PROCESSO: CVM Nº RJ 2004/7376 (RC Nº 4570/2004)
PROCESSO: CVM Nº RJ 2004/7376 (RC Nº 4570/2004)
INTERESSADA: Top Avestruz Criação, Comércio, Importação e Exportação Ltda.
ASSUNTO: Recurso contra a Deliberação CVM nº 474/2004 RELATORA: Diretora Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
V O T O
EMENTA: Recurso contra a Deliberação CVM n.º 474, que determinou à Recorrente abster-se de ofertar ao público quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo, por não ter o registro exigido pela Lei 6.385/76 e pela Instrução CVM n.º 296/98. Além de não suspender imediatamente a oferta, as mudanças realizadas não foram suficientes para atender a Deliberação. Negado provimento ao recurso.
RELATÓRIO
1. A Top Avestruz Criação, Comércio, Importação e Exportação Ltda. ofereceu, em sua página na internet, (xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx), oportunidade de investimento baseado na exploração econômica de criação de avestruzes, pelo modelo "Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra", cujo objetivo principal era a venda e recompra de avestruzes com garantia de recompra por valores certos.
2 . De acordo com o contrato, o comprador deixaria o animal sob os cuidados da empresa Top Avestruz, que arcaria com os ônus de alimentação, medicamentos ou quaisquer outros gastos necessários (valores considerados já inclusos no momento da venda pela Top Avestruz). A empresa também distribuía panfletos divulgando a página na internet e fazendo menção à "hotelaria pré-paga".
3 . A CVM, em sua função de regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários, verificou que a sociedade em questão, além de não ser uma companhia aberta, estava colocando irregularmente no mercado de valores mobiliários Contratos de Investimento Coletivo (CIC), pois o fazia sem o competente registro. Devido a isso, o Colegiado determinou, com a edição da Deliberação CVM n.º 474, de 1º de dezembro de 2004, que a empresa se abstivesse de ofertar ao público quaisquer títulos ou contratos com garantia de recompra, sob cominação de multa máxima diária, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo de responsabilidade pelas infrações já cometidas, com a imposição da penalidade cabível, nos termos do artigo 11 da Lei nº 6.385.
4 . A Top Avestruz, inconformada com a decisão, insurgiu-se contra a Deliberação, interpondo Recurso Administrativo, pedindo reconsideração da decisão, alegando, preliminarmente, que:
a) a interposição do recurso deve ter, em relação à decisão, efeito suspensivo, tendo em vista que esta é a regra nos recursos de decisões judiciais;
b) o Colegiado deliberou sem prova concreta e não deu qualquer possibilidade da Recorrente esclarecer a presunção equivocada, devendo, portanto, a decisão ser declarada nula, pela ausência de ampla defesa e contraditório, mesmo em se tratando de processo administrativo;
c) houve ausência de fundamentação e, conseqüentemente, de motivação na decisão impugnada, pois não ficou demonstrado na Deliberação CVM nº 474 "como o Egrégio Colegiado chegou à conclusão de eventual irregularidade muito menos justifica aplicação da sanção interposta", devendo por isso a decisão ser considerada nula.
