RELATIVIDADE E FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
RELATIVIDADE E FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx*
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Os princípios clássicos do contrato. 3. A autonomia da vontade. 4. O sistema contratual. 5. A nova ordem contratual. 6. O efeito relativo do contrato. 7. Os efeitos do contrato. 8. A função social do contrato. 9. Conclusão. Referências.
RESUMO: A compreensão das transformações ocorridas no mundo ao longo dos séculos em torno do direito obrigacional poderá ser de grande valia para uma nova interpretação dos contratos civis, que agora possuem uma nova função, não apenas para servir aos interesses das partes contratantes, mas, também, para atender ao interesse da coletividade. O que se objetiva é uma releitura do princípio da relatividade dos contratos, bem como seus efeitos perante terceiros, tendo por base sua averiguação sob o prisma de outro princípio que ora ingressa de forma decisiva na órbita contratual: a função social do contrato.
Palavras-chave: Função Social dos Contratos; Autonomia da Vontade; Relatividade dos Contratos.
ABSTRACT: The understanding of the occured transformations in the world to the long one of the centuries around the contracts law could be of great value for a new interpretation of the civil contracts, that now possess a new function, not only to serve to the interests of the contracting parties, but, also, to take care of to the interest of the collective. What if objective it is a releitura of the principle of the relativity of contracts, as well as its effect before third, having for base its ascertainment under the prism of another principle that however enters of decisive form the orbit contratual: a social function of the contract.
Keywords: Social function of Contracts; Autonomy of the Will; Relativity of the Contract.
1. Introdução
A partir da revolução burguesa do início do século XIX o contrato passou a ter importância relevante na realização dos ideais de aquisição da propriedade e para os fins da revolução industrial. A noção de liberdade e igualdade era o símbolo daquela era liberal, onde todos nasciam livres e iguais, porém, com o passar dos tempos, verificou-se que essa idéia não era verdadeira face aos abusos do capitalismo, principalmente sobre os trabalhadores operários.
Com o advento do novo Código Civil, uma década após o Código de Defesa do Consumidor, muitas indagações surgiram em torno de sua real inovação jurídica, entre elas, o novo papel do contrato e os novos paradigmas que o norteiam.
O novo contrato na ótica constitucional deve cumprir sua função social, a ela condicionados os interesses individuais, que considera a desigualdade material das partes. Com efeito, nossa Constituição informa que a ordem econômica tem por finalidade "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social" (art. 170). A justiça social importa "reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º e inciso VII do art. 170). São, portanto, incompatíveis com a Constituição as políticas econômicas públicas e privadas denominadas neoliberais, pois pressupõem um Estado mínimo e total liberdade ao mercado, dispensando a regulamentação da
* Mestrando em Relações Privadas e Constituição pela FDC. Especialista em Direito do Trabalho. Técnico judiciário do TRT da 1ª Região.
ordem econômica, que só faz sentido por perseguir a função social e a tutela jurídica dos mais fracos e por supor a intervenção estatal permanente (legislativa, governamental e judicial).
Outro interessante campo de transformação da função dos contratos é o dos contratos coletivos, negociações ou convenções coletivas, já amplamente utilizadas no meio trabalhista. À medida que a sociedade civil se organiza, o contrato coletivo se apresenta como um poderoso instrumento de solução e regulação normativa dos conflitos transindividuais. O Código do Consumidor, por exemplo, prevê a convenção coletiva para regular os interesses dos consumidores e fornecedores, através de entidades representativas. Assim, os acordos são firmados estabelecendo regras de convivência comunitária e de pleno desenvolvimento de seus membros.
Em nossas sociedades atuais, o contrato, em seu modelo tradicional, converte-se em instrumento de exercício de poder, que rivaliza com o monopólio legislativo do Estado. As condições gerais dos contratos, verdadeiros códigos normativos privados, são predispostos pela empresa a todos os adquirentes e usuários de bens e serviços, constituindo em muitos países o modo quase exclusivo das relações negociais. A legislação contratual clássica é incapaz de enfrentar adequadamente estes problemas, o que tem levado todos os países organizados, inclusive os mais ricos, a editarem legislações rígidas voltadas à proteção do contratante mais fraco (hipossuficiente e vulnerável), apesar da retórica neoliberal.
Hipossuficiente é a parte economicamente mais fraca ou "não auto-suficiente", segundo a definição do Novo Dicionário Aurélio, encontra-se assim, dependendo das circunstâncias que envolvam o negócio jurídico, vulnerável na relação contratual, o que exige uma proteção através de normas garantidoras da igualdade de tratamento.
Surge, portanto, a constitucionalização e a repersonalização do direito privado, tendo como fonte o princípio da dignidade humana, que serve de base para a nova interpretação funcional do contrato moderno.
O direito civil deixa de se constituir em um sistema fechado, aos moldes dos ideais liberais oitocentistas, para ressurgir como um novo sistema aberto que permita uma melhor integração de seus princípios à realidade do caso concreto, seja em que tempo for. Por isso, o estudo do processo de evolução do contrato, bem como a análise de seus princípios, será de grande valia para se compreender sua utilização nos dias atuais e como poderá ser desenvolvido no futuro.
Não será tratado aqui nenhum tipo de contrato em particular, mas diretrizes para a aplicação dos princípios constitucionais a todo tipo de contrato do direito privado.
2. Os princípios clássicos do contrato
O contrato, em maior ou menor intensidade, desde a antiga Roma até o início do século passado, inspirou-se em quatro princípios, ditos clássicos, sendo eles: a autonomia da vontade, a pacta sunt servanda ou força obrigatória, a relatividade dos efeitos dos contratos e o consensualismo, e em síntese, satisfazia aos interesses egoístas dos mais fortes em detrimento dos menos favorecidos, na medida em que pertencia a um direito que servia como instrumento de dominação social.
Ocorre que o atual estágio evolutivo da sociedade não mais admite a prevalência de um sistema que opere de modo alheio a ideais que persigam a justiça social26, regra elevada à condição de fundamento da república.
Os princípios precisam ser observados em sua concepção original, a fim de evitar que conceitos superados sejam utilizados impondo-se ao intérprete, antes de qualquer outro passo, o
26 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Teoria crítica do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 441.
dever de aferir se o negócio pactuado respeita “valores existenciais”27, para somente num momento posterior, e na necessária presença deste aspecto humanístico, julgar sua eficácia patrimonial.28
Atualmente, não se admite que sob a égide da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, os contratos fiquem sem limites, tendo em vista que as atenções devem estar focados na pessoa humana e não mais na propriedade, ante a introdução da cláusula geral de solidariedade social no texto constitucional.29
3. A autonomia da vontade
Não se pode confundir a autonomia da vontade com a autonomia privada, pois muito embora sejam figuras próximas, possuem roupagem distinta e, portanto, são merecedoras de tratamento diferenciado. A primeira sintetiza-se na faculdade atribuída aos indivíduos de pactuarem ou não um negócio jurídico, de escolherem o parceiro e ainda de estabelecerem o conteúdo negocial, enfim, de se obrigarem ou não à determinada prestação, por meio da análise subjetiva do objeto perseguido. A autonomia privada consiste na possibilidade atribuída e garantida às partes de auto-regrarem suas relações jurídicas, por meio do poder jurígeno que lhes é concedido pelo Estado como sujeitos de direito.
