual é objetiva por natureza, eis que sua causa eficiente é o contrato. Se este sempre pressupõe responsabilidade para o caso de inadimplemento, quando surge o descumprimento há a possibilidade de, então, acionar o patrimônio do devedor para indenizar-se pela prestação não efetuada, de cujo proveito econômico foi privado o credor. Sem responsabilidade contratual o próprio potencial econômico da avença seria reduzidíssimo, bastando pensar que a cessão de contrato seria inútil, já que ninguém assume um negócio para o qual não há uma garantia mínima da contrapartida do outro contratante. Da mesma forma, é a responsabilidade que gera o interesse na cessão de crédito, nas operações de adiantamento de recebíveis tão comuns no mercado. Igualmente o mercado de
93 Os alicerces do direito obrigacional. In. Estudos jurídicos em homenagem ao professor Xxxxxxx Xxxxx. Xxxxxxxx Xxxxxxxx et al. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp.15-34, p. 19. Concordando com a essencialidade do vínculo no esquema conceitual da obrigação, com apoio em Xxxxxxxx, veja-se: XXXXXXXXX, Xxxxxx. Da relação obrigacional: dualismo conceitual. Problemas de direito mercantil. 3. tir. São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 1970, pp. 101-127, p. 105. 94Essai d’analyse dualiste de l’obligation en droit privé. Paris: Dalloz, 1964, 241p.
95 Ob. cit., p. 122.
garantias como, por exemplo, a fiança bancária, trabalha com essa distinção entre o dever e a responsabilidade, sendo o caso de lembrar que muitas vezes os negócios só são fechados por conta da confiança que o credor tem na solidez financeira e idoneidade do garante, que tem responsabilidade (haftung), mas não tem, originariamente, o débito (schuld).
Entretanto, também a responsabilidade pós-contratual surge como vinculativa das partes, fundada na complexidade intra-obrigacional, ou seja, na noção de que a obrigação veicula além da evidente responsabilidade no adimplemento da prestação também uma série de deveres anexos instrumentais à boa consecução do objeto obrigacional e à solução regular do vínculo acompanhada da completa satisfação econômica da contraparte, já que a obrigação é um meio técnico-jurídico para se atingir um fim econômico.
O ponto a respeito da complexidade intra-obrigacional foi bastante desenvolvido por Menezes Cordeiro ao frisar essa referida complexidade equivalente ao reconhecimento de que “o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar, simétrico a uma pretensão creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta.”96
Especificamente no Brasil, a reboque da ideia-força da obrigação como processo, trabalhada por Clóvis do Couto e Xxxxx, fica muito claro que a obrigação não é só a relação de crédito e débito, havendo algo mais que se articula para a boa solução da relação obrigacional97. Esse algo mais é a colaboração entre as partes em prol de um fim, o que traz uma série de deveres anexos vinculados ao conceito de boa-fé objetiva enquanto fonte heterônoma de obrigações98. O elemento colaborativo é da mecânica do negócio, portanto, não implica apenas no dever de não agir com culpa ou dolo, implica em objetivamente agir de modo a facilitar tanto quanto possível a fruição da prestação pelo outro contratante. Muito mais do que
96 XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xxxxx. Xxxxxxx: Almedina, 1406p, p.586.
97A obrigação como processo. Reimpressão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, 176p, p. 91.
98 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade civil pós-contratual. Revista de direito privado,
n. 16, ano 4, outubro-dezembro de 2003, São Paulo, pp. 199-215, p.203.
não agir maliciosamente, a boa-fé objetiva exige que o contratante seja proativo em relação aos interesses do outro.99
A responsabilidade, assumida a complexidade intra-obrigacional, pode derivar, portanto, não só do inadimplemento da prestação principal. Há outros descumprimentos passíveis de ensejá-la, como prova a violação positiva do contrato, a qual só possui sentido se assumirmos que a obrigação é mais do que uma prestação principal (seu objeto), é também um feixe de deveres100. Alinhada com essa ideia está à culpa post pactum finitum, categoria que trabalha com a conceituação de deveres que perduram após a solução da obrigação. Uma pós- eficácia baseada na força normativa da boa-fé objetiva cria deveres para as partes, como reconhece Menezes Cordeiro, apontando para a subsistência de certos deveres de proteção, informação e lealdade.101
Do ponto de vista das intrincadas operações entre empresas, sempre envolvendo múltiplas variáveis, a ideia de complexidade obrigacional é absolutamente indispensável: ninguém imagina que comprar uma participação acionária significativa, uma operação de M&A ou a execução de project finance envolvam apenas uma prestação no sentido tradicional: dar, fazer ou não fazer. É
99 Isto não significa ignorar as diferentes repercussões da boa-fé objetiva para os contratos empresariais, a teor da distinção que se esboçou no item anterior. A boa-fé objetiva enquanto cláusula geral sem consequência normativa prefixada amolda-se as circunstâncias negociais concretas, as quais não podem ser ignoradas também em contexto de hipersuficiência o que acaba por limitar, de maneira especial, a sua função integrativa. A propósito da aplicação da boa-fé objetiva no direito comercial, opina Judith Martins-Costa: “O fato de não se verificar a presunção de vulnerabilidade, não significa que as relações contratuais interempresárias se delineiem sempre relações paritárias. Pode haver, e frequentemente acontece, forte vulnerabilidade para uma das partes; porém, ao contrário do que ocorre no campo das relações de consumo, é a vulnerabilidade que haverá de ser provada. Além do mais, o risco integra, constitutivamente, a atividade empresarial. Consequentemente, a boa-fé há de ser vista não como „cânone protetivo ao hipossuficiente‟, mas, primacialmente, como pauta de lealdade e de regularidade dos comportamentos empresariais para que esses se possam desenvolver diminuindo as chances de risco advindos da insegurança jurídica, sendo segurança e previsibilidade as „molas propulsoras‟ do Direito Empresarial.” Critérios para aplicação do princípio da boa-fé objetiva (com ênfase nas relações empresariais). Estudos de direito privado e processual civil: em homenagem a Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxx. Judith Martins-Costa, Véra Xxxxx xx Xxxxxxx, organizadoras. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 189-229, pp. 205-206.
000XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x. Ob. cit., p. 602. Ainda sobre a violação positiva do contrato: “Portanto, os casos de cumprimento defeituoso da prestação principal, de não cumprimento de prestações secundárias e de infração dos deveres acessórios ou anexos de conduta fazem parte das hipóteses da violação positiva do contrato.” XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Responsabilidade civil pós-contratual: no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho e no direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2007, 178p, p. 44 Vale aqui uma crítica: na verdade o cumprimento defeituoso da prestação principal é muito bem enquadrado no conceito de mora (art. 394 do Código Civil), sem necessidade de recorrer à violação positiva do contrato.
101 Ob. cit., p. 628.
claro que não. Há um conjunto prestacional. Referidas operações, dentre as múltiplas que ocorrem no cotidiano das grandes companhias, envolvem diversos deveres acessórios para fazer frente às variáveis de risco que os empresários procuram antecipar. Por exemplo, no âmbito do financiamento de projetos observa- se a aplicação de instrumentos atípicos de garantia como os denominados step-in rights e covenants, a respeito dos quais, se vislumbra uma grande possibilidade de aplicação de conceitos desdobrados da boa-fé objetiva, inclusive na fase pós- contratual. Explica-se:
Os direitos de intervenção ou assunção de controle (step-in rights) são descritos por Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx como mecanismo para, dadas certas circunstâncias adrede previstas, fica autorizado ao financiador “sanear inadimplementos e falhas da sociedade do projeto, regularizar as atividades do empreendimento, preservar as garantias, os contratos e a integridade do empreendimento, bem assim, em situações extremas, prepará-lo para a venda mediante excussão das garantias.”102
Já as obrigações de fazer e não fazer (covenants) têm uma importância até maior do que as garantias típicas.103 Seu rigor deriva da ampla possibilidade de intervenção na condução da sociedade do projeto, destacando a doutrina objetivos que se encaixam na ideia de deveres acessórios: as finalidades centrais destas obrigações são garantir a saúde financeira da sociedade do projeto limitando o grau de endividamento; impedir ou restringir a assunção de outras dívidas que, num concurso de credores, possam colocar em risco as garantias do financiador e; exigir um nível mínimo de capital de giro.104
Mesmo assim, uma ressalva de caráter técnico deve ser feita ao próprio raciocínio ora articulado: como esses projetos são fruto da articulação de uma série de contratos é inadequado falar de uma responsabilidade pós-contratual em sentido estrito, mas de uma pós-eficácia continuada, porque mesmo depois de construído o
102 XXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Project finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, 442p, p. 393.
103 XXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Ob. cit. p. 227.
104 Ob. cit. p. 227.
empreendimento há todo um rol de obrigações dos patrocinadores e especialmente da sociedade do projeto para com o financiador.
Além do mais, não se pode deixar de reconhecer a responsabilidade pós- contratual especialmente pensando nas perturbações passíveis de acontecer com a ruptura de um confidential agreement ou a violação de uma cláusula de não concorrência, aliás, implícita no contrato de venda de estabelecimento (trespasse), conforme o atual posicionamento legal a respeito do assunto.105 Especialmente o acordo de confidencialidade quando rompido poderá caracterizar crime de concorrência desleal, como estabelece o artigo 195, inciso XI, da Lei Federal nº
9.279 de 14 de maio de 1996.106
Destarte, conclui-se ser a responsabilidade pós-contratual emanação da força criadora da boa-fé objetiva, a qual incide sobre o suporte fático do contrato agregando-lhe elementos de maneira unificar todas as etapas da avença, inclusive na etapa posterior à sua execução, tornando obrigatório o respeito à finalidade do contrato através da análise de sua causa concreta.
3. Alocação de risco e evolutividade contratual
Excluído o contrato de execução instantânea, para os demais existe um exercício de previsão, uma demarcação de consequências (plano da eficácia) para o futuro, antecipando a marcha do processo obrigacional até o atingimento de um ou vários fins econômicos pretendidos pelas partes. O risco na execução prestacional instantânea é aquele do vício redibitório (artigo 441 do Código Civil) e da evicção
105 Artigo 1.147 do Código Civil. Depois desse reconhecimento legal, a responsabilidade em questão deixou de ser propriamente contratual, tratando-se de pós-eficácia aparente eis que o comando legal acopla à obrigação contratual um dever posterior à sua extinção. Sobre três modalidades de pós- eficácia, aparente, virtual e continuada, alerta a doutrina que nenhuma delas constitui-se propriamente uma responsabilidade contratual. A pós-eficácia aparente tem apoio legal, ou seja, a lei diz que haverá outro dever após a extinção do contrato, como no caso da obrigação de manter peças de reposição por certo período depois de encerrada a fabricação ou importação (art. 32 CDC); a pós- eficácia virtual caracterizada como uma prestação secundária que surge só com a extinção da obrigação principal, como no caso, o dever do advogado, uma vez extinta a relação com o cliente, de devolver os documentos inerentes à lide; a pós-eficácia continuada, a obrigação de prestar principal se encerra, mas perduram outras, menores, até o seu cumprimento integral. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Ob. cit., p. 210.
106“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (...) XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato.”