5. E, no mérito, impugna a decisão, alegando que:
a) não é empresa enquadrada no mercado de valores mobiliários, pois "não comercializa papéis, sendo empresa de responsabilidade limitada";
b) seu objeto social é a comercialização por meio de venda de avestruzes (conforme atesta o contrato social anexado ao recurso), ressaltando que toda e qualquer compra de bens é, numa interpretação ampla, forma de investimento que visa aumentar o patrimônio do adquirente;
c) quanto ao sistema de hotelaria pré-paga com garantia de recompra, a Recorrente informa que vende apenas aves jovens e o aumento do preço pago pela ave no momento da recompra decorre do crescimento do animal, que tem seu valor cotado pela idade e pela condição física;
d) a Recorrente não aplica no mercado de capitais os valores recebidos pela venda das aves e atua somente na criação, compra e venda de animais;
e) o sistema de hotelaria foi criado, como opção para o comprador, para que os criadores tenham tempo suficiente para preparar suas propriedades a fim de receber as aves que adquiriram, ainda jovens, pois a compra do animal adulto implicaria no dispêndio de elevada monta;
f) não há qualquer vinculação com a legislação do mercado mobiliário, havendo presunção equivocada por parte do Colegiado, que poderia, antes de procedida a Deliberação CVM 474, "ter pedido à Recorrente melhores explicações sobre o sistema de vendas";
g) está providenciando mudanças em sua home page, a fim de evitar interpretações equivocadas;
h) como a sociedade não detém qualquer antecedente ou mácula, a sanção aplicada foi muito severa, pois não observou a ordem do artigo 11 da Lei 6385/76, deixando de aplicar em primeiro lugar a sanção de advertência, optando pela multa cominatória;
i) o valor atribuído à multa cominatória atingiu o patamar máximo, sendo, portanto, excessivo, devendo ser reduzida a valor inferior, podendo, caso contrário, ensejar inclusive enriquecimento sem causa do agente estatal.
6. Tendo em vista o exposto, a Recorrente solicita:
a. acolhimento do pedido preliminar de efeito suspensivo;
b. acolhimento das preliminares de nulidade por cerceamento de defesa e ausência de motivação dos atos administrativos;
c. julgamento de procedência do recurso no mérito;
d. aplicação da pena de advertência ao invés de multa, caso não sejam acolhidos os pedidos anteriores;
e. a redução da multa cominatória, caso não seja acolhido o pedido de substituição da multa por advertência;
f. a intimação dos patronos da Requerente para ciência de todos os atos do Colegiado, bem como do Sr. Presidente da CVM;
g. a produção de provas, especialmente juntada de novos documentos, audiência dos representantes legais da empresa e prova pericial se for necessário.
7. O pedido preliminar de efeito suspensivo foi indeferido pelo Presidente da CVM, pois, além de a produção de efeitos imediatos ter sido, precisamente, o efeito buscado pela CVM, a Requerente não trouxe em suas razões recursais argumentação que amparasse seu direito de modo a permitir a atribuição excepcional do efeito suspensivo pretendido (fls. 47 e 48).
8 . Para que Colegiado pudesse ter melhores condições de decidir, solicitei à SFI a análise das alegações do Recurso e das modificações que a Requerente diz ter efetuado em sua página na internet. A Inspeção (realizada de 28.02 a 04.03.05 e 18.04 a 20.04.05) verificou o que passo a relatar adiante (Relatório de Inspeção CVM/SFI/GFE-1/N.º 013/2005).
9. Os contratos firmados pela Top Avestruz com seus clientes entre a data de publicação da Deliberação no Diário Oficial da União (03.12.04) e 03.01.05 desrespeitaram a Deliberação CVM n.º 474, ou seja, tinham "Cláusula de Recompra" (fl. 59).
10. O material publicitário da Top Avestruz tem forte apelo, ao afirmar que "os rendimentos proporcionados pelo investimento são superiores a qualquer aplicação do mercado financeiro".
11 . Além disso, um boletim informativo divulga a abertura de uma filial em São Paulo e o início das atividades de uma cooperativa recém-criada ("Coopertop") (fl. 59).
1 2 . O boletim informativo reproduz a definição de "Contrato de Investimento Coletivo" (CIC), retirado do site da CVM, tentando, com alguma argumentação diferenciá-lo dos contratos que comercializa ("classificados" como Contratos de Parceria Rural). Finalmente, salienta a fixação de lucro líquido no período de 12 meses em 60%, "superior a qualquer aplicação no mercado financeiro" (sic) (fls. 59 e 60).
13. A partir de 04.01.05, a Top Avestruz modificou sua forma de operação da seguinte forma: a empresa excluiu do contrato a cláusula de venda de animais (ou seja, a empresa não mais venderia as aves), e se "limitou" exclusivamente à hotelaria e à "compra" das aves. A "compra" pela Top Avestruz somente ocorreria se, após determinado prazo, o cliente não conseguisse comprador para as aves nem se manifestasse a respeito ("recompra automática", prevista na cláusula 10ª) (fl. 61).
