EXPLORAÇÃO DE INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA: LIÇÕES DE EXTREMOS PARA O BRASIL
EXPLORAÇÃO DE INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA: LIÇÕES DE EXTREMOS PARA O BRASIL
XXXXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXX
ORIENTADOR: XXXXXXXX XXXXXXXXXXX XXXXXX
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM TRANSPORTES
PUBLICAÇÃO: T. DM – 001/2018 BRASÍLIA/DF: 11 DE JANEIRO DE 2018
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL E AMBIENTAL
EXPLORAÇÃO DE INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA: LIÇÕES DE EXTREMOS PARA O BRASIL
XXXXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXX
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TRANSPORTES DO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL E AMBIENTAL DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA COMO PARTE DOS REQUISÍTOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM TRANSPORTES.
APROVADA POR:
XXXXXXXX XXXXXXXXXXX XXXXXX, PhD (Universidade de Califórnia) (ORIENTADOR)
XXXX XXXXXX XXXXXXXXX, PhD (Universidade de Tóquio) (EXAMINADOR INTERNO)
XXXX XXXXX XX XXXXX, PhD (Case Western Reserve University) (EXAMINADOR EXTERNO)
BRASÍLIA/DF, 11 de janeiro de 2018.
XXXXX, XXXXXX XXXXXX XXXXXXX
Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil [Distrito Federal] 2018.
xiv, 162p., 210 x 297 mm (ENC/FT/UnB, Mestre, Transportes, 2018). Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília. Faculdade de Tecnologia.
Departamento de Engenharia Civil e Ambiental.
1. Transporte Ferroviário | 2. Modelos de Exploração Ferroviária |
2. Regulação do Setor Ferroviário | 4. Benchmarking Ferroviário |
I – ENC/FT/UnB II – Título (série)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
XXXXX, X. X. X. (2018). Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil, Publicação X.XX – 001/2018, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 162p.
CESSÃO DE DIREITOS
AUTOR: Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
TÍTULO DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil.
GRAU/ANO: Mestre/2018.
É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação de mestrado e para emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xxxxx.xxxx@xxxxx.xxx
Rua 28–Norte, lote 4, apt. 1004–I, Águas Claras 71917–720 Brasília – DF – Brasil.
DEDICATÓRIA
Às minhas queridas, Xxxxx Xxxxx, Fernanda Teresa, Xxxxxxxxx e Xxxx Xxxxxx.
AGRADECIMENTOS
Xxxxxxxx, inicialmente, à minha inteira família, que me apoiou e suportou nos momentos mais difíceis.
Ao Professor Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, o primeiro incentivador desta pesquisa. À Professora Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, por suas sugestões e críticas. À Professora Xxxxxxxx Xxxxxxx, por seu apoio e colaboração. Ao Professor Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx, que me guiou neste trabalho. Aos demais Professores da banca examinadora pelas críticas, sem as quais este estudo não poderia ter sido realizado. Ao Professor Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, por seus ensinamentos estatísticos.
Aos colegas de turma do Programa de Pós-Graduação em Transportes – PPGT/UnB, aos demais professores, mestres e doutores, que ao longo dessa caminhada, dos créditos das disciplinas, dos seminários e do trabalho final, contribuíram e deram valor a este estudo.
À Xxxxxx Xxxxxx, Assistente em Administração do PPGT/UnB, sempre prestativa e disponível para a solução de todas as dúvidas administrativas.
À Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx por suas críticas, correções e ponderações sobre o instrumento da pesquisa, à Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx pelas críticas e sugestões acerca da amostragem de ferrovias estudadas. Não posso deixar de agradecer também aos colegas Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx pelo incentivo e colaboração na divulgação da pesquisa junto aos atores interessados.
Aos meus colegas de trabalho, que muito contribuíram com suas opiniões e sugestões, principalmente meus amigos Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxx.
À Biblioteca do Senado e ao Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa pelo suporte. E, finalmente, agradeço a todos os atores interessados que anonimamente contribuíram com esta pesquisa.
RESUMO
A extensão, a densidade e a qualidade do modo ferroviário de transportes no Brasil são incompatíveis com o tamanho de sua economia no cenário mundial. As iniciativas governamentais para ampliar a infraestrutura ferroviária brasileira na última década não alcançaram os resultados esperados. Esta pesquisa procura avaliar o setor ferroviário brasileiro à luz de uma comparação internacional com benchmarks globais, como Reino Unido, Estados Unidos e China, a fim de identificar e propor a incorporação das melhores estratégias adotadas entre os países analisados. Além disso, avalia a percepção dos stakeholders brasileiros a novas maneiras de exploração do mercado ferroviário. O trabalho procura comprovar a hipótese de que ferrovias devem ser exploradas e reguladas, diferentemente, em função de suas características intrínsecas. A aplicação desse princípio permitiria, inclusive, a existência de um mercado de exploração integralmente privado, atualmente, inexistente no Brasil. A pesquisa encontrou evidências internacionais de que diversas formas de exploração da infraestrutura ferroviária são eficazes em termos de qualidade, extensão e densidade. Contudo, em termos de eficiência - execução de gastos públicos -, a exploração privada com integração vertical e competição por rotas é a mais recomenda para o Brasil, devido a seu déficit fiscal e de infraestrutura ferroviária. O estudo recomenda a desregulamentação e a reprivatização da malha ferroviária brasileira.
Palavras-chave: Transporte Ferroviário; Modelos de Exploração Ferroviária; Regulação do Setor Ferroviário; Benchmarking Ferroviário.
ABSTRACT
Extension, density, and quality of the rail transportation mode in Brazil are incompatible with the size of its economy on the world stage. Government initiatives to expand Brazilian rail infrastructure in the last decade have not achieved the expected results. This research tries to evaluate the Brazilian rail sector in the light of an international comparison with global benchmarks, such as England, the United States and China, in order to identify and propose the incorporation of the best strategies adopted among the analyzed countries. In addition, it assesses the perception of Brazilian stakeholders to new ways of exploring the rail market. The paper tries to prove the hypothesis that railways should be explored and regulated, differently, depending on the degree of competitiveness they have. The application of this principle would even allow the existence of an entirely private market of exploitation, currently lacking in Brazil. The research has found international evidence that various forms of exploration of railway infrastructure are effective in terms of quality, length and density. However, in terms of efficiency - execution of public spending, private operation with vertical integration and competition for routes is the most recommended for Brazil, due to its railway infrastructure and fiscal deficit. The study recommends the deregulation and reprivatization of the Brazilian rail network.
Keywords: Rail transport; Models of Railway Exploration; Regulation of the Railway Sector; Railroad Benchmarking.
SUMÁRIO
Capítulo Página
1.6 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 6
2.2.1 Titularidade e Propriedade 10
2.2.2 Organização e Exploração 12
2.2.3 Competição e Concorrência 15
3.1 HISTÓRICO FERROVIÁRIO BRITÂNICO 22
3.1.2 Déficit Fiscal, de Cargas e de Passageiros 26
3.1.3 Segregação da Indústria 26
3.2 HISTÓRICO FERROVIÁRIO AMERICANO 27
3.2.1 Competição e Discriminação de Preços 27
3.3 HISTÓRICO FERROVIÁRIO CHINÊS 34
3.3.3 Corredores de Segurança 35
3.3.4 Intensificação Logística 36
3.4 HISTÓRICO FERROVIÁRIO BRASILEIRO 39
3.4.3 Vingança dos Estadistas 42
3.4.5 O Estado Contra-Ataca 44
4.1 FALHAS JURÍDICO–NORMATIVAS 53
4.1.1 Restrições à Livre Iniciativa Privada 54
4.1.2 Inseguranças Jurídicas às Concessões 56
4.2.1 Diversificação de Bitolas 59
4.2.2 Monopolizações Regionais 62
4.3 FALHAS DE FINANCIAMENTO 67
4.3.1 Longo Prazo para Recuperação 67
4.3.2 Insuficiência de Fontes de Financiamento 68
4.3.3 Insuficiência de Fontes de Receitas 71
4.4.1 Restrições à Competição 76
4.4.2 Natureza de quase Bens Públicos 78
4.4.4 Falhas de Coordenação. 80
4.5.1 Problemas de Escolha Coletiva 81
4.5.2 Problema Agente-Principal 82
4.5.3 Inexistência de Incentivos a Eficiência 84
5 O ESTUDO DE CASO 88
5.1 BENCHMARKING INTERNACIONAL 88
5.2 LEVANTAMENTO DOS ATORES 92
5.2.1 Instrumento de Pesquisa 93
5.3 FAILURE MODE AND EFFECTS ANALYSIS (FMEA) 97
5.4 TÉCNICAS NÃO PARAMÉTRICAS 99
5.4.1 Teste X2 99
5.4.2 Teste de Kruskall–Wallis 99
5.4.3 Teste de Xxxxxxxx 100
6 ANÁLISE DOS RESULTADOS 102
6.1 EXPLORAÇÃO DA INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA 102
6.1.1 Características Associadas à Qualidade 103
6.1.2 Características Associadas à Extensão 105
6.1.3 Características Associadas à Densidade 106
6.2 LEVANTAMENTO DOS ATORES 107
6.2.1 Perfil dos Participantes. 107
6.2.2 Avaliação do Setor Ferroviário 113
6.3 CRITICIDADE DOS RISCOS 116
6.4 FERROVIAS COMPARADAS 119
6.4.1 Variáveis Homogêneas 120
6.4.2 Variáveis Heterogêneas 122
6.5 HISTÓRICO DAS POLÍTICAS REGULATÓRIAS 127
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 131
7.1 DESREGULAMENTAÇÃO E REPRIVATIZAÇÃO 132
7.2 PROPOSTA DE EXPLORAÇÃO 134
7.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO 137
7.4 RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS 137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 138
APÊNDICE A – Levantamento da Percepção dos Atores 150
APÊNDICE B – Frequência das Variáveis Homogêneas 158
APÊNDICE C – Extensão da Rede por ano e km 160
APÊNDICE D – Dados sobre extensão, qualidade e densidade 161
APÊNDICE E – Dados sobre bitola, População e PIB 162
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1 Matriz de Transportes do Brasil, em TKU, por anos selecionados 1
Tabela 2.1 Estudos anteriores sobre modelos de exploração ferroviária 7
Tabela 2.2 Exemplos de ferrovias integralmente privadas. 11
Tabela 2.3 Exemplos de ferrovias integralmente públicas 12
Tabela 2.4 Exemplos de ferrovias de titularidade públicas e gestão privada 12
Tabela 2.5 Ferrovias brasileiras isoladas 13
Tabela 2.6 Grau de separação entre exploração de infraestrutura e serviços de transportes 16
Tabela 2.7 Formas de outorga do transporte ferroviário no Brasil 17
Tabela 3.1 Mercado Ferroviário Americano 33
Tabela 3.3 Concessões oriundas da RFFSA e FEPASA (em km) 43
Tabela 3.4 Ferrovias outorgadas à VALEC – Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008 45
Tabela 3.5 Ferrovias PIL 1 Grupo 1 46
Tabela 3.6 Ferrovias PIL 1 Grupo 2 46
Tabela 4.1 Situação dos requerimentos de autorização para OFI em 2016 57
Tabela 4.2 Mercado ferroviário de cargas alemão, britânico e sueco em 2007 58
Tabela 4.3 Ramais abandonados ou inoperantes por concessionária em 2011 e 2017 65
Tabela 4.4 Investimento em infraestrutura de transportes no Brasil (% do PIB) 70
Tabela 4.5 Investimentos em infraestrutura no Brasil, 2001 – 2010 (% do PIB) 70
