Autonomia da vontade nos contratos de trabalho: A figura do Empregado “Hipersuficiente”.
Autonomia da vontade nos contratos de trabalho: A figura do Empregado “Hipersuficiente”.
Autonomy of will in mmploymmnt contracts: Thm figurm of thm “hypmrsufficimncy”
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Charise Leine Cercal1
Resumo
Este trabalho busca analisar diante da ótica protecionista trabalhista, se a figura do (hiper)suficiente encontra respaldo na matriz principiológica constitucional e do direito do trabalho, visto que altera a essência do Direito do Trabalho desprotegendo o trabalhador que possui as mesmas características de subordinação dentro da relação empregatícia. Constata-se que o hipersuficiente não está amparado no ordenamento juslaboral brasileiro, vez que a diferenciação pelo padrão remuneratório e nível intelectual deixa o hipersuficiente, subordinado, “negociar” (suprimir e retirar) seus direitos trabalhistas diretamente com o empregador.
Palavras-chave: hipersuficiente, proteção, reforma trabalhista.
Abstract
This paper seeks to analyze, from a labor protectionist perspective, whether the (hyper)sufficient figure finds support in the constitutional principle matrix and in the labor law, as it changes the essence of the Labor Law by de-protecting the worker who has the same characteristics of subordination within of the employment relationship. It appears that the hyper-sufficient is not supported by the Brazilian legal system, since the differentiation by remuneration standard and intellectual level makes the hyper-sufficient, subordinate, "negotiate" (suppress and withdraw) their labor rights directly with the employer.
Keywords: hypersufficiency, protection, labor reform.
1 Graduanda em Direito pela Unisociesc. E-mail: xxxxxxx.xxxxxx@xxxxx.xxx. Artigo submetido para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora Profª Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx.
1. Introdução
O presente trabalho aborda a figura do empregado hipersuficiente, trazido ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n. 13.467/172, do parágrafo único ao art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho.3
O Direito do Trabalho tutela o empregado nas relações laborais a partir do princípio da proteção, tendo em vista sua condição de hipossuficiência no contexto dessa relação de poder. A Reforma Trabalhista instituída foi formulada em um contexto de instabilidade no cenário econômico, político e social em que o país atravessava, seu condão objetivava trazer liberdade nas relações de trabalho, do qual, o propósito era a modernização das relações trabalhistas, trazendo em seu bojo diversas alterações significativas que modificaram o ordenamento jurídico laboral.
Neste cenário umas das inovações mais polêmicas deu-se devido à criação de uma (nova) categoria de trabalhador, o empregado “hipersuficiente”, expresso no artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, o empregado “hipersuficiente”, é, portanto, aquele que possui diploma de nível superior e percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, cuja disposição legal dota o hipersuficiente de capacidade jurídica para negociar de forma direta com seu empregador sem o intermédio do ente sindical, desconsiderando a hipossuficiência dessa relação empregatícia.
Sob o enfoque do empregado hipersuficiente, o presente artigo propõe-se analisar diante da ótica protecionista do direito do trabalho, se a figura do (hiper)suficiente encontra respaldo na matriz principiológica constitucional e do direito do trabalho. Neste contexto, pretende-se verificar se o empregado hipersuficiente é abarcado pelas proteções principiológicas e constitucionais ao trabalhador, visto que altera a essência do Direito do Trabalho desprotegendo o trabalhador que possui as mesmas características de subordinação dentro da relação empregatícia.
Deste modo, por meio de pesquisa bibliográfica e qualitativa, utilizando-se do método dedutivo, analisar-se-á, primeiramente, a evolução do direito do trabalho, bem
2 Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000- 2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 18 set. 2021.
3 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de 01.mai.1943. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxxxxx-Xxx/Xxx0000xxxxxxxxx.xxx. Acesso em: 18 set. 2021.
como suas proteções principiológicas e constitucionais e o papel destes princípios na estruturação da proteção efetiva da parte hipossuficiente, verificar-se-á, posteriormente, assuntos da relação de emprego e seus requisitos, estes primordiais, como a subordinação nas relações laborais, e, por fim será versado, tal como analisado sobre a reforma trabalhista e a flexibilização das normas juslaborais, sobretudo, sobre a criação da nova categoria de trabalhador o “hipersuficiente”, ademais será apresentada uma abordagem crítica à luz dos princípios do direito do trabalho e a proteção constitucional aos trabalhadores.
2. Proteções Principiológicas e Constitucionais ao Trabalhador
O Direito do Trabalho surge com a sociedade industrial e o trabalho assalariado, ou seja, com a Revolução Industrial, no século XVIII4, assim como qualquer ciência do Direito, o Direito do Trabalho se dá através de suas evoluções, desenvolvendo-se no transcurso do tempo, fato é que o ordenamento trabalhista ao longo dos anos sofreu e sofre mudanças em seu bojo, dado que a evolução do direito do trabalho resulta de diversos fatores econômicos, sociais e políticos. Destarte o trabalho humano desde os primórdios existia, e continuará existindo. Como considera Leite5 “Embora nmm smmprm coincidam os mommntos históricos mm todas as rmgiõms do mundo, é possívml comprmmndmr a história do trabalho por mmio da mvolução dos modos dm produção dm bmns m smrviços”. Assim, o Direito do Trabalho é um conjunto de normas jurídicas e princípios que regem as relações de trabalho, regulando as relações laborativas na sociedade, em consonância a definição de Martins6:
Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas.
O Direito do Trabalho, desse modo, exerce o relevante papel de assegurar patamares mínimos de dignidade e justiça social, impedindo que a busca pela obtenção de lucros e a
4 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito do Trabalho. - 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015., p.26.
Manual de direito do trabalho / Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. - 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
5 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.37.
6 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Manual de direito do trabalho. 12. Ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019, p.18.
concorrência acabem impondo níveis inaceitáveis de exploração do trabalho humano, em afronta aos valores magnos da liberdade, justiça, solidariedade e bem comum7. À vista disso, é primordial compreender todo o traçado histórico do Direito do Trabalho e sua importância na sociedade, uma conquista de direitos e deveres obtidos ao longo dos períodos da história. A finalidade do Direito do Trabalho é estabelecer medidas protetoras ao trabalho, assegurando condições dignas de labor8, oportuno mencionar que especificamente esse ramo do Direito vem para regular as relações de trabalho e tutelar o polo mais fraco dessa relação jurídica, a classe trabalhadora, visando possibilitar melhorias nas condições do labor.
