O regime jurídico
O regime jurídico
do Arrendamento Rural
O Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro veio estabelecer um novo regime jurídico para o contrato de arrendamento rural.
Este novo regime jurídico iniciou a sua vigência noventa dias após a publicação do diploma, isto é, a 11 de Janeiro de 2010.
1. EFEITOS
Este regime jurídico, para além dos contratos celebrados após o seu início de vigência, vem produzir efeitos em relação aos contratos de arrendamento existentes na data da sua entrada em vigor, mas
só após os mesmos serem renovados, pelo que a renovação deverá obedecer a este novo regime jurídico.
Importa, pois, face a esta alteração, fazer uma breve análise a alguns dos aspetos mais relevantes deste tipo de contrato.
2. NOÇÃO
O arrendamento rural é definido no supracitado diploma legal como “a locação, total ou parcial, de prédios rústicos para fins agrícolas, florestais, ou outras
atividades de produção de bens ou serviços associados à agricultura, à pecuária ou à floresta”.
Presume-se, ainda, ser rural o contrato de arrendamento que recaia sobre prédio rústico, quando do mesmo e despectivas circunstâncias não resulte destino diferente, bem como o contrato de
arrendamento conjunto de uma parte rústica e de uma outra urbana quando seja essa a vontade expressa dos contraentes ou, na dúvida, se for esse o fim principal do contrato e se do valor da renda fixada a cada uma das partes pelos contraentes isso se possa concluir.
3. BENS ABRANGIDOS
O contrato de arrendamento rural abrande o terreno, as águas e a vegetação. E, sendo essa a sua vontade, os contraentes podem, expressamente, fixar no contrato que ainda pode abranger: as construções e infra- estruturas destinadas, habitualmente, aos fins próprios da exploração normal e regular dos prédios locados;
a habitação do arrendatário e o desenvolvimento de outras atividades económicas associadas à agricultura e à floresta, incluindo as atividades de conservação dos recursos naturais e paisagem; outros bens, designadamente máquinas e equipamentos, devendo, neste caso, ser anexado ao contrato um inventário dos mesmos com indicação do respetivo estado de conservação e funcionalidade.
Na falta de estipulação das partes em contrário, presumem-se incluídos no arrendamento todos os bens imóveis existentes no prédio rústico objeto de arrendamento.
O arrendamento rural poderá, igualmente, integrar a transmissão de direitos de produção e direitos a apoios financeiros no âmbito da política agrícola comum, sem prejuízo da respetiva conformidade com a legislação relativa à transmissão desses direitos, constantes dos respetivos regimes especiais aplicáveis.
4. FORMA
O contrato de arrendamento rural, e suas alterações, são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objeto do arrendamento.
A não redução a escrito do contrato, ou suas renovações, determina a sua nulidade.
De salientar a obrigação de, no prazo de trinta dias contados a partir da celebração do contrato, o senhorio entregar nos serviços de finanças de sua residência ou sede social o original do contrato.
O contrato de arrendamento rural, e suas renovações, não estão sujeitos a registo e estão isentos do pagamento do imposto de selo e de qualquer outro imposto ou taxa, com exceção dos emolumentos registais ou notariais.
A falta de entrega do original dá lugar à aplicação da coima prevista no nº 1 do artº 117º do Regime Geral das Infrações Tributárias – de € 100,00 a € 2500,00.
São elementos obrigatórios do contrato de arrendamento rural: a identificação completa das partes; a identificação do bem objeto de arrendamento; o fim a que se destina; o valor estipulado para a renda; a indicação da data de celebração.
Embora o legislador não faça referência ao prazo do contrato, o mesmo deverá ser fixado pelos contraentes e constar do mesmo.
5. PRAZO
Os contratos de arrendamentos agrícolas são celebrados por um prazo mínimo de sete anos.
Quando nos contratos de arrendamentos agrícolas não tenha sido fixado prazo ou o prazo fixado seja inferior a sete anos, considera-se que os mesmos são celebrados pelo prazo de sete anos.
Os arrendamentos agrícolas são renováveis automaticamente por sucessivos períodos de, pelo menos, sete anos, enquanto o mesmo não seja denunciado.