(artigo 447 do Código Civil), para esses riscos já existe uma alocação legal de responsabilidades. Kleber Xxxx Xxxxxxx lembra ainda outros dois casos de alocações legais de riscos contratuais contidas no Código Civil, o primeiro sendo “o artigo 535 determina que o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.”107O segundo exemplo é o “artigo 567 define que se a coisa alugada se deteriorar sem culpa do locatário, este poderá, como alternativa à resolução do contrato, pedir a resolução proporcional do aluguel.”108
Todavia, o risco na execução contratual que se protrai no tempo é repleto de outras vicissitudes, sendo a regra para os grandes empreendimentos a opção por soluções negociadas antes da opção da solução contenciosa. Isto, evidentemente, para mitigar custos de transação e possibilitar a conservação do negócio jurídico. O risco alocado contratualmente pressupõe situações cambiáveis e uma enormidade de variáveis. Daí, então, as técnicas contratuais passaram a criar mecanismos para absorver riscos de maneira razoável – tal como a obrigação auto-imposta de renegociar – sem deixar perder o negócio, afinal de contas mais do que um princípio jurídico a preservação do negócio significa a preservação de um esforço que as partes empenharam na sua realização. Os contratos assumem uma feição evolutiva, tal como identifica Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx.109
Acerca do risco e sua manifestação nesta era de incertezas a percepção de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx é da alteração do próprio enquadramento da vontade contratual: não basta apenas definir o que as partes contrataram, mas também o que teriam contratado diante de uma circunstância diversa superveniente.110 Ou seja, a vontade projeta-se para além do que os contratantes quiseram, desemboca na
107Contratos empresariais. Categoria – Interface com contratos de consumo e paritários – Revisão judicial. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, 160p, p. 144.
108 Ob. cit., p. 144.
109 Conforme a autora essa expressão “contratos evolutivos” embora não designe outra categoria dogmática contratual, indica isso sim que os contratos de obrigações diferidas e/ou duradouras possuem problemas específicos. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos de longa duração. Revista de arbitragem e mediação. Ano 7. vol. 25. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr-jun. 2010, p. 11-39, p .15.
110 A revisão contratual como condição para a incógnita da sociedade de risco. In. Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxx Iglecias Lemos, Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, coordenadores. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 515-536, p. 516.
análise do que teriam querido se pudessem adivinhar o novo horizonte de eventos que irrompeu.
Portanto, mais do que nunca a análise dos riscos é central para qualquer contratação. Aliás, muito bem observa Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx que, especialmente em ambiente concorrencial, a presença do elemento risco como fruto da opção estratégica derivada da manifestação da autonomia privada, é auto evidente, já que sempre haverá a possibilidade de encontrar o mesmo produto a preço menor.111 Preço, aliás, que pode ser um item de alocação de risco. Basta pensar, por exemplo, na rentabilidade dos produtos do mercado financeiro: quanto maior o risco, maiores os juros pagos (preço do dinheiro). Produto reconhecido no mercado, por sua durabilidade, já tendo granjeado grande fatia de mercado (market share) é, em princípio, menos sujeito a riscos e, portanto, com preço maior. Produto com maior rede credenciada também poderá ter esse custo repassado para o preço.
Ademais, a alocação do risco no contrato é intimamente ligada ao nível informacional que as partes possuem a respeito da prestação, ou seja, haverá a perquirição de quem foi o maior responsável pelo fracasso, porque mais apto a evitá-lo.Ora, o mais apto a evitá-lo foi contratado por sua expertise, o domínio de uma técnica, de um know-how essencial para o outro contratante foi decisivo para a decisão. Naturalmente, não pode pretender, então, esquivar-se de um risco que deveria assumir, especialmente pelo papel que exercia no esquema contratual. O essencial é captar a ideia de que o possuidor do domínio fático da situação contextual seja por sua superioridade econômica, técnica ou informacional, terá, em regra, maiores riscos alocados sobre si. Num certo sentido essa afirmação é demonstrada pela própria regra hermenêutica da interpretação contra stipulatorem, ou seja, interpretação contra quem estipulou as cláusulas contratuais é indicativa dessa intuição. Se o sujeito tinha o poder de estipular as cláusulas isto, em princípio, milita contra ele, ou seja, a contrapartida desse poder é a responsabilidade de ver determinadas ambiguidades interpretadas contra seus interesses
111 O risco contratual. In. Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxx Iglecias Lemos, Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, coordenadores. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 455-468, p. 466.
Outro elemento fundamental para observar é o papel da álea no programa contratual estabelecido. A saber: cumpre investigar se a álea (o risco) era mesmo da natureza do contrato e, portanto, não há motivo nenhum para a busca de um pretenso reequilíbrio ou, pelo contrário, se o contrato era sinalagmático justificando a busca pela equipolência das prestações. Casos que assumem potencial extremo são os da súbita variação do dólar em contratos de swap, para os quais vêm se entendendo pela natureza aleatória, sobretudo quando a feição de proteção fica menos evidente do que a feição especulativa.112
Além disso, mesmo no contrato sinalagmático, cumpre observar o que era álea ordinária e o que era álea extraordinária. O que são riscos ínsitos ao ramo de atuação do empresário e o que não são.113 Merece destaque, ainda nessa questão, o ângulo captado por Xxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxxxx, para quem a calculabilidade dos eventos futuros afasta o risco típico do negócio da possibilidade de alegação em prol de uma revisão que, se acontecida, implicará em retirar do negócio a dinâmica que lhe é própria. Ou seja, não é qualquer perda econômica que é passível de recuperação, como se o Poder Judiciário devesse garantir um “bom
112 Veja-se ementa de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Ação de revisão e rescisão de contrato de "swap". Contrato bilateral de natureza aleatória. Inexistência de relação de consumo entre as partes, nem resquício de vulnerabilidade da autora. Autora que não era mutuaria, mas sim investidora em mercado de risco. Operações de "swap" que podem ter duas funções distintas: de proteção (hedge), ou especulativa. Cunho eminentemente especulativo, no caso concreto. Inexistência de elementos que permitam nesse complexo jogo econômico de probabilidades de ganhos de acordo com a expectativa então reinante, versus limitação das partes para uma das partes a R$100.000,00, a ocorrência de desequilíbrio grave que viole princípios cogentes e exija a integração do negócio. Inaplicabilidade também da teoria da imprevisão, ou onerosidade excessiva. Xxxx própria do negócio. Sentença mantida. Recurso improvido.” Apelação Cível n. 0105673- 27.2010.8.26-0100, 37ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, x. em 24.12.2011, maioria de votos.