Tabela 4.6 Investimentos Federais em Transportes no Brasil, 2006–2015 (% do PIB) 71
Tabela 4.7 Principais concessionárias ferroviárias, em 2017 77
Tabela 4.8 Investimentos federais em ferrovias - PPA 2008–2011 e 2012–2015 84
Tabela 4.9 Extensão líquida da malha ferroviária do Brasil em 2017 (em km) 87
Tabela 5.1 Características ferroviárias básicas dos países comparados 90
Tabela 5.2 Ferrovias selecionadas para a pesquisa juntos aos atores interessados 96
Tabela 5.3 Critério de avaliação de Ocorrência adaptado 97
Tabela 5.4 Critério de avaliação de Severidade adaptado 98
Tabela 6.1 Países amostrados por qualidade da infraestrutura 104
Tabela 6.2 Resultado teste Kruskal-Wallis para a qualidade da infraestrutura 105
Tabela 6.3 Países amostrados ordenados pela extensão total da malha 105
Tabela 6.4 Resultado teste Kruskal-Wallis para a extensão total da malha 106
Tabela 6.5 Países amostrados ordenados pela densidade total da malha 106
Tabela 6.6 Resultado teste Kruskal-Wallis para a densidade total da malha 107
Tabela 6.7 Classificação das respostas pelas variáveis “Ator interessado” e “Tipo de interesse” 108
Tabela 6.8 Estatísticas descritivas das variáveis sobre a avaliação geral do setor ferroviário113 Tabela 6.9 Cotejo da percepção dos entrevistados por área de interesse 114
Tabela 6.10 Resultado dos testes estatísticos acerca das divergências de opiniões por áreas de interesse 115
Tabela 6.11 Estatísticas descritivas do NPR do Setor de Transporte Ferroviário de Cargas. 116 Tabela 6.12 Estatísticas descritivas do NPR do Setor de Transporte Ferroviário de Passageiros
................................................................................................................................................ 117
Tabela 6.13 Resultado do teste de Xxxxxxxx para o PNR dos setores ferroviários de carga e passageiros: 117
Tabela 6.14 Ranks acumulados do teste de Xxxxxxxx para o NPR do transporte ferroviário de cargas 118
Tabela 6.15 Comparações múltiplas do NPR do transporte ferroviário de cargas 118
Tabela 6.16 Ranks acumulados do teste de Xxxxxxxx para o NPR do transporte ferroviário de passageiros 119
Tabela 6.17 Comparações múltiplas do NPR do transporte ferroviário de pasageiros 119
Tabela 6.18 Variáveis homogêneas (α = 5%) para as ferrovias do estudo 120
Tabela 6.19 Resultado do teste X2 das variáveis heterogêneas para as ferrovias do estudo 123
Tabela 6.20 Resultado do teste de Xxxxxxxx das variáveis heterogêneas para as ferrovias do estudo 123
Tabela 6.21 Frequência e ranking da variável utilidade para as 10 ferrovias estudadas 123
Tabela 6.22 Frequência da variável viabilidade para as 10 ferrovias estudadas 125
Tabela 6.23 Frequência da variável prioridade para as 10 ferrovias estudadas 127
Tabela 6.24 Exemplos de tradeoff entre falhas de mercado e de governo que agravaram os problemas 129
Tabela 7.1 Plano de ações sugerido para recuperação da modalidade ferroviária brasileira . 134 Tabela 7.2 Recomendações de modelos de exploração 136
Tabela B.1 Frequência da variável titularidade para as 10 ferrovias estudadas 158
Tabela B.2 Frequência da variável exploração para as 10 ferrovias estudadas 158
Tabela B.3 Frequência da variável outorga para as 10 ferrovias estudadas 159
Tabela B.4 Frequência da variável bitola para as 10 ferrovias estudadas 159
Tabela C.1 Extensão da rede ferroviária por anos e países selecionados em km 160
Tabela D.1 Qualidade, extensão e densidade por países selecionados 161
Tabela E.1 Bitola, população e PIB por países selecionados 162
LISTA DE FIGURAS
Figura 3.1 Desempenho do setor ferroviário americano entre 1964–2015 33
Figura 3.2 Malha ferroviária chinesa – rede de alta velocidade 38
Figura 3.3 Ferrovias em estudo para renovação antecipada 50
Figura 3.4 Ferrovias previstas para licitação a partir de 2018 52
Figura 4.1 Mapa ferroviário do Brasil, 2017 60
Figura 4.2 Rede ferroviária brasileira por bitolas 61
Figura 4.3 Rede ferroviária brasileira por concessionárias 63
Figura 4.4 Padrão topológico de conexão ferroviária voltado para exportação sem competição para o mercado interno 64
Figura 4.5 Ramais inoperantes na malha da concessionária Transnordestina Logística, em 2017. 66
Figura 4.6 Variação das receitas e investimentos da União em Transportes, segundo as leis orçamentárias entre 1996 e 2015 69
Figura 4.7 evolução dos investimentos em ferrovias: privado (concessionárias) e público (federal), entre 2006 e 2014 74
Figura 4.8 Evolução da produção de transporte ferroviário em bilhões de TKU, entre 1997 e 2014 77
Figura 5.1 Período de registro dos dados do levantamento entre os atores interessados 93
Figura 6.1 Divisão dos participantes por tipo de ator mais identificado 108
Figura 6.2 Divisão dos entrevistados por tipo de interesse 109
Figura 6.3 Divisão dos entrevistados por área de formação 110
Figura 6.4 Divisão dos entrevistados por instrução 111
Figura 6.5 Divisão dos entrevistados por anos de experiência no setor ferroviário 112
Figura 6.6 Divisão piramidal do tempo de experiência 112
Figura 6.7 Síntese da avaliação geral entre os onze pilares pesquisados 115
Figura 6.8 Evolução da Rede Ferroviária (EUA, Brasil, China) 126
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
1º B Fv – 1º Batalhão Ferroviário do Exército Brasileiro 2º B Fv – 2º Batalhão Ferroviário do Exército Brasileiro
ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos ANTF – Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários
ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres EFC – Estrada de Ferro Carajás
EFVM – Estrada de Ferro Vitória a Minas EPL – Empresa de Planejamento e Logística FCA – Ferrovia Centro-Atlântica S.A. FEPASA – Ferrovia Paulista S.A. FERROBAN – Ferrovias Bandeirantes S.A.
FERROESTE – Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A. FERRONORTE – Ferrovias Norte Brasil S. A. FERROPAR – Ferrovia Paraná S.A.
FMEA – Failure Mode and Effects Analysis (Análise de Modo e Efeitos de Falha) FND – Fundo Nacional de Desestatização
FNIF – Fundo Nacional de Investimento Ferroviário FTC – Ferrovia Xxxxxx Xxxxxxxx X. X.
IME – Instituto Militar de Engenharia LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual
MT – Ministério dos Transportes Portos e Aviação Civil NPR – Número de Prioridade de Risco
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico PIB – Produto Interno Bruto
PKU – Passageiro/Quilômetro PN – Passagem em Nível
PND – Programa Nacional de Desestatização PPA – Plano Plurianual
PPP – Parcerias Público-Privadas
PRONURB – Programa Nacional de Segurança Ferroviária em Áreas Urbanas RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A.
RTF – Regulamento dos Transportes Ferroviários SR – Superintendência Regional
STF – Supremo Tribunal Federal TCU – Tribunal de Contas da União TIR – Taxa Interna de Retorno
TUP – Terminal de Uso Privado
TKU – Tonelagem por Quilômetro-Útil TR – Taxa de Retorno
TU – Tonelada Útil
VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. VPL – Valor Presente Líquido
1. INTRODUÇÃO
O tema “exploração econômica da infraestrutura ferroviária” apresenta, no cenário nacional, considerável importância não apenas econômica, mas, principalmente, social devido à necessidade de haver um setor de transportes forte, eficiente e de baixo custo. Na literatura é dominante o entendimento de que há correlação entre a provisão de infraestrutura e a prosperidade, o bem-estar, a geração de empregos, a redução da pobreza, o aumento do acesso ao mercado, à saúde e à educação (Lodge et al., 2017). Dessa forma, é essencial ao Brasil estudar as melhores práticas internacionais na exploração do modo de transportes ferroviário, a fim de se dar publicidade e obter compreensão dos erros e acertos dessa indústria tão importante para o desenvolvimento econômico e o bem-estar social.
A matriz de transporte de cargas do Brasil é, essencialmente, “rodoviarista”. Em 2015, 65% das cargas foram transportadas por rodovias enquanto o modo ferroviário transportava apenas 15% das cargas em termos de TKU1 (EPL, 2016).
A meta de reequilibrar a matriz de transportes, apresentada pelo Governo Federal, em 2007, no Plano Nacional de Logística de Transpores, está longe de ser alcançada. Pelo contrário, a matriz de transportes é atualmente mais desequilibrada do que era quando da idealização do plano, segundo os levantamentos da iniciativa privada, e do próprio governo, como ilustrado na tabela 1.1:
Tabela 1.1 Matriz de Transportes do Brasil, em TKU, por anos selecionados
2007 | 2011 | 2012 | 2015 | |
Rodoviário | 58% | 52% | 61,1% | 65% |
Ferroviário | 25% | 30% | 20,7% | 15% |
Aquaviário | 13% | 13% | 13,6% | 16% |
Dutoviário | 3,6% | 5% | 4,2% | 4% |
Aéreo | 0,4% | – | 0,4% | – |
Fontes: | Brasil, 2007 | MT, 2012 | CNT, 2014 | EPL, 2016 |
A escassez de transporte ferroviário de cargas brasileiro não está somente no tamanho reduzido de sua malha, mas, também, na sua baixa produtividade, falta de interligação entre as linhas e, principalmente, na quantidade reduzida de investimentos nesse setor (Lang, 2007). O transporte ferroviário de passageiros é inexpressivo no Brasil. Em todo o país, apenas três linhas regionais operam regularmente2 (Moraes, 2017). A Estrada de Ferro Vitória Minas
1 Toneladas transportadas por quilômetro útil.
(EFVM) transporta, em média, anualmente, cerca de 1 milhão de passageiros entre Cariacica/ES e Belo Horizonte/MG, enquanto a Estrada de Ferro Carajás (EFC) transporta, em média, 350 mil pax/ano entre São Luís/MA e Paraupebas/PA, ambas operadas pela concessionária Vale/VLI (CNT, 2015). Além dessas duas, há ainda uma linha regional com extensão de 110 km, entre Curitiba e Paranaguá, operada pela Serra Verde Express Ltda. na malha sob concessão da Rumo-ALL, malha sul. As demais linhas de passageiros em operação são turísticas, não regulares, sem obrigação de regularidade ou exclusividade. No total, em 2015, foram transportados 1,8 milhão de passageiros (Moraes, 2017).
A qualidade da infraestrutura ferroviária brasileira ocupa assim posição incompatível com o tamanho de sua economia. Segundo o Global Competitiveness Report do World Economic Forum (WEF, 2016), o Brasil tinha, em 2016, a 7ª maior economia interna, com PIB de US$ 1.772,6 bilhões enquanto ocupava a 93ª posição quanto à qualidade da infraestrutura ferroviária3.
O Governo Federal a fim de diminuir o chamado Custo Brasil, equilibrar a matriz de transportes e desenvolver a economia nacional, desde meados de 2000, vem tentando, sem sucesso, ampliar e conceder a infraestrutura ferroviária à exploração de agentes privados.
O Estado tem como meta ampliar a participação do setor ferroviário na matriz de transportes de cargas, em TKU, para 32% até 2025 (Brasil, 2007).
Essa ampliação resultaria em redução do Custo Brasil, dos gastos provenientes com acidentes nas estradas, da poluição, entre outras externalidades negativas. Apesar da reconhecida importância teórica e empírica, os investimentos em infraestrutura nem sempre recebem a prioridade que deveriam e são candidatos preferenciais a sofrerem cortes orçamentários durante os processos de ajuste fiscal (Orair, 2016).
Além disso, o governo não tem recursos para investir em infraestrutura. Os investimentos públicos têm apresentado tendência de crescimento negativo em relação ao PIB desde 1975 (Azeredo, 2014; Xxxxxx, 2015; Orair, 2016).
