ACÓRDÃO Nº
ACÓRDÃO Nº
21
2021
Secção - SS Data: 13/07/2021
Processo: 819/2021
RELATOR: Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx
DESCRITORES
ATIVIDADE EMPRESARIAL LOCAL / CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL / CLÁUSULA DE IMOBILIZAÇÃO / CONTRATO DE EMPRÉSTIMO / CONTRATO PROGRAMA / DECLARAÇÃO DE CONFORMIDADE / EMPRESA LOCAL / ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / FINANCIAMENTO / NULIDADE / OBJETO DO CONTRATO / PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES / PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE / RECUSA DE VISTO / REJEIÇÃO DA PROPOSTA / SUBSÍDIOS
SUMÁRIO
A) Realização de investimentos na área de concessão das Empresas municipais.
1. Nos termos da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais), os municípios podem criar empresas locais às quais podem delegar poderes (desde que esta faculdade conste expressamente na deliberação que determinou a sua constituição e nos respetivos estatutos – artigo 27.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
2. Tratando-se de entes distintos, a concessão de empréstimos ou a transferência de fundos a outros títulos está expressamente vedada, de forma direta, não podendo as entidades públicas participantes conceder às empresas locais participadas quaisquer formas de subsídios ao investimento ou em suplemento a participações de capital (artigo 36.º n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto), ou indireta, através da contratação respeitante à adjudicação de aquisições de bens ou serviços, locações, fornecimentos ou empreitadas (artigo 36.º n.º 2 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
3. A celebração de contratos de empréstimos destinados a financiar investimentos, no âmbito de contratos programa ou contratos de gestão delegada que concretizem e atribuam funções específicas na área da construção e manutenção das infraestruturas urbanísticas e das redes públicas de águas e resíduos, entre o município e uma empresa local viola o disposto no artigo 36.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2021, de 31 de agosto, aplicado por interpretação extensiva com base num argumento de maioria de razão, que proíbe a concessão de subsídios ao investimento, e, em geral, o princípio de separação patrimonial e financeira entre as duas entidades.
4. A deliberação da assembleia municipal, que aprovou os investimentos, bem como os empréstimos visando financiá-los é nula por violação do artigo 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, do artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais) e do artigo 59.º, n.º 2, al. c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais, das Entidades Intermunicipais e do Associativismo Autárquico).
5. A realização de um investimento nestes termos, conduz ainda a um enriquecimento sem causa da empresa à custa do município (e ao empobrecimento correspetivo deste a favor daquela), uma vez que este estaria a realizar atividades que nos termos dos estatutos (artigo 2.º, n.º 3) e do contrato-programa são da responsabilidade da primeira.
6. A omissão por parte do município de dados ao Tribunal, tendo respondido de forma a induzi- lo em erro, viola os deveres de boa-fé, concretizados em termos de violação de deveres de lealdade e de informação, na relação com um órgão de soberania.
B) Admissibilidade da proposta da instituição de crédito
7. O endividamento autárquico orienta-se, nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, por princípios de rigor e eficiência, prosseguindo os seguintes objetivos: minimização de custos diretos e indiretos numa perspetiva de longo prazo, de garantia de uma distribuição equilibrada de custos pelos vários orçamentos anuais, de prevenção de excessiva concentração temporal de amortização e de não exposição a riscos excessivos [respetivamente, alíneas a), b), c) e d), artigo 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro].
8. Os municípios podem contrair empréstimos de curto prazo, com prazo até um ano ou a médio e longo prazos, com prazo superior a um ano (artigo 49.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
9. Cabendo à assembleia municipal a autorização de contração do empréstimo, a lei impõe que o pedido destinado a essa finalidade seja obrigatoriamente acompanhado de “demonstração de consulta, e informação sobre as condições praticadas quando esta tiver sido prestada, em, pelo
menos, três instituições autorizadas por lei a conceder crédito, bem como de mapa
demonstrativo da capacidade de endividamento do município.”
10. Não sendo cumprida esta disposição, em qualquer das suas vertentes, relativas, tanto ao convite, como à verificação da conformidade das diversas propostas com as suas condições, devendo rejeitar aquelas que não as preencham, a deliberação de aprovação do empréstimo é inválida.
11. Tratando-se no caso sub judice de uma proposta desconforme com o convite, porque diz respeito a um contrato diferente, uma abertura de crédito, daquele para o qual as entidades foram convidadas a apresentar propostas, um mútuo, deveria ter sido excluída.
C) Licitude do contrato celebrado com a instituição de crédito
12. Incluindo o contrato celebrado duas tranches de crédito, mas não se encontrando definidas as condições da utilização de cada uma delas e o investimento a que se destinam, o objeto do contrato não está determinado, nem é determinável, estando ferido de nulidade, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil.
13. A configuração da cláusula de imobilização prevista na cláusula 8.º. n.º 1, al. c) do contrato: 0,375% calculada sobre o montante do crédito não utilizado calculada dia a dia a debitar na data do pagamento de juros, não é lícita havendo uma dependência genética entre a obrigação de capital e a obrigação de juros.
14. Como se trata de uma cláusula contratual geral é nula por violação do artigo 17.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de novembro.
15. A Lei das cláusulas contratuais gerais) é aplicável a este contrato, porque, relativamente a ele, não se verifica a exclusão prevista no seu artigo 3.º, al. d) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de novembro.
16. Numa outra vertente de análise da cláusula, sendo ela configurada como uma comissão, está sujeita ao regime específico das comissões bancárias, estruturado com base nos princípios da efetividade, razoabilidade e da proporcionalidade.
17. Por não corresponder ao tipo legal que a lei permite e regula, o mútuo, esta cláusula não tem cobertura legal no regime do artigo 51.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
18. Ao tê-la aceite, o município violou artigo 51.º, n.º 10 e o artigo 4.º, n.º 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, bem como o artigo 59.º, al. c) da Lei n.º 75/2013. Não se encontrando a despesa com essa comissão prevista na lei para os empréstimos a médio e longo prazo, a aprovação do empréstimo que a contem é nula.
19. As ilegalidades apontadas enquadram-se nos fundamentos de recusa de visto previstos no artigo 44.º, n.º 3 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
ACÓRDÃO Nº
21
2021
Secção – 1.ª S/SS Data: 13/07/2021 Processo: 819/2021
RELATOR: Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx
Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção:
I – RELATÓRIO
1. O Município de Loulé (doravante Município) submeteu a fiscalização prévia um contrato de empréstimo para investimento celebrado com o BPI, a 22/3/2021, em montante até € 34 000 000,00, para financiar um conjunto de investimentos juntos ao contrato, pelo prazo de 20 anos.
2. Para melhor instrução do processo, foi o contrato devolvido ao M u n i c íp i o para prestação de esclarecimentos e junção de documentos necessários à tomada de decisão por parte deste Tribunal.