113“APELAÇÃO e RECURSO ADESIVO. Contrato administrativo. Ação declaratória. Alegação de desequilíbrio financeiro. Elevação de preço de mercado (materiais e insumos). Mutabilidade do contrato administrativo. Teoria da imprevisão. Não ocorrência. Regular flutuação do mercado. Álea ordinária. Previsibilidade. Reajuste previsto no contrato. Denunciação à lide a CDHU em razão de convênio firmado entre esta e a ré Municipalidade para construção de casas populares. Denunciação facultativa. Honorários e despesas devidas. Ação principal julgada improcedente, prejudicada a lide secundária. Sentença mantida. Recursos não providos (voluntário e adesivo). 1. Apesar de serem três os tipos de áleas ou riscos que atingem a mutabilidade dos contratos administrativos, quais sejam: a) álea ordinária ou empresarial; b) álea administrativa; e c) álea econômica, apenas a álea administrativa e a econômica são capazes de gerar alterações nos elementos dos contratos administrativos. 2. A mera alteração de preços dos materiais envolvidos representa flutuação normal de mercado e configura fato previsível (álea ordinária). Tanto é previsível que constou do referido contrato cláusula de reajuste dos materiais, razão pela qual não é hipótese que justifica a alteração dos termos do contrato. 3. “No caso de denunciação facultativa da lide, a improcedência da ação principal acarreta ao réu denunciante a obrigação de pagar honorários advocatícios em favor do denunciado.” (AgRg no AI nº 1.220.661-RJ, rel. Ministro Xxxxxxx Xxxxx, j. 15/09/2009).” TJSP, Apelação Cível n. 3002640-54.2009.8.26.0439, 1ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, x. em 26.06.2012, v.u.
negócio” para todos os envolvidos. Tal intervenção justifica-se somente com a álea que “ultrapassa a moldura normal do contrato, dando ensejo ao sacrifício econômico desproporcional de uma parte em relação à vantagem a ser auferida pela outra.”114
Encerrando o ponto a respeito da alocação de risco, cumpre destacar o papel da cláusula de hardship ou cláusula de adaptação115 a qual demonstra o caráter evolutivo dos contratos de longa duração, eis que muitas soluções ou composições de interesses são feitas posteriormente à avença, realmente fazendo o programa contratual evoluir em face de circunstâncias ulteriores que ambas as partes têm que enfrentar, sob pena de prejuízo para todos. Há uma ductilidade do contrato para conformar-se à realidade superveniente. O sinalagma do contrato, na justa expressão da doutrina, é funcional ou dinâmico, diferente daquele sinalagma genético determinado na assinatura do contrato.116Desponta, aqui, o caso da cláusula escalonada, estabelecendo etapas rigorosas e sucessivas, para a solução de uma controvérsia ao longo da execução do contrato, o equilíbrio será construído pelas partes durante o transcurso do tempo do contrato através de mecanismos sucessivos previamente estabelecidos. Um exemplo disto, ainda no século passado é dado por Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx ao estudar contratos de prospecção de petróleo no território nacional.117 Neste contexto, ao observar os instrumentos que davam suporte a essas operações em outro país conhecido produtor de petróleo, referiu o citado autor em capítulo específico os mecanismos de solução de controvérsias, identificou mecanismo embrionário de solução de controvérsias prevendo uma fase amigável como preliminar à solução contenciosa (no que se inclui a arbitragem).118
114 Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração. Teoria da imprevisão e fato do príncipe. O estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 95-121, p.113.
115 XXXXXXXX, Xxxx. Olavo. Contratos internacionais. São Paulo: Lex Editora, 2010, 334p, p. 239.
116 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos de longa duração. Revista de arbitragem e mediação. Ano 7. vol. 25. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr-jun. 2010, p. 11-39, p. 23.
117 No momento histórico da edição da obra, na década de 70, o Presidente da República pronunciou-se autorizando a Petrobrás S. A. a utilizar contratos de risco para prospecção de petróleo. Disto surgiu a ideia do autor de, analisando contratos firmados no passado pela National Iranian Oil Company – NIOC, estabelecer proposta de bases para os contratos que seriam firmados pelo Brasil. XXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Contrato de risco. São Paulo: Bushatsky, 1976, 156p., p. 11. 118BAPTISTA, Xxxx Xxxxx. Contrato de risco. São Paulo: Bushatsky, 1976, 156p., p. 76.
Ainda sobre a cláusula de hardship destaca-se como essencial a definição para as partes do que seja o evento extremamente rigoroso, a ultrapassar a álea ordinária e exigir a renegociação. Isto, no entanto, não se confunde com a força maior, porquanto há diferença: o problema com a força maior é a impossibilidade de cumprir a prestação, o problema que conduz ao hardship é o endurecimento excessivo das condições para a prestação.119
Note-se também que não se trata do instituto da lesão (art. 157 do Código Civil), porque para este o contrato já nasce desproporcional, ao passo que no hardship a desproporção das prestações é posterior.120
Importante frisar, antes de destacar os múltiplos papéis que a cláusula de hardship pode assumir que não é igual a uma cláusula de adaptação automática – cláusula de escala móvel – ou cláusulas que prevêem uma adaptação semi- automática. Ela, ao contrário, imputa uma verdadeira obrigação de fazer consistente em renegociar o contrato, por conta de determinado evento que pode ser incerto ou certo, mas não quantificável.121
Para uma definição bastante completa de hardship (sem esquecer a possibilidade de as partes preverem de modo diferente), consta dos Princípios UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais, a seguinte previsão, bastante circunscrita em seus termos:
119 Analisando a questão sob o ângulo dos princípios do UNIDROIT, tenha-se em conta também a diversidade de consequências jurídicas entre hardship e força maior. Veja-se: “Em vista das respectivas definições de hardship e força maior (ver Art. 17.1.7.) segundo os presentes Princípios, pode haver situações fáticas que venham a ser consideradas, a um só tempo, como casos de hardship e de força maior. Sendo esta a hipótese, cabe à parte afetada por tais eventos decidir qual medida jurídica será pleiteada. Caso ela invoque a força maior, isso se dará com vistas à exclusão de responsabilidade pela inexecução do contrato. Por outro lado, caso ela invoque a hardship, isso se dará, em primeiro lugar, com vistas à renegociação dos termos do contrato, de forma a permitir que o contrato permaneça em vigor, porém com condições reajustadas.” XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx et al. Princípios UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, 406p, p. 199.