14. Segundo o responsável pela administração da Top Avestruz, a mudança no contrato ocorreu apenas para atender às exigências da CVM, tendo em vista que a empresa se limitaria apenas a prover a hotelaria em regime pré-pago de aves. Indagado sobre como e onde os clientes comprariam os animais, ele informou que a Top Avestruz poderia indicar alguns vendedores (inclusive a cooperativa recém-criada, a Coopertop).
15. Ainda segundo o responsável pela administração da Top Avestruz, a empresa acabara de fechar uma parceria com o Banco do Brasil e o Governo do Estado do Paraná para operacionalizar a venda de avestruzes para pequenos e médios produtores rurais e com isso estaria mudando o foco do seu negócio, acabando com a recompra de aves e concentrando-se apenas na venda das mesmas (fl. 62).
16. Em vista da informação de que a Top Avestruz não mais fazia a venda de avestruzes, mas somente as recebia para hotelaria em seu "show room" e as recomprava posteriormente, a inspeção indagou sobre o funcionamento da cooperativa Coopertop. A informação recebida foi de que a cooperativa ainda estava em fase de implantação e todos os documentos relativos a ela encontravam-se em processo de homologação na Junta Comercial do Estado do Paraná. Além disso, verificou-se que a sede da cooperativa estava situada no mesmo edifício da Top Avestruz, mas nada havia lá além de uma secretária que atendia as ligações telefônicas (fl. 62).
17. Na mesma data da criação da Coopertop, a Top Avestruz assinou Proposta de Adesão à Cooperavestruz (Cooperativa de Criadores de Avestruz), com sede em Mogi das Cruzes (SP), cuja finalidade é prestar serviços de incubação de ovos de avestruzes aos cooperados, serviço que a Coopertop ainda não possuía (fl. 62).
18. Na visita dos representantes da Top Avestruz à CVM, para audiência realizada em 30.03.05, foi fornecido ao Inspetor um exemplar do "Boletim Informativo sobre Estrutiocultura Paranaense". Foi observada nesse boletim a permanência da promessa de remuneração líquida de 60% ao ano, com forte apelo publicitário (fl. 63).
19. Na inspeção feita no escritório da Coopertop, verificou-se que no estatuto social da cooperativa não consta como seu objetivo a comercialização de avestruzes, o que contraria a afirmação do representante da Top Avestruz de que a cooperativa seria indicada como fornecedora de aves para seus clientes.
20. A inspeção finalmente concluiu que (fls. 68 a 71):
a. a Top Avestruz continuou a descumprir claramente, até 03.01.2005, a Deliberação CVM n.º 474, de 01.12.04, ao emitir contratos assemelhados aos Contratos de Investimento Coletivo (CIC), regulados por esta Autarquia;
b. as "mudanças" que a empresa alega ter realizado, posteriormente a 03.01.05, em seus contratos, em síntese transferiram a etapa da "venda" das avestruzes para outra(s) empresa(s), mas mantiveram as etapas da hotelaria e da "recompra" sob a responsabilidade da Top Avestruz. Além disso, essas "mudanças" ocorreram apenas para não se sujeitar à legislação que é pertinente aos CICs, conforme declarado pelo responsável pela administração da Top Avestruz;
c. As alterações feitas não vieram, efetivamente, a descaracterizar os contratos emitidos pela empresa como assemelhados a CICs, uma vez que, apesar de a empresa não se declarar vendedora de aves, ela ainda continuava garantindo a rentabilidade dos seus contratos (conforme Boletim Informativo sobre a Estrutiocultura Paranaense", no qual a empresa afirma ser a rentabilidade oferecida "superior a qualquer aplicação no mercado financeiro"), constituindo-se, juntamente com a garantia de recompra, numa estratégia de apelo à poupança pública;