3. Na sequência da devolução, o M u n i c íp i o remeteu dados informativos adicionais e apresentou a sua alegação, elementos ponderados no presente acórdão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
4. Com relevo para a presente decisão, e para além do já mencionado no precedente relatório, consideram-se como assentes os seguintes factos, evidenciados pelos documentos constantes do processo:
4.1. O Município submeteu a fiscalização prévia um contrato de empréstimo para investimento celebrado com o BPI, em montante até € 34 000 000,00, tendo o convite apresentado às instituições de crédito os seguintes termos:
4.2. O contrato visa financiar os seguintes investimentos:
4.3. No âmbito do procedimento levado a cabo foram consultadas dez instituições de crédito, sendo que, de acordo com a documentação remetida, quatro das instituições de crédito convidadas apresentaram proposta válida.
4.4. Foi deliberado adjudicar a proposta do BPI que apresenta a disponibilização do capital em duas tranches:
Proposta | À data do contrato | |
Tranche A | Spread 0,785%, sem floor 0 | Spread 0,247 % TAE 0,302 % |
Tranche B | Spread 0,875%, sem floor 0 | Spread 0,337 % TAE 0,392 % |
4.5. A proposta do Banco BPI apresentava a previsão de uma «comissão de imobilização», que foi aceite pelo júri e que terá sido contabilizada no cômputo total dos encargos da proposta.
4.6. A contratação do presente empréstimo foi deliberada apresentar à Assembleia Municipal por deliberação da Câmara Municipal, de 03/02/2021, e adjudicada por deliberação da Assembleia Municipal, de 26/02/2021, tendo a minuta sido aprovada por deliberação camarária de 17 de março de 2021.
4.7. Do contrato constam as seguintes cláusulas:
1.
4.8. A proposta de “Lista de investimentos - Empréstimo de médio e longo prazo no valor de
34.000.000,00 €” foi aprovada por deliberação assembleia municipal, de 26 de fevereiro de 2021.
4.9. Foi comunicado que os investimentos em causa não serão objeto de financiamento comunitário.
4.10. Dos vinte investimentos previstos, apenas um («ligação da variante à EN 396 a Vale de Lobo e Quinta do Lago (1.ª fase/troço entre a Rotunda das Pereiras e a EM 527-a») já teve o contrato outorgado, em 02/06/2021, no valor de € 1 585 621,49, no entanto, ainda não foi remetido para fiscalização prévia.
4.11. Está demonstrado que dezanove dos investimentos estão previstos nas GOP (PPI e AMR)/2021, por montante adequado.
4.12. O investimento em falta para o total de vinte investimentos «requalificação dos balneários do campo n.º 2 em Quarteira», está previsto em PPI com um montante total de € 700 000,00, no entanto, tem um montante contratualmente previsto de € 750 000,00.
4.13. O Município informou que não houve início à execução física ou financeira de nenhum dos investimentos em causa.
4.14. Da instrução do processo, consta a documentação financeira que demonstra a inscrição dos encargos previstos para o presente ano, bem como os respetivos encargos plurianuais.
4.15. Apesar de o presente contrato importar um valor correspondente a 37,7% da margem de endividamento (superior ao previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 52.º do RFALEI), como consta da proposta de deliberação de 30/12/2020, do vice-presidente da Câmara, na origem da deliberação dessa Câmara de 06/01/2021, de autorização da abertura do procedimento para celebração do contrato de empréstimo:
4.16. Do total dos vinte investimentos previstos, oito deles apresentam designações relacionadas com redes de abastecimentos de águas e esgotos em diferentes áreas do Município;
4.17. Foi aprovado, por deliberação da Assembleia Municipal de Loulé, em reunião de 27/02/2012, e publicado através do Aviso n.º 3993/2012, em Diário da República, 2.ª Série, n.º 52, de 13 de março de 2012, o Regulamento dos Serviços de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas.
4.18. O Município de Loulé tem participação em três empresas municipais, detidas a 51% pelo Município e a 49% pelos seguintes parceiros privados:
a. Quinta do Lago, S.A. – na empresa Infraquinta – Empresa de Infraestruturas da Quinta do Lago, E.M.;
b. Vale do Lobo, Resort Turístico de Luxo, S.A. – na empresa Infralobo – Empresa de Infraestruturas de Vale do Lobo, E.M.;
c. Lusotur – Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. – na empresa Inframoura –
Empresa de Estruturas da Vilamoura, E.M.
4.19. Relevando, dos respetivos objetos sociais, as seguintes competências de cada uma das empresas:
a. Infraquinta – Empresa de Infraestruturas da Quinta do Lago, E.M., apresenta o texto dos seus estatutos em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00?xxxxxxxxxxx, sem os respetivos anexos, e destaca-se do seu objeto social, cf. artigo segundo dos estatutos, as seguintes competências:
(…)
(…)
(…)
(…)
b. Infralobo – Empresa de Infraestruturas de Vale do Lobo, E.M., apresenta o texto dos seus estatutos em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxxxxx?xxxxxxxxxxxxxx0, sem os respetivos anexos, e destaca-se do seu objeto social, cf. artigo segundo dos estatutos, as seguintes competências;
1. A Empresa tem por objeto social a exploração de atividades de interesse geral e de promoção do desenvolvimento local, na sua área de intervenção (AI), em Vale do Lobo e áreas adjacentes conforme planta anexo (Anexo 1), nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº 3 do presente artigo.
2. Além da gestão de outros serviços de interesse geral que o Município de Loulé venha a atribuir-lhe, a Empresa assume as seguintes atividades:
a) Gestão e prestação do sistema de adução e distribuição de água para consumo público;
b) Gestão e prestação do sistema de saneamento básico;
(…)
d) Construção, gestão e manutenção das infraestruturas públicas municipais ou integrantes do domínio público municipal da AI da INFRALOBO, incluindo a manutenção das redes viárias, dos espaços verdes e a limpeza de ruas;
(…)
5. A Empresa pode igualmente celebrar com a Câmara Municipal de Loulé contratos-programa e de gestão delegada destinados à prestação de serviços de interesse geral que só possam ser prestados mediante um valor inferior ao do seu custo real ou contratos-programa que visem a realização de obras infraestruturais ou de manutenção necessárias ao bom desempenho das funções e competências delegadas.
