TÓPICOS
Processo nº 2727/ 2023
TÓPICOS
Serviço: Direito de utilização a tempo parcial de bens imóveis (timeshare) e serviços análogos
Tipo de problema: Rescisão do contrato
Direito aplicável: Lei n.º 24/96, de 31 de julho; Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de Fevereiro
Pedido do Consumidor: Devolução dos montantes acima referidos, no seguimento do meu exercício de livre resolução do contrato a 06/06/2023.
SENTENÇA Nº 516 / 2023
1. PARTES RECLAMANTE:
Reclamada:
2. Objeto do Litígio
Entre a Reclamante e a Reclamada foi celebrado no dia 01.06.2023 um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual a Reclamante, ao ser titular do cartão ---, poderia, junto com vouchers, pagar estadias e viagens organizadas a preços que comportavam descontos exclusivos. O contrato foi celebrado no Hotel , ao qual a
Reclamante foi atraída com a promessa de receber um voucher de viagem.
Após uma sessão longa e intensiva de publicidade, a Reclamante subscreveu os serviços e pagou o valor integral de 4.500€ (quatro mil e quinhentos euros) de cartão de crédito, ao qual foram cobradas taxas elevadas por uma operação não comunicada na íntegra à consumidora.
No dia 07.01.2023 a Reclamante exerceu o seu direito de livre resolução do contrato, porém a Reclamada nem quis rececionar a carta, nem procedeu ao reembolso. Em virtude da ausência da Reclamada não foi possível conciliar a posição das partes.
3. Fundamentação
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factos provados
Da discussão da causa, bem como da documentação junta aos autos, resultaram provados, com interesse para a causa, os seguintes factos:
a) A Reclamante foi contactada telefonicamente para, a título de convite, se dirigir ao Hotel --- de modo a receber um voucher de viagem (cf. declarações da Reclamante);
b) A reunião no Hotel --- teve lugar no dia 01.06.2023, tendo a duração de duas horas ininterruptas, ultrapassado a hora de jantar (cf. declarações da Reclamante);
c) Nesta reunião não se focou a questão do voucher, tendo lugar, outrossim, uma sessão de venda dos benefícios do Cartão condições de preços e qualidade de
serviços e viagens organizadas (cf. declarações da Reclamante);
d) A Reclamante, quando terminou a apresentação, estava cansada, com fome, desatenta e com o seu discernimento prejudicado (cf. declarações da Reclamante);
e) A Reclamante, em virtude do cansaço e da apresentação insistente que seapresentou como convincente, celebrou com a Reclamada, nessa data, o contrato
---- n.o 16388 (cf. declarações da Reclamante e documentação junta ao processo);
f) A Reclamante celebrou o contrato para um fim meramente pessoal (cf. declarações da Reclamante);
g) A Reclamada dedica-se de forma profissional à comercialização destes serviços (cf. facto público);
h) O contrato apresentado à Reclamante tinha o valor total de 4.500€ (quatro mil e quinhentos euros) (cf. declarações da Reclamante e flhs. 4 e ss. do processo);
i) Foi comunicado à Reclamante que aquele valor apenas se encontrava disponível naquela data, pelo que se quisesse aproveitar o mesmo deveria fazê-lo ali (cf. declarações da Reclamante);
j) A Reclamante procedeu ao pagamento do valor de forma integral através de cartão de crédito por não dispor, no momento, de tal valor na sua conta à ordem (cf. declarações da Reclamante e flhs. 8 e 9 do processo);
k) O terminal de pagamento não estava a funcionar, pelo que o vendedor contactou um administrador e forneceu os dados do cartão de crédito da Reclamante para tentar ultrapassar a questão (cf. declarações da Reclamante);
l) A transação efetuada com o cartão de crédito da Reclamante consubstanciou, contrariamente ao explicado à mesma, um carregamento de um cartão Revolut cujo titular surge com a designação de (cf. declarações da Reclamante e flhs. 8 e 9 do
processo);
m) A Reclamante acreditou que estava a proceder a uma compra e não a um carregamento de um cartão Revolut (cf. declarações da Reclamante);