d. A empresa só pode garantir esse retorno do investimento, efetivado no momento da "recompra", por saber de antemão o valor da "venda" das aves. Porém, no novo "modelo" de contrato, a venda é realizada por outras empresas, indicadas ou credenciadas pela Top Avestruz, incluída a cooperativa dos criadores da própria empresa, a Coopertop, conforme declarado pelo responsável pela administração da empresa. Contudo, a Coopertop não possui, dentre os objetivos constantes em seu Estatuto, a comercialização de aves;
e. A caracterização da estratégia da Top Avestruz de apelo à poupança pública é também evidenciada pela utilização de prospectos, folders, boletins informativos e anúncios em jornais, bem como pela manutenção de equipes de vendedores atuando em escritórios ou estabelecimentos abertos ao público em geral, em algumas cidades do país, com previsão de abertura de novas filiais. E o artigo 19 da Lei n.º 6.385/76 é claro ao prever, em seu § 3º, que a utilização de estratégias de captação de recursos junto ao público em geral caracteriza emissão pública, sujeita a registro na CVM;
f. Ademais, não foi possível identificar na Top Avetruz ou na Coopertop quem eram os vendedores das avestruzes recebidas para hotelaria pela Top Avestruz, pois nem esta nem a Coopertop possuía registro algum de venda de animais. Contribuíram para a não obtenção dessas
informações as alegações deliberadamente desencontradas, fornecidas pelo responsável pela administração da Top Avestruz.
FUNDAMENTOS
21. As preliminares de nulidade por cerceamento de defesa e ausência de motivação dos atos administrativos não procedem, tendo em vista que a Deliberação foi editada em conseqüência da oferta comprovada, por parte da empresa, de contratos assemelhados aos CICs sem registro junto à CVM, portanto, de maneira irregular.
22. Nessa linha, cumpre esclarecer que a CVM, visando proteger os interesses de todos os potenciais investidores contra emissões irregulares de valores mobiliários editou a Deliberação nº 474/04, a qual, além de alertar o público acerca dos fatos que chegaram ao seu conhecimento, determinou que a ora Recorrente se abstivesse de efetuar a colocação de títulos ou contratos que conferissem garantia de remuneração aos investidores, sob cominação de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo descumprimento dessa determinação.
23. Assim, não se pode olvidar que a edição da Deliberação CVM nº 474/04 representa o exercício regular da competência prevista no artigo 9º, § 1º, inciso IV, da Lei nº 6.385/76, que dispõe:
"Art. 9º .............................................................
§ 1º Com o fim de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a Comissão poderá:
.........................................................................
IV – proibir aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular."
24 . Além disso, convém asseverar, apenas para que não restem dúvidas a respeito da constitucionalidade da Deliberação CVM nº 474/04, que a providência adotada pela CVM, ao contrário do que sustenta a Recorrente, não impõe total supressão do princípio do contraditório, mas tão-somente posterga no tempo a sua oitiva.
25. Neste sentido, cabe transcrever parte do voto proferido pelo Diretor Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ao apreciar o Processo Administrativo nº RJ 2005/2893, em reunião do Colegiado realizada em 07.06.05, cuja matéria fática apresenta-se bastante semelhante ao presente caso:
" tanto a doutrina quanto a jurisprudência admitem a ação imediata da Administração, sem a necessidade de prévio contraditório,
quando o decurso do tempo possa inviabilizar a proteção ao bem jurídico que lhe caiba tutelar.19. Dentro desta linha de raciocínio, urge registrar que o art. 45 da Lei nº 9.784/99 é expresso ao estabelecer que, em caso de risco iminente, "a administração pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado".
20. Assim, em casos como o presente, onde a urgência revela situações em que não é possível agir de outro modo, a legislação brasileira permite, expressamente, a adoção de medidas acauteladoras, sem a prévia audiência do interessado.
21. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, vale notar, já reconheceu, em diversas oportunidades, a possibilidade de postergação do contraditório nos casos em que a atuação preventiva da Administração se apresente indispensável. Veja-se, a propósito, a seguinte passagem da decisão proferida nos autos do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 11.097/ES:
"I - A inspeção para apuração de irregularidades em Contadoria Judicial não oficializada equipara-se a uma sindicância administrativa, procedimento prévio que segue um rito peculiar, cujo escopo é a investigação de pretensas faltas funcionais atribuídas ao sindicado, sendo desnecessária a observância de alguns princípios basilares e específicos do processo administrativo disciplinar. Afinal, procedimento não se confunde com processo. Precedentes.
II - Os procedimentos para apuração de faltas disciplinares, previstos nos artigos 247 e 250 do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo, não se aplicam a serventuários de cartório judicial não oficializado, que exercem seu mister em regime de direito privado, por força de delegação de função pública. Assim, não configura ofensa ao contraditório e ampla defesa, nem violação ao devido processo legal, a suspensão preventiva de serventuário, decretada desde o início da inspeção judicial a fim de evitar prejuízo na colheita de provas e apuração dos fatos, afastamento esse que, inclusive, pode ser prorrogado por tempo indeterminado até a conclusão de ação disciplinar." (grifei)
26 . Por conseguinte, depreende-se que não há qualquer vício que possa tornar inválido o ato administrativo exarado pela CVM que, diante das circunstâncias específicas do caso concreto e da grave ameaça de dano à coletividade, não pôde prescindir de outra medida que não a edição da Deliberação nº 474/04, tendo observado, para tanto, o devido processo legal aplicável à espécie.
27. Neste passo, parece prudente enfatizar que a adoção da Deliberação CVM nº 474/04 ocorreu diante de uma situação que, notadamente, exigia uma atuação urgente por parte desta Autarquia, que não poderia se sujeitar à demora normal de uma cognição profunda acerca dos fatos, sob pena de posterior inutilidade da decisão, com risco de danos irreversíveis à coletividade.
28. A CVM, em momento algum, agiu fora dos limites impostos pela legislação, mas, ao contrário, sempre pautou sua atuação pelo respeito às normas legais vigentes, bem como ao devido processo legal que se revelava aplicável à hipótese em comento.
29. Por oportuno, urge elucidar que a multa cominada para o descumprimento daquilo que restou deliberado no ato administrativo ora impugnado não é, tecnicamente, uma penalidade; e, diga-se de passagem, nem poderia ser, já que o § 11 do artigo 11 da Lei nº 6.385/76, dispõe, inclusive, que "sua aplicação independe do processo administrativo previsto no inciso V do caput do mesmo artigo".
30. Trata-se, na verdade, de simples meio de coerção tendente a obter-se certo comportamento do sujeito passivo da obrigação legal, razão porque sua aplicação sequer está condicionada, por lei, a prévio processo administrativo sancionador. Este se apresenta como pré-requisito legal para aplicação de penalidades, de cunho expiatório, e não para medidas meramente cominatórias.
31. No que tange à alegação de ausência de fundamentação, melhor sorte não socorre a Recorrente, uma vez que a Deliberação CVM nº 474/04 explicita nas alienas a, b e c de suas considerações todos os motivos pelos quais o Colegiado desta Autarquia adotou aquela decisão, tendo enunciado, além das razões fáticas e dos fundamentos jurídicos e legais, a correlação lógica que se colocava entre ambos e que resultaram na decisão proferida.
32. Com relação ao valor estipulado para a multa cominatória fixada na Deliberação CVM nº 474/04, cumpre ressaltar que o Colegiado desta Xxxxxxxxx levou em consideração a extrema gravidade dos fatos que chegaram ao seu conhecimento, uma vez que a poupança popular estava sendo acessada
sem obediência às normas legais que visam resguardar toda a coletividade de possíveis investidores.
33. Ora, a oferta pública de valores mobiliários, sem a devida observância das salvaguardas instituídas pela Lei nº 6.385/76 em prol de todo público investidor, apresenta um enorme risco de dano irreparável ou de dificílima reparação à confiabilidade e ao desenvolvimento regular do mercado de capitais, isso sem contar com o potencial prejuízo a que estão sujeitos todos os possíveis investidores. Enfim, a fixação da multa cominatória no patamar máximo demonstrou-se totalmente compatível com a gravidade dos fatos.