(…)
c. Inframoura, Empresa das Estruturas da Vilamoura, E.M., tem o texto dos seus estatutos em: xxxxx://xxxxxxx.xxxxxxxxxx.xx/xxxxxx_xxxxx/xxxxxx_xx_0/xxxxxxx_xx_0/Xxxxxxxxx_0000. pdf, sem os respetivos anexos, e destaca-se do seu objeto social, cf. artigo segundo dos estatutos, as seguintes competências:
(…)
(…)
(…)
4.20. As empresas locais Infraquinta, Infralobo e Inframoura apresentam objetos sociais semelhantes, variando a área geográfica onde atuam, mas sendo comum a previsão de que lhes cabe a construção, gestão e manutenção das infraestruturas públicas municipais ou integrantes do domínio público municipal das respetivas áreas de intervenção;
4.21. O Município sendo entidade titular e entidade gestora do sistema (de acordo com o Regulamento dos Serviços de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas), delegou essas funções nas três empresas em que participa, nas respetivas áreas de intervenção
4.22. Como resulta da leitura dos contratos programa e contratos de gestão delegada celebrados com as três empresas em causa, que concretizam o objeto social e lhes atribuem funções específicas na área da construção e manutenção das infraestruturas das redes públicas de águas e resíduos, que se podem consultar em:
d. Relativamente à Infraquinta – Empresa de Infraestruturas da Quinta do Lago, E.M.: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00?xxxxxxxxxxx e xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00?xxxxxxxxxxx;
e. Relativamente à Infralobo – Empresa de Infraestruturas de Vale do Lobo, E.M., não se encontrou informação atualizada em:
xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxxxxx?xxxxxxxxxxxxxx0
f. Relativamente à Inframoura – Empresa de Estruturas da Vilamoura, E.M.: xxxxx://xxxxxxx.xxxxxxxxxx.xx/xx/xxxx/000/xxxxxxxx-xxxxxxxx-x-xx-xxxxxx.xxxx
4.23. Do contrato programa celebrado com a Infraquinta celebrado em 2018 decorre o seguinte: Cláusula 2 n.º 2 (objeto)
“O presente Contrato tem por objeto a manutenção e conservação de infraestruturas urbanísticas e gestão urbana pela INFRAQUINTA, E.M., a manutenção de redes viárias, espaços verdes, sistemas de
drenagem de águas pluviais, rede de iluminação publica, estacionamentos públicos, demais espaços públicos e limpeza urbana”.
Cláusula 3.º, n.º 2 (serviços)
“A INFRAQUINTA, E.M. assume a gestão e a manutenção de infraestruturas na área geográfica da zona de intervenção da INFRAQUINTA, E.M., nomeadamente a gestão e manutenção de redes viárias principais e secundárias, espaços verdes, sistemas de drenagem de aguas pluviais, rede de iluminação publica, estacionamento publico, demais espaços públicos e limpeza urbana, apoio e promoção de realizações desportivas, culturais e de animação sociocultural, bem como a cobrança da tarifa relativa à qualidade das infraestruturas e ambiente”
Cláusula 4.º (financiamento)
n.º 1
“Para a execução das atividades referidas na clausula segunda do presente Contrato, a INFRAQUINTA, E.M. tem o direito a receita constituída pela cobrança da tarifa relativa a qualidade das infraestruturas e ambiente, aprovada nos termos da Lei das Finanças Locais.”
n.º 2
“Além do valor previsto no número anterior a INFRAQUINTA, E.M. pode ainda recorrer, na prossecução das atividades referidas na clausula segunda do presente Contrato, a utilização de recursos próprios.”
4.24. Na sequência da análise inicial levada a cabo pelo DECOP – UAT2, foi o contrato devolvido para que o Município prestasse esclarecimentos no que se refere ao procedimento pré-contratual seguido.
4.25. Foi o Município questionado para que:
2. Informe se foi considerada a viabilidade da execução completa dos vinte investimentos abrangidos por este contrato nos dois anos referentes ao período de utilização do presente empréstimo;
4.26. Respondeu a Município:
2. Conforme informação obtida no Departamento de Obras Municipais e Infraestruturas existem condições para execução dos investimentos previstos no presente contrato de empréstimo (…)
4.27. O Município foi também questionado para que:
2.Também relativamente aos investimentos abrangidos pelo contrato em análise, tendo em conta as finalidades que prosseguem e o facto de o Município ter delegado competências em empresas nas quais tem participação (designadamente a Infralobo – Empresa de Infra- Estruturas de Vale do Lobo, E.M., a Infraquinta, E.M. e a Inframoura – Empresa de Infraestruturas de Vilamoura, E.M.), esclareça, fundamentadamente, se todos ou alguns dos investimentos visam melhorar estruturas nas áreas de competências delegadas às diferentes empresas e, em caso afirmativo, justifique legalmente essa possibilidade, face ao que dispõe o artº 36º, nº1 da Lei nº 50/2012 (RJAEL).
4.28. Respondeu a Município:
3. Relativamente à lista de investimentos que o presente contrato de empréstimo visa financiar existem dois investimentos, abaixo discriminado, que estão no âmbito territorial da Inframoura – Empresa de Infraestruturas de Vilamoura E.M.:
4.29. Os dois investimentos destacados pelo Município estão no âmbito de ação da empresa municipal da Inframoura – Empresa de Infraestruturas de Vilamoura, E.M, tendo em conta a delegação de competências operada pelas cláusulas primeira e segunda do Contrato- Programa 2018-2021, outorgado, em 02/03/2018, pelo Município e pela empresa municipal
4.30. Na sequência da questão colocada pela DECOP – UAT2, o Município pretende excluir estes 2 investimentos do contrato celebrado através de adenda ao contrato de empréstimo, após a deliberação dos respetivos órgãos municipais.
4.31. Não foi apresentada resposta à segunda parte da pergunta colocada pelo DECOP – UAT2 referente ao pedido de esclarecimento quanto ao financiamento dos investimentos que visam melhorar estruturas nas áreas das competências delegadas às três empresas locais, face à proibição legal constante do artigo 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, de atribuição de subsídios ao investimento.
4.32. O Município manifestou disponibilidade para de retirar esses dois investimentos da listagem do contrato.
- DE DIREITO
São as seguintes, as questões a analisar:
a) Realização de investimentos na área de concessão das Empresas municipais.
b) Admissibilidade da proposta do BPI
c) Licitude do contrato celebrado com o BPI
a) Realização de investimentos na área de concessão das Empresas municipais.
1. Nos termos decorrentes da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (que aprova o Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais), os municípios podem criar empresas locais1 às quais podem delegar poderes (desde que esta faculdade conste
1 Sobre elas, ver: COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pp. 282, ss.; XXXXXXX XXXXXX XXXXXX/XXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX, Direito económico, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pp. 192, ss..
expressamente na deliberação que determinou a sua constituição e nos respetivos estatutos
– art. 27.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
2. Estas empresas são, de acordo como disposto no art. 12.º de Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante (definida pelas diferentes alíneas dessa norma) e têm como objeto exclusivo a exploração de atividades de interesse geral ou a promoção do desenvolvimento local e regional (art. 20.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
3. Estão dotadas de um regime próprio com regras específicas quanto à sua organização, capital e competências, não se confundindo com o município em si. São entes bem diversos. Na verdade, as empresas locais regem-se pela Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, pela lei comercial, pelos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do setor empresarial do Estado, sem prejuízo das normas imperativas neste previstas (art. 21.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
4. Distintos os entes, mantendo-se a sua finalidade e autonomia administrativa e financeira, a lei impõe expressamente a sua separação financeira, em termos mais severos do que aquele que resulta no âmbito do regime geral das sociedades comerciais entre a sociedade e os seus sócios.