Os arrendamentos florestais não podem ser celebrados por prazo inferior a sete anos, nem superior a setenta anos, considerando-se modificados para estes limites os prazos divergentes que hajam sido fixados pelos contraentes.
O subarrendamento é proibido, bem como a cedência por comodato ou qualquer outra forma, total ou parcialmente, dos prédios arrendados ou ainda
a cedência a terceiros da posição contratual do arrendatário, salvo se existir acordo expresso com o senhorio para o efeito.
6. CLÁUSULAS NULAS
O novo regime jurídico do arrendamento rural prevê a nulidade de quaisquer cláusulas contratuais em que o arrendatário se obrigue ao pagamento de prémios de seguros de incêndio de edifícios ou instalações e
infra-estruturas não compreendidas no contrato, bem como de impostos, contribuições ou taxas incidentes sobre os imóveis objeto do contrato e que sejam devidos pelo senhorio.
São ainda nulas as cláusulas: em que qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir denúncia ou resolução do contrato e às indemnizações devidas nos casos de violação de obrigações legais ou contratuais; em que o arrendatário renuncie ao direito de renovação do contrato ou se obrigue antecipadamente à sua denúncia; em que o arrendatário se obrigue, por qualquer título, a serviços que não revertam em benefício direto do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários.
7. RENDA
A renda é estipulada em certa quantia em dinheiro e fixada anualmente. Salvo estipulação das partes em contrário a renda será liquidada até ao último dia do ano a que respeita, no domicílio ou sede social do senhorio.
Excecionalmente, nos arrendamentos florestais, é possível a fixação de uma componente variável da renda em função da produtividade do prédio.
A renda é atualizável anualmente em função do coeficiente acordado pelas partes ou tendo em conta o índice de preços fixado, anualmente, até 30 de Outubro.
O atual regime jurídico prevê a possibilidade de qualquer uma das partes proceder a uma alteração do valor da renda em função de circunstâncias imprevisíveis e anormais, alheias à vontade do
arrendatário, e que tenham impacte negativo na regular e normal capacidade produtiva do prédio. Considera a lei que existe impacte negativo na normal capacidade produtiva do prédio quando ocorrerem perdas de,
pelo menos, um terço das plantações das culturas permanentes ou da plantação florestal explorada no prédio.
Em caso de mora do arrendatário, o senhorio tem o direito a exigir, além das rendas em atraso, uma
indemnização igual a 50% do que seja devido, exceto nas situações em que o contrato for resolvido com fundamento na falta de pagamento.
O arrendatário pode fazer cessar a mora no prazo de 60 dias a contar do seu início.
É inexigível ao senhorio a manutenção do contrato em caso de mora superior a seis meses no pagamento da renda.
O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente ação de despejo.
O depósito é realizado em qualquer instituição de crédito.
O arrendatário fica obrigado a comunicar ao senhorio, por escrito, o depósito da renda.
8. CESSAÇÃO DO CONTRATO
O contrato pode cessar de várias formas: acordo entre as partes, caducidade, resolução, oposição à renovação, denúncia ou qualquer outra forma prevista na lei.
Independentemente da forma de cessação do contrato, a restituição do prédio só pode ser exigida no fim do ano agrícola em curso em que se tenham verificado
os factos que determinaram a cessação do contrato, com excepção dos prédios arrendados para fins de exploração florestal.
8.1 Acordo entre as partes
A todo o tempo, as partes podem fazer cessar o contrato por acordo devendo o mesmo ser reduzido a escrito quando a cessação não opere de imediato ou o contrato contenha cláusulas compensatórias ou acessórias.
8.2 Resolução
Qualquer das partes pode resolver o contrato com fundamento no incumprimento pela outra parte das obrigações contratualmente assumidas que sejam de tal forma graves que torne inexigível a manutenção do arrendamento.
São fundamento do pedido de resolução pelo senhorio: o não pagamento da renda no tempo e lugar próprio; o não cumprimento de uma obrigação legal ou contratual; não utilizar apropriadamente e com regularidade o prédio; não zelar pela boa conservação dos prédios; realizar, sem consentimento do senhorio, investimentos em obras ou construções que alterem a natureza
ou características do prédio; subarrendamento ou comodato, total ou parcial.