As despesas em previdência, saúde, educação e segurança são prioritárias no Orçamento da União. A alternativa apontada para solução do déficit de infraestrutura é permitir parcerias de
2 Xxxxxxx Xxxxxx (2017), o transporte de passageiros na linha Corcovado – Cosme Velho, na cidade do Rio de Janeiro, com extensão de 3,8km é classificada como regular, entretanto, o anuário estatístico de 2017 do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA) lista apenas as duas linhas principais como regulares.
3 WEF (2016)
investimento com o setor privado para a exploração da infraestrutura. Todavia, as tentativas recentes4 do governo federal não foram exitosas.
Segundo Xxxxxxx (2014), o governo federal idealizou, em 2004, o aproveitamento da faixa de domínio da EF–222, para a implantação do trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. O primeiro edital para licitação da exploração ferroviária do trem–bala foi lançado em 2010, sendo que as obras deveriam ter ficado prontas em 2016 para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Todavia, após sucessivos adiamentos e mudanças da modelagem da concessão, a exploração ferroviária não teve interessados no leilão realizado em 2011, não sendo mais relançado.
Os Planos de Investimento em Logística – Ferrovias – 1 e 2, lançados pelo Governo Federal, respectivamente, em 2012 e 2015, entre outras tentativas, procuraram efetuar parcerias de investimento com o setor privado, a fim de aumentar e melhorar a infraestrutura ferroviária nacional. Entretanto, estes Planos de Investimento em Logística também não alcançaram os resultados propostos.
Não obstante, outros países, aproveitando-se de abordagens variadas para exploração da infraestrutura ferroviária, têm ampliado e aperfeiçoado suas infraestruturas ferroviárias.
Investigar como outros países exploram suas malhas ferroviárias contribuirá para elaboração do desenho institucional, jurídico, técnico e econômico-financeiro dos futuros contratos para exploração da infraestrutura ferroviária, não apenas pelo modo usual das concessões comuns, mas até mesmo em outros formatos de outorgas. Isto permitirá ao país atingir sua meta de equilíbrio da matriz de transportes, com ampliação da rede e, em última análise, favorecerá o desenvolvimento da economia nacional.
Desde meados de 1990, nem a privatização do sistema ferroviário e tampouco a construção direta de novas infraestruturas ferroviárias permitiram a ampliação e modernização da rede ferroviária brasileira, em escala compatível com a sua economia interna. Atualmente, a rede possui cerca de 30.000 km (Brasil, 2017), aproximadamente a mesma ordem de grandeza de meados de 1920. Contudo, segundo levantamentos do Tribunal de Contas de União, apenas 10 mil km de trilhos são efetivamente explorados. Os quase dois terços restantes estão abandonados ou subutilizados (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
4 Desde 1996 até 2016, apenas três trechos novos foram contratados entre o governo federal e a iniciativa privada. Dois trechos são subconcessões da EF-151 da estatal VALEC com a Vale/VLI. O terceiro trecho é a Nova Transnordestina, uma sociedade entre VALEC, CSN, Finor, BNDES, BNB e Sudene. (CSN, 2017)
Acrescente-se que todas as tentativas de Parcerias Público-Privadas (PPP), a partir dos anos 2000, para construção de novos ramais ferroviários, tanto de carga quanto de passageiros, fracassaram, incluindo o trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e Campinas, a ferrovia Nova Transnordestina, os Planos de Investimento em Logística – Ferrovias – 1 e 2, entre outras tentativas. No mesmo período, a exploração de outras infraestruturas de transportes pelo setor privado experimentou novos ciclos de concessão, com alterações nos critérios de equilíbrio econômico-financeiros.
No Brasil, não há embasamento teórico para elaboração de políticas públicas no modo ferroviário, no tocante a como e em que projeto investir, prioritariamente (Lang, 2007). Assim, investigar as alternativas de exploração da infraestrutura ferroviária a partir de uma análise comparada do setor ferroviário no mundo e do setor de infraestrutura no Brasil, de modo a apontar para os modelos de maior adesão do mercado à luz de um benchmaking, é o problema proposto desta pesquisa. Dessa forma, ficam as seguintes questões de investigação:
(i) “Quais são os modelos de exploração da infraestrutura ferroviária compatíveis com o mercado brasileiro? ”
(ii) “Quais são os modelos de exploração da infraestrutura ferroviária preferidos pelos atores interessados brasileiros? ”
O objetivo geral do trabalho é identificar os modelos de exploração da infraestrutura ferroviária compatíveis com o mercado ferroviário nacional.
Os objetivos específicos são:
a) Investigar os modelos de exploração de infraestruturas de transporte ferroviário.
b) Comparar os modelos de exploração ferroviária adotados no mundo.
c) Comparar os modelos de exploração de infraestrutura adotados no Brasil;
d) Avaliar junto ao mercado de concessionários e usuários, além dos órgãos de regulação e controle, as alternativas de exploração ferroviária.
Nos últimos anos, o Brasil tem se deparado com a necessidade de enfrentar seus principais gargalos logísticos, no intuito de mitigar ou diminuir os impactos desses entraves (Peixoto
Filho, 2016). Todavia, no modo ferroviário os resultados alcançados pela exploração direta ou indireta foram insuficientes.
Apesar dos avanços alcançados, pelas concessões ferroviárias iniciadas em meados de 1990, em termos de diminuição de acidentes e aumento da produtividade, o mercado ferroviário brasileiro é incompleto e insuficiente (Nunes, 2006; Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016; Xxxxxxx & Xxxxxxxx, 2017). Muitas melhorias precisam ser feitas, principalmente na modelagem de futuras outorgas a fim de permitir a ampliação do mercado ferroviário na matriz de transportes brasileira.
A ausência de contratos de concessão de infraestrutura de transporte ferroviário de cargas, desde 2004, evidencia falha de mercado e de governo. A densidade ferroviária, 3,5 km de ferrovia por 1000 km2 do território e a posição do Brasil, 93º, em ranking internacional de qualidade entre 138 nações sugerem que o Brasil está relativamente longe da fronteira de melhores práticas e resultados no setor de transporte ferroviário (Frischtak, 2013).
A maioria das propostas de parcerias tem como objetivo estratégico buscar no setor privado recursos que complementem os recursos públicos, que têm sido declinantes em decorrência de crise fiscal, elevação de despesas obrigatórias e busca de superávit primário.
A evolução do mercado de parcerias em transportes pressupõe a existência de algumas condições básicas: ambiente apropriado, compromisso político, adequação dos parceiros privados, interesse do mercado, recursos humanos disponíveis, preparação do projeto, vantagem monetária, transparência, participação popular, e competição (Senna, 2014).
Essa pesquisa contribuirá não apenas para o meio acadêmico, mas também para o sistema econômico e os órgãos de regulação e planejamento, uma vez que analisará quais são os fatores que geram entraves para o desenvolvimento do modo ferroviário no Brasil. Com base nos resultados positivos encontrados nos demais modelos de exploração da infraestrutura no País, somado aos pontos positivos encontrados no modelo ferroviário em outros países, então, será possível propor um modelo de parceria de investimentos que incentive o desenvolvimento da infraestrutura ferroviária no Brasil. Deste modo, esta pesquisa contribuirá para o desenvolvimento acadêmico sobre o tema e, também, contribuirá para a redução do custo Brasil, desenvolvimento econômico do país e melhoria da regulação.
A metodologia da dissertação será dividida nas seguintes etapas descritas a seguir:
i) Revisão bibliográfica: nesta fase é levantada a base teórica, no qual são estudados os modelos de exploração de infraestruturas ferroviárias nos mercados mais relevantes; o
histórico internacional das reformas regulatórias, a fim de identificar os mecanismos que incentivam a participação privada no mercado de provisão de infraestrutura ferroviária.
ii) Formação de um banco de dados a partir de fontes primárias e secundárias dos mercados mais relevantes para compreensão e caracterização do setor ferroviário.
iii) Entrevista com especialistas no setor ferroviário, a fim de identificar os principais gargalos e validar o questionário de pesquisa.
iv) Estudo da percepção dos principais atores interessados (concessionários, usuários, agentes reguladores, planejadores, legisladores, controladores e acadêmicos) quanto às formas de exploração do mercado ferroviário. e
iv) Análises dos resultados: o desenvolvimento do método e sua aplicação no estudo de caso visa revelar as variáveis que atuam dentro da modelagem de exploração ferroviária identificando as estratégias mais compatíveis com o cenário nacional.
A dissertação estará estruturada em sete capítulos, incluindo a introdução. O Capítulo 2 apresentará uma revisão de estudos similares e introduzirá diversos conceitos relativos ao tema. O capítulo 3, apresentará um comparativo histórico sobre os principais benchmarks ferroviários e Brasil, desde o início de suas redes até o momento atual. O capítulo 4 descreverá e analisará os principais entraves brasileiros. O capítulo 5 apresenta a base de dados, o estudo de caso da pesquisa junto aos stakeholders (concessionários, planejadores, reguladores e legisladores) e o método de análise dos dados. O capítulo 6 discorrerá sobre os resultados obtidos na pesquisa. Por fim, o capítulo 7 apresentará as principais conclusões e recomendações da pesquisa.
2 REVISÃO DA LITERATURA
O estudo da indústria de transporte ferroviário teve notável importância na pesquisa acadêmica, notadamente, econômica (Waters II, 2007). Todavia, com a desregulamentação do mercado ferroviário nas Américas, inicialmente5 no Canadá a partir de 1967 (Waters II, 2007), seguido dos Estados Unidos, em 1980 (Waters II, 2007; Wixxxx & Wixxxx, 2001), e de diversos outros países da América Latina (Müller & Aragonés, 2013), a exemplo do Brasil, em 1995, a pesquisa acadêmica foi levada a um intenso confronto comparativo sobre os prós e os contras de cada modelo de exploração à medida que as reformas foram amadurecendo.
Com a decisão da União Europeia de unificar o mercado ferroviário e aumentar sua competitividade, notadamente, a partir de 1991, por meio de uma estratégia de desverticalização da malha (unbundling), a literatura internacional passou a estudar um leque mais amplo de abordagens em termos de exploração da modalidade ferroviária de transporte, tanto de carga quanto de passageiros.
Segundo Pexxxxx xt al. (2017) verificaram em estudo bibliométrico sobre o financiamento ferroviário, o aumento do interesse acadêmico modelou-se segundo uma tendência crescente, entre 1991 e 2016. Nesse período, a produção científica internacional cresceu segundo uma regressão linear com inclinação de 1,54 e R2 de 0,79. O recente êxito chinês em expandir os serviços de transporte ferroviário de cargas e passageiros, principalmente através dos trens de alta velocidade, trouxe novo interesse acadêmico pelo tema na última década. Na tabela 2.1, são expostas algumas das pesquisas comparativas entre os modelos adotados em diversos países.
Tabela 2.1 Estudos anteriores sobre modelos de exploração ferroviária
Autor | Ano | Contribuição | Países analisados |
Wu & Naxx | 0000 | Forneceu uma descrição detalhada do sistema ferroviário chinês a partir de meados da década de 1990 e discutiu uma série de propostas de reforma para a China. | China, Índia, Japão, Estados Unidos e Grã-Bretanha. |
5
Uma Comissão Real de Transportes, em 1962, no Canadá, recomendou que os regulamentos das vias férreas canadenses fossem reduzidos para dar-lhes maior liberdade para responder à concorrência intermodal e maior flexibilidade nas taxas de negociação com os carregadores. O National Transportation Act, de 1967, adotou esses princípios (Waters II, 2007).