A evolução do Direito do Trabalho no Brasil eleva-se com Xxxxxx em 1930, surgindo uma política trabalhista, cria-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, legislando temas como salário-mínimo, justiça do trabalho, trabalho das mulheres, dentre outros. Em 1934 tem-se um marco, dado que é a primeira Constituição a versar sobre as normas trabalhistas, positivando direitos coletivos - liberdade sindical, isonomia salarial, jornada de trabalho de oito horas, férias e repouso semanal. Para corroborar, Xxxxxxxxxx diz que:
A primeira Constituição a tratar de Direito do Trabalho foi a de 1934, garantindo a liberdade sindical, isonomia salarial, salário-mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (art. 121).9
No mesmo sentido inspirada na Carta dml Lavoro10 a Constituição de 1937 instituiu o sindicalismo único, criam-se o imposto sindical, para além disso objetivando evitar um entendimento direto entre os empregadores e trabalhadores designa-se a competência normativa dos tribunais do trabalho, viés de uma constituição corporativista, que inclusive considerava a greve um recurso nocivo ao trabalho. Com um regramento jurídico esparso, por diversas constituições ao longo do tempo, houve a necessidade da criação de sistematização das leis trabalhistas, cria-se então através do Decreto-Lei nº 5.452 de 1943 a CLT - Consolidação das Leis de Trabalho, reunindo as leis de uma forma organizada. Na mesma toada histórica a Constituição de 1964 abarcou a participação dos trabalhadores nos
7GARCIA, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito do Trabalho.7 ed.rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015., p.28.
8 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito do Trabalho.7 ed.rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015., p.32
9 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Iniciação ao Direito do Trabalho. 22 ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 49.
10 A Carta Del lavoro, editada em 21 de abril de 1927 pelo Gran Consiglio Del Fascismo, foi o documento político fundamental do ordenamento corporativo, documento de orientação que deveria guiar as relações de trabalho italianas.
lucros das empresas, bem como algumas estabilidades e outros direitos previamente elencados. Nesta continuidade, a Constituição de 1949 previu direitos e garantias como o 13º salário, enquanto a de 1969 não inovou, trazendo os direitos já positivados na norma trabalhista. Cumpre mencionar que através dos anos houve edições de leis que versavam temáticas novas ou redações melhoradas das leis anteriores.
A Carta Magna de 1988 estabeleceu que os direitos trabalhistas fossem inseridos na organização “Dos Direitos Sociais e Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e não mais nos tópicos de ordem econômica e social, podemos afirmar que a Constituição de 1934, versou primeiramente sobre os direitos trabalhistas, contudo foi Constituição de 1988, que trouxe em seu arcabouço valores que tornaram o direito do trabalho uma garantia fundamental, intervindo sobre o Estado Democrático de Direito de acordo com Leite11.
Com o advento da Reforma Trabalhista em 2017 houve inovação por parte do legislador, alterando mais de 100 artigos da CLT cuja finalidade era a modernização nas relações de trabalho, a reforma foi sancionada em 13 de julho de 2017 pelo Xxxxxx Xxxxx e passou a vigorar em 11 de novembro de 2017.12 Umas das inovações mais controversa foi a criação de uma (nova) categoria de trabalhador, o empregado “hipersuficiente”, expresso no art. 444 da CLT, o empregado “hipersuficiente”, é, portanto, aquele que possui diploma de nível superior; e percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, cuja dispositivo legal confere ao hipersuficiente uma capacidade jurídica para negociar de forma direta com seu empregador sem o intermédio da entidade sindical.
Igual a outros ramos da ciência jurídica, o Direito do Trabalho possui seus princípios próprios, os quais devem orientar e inspirar o legislador, seja na elaboração da norma trabalhista, ou como um intérprete na aplicação destas, os princípios basilares do Direito do Trabalho estão presentes na Constituição Federal de 1988, tais como: o princípio da dignidade humana e a valorização do trabalho, outros podem ser encontrados na Consolidação das Leis do Trabalho, estes mais protecionistas, como o princípio da norma mais favorável e o princípio da irrenunciabilidade. Xxxxxx Xxxxx00 explica que os princípios são verdades ou juízos fundamentais, servindo de xxxxxxxx ou de garantia de certeza a um
11 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 12 A Reforma Trabalhista foi sancionada em 13 de julho de 2017 pelo Presidente Xxxxxx Xxxxx, Lei Nº 13.467, e passou a vigorar em 11 de novembro 2017.
13 XXXXX, Xxxxxx. Filosofia do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p.60.
conjunto de juízos, nesta xxxxx Xxxxxxxxx00 diz que os princípios têm: função informadora (inspiram o legislador); função normativa (atuam como fonte supletiva, no caso de ausência de lei) e função interpretativa (operam como critério orientador do juiz ou do intérprete). Romar15 alude que os princípios são preceitos fundamentais e servem de fundamento para os seus institutos e sua evolução, constituindo um núcleo inicial do Direito. Assim, os princípios são regras, que comandam o sistema jurídico e norteiam o ordenamento.
No Direito do Trabalho, os princípios têm a finalidade de garantir aos trabalhadores proteção, tendo em vista a hipossuficiência do empregado diante do empregador. Consequentemente, se faz necessária a abordagem dos princípios constitucionais do trabalho e suas proteções principiológicas, cujo intuito é comparar com a redação dada pelo art. 444 da CLT, a fim de verificar se a norma afastou os princípios basilares, que serão analisados. Os princípios constitucionais do trabalhador tencionam à proteção destes, e sua previsão encontra-se na Constituição Federal.
O princípio da dignidade da pessoa humana expressa no art. 1º, III, da CF/8816, visa garantir direitos fundamentais a todos os cidadãos, é um direito inerente ao homem, abrangendo e de igual forma inserido nos direitos sociais, de suma importância exerce um papel fundamental, pois o cidadão precisa de um trabalho para garantir um mínimo existencial e, por conseguinte sua dignidade. Enquanto princípio o da valorização do trabalho e emprego se espalha em vários artigos da Constituição, como nos artigos: art. 1º, IV, art. 6º, art. 7º e art. 193, estabelecido como um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Dispostos na Carta Magna estão os direitos sociais, a determinação que o trabalho faz parte de um direito social, direitos e proteções aos trabalhadores, cabe salientar que o preceito do art. 170 elenca que a ordem econômica fundada na valorização do trabalho tem a finalidade de assegurar uma existência digna a todos, intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O Direito do Trabalho tem como um de seus princípios basilares o Princípio da Proteção, em que pese as forças entre empregado frente ao empregador é de desigualdade,
14 XXX XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Princípios de direito do trabalho: tradução de Wagner D. Giglio. 3. Ed. Atual. São Paulo: LTr.2002.
