MARLON TOMAZETTE
XXXXXX XXXXXXXXX
CONTRATOS
EMPRESARIAIS
2022
1
Capítulo
O CONTRATO
1 CONCEITO DE CONTRATO
A vida em sociedade traz consigo, necessariamente, contatos entre os sujeitos, dando margens a encontros de vontade que representam, em mui- tos casos, operações de circulação econômica. Nesta seara, é que surgem os contratos enquanto instrumentos essenciais do convívio em sociedade, em especial, no exercício de atividades econômicas. Assim, pode-se afirmar que a ideia dos contratos é muito antiga, tão antiga quanto a vida em sociedade. Todavia, a compreensão deste instituto variou muito ao longo do tempo.
A própria concepção da sociedade de cada época influenciava a con- cepção do contrato, de modo que autores, como Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx0, nos apresentam não um conceito de contrato, mas a evolução desse con- ceito, partindo do conceito do direito romano, passando por um conceito liberal, por um conceito do Estado de bem-estar, chegando a um conceito neoliberal e até a um conceito de contrato na globalização.
No direito romano, a figura que dominava o direito privado era a propriedade e, por isso, o contrato era concebido como uma das formas de aquisição da propriedade2. Assim, a concepção de contrato era como
1. XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 21-36.
2. XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Trattato di diritto civile. 2. Ed. Pádova: CEDAM, 2010, v. 2, p. 131.
uma das fontes das obrigações, sendo que, a partir do chamado período clássico, passou a haver uma distinção entre convenção, como gênero e pacto e o contrato como espécies desta. Nos contratos, haveria a exigibilidade3, isto é, haveria a convenção (encontro de vontades) e o direito de ação, ao passo que nos pactos não haveria a exigibilidade, de forma similar a uma obrigação natural. A grande característica dos contratos, nesse período, era o seu formalismo4, enquanto exigência de proteção dos contratantes para disporem dos seus bens.
Na evolução da concepção dos contratos, chega-se ao primeiro código da era moderna – o Código Civil Napoleônico de 1804 – que, por repre- sentar o código de uma sociedade, eminentemente rural, mantinha grande influência das concepções originais do direito romano. Nesta perspectiva, o contrato também era concebido essencialmente em função da propriedade, isto é, como um instrumento para aquisição ou transmissão da propriedade5.
Todavia, nesse período, já é consagrada a liberdade das formas, dando-
-se mais atenção à vontade dos contratantes6. Nesse sentido, Xxxxxxx afirmava que o contrato deveria ser definido como “uma convenção pela qual as duas partes reciprocamente, ou apenas uma das duas, prometem e se obrigam uma para com a outra a dar alguma coisa, ou a fazer ou não fazer tal coisa”7.
No mesmo sentido, Xxxxxx dizia que “uma convenção é o acordo en- tre duas ou mais pessoas com o fim de criar, modificar ou extinguir uma obrigação. O contrato é uma espécie particular de convenção cujo caráter próprio é o de ser produtor de obrigações”8.
Na legislação francesa atual, dispõe o artigo 1101 do Código Civil Francês em vigor que “o contrato é uma convenção pela qual uma ou várias pessoas obrigam-se, para com um ou vários outros, a dar, fazer ou a não fazer algo”9.
3. BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 57.
4. XXXXXXXXXX, Xxxx-Xxxxx. Contrat et institution: éléments de doctrine. In: XXXXXXXXX-XXXXXXXXX, Xxxxxxxx (coord.). Contrat ou institution: un enjeu de société. Paris: LGDDJ, 2004, p. 11.
5. XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 2009, p. 42.
6. XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Trattato di diritto civile. 2. Ed. Pádova: CEDAM, 2010, v. 2, p. 132.
7. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Tratado das obrigações. Tradução de Xxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx. Cam- pinas: Servanda, 2001, p. 31.
8. XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxx. Tratado de derecho civil: segun el tratado de Planiol. Trad. De Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Buenos Aires: Xx Xxx, 0000, t. 4, v. 1, p. 35.Tradução de livre de “Una convención es el acuerdo entre dos o mas personas com el fin de crear, modificar o extinguir una obligación. El contrato es una especie particular de convención cuyo carácter propio es el de ser produtor de obligaciones”.
9. Código Civil Francês – Art. 1.101 - Le contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s’obligent, envers une ou plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pas faire quelque chose.