O senhorio pode, ainda, pedir a resolução do contrato no prazo de seis meses a contar da morte do arrendatário, caso não seja notificado pelos titulares do direito à transmissão do arrendamento da intenção de mantê-lo.
São fundamentos de resolução pelo arrendatário: a redução ou alteração da capacidade produtiva do prédio por causas imprevisíveis e anormais
não suscetíveis de serem cobertas pelo seguro; a ocorrência de circunstâncias imprevistas e anormais que causem a perda de mais de um terço das
plantações das culturas permanentes ou da plantação florestal e que ponham em causa o retorno económico dessa exploração; a não realização, pelo senhorio, de obras da responsabilidade deste que comprometa o normal uso e fruição do prédio; a expropriação, ainda que parcial, do prédio.
A resolução deve ser comunicada dentro do prazo de seis meses para os contratos com duração até dois anos e de um ano para os restantes contratos
8.3 Caducidade
O contrato de arrendamento caduca: no fim do prazo estipulado quando não haja lugar à renovação; quando cessem os poderes de administração com base
nos quais o contrato foi celebrado; quando ocorra expropriação.
No caso de expropriação o arrendatário tem direito a uma compensação cujo cálculo deve compreender o valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, o valor dos capitais investidos e demais prejuízos decorrentes da cessação do arrendamento.
8.4 Oposição à renovação e por denúncia
Qualquer uma das partes pode fazer cessar o contrato por oposição à renovação ou denúncia, incluindo obrigatoriamente todo o seu objeto, mediante comunicação escrita.
A oposição à renovação deve ser comunicada com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação.
Se o senhorio for emigrante, pode este denunciar o arrendamento, com a antecedência de um ano, a partir do terceiro ano do contrato de arrendamento ou da sua renovação, sem possibilidade de oposição por parte do arrendatário, desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições: ter sido ele quem arrendou o prédio ou tê-lo adquirido por sucessão; necessitar de regressar ou ter regressado a Portugal há menos de um ano; querer explorar diretamente o prédio arrendado.
Neste caso deverá explorar o prédio pelo prazo mínimo de cinco anos. Se tal não acontecer, o arrendatário cujo contrato foi denunciado tem direito a uma indemnização igual ao quíntuplo das rendas relativas ao período
de tempo em que o arrendatário esteve ausente e à reocupação do prédio, se assim o desejar, iniciando-se outro contrato.
O arrendatário pode denunciar o contrato, sem possibilidade de oposição por parte do senhorio, nos casos de abandono da atividade agrícola ou florestal ou
quando o prédio, por motivos alheios à sua vontade, não permitam o desenvolvimento das atividades de forma economicamente equilibrada e sustentável.
O arrendatário pode opor-se à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, desde que reúna, cumulativamente, as seguintes condições: tenha mais de 55 anos e resida ou utilize o prédio há mais de 30 anos; o rendimento produzido pelo prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar.
No caso de cessação do contrato por oposição à renovação ou denúncia do senhorio o arrendatário tem direito a ser indemnizado: pelas benfeitorias realizadas; pelas plantações e melhoramento fundiários que haja tornado o prédio mais produtivo, realizados com o consentimento do senhorio; e uma indemnização correspondente a 1/12 da renda anual por cada ano de contrato, não podendo o valor da indemnização ser inferior a um ano de renda.
9. TRANSMISSIBILIDADE
O arrendamento não caduca pela morte do senhorio nem pela transmissão do prédio.
O arrendamento também não caduca por morte do arrendatário (se se tratar de pessoa singular) nem por extinção (no caso das pessoas coletivas).
No caso das pessoas singulares, o arrendamento transmite-se ao cônjuge não separado de pessoas e bens ou de facto, àquele que no momento da sua
morte viva com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges e a parentes ou afins, na linha reta, que com o mesmo vivam em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo.
No caso de pessoas coletivas, o arrendamento transmite-se às entidades a quem devam ser transmitidos os direitos e obrigações da entidade extinta.