n) A transação efetuada teve um custo total de 188,24€ (cento e oitenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos) (cf. declarações da Reclamante e flhs. 8 e 9 do processo);
o) À saída e depois de assinar o contrato, a Reclamante pediu ao vendedor que lhe disponibilizasse a documentação que tinha com ele, de modo a poder confrontar a mesma com o contrato assinado, o que lhe foi negado (cf. declarações da Reclamante);
p) O vendedor prometeu enviar a documentação, bem como a cópia da fatura do pagamento por e-mail, o que nunca veio a suceder (cf. declarações da Reclamante);
q) Face à conduta omissiva do vendedor, a Reclamante procedeu à análise detalhada do contrato e verificou que não correspondia, na sua generalidade, ao que lhe tinha sido publicitado na sessão, sendo menos vantajoso (cf. declarações da Reclamante);
r) A 07.06.2023 a Reclamante enviou uma carta registada à Reclamada, na qual exerceu o seu direito de livre resolução do contrato (cf. declarações da Reclamantee flh. 3 do processo);
s) A carta registada tem o carimbo de entrada nos CTT com a data de 07.06.2023, com a hora 16:59:48 e o código de registo RL 1347 6857 1 PT (cf. cópia do registo dos CTT junta aos autos);
t) A carta foi enviada para a morada Rua Lisboa, que é a morada indicada no
formulário preenchido pela Reclamante aquando da celebração do contrato (cf. declarações da Reclamante e flh. 4 do processo);
u) A Reclamada não recebeu a carta, nem foi buscar a mesma aos CTT, tendo ignorado o contacto da Reclamante (cf. declarações da Reclamante);
v) A Reclamante iniciou contactos com o Administrador Xx , o qual lhe prometeu
que iria tratar do reembolso, mas nada fez (cf. declarações da Reclamante);
w) O Administrador Sr.----deixou de atender os telefonemas da Reclamante e a situação mantém-se por resolver até aos dias de hoje (cf. declarações da Reclamante).
3.2. Motivação
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto fundou-se no conjunto de documentos juntos aos autos, bem como na prova produzida na audiência de discussão e julgamento, através das declarações da Reclamante. A análise da prova produzida junto do Tribunal foi realizada pelo mesmo à luz das regras da repartição do ónus da prova, recorrendo a juízos de normalidade e de experiência.
Pese embora tenha sido regulamente citada, a Reclamada não se pronunciou no âmbito deste processo, nem compareceu na audiência de julgamento, Xxxx exposto, assim fundou o Tribunal a sua convicção quanto à matéria considerada como provada e não provada.
3.2. De Direito
O Tribunal é competente para a resolução do presente litígio, ao abrigo do artigo 14.o- 2 da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.o 24/96, de 31 de julho), segundo o qual “os conflitos de consumo de reduzido valor económico estão sujeitos a arbitragem necessária ou mediação quando, por opção expressa dos consumidores, sejam submetidos à apreciação de tribunal arbitral adstrito aos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados”, bem como ao abrigo dos artigos 4.o e
5.o do Regulamento Harmonizado para todos os Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há nulidades ou questões prévias de que cumpra oficiosamente conhecer.
*
Entre a Reclamante e a Reclamada foi celebrado, no dia 01.06.2023, um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual a Reclamante, ao ser titular do cartão ,
poderia, junto com vouchers, pagar estadias e viagens organizadas a preços que comportavam descontos exclusivos. O contrato foi celebrado no Hotel , ao qual a
Reclamante foi atraída com a promessa de receber um voucher de viagem. O Hotel ---
não configura o estabelecimento da Reclamada.
Após uma sessão longa e intensiva de publicidade, a Reclamante subscreveu os serviços e pagou o valor integral de 4.500€ (quatro mil e quinhentos euros) de cartão de crédito, ao qual foram cobradas taxas elevadas. No dia 07.01.2023 a Reclamante exerceu o seu direito de livre resolução do contrato, porém a Reclamada nem quis rececionar a carta, nem procedeu ao reembolso.