5. Com efeito, nem as empresas locais podem conceder empréstimos a favor dos sócios, nem prestar quaisquer formas de garantias, nem, por seu lado, as entidades públicas participantes podem conceder empréstimos às empresas locais (art. 42.º, ns. 2 e 3 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).
6. A transferência de fundos a outros títulos está também expressamente vedada, de forma direta, não podendo as entidades públicas participante conceder às empresas locais “quaisquer formas” de subsídios ao investimento ou em suplemento a participações de capital (art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto), ou indireta, através da contratação respeitante à adjudicação de aquisições de bens ou serviços, locações, fornecimentos ou empreitadas (art. 36.º n.º 2 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto). Criada a empresa, ela terá que viver pelos seus meios.
7. Como decorre da matéria de facto, o Município participa nas empresas locais Infraquinta, Infralobo e Inframoura, que apresentam objetos sociais semelhantes, variando a área geográfica onde atuam, mas sendo comum a previsão de que lhes cabe a construção, gestão e manutenção das infraestruturas públicas municipais ou integrantes do domínio público municipal das respetivas áreas de intervenção.
8. Foram celebrados com essas entidades contratos programa e contratos de gestão delegada que concretizam o objeto social e lhes atribuem funções específicas na área da construção e manutenção das infraestruturas urbanísticas e das redes públicas de águas e resíduos.
9. Conforme decorre da cláusula primeira do contrato-programa celebrado com Inframoura, a 2 de março de 2018, que tem por objeto a “construção, manutenção e conservação de infraestruturas urbanísticas e de gestão urbana pela INFRAMOURA, EM, a manutenção de redes viárias, espaços verdes, sistema de drenagem de águas pluviais, rede de iluminação pública, estacionamentos públicos e limpeza urbana, bem como de fiscalização do espaço público”, esta obriga-se a prestar um conjunto de serviços (cláusula segunda), sendo financiada nos termos previstos na cláusula quarta.
10. O Município, instado pelo tribunal, esclareceu que dois dos empréstimos se destinavam a financiar investimentos, respetivamente a requalificação da Rua do Clube Náutico e da Rua da Botelha, em Vilamoura (investimento no valor de 3.000.000,00 €, com um financiamento bancário de 1.000.000 €), bem como a requalificação do centro de empresas e serviços de Vilamoura (investimento previsto de 1.300.000,00 €, com um financiamento bancário de 400.000,00 €). Essas obras estão incluídas nas atividades que a empresa assume, nos termos da cláusula segunda, número dois, dos seus estatutos, e no âmbito do Contrato- programa celebrado com a Inframoura, estando desta forma a cargo desta.
11. Trata-se, pois, de violação flagrante do art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, que proibe a concessão de subsídios ao investimento, e, mais em geral, do princípio de separação patrimonial e financeira entre ambas as entidades.
12. Neste caso, não há um subsídio ao investimento, mas mais do que isso: o município pretende realizar na totalidade do próprio investimento. O art. 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, aplica-se assim por interpretação extensiva com base num argumento de maioria de razão.
13. De facto, se o Município não pode fazer subsídios ao investimento, muito menos pode realizar os próprios investimentos.
14. A deliberação da assembleia municipal de 26/2/2021, que aprovou esses investimentos, bem como o empréstimo visando financiá-los, é, assim, nula por violação do art. 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, do art. 4.º, n.º 2, Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro (que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais e art. 59.º, n.º 2, al. c) Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (que estabelece Regime Jurídico das Autarquias Locais, das Entidades Intermunicipais e do Associativismo Autárquico).
15. Acrescente-se que realização de um investimento nestes termos, para este fim, conduziria a um enriquecimento sem causa da Empresa à custa do Município (e ao empobrecimento correspetivo deste a favor daquela), porque este estaria a realizar atividades que nos termos dos estatutos (art. 2.º, n.º 3) e do contrato-programa são da responsabilidade da primeira. De outra forma, teria que ser a empresa a realizar o investimento, através de meios próprios, diminuindo os seus meios líquidos, contraindo – a empresa – dívida ou aumentando o capital (com entradas também pelo sócio privado).
16. Sendo o capital social da empresa representado por ações transmissíveis detido a 49% por um privado, indiretamente gerar-se-ia também um benefício patrimonial para o sócio privado, através aumento do valor da sua participação, porque, aumentado o ativo da sociedade, irá evidentemente aumentar o valor das suas ações (transmissíveis).
17. Por conseguinte, também por esta via, atinge-se um princípio estruturante da atuação pública, neste caso, o princípio da prossecução do interesse público2, consagrado no art. 266.º, n.º 1 da Constituição, no 4.º do CPA e no art. 4.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (que estabelece o regime jurídico das autarquias locais), assim como o princípio da boa administração consagrado no art. 5.º do CPA3.
2 Como referem XXXXXXX XXXXXX XX XXXXX/XXXXX XXXXXXX XX XXXXX (Direito Administrativo geral, tomo I, Dom Quixote, Lisboa, 2004, p. 201.): “O interesse público é o norte da administração pública; é por isto que o art. 266.º, n.º 1 CRP e o art. 4.º CPA individualizam o princípio da prossecução do interesse público em termos categóricos”.
3 Sobre ele, ver FREITAS DO AMARAL, Curso de direito administrativo, vol. II, com a colaboração de Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, pp. 35, ss..
18. O tribunal no âmbito dos seus poderes na fase instrutória perguntou diretamente ao Município se “alguns dos investimentos visam melhorar estruturas nas áreas de competências delegadas às diferentes empresas e, em caso afirmativo, justifique legalmente essa possibilidade, face ao que dispõe o artº 36º, nº1 da Lei nº 50/2012 (RJAEL).”
19. O município respondeu nestes termos: “Relativamente à lista de investimentos que o presente contrato de empréstimo visa financiar existem dois investimentos, abaixo discriminado, que estão no âmbito territorial da Inframoura – Empresa de Infraestruturas de Vilamoura E.M.”
20. Pretende depois retirar esses investimentos do empréstimo.
21. Mas evidentemente não o pode fazer, porque a deliberação de aprovação dos investimentos e do contrato de empréstimo é integralmente nula.
22. Por outro lado, atendendo ao caráter flagrante da violação, não é crível que o município não conhecesse da ilegalidade. Xxxxx, pois, dolosamente em violação da lei.
23. Acresce que não respondeu integralmente à pergunta que o tribunal lhe colocou. A pergunta dizia respeito não só à Inframoura, mas também, de forma expressa, à Infralobo – Empresa de Infra-Estruturas de Vale do Lobo, E.M., a Infraquinta, E.M.
24. Ora, das duas uma: ou a omissão consiste numa resposta negativa, que deveria ter sido dada de forma clara, não havendo qualquer outro investimento que se inclua no âmbito do objeto e das atividades das outras empresas municipais; ou, caso haja outros investimentos que estejam na mesma situação, poderá tratar-se omissão dolosa com vista induzir em erro o tribunal.
25. O princípio da boa fé da atividade da administração está previsto no art. 266.º, n.º 2 da CRP e no art. 10.º do CPA4, vinculando agora também os próprios particulares na relação com administração.