Tem-se então que a autonomia da vontade consiste na faculdade dada pelo sistema “às vontades particulares de regularem, elas próprias, todas as condições e modalidades de seus vínculos”30, de escolher por meio de declaração de vontade, se contrata qual o objeto que contrata e com quem irá contratar.
Sustentava-se que a “vontade é a expressão da liberdade humana”31 e atuando como que “o cavaleiro da metafísica iluminista”32 seria hábil a enfrentar qualquer desafio. Em razão da leitura clássica do princípio em questão, sustentou-se que seria inconcebível que o homem se obrigasse a algo que não lhe trouxesse benefícios, de fato, situação ontologicamente inaceitável numa sociedade em que predominava a igualdade formal.
Defendeu-se, portanto, por longa data que ninguém estaria obrigado a contratar, senão mediante a manifestação livre e desimpedida de sua própria vontade, reinando o individualismo categórico33; mas na medida em que as partes se obrigassem, o estado só estaria autorizado a intervir visando tutelar a vontade manifestada, não podendo promover a inserção ou a supressão de cláusulas34, ou seja, não podendo alterar aquilo que fora livremente estipulado pelas partes.
Mesmo no ápice da Revolução Francesa, a liberdade de contratar nunca fôra absoluta35, encontrando, à luz da doutrina clássica, limites na ordem pública e nos bons costumes36, conceitos fluidos e de complexa delimitação no plano concreto. Para além de tais restrições, há de se frisar
27 XXXXXXXXXXX, Xxxx. Teoría de la constitución. Barcelona: Ariel, 1970. p. 390.
28 XXXXX, Xxxxx. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 36.
29 Ibidem, p. 42.
30 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide. 2001, p. 16.
31 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São Paulo: Método, 2002, p. 38.
32 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. O princípio da eticidade no direito contratual. In: XXXXX, Xxxxx (Org.).
Contrato & Sociedade.Curitiba: Juruá, 2004. v. 1, p. 27.
33 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São Paulo: Método, 2002, p. 38.
34 De XXXXX, Xxxxxxx. A problemática da aplicação do princípio da autonomia privada nas relações contratuais contemporâneas. In: XXXXX, Xxxxx (Org.). Contrato e Sociedade, v. 1. Curitiba: Juruá, 2004, p. 84.
35 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Da autonomia da vontade nas relações de consumo. Leme: Editora de Direito. 2002, p. 35.
36 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 24.
que hodiernamente, não é apenas o estado37 que impõe limites ao pleno exercício da vontade enquanto nascedouro de obrigações, mas especialmente a sociedade em sua busca pelo bem comum.
O fenômeno da massificação das relações negociais limitou drasticamente a possibilidade de escolha, quer de quem se pretende escolher como parceiro no contrato, quer ainda do conteúdo do negócio entabulado, em prejuízo quase que exclusivo da parte aderente, posto que sujeita a práticas contratuais construídas sobre a sombra de anos de experiência e repetição das mesmas condutas.
Felizmente, fatores de estímulo ao aumento das desigualdades não foram ignorados pelo legislador civilista, que dá novos contornos ao princípio da autonomia privada, sujeitando-a aos limites da boa-fé objetiva e da função social do contrato38, respeitados os ideais de justiça comutativa.39
Com efeito, ainda resta assegurado às partes, amplo poder de pactuar a norma, por conta do valor e da amplitude garantida pelo sistema à livre manifestação de vontade, bastando observar, de um modo geral, sob pena de invalidade do pacto firmado ou simplesmente da cláusula leonina, que este não seja antijurídico e ainda não produza efeitos anti-sociais.40
Não se busca limitar os efeitos da manifestação volitiva, ao contrário, pretende-se protegê- la na medida em que se afasta o dogma das codificações oitocentistas, nascidas no contexto político do estado liberal e que se embasam na tese de que toda contratação seria justa por ter nascido no livre exercício da vontade humana e conseqüentemente autoriza o reequilíbrio, quando necessário, das relações nascidas sob a égide da autonomia privada.
A diminuição da intensidade da autonomia privada, diante do dirigismo estatal e da prática cada vez mais freqüente dos contratos de adesão, operou o enfraquecimento da ideologia do contrato como fruto da liberdade individual. Embora já se tenha afirmado o declínio e até mesmo a morte do contrato41, na realidade há a sua transformação para atender a novas realidades e desafios vividos pela sociedade42.
Nas palavras de Xxxxxx, “o contrato já não é ordem estável, mas eterno vir a ser”. A noção de liberdade contratual havia sido construída como projeção da liberdade individual, ao mesmo tempo em que se atribuía à vontade o papel de criar direitos e obrigações. A força obrigatória do contrato era imposta como corolário da noção de direito subjetivo, do poder conferido ao credor sobre o devedor. Com a evolução da ordem jurídica, já não tem mais o credor o mesmo poder, o direito subjetivo sofre limites ao seu exercício e não compete aos contratantes, com exclusividade, a autodeterminação da lex inter partes, que sofre a intervenção do legislador e pode submeter-se à revisão pelo juiz43. Para ele, “o declínio do contrato não provém unicamente da limitação cada vez mais estreita do seu domínio; tem outra causa: a negação audaciosa da força contratual”. O contrato já não é considerado como o ato criador da obrigação e o vínculo obrigacional já não dá ao credor poder sobre o devedor.
37 DIEZ-XXXXXX, Xxxx. Fundamentos del derecho civil patrimonial: las relaciones obligatorias. Madrid: Civitas, 1996. v. 2. p. 128.
38 BIERWAGEN, Xxxxxx Xxxxxxxxx. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 32.
39 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: XXXXX, Xxx Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx. (Org.). Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 73.
40 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Coimbra: Coimbra Editora, 1969. t. 1. p. 224.
41 XXXXXXX, Xxxxx. The death of contract. 2nd ed. Columbus: Ohio State University Press, 1995.
42 TELLES, Xxxxxxxxx Xxxxxx. Manual dos Contratos em Geral. 3. ed. Lisboa: Lex, 1995, p. 65.
43 XXXXXX, Xxxxxxx. O Regimen Democrático e o Direito Civil Moderno. Tradução por X. Cortezão. São Paulo: Saraiva, 1937, p. 313-314.
O reconhecimento da força contratual é uma concepção do individualismo jurídico e a idéia de um direito subjetivo conferido ao credor está ultrapassada. O contrato cria simplesmente uma situação jurídica que não poderá ser mais imutável, essa situação jurídica gera conseqüências que o legislador determina soberanamente e o ato da vontade consiste unicamente em submeter-se à lei do contrato, mas não pertence às partes decidir para sempre, e em todos os casos, qual seja essa lei”. Assim, o credor já não possui um direito adquirido, mas a simples esperança de que o juiz tenha as suas pretensões como legítimas.