Mesmo antes da alteração da legislação francesa, o Código Civil Ale- mão (BGB) de 1896 trazia uma concepção contratual que mantém muitos aspectos do Código Civil Napoleônico, mas vem tratada dentro de uma outra categoria geral, a dos negócios jurídicos. Não se fala mais no contrato como um instrumento de aquisição de propriedade, mas como uma espécie de negócio jurídico10. Eleva-se a vontade a um papel central, à medida que os negócios jurídicos são definidos como declarações de vontade dirigidas à produção de efeitos jurídicos11.
O Código Civil Italiano de 1942 afirma, em seu artigo 1.321, que “O contrato é o acordo de duas ou mais partes para constituir, regular o extinguir reciprocamente uma relação jurídica patrimonial”12. A doutrina de Xxxxxxxxx Xxxxxxxx afirma que o contrato é “um acordo de vontade, idôneo – qualquer que seja o seu conteúdo – a dar vida a uma obrigação”13.
No direito argentino, o artigo 1.137 do Código Civil afirma que “há contrato quando várias pessoas se põem de acordo sobre uma declaração de vontade comum, destinada a regular seus direitos”14. Sem formular um conceito específico, Xxxxxxxxxx destaca que os contratos seriam um ato ju- rídico bilateral ou plurilateral que tem um conteúdo jurídico patrimonial, destinado a criar, modificar ou extinguir obrigações em qualquer classe de direitos patrimoniais, não produzindo efeitos reais, no sentido de que não permite a transmissão da propriedade15.
O anteprojeto do Código Europeu de Contratos afirma que “o contrato é o acordo de duas partes, destinado a criar, regular, modificar ou extinguir uma relação jurídica, da qual podem derivar obrigações e outros efeitos, inclusive a cargo de uma só parte”.
No Brasil, J. X. Carvalho de Mendonça define o contrato em sentido amplo como “a concorde manifestação de vontade de duas ou mais pessoas em situação antagônica entre si para o escopo de constituírem, modifica-
10. XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 2009, p. 47.
11. XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 2009, p. 49.
12. Código Civil Italiano – Art. 1321 - Il contratto è l’accordo di due o più parti per costituire, regolare o estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimoniale.
13. XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Dottrina generale del contratto. 3. Ed. Milano: Xxxxxxx, 1948, p. 32, tradução livre de “un accordo di volontà, idoneo – qual che ne sia il contenuto – a dar vita a un’obbliglazione”.
14. Código Civil Argentino – Art. 1.137 - Hay contrato cuando varias personas se ponen de acuerdo sobre una declaración de voluntad común, destinada a reglar sus derechos.
15. XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 182-183.
rem ou extinguirem uma relação jurídica”16. Xxxxxxx Xxxxxxxx afirma que, “segundo a opinião dominante, o contrato se define como uma convenção que se manifesta pelo encontro de duas declarações de vontade, que se destinam a constituir uma obrigação”17.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx define o contrato como “um acordo entre a ma- nifestação de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”18. Xxxx Xxxxx, por sua vez, afirma que “o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”19.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx afirma que o contrato é “o negócio jurídico bilateral ou plurilateral de conteúdo patrimonial pelo qual as pessoas se obrigam com o objetivo de obterem segurança jurídica na aquisição de algum bem da vida ou a defenderem determinado interesse, observando a função social e econômica e preservando em todas as fases do pacto a probidade e a boa-fé”20.
O contrato é o centro da vida econômica, representando o instru- mento típico da atividade empresarial dirigida à produção e circulação de riquezas21. Não se quer dizer com isso que o contrato deixou de ser fonte das obrigações, mas deve ser ressaltado que falar de contrato sempre deve remeter a ideia de operação econômica.
“Disse-se que o contrato é a veste jurídico-formal de operações eco- nômicas. Donde se conclui que onde não há operação econômica, não pode haver também contrato”22. Neste particular, deve-se registrar que a ideia de operação econômica aqui referida não tem qualquer relação com a intenção de lucro das partes, mas com a ideia de circulação de riquezas, que estará presente mesmo em contratos realizados por sujeitos que não são movidos por tal intenção. Ressalte-se, também, que o contrato não é a única forma de circulação de riquezas, mas talvez a mais importante.
16. XXXXXXXX XX XXXXXXXX, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. Ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 0000, x. 0, xxxxx 0, x. 000.
00. XXXXXXXX, Xxxxxxx. Dos contratos nominados no direito civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002, p. 11.
18. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 4, p. 9.
19. XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. III, p. 7.
20. XXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. Direito Civil: Contratos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 17.
21. XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Trattato di diritto civile. 2. Ed. Pádova: CEDAM, 0000, x. 0, x. 000.
00. XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 2009, p. 11.
Mesmo na Common Law, a concepção clássica era aceita com tran- quilidade, falando-se nos contratos como “acordos obrigatórios por lei”23. O Uniform Comercial Code define os contratos como “a obrigação legal total resultante do acordo das partes, conforme determinado por este ato, complementado por qualquer outra lei aplicável”24. Todavia, tal concepção recebeu inúmeras críticas, embora sem que tais críticas representem uma mudança radical, focando na relação contratual “como qualquer vínculo, direito pessoal, privilégio, poder, ou imunidade formada por acordo das partes na relação jurídica”25.
Apesar das diferenças e da evolução exposta, os contratos podem ser concebidos hoje como acordos de duas ou mais vontades com o objetivo de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas de caráter patrimonial, promovendo operações econômicas.
A ideia fundamental é sempre de um acordo de vontades que terá como objetivo a disciplina de relações jurídicas de caráter patrimonial entre as partes acordantes. O aspecto econômico também deve ser ressal- tado, uma vez que os contratos sempre terão algum reflexo desta natureza, isto é, sempre promoverão, de alguma forma, uma operação econômica, independentemente da intenção das partes.
2 ELEMENTOS DOS CONTRATOS
Qualquer que seja a concepção adotada, é certo que o estudo dos contratos passa, necessariamente, pela identificação dos seus elementos essenciais. Parte da doutrina vai indicar como elementos intrínsecos indis- pensáveis à validade de qualquer contrato: o consentimento, a causa, o objeto e a forma26. Ripert27 acrescenta a tais elementos a capacidade de contratar.
23. XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Principles of contract: being a treatise on the general principles concerning the validity of agreements in the law of England and America. Philadelphia: The Blackstone Publishing Co., 1888, p. 84, tradução livre de “agreement enforceable by law”.
24. UCC – Part. 2 - 440.1201 Definitions (l), tradução de “legal obligation that results from the parties’ agree- ment as determined by this act as supplemented by any other applicable laws”
25. XXXXXX, Xxxxxx X. What Is a Contract. South Carolina Law Review, v. 67, no. 1, Autumn 2015, p. 153.
26. XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Manuale di diritto civile II. Il contrato. Roma: Dike, 2011, p. 145; XXXXXXX, Xxxx- xxxxx. Trattato di diritto civile. 2. Ed. Pádova: CEDAM, 2010, v. 2, p. 183; XXXXXXXXX, Xxxxx. Derecho civil. Trad. de Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx y Manterola. Buenos Aires: EJEA, 1950, tomo II, v. 1, p. 39; XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 45; XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 345; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Il contratto in generale.
2. Ed. Milano: Giuffrè, 2011, p. 337.
27. XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxx. Tratado de derecho civil: segun el tratado de Planiol. Trad. De Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Buenos Aires: Xx Xxx, 0000, t. 4, v. 1, p. 97.
Em termos de direito brasileiro, podem ser indicados os elementos gerais inerentes a qualquer negócio jurídico: o elemento subjetivo, o elemento objetivo e o elemento formal.
2.1 Elemento subjetivo
Como acordo de vontades que é, todo contrato depende do consenti- mento que pode ser entendido como o encontro de vontades em si, como “o encontro de duas mentes na mesma intenção”28 ou, nas palavras de Josserand, “o acordo de vontades com intenção de criar obrigações”29, mas também como a declaração de vontade de cada parte do contrato.
Em qualquer uma das acepções, o consentimento representa a mani- festação válida de vontade das partes, essencial para a formação de qualquer contrato. Nesta manifestação de vontade, o agente deve ser capaz, deve ter legitimação para a declaração de vontade e essa vontade deve ser isenta de vícios.
A capacidade é a medida da personalidade, é a extensão dada aos poderes de ação contidos na personalidade jurídica30, isto é, ela representa a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações e exercer, por si ou por outrem, os atos da vida civil. Esta capacidade pressupõe a existência de consciência e vontade, ligadas a determinados fatores objetivos (idade e estado de saúde), ou, eventualmente, à atuação de representantes ou assis- tentes do agente. A capacidade que se exige para os contratos em geral é a capacidade legal de agir31, que pode decorrer da capacidade do próprio sujeito declarante ou do suprimento de uma eventual incapacidade pela representação ou assistência, conforme o caso.