15 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito do trabalho. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx; coordenador Xxxxx Xxxxx. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.
16 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
o protecionismo tem por função corrigir as desigualdades de uma relação jurídica superior em favor do empregado, vez que, sua condição decorre da hipossuficiência e seu propósito fundamental é desnivelar as desigualdades que são conferidas dada a situação econômica desfavorável.
Nesse sentido, explica Romar:
O princípio protetor é o critério que orienta todo o Direito do Trabalho e com base no qual as normas jurídicas devem ser elaboradas, interpretadas e aplicadas e as relações jurídicas trabalhistas devem ser desenvolvidas. Este princípio tem por fundamento a proteção do trabalhador enquanto parte economicamente mais fraca da relação de trabalho e visa assegurar uma igualdade jurídica entre os sujeitos da relação, permitindo que se atinja uma isonomia substancial e verdadeira entre eles. 17
O Princípio da Proteção se subdivide em três formas: in dúbio pro opmrário - em caso de dúvida, beneficia-se o trabalhador. De acordo com Xxxxx o referido princípio auxilia na interpretação da norma trabalhista em prol do trabalhador, para que quando defrontar-se com uma norma trabalhista que permita mais de uma interpretação deverá prevalecer aquela que for mais benéfica ao empregado18.
No mesmo patamar do entendimento de Xxxxxx.
O polo mais fraco da relação jurídica de emprego merece um tratamento jurídico superior, por meio de medidas protetoras, para que se alcance a efetiva igualdade substancial, ou seja, promovendo-se o equilíbrio que falta na relação de trabalho, pois, na origem os seus titulares normalmente se apresentam em posições socioeconômicas desiguais.
Já a condição mais benéfica para o trabalhador segundo o preceito de Xxxxxxxxx são que cláusulas benéficas somente poderão ser suprimidas caso precedida por outra, posterior, ainda mais benéfica e o da mais favorável, se existir uma pluralidade de norma ao caso concreto utiliza aquela que se mostra mais vantajosa ao trabalhador, ainda que essa suponha uma quebra de hierarquia. Nessa lógica há a norma mais favorável, que ao se deparar com várias normas que versam sobre o tema, deverá prevalecer a mais favorável ao empregado.
A aplicação da regra da norma mais favorável torna flexível a hierarquia das normas trabalhistas, devendo ser considerada como mais importante, em cada caso concreto, a norma mais favorável ao trabalhador, ainda que esta
17 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito do trabalho. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx; coordenador Xxxxx Xxxxx.
18 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Consolidação das Leis do Trabalho - 70 Anos Depois: Reforma Trabalhista, Desregulamentação e Flexibilização. 2018, p.94.
não seja a Constituição Federal ou uma lei federal.19
Para além disso, o Direito do Trabalho tutela o empregado nas relações laborais, a partir do Princípio da Proteção, tendo em vista sua condição de hipossuficiência no contexto dessa relação de poder, buscando garantir um equilíbrio entre o hiper - empregador e o hipossuficiente - empregado. Esta proteção é fundamental, visto que o trabalhador não possui condições ou paridade de forças para negociar livremente seu contrato de trabalho. Destarte, caracteriza como uma premissa fundamental na tutela dos direitos trabalhistas o Princípio da Proteção, porquanto, fornece um arcabouço principiológico protetor ao trabalhador, porém desvirtuado, face a essa nova categoria de trabalhador, o “hipersuficiente”, que transige direitos trabalhistas fundamentais consagrados ao longo da história laboral.
A baila vem a hipossuficiência, característica básica em uma relação empregatícia, o conceito para Morais é que “o sistmma jurídico brasilmiro rmconhmcm ao mmprmgado a condição dm smr o agmntm mais fraco na rmlação dm trabalho”20, a hipossuficiência abrange sentidos como a dependência econômica do empregado face ao empregador, a submissão hierárquica, a constrição de sua vontade e inclusive a posição vulnerável nas negociações, fato é que a hipossuficiência se origina no aspecto econômico, contudo repercute na condição humana do trabalhador21, assim descreve Xxxxxx. Já para Xxx Xxxxxxxxx, o Direito do Trabalho busca sempre proteger a parte hipossuficiente para que haja uma igualdade considerável entre as partes22. Desse modo, o trabalhador é hipossuficiente, não limitado somente ao campo econômico, mas também da posição que ocupa como o polo vulnerável nas relações trabalhistas.
[...] há de ser entendido no seu sentido amplo, isto é, tanto no aspecto da igualdade formal quanto no da igualdade substancial. Disso resulta a necessidade de adaptação da aplicabilidade deste princípio nos domínios do direito processual do trabalho, no qual se observa, não raro, manifesta
19 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito do trabalho. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx; coordenador Xxxxx Xxxxx. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.19.
20 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Hipossuficiência e as novas relações de trabalho: estudo crítico de acordo com a ordem econômica constitucional. Dissertação de Mestrado. Universidade de Marília, 2017, p.15.
21 MERÇON, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Direito do Trabalho Novo. Disponível em: xxxxx://xx0.xxx0.xxx.xx/xx- trt3/bitstream/handle/11103/27130/paulo_gustavo_mercon.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 09 out. 2021.
22 PLÁ XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Princípios de direito do trabalho: tradução de Wagner D. Giglio. 3. Ed. Atual. São Paulo: LTr.2002, p.85.
desigualdade econômica entre as partes que figuram no processo23.
Nesta senda, é mister aludir que o texto legal da criação do hipersuficiente desprezou o ponto crucial da característica básica de uma relação empregatícia, a hipossuficiência, dado que, ao considerar que o empregado é hiper e que está em posição igual de negociação com o empregador não é factível, em virtude de subsistir a subordinação e vulnerabilidade na relação de trabalho. Do caput do art. 5º, da CF/88, extrai-se o direito fundamental da igualdade, todos são iguais perante a lei, sem que haja qualquer modo de distinção, diante disto, temos o princípio da igualdade, ou também dito como o da isonomia, este dispõe que entre os indivíduos deverá haver um tratamento igualitário, regulando sobre direitos e deveres que são comuns a todas as pessoas. Contudo, salienta- se que a noção de igualdade deverá ser interpretada constitucionalmente sob a égide da equidade, garantindo tratamento desigual para os desiguais, de igual forma, preciosas no âmbito justrabalhista, adequar-se à realidade conferindo quando necessário tratamento aos iguais igualmente e aos desiguais desigualmente, “tratar dmsigualmmntm os dmsiguais, na mmdida dm sua dmsigualdadm”, desta forma, trata-se de igualdade material.