Acentua-se o caráter da ordem pública como expressão da lógica intrínseca dos contratos, sendo esta uma das linhas mestras da ordem econômico-social constitucional.
Segundo Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx:
A ordem pública não só pode ser induzida de um conjunto de normas ou quadros normativos que imperativamente organizam as instituições jurídicas e de certos valores fundamentais com assento constitucional (...), como pode ser a expressão da lógica intrínseca de uma instituição, ou ainda da idéia de ‘razoabilidade’, no sentido do que os americanos chamam o negative clearing-test: no sentido de que o direito se recusa a dar cobertura ao exercício de uma discricionariedade manifestamente irrazoável (proibição do excesso).44
Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, refletindo sobre a imperiosa necessidade de revisão da teoria do contrato, afirma ser a tarefa deste “não apenas uma expressão de liberdade, mas também um instrumento de libertação: dos homens e dos povos”45.
A autonomia privada, antes uma liberdade dos cidadãos em face do Estado, é mitigada em prol da justiça substancial, deslocando-se o eixo da relação contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança46. Xxxx Xxxxx Xxxxxx assim enfatiza o tema:
Um claro cenário se produz em torno da confiança: o repensar das relações jurídicas nucleadas em torno da pessoa e sua revalorização como centro das preocupações do ordenamento civil. O tema de tutela da confiança não pode ser confinado a um incidente de retorno indevido ao voluntarismo do século passado, nem é apenas um legado da Pandectística e dos postulados clássicos do Direito Privado. Pode estar além de sua formulação inicial essa temática se for posta num plano diferenciado de recuperação epistemológica.
A proteção da confiança envolve o vínculo contratual, a partir das normas cogentes que visam assegurar o equilíbrio das partes da relação jurídica, mediante a proibição das cláusulas abusivas e a adoção de novos paradigmas interpretativos, bem como, no que concerne ao objeto do contrato, procura garantir a adequação do produto ou serviço, além de prevenir riscos e reparar prejuízos. Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, com enfoque na proteção da confiança nas relações de consumo, explica que:
O CDC institui no Brasil o princípio da proteção da confiança do consumidor. Este princípio abrange dois aspectos: 1) a proteção da confiança no vínculo contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram assegurar o equilíbrio do contrato de consumo, isto é, o equilíbrio das obrigações e deveres de cada parte, através da proibição do uso de cláusulas abusivas e de uma interpretação sempre pró-consumidor; 2) a proteção da confiança na
44 XXXXXXX, X. X. Do Princípio da Liberdade Contratual. In: Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx - Obra Dispersa. Braga: Scientia Iuridica, 1991, v. I, p. 642-643.
45 XXXXXXX, X. X. Por uma nova teoria dos contratos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 261, 1978, p. 35. 46 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. O “aggiornamento” do direito civil brasileiro e a confiança negocial. In: Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 145.
prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou do serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços47.
Toda conduta desperta expectativas quanto à futura conduta do agente, implicando, de modo geral, uma autovinculação. A ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada no comportamento: poder confiar, além de ser “uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens”, é “condição básica da própria possibilidade de comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação”48.
4. O sistema contratual49
O Contrato é formado por três níveis diferentes chamados sistema contratual50 :
1. Nível das relações pessoais entre as partes contratantes (nível de interação);
2. Nível do mercado e da organização, que vai além do mero contrato individual (nível institucional) e
3. Nível da inter-relação entre os grandes subsistemas sociais, como política, economia e direito (nível social). Acrescenta o autor que “estes níveis devem ser entendidos não como patamares hierárquicos, mas antes como modos distintos de desenvolvimento do sistema tornados gradualmente independentes uns dos outros, que encontram no contrato, a que todos estão ligados, uma espécie de ponto comum”.
No plano da interação, percebe-se que as normas contratuais formalizadas no acordo negocial precisam ser complementadas por um feixe de expectativas informais, cuja origem não pode decerto encontrar-se nas explícitas declarações de vontade das partes, mas que, ao mesmo tempo, não podem ser simplesmente derivadas de uma interpretação ex lege das normas jurídicas estatais modeladoras do figurino contratual51.
No plano institucional, estão em causa conexões designadamente com o mercado. Constata- se que os contratos estão integrados num contexto institucional mais vasto, que o direito contratual deve levar em conta. Deve-se buscar a adaptabilidade das obrigações contratuais às estruturas institucionais (o que o clássico direito dos contratos é incapaz de realizar), ora mediante a imposição de obrigações contratuais adicionais (anexas às estipuladas pelas partes), ora através da limitação de direitos decorrentes do contrato, com o emprego da técnica de legislar por cláusulas gerais52.
No plano da sociedade, afinal, são tratadas as exigências que o sistema social, no seu conjunto, põe para o contrato: a primazia ilimitada do consenso das partes não pode ser a única determinante da ordem contratual:
47 MARQUES, Xxxxxxx X. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 127.
48 XXXXXXX, X. X. Tutela da Confiança e “Venire Contra Factum Proprium”. In: Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx - Obra Dispersa, cit., p. 352-353.
49 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos.
50 XXXXXXX, Xxxxxxx. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993,
p. 236. Vide também XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 1999, p. 11.
51 XXXXXXX, X. Op. cit., p. 239.
52 Idem, p. 240-241.
Quer se trate de questões de consciência individual, de proibições religiosas, de regulação política ou de controlo econômico. Devido ao seu alto grau de indeterminação, a cláusula geral é particularmente adequada para a conciliação de envolventes sociais instáveis, portadoras de exigências permanentemente mutáveis e discrepantes53.
A noção de cláusula geral pode ser entendida como a “formulação de uma hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos”. Conceitualmente, contrapõe-se a uma elaboração casuística das hipóteses legais, “que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria”. A grande vantagem da cláusula geral sobre o casuísmo está em, graças à sua generalidade e abertura, tornar possível regular um vasto número de situações, que talvez sequer pudessem ser já previstas ao tempo da edição da lei respectiva, enquanto a técnica casuística enseja o risco de uma regulação fragmentária e provisória da matéria abrangida54.
Segundo Xxxxxxx, “...a cláusula geral pode ser vista como uma regra de conflitos, como quadro de referência quer para a resolução de conflitos ou colisões em qualquer desses três níveis de formação sistêmica, quer para a respectiva sincronização jurídica”55.
5. A nova ordem contratual
O contrato previsto e regulado pelo direito deve ser justo, rejeitando-se a idéia de um contrato ao mesmo tempo injusto e eficaz31. A teoria contratual, tal qual se conhece nos dias de hoje, sofreu grande influência graças ao desenvolvimento da economia e da sociedade capitalistas, as quais trouxeram consigo os fenômenos da massificação e da estandardização32. O fenômeno resultaria da necessidade de se uniformizar e estandardizar as práticas e modelos contratuais a uma época de produção e distribuição em massa34.