Ao lado da capacidade existe a legitimação, que consiste em saber se uma pessoa tem ou não competência para estabelecer determinada relação jurídica. Na capacidade, são analisadas questões inerentes ao sujeito que está expressando a sua vontade, ao passo que na legitimação o que se analisa é a “posição da pessoa em relação a determinados bens que podem ser objeto
28. XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Principles of contract: being a treatise on the general principles concerning the validity of agreements in the law of England and America. Philadelphia: The Blackstone Publishing Co., 1888, p. 80, tradução livre de “the meeting of two minds in one and the same intention”.
29. XXXXXXXXX, Xxxxx. Derecho civil. Trad. de Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx y Manterola. Buenos Aires: EJEA, 1950, tomo II, v. 1, p. 39, tradução livre de “el acuerdo de voluntades con ánimo de crear obligaciones”.
30. BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Campinas: RED, 1999, p. 82.
31. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46.
de negócios jurídicos em geral, ou em relação às especiais categorias de negócios”32. Assim, para vender certo objeto, o sujeito deve ter o poder de disposição sobre tal, sob pena de lhe faltar a legitimação.
Por fim, exige-se a ausência de vícios, isto é, a vontade deve ser livre- mente manifestada para que o contrato possa se concretizar regularmente. A depender do vício de vontade, poderemos falar em nulidade ou anulabi- lidade do contrato, mas, em todo caso, é da natureza do contrato a vontade livremente manifestada.
2.2 Elemento objetivo
Além do elemento subjetivo, a validade dos contratos exige um elemento objetivo, vale dizer, um objeto lícito, possível, determinado ou determiná- vel. Embora alguns autores prefiram a expressão conteúdo do contrato33, manteremos a ideia de objeto do contrato como o complexo dos deveres e direitos que sobressaem do contrato. Esse objeto é que deverá ser lícito, possível, determinado ou determinável. Especificamente para os contratos, exige-se ainda que ele possua um caráter econômico34.
A licitude do objeto decorre da não previsão pelo contrato de ativida- des proibidas pelo direito, pela moral ou pelos bons costumes. Assim, seria ilícito o objeto de um contrato que consistisse na prestação de atividade sexual mediante pagamento35. Do mesmo modo, seria ilícito o contrato que tem como objeto a herança de pessoa viva (CC – art. 426). O TJDFT já considerou ilícito o contrato que tem como objeto a compra e venda de parcela de loteamento irregular, o qual contraria, expressamente, o disposto no artigo 37 da Lei n. 6.766/197936.
Além da licitude, exige-se a possibilidade física e jurídica do objeto do contrato, isto é, o objeto do contrato deve ser possível do ponto de vista físico e do ponto de vista do direito. A impossibilidade pode ser absoluta, quando ninguém pode executar aquele objeto; ou relativa, quando apenas aquela pessoa não pode executar o objeto. Ou seja, seriam juridicamente
32. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 47.
33. XXXX, Xxxxx. Corso di diritto contrattuale. Pádova: CEDAM, 2006, p. 65.
34. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito civil: teoria geral dos contratos. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 58.
35. XXXX, Xxxxx. Corso di diritto contrattuale. Pádova: CEDAM, 2006, p. 65.
36. TJDFT - Acórdão n. 590969, 20090310022163APC, Relator XXXXXX XXXXXXXXX, 1ª Turma Cível, julgado em 30/05/2012, DJ 01/06/2012 p. 80.
impossíveis os objetos de contratos que consistissem na venda de bens de uso comum do povo, uma vez que são coisas fora do comércio. De modo similar, seriam fisicamente impossíveis os contratos cujo objeto fosse dar a volta ao mundo em uma hora.
Exige-se também que o objeto do contrato seja determinado ou de- terminável, isto é, que o objeto seja definido pelas próprias partes ou seja possível a sua determinação pelas próprias partes. O objeto determinado seria, por exemplo, a identificação do apartamento nº 1000, do edifício X, na rua Y. De outro lado, seria determinável o objeto, quando as partes dão critérios para identificá-lo, como, por exemplo, o valor equivalente a 100 sacos de feijão, de acordo com a cotação de determinado dia na bolsa de mercadorias de Chicago. Pode-se inclusive atribuir a terceiros o poder de determinar o objeto do contrato. Em todo caso, é essencial que o acordo de vontades dê critérios suficientes para se definir o objeto.