Em que pese nas relações laborais deverá haver um tratamento isonômico na adoção de medidas e ou legislações trabalhistas que interfiram na relação de hipossuficiência do trabalhador, conceito fundamental para garantir a proteção do trabalhador, mas a concessão de tratamento diferenciado aos empregados hipersuficiente dos demais, faz com que haja uma nova categorização de trabalhador que viola o princípio da igualdade, afinal todos preenchem os requisitos para serem considerados empregados e possuem a mesma vulnerabilidade e hipossuficiência na relação empregatícia, devendo haver direitos e deveres comuns ao trabalhadores.
No Princípio da Irrenunciabilidade e da Intransacionabilidade, em suma, não se admite que o trabalhador renuncie ou transacione direitos trabalhistas. Neste sentido Cassar preceitua que “Como regra geral, não pode o empregado, antes da admissão, no curso do contrato ou após seu término, renunciar ou transacionar seus direitos trabalhistas, seja de forma expressa ou tácita”24. Disposto no art. 9º da CLT e consagrado na Súmula 276
23 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.83. 24 CASSAR, Vólia Bomfim. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017, p.245.
do TST25, concebe-se a não validade do trabalhador em renunciar a direito reconhecido em seu favor, o trabalhador em síntese não poderá dispor de direitos garantidos.
Nessa toada, Romar discorre que a irrenunciabilidade estará vinculada a imperatividade, ou seja, indisponibilidade de direitos, posto que, o trabalhador estará impossibilitado de dispor de forma voluntária em caráter amplo e antecipado de seus direitos garantidos e positivados no ordenamento trabalhista. Ainda, descrevem Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxxxx:
O princípio da irrenunciabilidade dos direitos pelo trabalhador tem a função de fortalecer a manutenção dos seus direitos com a substituição da vontade do trabalhador, exposta às fragilidades da sua posição perante o empregador, pela da lei, impeditiva e invalidante da sua alienação.26
Prima conceituar que a renúncia é vontade unilateral que recai sobre direito certo e atual, causando a extinção deste direito, enquanto a transação é declaração de vontade bilateral que atinge direito duvidoso e provoca a prevenção do litígio. Fundamenta-se na natureza das normas trabalhistas, estas de ordem pública, coagentes e imperativas, além do art. 9º existe previsão também no art. 468 da CLT - considerando nula toda alteração contratual que venha a causar prejuízos ao trabalhador. São irrenunciáveis e intransacionáveis os direitos trabalhistas, por serem de característica pública27.
Os inúmeros direitos previstos no ordenamento jurídico laboral só poderão ser objeto de negociação que não fira referido princípio, a negociação que a figura do empregado hipersuficiente objetiva é restritiva e limitativa, portanto a interpretação do princípio elencado deverá ser ampla, a fim de englobar todos os direitos assegurados pela legislação trabalhista, consoante com o art. 9º da CLT - que serão nulos todo os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da CLT. Assim sendo, todos os direitos consagrados nas normas coletivas e nas legislações são irrenunciáveis e intransacionáveis. De suma importância trazer à baila a Convenção da OIT 111 ratificada pelo Brasil, que objetiva em seu condão a erradicação de qualquer forma de discriminação no ambiente de trabalho, a Convenção 111 elenca as hipóteses em que ocorre
25 Súmula nº 276 do TST – AVISO PRÉVIO. RENÚNCIA PELO EMPREGADO. O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.
26 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas de trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p.472.
27 CASSAR, Vólia Bomfim. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017, p.22.
discriminação em matéria de emprego e profissão, em seu artigo 1º, alínea b compreende descriminação como qualquer distinção pautada em “exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão”28. Oportuno ressaltar ainda que a referida convenção trata de direitos fundamentais, sendo esta norma de caráter supralegal. A aplicação das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em nosso ordenamento jurídico brasileiro deverá ser aplicada em consonância com a princípio da primazia da realidade, em uma relação de emprego, deve prevalecer a efetiva realidade dos fatos, e não eventual forma construída em desacordo com a verdade29, vez que conforme mencionado antes a norma mais favorável a que se refere é o trabalhador como sujeito de direitos e o mais fraco na relação jurídica laboral.30
Nessa direção o art. 7 º, XXXII, da Carta Magna preceitua que são direitos dos trabalhadores a “proibição dm distinção mntrm trabalho manual, técnico m intmlmctual ou mntrm os profissionais rmspmctivos”, assim como o art. 3º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, o princípio da não discriminação tenciona a proibição de que o trabalhador tenha regime jurídico diverso do aplicável, em que se visa a aplicação dos mesmos direitos e obrigações a todos trabalhadores31, não possibilitando distinção de categorias de trabalhadores, salvo regulamentações legais ou normas especiais acerca de algumas profissões 32. O propósito deste princípio é obstar as discriminações entre os tipos de trabalho, seja manual, técnico e intelectual, não se admite a distinção pelo trabalho desenvolvido ou pela remuneração percebida, o intuito da não discriminação é o de abarcar estes trabalhadores nas relações de emprego, e consequentemente garantir os mesmos direitos e proteções trabalhistas, mas não obstante o fato do hipersuficiente ser diferenciado por portar diploma de nível superior e receber salário mais elevado de forma clara e concisa transgredi tal princípio, evidentemente discriminatório.
28 Organização Internacional do trabalho. Convenção N.º 111 de 1958.
29 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito do Trabalho.7 ed.rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p.57
30 MAZZUOLI, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Integração das convenções e recomendações internacionais da OIT no Brasil e sua aplicação sob a perspectiva do princípio pro hominm. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 43, 2013. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/0000/0000/00000. Acesso em: 09.10.2021
31 Xxxxxxx Xxxxxxxxx in Comentários à Constituição. V. I. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1990, p. 484
32 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx in Introdução ao Direito do Trabalho, p 286-287.