Estamos, por conseguinte, perante um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial. Com efeito, nos termos do Decreto-Lei n.o 24/2014, de 14 de Fevereiro, relativo aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, encontramos o conceito de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial no art. 3.o, al. i), onde se dispõe que este é “o contrato que é celebrado na presença física simultânea do fornecedor de bens ou do prestador de serviços e do consumidor em local que não seja o estabelecimento comercial daquele”. Na subalínea vi) do mesmo preceito incluem-se também os “celebrados no local indicado pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços ou pelo seu representante ou mandatário”1.
Esta foi, precisamente, a situação em apreço nos autos: a Reclamante foi contactada para se deslocar, pelos seus próprios meios, ao Hotel a fim de receber o dito voucher
e assistir a uma apresentação.
Por conseguinte, podemos concluir que o presente litígio se subsume ao âmbito do por conseguinte, no âmbito do Decreto-Lei n.o 24/2014, de 14 de Fevereiro, relativo aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, conforme resulta da aplicação do seu art. 2.o, n.o 1.
Nos termos do art. 10.o do referido diploma, estabelece-se no seu n.o 1 que o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias. O prazo começa a contar-se no dia da celebração do contrato quando o mesmo seja de prestação de serviços (cf. art. 10.o, n.o 1, al. a) do referido diploma).
1 Sobre o conceito de contrato celebrado à distância, cf., por todos, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Manual de Direito do Consumo, 8.a Edição, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 308 e ss.
Estamos, neste contexto, perante um direito imperativo (cf. art. 29.o do referido diploma) da Reclamante e de exercício livre de justificações: funciona precisamente como um período em que, tendo celebrado o contrato em situações potencialmente anormais e abusivas, o consumidor pode repensar a sua decisão e arrepender-se da mesma, resolvendo o contrato. O exercício deste direito é amplamente regulado no art.
11.o do diploma, pelo que importa analisar o mesmo para determinar se a Reclamante cumpriu com o legalmente previsto. Tal como resulta do art. 11.o, n.o 1, no que concerne ao conteúdo da comunicação basta, para o exercício do direito, que o consumidor emita a declaração inequívoca de resolução do contrato. O que significa que da mesma não podem resultar dúvidas quanto à finalidade do consumidor, devendo interpretar-se de acordo com o disposto no n.o 2 do art. 11.o: “considera-se inequívoca a declaração em que o consumidor comunica, por palavras suas, a decisão de resolver o contrato designadamente por carta”.
Atendendo aos factos considerados como provados e à prova junta aos autos, foi exatamente o que sucedeu no presente caso: a Reclamante informou a Reclamada, através de carta registada, que vinha “pela presente exercer o direito de livre resolução, no prazo legalmente previsto para o efeito” (cf. facto provado r). Na mesma missiva (cf. facto provado r) solicitou o “reembolso do valor pago relativo ao contrato no montante de €4.500,00, acrescido de €188,24 (...) cobrados pelo Banco Santander pela vossa iniciativa de utilizar o meu cartão de crédito para carregar um cartão Revolut”.
Por outro lado, ao apresentar quer o conteúdo da carta, quer o comprovativo do registo postal, a Reclamante provou junto do Tribunal o regular exercício do seu direito de livre resolução.
Pelo exposto, verificou-se a resolução do contrato ao abrigo do direito de arrependimento, devendo verificar-se os efeitos previstos no n.o 6 do mesmo artigo: a extinção das obrigações de execução do contrato, com a respetiva devolução dos valores cobrados. A Reclamada deve ser colocada na mesma posição em que se encontraria caso não tivesse procedido à celebração do contrato supra identificado.
4. Decisão
Pelo exposto, considera-se totalmente procedente o pedido da Reclamante, condenando- se a Reclamada na devolução de 4.688,24€ (quatro mil e seiscentos e oitenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos) e no reembolso à Reclamante de todos os valores suportados com o presente processo, os quais se contabilizaram em 50€ (cinquenta euros).
Fixa-se à ação o valor de 4.688,24€ (quatro mil e seiscentos e oitenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos), que corresponde ao valor indicado pela Reclamante e que não mereceu oposição da Reclamada.
Sem custas adicionais. Notifique, com cópia.
Lisboa, 10 de dezembro de 2023.
A Juiz Árbitro
(Doutora Xxxxxxx Xxxxxxx)