2.3 Elemento formal
O último elemento geral dos contratos é a forma prescrita ou não defesa em lei. A forma representa o meio de expressão exterior da vontade negocial37, isto é, o meio pelo qual se externa a manifestação de vontade nos negócios jurídicos. A forma pode ter uma função de interesse público, como a exigência de forma pública para um controle da tributação. Além disso, a forma serve para tornar certo o fato da conclusão do contrato, evitando controvérsias. Por fim, as formas servem para dar conhecimento da existência do contrato a terceiros que podem ser afetados por eles38. Em suma, tal elemento tem papel fundamental para a publicidade dos atos e, eventualmente, o processo civil. Apesar disso, a forma não se confunde com a prova, esta é qualquer objeto capaz de representar um fato, já aquela é o modo com que a declaração de vontade ocorre com eficácia jurídica.
Em regra, a forma dos contratos é livre, salvo quando a lei (forma legal) ou as partes (forma convencional) determinarem, expressamente, de modo diverso. A desobediência da forma determinada acarreta a nulidade do contrato. Nos casos em que a lei estabelece solenidades como requisito para a validade de certos negócios, trata-se da chamada forma especial ou
37. XXXX, Xxxxx. Corso di diritto contrattuale. Pádova: CEDAM, 2006, p. 72.
38. XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 2009, p. 100-101.
solene ou ad solenitatem. Esta pode ser única, quando não pode ser preterida, como a exigência de escritura pública para a venda de imóveis. Ela também pode ser plural, se a lei admite mais de uma forma, cabendo à parte escolher a melhor, como no caso da constituição de uma sociedade anônima por subscrição particular, em que as partes podem escolher uma assembleia de subscritores ou uma escritura pública. A forma exigida, por vezes, pode ser genérica, como a exigência de forma escrita para certos negócios.
Em alguns casos, ainda há uma forma exigida apenas para fins de prova e não para a validade do negócio. É o caso da sociedade em comum, na qual os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade (CC – art. 987).
3 CAUSA
Para alguns autores39, a causa seria um elemento essencial dos contratos, sendo um pressuposto da sua validade. Outros, chamados de anticausalistas, negam qualquer importância à causa para a validade do negócio jurídico.
Com efeito, o Código Civil brasileiro não elenca expressamente a causa como um dos elementos essenciais do contrato, sendo, portanto, difícil sustentar que a causa seja esse elemento essencial. Apesar disso, não se pode negar a sua importância enquanto algo a ser avaliado para a apreciação da licitude e da eficácia do negócio40.
O Código Civil admite e investiga a causa dos negócios jurídicos em diversos dispositivos, como nos artigos 145, 166, III, 335, I, 373 e 884, dentre outros. Assim sendo, pode-se afirmar que “a noção de causa é indispensável para a averiguação da validade e eficácia dos negócios jurídicos. Nega-se proteção jurídica aos que não têm causa e aos que a tenham ilícita, ou viciada”41. Assim, não há dúvida de que a causa é um elemento que deve ser analisado nos contratos, ainda que não como um elemento essencial. Nesta investigação, porém, há sérias dúvidas sobre o que realmente vem a ser a causa de um contrato.
39. XXXXXXXXX, Xxxxx. Derecho civil. Trad. de Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx y Manterola. Buenos Aires: EJEA, 1950, tomo II, v. 1, p. 106.
40. XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. 1, p. 322; XXXX, Xxxxx. Corso di diritto contrattuale. Pádova: CEDAM, 2006, p. 45.
41. XXXXX, Xxxxxxx. Introdução ao direito civil. Atualização e notas de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 377.
Para a concepção subjetiva, a causa seria a razão determinante da vontade de contratar. Ela seria “o escopo, a finalidade ou o motivo último do agente, enquanto objeto de representações psíquicas do sujeito”42. De outro lado, a concepção objetiva toma a causa como função econômico-
-social do negócio jurídico firmado. Há ainda a corrente eclética ou dualista, pela qual a causa é o fim econômico-social à luz dos resultados objetivados pelas partes.
As concepções subjetiva e eclética são criticadas porque superestimam a causa e não analisam o propósito negocial, confundindo-a com os motivos psicológicos do negócio. A causa não se confunde com os motivos, que seriam as “pré-intenções que dão ensejo ao negócio”43, as razões individuais ou as circunstâncias objetivas que levaram o sujeito a firmar aquele contrato44.