34. Neste ponto, cabe registrar que a cobrança da multa cominatória encontra-se suspensa por força de decisão judicial proferida pelo Dr. Xxxxxxx Xxxx Xxxxx, Desembargador da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que, analisando o pedido de tutela antecipada recursal formulado nos autos do Agravo de Instrumento interposto pela empresa, resolveu deferi-lo, em termos, "apenas para suspender a cobrança da multa aplicada à agravante, até o julgamento deste recurso pela Turma".
35. Afora todos os argumentos acima expostos, não é demais acentuar que, conforme apurado pela inspeção, ficou demonstrado que a Top Avestruz não só continuou a descumprir o comando da Deliberação após sua edição, por cerca de um mês, como as mudanças que efetuou foram insuficientes para descaracterizar a infração a ela atribuída.
36. A irregularidade de emitir contratos assemelhados aos CICs, com garantia que consiste em estratégia de apelo à poupança pública independe de a empresa não ser enquadrada no mercado de valores mobiliários e de não aplicar no mercado de capitais os valores que recebe com sua atividade. A irregularidade, aliás, está em justamente fazer apelo à poupança pública sem estar devidamente registrada junto à CVM. O registro permitiria a adequada divulgação de informações e, portanto, traria mais garantias àqueles que contratam ou têm intenção de contratar com a Top Avestruz.
37. Além disso, cabe ressaltar que a realidade verificada pela inspeção e a apresentada pela Top Avestruz nas razões do recurso são bem diferentes, pois no mérito a empresa alegou que seu objeto social era a comercialização por meio de venda de avestruzes, enquanto que na inspeção foi dito que a Top Avestruz deixaria de fazer a etapa de venda e indicaria uma cooperativa para isso, no caso a Coopertop, que estava ainda em processo de implantação e sequer possuía em seu estatuto social o objetivo de comercialização de avestruzes.
38. Quanto ao entendimento da Requerente de que toda e qualquer compra de bens é, numa interpretação ampla, forma de investimento que visa o aumento patrimonial do adquirente, cabe esclarecer que essa interpretação não pode envolver a garantia de lucros "superiores a qualquer investimento" (como divulgado pela empresa através de sua publicidade), nem garantia de recompra.
39. Não é verdadeira, portanto, a afirmação de que a expectativa de lucro em relação ao valor pago pela ave jovem decorria apenas do seu crescimento natural.
40. A Top Avestruz disse, ainda, em sua defesa que o sistema de hotelaria foi criado, como opção ao comprador, para que os criadores tivessem tempo suficiente para preparar suas propriedades a fim de receber as aves que adquiriam, ainda jovens, pois o animal adulto era muito mais caro. Ora, se o sistema de hotelaria visa aguardar a implementação de infra-estrutura necessária, não há porque se garantir a recompra.
41. Deixar de vender avestruzes e passar a apenas hospedar aves dos clientes, bem como comprá-las caso o cliente não tenha para onde levá-las e ao mesmo tempo o cliente comprar as aves em empresas indicadas ou credenciadas pela Top Avestruz, inclusive a cooperativa dos criadores da própria empresa, não corresponde a uma mudança substancial. O que deve ser verificado não é a forma do contrato, mas sua essência, e na sua essência é de CIC, o que exige da Top Avestruz registro junto à CVM.
42. Some-se a isso o fato de a inspeção não ter conseguido identificar, na Top Avestruz ou na Coopertop, quem eram os vendedores das avestruzes recebidas para hotelaria pela Top Avestruz, pois nenhuma das duas possuía registro de venda de animais.
CONCLUSÃO
43 . Pelo exposto, VOTO no sentido de negar provimento ao Recurso, por entender que os argumentos suscitados pela Recorrente não merecem prosperar, pelo fato de a edição da Deliberação CVM nº 474/04 ter observado todos os princípios legais e constitucionais aplicáveis à espécie, nos termos da fundamentação supra.
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2005. XXXXX XXXXXXX PARENTE DIRETORA-RELATORA