Tal massificação e estandardização nas relações negociais teriam origem, também, numa nova realidade dentro das empresas: quem passou a subscrever os contratos em nome dos fornecedores de produtos ou serviços não detinha poder de decisão, não podendo, ainda que o quisesse, modificar-lhes a estrutura ou conteúdo.
A utilização de contratos-tipos e a ausência de negociação apresentam-se como conseqüências inevitáveis da centralização dos poderes de decisão sobre a produção e distribuição e as relações contratuais de massa. O número e a repetição dos contratos, a necessária rapidez para que os mesmos fossem concluídos e a intervenção de prepostos sem qualquer poder de decisão, impediriam, em face da distribuição moderna de bens e serviços, qualquer negociação suscetível de modificar os modelos pré-redigidos para serviços especializados35.
Assiste-se a um fenômeno conhecido como socialização do direito, que irá gerar o intervencionismo do Estado, a proliferação da lei, a publicização do Direito privado, a direção da economia, a criação de uma seguridade social, a crise da autonomia da vontade, as restrições à liberdade, a regulação heterogênea das relações, a proteção do economicamente débil, a profissionalização das atividades, o fortalecimento das associações de pessoas em razão de sua
53 XXXXXXX, X. Op. cit., p. 242.
54 XXXXXXX, Xxxx. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 228-229.
55 XXXXXXX, X. Op. cit., p. 237.
31 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 164.
32 XXXXX, Xxxxxxx; DE XXXX, Xxxxxxx. Il contratto – tomo II. In: XXXXX, Xxxxxxx (dir.). Trattato di Diritto Civile. Turim: Utet, 1993, p. 3.
34 XXXXX, Xxxxxxxx. Op. cit., p. 41.
35 XXXXXXX, Xxxxxx. Le contrat en droit allemand. Paris: L.G.D.J., 1993, p. 51.
incumbência na produção, a empresa como a síntese do capital e do trabalho e a predominante imperatividade das normas36.
Novos princípios informadores do contrato passaram a ser necessários ante tão nova realidade, já que os princípios liberais mostravam-se notoriamente insuficientes para explicá-la e regulá-la. Coube, então, à doutrina extrair do ordenamento legal princípios capazes de desempenhar aquele mister. O contrato, que já exerceu uma função individual, vinculada à ideologia do liberalismo, começa a ser reestruturado para atender e exercer uma função social, calcado no princípio da solidariedade, onde o igualitarismo passa a ser dominante, com suas demandas de justiça social37.
6. O efeito relativo do contrato
No direito romano clássico, a natureza do vínculo obrigatório, em sendo extremamente pessoal, exigia a relatividade dos efeitos do contrato. Res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse potest (os atos concluídos por uns não podem beneficiar ou prejudicar a outrem), diziam os juristas naquele período. A impossibilidade de cessão entre vivos das obrigações se constituía num princípio, de cuja aplicação resultavam graves inconvenientes práticos.
Somente os sujeitos que participassem pessoalmente das fórmulas criadoras do liame obrigatório poderiam estar vinculados. Particularmente a troca de palavras rituais da stipulatio não poderia ser eficaz senão em face de quem as tivesse pronunciado38.
O postulado da autonomia da vontade, outrossim, ao assegurar que os indivíduos são livres para contratar ou não fazê-lo; para escolher o parceiro contratual e o conteúdo do contrato firmado, estabelece, de outro lado, que os efeitos advindos do vínculo devem circunscrever-se àqueles que tenham dado seu consentimento; expressado a vontade de integrar o negócio jurídico, limitando às partes contratantes os efeitos do contrato. Cada indivíduo não pode obrigar-se senão a si próprio39.
A doutrina belga subdivide os efeitos do contrato em duas categorias: efeitos internos e efeitos externos, os primeiros, concernentes em princípio somente às partes, consistem nos direitos e obrigações (rectius deveres) nascidos do contrato. Assim, na compra e venda, os efeitos internos do contrato seriam, para o vendedor, a transferência da propriedade e entrega da coisa; para o comprador, o pagamento do preço. Os segundos traduzem a própria existência do contrato, realidade que os terceiros não podem desconhecer. Assim, embora no contrato de compra e venda os terceiros não possam ser obrigados a entregar a coisa vendida ou a pagar o respectivo preço, os credores do comprador e do vendedor, por exemplo, sofrerão, necessariamente, os "efeitos" da operação40.
Constata-se, em alguns casos, uma extensão das conseqüências propriamente jurídicas dos contratos em face dos terceiros, bem como se propaga a idéia de que a sociedade não se compõe de uma soma das relações interindividuais, tão-somente, apresentando-se, ao contrário, muito mais rica em termos relacionais41.
A força obrigatória dos contratos decorre do valor atribuído à promessa pela lei e não da promessa em si mesma. É possível, assim, que a própria lei, visando atender a determinado
36 XXXXXXX, Xxxxxxx. Rapport introductif. In: XXXXX, Xxxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx (dir.). Les Clauses Abusives entre Professionnels. Paris: Economica, 1998, p. 8.
37 XXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Derecho de Obligaciones. Madri: Editorial Ceura, 1983, p. 232-233.
38 XXXXXXX, Xxxxxxx. Introduction (rapport français). In: XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx (dir.). Les effets du contrat à l’égard des tiers: comparaisons franco-belges. Paris: L.G.D.J., 1992, p. 7.
39 Idem. Op. cit., p. 06.
40 XXXXXXXX, Xxxxxx. Les effets "internes" et les effets "externes" des contrats. In: XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx (dir.). Xxx xxxxxx xx xxxxxxx x x’xxxxx xxx xxxxx: xxxxxxxxxxxx xxxxxx-xxxxxx. Xxxxx: L.G.D.J., 1992, p. 41-42.
41 XXXXXXX, Xxxxxxx. Traité de Droit Civil: Les effets du contrat. Op. cit., p. 720.
imperativo, aumente o círculo de pessoas obrigadas aos termos da convenção, para além daqueles sujeitos que a tiverem subscrito42.
Pessoas estranhas ao contrato podem ser atingidas por seus efeitos em alguns casos, como se dá, por exemplo, com os sucessores, tanto a título universal como a título singular. "A sucessão os transforma em partes supervenientes, retirando-lhes a condição de terceiros em face do ato, de cuja formação não participaram"43.
O direito tradicional é firmado na concepção de que os efeitos do contrato ficam restritos apenas às partes dele participantes, podendo, em via de exceção, produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros não inseridos no vínculo contratual.
É o que exprimem as regras res inter alios acta, aliis neque nocet neque potest e res inter alios iudicatae alii non praeiudicant e alteri stiplari non potest. Trata-se, enfim, do princípio da relatividade dos contratos, segundo o qual o contrato só ata aqueles que dele participaram. Seus efeitos não podem nem prejudicar nem aproveitar a terceiros.
O princípio se refere à eficácia do contrato. Este, por conseguinte, somente estará apto a produzir efeitos em relação a terceiros se tais efeitos encontrarem amparo legal. Os juristas não se descuram dessa hipótese, assim prescreve o art. 1.372, do código civil italiano: “Il contratto ha forza di legge tra le parti. Esso non produce effetto rispetto ai terzi che nei casi previsti dalla legge”.44
Sendo assim, nítido resta demonstrado que a relatividade das convenções não têm caráter absoluto, eis que comportam exceções. No caso do direito civil brasileiro nem todos os casos de extensão dos efeitos dos contratos a terceiros estão previstos na legislação.