A concepção objetiva também é criticada por dar pouca importância ao elemento volitivo na celebração dos contratos e por, em tese, limitar as figuras contratuais aos tipos descritos legislativamente (numerus clausus). Tais críticas à concepção objetiva não se sustentam, porque a vontade interna realmente não tem muita relevância para o direito, pela própria dificuldade de sua análise, sendo fundamental apenas a vontade declarada. De outro lado, a concepção objetiva não limita os tipos contratuais àqueles reconhecidos legislativamente, mas àqueles que possuam uma tipicidade social, isto é, um reconhecimento na comunidade como legítimo. Assim, esta visão nos parece a mais correta.
Por essas razões, deve-se entender a causa como o fim econômico e social reconhecido pelo direito para determinado negócio45. Nesta concep- ção, a causa “é a função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo de ato jurídico, função que o situa no mundo jurídico, traçando-lhe e precisando-lhe a eficácia”46. Em outras palavras, a causa é o que se vê olhando todo negócio jurídico, isto é, “a causa é a consideração de uma finalidade que explica e justifica a criação de uma obrigação pela vontade
42. VERÇOSA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 164.
43. XXXXXXX, Xxxxxx de. Tratado de direito privado. Atualizado por Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx. Campinas: Book- seller, 0000, x. 0, x. 000.
00. XXXX, Xxxxx. Corso di diritto contrattuale. Pádova: CEDAM, 2006, p. 45.
45. XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. 1, p. 321; XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 2009, p. 197; XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Dottrina generale del contratto. 3. Ed. Milano: Giuffrè, 1948, p. 70; XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Trattato di diritto civile. 2. Ed. Pádova: CEDAM, 0000, x. 0, x. 000.
00. XXXXXXX, Xxxxxx de. Tratado de direito privado. Atualizado por Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx. Campinas: Book- seller, 0000, x. 0, x. 000.
das partes” 47. Dentro desta concepção, na compra e venda, a causa cor- responderia à troca entre a coisa e o preço, na doação, corresponderia ao enriquecimento do donatário48.
A partir dessa visão, a causa poderá qualificar os contratos, dar ou negar juridicidade aos acordos e limitar a autonomia privada, considerando a função econômico-social do contrato49. Igualmente, a ausência de causa pode gerar obrigações, em especial, no caso do enriquecimento sem causa.
Um dos grandes exemplos de análise da causa no contrato, envolve a questão da qualificação ou não do contrato como leasing, nos casos de pagamento antecipado de VRG. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx resume a questão nos seguintes termos: “para os defensores da alteração causal, não há verdadeira opção de adquirir o bem ao final da operação, porque o valor residual já foi cobrado e pago, ao longo do contrato, ocorrendo assim a descaracterização da causa porque a verdadeira causa, o escopo permanente do negócio é justamente essa alternativa deixada à escolha do arrendatário. É ela, como elemento in obligatione – e não apenas in executione – que diferencia substancialmente o leasing de todos os demais negócios jurídicos típicos. Para os que têm a opinião contrária – consolidada pela dicção da Súmula n. 293 do STJ –, a inclusão do valor residual nas prestações não elimina a opção de compra ao final, ainda que o valor pago ao final seja simbólico, estando, pois, presentes todos os elementos essenciais ao contrato de arrendamento mercantil”50.
4 FUNÇÕES DOS CONTRATOS
Presentes todos os elementos necessários para a existência e validade dos contratos, eles poderão desempenhar várias funções. Em primeiro lugar, os contratos desempenham uma função econômica, isto é, os contratos auxiliam no processo de circulação das riquezas. É por meio dos contratos que as mercadorias saem do produtor e chegam até o consumidor. Além
47. XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxx. Tratado de derecho civil: segun el tratado de Planiol. Trad. De Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Buenos Aires: Xx Xxx, 0000, t. 0, x. 0, x. 000, xxxxxxxx xxxxx xx“xx xxxxx xx la consideración de uma finalidade, que explica y justifica la creación de una obligación por la voluntad de las partes”.
48. VERÇOSA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 151.
49. XXXXX XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. A causa do contrato. Xxxxxxxxxxx.xxx.Xxx de Janeiro, a.2, n. 4, out.-
-dez./2013. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx/x-xxxxx-xx-xxxxxxxx/>. Acesso em: 28 jan 2019.