Autor | Ano | Contribuição | Países analisados |
Campos | 2001 | Analisou modelos de desestatização de malhas ferroviárias na América Latina, e mostrou que a outorga por concessão pode ser um mecanismo viável para a privatização ferroviária em alguns países em desenvolvimento. Evidenciou que problemas regulatórios, inevitavelmente, emergem durante e após o processo de concessão. | Brasil e México |
Peci | 2002 | Analisou e descreveu os modelos regulatórios a partir de uma perspectiva histórica. | Brasil e Estados Unidos. |
Cavalcanti | 2002 | Analisou a evolução da regulação do mercado de transportes. Identificou a existência de baixos níveis de coordenação estatal sobre o mercado de transportes, caracterizada pela pulverização de órgãos pouco autônomos e desagregados. | Argentina e Brasil |
Friebel et al. | 2004 | Analisaram os efeitos da desregulamentação no mercado europeu. Mostrou que houve efeitos positivos sobre a produtividade dos mercados reformados, todavia, com variada diversificação de resultados. | Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Itália, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia, e Reino Unido. |
Friebel et al. | 2007 | Analisaram os modelos de exploração ferroviária e defendem a adoção do modelo americano como o mais apropriado para a Rússia. | Rússia, Bulgária, República Tcheca, Hungria, Polônia, Romênia e Eslováquia. |
Luxxxxxxx & Osland | 2009 | Analisaram a adoção da política europeia de abertura do mercado de transporte ferroviário de carga. Identificaram que os países estudados responderam com adesão limitada à política de abertura, resultando em insignificância do aumento de competitividade. | Noruega, Finlândia, Suécia, Polônia, República Tcheca, Romênia, Áustria, Hungria e Grécia. |
Waxx xt al. | 2012 | Analisaram diferentes modelos de financiamento de transportes ferroviários. Identificaram a importância do financiamento público nacional na evolução do transporte ferroviário versus as limitações de administrações locais em desenvolverem o moro ferroviário de transporte. | China, Japão, Índia e EUA. |
Bray & Sayeg | 2013 | Analisaram diferentes modelos de participação privada, competição e propriedade de sistemas de transportes ferroviários urbanos. Identificaram a importância da liderança estatal no planejamento e gerência dos sistemas. | Tailândia, Malásia, Filipinas e Singapura. |
Mixxxxxx & Uranishi | 2013 | Constatou que os resultados da aplicação do open access dependem da densidade do tráfego na malha ferroviária. | Países europeus e asiáticos. |
Autor | Ano | Contribuição | Países analisados |
Müller & Xxxxxxxx | 0000 | Xxxxxxxxxx, descreveram e compararam efeitos de privatização por concessão versus desregulamentação. | Argentina e Estados Unidos. |
Pittman | 2013 | Analisou o comportamento do setor ferroviário em países da extinta URSS. Identificou significativa aversão a desestatização do sistema, especificamente na Rússia, que embora permita a participação privada exerce forte atuação estatal por meio da RZD. | Rússia, Cazaquistão, Estônia, Letônia, Lituânia, Ucrânia Uzbequistão e Geórgia. |
Laxxxxx xt al. | 2015 | Anxxxxxxxx, descreveram e comentaram diferentes modelos de exploração ferroviária. | Austrália, Áustria, Brasil, Canadá, Chile, China, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Hungria, Itália, Índia, Japão, México, Rússia, Espanha, África do Sul, Suécia, Turquia e Estados Unidos da América. |
Currie & De Gruyter | 2016 | Avaliaram, por meio de benchmarking, o desempenho dos serviços de trens leves de passageiros entre públicos e privados. Identificou melhor desempenho das empresas privadas em relação às públicas. | Austrália e Estados Unidos |
Tomeš | 2017 | Não identificou aumento de competitividade na Europa após a adoção das reformas regulatórias em prol da segregação entre infraestrutura e operação dos trens. | 27 países europeus |
Os estudos acadêmicos têm demonstrado que há diversos modelos para exploração ferroviária, desde os integralmente públicos até os integralmente privados, com diversos arranjos quanto à manutenção dos trilhos e operação dos trens, tanto de carga quanto de passageiros, bem como de promoção da competição (Pittman, 2004; Laxxxxx xt al., 2015).
O negócio das empresas ferroviárias, tipicamente, implica em grande quantidade de interações baseadas em investimentos de longo prazo e, na sua maioria, afundados (Friebel et al., 2007). A intensidade de capital e os riscos financeiros associados às ferrovias resultam em uma estrutura de mercado onde, geralmente, o número de empresas é limitado. Muitas vezes apenas uma firma serve um determinado mercado. Quando existe a possibilidade de competição intramodal, também há o risco de competição ruinosa (Waters II, 2007). Não obstante, a complexidade da indústria ferroviária permite a existência de diversos arranjos de organização e operação da infraestrutura ferroviária.
Neste subitem, são abordadas as principais estratégias adotadas no mundo. O primeiro dilema diz respeito às possibilidades de exploração, quanto aos direitos de propriedade. A segunda questão a enfrentar são as estratégias principais de organização da indústria, a fim de se mitigar ou eliminar o comportamento de monopolista natural da ferrovia, a segregação da indústria em termos de unbundling e suas consequências em termos de competição. Por fim, o capítulo se encerra com as opções de outorga existentes atualmente no marco normativo brasileiro para o modo ferroviário e para as outras modalidades de transporte.
2.2.1 Titularidade e Propriedade
Em teoria, a alocação de direitos de propriedade é importante, porque determina os objetivos dos proprietários da firma (pública ou privada) e dos sistemas de monitoramento de desempenho gerencial (Wu & Nash, 2000). Diante dessas complexas estruturas de mercado, os governos reagiram historicamente em dois caminhos. Alguns países escolheram a propriedade direta do governo para explorar o mercado ferroviário, enquanto outros permitiram a propriedade privada utilizando a regulação para combater as preocupações com o monopólio ou com a competição ruinosa (Waters II, 2007).
Assim, quanto a propriedade, as ferrovias podem ser de três tipos: integralmente privada, integralmente pública ou em um arranjo de meio termo que o público e o privado estabelecem uma parceria, geralmente por contratos de concessão.
2.2.1.1 Ferrovias Integralmente Privadas
Os Estados Unidos são o arquétipo de exploração privada de ferrovias. A exploração ferroviária americana é uma atividade econômica livre desde os primórdios da formação da rede ferroviária nos anos 18206. As ferrovias integralmente privadas são caracterizadas, além da natureza jurídica dos seus proprietários, pela liberdade na construção da infraestrutura e operação dos trens. Nesse modelo, geralmente o compartilhamento da malha, quando física e economicamente possível, acontece por acordos voluntários e remunerados entre as firmas privadas (Gómez-Ibáñez, 2016).
As ferrovias podem ser privadas desde a origem, como as seculares ferrovias americanas ou podem ser fruto de recentes privatizações integrais, como a Luoding Railway, privatizada pelo governo chinês, em 2006. Podem transportar exclusivamente carga própria, como a Rio Tinto Railway ou também cargas de terceiros, como a BNSF, além de passageiros. A tabela 2.2 apresenta alguns exemplos:
6 O histórico americano é tratado em mais detalhes no subitem 3.2
Tabela 2.2 Exemplos de ferrovias integralmente privadas7.
Características | |||
Ferrovia | País | ||
Transporte | Extensão (km) | ||
Rio Tinto | Austrália | Minério | 1.700 |
Luoding8 | China | Passageiros | 138 |
BNSF | EUA | Carga | 52.300 |
Keio | Japão | Passageiros | 84 |
Fontes: Rio Tinto (2017); Pixxxxx (2011); BNSF (2017); Kexx (2017)
2.2.1.2 Ferrovias Integralmente Públicas
A exploração integralmente pública é, na Europa, o modelo dominante da provisão da infraestrutura ferroviária. O Estado pode gerir a ferrovia por meio de uma empresa pública, uma agência governamental nacional ou local ou mesmo um Ministério (Laurino et al., 2015). A exploração integralmente pública foi um fenômeno iniciado em todo o mundo, entre 1880 e 1910, por meio da nacionalização de empresas privadas ou construção de ramais pelo Estado (Bogart, 2010). A exploração integralmente pública era vista como uma alternativa para se evitar: abusos da exploração monopolista por firmas privadas ou o fechamento de ramais financeiramente deficitários, mas socialmente necessários. Praticamente todos os países do mundo já adotaram esse modelo, mesmo que temporária ou parcialmente em suas redes.
Mesmo os Estados Unidos, arquétipo da exploração privada, constituiu, por exemplo, uma empresa pública, Consolidated Rail Corporation, para explorar alguns ramais ferroviários de carga deficitários, entre 1980 e 1987 (Resor & Laird, 2013).
Xx 0000, Xxxxxxx, Xxxxxx, Xxxxxxxx, Xxx-Xxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxx, Xxxxxxx, Suécia, Rússia, Turquia, Chile, China, Índia, Japão, Austrália e África do Sul possuíam linhas férreas em seus territórios exploradas integralmente por entidades de natureza pública (Laurino et al., 2015). Esse arranjo foi muito contestado nos anos 1990 devido ao desempenho insuficiente das administrações ferroviárias, profundamente afetadas por falta de competição e transparência e ao mesmo tempo altamente dependentes de subsídios públicos (Nash, 1998; Waters II, 2007). A tabela 2.3 apresenta alguns exemplos de ferrovias integralmente públicas:
7 Cf. LAURINO et al (2015), levantamento global em 20 países sobre a regulação da exploração de 817 mil km de ferrovias evidencia que 37% das ferrovias são exploradas por empresas integralmente privadas e 11% por Parcerias Público Privadas ou empresas privadas em regime de outorga com termo.
8 Em 2006, tornou-se a primeira e única ferrovia 100% privada da China (Pittman, 2011)
Tabela 2.3 Exemplos de ferrovias integralmente públicas
Características
| |||
Ferrovia | País | ||
Transporte | Extensão (km) | ||
Deutschebahn | Alemanha | Carga e passageiros | 33.300 |
Indian Railways | Índia | Carga e Passageiros | 92.081 |
Amtrak9 | EUA | Passageiros | 1.170 |
RZD | Rússia | Cargas e passageiros | 81.000 |
Fontes: DB (2017); Indian Railways (2017); Amtrak (2016); RZD (2017)
2.2.1.3 Ferrovias de Titularidade Pública e Gestão Privada
A solução dos países que não mais conseguiam subsidiar suas ferrovias públicas foi transferi- las para a iniciativa privada, geralmente por meio de contratos de concessão com termo. Assim, a exploração em parcerias, geralmente mantém a titularidade do ativo como pública, mas permite sua gestão em termos privados. A depender da situação econômica da ferrovia, a firma privada pode tanto remunerar o Estado, geralmente por meio de arrendamentos anuais, ou ser remunerada pelo Estado por meio de subsídios às tarifas ou pagamentos diretos. Esse arranjo, em 2015, era empregado, por exemplo, por Austrália, Brasil, França, Espanha, Inglaterra e México (Laurino et al., 2015). A tabela 2.4 apresenta alguns exemplos:
Tabela 2.4 Exemplos de ferrovias de titularidade públicas e gestão privada
Características | |||
Ferrovia | País | ||
Transporte | Extensão (km) | ||
Rumo-ALL | Xxxxxx | Xxxxx | 00.000 |
XXX | Xxxxxx | Carga | 7.223 |
Transnordestina | Xxxxxx | Xxxxx | 0.000 |
Xxxxxxxxxxx xxx Xxxxxxx | Xxxxxx | Carga | 2.600 |
Fontes: ANTT (2017), Campos (2001)
2.2.2 Organização e Exploração
Os primeiros subitens apresentam a condição monopolista ferroviária por dois enfoques, a agregação geográfica e a agregação integralmente vertical. Os três subitens seguintes tratam das estratégias de mitigação do monopólio: a segregação geográfica, a segregação vertical, contábil ou organizacional e a segregação horizontal, institucional ou open access.
2.2.2.1 Agregação Geográfica
O sistema de agregação geográfica foi a solução adotada por diversos países10 a fim de, supostamente, aumentarem a eficiência das ferrovias (Pittman, 2011). A justificativa para
9 Amtrak também opera na malha de outras ferrovias de carga e passageiros em um total de 34.000 km (Amtrak, 2016).
aglutinar todas as ferrovias em uma só empresa são os ganhos de escala e de coordenação da empresa monopolista (Jupe, 2009). Como desvantagens a agregação geográfica expõe os usuários a maiores riscos de discriminação (Pittman, 2011). Por causa disso, geralmente, só é permitida quando praticada por empresas estatais.