Cabe relembrar que partes são centros de interesses compostos pelos sujeitos que integram o vínculo contratual e terceiros são pessoas estranhas a essa relação jurídica que, no entanto, podem vir a sofrer as conseqüências do contrato ou auferir suas vantagens. Justifica-se tal retorno a noções elementares da teoria geral dos contratos na medida em que freqüentemente se confunde com os sucessores causa mortis – tanto a título universal quanto singular – e os sucessores inter vivos, a título particular, com os terceiros, o que na verdade constitui-se um equívoco, visto que ao assumirem a posição dos seus predecessores tornam-se partes nos contratos. Também nos contratos coletivos, quer nos oriundos das relações trabalhistas, quer nos relativos ao consumidor, por vezes se verifica certa incorreção técnica ao se definir, como terceiros, a coletividade de pessoas que será atingida por seus efeitos.
O princípio da relatividade do contrato não se aplica apenas no que se refere aos sujeitos, mas também ao objeto. No dizer de Xxxxxxx Xxxxx, “o contrato tem efeito apenas a respeito das coisas que caracterizam a prestação”45. Sílvio de Salvo Venosa, nesse tocante, faz importante esclarecimento: “o contrato sobre bem que não pertence aos sujeitos não atinge terceiros”46. Deve- se ter em mente que a relatividade do contrato é ato de autonomia contratual, por meio do qual as partes têm a prerrogativa de regular seus próprios interesses47.
O princípio da relatividade dos contratos surgiu entre os romanos em virtude do caráter estritamente pessoal que cercava a obrigação dentro da sistemática do direito que construíram primitivamente, a qual importava na sujeição pessoal do obligatus ao poder – manus – do credor 48. A pessoalidade da obrigação impedia que o contrato projetasse seus efeitos com relação a terceiros não participantes do mesmo no momento de sua formação. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx 49, analisando a problemática dos efeitos do contrato perante terceiros no período do direito romano, tendo por
00 XXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Op. cit., p. 446.
43 XXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 06.
44 XXXXXX, X. Massimo. Diritto civile. Milano: Giuffrè, 1987. v. 3 (Il contratto), p. 535.
45 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 44.
46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 27.
47 XXXXXX, X. Massimo. Op. cit. p. 536.
48 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Contrato. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
49 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito romano. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 2, p. 126-128.
base a estipulação em favor de terceiro e a promessa de fato de terceiro. Nos direitos pré-clássico e clássico, o contrato a favor de terceiro era nulo, não produzindo efeitos quer com relação às partes contratantes, quer com referência ao terceiro.
O princípio da nulidade do contrato a favor de terceiro sofreu uma atenuação, ele seria válido entre as partes contratantes quando independentemente de stipulatio poena, uma delas tivesse interesse próprio no cumprimento da obrigação. Somente no direito justinianeu, posto que se admitiu que o terceiro tivesse ação contra a parte contratante para compeli-la a cumprir a obrigação decorrente do contrato em favor daquele. Mas discutem os romanistas se esses casos indicam que o direito xxxxxxxxxxx reconheceu validade ao contrato em favor de terceiro, ou se apenas, por motivo de eqüidade, concedeu, em certas hipóteses, ação ao terceiro beneficiário.
As fontes só aludem a contrato a ser cumprido por terceiro com relação a contratos verbais, que eram contratos sancionados por iudicia stricti iuris. Por elas, verifica-se que o contrato verbal a ser cumprido por terceiro era nulo, não produzindo efeito com relação às partes contratantes, nem com referência ao terceiro. Essa nulidade, no entanto, podia ser contornada. O contratante poderia prometer, ao invés de um fato de terceiro, um fato próprio, que buscaria obter o cumprimento por um terceiro; caso não tivesse êxito em sua tentativa, o contraente-promitente cumpriria a prestação. Havia, ainda, uma outra forma de se atingir o resultado desejado: a fixação de cláusula penal. O promitente tentaria a satisfação da prestação por parte do terceiro; se não conseguisse, incorreria na pena convencionada. Vale lembrar que também nessa modalidade o contrato era nulo, mas não deixava de atingir sua finalidade entre as partes.
Embora os textos a respeito sejam omissos com relação aos contratos sancionados por iudicia bonae fidei, conjecturam os autores que, quanto a estes, dispondo o juiz de poder para interpretar amplamente a intenção das partes contratantes, entenderia ele sempre, não que os contratantes houvessem tido a intenção de celebrar um ato nulo, mas, sim, que a promessa de fato de terceiro significava promessa de um dos contratantes de obter, em favor do outro, uma prestação de terceiro.
Alguns autores afirmam que os contratos somente começaram a produzir efeitos em relação a terceiros quando a obrigação passou a ser vista “como um valor patrimonial suscetível de transmissão”. Isso se deu por ocasião do Direito canônico, “por meio do contrato a favor de terceiro, quando este viesse a ser representado para a formação do negócio jurídico, sob a forma de gestão (pois, se houvesse mandato, tal figura já era admitida entre os romanos)”. 50
7. Os efeitos do contrato
Há que se firmar que o contrato comporta efeitos internos e externos. Por aqueles, o contrato somente produzirá seus efeitos na esfera jurídica dos que compõem a relação jurídica. Nestes, abre-se possibilidade para que seus efeitos alcancem a seara jurídica patrimonial de terceiros.
Orlando Gomes51 assim define essas categorias de efeitos decorrentes do vínculo contratual: os efeitos internos, isto é, os direitos e obrigações dos contratantes, a eles se limitam, reduzem-se, circunscrevem-se. Em regra, não é possível criar, mediante contrato, direitos e obrigações para outrem. Sua eficácia interna é relativa; seu campo de aplicação comporta, somente, as partes.
Há contratos que, fugindo à regra geral, estendem seus efeitos a outras pessoas, quer criando, para estas, direitos, quer impondo obrigações.
Xxxxxxx Xxxxxx Lisboa52, em idêntico sentido, manifesta-se da seguinte maneira: “são internos os efeitos que incidem sobre os contratantes, o que é decorrência natural do princípio da
50 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Contratos difusos e coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997, pp. 107/108.
51 XXXXX, Xxxxxxx. Ob. cit. p. 43-44.
52 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Ob. cit. pp. 116/117.
relatividade (res inter alios acta)”. Igualmente internos são os efeitos contratuais, nas hipóteses de sucessão e de transmissão da obrigação ou do contrato.
Consideram-se efeitos externos aqueles que influenciam os terceiros e seus respectivos interesses, que podem vir a ser favorecidos, nomeados ao vínculo ou, ainda, prejudicados pela constituição do liame jurídico.