3. Relações trabalhistas: poder, subordinação e proteção
O convívio em sociedade desenvolve diversas relações entre as pessoas, umas delas é as relações de trabalho, que tem em suas esferas as relações de emprego. Historicamente, existe a relação de trabalho entre o empregado e o empregador, com diferentes realidades que decorrem da condição de sujeição e subordinação do empregado em relação ao empregador, visto que a submissão do empregado concomitante com a dependência econômica figura de forma inteligível a hipossuficiência nas relações laborais. Xxxxx é a fala de Xxxxxxxxxx que os hipossuficientes são aqueles que necessitam de proteção legal, pois não são capazes sozinhos de proteger seus direitos.33
De acordo com Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx a hipossuficiência é o resultado da posição de sujeição do empregado, dado que, na visão dele não importa para a configuração da hipossuficiência a quantidade de autonomia que o trabalhador detém no processo de trabalho, pois a sujeição ao empregador não decorre da maior ou menor autonomia na execução do trabalho, e sim do fato de que é o empregador que detém os meios aptos à geração de riqueza34.
Nesta continuidade vem à baila a concepção da relação de emprego segundo Xxxxxx, devidos os abusos de poder econômico praticados pelo empregador na contratação o legislador no âmbito trabalhista foi severo nos direitos atinentes a figura do empregado e que o contrato de trabalho tem regras mínimas para serem realizados face a desigualdade econômica distante do empregado frente ao empregador. A relação de trabalho pode ser caracterizada com um vínculo jurídico genérico, dado que, a relação de emprego, baseado no empregado e empregador, são configuradas por elementos essenciais como a prestação de serviços de forma não eventual, subordinada e mediante pagamento de salários, assim uma relação de emprego é contratual, vez que sem as vontades as partes, ou seja dos contratantes, não se constitui; o empregado verifica se aceita as condições ofertadas pelo empregador, e este escolhe o pretenso empregado.
33TONDINELLI, Heloisa Galafassi. O princípio da vulnerabilidade e a hipossuficiência no Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx:0000/xxxxxxx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/00/00. Acesso em 09.10.2021, p. 9
34 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Hipossuficiência e subordinação jurídica nas relações de trabalho contemporâneas. Disponível em: < xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00.000.00000/000000/0000_xxxxxxxx_xxxxxx_xxxxxxxxxxxxxxxx_xx bordinacao.pdf?sequence=3&isAllowed=y>. Acesso em 09.10.2021.
Com a pactuação das relações de trabalho o principal instrumento para que haja concretude nos vínculos trabalhistas é o contrato de trabalho, Xxxxxxx conceitua o contrato de trabalho, como “o nmgócio jurídico mxprmsso ou tácito, mmdiantm o qual uma pmssoa natural obriga-sm pmrantm pmssoa natural, jurídica ou mntm dmspmrsonificado a uma prmstação pmssoal, não mvmntual, subordinada m onmrosa dm smrviços”35. Em continuidade, a concepção de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx que o contrato de trabalho é acordo de duas ou mais vontades, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes36. Segundo Xxxxxxx Xxxxx, "contrato dm trabalho é a convmnção pmla qual, um ou vários mmprmgados, mmdiantm cmrta rmmunmração m mm carátmr não mvmntual, prmstam trabalho pmssoal mm provmito m sob dirmção do mmprmgador.” 37.
Assim, salienta-se que os elementos essenciais para o contrato de trabalho não são elencados pela CLT, mas pode-se aplicar de forma subsidiária o código Civil, para que seja formada a figura jurídica contratual. Aplica-se o art. 104, do Código Civil, sendo os elementos essenciais do contrato de trabalho o agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Desta forma, preenchidos os elementos essenciais para a formação do contrato de trabalho, este é considerado válido.
No art. 2º e 3º da CLT está o empregado e o empregador, sujeitos do contrato de trabalho, que pode ser definido como o negócio jurídico, meio pelo qual um trabalhador presta serviços de forma pessoal e não eventual, subordinado ao poder de comando e dele percebendo salários. Posto isso, são os requisitos do contrato de trabalho: pessoalidade, subordinação, onerosidade, não eventualidade e ainda sem correr os riscos do empreendimento. Nesta perspectiva o empregado é pessoa física que presta seus serviços de forma não eventual, subordinada, remunerada e em nenhuma hipótese corra os riscos do negócio.
Um dos requisitos de suma importância que caracteriza uma relação de emprego é a subordinação, ou seja, imposição de ordens, dependência, submissão e sujeição hierárquica. Para Cassar, “a mxprmssão subordinação dmriva do tmrmo surbodinarm (sub – baixo; ordinarm – ordmnar), isto qumr dizmr imposição da ordmm, submissão, dmpmndência, subaltmrnidadm
35 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso dm dirmito do trabalho. 9. Ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 302
36 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.
37 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato individual de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1994
himrárquica”38.
Em face do poder do empregador, o qual tem o poder de dirigir, comandar e controlar, o empregado tem o dever de submissão, obediência face ao empregador, destarte a subordinação pressupõe um dever de obedecer às regras, normas e políticas colocadas pelo empregador, bem como as funções por ele determinada.
Xxxxxxx entende a subordinação como um estado de poder do empregador:
A subordinação corresponde ao polo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.39
Ainda sobre o poder do empregador, convém mencionar que esse poder se subdivide em categorias, a saber: poder diretivo, disciplinar e hierárquico. “O primmiro sm constitui na capacidadm do mmprmgador mm dar contmúdo concrmto à atividadm do trabalhador, visando os objmtivos da mmprmsa. O smgundo traduz-sm no podmr qum tmm o patrão dm impor puniçõms aos mmprmgados. O tmrcmiro é a capacidadm do mmprmgador mm dmtmrminar m organizar a mstrutura mconômica m técnica da mmprmsa[...]”40. Tanto o poder como a subordinação, intimamente ligados pela submissão do empregado frente ao empregador, estará presente nas relações de emprego, imperioso abordar que a sujeição do obreiro perfectibiliza sua vulnerabilidade social face à relação jurídica laboral.
Todos os elementos supracitados configuram o vínculo jurídico entre empregado e empregador, ademais a relação contratual trabalhista deverá ser regida por normas jurídicas e princípios norteadores do direito do trabalho, desta forma, no cenário laboral o trabalhador sempre será a parte vulnerável, sem possibilidade de ter sua vontade acima a do empregador, logo sua manifestação de vontade pode ser utópica. A Reforma Trabalhista atacou esse ponto, vez que, no panorama trabalhista a subordinação do empregado frente a autorização de negociar seus direitos livremente com o empregador o coloca ainda mais em um patamar vulnerável.