120 XXXXXXXX, Xxxx. Olavo. Contratos internacionais. São Paulo: Lex Editora, 2010, 334p, p. 240.
121 A propósito, indica a doutrina que “partindo efetivamente, de uma noção que exigia a imprevisibilidade do evento como elemento detonador de sua eficácia, hoje se admite que tais cláusulas podem dizer respeito não apenas a circunstâncias imprevisíveis mas, igualmente, a circunstâncias previstas no an, mas incertas no quantum, podendo as partes tanto prever a possibilidade de um fato incerto ocorrer, quanto cogitar da possibilidade de vir a impactar o contrato um fato incerto e indeterminado na sua possibilidade de previsão.” XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Ob. cit., p. 21.
ARTIGO 6.2.2.
(Definição de hardship)
Há hardship quando sobrevêm fatos que alteram fundamentalmente o equilíbrio do contrato, seja porque o custo do adimplemento da obrigação de uma parte tenha aumentado, seja porque o valor da contra-prestação haja diminuído, e
(a) os fatos ocorrem ou se tornam conhecidos da parte em desvantagem após a formação do contrato;
(b) os fatos não poderiam ter sido razoavelmente levados em conta pela parte em desvantagem no momento da formação dos contrato;
(c) os fatos estão fora da esfera de controle da parte em desvantagem; e
(d) o risco pela superveniência dos fatos não foi assumido pela parte em desvantagem.122
Sendo assim, são papéis da cláusula de hardship, conforme Judith Martins- Costa, os seguintes:
Modo geral, são imputadas à cláusula quatro funções: (a) assegurar a preservação do equilíbrio econômico e a continuação do contrato, impedindo que o princípio da intangibilidade do pactuado conduza a um rigor excessivo no momento da execução contratual; (b) atuar como meio de repartição, entre os contratantes, dos custos resultantes do evento superveniente e incerto, de modo que a etapa da renegociação permite às partes acordar sobre essa repartição dos ônus, por si mesmas, ou através de um terceiro, que a arbitrará;
(c) impedir a extinção contratual devida à resolução por excessiva onerosidade de um contrato que ainda pode ser útil, atendendo aos mútuos interesses das partes; (d) encontrar um novo regime adaptado aos mútuos interesses (self tailored rule), viabilizando-se, nos limites do princípio da atipicidade contratual (art. 425 do CC/2002), uma reorganização do pactuado, sendo essa, precipuamente, a função “adaptativa” da autonomia privada.123
Tudo isso, entretanto, seria inútil se não houvesse meio de compelir a parte recalcitrante a negociar efetivamente, o que é perfeitamente possível no direito brasileiro. Novamente com apoio em Judith Martins-Costa veja-se que o conceito de mora, previsto no artigo 394 do Código Civil, por conseguinte, aquele que se
122 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx et al. Princípios UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin, 2009, 406p, 194.
123 Ob. cit., p. 20.
recusa a negociar ou o faz apenas de modo superficial, negando a boa-fé objetiva e sem o intuito sério de proceder com lealdade em prol da solução da controvérsia, estará em mora. Mais ainda, perdendo a prestação sua utilidade, todo o arcabouço indenizatório poderá ser acionado, englobando dano emergente e lucro cessante.
Vale o alerta, entretanto, que a cláusula de hardship deve ser interpretada conforme a boa-fé de ambas as partes. Também a parte afetada pelo evento superveniente deve agir de maneira a não prejudicar os interesses e expectativas do outro. O dever de proteção inerente à boa-fé (não só ele) estará presente. Isto fica muito patente na redação dos Princípios do UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais, tratando dos efeitos da hardship:
ARTIGO 6.2.3.
(Efeitos da hardship)
(1) Em caso de hardship, a parte em desvantagem tem direito de pleitear renegociações. O pleito deverá ser feito sem atrasos indevidos e deverá indicar os fundamentos nos quais se baseia.
(2) O pleito para renegociação não dá, por si só, direito à parte em desvantagem de suspender a execução.
(3) À falta de acordo das partes em tempo razoável, cada uma delas poderá recorrer ao tribunal.
(4) Caso o tribunal considere a existência de hardship, poderá, se for razoável,
(a) extinguir o contrato, na data e condições a serem fixadas, ou
(b) adaptar o contrato com vistas a restabelecer-lhes o equilíbrio. 124
Observável que esse raciocínio de boa-fé também da parte afetada pelo evento superveniente é perfeitamente aplicável ao direito brasileiro, tanto pelo ângulo do dever de mitigar o próprio prejuízo quanto pelo dever geral de proteção inerente à cláusula geral de boa-fé (art. 422, do Código Civil). Como se pode deduzir, a cláusula de hardship é afim com a incompletude contratual, porquanto deixa determinado aspecto a descoberto, desonerando as partes de custos de transação tão pesados, mas possibilitando para o futuro, em caso de determinados eventos, a realocação dos riscos equilibrando-se novamente o contrato. Enfatize-se que, nesse contexto, o dever de cooperação ganha tonalidades mais acentuadas.
124 Ob. cit., p. 199-200.
Duas observações ainda, encerrando esse subitem: (a) a de que esse é um mecanismo voltado para o concreto, ou seja, não se trata de perquirir a causa típica do contrato (até porque, no mais das vezes esses instrumentos possuem alta carga de atipicidade), mas sim de buscar a causa concreta, inerente à finalidade do programa contratual; (b) a de que a evolutividade dos contratos ocorre para itens deixados para posterior negociação, em amplo exercício da autonomia privada, como no caso dos contratos incompletos, mas também haverá uma evolutividade imprópria derivada do comportamento concludente das partes, com a atuação de figuras parcelares da sempre presente boa-fé objetiva, alterando ou criando direitos.125
4. Incompletude e coligação de contratos nos negócios complexos
As estratégias empresariais evoluíram, passando da estrutura hierarquizada da grande empresa para núcleos de atuação, em modelo horizontal. A desverticalização da atividade dos grupos empresariais e a ascensão dos contratos incompletos e dos contratos de colaboração mudaram o jeito de fazer negócios e sofisticaram as análises que os operadores do direito têm de fazer cotidianamente.