2.2.2.2 Agregação Integralmente Vertical11
Na agregação integralmente vertical, uma só firma é responsável pela exploração da infraestrutura (manutenção, sinalização, segurança) dos trilhos e também pela operação dos trens. Essa, aliás, é a solução tradicional ou histórica de organização das ferrovias no mundo. Somente no fim dos anos 1980 países da Europa passaram a adotar outras soluções de organização, a ver nos subitens seguintes. Os países das Américas e da Ásia continuam adotando a agregação integralmente vertical tanto pelas empresas privadas quanto pelos órgãos ou entidades estatais, a exemplo dos EUA, Canadá, México, Argentina, Brasil, China e Japão. Como vantagens também permite ganhos de escala e coordenação. Pode ser com ou sem exclusividade de tráfego.
A agregação vertical com exclusividade de tráfego é mais comum em malhas isoladas onde não é possível a conexão física entre ferrovias. No Brasil, esse modelo existiu, por exemplo, nas seguintes ferrovias, apresentadas na tabela 2.5:
Tabela 2.5 Ferrovias brasileiras isoladas
Ferrovia | Extensão | Bitola | Carga | UF | |
Jari | 68 km | 1,6m | Em 1997 transportou 1,1 milhões de toneladas de mercadorias (bauxita, madeira cultivada e brita, equivalente a 32 milhões de TKU | Pará | |
Trombetas | 35 km | 1,0m | 1997 transportou 9,6 milhões de toneladas de mercadorias (bauxita), equivalente a 288 milhões de TKU, | Pará | |
Texxxx Xxxxxxxx | 064 km | 1,0m | Em 2014, transportou 288 de TKU, notadamente carvão mineral. | Santa Catarina |
Na agregação vertical sem exclusividade de tráfego, a firma ferroviária permite que trens de outra firma ferroviária acesse sua infraestrutura. O acesso de terceiros tanto pode ser realizado em razão de acordos voluntários entre as firmas, como pode ser imposto pela autoridade regulatória.
10 Exemplos: Reino Unido, em 1947, criou a Brithish Railways; Brasil, em 1957, criou a RFFSA; Reino Unido, em 2002, criou a Network Rail; Argentina em 2015 criou a Ferrocarriles Argentinos Sociedad del Estado.
11 Também chamada system competition (Pittman, 2011)
Na verticalização, a aglutinação de funções reduz o problema de custos de transação e de coordenação. Todavia, nessa condição, a firma pode tender a discriminar a entrada de outras firmas operadoras de trens. Na reforma e privatização ferroviária do Brasil de 1995-98, o regulamento da época previu que as administrações ferroviárias deveriam permitir o direito de passagem ou o tráfego mútuo em suas malhas por outras administrações ferroviárias. Como mitigação dos efeitos colaterais da agregação vertical, esse modelo geralmente é utilizado com a segregação geográfica, a ser descrita no subitem seguinte.
2.2.2.3 Segregação Geográfica
Na segregação geográfica o total da malha ferroviária é devido em diferentes frações a fim de que a mesma firma não possua todas as alternativas de conexão entre os principais nós da rede. Desse modo, em teoria, fica preservado o poder de concorrência entre as ferrovias em operação na malha. A não ser que as ferrovias combinem preços, uma estaria impedida de abusar de seu monopólio natural, pois, haveria outra capaz de executar o transporte entre o mesmo par de origem e destino, na melhor hipótese de concorrência, ou a pelo menos a um dos nós do arco origem e destino, na segunda melhor hipótese de concorrência (Pittman, 2004; Friebel et al., 2007).
2.2.2.4 Segregação Vertical ou Contábil12
A estratégia de quebra do monopólio natural da firma ferroviária na União Europeia baseia-se em três pilares: desagregação da infraestrutura das operações, criação de instituições reguladoras independentes para as linhas férreas e abertura do acesso aos mercados ferroviários nacionais para concorrentes, third–party access (Friebel et al., 2007). A solução de segregação mais branda da União Europeia é a segregação vertical ou contábil (Takasaki, 2014). Nessa solução a mesma firma pode operar os trens e administrar os trilhos, desde que o faça com duas contabilidades separadas, de maneira que os órgãos de controle e regulação possam ter conhecimento sobre a formação dos preços das tarifas aos usuários e às demais operadoras, que acessam a malha da firma hospedeira. Esse também é o modelo da primeira diretriz europeia de 1991.
2.2.2.5 Segregação Horizontal13 ou Institucional14 ou Open Access
A segregação integralmente horizontal é aquela em que não é permitido à empresa que explora a infraestrutura operar os trens. Essa solução tem como vantagem teórica o
12 Pitman (2005) intitula esse modelo por “acesso vertical” (vertical access).
13 Pitman (2005) intitula esse modelo por “separação vertical”
14 Takasaki (2014)
desincentivo a discriminação de novos operadores ferroviários entrantes no mercado (Pittman, 2011). O modelo em open access tem como desvantagens: aumento dos custos; falta de coordenação; perda de economia de escala e escopo; deficiência de planejamento e investimento de longo prazo. Segundo Mixxxxxx x Uranish (2013) o open access tende a baixar os custos em malhas pouco trafegadas e aumentar os custos em malhas muito trafegadas.
2.2.3 Competição e Concorrência
A questão chave na organização do modo de transporte ferroviário é a obtenção da concorrência, pois, em ambientes competitivos, até mesmo monopólios naturais setoriais podem perder seus poderes monopolistas (Pittman, 2011). A promoção da concorrência é altamente desejável quando a concorrência intermodal está ausente, uma vez que a competição entre as firmas oferece fortes incentivos para aumentar a eficiência (Pittman, 2007). Há basicamente duas formas de produzir competição entre ferrovias, a competição pelo acesso a infraestrutura, modelo europeu, ou a competição por rotas, modelo americano e asiático.
2.2.3.1 Competição pelo acesso a infraestrutura
A União Europeia, a partir de 1991, passou a recomendar que a contabilidade das empresas ferroviárias fosse separada entre operação dos trens e manutenção da infraestrutura, no entanto, permitia a competição no mercado de operação de trens pela empresa de infraestrutura ferroviária (Pittman, 2004). A partir de 2001, a União Europeia passou a reforçar o modelo de open access no qual a exploradora da infraestrutura estaria impedida de operar os serviços de trens (Pittman, 2004). No modelo mais horizontal (open access), uma empresa é responsável pela manutenção da infraestrutura em regime de monopólio enquanto a oferta dos serviços de transportes de carga e/ou passageiros é realizada em regime de concorrência.
Esse modelo, no entanto, na prática não tem alcançado os resultados esperados. Nos países que abriram sua infraestrutura ferroviária para a entrada por operadores ferroviários independentes não foi criada muita concorrência. Em alguns países, parte do problema foi devido à recusa dos exploradores da infraestrutura de conceder licenças a empresas que buscam servir como operadores de trem independentes (Friebel et al., 2007). Todavia, alguns autores consideram que o próprio modelo de segregação horizontal não produz competição (Tomeš, 2017). Outros autores apenas demonstram que a privatização das ferrovias no Reino
Unido, que adotou o open access foi malsucedida, sem, no entanto, associa-la diretamente ao modelo em si (Jupe, 2009; Bowman, 2015).
2.2.3.2 Competição por rotas
Nos Estados Unidos, Canadá, México, Brasil15, China e Japão a principal estratégia para mitigar ou mesmo acabar com os efeitos do monopólio natural da firma ferroviária é a segregação geográfica associada a agregação vertical e são considerados casos de sucesso (Resor & Laird, 2013). Em teoria, a melhor opção de competição, ocorre quando a malha é suficientemente grande, pois, diferentes firmas ferroviárias independentes poderiam competir pelos mesmos pares de Origem e Destino (Friebel et al., 2007; Pittman 2004). No entanto, a opção mais comum de competição nos mercados que adotam a agregação integralmente vertical ocorre quando apenas a origem ou o destino é servido por mais de uma ferrovia independente (Friebel et al., 2007; Pittman 2004).
A Austrália, por sua vez adota as duas principais estratégias de competição, pois tanto permite a exploração integralmente verticalizada como nos Estados Unidos, quanto permite o chamado open access em que a operação dos trens e manutenção dos trilhos são executados por empresas separadas (Merkert & Hensher, 2014).
A tabela 2.6 resume as possibilidades de organização das empresas ferroviárias. No modelo mais verticalizado, a mesma empresa A, é responsável tanto pela manutenção da infraestrutura (trilhos, sinalização, etc) quanto pela operação dos serviços de transporte de cargas e/ou passageiros em regime de monopólio, portanto, sem competição na sua malha. É possível ainda que exista verticalização apenas no mercado ou de carga ou de passageiros, sendo possível que a empresa que explora a infraestrutura compita com outras empresas em um desse mercados (carga ou passageiro), como visto na segunda e terceira coluna da tabela 2.6.
Tabela 2.6 Grau de separação entre exploração de infraestrutura e serviços de transportes
Vertical Exclusivo | Vertical Parcial | Horizontal | ||
Cargas | Passageiros | |||
Operação dos trens (Passageiros) | A | A e/ou B, C, ... | A | B e/ou C, ... |
Operação dos trens (Carga) | A | A | A e/ou B, C, ... | B e/ou C, ... |
Manutenção da Infraestrutura (Trilhos) | A | A | A | A |
Fonte: Laxxxxx (2015) com adaptações.
15 Esse princípio adotado nos anos 1995-98 foi perdido ao longo dos anos em razão da permissão de continuas aglutinações das ferrovias, que resultaram na formação de oligopólios sem competição por rotas.
Observa-se que, para o tráfego na rede, não existe diferença no modelo de integração vertical com compartilhamento de rede para o modelo de segregação vertical ou contábil. Em ambos, a firma A, que mantém a infraestrutura, permite o trânsito de uma firma B visitante. A diferença concreta entre esses modelos é que no de agregação vertical, a firma visitante B é, necessariamente, uma firma responsável pela manutenção da infraestrutura de sua rede, onde A também poderá operar. No modelo de segregação vertical, a firma visitante B pode ser exclusivamente uma firma operadora, que não tem em seu negócio a preocupação com a manutenção da infraestrutura. Essa diferença, contudo, não é pequena. Há muito mais incentivo econômico para o apropriado compartilhamento dos custos de manutenção quando B também exerce a atividade de manutenção da infraestrutura em sua rede.
Barreiras econômicas a entradas e saídas de uma firma no mercado são entraves ao desenvolvimento de mercados contestáveis, em que a crença da entrada de um novo player impede que a firma estabelecida explore seu poder monopolista ou oligopolista (Baxxxx xt al., 1983). No Brasil, além das já elevadas barreiras econômicas naturais, que dificultam o estabelecimento da contestabilidade do mercado, os players do setor ferroviário usufruem, ao menos, em teoria, de barreiras jurídicas a entradas de novas firmas. A remoção das barreiras jurídicas poderia contribuir para a maior competitividade do setor ferroviário brasileiro.
2.2.4.1 Marcos da Legislação Ferroviária
Embora a Constituição Federal não tenha declarado que a exploração do transporte ferroviário é um serviço público, esse entendimento consolidou-se na legislação infraconstitucional, de maneira que, atualmente, não há espaço para a livre iniciativa privada em termos da exploração do transporte ferroviário.