Em oportunidade nesta relação de emprego prima discorrer acerca da autonomia das partes no contrato de trabalho. No dicionário autonomia significa capacidade de governar-se
38 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012, p.44.
39 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso dm dirmito do trabalho. 9. Ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 302.
40 CASSAR, Vólia Bomfim. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017, p.252-253.
pelos próprios meios, ou seja, consiste em um auto regulação, uma vontade humana de reger-se por suas próprias regras e escolhas. Todavia, temos o dirigismo contratual que é o princípio limitador das autonomias da vontade das partes contratantes. No contrato de trabalho impera a limitação da plena autonomia da vontade das partes que pactuam um contrato laboral, de fato há o texto que poderá ser extraído do caput do art. 444 da CLT “as rmlaçõms contratuais dm trabalho podmm smr objmto dm livrm mstipulação das partms intmrmssadas mm tudo quanto não contravmnha às disposiçõms dm protmção ao trabalho, aos contratos colmtivos qum lhms smjam aplicávmis m às dmcisõms das autoridadms compmtmntms. O dirigismo tem por objetivo amparar os contratantes que se encontram em posição desfavorável em relação a outro pactuante, seja por motivos econômicos ou sociais, recorta- se que no cenário laboral é o empregado.
Há também a autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho, prestigiada pela Carta Magna em seu 7º, XXVI – que são direitos dos trabalhadores o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Em síntese empregados e empregadores poderão pactuar da melhor forma determinados rol de direitos celebrados de boa-fé e equivalência, com o intermédio de um ente sindical representativo da categoria profissional. Ao analisar direito coletivo do trabalho, faz-se necessário abordar a presença dos sindicatos nas relações contratuais, conferindo ao contrato de trabalho uma relação de igualdade e força perante os empregadores, fazendo com que haja um rol de reivindicações dos trabalhadores objetivando condições benéficas nas negociações contratuais, cuja participação desses entes é positivada pela Carta Magna, conforme acima aludido.
Entretanto, o parágrafo único do art. 444 da CLT, autoriza a livre estipulação das partes na relação contratual de trabalho, acrescido na reforma trabalhista o empregado “hipersuficiente” desde que preenchido os dois requisitos previstos artigo, podem estipular individualmente e livremente com o empregador sem intermédio do sindicato da categoria, dispondo de vários direitos constitucionalmente garantidos, sob o viés de que “hipersuficiente” é altamente qualificado e salarialmente superior, portanto sem estar protegido, não refletindo desta forma a primazia da realidade, além disso essa autonomia da vontade do empregado hipersuficiente não prospera, já que, não se pode ab-rogar do sistema protetivo do trabalho que visa garantir um patamar civilizatório mínimo na seara trabalhista.
Outrossim a mudança legislativa trazida pela Lei 13.467/2017 da livre estipulação das
partes sem o intermédio do ente sindical coloca o empregado em uma posição de vulnerabilidade jurídica na negociação de seu contrato de trabalho e implica, por conseguinte na violação dos princípios da de irrenunciabilidade e indisponibilidade de direitos, ademais a Reforma Trabalhista ignora o negociado coletivo e autoriza direitos que deveriam ser salvaguardados pela legislação e pelo Direito Coletivo do Trabalho.
4. Empregado hipersuficiente: (nova) categoria de empregado
Na esfera trabalhista existem diversos debates acerca da flexibilização das relações de trabalho e da redução de direitos juslaborais, estes debates são influenciados por diversos motivos, contudo de grande impacto as mudanças tecnológicas e de ordem econômica que ao longo dos anos se tornam cada vez mais radicais. De modo que o Direito do Trabalho seja frequentemente pressionado a rever sua dogmática.
De acordo com a visão do governo da época e uma parcela dos parlamentaristas com viés neoliberal, alinhada às pressões de entidades de representação empresarial, a CLT aprovada em 1943 não mais se coadunava com a realidade do mundo moderno focado em um sistema capitalista e globalizado, imperava a ideia de que se deveria mudar, segundo a mesma visão, o caráter paternalista e protecionista da legislação trabalhista. Neste sentido, vem a Reforma Trabalhista, instituída pela Lei Federal n.º 13.467/2017 formulada em um contexto de instabilidade no cenário econômico, político e social em que o país atravessava, seu condão objetivava trazer liberdade nas relações de trabalho, cujo propósito era a modernização das relações trabalhistas, trazendo em seu cerne diversas alterações significativas que modificaram o ordenamento jurídico laboral.
Na visão de Xxxxxxx:41
As inovações inseridas se apresentaram em três planos combinados: Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. No plano do Direito Individual do Trabalho, as inovações eliminaram, desregulamentaram ou flexibilizaram diversas parcelas trabalhistas (...).
Em seu bojo a Reforma Trabalhista trouxe uma nova figura, o empregado
41 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 17ª Ed. São Paulo, LTR: 2018, p.120-123.
“hipersuficiente”, expresso no art. 444 da CLT, vejamos:
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
O empregado “hipersuficiente”, é, portanto, aquele que possui o diploma de nível superior e receba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Foi umas das inovações mais polêmicas à criação da (nova) categoria de trabalhador, o empregado “hipersuficiente”, expresso no art. 444 da CLT, o empregado “hipersuficiente”, é, portanto, aquele que possui diploma de nível superior; e percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, cuja disposição legal dota o hipersuficiente de capacidade jurídica para negociar de forma direta com seu empregador sem o intermédio do ente sindical, desconsiderando a hipossuficiência da relação empregatícia.
Neste contexto, Xxxxx reforça “É importantm dmstacar qum a Rmforma Trabalhista dm 2017 introduziu a canhmstra figura do “mmprmgado hipmrsuficimntm” no parágrafo único do art. 444 da CLT, insmrido pmla Lmi 13.467/2017 [...]”42. Deste modo, se o empregado possuir diploma de curso superior e perceber salário de R$ 12.867,14 ou mais é considerado hipersuficiente. Preenchidos estes dois requisitos legais, que são cumulativos, presume-se então que dotado de uma capacidade maior frente a negociação do seu contrato de trabalho, o empregado hipersuficiente recebe a faculdade de negociar junto ao empregador determinados temas acerca de seu contrato de trabalho, e, portanto, confere um menor grau de protecionismo em relação ao empregado hipossuficiente.