Podem ocorrer duas transmissões mortis causa, excepto quando os transmitentes sejam parentes ou afins na linha reta, situação que apenas admite uma transmissão.
Os titulares do direito à transmissão devem notificar o senhorio da intenção de exercer o seu direito no prazo de seis meses.
10. CONSERVAÇÃO E BENEFICIAÇÃO DOS PRÉDIOS RÚSTICOS ARRENDADOS
Antes de mais, senhorio e arrendatário são obrigados a permitir e a facilitar a realização das ações de
conservação ou recuperação, assim como as benfeitorias que a outra parte deva ou pretenda fazer, com o intuito de garantir a utilização do prédio em conformidade com os fins constantes do contrato
e numa perspetiva de melhorar as condições de produção e produtividade.
Por outro lado, o arrendatário é obrigado a conservar o prédio e a restitui-lo no fim do contrato, no estado em que o recebeu, ressalvadas as alterações inerentes a uma adequada utilização do mesmo em conformidade com os fins constantes do contrato, sob pena da obrigação de indemnizar o senhorio nos termos gerais de direito.
O arrendatário pode realizar no prédio arrendado acções de recuperação (benfeitorias) sem consentimento do senhorio, nos seguintes casos: quando o senhorio esteja em mora quanto à obrigação de fazer reparações; a urgência não consinta qualquer dilação. Trata-se, pois de benfeitorias necessárias.
As benfeitorias úteis carecem de consentimento do senhorio. As benfeitorias úteis não implicam aumento de renda mas concedem ao arrendatário, no fim do contrato, o direito a uma compensação, quando revertam para o senhorio.
A compensação pelas benfeitorias úteis realizadas no prédio pelo arrendatário são calculadas tendo em conta o custo suportado pelo arrendatário, as vantagens das quais o mesmo haja usufruído e o proveito patrimonial do senhorio.
O senhorio também pode fazer benfeitorias no prédio com o consentimento do arrendatário ou com
suprimento judicial daquele. As benfeitorias realizadas com o consentimento do arrendatário podem determinar a alteração de renda. O senhorio é obrigado a indemnizar o arrendatário pelos prejuízos que a realização das benfeitorias cause no prédio.
11. FORMAS DE COMUNICAÇÃO
Salvo disposição legal em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, designadamente as relativas à cessação e alteração do contrato de arrendamento, à atualização, alteração e depósito
da renda, à realização de obras de conservação e de recuperação e de benfeitorias e ao exercício do
direito de preferência, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
A comunicação pode ser entregue por mão quando o destinatário assinar cópia com a menção específica de que a recebeu.
A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução é efetuada por notificação judicial avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo,
neste caso, feita na pessoa do notificando com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanham, devendo o notificando assinar o original.
A comunicação digital é admissível se validada por assinatura eletrónica qualificada.
12. DIREITO DE PREFERÊNCIA
O arrendatário goza de direito de preferência quer relativamente à celebração de novos contratos quer na sua venda ou dação em pagamento.
No caso da celebração de novos contratos de arrendamento o direito de preferência mantém-se nos cinco anos seguintes.
O direito de preferência caduca perante o exercício do mesmo direito, por co-herdeiro ou comproprietário.
Sempre que o arrendatário exerça o direito de preferência, tem de explorar o prédio, ou no caso de ser pessoa coletiva, por si ou sociedade do mesmo grupo empresarial, como seu proprietário durante, pelo menos, cinco anos, salvo caso de força maior, devidamente comprovado.
No caso de incumprimento, o adquirente fica obrigado a pagar ao proprietário o valor equivalente ao quíntuplo da última renda vencida e a transmitir a propriedade ao preterido com o exercício da preferência, se este o desejar, pelo preço de aquisição do prédio.
13. AÇÃO DE DESPEJO, TITULO EXECUTIVO E FORMAS DE PROCESSO
A ação de despejo é o meio de fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que se imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.
Estes processos seguem a forma de processo sumário, salvo se outra for expressamente prevista, e têm carácter de urgência.
Não sendo o prédio desocupado na data prevista por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, o contrato de arrendamento, acompanhado dos comprovativos das comunicações previstas no diploma legal, relativos á cessação do contrato de arrendamento.