A questão relevante é perceber a revalorização do contrato para atividades que, em princípio, a empresa internaliza, evitando dependência econômica e comportamentos oportunistas. Ora, essa desverticalização surgiu por conta do custo de investimento em tecnologia (incluí-se aí o risco da obsolescência), a necessidade de atingir níveis de excelência muito rapidamente.126
125 Como os casos de surrectio e supressio atualmente já aceitos pelos tribunais: “LOCAÇÃO. Shopping center. Alteração do regulamento interno. Proibição de atendimento direto nas mesas da praça de alimentação, por meio de garçons. Locatária antiga que seguia esse modelo de atendimento há quase duas décadas. Prática consolidada por lapso considerável de tempo não pode ser afetada por modificação unilateral posterior. Boa-fé objetiva (art. 422 do CC). “Surrectio”. Recurso não provido.” TJSP, Apelação Cível n. 0001237-31.2010.8.26.0451, 28ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxx, x. em 23.02.2016, v.u.
126 “Entretanto, embora possamos observá-lo, restam dúvidas sobre as razões desse fenômeno de desverticalização. Supõe-se que o desenvolvimento tecnológico e a competição globalizada acentuaram sobremaneira os investimentos necessários em tecnologia, obrigando as empresas à terceirização. Em outros casos, a alta possibilidade de terceiros „descobrirem‟ a tecnologia necessária ao desenvolvimento de certos produtos – ou mesmo o fato de estar sujeita à rápida superação – levaria as empresas a preferirem sua associação a „produtores de conhecimento‟, aderindo a uma opção que se mostraria economicamente mais conveniente do que a pesquisa interna.” A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 187p, p. 117.
Outro ângulo destacável fica por conta da análise de Xxxx xx Xxxxx Xxxxx, demonstrando a busca por novas molduras de colaboração perene que não aquelas estratificadas hierarquicamente como as sociedades, nem tampouco, contratos autonomamente celebrados com altos custos de transação a cada vez. Afirma o autor, com razão, que o sistema hoje estrutura a cadeia produtiva “a partir de contratos celebrados entre agentes independentes, e não mais a partir da coordenação de setores submetidos a uma mesma estrutura societária.”127 Uma gama de variáveis impulsiona essa estratégia, a começar pelos altos custos com tributos e encargos incidentes sobre a folha de pagamento no Brasil. Outros itens dignos de nota, a teor do que observa Xxxxx Xxxxxxxx são, primeiro, o hibridismo dos contratos de colaboração: se os contratos de intercâmbio caracterizam-se por prestações opostas entre os contratantes, tendendo para a extinção depois de feita a troca e as sociedades, de seu turno, tendem à perenidade, sem o esgotamento de seu objeto enquanto houver a affectio societatis, nos contratos de colaboração, “as partes, patrimonialmente autônomas, mantém áleas distintas, embora interdependentes. Nem sociedade, nem intercâmbio, mas uma categoria que se situa entre esse dois pólos.”128 Em segundo lugar, argumentando com apoio na Nova Economia Institucional, explica ela ainda que, se a grande vantagem de contratar de terceiro o bem que necessita – solução de mercado – é a flexibilidade, rapidez na substituição e adaptabilidade e, por outro lado, a grande vantagem de ter dentro de sua estrutura empresarial internalizada essa produção é a possibilidade de comandar, criar padrões organizativos para a atividade produtiva – solução hierárquica – a forma híbrida agrega, em dada medida, ambas as vantagens. Afirma a autora, portanto, que “as formas híbridas, quando comparadas à solução de mercado, oferecem maior possibilidade de controle da organização; ademais, apresentam-se como alternativa mais maleável do que a hierárquica, propiciando ao agente econômico a oportunidade de valer-se rapidamente das oportunidades que surgem no mercado.”129
127 Entre mercado e hierarquia: repercussões da desverticalização na disciplina dos contratos empresariais. Rev. de Direito Mercantil, n. 163, set-dez/12, São Paulo, Malheiros, pp. 120-137, p. 135.
128 A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 187p, p. 119.
129 Ob. cit., p. 118-119, nota 134.
A previsibilidade das relações de longa duração e o número de variáveis também influiu para a criação do mecanismo dos contratos incompletos, cujo objetivo é propiciar um grau de estabilidade, entretanto, sem perder a possibilidade de adequação a futuras contingências fora do raio de antecipação das partes contratantes.
Acerca da incompletude contratual, nota-se, primeiro, seu componente híbrido também: primeiro, porque a exigir evidente cooperação; segundo, porque ambiciona uma longevidade que não é característica dos contratos de intercâmbio; terceiro, porque não necessariamente trabalha com prestações opostas, podendo em vários casos consubstanciar um objetivo único para ambas as partes. Trabalhando os contratos incompletos Xxxxx Xxxxxxxx Salama e Xxxx xx Xxxxx Xxxxx aclaram a função destes, informando que a teoria em questão aponta para o fato de que, em determinadas circunstâncias, o custo de transação para prever todas as variáveis, regular minuciosamente os múltiplos aspectos que o negócio pode envolver no futuro, será proibitivo. A solução mais racional consiste então em deixar determinados aspectos incompletos. Aqui haverá o estabelecimento de regras dispositivas – default rules – que poderão ser ou não utilizadas em dada situação. O paradigma da incompletude, segundo os autores, baseia-se em dois grandes limites para a regulação dos contratos: o primeiro limite seria a capacidade humana de antecipar o futuro, o segundo, repousa na oferta de regras aptas para lidar com as contingências imprevistas e não especificadas, para o que entra em cena também a complementação dada pelo estatuído em lei ou pelos costumes.130 Igualmente importante, ainda nessa linha, é observar que o contrato incompleto como resposta para certas vicissitudes, inclusive para obviar o desgaste de uma negociação muito longa, acaba por expor a empresa que realizou dados investimentos ao comportamento oportunista da outra.131
Não é só isso. Negócios muito grandes envolvem muito risco e, portanto, exigem um compartilhamento do prejuízo, se houver fracasso. É um dos motivos pelo qual os negócios de infraestrutura envolvem vários grupos empresariais e, frequentemente, originam a criação de uma sociedade especificamente para aquele
130 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx da. Elasticity, incompleteness, and constitutive rules (2013). Disponível em xxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxxxxxxx.xxx/ acesso em 21.06.2013.