O novo conceito de “empregado hipersuficiente” imposto pela reforma trabalhista originou-se pelo relator da referida reforma na Câmara, o Sr. Xxxxxxx Xxxxxxx, deputado pelo PSDB-RN, conforme relatório.
(...) não se pode admitir que um trabalhador com graduação em ensino
42 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.269.
superior e salário acima da média remuneratória da grande maioria da população seja tratado como alguém vulnerável, que necessite de proteção do Estado ou de tutela sindical para negociar seus direitos trabalhistas.
O legislador acrescentou no art. 444 da CLT uma nova categoria de trabalhador, prevalecendo à negociação individual sobre o legislado, e ainda, sobre a negociação coletiva, ou seja, poderão negociar livremente com seu empregador as condições de trabalho previstas no art. 611-A da CLT.
Nesta perspectiva Xxxxxxx discorre que a inserção deste parágrafo único veio com o intuito de inverter o sentido e os objetivos do Direito do Trabalho, dado que se prevalecer a interpretação literal do referido dispositivo, subsistirá manifesta estratificação jurídica dos empregados, que são submetidos ao mesmo empregador. 43
A Reforma Trabalhista inovou ao criar a figura do empregado que tem a capacidade jurídica de negociar com o empregador diretamente sem o intermédio do ente sindical. A doutrina tem chamado esta categoria de empregado, de hipersuficiente, visto que pode negociar direitos abaixo da proteção da legislação diretamente com o empregador, apenas baseado em critérios objetivos estabelecidos em lei e que desconsideram uma característica básica da relação empregatícia, a hipossuficiência.
O valor do salário recebido pelo empregado não deveria alterar a natureza jurídica do direito, entender que os empregados que recebem igual ou mais que o valor máximo que duas vezes os benefícios previdenciários podem livremente dispor sobre os direitos trabalhistas relacionados no art. 611-A da CLT e/ou renunciar as benesses previstas nas normas coletivas é negar a vulnerabilidade do trabalhador, que depende do emprego para sobreviver e com, relativa facilidade, concordaria com qualquer ajuste para manutenção do emprego. 44
Na visão de Xxxxxx o estado de vulnerabilidade permanece e isto não depende do salário pago ao empregado, tal qual só há a mudança de sua condição social, uma vez que, a subordinação perante o empregador a relação do emprego permanece.45 Do mesmo modo, a subordinação do empregado frente ao empregador se mantém, pois, ainda é sujeito ao poder de direção do empregador. Tal acréscimo ao ordenamento juslaboral se mostra em
43 DELGADO. Xxxxxxxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. A reforma trabalhista. São Paulo: LTr., 2017, p.157- 158.
44 CASSAR, Vólia Bomfim. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017, p.216.
45 CASSAR, Vólia Bomfim. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017, p.216.
contradição à relação jurídica de emprego, vez que, a subordinação do empregado que detém o capital e remunera se mantém, estando estes empregados ainda mais sujeitos à subordinação e vontades do empregador.
A caracterização desta nova categoria de empregado reside, por conseguinte, em dois elementos centrais, a condição de ser portador de diploma de nível superior, um critério de que apenas alguns trabalhadores possuem, devendo ter grau de ensino superior e certificado por uma instituição credenciada, e que estes possam de forma autônoma negociar seu contrato de trabalho. A seguir é fixado um critério econômico, apenas os empregados que recebam salário igual ou superior ao valor equivalente a duas vezes o limite máximo dos benefícios pagos pela Previdência Social do Brasil; figurado estes dois critérios, os empregados poderão amoldar-se na condição de hipersuficiente.
Prima a reflexão de que o hipersuficiente não deverá ser confundido com a figura do alto empregado, este, reside no formato de trabalhadores com grau de fidúcia elevado, nesta continuidade Delgado explana que estes empregados ocupantes de posições internas de chefias, funções de gestão ou outros cargos de elevada fidúcia são abarcados pela legislação de uma forma diferente aos demais trabalhadores da estrutura empresarial.46 Ainda, continua Delgado que é peculiar esta forma de segregação jurídica dentro da mesma organização de empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário igual ou superior à dobra do valor do teto de benefícios do INSS dos demais empregados não abrangidos pelo novo parágrafo único do art. 444 da CLT, inserido pela Lei n. 13.467/2017.47
Portanto, os altos empregados não possuem a mesma autonomia prevista no novo regramento, somente se cumprirem os requisitos exigidos pela art. 444 da CLT. A caracterização em suma consiste em critérios de ordem educacional e econômica. A criação desta nova categoria de empregado resultou em “autonomia de negociação”, dado que a intenção do legislador é que o hipersuficiente negocie matérias que antes não dispunha e ainda sem intervenção de uma entidade sindical.
Destarte, podem negociar sua relação de trabalho sob as hipóteses do artigo 611-A da CLT, e sobre a negociação realizada, a mesma terá força de lei, sobrepondo inclusive sobre Xxxxxxx e Convenções Coletivas, os temas negociados são diversos, dentre eles quando dispuserem sobre assuntos como: intervalo intrajornada, modalidade de registro da
46 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 17ª Ed. São Paulo, LTR: 2018, p.424.
47 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 17ª Ed. São Paulo, LTR: 2018, p.424.
jornada, jornada de trabalho, banco de horas anual, adesão ao Programa Seguro-Emprego, plano de cargos, salários e funções, enquadramento do grau de insalubridade, participação nos lucros ou resultados da empresa dentre outros.
Os temas enumerados no artigo 611-A para negociação são taxativos, em contrapartida o artigo 611-B48 enumera os temas sobre os quais não se podem dispor, a saber: seguro desemprego, salário mínimo, décimo terceiro salário, salário-família, repouso semanal remunerado, número de dias de férias devidas ao empregado, aposentadoria, entre outros temas expressos no referido artigo. O novo regramento promoveu a diferenciação dos temas que poderão ser suprimidos e reduzidos, daqueles que não poderão sem haver uma negociação coletiva e ainda aos que em nenhuma hipótese poderão ser objetos de negociação individual ou coletiva.
