RENÚNCIA DE DIREITO ÀS HORAS "IN ITINERE" PREVISTA EM A C O R D O COLETIVO — INEFICÁCIA
RENÚNCIA DE DIREITO ÀS HORAS "IN ITINERE" PREVISTA EM A C O R D O COLETIVO — INEFICÁCIA
M I L T O N D E M O U R A F R A N Ç A 0
N ã o comporta controvérsia que os instrumentos convencionais (Acordo e/ou C o n ve nç ão Coletiva) objetivam suplementar as normas legais disciplinadoras de di reitos e obrigações entre empregado e empregador, permitindo q u e as entidades sin dicais, por seu intermédio, obtenham melhores condições de trabalho e de salário para a categoria protissional ou grupos de empregados.
A restrição ao conteúdo normativo mais benéfico ao empregado, a ser obser vada e m acordo e/ou convenção normativa, atém-se exclusivamente à política salarial económico-financeira do Governo ou à sua política salarial (art. 623 d a CLT), ou ainda à possibilidade de redução salarial, estipulação sobre jornada e m turnos ininterruptos de revezamento e regime de compensação ou redução de jornada (art 7a, VI, XIII e XIV, da Carta Constitucional), de forma que, excluídas estas exceções, a normati- vidade emergente de instrumento convencional deve ser direcionada necessariamente no sentido de melhorar e ampliar o sistema de proteção aos direitos dos empregados e jamais reduzi-los ou eliminá-los.
Por isso m e s m o , revela-se inaceitável q u e entidade sindical, e m flagrante des respeito a preceitos imperativos, de o rd em pública e de conteúdo protecionista (arts. 9 S e 444, a m b o s da CLT), ajuste, e m acordo e/ou convenção coletiva, cláusula e m que se estabeleça a renúncia antecipada de direitos individuais dos trabalhadores que representa.
Já decidiu o douto TST, e m acórdão da lavra do saudoso ministro R E Z E N D E P U E C H , "que não pode o sindicato, e m negociação coletiva, transigir ou fazer c o m posição e m torno de direitos individuais de seus representados. A contratação na espécie é de n e n h u m efeito para quantos não deram ao pactuado sua expressa anuên cia’ (2S T. — Ac. 2.074/72 — a p u d "Comentários à CLT", de V A L E N T I M C A R R I O N , pág. 451, Ed. RT).
S e não é lícito ao órgão sindical transacionar sobre direitos individuais, situação m e n o s gravosa, por sabido que a transação caracteriza-se exatamente por ser ins trumento d e extinção de obrigação duvidosa ou litigiosa, mediante concessões recí-
(*)Juiz Togado — TRT/15* Região. Prof. Assislente de Direito do Trabalho da Universidade de Taubaté (UNITAU).
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procas pelas partes, inaceitável, sob pena de derrogação de todo u m contingente Jurídico de "conteúdo institucional", ditado por regras imperativas, q u e possa renun ciá-los.
N a doutrina, opina no m e s m o sentido H E R M A I N Z M A R Q U E S , qua nd o revela que a Irrenunciabilidade deve ser analisada no verdadeiro sentido, c o m o "a não pos sibilidade de privar-se voluntariamente, e m caráter amplo e por antecipação dos di reitos concedidos pela legislação trabalhista" (apud 'Princípios de Direito d o Trabalho", de P L Á X X X X X X X X X , Xx. XXx, pág. 64).
O u ainda:
"A convenção... desenvolve-se e vige dentro do principio da liberdade contratual. C o m o a vontade das partes não pode derrogar os c o m a n d o s imperativos, porque eles visam a resguardar a ordem pública, deduz-se que ela se submete aos dispo sitivos legais imperativos" ("Direito Coletivo d o Trabalho", Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, Forense, 1979, pág. 111).
"Daí porque, assim c o m o a lei pode criar direitos não previstos na Constituição, nunca, porém, negar os que sejam por esta assegurados, assim também, direitos p o d e m ser criados pela convenção coletiva, m a s esta não poderá jamais contrariar os que, por lei, sejam garantidos" ("Direito do Trabalho e Previdência Social", Pare ceres, A R N A L D O S Ü S S E K I N D e D ÉL IO M A R A N H Ã O , LTr, vol. IV, pág. 207).
" . a convenção coletiva não pode derrogar n e n h u m a disposição legal de ordem pública... a lei de ordem pública — e aqui fica incluída a maior parte da legislação d o trabalho — é superior à convenção coletiva, tal c o m o esta, na hierarquia das normas, é superior ao contrato individual de trabalho..." ("Instituições de Derecho dei Trabajo", de K R O T O S S C H I N , Depalma, Buenos Aires, vol. I, págs. 200/202, 1947).
É t a m b é m a lição de O C T A V I O B U E N O M A G A N O :
"A apontada amplitude restringe o espaço da convenção coletiva, cujas cláu sulas haverão de se considerar nulas se desvirtuarem a aplicação dos preceitos con tidos n a lei trabalhista. É inegável, pois, a primazia desta sobre aquela" ("Direito do Trabalho e Previdência Social", Pareceres, vol. IV, pág. 207, de A R N A L D O S Ü S S E K I N D e D É L I O M A R A N H Ã O ) .
Ressalte-se que os direitos originários de convenções e/ou acordos coletivos usufruem da m e s m a proteção dad a aos direitos emergentes de lei e m sentido estrito e, assim, revelam-se tão irrenunciáveis quanto aqueles.
C o m o ensina A M A U R I M A S C A R O N A S C I M E N T O :
" O conteúdo normativo é constituído pelas cláusulas que se aplicarão às rela ções individuais d e trabalho c o m o q u e os acordos normativos funcionam no sentido de fonte d e produção de direito positivo" ("Direito Sindical", LTr, 1982, pág. 292).
Inarredável, por isso m e s m o , a conclusão de que o Sindicato invade a esfera jurídica individual dos integrantes da categoria profissional que representa, quando, s e m sua expressa autorização manifestada e m assembléia, ajusta cláusula e m que renuncia direito às horas de percurso que p o s s a m existir no contrato de trabalho, e m manifesto desvio de sua finalidade institucional e menosprezo ao conteúdo protecio nista d a n or ma trabalhista,
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C o m o esclarece M Á R I O DEVEALI, citado por A M É R I C O P L Á R O D R I G U E S , "a inderrogabilidade das normas tuitivas do Direito do Trabalho é u m a consequência da ratio Icgis, já que as m e s m a s razões que justificam a nor ma i m p õ e m o caráter in- derrogável da m e s m a " ("Princípios de Direito do Trabalho", LTr, 1978, pág. 84).
O Enunciado n. 90 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que disciplina as horas In itincrc, resultado de inúmeros julgados e que retrata a jurisprudência predominante da mais alta Corte d a Justiça do Trabalho, constitui, c o m o se sabe, fonte formal de direito.
Assim, desde que o empregador confesse fornecer condução gratuita aos seus e mp re ga do s e esteja seu estabelecimento e m área n ã o servida por transporte público regular, revela-se inaceitável a inserção, e m texto de acordo coletivo, de cláusula renunciadora de direito a horas de percurso, por flagrantemente violadora de todo u m conjunto de princípios e n or ma s imperativas asseguradores de direitos mínimos.
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