Diferentemente dos EUA, em que, qualquer firma que esteja disposta a construir uma ferrovia pode solicitar uma licença do Surface Transportation Board (Sampaio & Daychoum, 2017), no Brasil, a iniciativa privada só pode atuar nos casos em que o Poder Público tomar a iniciativa da outorga, nos exatos termos da legislação infraconstitucional, mais restritiva que a própria Constituição Federal, como pode ser observado nas hipóteses de outorgas resumidas na tabela 2.7:
Tabela 2.7 Formas de outorga do transporte ferroviário no Brasil
Outorga | Dispositivo | Atividade |
autorização, concessão ou permissão. | CF, art. 21, XII, d. | serviços de transporte ferroviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território |
Outorga | Dispositivo | Atividade |
autorização | CF, art. 170, parágrafo único | é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei |
concessão ou permissão | CF, art. 175. | prestação de serviços públicos |
concessão | Lei nº 8.987, de 1995, art. 2º, II | a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado |
concessão ou permissão | Lei nº 9.074, de 1995, art. 1º, IV | vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública |
concessão | Lei nº 10.233, de 2001, art. 14, I, a | exploração das ferrovias que compõem a infraestrutura do Sistema Nacional de Viação |
concessão | Lei nº 10.233, de 2001, art. 14, I, b | transporte ferroviário de passageiros e cargas associado à exploração da infraestrutura ferroviária |
permissão | Lei nº 10.233, de 2001, art. 14, IV, b | transporte ferroviário regular de passageiros não associado à infraestrutura |
autorização | Lei nº 10.233, de 2001, art. 14, III, f | transporte ferroviário não regular de passageiros, não associado à exploração da infraestrutura |
autorização | Lei nº 10.233, de 2001, art. 14, III, i | transporte ferroviário de cargas não associado à exploração da infraestrutura, por operador ferroviário independente |
A legislação brasileira, no campo da outorga do transporte ferroviário, seguiu o modelo europeu – de competição pela infraestrutura –, muito embora a prática das outorgas dos anos 1990 tenha seguido o modelo de exploração adotado nos EUA, de competição pelas rotas de origem e destino do transporte. Há no campo normativo uma clara divergência entre o que foi estabelecido na prática das concessionárias ferroviárias e o que está atualmente positivado na legislação. Possivelmente, esse descasamento possa, em parte, explicar o pequeno interesse de firmas brasileiras pela atividade de Operador Ferroviário Independente.
Outra consequência dessa restrição meramente jurídica, é que no atual marco normativo não há incentivos a competição entre as firmas ferroviárias, em razão da entrada de novos players privados. Mesmo quando há interesse de firmas nacionais ou estrangeiras pela exploração de ferrovias brasileiras (SEP, 2016; Pelegi, 2017; Xxxx, 0000; Senado, 2017) os investimentos não são realizados em razão das dificuldades da União em preparar leilões de outorga.
A restrição ao investimento livre da iniciativa privada não se repete em outros setores da infraestrutura de transporte como, por exemplo, o aéreo, o portuário e o dutoviário.
2.2.4.2 Xxxxxx de outros Modos de Transporte
A legislação aeroportuária, positivada no Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 7.565, de 1986, previu a existência de aeródromos privados construídos – com prévia autorização da autoridade aeronáutica (art. 34), mantidos e operados por seus proprietários, obedecidas as instruções, normas e planos da autoridade aeronáutica (art. 35).
A legislação sobre a política energética, Lei nº 9.478, de 1997, quando tratou do transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, estabeleceu que qualquer firma, constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, atuante nas atividades de pesquisa e lavra, refinação, importação, exportação ou transporte, poderá receber autorização da Agência Nacional do Petróleo para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação (art. 4º e 5º c/c art. 56).
Note-se que a infraestrutura ferroviária e dutoviária têm as mesmas características de indústrias de rede lineares fechadas. Do ponto de vista econômico, não estão sujeitas ao efeito carona dos usuários, necessitam de altos custos fixos (Eller et al., 2011), e são geralmente vinculadas a indústrias específicas. Todavia, o transporte ferroviário, no plano infraconstitucional, foi tratado como serviço público e o transporte dutoviário, como atividade econômica livre.
A legislação portuária recentemente foi modernizada pela Lei nº 12.815, de 2013, que criou a possibilidade de a iniciativa privada explorar instalações portuárias, para o transporte de carga própria ou de terceiros. Segundo essa norma, serão exploradas mediante autorização, precedida de chamada ou anúncio públicos e, quando for o caso, processo seletivo público, as instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado. A autorização será formalizada por meio de contrato de adesão, com prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos sucessivos, desde que: a atividade portuária seja mantida; e o autorizatário promova os investimentos necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias.
Há na legislação um descompasso entre as liberdades à iniciativa privada em setores da infraestrutura dos transportes. Enquanto há maiores liberdades para a provisão de infraestruturas aeronáuticas, dutoviárias e portuárias, a infraestrutura ferroviária tem o absoluto monopólio da iniciativa pública.
2.2.4.3 Aquisição de domínios
Se houvesse maior liberdade à iniciativa do empreendimento ferroviário privado, como há em outros países benchmarks do setor, a exemplo de EUA e Japão, e como também há em outros setores da infraestrutura de transportes no Brasil, haveria uma questão crucial a ser enfrentada. Como a empresa privada adquiria as terras necessárias ao empreendimento ferroviário?
A primeira alternativa, a mais liberal e preferível, seria pelos acordos voluntários de vontade. Os próprios proprietários das terras se juntariam para formar a firma ferroviária que beneficiaria seu território, a exemplo da prática adotada nos EUA, no século XIX (Silva, 1904) e Japão, atualmente (Suzuki et al., 2015).
A segunda alternativa, mais estatal e complementar à primeira, seria por incluir a firma ferroviária privada no rol dos legitimados ativos para promover a desapropriação de terras, mediante autorização expressa constante em lei ou contrato. Aliás, em parte, essa solução já vigeu no Brasil no governo Xxxxx Xxxxxxxx, que editou a Medida Provisória (MPV) nº 700, de 2015.
Segundo a exposição de motivos, a MPV nº 700, de 2015, objetivava estimular o investimento privado em infraestrutura no país, a partir da desburocratização da legislação relativa à desapropriação por utilidade pública, do que se extrai do seguinte excerto de Xxxxxxx et al. (2015):
Os processos de desapropriação são entraves para soluções de infraestrutura, uma vez que são excessivamente morosos e demandam procedimentos, geralmente, repetitivos e desnecessários. A atualização desse marco legal aos novos modelos de execução de obras, possibilitando a inclusão de concessionários, autorizatários e contratados na condução do processo de desapropriação, vai ao encontro da nova formatação de contratos públicos garantindo maior celeridade e segurança aos processos.
[...] a urgência da presente medida se coaduna com outros esforços do governo federal para estimular o investimento privado em infraestrutura no país, reduzindo etapas e simplificando procedimentos desapropriatórios considerados dificultadores às soluções de infraestrutura [...]
A MPV nº 700, de 2015, beneficiaria apenas em parte a exploração da infraestrutura ferroviária, pois, segundo o restante da legislação infraconstitucional, no Brasil, não existe hipótese da construção de ferrovias meramente autorizadas pelo poder público como ocorre nos EUA e Japão. Ainda assim, os atuais concessionários poderiam ter se beneficiado do novo instrumento. Todavia, no meio da crise política vivida nos últimos meses do governo Xxxxx
Xxxxxxxx, a MPV nº 700, de 2015, não foi apreciada pelo Congresso Nacional, tendo perdido a sua eficácia por decurso de prazo.
2.2.4.4 Escolha dos Vencedores
A legislação específica dos transportes terrestres, Lei nº 10.233, de 2001, prevê, expressamente, a menor tarifa e a melhor oferta pela outorga, considerada isolada ou conjugadamente, como critérios para o julgamento da licitação de concessão, assegurado a prestação de serviços adequados (art. 34-A, § 2o, IV). Outros critérios de escolha são previstos expressamente em outras legislações de transporte, como, por exemplo, a maior capacidade de movimentação ou o menor tempo de movimentação de carga (Lei nº 12.815, de 2013, Lei dos Portos).
3 HISTÓRICO INTERNACIONAL
O desenvolvimento do setor ferroviário mundo afora aconteceu, notadamente, baseado em duas estratégias distintas: uma liberal, baseada nas forças do mercado, e outra estatal, baseada na força do planejamento e gestão centralizada pelo governo. Essas estratégias foram aplicadas em sequência ou em paralelo e alcançaram resultados bem distintos a depender das condições específicas de cada país, mas, em geral, o desenvolvimento ferroviário passou por três ou quatro fases: a primeira de crescimento, geralmente com predominância de agentes econômicos privados; a segunda de estatização da indústria, por meio da nacionalização de linhas e constrições regulatórias; a terceira de privatização ou desregulamentação da indústria e em, alguns casos, houve uma quarta fase de retorno do estatismo, por meio de constrições regulatórias e subsídios. Para ilustrar esse desenvolvimento as seções seguintes apresentarão o desenvolvimento do mercado ferroviário do Reino Unido, dos Estados Unidos, da China e do Brasil.
O histórico do Reino Unido é citado em razão da significativa influência do modelo de acesso aberto (open access) à rede ferroviária, adotado por aquele país europeu, nas diretrizes do governo federal brasileiro, na administração Xxxxx Xxxxxxxx (2011–2016), além de ser o benchmak precursor da atividade. Os Estados Unidos da América foram escolhidos por ser benchmark do setor ferroviário de cargas, pois têm a maior malha do planeta e alcançaram o crescimento mais significativo no primeiro século da história ferroviária. A China, por sua vez, também é benchmark do setor ferroviário, principalmente no transporte de passageiros, pois tem a maior malha de trens de alta velocidade do mundo e alcançou crescimento substancial nos últimos 20 anos.
3.1 HISTÓRICO FERROVIÁRIO BRITÂNICO
Segundo Blanning (2007), a Inglaterra foi a nação precursora dos investimentos privados na provisão de infraestrutura de transportes terrestres. Em 1695, o mercado obteve segurança jurídica para investir na construção e manutenção de estradas pavimentadas, por meio de Acts of Parliament que autorizavam a cobrança privada de tarifas sobre o tráfego ao longo de certa extensão das estradas. No século XVIII, os Turnpike Acts, do Parlamento inglês, revolucionaram a provisão de infraestrutura rodoviária.
Naquele século, cresceu a malha e reduziram-se, substancialmente, os tempos de viagem. Em contraste, na mesma época, na Europa continental a infraestrutura rodoviária era precaríssima. As únicas boas estradas na Europa continental eram aquelas que conectavam as fortificações e
os palácios de interesse das Coroas. A provisão de infraestrutura tinha na Europa continental motivação política, para defesa do Estado ou satisfação do Rei. Na Inglaterra, por sua vez, o interesse econômico era predominante na definição dos traçados das novas estradas pavimentadas (Blanning, 2007).
A experiência de parcerias privadas inglesas no mercado rodoviário foi adaptada. Inicialmente no mercado de provisão de canais de navegação interior e na sequência foi também incorporada ao mercado ferroviário, aberto nos anos 1820, na própria Inglaterra, com o surgimento dos caminhos de ferro e da locomotiva a vapor16. O exemplo inglês de provisão de infraestrutura de transporte privada repercutiu em todos os principais países do mundo, todavia com intensidades e características próprias. A maior parte da rede ferroviária mundial foi construída na segunda parte do século XIX e a primeira metade do século XX (Laurino et al., 2015).
Segundo Xxxxx (1904), nos primórdios da indústria ferroviária acreditava-se que o tráfego nas estradas de ferro, dar-se-ia como nas estradas de rodagem e canais de navegação, i.e., uma vez construída a infraestrutura, admitir-se-ia o tráfego de todos os trens que os respectivos proprietários quisessem pôr em circulação, como genuínas vias públicas, suscetíveis à livre concorrência de tráfego de todos os interessados, satisfeitas as legislações de segurança. Contudo, isso logo se mostrou inviável, pois, nos primórdios do modo ferroviário haveria uma forte necessidade de coordenação da firma entre as atividades de transporte, manutenção, segurança e gestão da linha, que não seria viável, senão em monopólio natural, industrial e legal (Silva, 1904).
Xxxx Xxxxx (1904), a abundância de capitais, o comportamento especulativo das firmas, a estabilidade do regime de liberdades políticas e a tradição de não intervenção do Estado nos negócios da iniciativa privada permitiram que na Inglaterra as firmas ferroviárias privadas agissem em completa liberdade até 1844. Até então, as concessões foram sempre feitas em regime de perpetuidade, sem privilégio de qualidade alguma.