Primeiramente se faz mister conceituar as palavras flexibilização e desregulamentação, de acordo com a visão de Xxxxxx, a flexibilização é uma forma de amenizar o rigor ou a rigidez das normas jurídicas, já a desregulamentação suprime determinadas normas jurídicas pertinentes à regulação das relações de trabalho49, ou seja, podemos entender que a desregulamentação descarta as legislações preexistentes em prol de formas de autocomposição por meio de um contrato individual, de tal forma que cause uma extinção gradual de regras imperativas50, enquanto que, a flexibilização torna alguns direitos trabalhistas maleáveis, em outras palavras já tem em nosso ordenamento jurídico brasileiro o instituto de flexibilização .
Diante do exposto, é notório que emerge com a reforma a autonomia da vontade no contrato de trabalho, diferente daquela prevista na Constituição de 1988, art. 7º, XXVI, que
48 Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE); V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; ( )
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; ( )
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.
49 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito do Trabalho.7 ed.rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015., p.61.
50 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. O princípio de proteção e a flexibilização das normas de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2003.
prestigia a autonomia coletiva da vontade na resolução de litígios e conflitos trabalhistas, vez que, se reconhecia os acordos e convenções coletivas, no qual é de suma importância a caracterização da equivalência dos contratantes coletivos, sindicato laboral e empregador, estando estes no mesmo patamar sociojurídico. Perante essa configuração é que se permitia a flexibilização de direitos, a fim de minimizar as diferenças entre o capital e trabalho para que houvesse uma busca de melhorias nos direitos trabalhistas, em outras palavras, uma negociação coletiva por meio da autocomposição, tal flexibilidade possui o intuito da proteção aos trabalhadores. Esclarece-se ainda que são fontes do Direito do Trabalho os Acordos Coletivos de Trabalho e as Convenções Coletivas de Trabalho, no qual, são consideradas os principais exemplos de flexibilização das leis trabalhistas.
Cabe a reflexão em paralelo com um princípio positivado no art. 7º da CF/88, o princípio da proibição do retrocesso social, cuja finalidade é impedir que haja legislação ou interpretação de normas que visam suprimir, reduzir ou diminuir direitos sociais concretizados pelo Estado, a fim de estabelecer um patamar civilizatório mínimo, na Carta Magna é tratado como direito social do direito do trabalho. Salienta-se que no ordenamento trabalhista é pautado em vários princípios, dentre eles já mencionados, é de que, a norma mais favorável ao trabalhador deve prevalecer e de acordo com este, tais como os instrumentos coletivos se fossem mais benéficos aos trabalhadores, estes prevalecerão sobre a legislação – o negociado vale sobre o legislado.
Isto posto, podemos verificar que houve uma ruptura na aplicação protecionista do Direito do Trabalho, não podendo disposições contratuais realizadas pelos pseudo hipersuficientes esbarram nos preceitos e normas constitucionais que são fundamentais a fim de garantir os direitos trabalhistas, importando melhoria na condição social e se revestindo de garantias no campo laboral, a caracterização desta nova categoria de trabalhador carece de elementos fático jurídicos essenciais, sobretudo em consonância com o princípio da primazia da realidade. O legislador levou em conta critérios apenas de ordem econômica e escolaridade, e estes, não se mostram suficientes para que haja a livre estipulação das partes no contrato de trabalho, é cristalino que para o empregado se mantém a condição de sujeição perante o empregador.
Contudo, face a narrativa supra exposta, a Reforma Trabalhista que trouxe em seu bojo diversas alterações significativas que modificaram o ordenamento jurídico laboral, em particular à criação de uma (nova) categoria de trabalhador, o empregado “hipersuficiente”,
este que caminha em direção contrária das ideias da Constituição de 1988, sobretudo a essência do Direito do Trabalho, sob sua ótica protecionista e sua matriz principiológica.
5. Considerações Finais
A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei Federal n.º 13.467/2017, objetivava trazer liberdade nas relações de trabalho, cujo propósito era a modernização das relações trabalhistas, contudo teve um viés de desregulamentação da legislação juslaboral, visto que os dispositivos alterados contraíram a base do Direito do Trabalho, havendo um retrocesso nos direitos trabalhistas. No estudo apresentado, analisou-se a categoria criada pela Reforma Trabalhista, da figura do empregado hipersuficiente, e a partir disso, pode-se dizer, portanto, que a inovação trazida ao ordenamento jurídico brasileiro esbarra nas proteções principiológicas e constitucionais ao trabalhador, dado que alterou a essência do protecionismo do Direito do Trabalho desamparando o trabalhador que possui as mesmas características de subordinação dentro da relação empregatícia.
A nova categoria de trabalhador, o pseudo hipersuficiente, é apenas baseada em critérios objetivos estabelecidos em lei e que desconsideram a característica básica da relação empregatícia e mantém estes empregados abaixo da proteção de toda legislação trabalhista, posto que o hipersuficiente depende da manutenção de seu emprego e, portanto, poderá aceitar quaisquer condições de seu contrato de trabalho, não havendo de fato a autonomia negocial proposta pela reforma frente ao empregador.
A distinção criada entre os empregados, diferente da proposta legislativa, coloca o (hiper)suficiente na posição de vulnerabilidade, descrimina e não o reveste dos princípios basilares que coadunam com a base protecionista do direito do trabalho, representa portanto um retrocesso nos direitos sociais e trabalhistas, estando em desacordo com as proteções principiológicas e constitucionais ao trabalhador, vez que permite que os trabalhadores transacionem ou renunciem seus direitos sem o intermédio do ente sindical, não conferindo a estes tratamento isonômico em direitos e deveres, diferenciando os empregados hipersuficiente dos demais.
Por conseguinte, observa-se que o legislador reformador optou por criar essa categoria de trabalhador pautada apenas em requisitos econômicos e de escolaridade,
estratificando uma relação típica de trabalho cujos critérios não se justificam ou encontram respaldo normativos, vez que, a condição de hipossuficiência nessa relação jurídica permanece, independentemente da sua remuneração mensal ou de sua formação escolar, diante disto analisa-se que estes requisitos são insuficientes para remover a vulnerabilidade ou a hipossuficiência do trabalhador, porquanto, a subordinação e desigualdade de forças persistem nessa relação contratual, denotando que não há paridade de forças nas negociações individuais dessa nova categoria de trabalhador.
Por fim, essa nova figura do (hiper)suficiente viola os entendimentos basilares do Direito Trabalhista, relativiza sobretudo o Princípio da Proteção, criando uma contradição normativa que permite direitos consagrados indisponíveis e intransacionáveis sejam flexibilizados através de uma negociação individual sem o arcabouço protetivo laboral e dos preceitos constitucionais.
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