131 XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. rev. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, 271p, p.73.
empreendimento, segregando riscos e ativos específicos a serem utilizados na operação. É corrente, no direito das parceiras público-privadas, a criação de sociedade com propósito específico para a exploração do objeto.132 Interessante observar também que os próprios investimentos em infraestrutura pública, para atingirem um ponto ótimo, acabam por ensejar um elevando grau de interligações. Isto acontece porque a infraestrutura não é igual à obra pública, ela não é singular, ao contrário, abrange o conjunto.133
Ninguém pensa infraestrutura isoladamente. Ora, não se pensa em uma estação de metrô, ou numa rodovia. Pensa-se, isso sim, no conjunto de estações e na malha viária. A esse respeito, com uma análise bastante aguçada é a de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, observando que a infraestrutura leva (ou deveria levar), necessariamente ao “efeito rede”, porque não foi pensada para utilização individual, mas para utilização massiva; não foi pensada para utilização isolada, mas conjugada.134 Tanto assim que infraestrutura e obra pública não se confundem: estádios, museus, não levam ao efeito rede típicos de uma infraestrutura viária, aeroviária.135 Dizendo de modo simples: o museu pode até integrar um conjunto de sítios de visitação da Secretaria de Cultura, mas não é de sua natureza ser em rede. Já a estação de trem ou metro, pouca utilidade possuem fora das redes que lhes são próprias.
Por isso, a própria compreensão de infraestrutura – tema caro a um país como o Brasil, deficitário nesse aspecto – impacta nos contratos que não mais podem ser encarados isoladamente, mas sim como um conjunto de elementos visando um
132 O artigo 9º da Lei Federal n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004 – Parcerias Público-Privadas – prevê a criação de sociedade de propósito específico “incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria”. Ainda deve a mesma obedecer, conforme o parágrafo terceiro do artigo citado, a padrões de “governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento.” Também sobre a necessidade de divisão dos riscos e junção de esforços para determinados empreendimentos, prevê o artigo 19, da Lei Federal n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 – Concessão e permissão de serviços públicos – a possibilidade de criação de consórcios de empresas.
133 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito da infraestrutura: perspectiva pública. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, 637p, p. 106.
134 “Diante disso, a conectividade aparece como elemento imprescindível para a infraestrutura: cite-se o exemplo do Aeroporto de Munique e sua conectividade entre infraestrutura aeroportuária, rodoviária e ferroviária. E os benefícios auferidos por uma infraestrutura são penalizados proporcionalmente ao baixo grau de conectividade existente; é o caso dos corredores de transportes, no qual um pequeno trecho não concluído pode significar graves prejuízos em consideração a toda a infraestrutura existente.” Ob. cit., p. 136-137.
135 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx. Ob. cit., p. 142-143.
escopo único, voltado para uma utilidade pública. O objetivo do negócio e suas múltiplas implicações exigem uma rede contratual. Ora, ela é uma necessidade da economia que forçou o direito posto na busca de soluções dogmaticamente aceitáveis, mas, ao mesmo tempo, praticamente úteis.
Fica, então, mais fácil responder a pergunta: por que vários contratos para um mesmo negócio?136 Porque os mesmos são, atualmente, compreendidos de forma modular, em etapas interconectadas para uma finalidade comum. Acordos auxiliares ajudam em situações que uma das partes não possui todas as informações do negócio, para colmatar lacunas, ajudam o negócio a ser mais específico, mais preciso, mais modular. A demonstração disso acontece com as operações de aquisição de companhias (mergers and acquisitions deals), com exemplo no contrato de escrow. É que o preço da companhia o vendedor naturalmente sabe, mas o comprador só terá certeza de seu valor quando, efetivamente, entrar na operação. Até lá fica a dúvida, ou seja, há uma assimetria de informações que gera, para o comprador, um risco. Daí, porque deixará uma parte substancial do preço de compra com o agente de escrow (uma instituição financeira) e, uma vez assumido o controle, libera-se a quantia para o vendedor.137
Outro exemplo, também oriundo dessas complexas operações de aquisição, deriva da modularidade, concebida como a possibilidade de fatiar a operação em acordos menores, os quais serão objeto de contratos específicos, autônomos em sua natureza, mas componentes de um conjunto. Isto, segundo Xxxxx Xxxxx, permite que determinados acordos de menor expressão sejam negociados por advogados juniores, com redução dos custos, reservando-se os acordos críticos para os especialistas que coordenam a operação globalmente. A precisão da operação como
136 A pergunta foi retirada de texto disponível na web, de autoria de Xxxxx Xxxxx. Why use many contracts for one deal? (2016). Disponível em xxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxxxxxxx.xxx/ acesso em 21.06.2016.
137 “An escrow agreement, for example, allows parties to bridge differences in what information they know and when they know it. At the time of sale, a seller knows that her company is worth, let‟s say, $100 million. But the buyer doesn‟t really know the company‟s worth until he takes possession, kicks the tires, and figures out for himself that the company is worth $100 million. This is where an escrow agreement comes in. Common in private deals, an escrow agreement is an agreement between the buyer, the seller, and an outside escrow agent, and is separate from the acquisition agreement. The buyer puts part of the purchase price into escrow, and the escrow agent releases that amount to the seller after the buyer has had a chance to kick the tires.” XXXXX, Xxxxx. Why use many contracts for one deal? (2016). Disponível em xxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxxxxxxx.xxx/ acesso em 21.06.2016.
um todo ganha, as negociações divididas assim observarão com mais facilidade as especificidades regulatórias e comerciais de cada etapa.138 Barganhas autônomas139 também favorecerão a diminuição dos custos de transação.