As manifestações mais comuns da produção de efeitos do contrato em relação a terceiros são as estipulações (ou contratos) em favor de terceiros, a promessa de fato de terceiro e o contrato com pessoa a declarar. Verifica-se estipulação em favor de terceiro todas as vezes em que “uma das partes se obriga a atribuir vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual”53. O contrato de seguro é sua feição mais usual. Está prevista nos arts. 1.098 a 1.100, do nosso código civil, e nos arts. 435 a 437, do projeto de código civil brasileiro.
A promessa de fato de terceiro afigura-se “naquele caso da pessoa que se compromete com outra a obter uma prestação de fato de um terceiro. É o chamado contrato por outrem. Também aqui há uma relação jurídica entre duas pessoas capazes e aptas a criar direitos e obrigações, as quais ajustam um negócio jurídico tendo por objeto a prestação de um fato a ser cumprido por outra pessoa, não participante dele”54. Encontra-se contemplada nos arts. 438 e 439, do projeto de código civil, não sendo disciplinada no vigente estatuto civil.
O contrato com pessoa a declarar não fora recepcionado no código civil brasileiro em vigor. No entanto, está disposto no projeto (arts. 466 a 470) e já é realidade no código civil português (arts. 452 a 456) e italiano (arts.1.401 a 1.405). Xxxxxxx Xxxxxx, apud Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, assim o define: “É o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato fora celebrado com esta última”55.
8. A função social do contrato
O Código Civil de 1916 foi concebido como centro gravitacional do ordenamento jurídico, e sem qualquer humildade, enquanto descendente nobre do liberalismo, fora erigido com a pretensão de dar soluções para todos os fatos concretos ocorridos no plano kelseniano, construído com paredes amalgamadas com as diretrizes emanadas do racionalismo, de modo hermético, sem a possibilidade da ingerência de valores outros que não os previstos nas regras positivadas no diploma civilista.
Ocorre que esse modelo esteve, por muito tempo, a ponto de desmoronar por conta dos movimentos sísmicos do tempo, não tendo sido capaz de resolver os conflitos mais recentes da experimentação jurídica; e para além deste problema, por um lado, teve regras esvaziadas por conta do desuso, a exemplo dos institutos do dote e da novação, e de outro, viu muitas normas saturadas56 ante a proliferação de comportamentos antijurídicos.
Observando-se os inconvenientes da sistematização das fattispecies, que consistem em modelos fechados, com uma solução específica para cada hipótese imaginada,.o legislador passou a procurar novas soluções. O sistema de clausura que serviu de modelo às codificações oitocentistas precisava ser abandonado por não mais ser o padrão ideal a ser seguido.
Os conhecimentos na área médica, na biotecnologia, nas engenharias, dentre outras, crescem em progressão geométrica, e enquanto isso, a sociedade se viu por longa data de mãos
53 XXXXX, Xxxxxxx. Ob. cit. p. 165.
54 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 3 (Fontes das obrigações), p. 68.
55 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Contrato com pessoa a declarar. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 13.
56 XXXXX, Xxxxx. Introdução à problemática dos princípios gerais do direito e os contratos. In: XXXXX, Xxxxx (Org.). Contrato & Sociedade. Curitiba: Juruá, 2004. v. 1, p. 12.
atadas por conta de um texto pretensioso que não servia mais às necessidades de seu tempo. Fez-se necessária a busca por novas fontes em que se pudesse beber do direito.57
A solução foi encontrada nas cláusulas gerais e nos conceitos indeterminados por meio delas positivados, e se não for a melhor, ao menos é mais adequada que a recém enterrada para suprir as necessidades dos jurisdicionados.
A técnica adotada pelo legislador contemporâneo difere da anterior, posto que propõe um sistema aberto, mediante a inserção de normas que não se limitam a ditar a exata conduta a ser observada pelas partes, mas sim que atuam servindo como balizas a dirigir a atividade exegética do juiz ao criar parâmetros para a valoração de comportamentos.58
O atual estágio jurisdicional, mediante a incorporação dos valores presentes na Carta Magna, demonstra que as diretrizes ali contidas não estão tão distantes da realidade social. Observa- se que, por algum tempo, a Lei Maior acabou assumindo o papel outrora reservado ao Código Civil na tutela do ser humano59. O texto constitucional, enquanto norma superior, há de vincular toda a atividade do hermeneuta60, contendo em si, efetiva “força geradora de direito privado”61, rompendo assim com o dogma da supremacia da norma infraconstitucional, por muito tempo equivocadamente sustentado.
O negócio jurídico, enquanto instrumento de realização da ordem econômica, é o meio adequado a facilitar a circulação de riquezas e a estimular a cadeia produtiva62, operações que têm sua razão nas necessidades sociais do ser humano, tornando eficazes os princípios gerais aplicáveis à matéria, previstos no artigo 170 do texto constitucional63.
A codificação privada atual inspira-se na Constituição Federal em duplo aspecto, pois absorve os valores e respeita as garantias fundamentais asseguradas aos sujeitos de direito, e ao mesmo tempo, utiliza-se da mesma técnica legislativa ao se apresentar como um sistema aberto, sustentado por suas cláusulas gerais e conceitos abertos a serem concretizados mediante a atuação sensível de um magistrado que deve conhecer as necessidades do seu tempo.64
Rompe-se, assim, com o paradigma da perfeição geométrica desenhada pelos iluministas, inspirando-se na construção constitucional, rica em modelos abertos65, buscando manter o sistema sempre vivo, considerando que o juristas germânicos já sustentavam as vantagens das cláusulas gerais desde o final do século XIX, por permitirem uma interpretação não matemática do direito e ainda garantirem vasta sobrevida à codificação.66
As cláusulas gerais adotadas pela Lei 10.406/02 impedem a proliferação de lacunas nascidas com o transcorrer da evolução social, faz-se necessária também a quebra do paradigma
57 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 65.
58 XXXXXXXX, Xxxxxxx. O código civil, os chamados microssistemas e a constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: Problemas de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 19.
59 XXXXX, Xxxxx. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional. Curitiba: Juruá. 2001, p. 101.
60 SICCA, Xxxxxx xxx Xxxxxx. A interpretação conforme à Constituição – verfassungskonforme auslegung – no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 36l, n. 143, 1999, p. 20.
61 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Coimbra. 1992, p. 72.
62 XXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx. O contrato em perspectiva principiológica: novos paradigmas da teoria contratual. In: XXXXXX, Xxxxxxx. (Org.). Estudos de direito civil constitucional. Xxxxxxx Xxxxxx. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004, p. 141.
63 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 36, n. 141. 1999, p. 107.
64 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Responsabilidade pré-contratual no código de defesa do consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. Revista de Direito do Consumidor, n. 18. 1996, p. 25/26.
65 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto de código civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, 1998, p. 6.