4 Sobre ele, ver A. XXXXXX XX XXXXX/A. XXXXXXX XX XXXXX, Direito Administrativo geral, tomo I, cit., pp. 213, ss.
26. Esse princípio atinge a sua máxima intensidade na relação entre a administração e o Tribunal em atos que visem fiscalizar a legalidade de despesa pública dos entes sujeitos à sua fiscalização.
27. Qualquer informação tem que ser verídica, clara, esclarecedora, completa, sem margem para a qualquer dúvida.
28. Nunca pode se dada de forma insuficiente, e, menos ainda, de forma a poder induzir o tribunal em erro.
29. Por isso, se se confirmar que o Município omitiu dados ao tribunal, tendo respondido de forma a induzi-lo em erro, estamos perante uma violação muito grave de deveres de boa fé, concretizados em termos de violação de deveres de lealdade e de informação, na relação com um órgão de soberania.
b) Admissibilidade da proposta do BPI
30. Nos termos do art.º 6.º, al. f) da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais), as autarquias locais podem aceder ao crédito, nas situações previstas na lei.
31. O endividamento autárquico orienta-se, nos termos do art. 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, por princípios de rigor e eficiência, prosseguindo os seguintes objetivos: minimização de custos diretos e indiretos numa perspetiva de longo prazo, de garantia de uma distribuição equilibrada de custos pelos vários orçamentos anuais, de prevenção de excessiva concentração temporal de amortização e de não exposição a riscos excessivos [respetivamente, alíneas a), b), c) e d), art. 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro].
32. Os municípios podem contrair empréstimos de curto prazo, com prazo até um ano ou a médio e longo prazos, com prazo superior a um ano (art. 49.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
33. Os empréstimos a médio e longo prazo podem ser contraídos para aplicação em investimentos, caso em que eles devem ser identificados no respetivo contrato de empréstimo e, se ultrapassarem 10% das despesas de investimento previstas no orçamento do exercício, devem ser submetidos, independentemente da sua inclusão no plano plurianual de atividades, a discussão e a autorização prévia da assembleia municipal (art. 51.º, números 1 e 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
34. Os empréstimos têm um prazo de utilização do capital máximo de dois anos, não podendo o início da amortização ser diferida para além desse período, salvo nos casos legalmente previstos art. 51.º, número 10 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
35. Cabendo à assembleia municipal a autorização de contração do empréstimo, a lei impõe que o pedido destinado a essa finalidade seja obrigatoriamente acompanhado de “demonstração de consulta, e informação sobre as condições praticadas quando esta tiver sido prestada, em, pelo menos, três instituições autorizadas por lei a conceder crédito, bem como de mapa demonstrativo da capacidade de endividamento do município.” (art. 49.º, número 5 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
36. Por conseguinte, o município é sempre obrigado a dirigir um convite a, pelo menos, três instituições de crédito, em que define as condições em que pretende contrair o empréstimo, ou outro contrato de crédito permitido pela lei.
37. Essas condições são relativas, em primeiro lugar, ao tipo contratual em si e, depois, a todos os elementos necessários a que o convite tenha a concreção necessária à apresentação por das instituições de crédito de propostas que sejam comparáveis entre si, devendo conter, pelo menos, condições quanto ao prazo, taxa de juros, condições de pagamento, comissões e finalidades.
38. Como segundo elemento, e em decorrência do primeiro, o município está vinculado a rejeitar aquelas propostas que não respeitem as condições estabelecidas no convite.
39. Se tal não suceder, estarão evidentemente frustradas as finalidades da consulta e o teleologia da norma que a impõe.
40. Seriam igualmente violados os princípios da igualdade entre os diversos proponentes e da concorrência, que, para além de serem de aplicação direta na atividade administrativa, antes disso ainda conformam a interpretação desta disposição legal.
41. Bem como os princípios de rigor e eficiência, que travejam a disciplina do crédito e endividamento municipal (art. 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
42. Não sendo cumprida esta disposição, em qualquer das suas vertentes, relativas, tanto ao convite, como à verificação da conformidade das diversas propostas com as suas condições, devendo rejeitar aquelas que não as preencham, a deliberação de aprovação do empréstimo é inválida.
43. Com reflexos, pelo menos potenciais, no equilíbrio financeiro do contrato. Como é óbvio, se as propostas não forem comparáveis, não é possível determinar qual a mais favorável.
44. Cumpre verificar se estas regras foram cumpridas. As condições são aquelas que decorrem do ponto 4.1 da matéria de facto assente.
45. Em suma: o banco BPI concede um crédito (cláusula terceira) em duas tranches pelo prazo de 20 anos, com taxas diferentes (cláusula quinta), introduzindo uma comissão de imobilização [cláusula oitava, n.º 1, al. d)].
46. O ponto de partida consiste em determinar o tipo contratual adotado. Para o efeito, o decisivo é não o nomen iuris dado pelas partes, mas a disciplina convencionada.
47. Os contratos possíveis face ao convite e à proposta são o mútuo bancário e a abertura de crédito bancária, que pode depois ser executada por via de mútuos. Importa, para se poder fazer a qualificação devida, fixar de forma clara os traços fundamentais de ambos os contratos.
48. O mútuo está previsto nos arts. 1142.º e seguintes do Código Civil5, sendo definido como o
contrato pelo qual “pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa
5 Sobre ele, ver MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, vol. III, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, pp. 347, ss.; XXXX XXXXXXX, Contrato de mútuo, in: Direito das obrigações, 3.º vol., 2.ª ed. (coordenado por
fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.”
(art. 1142.º)
49. Consiste num contrato unilateral, real quanto a sua constituição, que poderá ser gratuito ou oneroso, consoante ao mutuário fique vinculado, ou não, ao pagamento de juros. Sendo um mútuo bancário a entrega consiste no crédito da quantia mutuada em conta.
50. O mútuo pode ser simples ou de escopo. No primeiro caso o mutuário pode utilizar a quantia para o fim que bem entender, enquanto no segundo caso se obriga a utilizá-lo para determinado fim.
51. Em termos de conteúdo contratual, mutuário obriga-se a pagar os juros e a restituir o capital. Estas obrigações são diversas. A obrigação de pagar o capital é uma obrigação com prestação instantânea, enquanto as obrigações de juro têm por objeto prestações duradouras, reiteradas, que se constituem com o decurso do tempo6.
52. Elas constituem a contrapartida da cedência de um certo montante de capital por um determinado período de tempo e dependem geneticamente dessa obrigação, sendo acessórias dela quanto ao seu nascimento. Isto é, só nascem se tiverem subjacente uma obrigação de capital, sendo a contrapartida da disponibilização da quantia - que é transferida para o mutuário - os juros. Essas obrigações têm um regime específico quando o credor seja um banco, estando previstos, em parte, no Dec.-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio.