Em 1845, havia quase 700 linhas separadas, com extensão média não superior a 30 km, em um sem número de bitolas17. Em nenhum país do mundo houve a adoção de tantas bitolas diferentes como na Inglaterra. A grande quantidade de bitolas dificultava em excesso o
16 Em 1821 foi criada a Stockton & Darlington Railway Co., construtora e operadora da primeira estrada de ferro inglesa e mundial, inaugurada em 1825 (Daychoum & Sampaio, 2017)
17 Bitola é a medida de espaçamento entre as faces internas dos boletos dos trilhos. Quanto maior a bitola, em teoria, maiores são a velocidade operacional e a capacidade de transporte máxima dos trens. Quanto menor a bitola, menores são os custos de construção das linhas (Santos, 2011).
tráfego, impedindo a mutualidade de circulação dos trens, gerando a primeira crise do sistema ferroviário. O Parlamento, em reação, editou o Gauges Act, de 1846, que obrigou a unificação do sistema ferroviário do Reino Unido na bitola de 1435mm18 (Silva, 1904).
A iniciativa parlamentar de 1846 contribuiu para um processo de fusões e aquisições das linhas férreas. As menores linhas foram sendo adquiridas pelas maiores, a concorrência predatória começou a causar incômodos reverberados no Parlamento, que passou a regular a indústria editando diversos atos sobre o tema durante o século XIX. A preocupação preponderante do Parlamento era a instituição de tráfego mútuo19, tendo em vista os interesses do público e o das pequenas linhas, bem como, impedir o abuso de tarifas preferenciais. As concessões ferroviárias britânicas além de serem perpétuas, não tinham seus traçados definidos pelo Estado, o investidor privado era quem definia os pontos de passagem, por sua conta e risco (Silva, 1904).
Após a aprovação das concessões no Parlamento, o Board of Trade regulava o mercado, arbitrando os conflitos decorrentes das firmas ferroviárias, além da segurança do tráfego. Em 1889 a Inglaterra20 possuía 24.221 km de linhas férreas, sendo que 15.992 km já eram duplicadas (Silva, 1904).
A ferrovia exclusivamente privada foi o paradigma dominante na Inglaterra, no entanto, a liberdade não era absoluta no Reino Unido e muito rara no resto do mundo. A incapacidade dos Estados Nacionais de lidarem, apropriadamente, com os efeitos da concorrência ferroviária (externalidades e falhas de mercado) nas demais indústrias, levou a nacionalização das ferrovias no mundo a fora, com raras exceções, como nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido (Silva, 1904). Por volta de 1910, aproximadamente 10% das estradas de ferro do mundo já haviam sido nacionalizadas e 22% já haviam sido construídas pelo Estado (Bogart, 2010). Os britânicos resistiram ao lobby do estatismo até 1921 quando editaram o Railways Act.
Segundo Acworth (1923), no fim de 1921 havia 214 companhias ferroviárias independentes na Grã-Bretanha. Por força do Railways Act, de 1921, 121 dessas ferrovias seriam agrupadas em quatro firmas e as 93 restantes seriam divididas nas seguintes categorias:
a. Empresas pertencentes em conjunto a duas ou mais empresas, e. g. Cheshire Lines;
b. Estradas de ferro leves sem importância, principalmente em bitola estreita;
18 Essa medida foi, posteriormente, adotada internacionalmente como padrão de bitola, embora a Irlanda, membro do Reino Unido, não a tenha adotado, preferindo a bitola de 1600mm.
19 O termo tráfego mútuo em Silva (1904) não tem, necessariamente, o mesmo sentido utilizado atualmente, possivelmente significaria direito de passagem nos dias atuais.
20 Nesse cômputo estão incluídos os ramais do país de Gales.
c. Ferrovias urbanas e suburbanas, principalmente eletrificadas e confinadas ao tráfego de passageiros, e. g. metropolitano de Londres e Túnel de Mersey; e
d. Empresas com ferrovias ainda não construídas ou abandonadas.
As quatro ferrovias principais criadas pelo Railways Act, de 1921, foram: Souther Railway, Great Western Railway; London, Midland and Scottish Raiway; e London and North Eastern Railway, conhecidas como Big Four. Entre as alegações principais para a reorganização da rede ferroviária britânica estava o ganho de cooperação observado durante a primeira Guerra Mundial (1914–1918). Nesse período, as ferrovias britânicas operaram como uma só empresa, administrada pelo governo (Acworth, 1923). No entanto, para Xxxx et al. (1998), o Railways Act, de 1921, visava a eliminação da competição por passageiros e a formação de monopólios. Duas evidências nesse sentido podem ser observadas no trabalho de Acworth (1923). Primeiro, embora, o governo tivesse previsto que as aquisições e aglutinações poderiam ser pagas em dinheiro ou em ações, praticamente não houve pagamento em dinheiro. Os proprietários das firmas menores voluntariamente aceitaram ações das novas grandes firmas. A segunda evidência é que poucos foram os casos em que foi preciso fazer mão da arbitragem estatal para a formação das novas firmas. A maioria das firmas fechou arranjos voluntários de aglutinação antes que se iniciassem os prazos de aglutinações compulsórias arbitrados pelo Estado.
As ferrovias britânicas somente foram estatizadas com o Transport Act, de 1947. Mais uma vez justificado pelos ganhos de coordenação21 decorrentes da unificação observada na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Parlamento britânico decidiu substituir as falhas do mercado pela criação de um monopólio, dessa vez estatal.
Segundo Xxxxxx (1948), o Transport Act, de 1947, idealizava que o Estado exploraria transporte de longa distância por monopólio público do modo ferroviário, enquanto o transporte de curta distância remanesceria em regime de competição privada por meio do modo rodoviário. Em 1948, o Reino Unido aderia a solução adotada na maioria do mundo, a firma ferroviária monopolista nacional, era criada a British Railways, formada pela nacionalização das quatro grandes ferrovias privadas criadas em 1921.
Em 1950, ferrovias na maior parte do mundo eram de propriedade estatal, com poucas exceções como Estados Unidos e Canadá, que permaneceram quase que integralmente de propriedade privada (Resor & Laird, 2013).
21Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o governo britânico administrou a rede ferroviária como uma só empresa.
3.1.2 Déficit Fiscal, de Cargas e de Passageiros
Se a firma integralmente privada não durou para sempre, a firma integralmente estatal durou pouco no Reino Unido. Devido a já significativa concorrência com a modalidade rodoviária e as deficiências notórias da gestão estatal, a British Railways começou a experimentar crescentes déficits de passageiros, cargas e receitas.
Com a eleição de Xxxxxxxx Xxxxxxxx ao posto de Primeira Ministra do Reino Unido, pelo Partido Conservador, em 1979, intensificaram-se as discussões sobre a reforma do Estado. Na área dos transportes ferroviários, desejava-se a redução dos crescentes subsídios fornecidos e a promoção de competição. Fundamentado na experiência positiva com a privatização de estatais de gás e telecomunicações a British Railways foi então privatizada em maio de 1996, segundo uma estratégia de segregação de atividades (Jupe, 2009).
Antes mesmo da privatização britânica, em 1996, vigorava na Europa o entendimento de que o monopólio natural ferroviário poderia ser quebrado com a segregação das atividades a exemplo dos setores de telecomunicação e energia. Basicamente, uma firma cuidaria da manutenção da infraestrutura e outra firma cuidaria da operação dos trens. A Suécia foi o primeiro país a aplicar essa teoria ao segregar, em 1988, a Swdish State Railways (SJ) em duas firmas, SJ Operator, com monopólio no transporte de passageiros de longa distância e Banverket Infrastructure Manger, com monopólio da exploração ferroviária (Finger, 2014).
A firma gestora da infraestrutura seria remunerada pela firma gestora da operação, que seria remunerada diretamente pelos clientes, passageiros ou transportadores de cargas.
A União Europeia passou a aplicar o conceito por meio da Diretiva 91/440, recomendando a adoção da segregação das firmas ferroviárias dos países membros (Nash et al., 2011) No Reino Unido a segregação foi uma das mais radicais (Finger, 2014). A privatização de 1996, segundo Jupe (2009) segregou a British Railways em:
– firmas de provisão de manutenção de infraestrutura (INFRACOs);
– firmas de leasing de trens (ROSCOs);
– firmas de operação de trens de passageiros (TOCs);
– firmas de operação de trens de cargas; e
– 1 firma monopolista exploradora da infraestrutura;
Na teoria desse modelo a firma exploradora da infraestrutura seria remunerada pelas firmas operadoras pelo acesso aos trilhos e sistemas de sinalização e comunicação. As operadoras seriam remuneradas diretamente pelos passageiros e embarcadores de cargas. Esperava-se
com isso, a introdução de incentivos para o acesso não discriminado das firmas operadoras pelas firmas provedoras de infraestrutura, o aumento da competição no mercado, a redução dos subsídios.
O resultado, contudo, não foi o esperado. Os subsídios continuaram a ser pagos, o aumento de competição não foi observado, e até mesmo o aumento de passageiros transportados foi atribuído a fatores exógenos à privatização, como aumento dos congestionamentos ferroviários. Em pouco menos de 10 anos o Reino Unido foi obrigado a nacionalizar a Railtrack, firma formada na privatização de 1995. Ficava então criada a Network Rail, estatal britânica responsável pela exploração dos trilhos, em regime de monopólio (Jupe & Xxxxxxxx, 0000; Jupe, 2009)
3.2 HISTÓRICO FERROVIÁRIO AMERICANO
Nenhum país do mundo tem sua história tão atrelada ao desenvolvimento ferroviário como os Estados Unidos da América. O transporte ferroviário criado na Inglaterra passou por grandes melhorias nos EUA. Foi na américa que o telégrafo foi definitivamente adotado para proteger e regular o movimento dos trens, bem como foram padronizados os fusos-horários americanos. A estrada de ferro caminhava adiante da colonização do interior americano, para a qual abria o caminho (Silva, 1904). Também na América foram experimentados os modelos de exploração pública e privada e a regulação teve seus primeiros marcos, influenciando todo o mundo, até os dias de hoje.
3.2.1 Competição e Discriminação de Preços
As primeiríssimas ferrovias americanas, iniciadas nos anos 1820 eram empreendimentos públicos, baseados na ideia de open access, mas, devido a escândalos de corrupção, superfaturamentos e déficits fiscais, foram transferidas à iniciativa privada (Xxxxx, 1904). As novas companhias privadas, integradas verticalmente, rapidamente se multiplicaram e se espalharam por todo o território americano, com diferentes modelos de locomotivas e bitolas das estradas de ferro (AR, 2017). Em 1830, a rede ferroviária americana com 86 km, só não era maior que a inglesa com 111 km (Silva, 1904).
Nessa época, as ferrovias eram vistas como um modo de transporte menos eficiente que os canais de navegação interior, somente eram construídas ferrovias onde a construção de canais era economicamente inviável, todavia, essa percepção mudou rapidamente (Silva, 1904). Em
1840, a indústria de locomotivas, material rodante e infraestrutura ferroviária já era autônoma da inglesa, tendo os engenheiros americanos criado diversas inovações (Silva, 1904).
Em meados do século XIX a expansão ferroviária era impulsionada pela concessão de terras pelo poder público às empresas ferroviárias, que as revendiam aos colonos financiando os empreendimentos. Entre 1850 e 1880, 750.000 km2 foram concedidos, pelo Congresso Nacional, às firmas ferroviárias. Somando-se as concessões estaduais, o total de terras22 concedidas era de 861.000km2, que permitiram a construção de 23.536 km de trilhos (Silva, 1904).