66 XXXXX, Xxx. Responsabilidade civil no código xxxxx.Xx: CONGRESSO SUL BRASILEIRO DE DIREITO,
2. Palestra proferida, Camburiú. 01e 03 de abril de 2004.
interpretativo, a se instrumentalizar por meio de uma reforma do comportamento exigido até então dos exegetas.67
Este novo modelo estabelece diretrizes ao juiz para ditar, não apenas a sanção aplicável ao caso que lhe é submetido, mas, também, criar o comando a ser observado pelos contratantes, por conta da necessidade de preencher a moldura normativa positivada no ordenamento, mas que se encontra desprovida de regra, partindo do texto constitucional na construção da norma aplicável ao caso concreto.68/69
Mais próxima da realidade, a nova opção legislativa viabiliza a aplicação de princípios, permitindo ao julgador situar-se a uma menor distância do plano concreto, transformando-o em um agente político de elevada importância quando lhe outorga poderes para promover efetiva justiça distributiva com fulcro nas diretrizes estabelecidas pelo legislador.70 Qualquer defesa que pretenda sustentar a necessidade de uma interpretação puramente jurídica estará fadada ao insucesso, pois corresponderia a uma irreal abstração ante o corte que promoveria no plano concreto.71
O legislador responsável pelo nascimento da nova codificação, mostrou-se sensível às mutações sociais e à necessidade de concretização do ordenamento jurídico, optando por conceitos flexíveis como os “usos do lugar”, “circunstâncias do caso”, “equidade”, “desproporção manifesta”, dentre outras, permitem ao exegeta ater-se ao caso concreto72, para decidir não mais, com base na letra fria da lei, mas sim, iluminado pelos valores que permeiam as relações sociais.
A técnica legislativa utilizando cláusulas gerais promove a formulação mais genérica possível em busca de um único tratamento jurídico para toda uma gama de hipóteses semelhantes, contrapondo-se a elaboração casuística que de modo inverso restringe o universo de atuação da norma legal.73 O teor do artigo 422 do Código Civil é aplicável indiscutivelmente a todos os negócios jurídicos.
É nesse contexto que surgem novos princípios e normas sepultadas pelo individualismo ressurgem para promover o efetivo equilíbrio nas relações negociais, especialmente porque as diretrizes tradicionais não mais se mostram aptas a promover a distribuição efetiva de justiça social, valor de suma importância na contemporaneidade.
O princípio da autonomia é unânime entre os doutrinadores e dá origem ao consensualismo, à relatividade e à obrigatoriedade. No direito romano clássico, a natureza do vínculo obrigatório, em sendo extremamente pessoal, exigia a relatividade dos efeitos do contrato. Res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse potest (os atos concluídos por uns não podem beneficiar ou prejudicar a outrem), diziam os juristas naquele período. A impossibilidade de cessão entre vivos das obrigações se constituía num princípio, de cuja aplicação resultavam graves inconvenientes práticos .
67 XXXXXXXX, Xxxxxxx. O código civil, os chamados microssistemas e a constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2000, p. 10/11.
68 XXXXX, Xxxxx. A técnica de cláusulas gerais na matéria de contratos no código civil. In: CONGRESSO SUL BRASILEIRO DE DIREITO, 2. Palestra proferida. Camburiú. 01 e 03 de abril de 2004.
69 XXXXX, Judith Martins O novo código civil brasileiro: em busca da “ética da situação”. In: XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx; BRANCO, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. (Coord.). Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 119.
70 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Prefácio. In: XXXXX, Xxxxx Xxxxxx; LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. O direito civil no século XXI. São Paulo: Saraiva. 2003, p.15/16.
71 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx e. Tratado de direito civil português: parte geral. Coimbra: Almedina. 2000, p. 536.
72 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Comentários ao novo código civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense. 2003. v. 5. t. 2, p. 8.
73 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Problemas de direito civil constitucional.. Rio de Janeiro: Renovar. 2001, p. 173.
Somente os sujeitos que participassem pessoalmente das fórmulas criadoras do liame obrigatório poderiam estar vinculados. Particularmente a troca de palavras rituais da stipulatio não poderia ser eficaz senão em face de quem as tivesse pronunciado.
O postulado da autonomia da vontade, outrossim, ao assegurar que os indivíduos são livres para contratar ou não fazê-lo; para escolher o parceiro contratual e o conteúdo do contrato firmado, estabelece, de outro lado, que os efeitos advindos do vínculo devem circunscrever-se àqueles que tenham dado seu consentimento; expressado a vontade de integrar o negócio jurídico, enfim.
O princípio da autonomia da vontade limita às partes contratantes os efeitos do contrato.
Cada indivíduo não pode obrigar-se senão a si próprio.74
A autonomia da vontade é um dos requisitos de validade do contrato, sendo um princípio absoluto no Estado Liberal, porém com advento do Estado Social passou a ser limitado pela supremacia da ordem pública, pela função social, pela boa-fé objetiva e pela equivalência material, pois ficou constatado que a liberdade liberal era apenas formal, o que permitia os abusos do sistema capitalista pós-revolucionário.
Distingue-se os princípios sociais do contrato, que informam de maneira mais intensa o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil Brasileiro, daqueles outros, ditos liberais, que predominaram no Estado liberal do final do século XIX e início do século XX, mas que não poderiam ser descartados de pronto, porquanto ainda existentes em nossa realidade jurídica. 75
Dentre os princípios chamados liberais incluem-se aqueles sobre os quais a doutrina civilista vem discorrendo há muito tempo. São eles: a) a autonomia privada; b) o pacta sunt servanda; e c) a relatividade subjetiva do contrato (eficácia inter partes).
Já no rol dos denominados princípios sociais, pode-se relacionar: a) a função social do contrato; b) a boa-fé objetiva; c) o equilíbrio contratual.
A função social surgiu há quase cem anos com as constituições Mexicanas (1917) e da República de Weimar (1919), e possui três características: a sua condição instrumental (advinda do fato dele ser criado pela sociedade, consolidando-se na serventia aos anseios sociais), o seu intrínseco (porque não há sentido na sua criação senão na condição inarredável de ser um instrumento) com o bem comum ou interesse coletivo e a interferência na vida da sociedade regulada pela específica noção de bem comum. “O Estado contemporâneo deve comportar-se sob a égide da primazia do humano, submetendo o econômico à força do social”. 76
Os contratos possuem uma função econômica, que é importante para a circulação de riquezas, e uma função social, na medida em que possibilitam o bem-estar e a dignidade das pessoas. 77
Pela função social o interesse patrimonial é substituído pelo interesse social, quando estiverem presentes os interesses coletivos e quando se confrontam com a dignidade da pessoa humana (função socialmente útil).
A Constituição da República do Brasil não faz menção explícita à função social do contrato, mas implicitamente em relação ao princípio da solidariedade, ao valor social da livre iniciativa e à função social da propriedade, uma vez que a propriedade afeta o contrato por ser o instrumento de aquisição e circulação da propriedade. Além disso, cabe ressaltar a importância do contrato na circulação e distribuição equânime de riquezas e realização da dignidade da pessoa humana.
O art. 421 do Novo Código Civil prescreve que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". Observa-se que a positivação da função social
74 XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx; XXXXX, Xxxxxxxxxx. Traité de Droit Civil: Les effets du contrat. 3 ed., Paris: L.G.D.J., 2001.
75 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Princípios sociais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: XX, 0000.