53. Acrescente-se que o banco quase sempre cobrará uma quantia sob a forma de comissão, pela gestão do crédito, em regra cobrada de forma semanal ou semestral através de uma quantia fixa. Consiste na contrapartida do serviço que presta e não da disponibilização do capital. Como comissão, o seu regime decorre da Lei n.º 66/2015, de 6/7.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx), AAFDL, Lisboa, 1991, pp. 187, ss; XXXXXX XXXXXXX, O contrato de mútuo: questões antigas e desenvolvimento recentes, in: Código Civil, Livro do cinquentenário (coord. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx), Almedina, Coimbra, 2019, pp. 527, ss..
6 Cfr. XXXXXXX XX XXXXX, Direito das obrigações, vol. I, 2.ª ed., atualizada por Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 114, ss..
54. A abertura de crédito7 é um contrato diverso do mútuo bancário quanto ao seu conteúdo, estrutura e função económica. Trata-se um contrato nominado, integrado nas operações de banco (art. 362.º do Código Comercial), em regra, legalmente atípico, mas socialmente típico.
55. Ela pode ser definida “como o contrato pelo qual o banco (o creditante) coloca à disposição da outra parte, o beneficiário (ou creditado) uma quantia pecuniária que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado”8.
56. A abertura de crédito é integrada analiticamente por dois elementos que a conformam em termos estruturais. Em primeiro lugar, temos a disponibilização da quantia que a outra parte pode ou não utilizar, não tendo uma obrigação de o fazer. Um segundo momento, eventual, consiste na própria disponibilização da quantia e compreende também as formas da sua utilização.
57. Na verdade, a abertura de crédito pode ser simples, hipótese em que o beneficiário poderá utilizar o crédito, uma vez, na sua totalidade, ou recorrer a utilizações parciais (que podem ser tranches pré-determinadas) até se atingir o limite fixado no contrato ou em conta corrente (revolving), que permita a utilização de subsequente restituição com reposição do plafond. No primeiro caso, esta faculdade inexiste.
58. Os instrumentos a utilizar para a disponibilização de crédito são igualmente diferentes, podendo operar através de diferentes negócios. Assim, a abertura de crédito pode ser monofásica, tendo o beneficiário o direito potestativo de mobilizar a quantia, ou quantias, ou bifásica, exigindo a celebração de um negócio posterior, que pode ser um mútuo, mas também pode consistir num desconto de títulos de créditos ou créditos ordinários.
59. Por fim, a utilização do crédito pode fazer-se de forma direta (p. ex., um negócio de crédito), ou indireta (p. ex., a prestação de uma garantia).
7 Sobre ela, ver: XXXX XXXXXXX XXXXX XXXXXX, Operações de banco, RLJ ano 82.º, pp. 193, ss.; A. XXX XXXXX, Anotação ao acórdão do STJ de 2/5/79, RLJ ano 112.º, pp. 320, ss.; J. XXXXXXX XXXXXX, Anotação ao Acórdão do STJ de 21/4/80, RLJ ano 114.º, pp. 114-117; X. X. XXXXX XXXXX, Contratos comerciais, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 324, ss.
8 PESTANA DE VASCONCELOS, Direito bancário, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 218.
60. Do ponto de vista funcional, a abertura de crédito, atendendo aos dois momentos que a estruturam, consiste, em primeiro lugar, num negócio de segurança para o beneficiário: ela assegura-lhe crédito até um determinado montante durante um certo período de tempo ou por tempo indeterminado, sem que ele tenha que o utilizar.
61. O beneficiário poderá ter necessidade de a utilizar, no todo ou só em parte, ou não a vir a ter. Contudo, do ponto de vista do planeamento da sua atividade económica, ele tem o direito de utilizar até ao limite do plafond.
62. A contrapartida dessa vantagem, sendo a abertura de crédito onerosa, é uma comissão de abertura de crédito.
63. Sendo o crédito utilizado, a sua contrapartida são os juros, cujo regime decorre do art. 6.º, n.º 2 do Dec.- Lei n.º 58/2013, de 8/5, nos termos do qual as “operações de abertura de crédito, empréstimos em conta corrente ou outras de natureza similar serão calculados em função dos montantes e períodos de utilização efetiva dos fundos pelo beneficiário...”.
64. Verificados os traços fulcrais do contrato sub judice, constante do convite, é claro que se trata de uma proposta de um mútuo, ou empréstimo, de escopo.
65. Pretendia-se a disponibilização de um montante de 34.000.000, 00 € por 20 anos, destinada
a realização de um conjunto de investimentos.
66. Definia-se ainda a fórmula básica de cálculo dos juros, embora, em rigor, não com o detalhe suficiente, dada a ausência da explicitação de um floor ou não, e a forma e prazos de pagamento de capitais e juros.
67. A proposta apresentada pelo banco BPI corresponde, pelo contrário, a um contrato diferente: trata-se de uma abertura de crédito, simples, e é isso que explica a comissão de imobilização típica, conforme se viu, dessa modalidade contratual.
68. O mesmo decorre, aliás, expressamente da cláusula segunda do contrato, onde se diz forma contraditória “que se concede um crédito ao Município, na modalidade de abertura de crédito”. Contraditória, porque a abertura de crédito, como se referiu, não é um crédito. Ela
permite a concessão, eventual, de crédito. Mas é mais um dado que confirma o que já resultava do conjunto da disciplina convencional do contrato, confirmando a sua qualificação.
69. Consiste, pois, numa proposta desconforme com o convite, porque diz respeito a um contrato diferente daquele para o qual as entidades foram convidadas a apresentar propostas.
70. Na verdade, não se trata sequer de uma proposta com uma ou mais cláusulas variantes relativamente a aspetos do conteúdo daquele tipo contratual previsto no convite: ela diz respeito a uma modalidade contratual distinta, em termos de conteúdo, estrutura e função económico-social.
71. Deveria ter, obviamente, sido excluída. Ao não o fazer, o município incumpriu o art. 49.º, número 5 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, viciando a deliberação de aprovação do contrato da assembleia municipal.
72. Com consequências, pelo menos potenciais, no resultado financeiro do contrato [art. 44.º, n.º 3, al. c) do LOPTC] dadas as diferentes natureza, cláusulas e finalidades contratuais.
c) Licitude do contrato celebrado com o BPI
73. O contrato de abertura de crédito com o BPI contem duas tranches com valores diversos e uma cláusula de imobilização. Cada um destes elementos será tratado em separado para se aferir da sua ilicitude.
C1) A existência de duas tranches com valores diferentes
74. O contrato inclui duas tranches de crédito: a primeira com spread de 0,785% e a segunda
com um spread de 0,875%.
75. Porém, por não estarem definidas as condições da utilização de cada uma delas e o investimento a que se destinam, o objeto do contrato não está determinado, nem é
determinável, isto é, não contem em si critérios que permitam num momento posterior à sua conclusão fixar integralmente o seu objeto9.