50. XXXXX XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. A causa do contrato. Xxxxxxxxxxx.xxx.Xxx de Janeiro, a.2, n. 4, out.-
-dez./2013. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx/x-xxxxx-xx-xxxxxxxx/>. Acesso em: 28 jan 2019.
disso, os contratos possuem uma função pedagógica, no sentido de repre- sentar um instrumento que ensina as pessoas a viverem em comunidade. Os contratos também teriam uma função social no sentido da promoção do bem-estar e da dignidade da população51.
5 CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS
Os contratos são instrumentos extremamente úteis para o desempenho das atividades econômicas e, nesse contexto, o número de tipos de contratos é muito grande, tendo em vista o próprio dinamismo da economia. Para fins didáticos, os contratos podem ser classificados de acordo com alguns critérios, que facilitam sua compreensão.
5.1 Contratos típicos e atípicos
A primeira classificação distingue os contratos típicos (nominados) dos contratos atípicos (inominados).
Os primeiros possuem uma regulamentação específica, possuem nor- mas próprias que os disciplinam em termos de direitos e obrigações dos contratantes52. São contratos típicos “aqueles que mereceram do legislador uma tradução normativa, desenhando um paradigma jurídico positivado para orientar a realização em concreto dos negócios”53. São exemplos de contratos típicos, a compra e venda, o mandato, o depósito e a fiança. Nesses contratos, a liberdade das partes é reduzida em face do que determinam regras de ordem pública estabelecidas na lei.
Já os contratos atípicos não possuem regulamentação específica, isto é, não há normas que tratam, especificamente, das obrigações decorrentes do contrato. As partes criam as obrigações obedecendo às regras gerais dos contratos (CC – art. 425), sendo assegurada grande margem de liberdade para a autonomia privada.
A atipicidade do contrato pode ser pura, quando todo o contrato foge aos tipos legalmente previstos, ou mista, quando parte do contrato se en- quadra em um dos tipos legais, mas outra parte foge da qualificação legal54.
51. FIÚZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-24.
52. XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito civil. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 3, p. 67.
53. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: teoria geral dos contratos. São Paulo: Saraiva, 0000, x. 0, x. 000.
00. XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 243.
“Os contratos atípicos formam-se de elementos originais ou resultam da fusão de elementos próprios de outros contratos. Dividem-se em contratos atípicos propriamente ditos e mistos. Ordenados a atender interesses não disciplinados especificamente na lei, os contratos atípicos caracterizam-se pela originalidade, constituindo-se, não raro, pela modificação de elemento característico de contrato típico, sob forma que o desfigura, dando lugar a um tipo novo. Outras vezes, pela eliminação de elementos secundários de um contrato típico. Por fim, interesses novos, oriundos da crescente complexidade da vida econômica, reclamam disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem livremente, sem terem padrão para observar”55.
Registre-se que o simples fato de o contrato ser mencionado por de- terminada norma não o torna típico, sendo essencial que a norma regule os deveres e direitos decorrentes de tal contrato. Assim, são considerados contratos atípicos: o factoring, o desconto bancário e a conta corrente. Esses conceitos são conhecidos no dia a dia das pessoas, mas não sendo regulamentados por lei, em sentido estrito, que lhes defina os elementos essenciais. Há, no máximo, uma tipicidade social, não uma tipicidade legal.
5.2 Contratos consensuais e reais
De acordo com o seu modo de formação56, os contratos podem ser consensuais, formais ou reais.
Com efeito, todos os contratos são consensuais, no sentido de que dependem do consentimento, da manifestação de vontade das partes. Todavia, alguns contratos são puramente consensuais, nos quais o mero consentimento é suficiente para aperfeiçoar o contrato, ou seja, o contrato nasce a partir do encontro entre as vontades. São exemplos de contratos consensuais, os contratos de compra e venda, de prestação de serviços, de mandato, entre outros.
De outro lado, seriam reais os contratos que exigem mais do que a simples declaração de vontade para o seu aperfeiçoamento, isto é, os contratos que exigem a entrega da coisa para seu aperfeiçoamento57. São exemplos de contratos reais, o mútuo, o transporte de coisas e o depósito.
55. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 103.
56. XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxx. Tratado de derecho civil: segun el tratado de Planiol. Trad. De Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Buenos Aires: Xx Xxx, 0000, t. 4, v. 1, p. 57-58.
57. XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de los contratos: parte general. 2. Ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 236.