76 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. O Direito de Propriedade e Seu Aspecto Funcional.
77 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
pelo Novo Código Civil Brasileiro é de grande valia em relação aos juristas de visão positivista, porém resta ainda positivar também o conceito de função social para que se possa efetuar uma interpretação segura dos preceitos normativos.
Ao atribuir-se ao contrato uma função, acometendo a seu titular um poder-dever, traz-se para o direito privado algo que originariamente sempre esteve afeto ao direito público, que é o condicionamento do poder a uma finalidade . 78
A referência à função social do contrato significa, de outro lado, "a aproximação do direito com as demais ciências sociais, como a sociologia, a economia, a ciência política, antropologia, em um processo interdisciplinar de resposta às questões que a sociedade contemporânea coloca ao jurista", de quem passou a exigir "uma postura crítica em prol de uma ordem mais justa na sociedade" . 79
No Estado Social exige-se que a ação dos poderes públicos se desenvolva em favor de uma maior justiça social80. O legislador há de elaborar textos que permitam edificar uma ordem social mais justa, em benefício dos menos favorecidos, de modo a minorar a desigualdade de chances, tão característica de uma sociedade liberal81. Como primeira conseqüência da função social do contrato tem-se que com base no princípio da autonomia da vontade não se poderá estabelecer pactos contrários aos ideais de justiça. 82
Ao Judiciário cumprirá, quando instado pela parte interessada, exercer um controle efetivo sobre o conteúdo contratual, sempre que determinada estipulação impeça que o contrato exerça a função social exigida em lei.
Nesse passo, dispõe o parágrafo único, do art. 2.035, do Código Civil, que "nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos".
O princípio da função social do contrato determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Em caso de conflito entre eles, os interesses sociais hão de prevalecer. Percebe-se, assim, que a função social do contrato deve apresentar um matiz ativo, consistente em comportamentos positivos (prestações de fazer) de modo a impor aos figurantes daquele negócio jurídico um dever de atuação solidária em benefício de outrem e não, tão-somente, um dever de não causar prejuízo a outrem. 83
Antônio Junqueira Azevedo85, entende que a função social do contrato já vinha determinada de maneira implícita na Constituição, através de um preceito que se destina a integrar os contratos em uma ordem social, visando impedir, tanto aqueles que causam prejuízo à coletividade, quanto os que lesam pessoas indeterminadas. Assim, o art. 1°, IV da Constituição de 1988, ao fixar como um dos fundamentos da República o valor social da livre iniciativa, impõe ao jurista a proibição de ver o contrato de maneira isolada, como algo que interesse somente as partes, devendo este ser analisado de forma ampla, adequando-se aos anseios da sociedade.
Com a instituição do Código Civil de 2002, a função social do contrato passa a receber uma positivação infraconstitucional explícita, através do art. 421, o qual estabelece que a liberdade de contratar deva ser exercida em razão e nos limites dessa função. Assim, a doutrina da função social limita a concepção individualista dos contratos, determinando que as partes busquem um acordo que as satisfaça sem prejudicar a coletividade.
78 Op. Cit. XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx.
79 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
80 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Direito Civil: Introdução. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
81 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Critical studies in private law. Londres: Xxxxxx, 0000.
82 XXXXXXX, Xxxxxx. Le contrat en droit allemand. Paris: L.G.D.J., 1993.
83 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Do contrato no Estado Social. Maceió: Edufal, 1983.
85 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. a boa-fé na formação dos contratos. Revista Direito do Consumidor, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais. 1992.
O princípio da função social dos contratos, previsto no Código Civil de 2002 no art. 421, integra a nova doutrina contratual, marcando a superação do paradigma liberal clássico na teoria geral dos contratos, tendo a mesma função que, no direito das coisas, tem a função social da propriedade. Quando se dá a passagem do paradigma liberal para o social (ou intervencionista), alguns institutos do direito privado, sobretudo a propriedade e o contrato, sofrem uma mudança no que se refere à sua relação com o contexto social. A propriedade deixa de ser vista como um direito que serve exclusivamente os interesses do titular e passa a ser considerada vinculada a certo contexto sócio-econômico. A propriedade tem uma função que vai além da individual. Seu uso produz reflexos na sociedade. A titularidade do direito recebe proteção na medida em que o exercício do direito for útil à sociedade, não bastando atender aos interesses exclusivos do proprietário.
O mesmo ocorre com os contratos em nossa sociedade atual, um contrato pode afetar um grupo de pessoas e toda uma cidade, ou até um país, com reflexos negativos na sociedade, o que se busca regulamentar, por exemplo, na esfera do Direito Econômico, para permitir a livre- concorrência. Sob este princípio, o contrato importa também para a sociedade, não apenas para as partes contratantes, e servirá como limite da atuação destas.
9. Conclusão
Após a análise da evolução do contrato verifica-se que seus princípios fundamentais foram elastecidos no decorrer do tempo para adaptá-los à nova realidade social. Para isso tornou-se necessária a intervenção estatal nas relações privadas para que se pudesse alcançar os novos objetivos do Estado Social de igualdade real e dignidade da pessoa humana.
Para a exata compreensão do contrato, deve-se precisar os princípios que o informam, apreendendo, a partir deles, qual seu real contorno. Tanto os de outrora, de cujas reminiscências a doutrina, mesmo atual, não conseguiu se desvencilhar; como os de agora, construídos a partir de uma nova realidade econômica e política, a qual veio ao encontro dos anseios legítimos da sociedade.
Releva notar que a pura e simples vinda à lume de um novo ordenamento legal que estabeleça os princípios sociais do contrato, não implica, por si só, a sua aplicação pelos operadores do direito. Raízes políticas, econômicas e filosóficas profundas podem se constituir num sério empeço à adoção de um novo paradigma para os contratos civis e comerciais pela comunidade jurídica, impedindo uma atuação mais decisiva de juízes, especialmente naquelas circunstâncias em que os contratantes, no pleno exercício da liberdade contratual assegurada em lei, deixem de observar a função social que os pactos por eles firmados devem necessariamente apresentar.
Ao se discutir as bases em que se funda a teoria do contrato, denunciando-se as lacunas da teoria liberal, das ficções sobre as quais esta se sustenta – autonomia da vontade, igualdade entre os contratantes e livre negociação dos termos do ajuste contratual – permite-se que se chegue a uma percepção nova acerca do papel que o contrato deve desempenhar em nossa sociedade, de modo que ele se apresente teleológico e intervencionista antes que formal e voluntarista, coletivo e social antes que individual e autônomo.
O princípio da função social, assim, atua na tutela dos efeitos externos produzidos pelos negócios jurídicos, delimitando que estes não venham a produzir efeitos danosos ao interesse de terceiros ou da própria sociedade como um todo, e deve-se fazer presente em todas as relações negociais, tornando-se inquestionável no atual contexto dos direito. Com efeito, terceiros lesados por negócios jurídicos nos quais não se façam presentes passam a ter seus interesses resguardados e tutelados pelo ordenamento jurídico.
Referências
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