76. Por conseguinte, está ferido de nulidade, nos termos do art. 280.º, n.º 1 do Código Civil.10
C2) Quanto à cláusula de imobilização em si (prevista na cláusula 8.º. n.º 1, al. c))
77. A cláusula de imobilização prevista na cláusula 8.º. n.º 1, al. c) do contrato celebrado tem a seguinte configuração: 0,375% calculada sobre o montante do crédito não utilizado calculada dia a dia a debitar na data do pagamento de juros (a comissão só será cobrada até ao momento em que se iniciar o período de reembolso).
78. Ora, mesmo num contrato de abertura de crédito, ela não seria, nos termos em que está fixada, lícita. Na verdade, como se referiu, a comissão de imobilização é a contrapartida da disponibilização do capital, mas não a contrapartida da utilização desse capital.
79. Esta comissão, porém, tem todas as caraterísticas de uma obrigação de juro de valor fixo, de que reveste todas as todas as caraterísticas (a sua determinação em função do valor do capital, da taxa e do prazo)11, embora desligada da disponibilização do capital, sendo antes calculada sobre o capital não utilizado.
80. Porém, os juros são a contrapartida da disponibilidade do capital, que opera pela sua entrega ao mutuário, saindo do património do mutuante durante o período de tempo do contrato.
81. Por esse motivo, há uma dependência genética, ao nível do nascimento, entre a obrigação de capital e a obrigação de juros; a segunda está dependente da constituição da primeira. Não se constitui, e não subsiste, sem ela - só há obrigação de juros se houver obrigação de capital.
9 XXXXXX XXXX XXXXX, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed, por Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 554.
10 Sobre ele ver, XXXXXXX XXXXXXXX, Impugnação pauliana, fiança de conteúdo indeterminável, Coletânea
de Jurisprudência, 1992, p. 56.
11 Cfr. XXXXXXX XXXXXX, Das Obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 869, ss..
82. Na cláusula em apreço, não há qualquer disponibilização efetiva de fundos, inexistindo, por conseguinte, qualquer obrigação de capital. O que está previsto é o direito de utilizar capital (no sentido de fundos, meios pecuniários) nos termos e até ao montante aí previsto.
83. Só quando e no montante que for utilizado, através da celebração de um ou mais contratos de mútuo, nasce(m) a (s)obrigação(ões) de capital pela qual o mutuário deverá, então, pagar juros, recorrendo-se para a sua fixação a um spread que acresce a um indexante variável, ligado à Euribor.
84. A cláusula em si é extremamente perigosa se for prevista num contrato de longo prazo, porque caso o beneficiário da abertura de crédito não puder, ou não puder utilizar na totalidade, o capital, ele mantem-se vinculado a pagar este valor fixo, sem poder fazer cessar o contrato. É por isso uma cláusula de elevado risco para o devedor.
85. Como se trata de uma cláusula contratual geral, conforme decorre da resposta/esclarecimento do banco ao Município, é nula por violação do art. 17.º, al. b) do Dec.-Lei 446/85, de 25/11.
86. Este diploma (a Lei das cláusulas contratuais gerais) é aplicável a este contrato, porque, relativamente a ele, não se verifica a exclusão prevista no seu art. 3.º, al. c) do Dec.-Lei 446/85, de 25/11, relativo a contratos “submetidos a normas de direito público”.12
87. É assim, porque o contrato, sendo público em função da natureza do contraente e estando sujeito a normas de direito público quanto à sua formação, e aos limites do que o contraente público pode aceitar, tem o seu conteúdo definido pelo direito privado. O que no caso vertente significa a aplicação do regime do mútuo pecuniário bancário, que é composto por normas de direito civil e de direito bancário. Estas últimas são especiais - e excecionais - face ao regime do Código Civil, atendendo à natureza do concedente de crédito – uma instituição de crédito.
88. É um contrato bancário, concluído com um ente público, não estando o seu conteúdo determinado por regras de direito público. O nível de proteção do ente público deve, pois,
12 Ver, neste sentido, XXX XXXXX, Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 198-199.
incluir os dispositivos aplicados a contratos de direito privado, com funções de tutela de uma das partes, neste caso as que decorrem do Dec.-Lei n.º 445/86, de 25 de outubro, relativo às cláusulas contratuais gerais.
89. Recorrendo o ente privado a estas cláusulas na contratação com o ente público - para além da questão específica, que se coloca num outro quadrante, de saber se ele as pode aceitar -, aplicam-se as regras das cláusulas contratuais gerais proibidas previstas nesse diploma. O controlo pelo resultado confirma o que se decorre do resultado da interpretação propugnada: não pode um ente público gozar de um nível de tutela menor do que uma empresa colocada na sua posição.
90. Numa outra vertente de análise da cláusula, sendo ela configurada como uma comissão, está sujeita ao regime específico das comissões bancárias, estruturado com base nos princípios da efetividade, razoabilidade e da proporcionalidade13, princípios esses que vieram a ser consagrados expressamente no art. 7.º da Lei n.º 66/2015, de 6/7, em decorrência da alteração introduzida à norma pela Lei n.º 57/2020, de 28/8.
91. Uma comissão calculada nestes termos não passa evidentemente, pelas razões expostas, pelo critério da proporcionalidade. Violando claramente essa norma de caráter imperativo, a comissão é nula, arrastando com ela o restante contrato, porque, atento o regime do art. 292.º do Código Civil, o negócio não será suscetível de redução.
92. Refira-se só, por último, que, em resposta, o município justificou a cláusula com a necessidade de o banco ter de colocar de lado essas quantias. Trata-se, porém, de um entendimento errado daquilo que é o comércio bancário.
93. Um banco não coloca de lado fundos para poderem vir a ser utilizados. O banco financia-se na medida do necessário através de depósitos, nos mercados monetários inter-bancários e também através do recurso ao banco central. Sendo, aliás as taxas de refinanciamento dos prime banks, ou bancos de primeira linha como é o BPI, negativas.
13 Ver M. XXXXXXXX XX XXXXX XXXXX, Sobre comissões bancárias. “Les Unes et les Autres”, in: III congresso de direito bancário (coord. Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx), Almedina, Coimbra, 2018, pp. 209, ss
94. Importa ainda esclarecer que moeda bancária não é física, composta por notas e moedas – a moeda legal –, mas escritural.14 Ora, o banco cria moeda, com os limites decorrentes das reservas obrigatórias. Por isso, se conceder crédito, se vier a celebrar os contratos de mútuo, e logo que o faça, o banco cria moeda escritural nesse valor, através do respetivo crédito em conta. O que explica esta comissão só possa ser um serviço e não uma cativação de dinheiro
– moeda escritural, tecnicamente um crédito pecuniário sobre o banco - com essa finalidade.
95. Também por essa via se torna evidente o caráter abusivo da cláusula.
96. Para além do que vem de se dizer quanto à cláusula em si, sua natureza e sua validade, o município, mesmo que não se verificasse uma invalidade, não poderia celebrar um contrato com uma cláusula com este conteúdo. Pelas seguintes razões.