Ora, a complexidade colaborativa e as etapas de um negócio exigem uma pluralidade contratual que não passou despercebida a Xxxxxxx Xxxxxxx. Afirmou referido autor:
Um acordo de colaboração constitui também uma operação econômica de realização difícil. Um único contrato não poderia normatizar todas as modalidades dessa operação econômica. É graças “a um conjunto de convenções de naturezas diversas, constituindo um complexo contratual original” que o objetivo visado será atingido.
Imperativos econômicos exigem das empresas – condição e efeito de seu crescimento – a colocação de uma rede de subcontratantes, que organizam assim um “agrupamento contratual, evitando multiplicar as filiais e os investimentos, chegando ao mesmo resultado econômico.” Da mesma forma, é freqüente que uma empresa, “por um conjunto de contratos idênticos passados com um grande número de varejistas, constitua em torno de sua marca uma rede de distribuição integrada, perfeitamente submetida a sua direção e ao seu poder.”140
A incompletude contratual deriva da multiplicidade de variáveis sendo evidente que, se as partes perdessem tempo minudenciando todas as possibilidades isto dificultaria o acordo. A coligação contratual, por sua vez, deriva da
138 “Complex modules work much the same way, but instead of being assigned to junior attorneys, they‟re assigned to subject-matter specialists. Such modules typically involve a complex and specialized area of substantive law, like a tax or employment agreement. Assigning complex modules to specialists means that those modules more likely to be accurate, reflective of industry custom, and compliant with regulatory requirements, which improves deal design ex ante. And because complex modules tend to be comprehensive and thorough ex ante, they‟re also less likely to be enforced ex post, which reduces downstream enforcement costs.” Ob. cit.
139 Usa Xxxxx Xxxxx a expressão “unbundled bargains” que traduzimos como barganhas autônomas.
140 Tradução livre do original: « Un accord de collaboration constitue aussi une opération économique de réalisation difficile. Un seul contrat ne saurait en régler toutes les modalités. C‟est
« grâce à un ensemble de conventions de natures diverses constituant un complexe contractuel original » que l‟objectif visé sera atteint. Des impératifs économiques commandent aux entreprise – condition et effet de leur croissance – de mettre en place un réseau de soustraints, organisant ainsi un « groupement contractuel qui évite de multiplier les filiales et les investissements tout en arrivant au même résultat économique ». De même, il est fréquent qu‟une entreprise, « par un ensemble de contrats identiques passés avec un grand nombre de détailants, constitue autour de sa marque un réseau de distribution intégrée, parfaitement soumis à sa direction et à sa puissance. ». Les groupes de contrats. Paris: LGDJ, 1975, 328p,p. 09.
possibilidade de havendo uma causa comum como elemento de conexão contratual, vários instrumentos serem firmados dirigidos para um fim autônomo aos mesmos.
Referências
XXXXXXX, Xxxxxxx. Perfis da empresa. Trad. Fábio Konder Comparato.
Revista de Direito Mercantil. 104, pp. 109-126.
XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Ciência do direito, negócio jurídico e ideologia. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 38-54.
. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, 172p.
XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 2003, 330p.
XXXXXXXXX, X. X. Xxxxx. Direito constitucional e teoria da constituição.
6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, 1506p.
XXXXX X XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx do. A obrigação como processo.
Reimpressão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, 176p.
XXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Project finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins).São Paulo: Saraiva, 2007, 442p.
XXXX, Xxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx. Ainda um novo paradigma dos contratos? O Estado, a Empresa e o Contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 15-23.
XXXXX. Orlando. As inovações da Lei n. 6.404. In. Escritos menores. São Paulo: Saraiva, 1981, pp. 145-158.
XXXX, X. X.; XXXXXXX, Xxxxxx X. História do pensamento econômico.
Trad. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. 26. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, 244p.
XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Função Social do Contrato: um ensaio sobre seus usos e sentidos. São Paulo: Saraiva, 2013, 285p.
XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, 246p.
XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Hermenêutica e aplicação do direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, 426p.
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Empresa contemporânea e direito societário: poder de controle e grupos de sociedades.São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2002, 360p.
. Estrutura de governo dos grupos societários de fato na Lei Brasileira: acionista controlador, administradores e interesse do grupo. In. Direito Empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Xxxxxxx X. Xxxxxxxx xx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (Coordenadores). São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, pp. 269-291.
XXXXXX, Xxx. Derivativos e governança corporativa: o caso Sadia – corrigindo o que não funcionou. In. Risco e regulação: por que o Brasil enfrentou bem a crise e como ela afetou a economia mundial. Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx (Organizadores). Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, pp. 239-257.
XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Regime jurídico do capital disperso na lei das S. A.
São Paulo: Xxxxxxxx, 0000, 407p.
XXXXX, Xxxx Xxxxxx da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2015, 319p.
XXXXX XXXXX, Xxxx. Entre mercado e hierarquia: repercussões da desverticalização na disciplina dos contratos empresariais. Rev. de Direito Mercantil, n. 163, set-dez/12, São Paulo, Malheiros, pp. 120-137.
XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de. Recuperação judicial de grupos de empresas. In.Temas de Direito Empresarial e outros estudos em homenagem ao Professor Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xxxxx. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx; Xxxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxxx (Coords.). São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 336-357.
XXXXXX, Xxxxxxx. O conceito de sociedade anônima. In. Estudos jurídicos em homenagem ao professor Xxxxxxx Xxxxx. Xxxxxxxx Xxxxxxxx et al. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp. 495-521.
VERÇOSA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie: (segundo a sua função jurídico-econômica). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, 445p.
. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos. O Código Civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010, 351p.
XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Contratos empresariais. Categoria – Interface com contratos de consumo e paritários – Revisão judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2012, 160p.