97. O contrato que a assembleia municipal autorizou foi um empréstimo. Contudo, o contrato era de abertura de crédito. Nessa medida, como se destaca, no muito recente acórdão 19/2021, 1.ª S/SS, deste Tribunal onde é analisado e decidido um caso semelhante, falta “a necessária autorização da Assembleia Municipal, sem a qual não podia ser celebrado - cf. n.º 6, do artigo 49.º, da Lei n.º 73/2013, e n.º 1, alínea f), da Lei n.º 75/2013.”
98. Temos depois a violação de outras normas. Vejamos. Um ente público está sempre sujeito na atuação aos princípios gerais de caráter constitucional e administrativo que conformam a sua atuação e aos diferentes regimes que determinam o quadro e as condições em que pode praticar atos e celebrar contratos, tanto em geral, como em especial.
99. No que diz respeito ao crédito, a disciplina, como se começou por referir, decorre da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais).
100. Ora, a lei permite a celebração de contratos de empréstimo de longo prazo, ou seja, mútuos, mas não admite neste quadro qualquer outra remuneração para o banco que incida sobre o capital, neste caso da possibilidade da sua utilização.
14 Ver F. XXXXXX XXXXXXX, Moeda bancária e cumprimento, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 119, ss.
101. As cláusulas admitidas são só aquelas que se integram no tipo legal do contrato de mútuo e as que decorrem da relação bancária geral. Onde, como se tem vindo a sublinhar, a comissão de imobilização não se insere, e com o qual não é compatível.
102. Por não corresponder ao tipo legal que a lei permite e regula, o mútuo, esta cláusula não tem cobertura legal no regime do art. 51.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro. Conforme destacou este Tribunal (acórdão 11/2021, 1.ª S/SS) “que se trata de uma comissão incompatível com o regime geral dos empréstimos a médio e longo prazo para investimento, designadamente do número 10 do art. 51.º do RFALEI, onde se prevê um prazo de utilização do capital de dois anos.” Posição reafirmada pelo acórdão 19/2021, 1.ª S/SS.
103. Ao tê-la aceite, o município violou art. 51.º, n.º 10 e o art. 4.º, n.º 2 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, bem como o art. 59.º, al. c) da Lei n.º 75/2013. Não se encontrando a despesa com essa comissão prevista na lei para os empréstimos a médio e longo prazo, a aprovação do empréstimo que a contem é nula.
104. Por fim, a cláusula também nunca poderia ser aceite, porque, como já se referiu em termos gerais, é uma cláusula que comporta um risco muito elevado, o que se verifica com particular incidência no âmbito da contração de empréstimos por parte dos entres públicos devido aos constrangimentos legais que regem a sua atividade, não só relativos ao prazo para a utilização do crédito, mas igualmente às vicissitudes que podem atingir, impedir, ou restringir os investimentos que se pretendem financiar.
105. Efetivamente, nos termos do art. 51.º, número 10 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, os empréstimos têm um prazo de utilização do capital máximo de dois anos.
106. Não sendo utilizado, o município não tem que pagar juros. Porém, se estiver prevista uma cláusula de imobilização nos termos referidos irá sempre durante todo o período de duração do contrato ter que pagar 0,375% sobre o montante de capital que não utilizou
107. Violação flagrantíssima dos princípios decorrentes do art. 48.º a Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, de rigor e eficiência, com o objetivo de minimização de custos diretos e indiretos numa perspetiva de longo prazo e da não exposição a riscos excessivos, como bem se
sublinha no acórdão 19/2021, 1.ª S/SS. Que estruturam, como se refere no acórdão n.º 8/2016, 1.ª S/SS, todo o regime dos empréstimos municipais.
108. Pelo contrário, a sua adoção significa falta de rigor, potencial e provável maximização de custos indiretos e exposição a riscos excessivos.
109. Diga-se, por fim, que os cálculos que o Município realizou para determinar o impacto potencial da taxa de juros a 20 anos são fortemente deficientes e atingem de forma clara os princípios decorrentes do art. 48.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, de rigor e eficiência, com o objetivo de minimização de custos diretos e indiretos numa perspetiva de longo prazo e da não exposição a riscos excessivos.
110. Com efeito, partiu-se de uma taxa de juros negativa como indexante. No entanto, a taxa de juros negativa decorre da Xxxxxxx, que, por sua vez decorre, da política monetária do BCE. Esta tem um caráter extraordinária, sendo uma política heterodoxa15. Não se pode, por esse motivo manter, por um período alargado. As taxas do banco central voltarão a curto prazo a valores positivos, o que afetará todos os cálculos realizados pelo Município, que se projetam a 20 anos. E agravará consideravelmente a taxa de juro a ser paga.
III. Efeitos das ilegalidades do contrato no processo de fiscalização prévia: recusa de visto
111. Haverá que verificar, por último, se as ilegalidades apontadas se enquadram nos fundamentos de recusa de visto previstos taxativamente no art. 44.º, n.º 3 da LOPTC. Com efeito, a “desconformidade dos atos, contratos e demais instrumentos previstos nas leis em vigor”, é fundamento de recusa de visto se configurarem:
15 Ver PESTANA DE VASCONCELOS, “Taxas negativas sobre saldos de contas de depósitos bancários e comissões”, Liber amicorum Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx, Revista de Direito Comercial, 2020 (www.revistadedireitocomercial), pp. 165, ss..
a) Uma nulidade;
b) Encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação direta de normas financeiras;
c) Ilegalidade que altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro.
112. Todos estes fundamentos de recusa de visto se verificam.
113. Quanto ao primeiro [art. 44.º, n.º 3, al. a) LOPTC]: a deliberação da assembleia municipal de 26/2/2021, que aprovou os investimentos conjuntamente com o empréstimo para os financiar, é nula por violação do art. 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, do art. 4.º, n.º 2, Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro e do art. 59.º, n.º 2, al. c) Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. O contrato é nulo por violação do art. 4.º, n.º 2, e art. 51.º, n.º 10 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro. É também nulo nos termos do art. 280.º n.º 1 do Código Civil e a cláusula de imobilização é ilícita e nula por atingir do art. 17.º, al. b) do Dec.-Lei 446/85, de 25/11, e o art. 7.º da Lei n.º 66/2015, de 6/7.
114. Quanto ao segundo [art. 44.º, n.º 3, al. b) LOPTC]: foram violados os artigos 48.º, 49.º e 51.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, e art. 36.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, normas inequivocamente de carácter financeiro.
115. Quanto ao terceiro [art. 44.º, n.º 3, al. c) LOPTC]: a comissão de imobilização altera imediatamente o resultado financeiro do contrato e com forte probabilidade também o fará de forma mediata.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
− Recusar o visto ao contrato objeto de fiscalização prévia nos presentes autos;
− Não são devidos emolumentos – cf. artigo 8.º, alínea a), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril).
− Registe e notifique.
Lisboa, 13 de julho de 2021
Os Juízes Conselheiros,
(Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx – Relator)
(Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx)
Participou por videoconferência e votou favoravelmente o acórdão
(Xxxxx Xx Xxxxxxxx)
Participou por videoconferência e votou favoravelmente o acórdão