O sistema de financiamento americano implicava que, na média, naquela época, as firmas ferrovias americanas explorassem uma faixa de domínio de 36,5 km, onde poderiam construir novas povoações e obter receita da valorização dos imóveis. Esse sistema tinha características claramente especulativas, tendo gerado duas crises financeiras, uma em 1854 e outra em 1857. Todavia, por meio do crescimento da população e da geração de riqueza, diversos territórios foram incorporados como Estados à União, a exemplo de: Kansas, em 1861; Virgínia Ocidental, em 1863; Nevada, em 1864; e Nebraska, em 1867. Em 1870, a rede de estradas de ferro já cobria todos EUA, ligando o país do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico (Silva, 1904). Em 1893, era aberta Great Northern Railway a sétima ferrovia transcontinental americana, a primeira sem financiamento público federal, de nenhum tipo, a única a nunca falir em nenhum momento (Grodinsky, 2000).
Nos EUA, as ferrovias eram concedidas pelos Estados, em regime de monopólio na linha, sem, contudo, gozar de exclusividade no trajeto, i.e., se uma firma obtivesse a concessão de uma linha férrea entre dois ou mais pontos, isso não impediria que outra firma pudesse construir outra ferrovia entre os mesmos pontos. Se uma ferrovia cruzasse mais de um Estado precisaria obter a concessão em cada um deles. A concessão garantia a firma o direito de desapropriação forçada, mas impunha que a ferrovia fosse aberta ao uso público, ao mesmo tempo, seguindo princípios da legislação britânica, obrigava que a firma aceitasse, em qualquer tempo, novas obrigações impostas pelo poder público concedente. As legislações estaduais adotavam o regime de liberdade tarifária (Silva, 1904).
Em 1890, sob o regime de liberdade tarifária dos Estados Unidos, as empresas privadas já haviam alcançado a extensão total de 263.283km (AR, 2017). A liberdade tarifária, no entanto, sofria forte oposição de alguns grupos de fazendeiros americanos que se organizavam em sociedade sob o nome de National Grange, desde 1867 (Silva, 1904).
22 Área equivalente aos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Nessa época, a concorrência era acirrada entre as firmas ferroviárias. Em consequência, as tarifas de carga e de passageiros eram baixas, supostamente as mais baixas do mundo. A concorrência era mais feroz entre pontos populosos e distantes como Nova York e Chicago. Transportadoras e passageiros poderiam escolher entre uma série de rotas alternativas administradas por diferentes estradas de ferro. Todavia, em rotas curtas, costumava haver apenas uma xxxxxxx xx xxxxx xxx, xxx xxxx, xxxxxx xx uma situação de monopólio (Xxxxxxxx & Xxxxxxxx, 2015).
Nesse contexto, o lobby dos Grangers apresentou à União pedido para que as tarifas fossem legalmente fixadas pelo governo ou que o governo construísse linhas nacionais cobrando tarifas menores que as praticadas pelas empresas privadas, nas situações de monopólio. Nos governos estaduais, o lobby dos Grangers fez aprovar algumas leis relativas à exploração comercial das ferrovias, a exemplo das leis de Minnesota (1870) e Wisconsin (1874). As companhias recusaram-se a cumprir as leis estaduais. A questão foi levada a Suprema Corte americana em 1876. O Tribunal reconheceu os poderes dos Estados para legislar sobre uma espécie qualquer de indústria de interesse do uso público. As companhias foram derrotadas, mas, não querendo resignar-se, reduziram os serviços, sobre o pretexto de que o Tribunal não poderia obriga-las a operar em prejuízo (Silva, 1904).
A questão foi resolvida com a intervenção do Congresso Nacional que editou o Interstate Commerce Act, de 1887, regulando o assunto. As companhias foram proibidas de aplicar tarifas diferenciadas (discrimination)23. A lei criara a Comissão de Comércio Interestadual (ICC – Interstate Commerce Commission) com poderes regulatórios sobre o mercado ferroviário (Silva, 1904).
O apoio dado aos Xxxxxxxx no Congresso americano e nos Estados contra a política de discrimination das ferrovias não era motivada, exclusivamente, pelo preço alto das tarifas, mas, principalmente, pelos descontos arbitrários e, às vezes, secretos ofertados pelas companhias ferroviárias. Os usuários que não conseguiam tais vantagens sentiam-se prejudicados na livre concorrência em seus mercados, de modo que, ao final, o governo passou a combater a prática (Xxxxx, 1904; Xxxxxxxx & Xxxxxxxx, 2015).
A questão surgia da liberdade de concorrência entre as linhas. Por exemplo, segundo Silva (1904) o transporte de um fardo de algodão entre Winona a New Orleans, distantes 442 km, custava U$ 3,25, ao passo que o transporte do mesmo fardo de Memphis a New Orleans,
23 As tarifas precisavam ser fixadas e publicadas com antecedência de ao menos oito dias. Trechos mais curtos não poderiam ser mais caros que mais longos. Usuários associados das ferrovias não poderiam ser beneficiados pelos proprietários das linhas.
distantes 724 km, custava, devido à concorrência, apenas U$ 1,0. Assim, o fazendeiro de Xxxxxx seria prejudicado no comercio de algodão em relação ao fazendeiro de Memphis.
A discrimination também poderia ocorrer quando a carga pertencia à companhia ferroviária ou as suas firmas associadas que recebiam descontos não recebidos por firmas concorrentes (Silva, 1904).
A política de absoluta liberdade tarifária e de concorrência gerou a política de discrimination, que poderia afetar cargas, localidades e classes de passageiros, consideradas ilegais pela legislação americana da época. Como solução, diferente da maioria dos países, onde as falhas de mercado existiam, os americanos optaram pela regulação ao invés de nacionalização das ferrovias, que, devido a imensa extensão da rede, seria financeiramente impossível. Em 1880 a rede ferroviária era de cerca de 150.000 km. Em 1890, três anos após o Interstate Commerce Act a rede ferroviária já era de 263.283 km. Apesar das falhas de mercado, o êxito da política de liberdade tarifária pode ter impedido a estatização das ferrovias, como pretendia parte dos Grangers. As ferrovias eram grandes demais para serem estatizadas.
A liberdade do empreendimento ferroviário americano também incluía a diversidade de bitolas, nos anos 1860, a rede era constituída por nove bitolas principais. Esta diversidade foi resolvida no período 1866–1886. A padronização começou imediatamente após a Guerra Civil americana (1861–1865), por iniciativa da New York Central and Michigan Central Railroads que pagou a Great Western Railway of Southwestern Ontario, pela redução da sua bitola, para a bitola de 1435mm (Puffert, 2002).
O objetivo era ampliar o alcance da ferrovia de New York, conectando-a a outra ferrovia na mesma bitola. As dificuldades logísticas na movimentação de tropas, decorrentes da diversificação de bitolas, convenceram as firmas ferroviárias a reconstruírem as linhas destruídas, na Guerra Civil, em uma única bitola. A bitola eleita pelo mercado foi a de 1435mm, a mesma eleita duas décadas antes pelo Parlamento britânico, por força do Gauges Act. A unificação foi resultado de três motivações: o forte crescimento da demanda por transporte inter-regional, inclusive para o embarque do grão do meio-oeste até o litoral; o crescimento da cooperação entre linhas de propriedade separada; e a consolidação de sistemas inter-regionais de trunkline sob propriedade comum (Puffert, 2002).
Em 1890, os EUA já haviam padronizado praticamente toda a malha na bitola de 1435mm (AR, 2017). Em 1916, no apogeu da rede, a extensão da malha americana era de 408.832 km.
O astronômico crescimento da malha ferroviária nos Estados Unidos não teve paralelo no mundo. O crescimento americano era claramente especulativo, por ser fundamentado em uma demanda futura e incerta e não na demanda da época (Xxxxx, 1904, Pittman, 2007). As empresas ferroviárias, nos EUA, foram eficientes em tomar vantagem da liberdade empresarial e da verticalização das atividades. A extrema competição intramodal não impediu a unificação rápida de sua malha, em uma única bitola, ao contrário, contribuiu para o crescimento, para a sinergia e para a maior eficiência da malha.
No entanto, o mesmo não se pode dizer sobre a competição intermodal. A competição com o modo rodoviário e com o modo aquaviário, principalmente após a abertura do canal do Panamá, em 1914, juntamente com as constrições regulatórias da ICC, que impedia a liberdade tarifária, levaram ao fechamento de diversos quilômetros de ramais ferroviários, que se tornaram deficitários e à falência de algumas companhias, mas, ao mesmo tempo, ao aumento da produtividade das companhias mais aptas. Em 1963, o mercado americano reduziu a extensão de sua malha para 345.022 km (AR, 2017).
A falência de ramais ferroviários devido a competição intermodal em meados do século XX foi um fenômeno mundial, que, no entanto, nos EUA, teve desfecho diferente. Novamente, na maioria dos países onde acontecia o fenômeno a solução era a nacionalização de ferrovias ou a adoção de subsídios. Todavia, a rede ferroviária americana era muito grande para ser estatizada. Durante os anos 1970, apesar da maioria das principais ferrovias no Nordeste americano terem falido – incluindo a gigante Penn Central Transportation Company e várias grandes ferrovias do meio-oeste –, não houve um processo de estatização integral das companhias ferroviárias de carga (AAR, 2016).
A solução do governo foi a estatização de somente algumas ferrovias, como, por exemplo, a Penn Central Transportation Company e Erie Lackawanna Railway, unificadas pelo governo federal, em 1976, na estatal Consolidated Rail Corporation (Resor & Laid, 2013).
A competição intermodal afetava o transporte de passageiro de maneira mais agressiva que o transporte de cargas, que sofria forte ataque do modo aeroviário a partir de meados de 1950. Para mitigar o problema, em 1970, o Congresso americano publicou o Rail Passenger Service Act, por considerar que um serviço moderno, eficiente e interurbano de transporte ferroviário de passageiros é uma parte necessária de um sistema de transporte equilibrado. A medida pretendia evitar o desaparecimento dos serviços de transportes de passageiros pelas empresas ferroviárias privadas, que não mais conseguiam competir com as empresas aéreas americanas. Com o Rail Passenger Service Act ficava então autorizada a criação da National Railroad
Passenger Corporation (Amtrak) como uma empresa for profit24. Com a criação da Amtrak as empresas ferroviárias americanas passaram a ser exclusivamente de cargas. Atualmente, em 70% dos quilômetros operados pela Amtrak, a estatal utiliza a infraestrutura das empresas de transporte de cargas.25
Devido à forte regulação de preços, limitação de serviços e competição intermodal, no fim dos anos 1970 as ferrovias americanas enfrentaram seu pior momento, com sucateamento da infraestrutura, aumento do número de acidentes e diminuição da rentabilidade e da produtividade. (AAR, 2017).
A solução adotada para mitigar a crise ferroviária americana foi a desregulamentação da atividade, aprovada no Congresso americano por meio do Staggers Rail Act, de 1980. Segundo a Association of American Railroads (2017), o Staggers Rail Act eliminou muitos dos regulamentos mais prejudiciais que impediam o serviço ferroviário de carga eficiente e econômico, pois, notadamente, permitia que:
• estradas de ferro precificassem rotas concorrentes e serviços de forma diferente. Assim, ferrovias poderiam estabelecer preços de acordo com a demanda do mercado e operar sobre suas rotas mais eficientes;
• estradas de ferro e expedidores celebrassem contratos confidenciais. Tais contratos eram virtualmente desconhecidos antes do Staggers Rail Act, devido às restrições regulatórias;
• procedimentos simplificados fossem empregados para a venda de linhas ferroviárias para novas ferrovias de curta distância;
• as autoridades reconhecessem as necessidades de ferrovias para obter receitas adequadas;
• os reguladores autorizassem a exclusão de categorias de tráfego ferroviário da regulamentação se o regulamento não fosse necessário para proteger os carregadores de um abuso do poder do mercado ferroviário. Por exemplo, o frete que poderia ser facilmente transportado pelos concorrentes de transporte rodoviário de ferrovias poderia ser isento da regulamentação.
24 xxxxx://xxxxxxx.xxxxxx.xxx/xxxxxxxx/xxxx-xxxxxxxxx-xxxxxxx-xxx-xx-0000
25 xxxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxx-xxxxxxxxx/xxx-xxxxxxx?xxxxxxxxxxxxxxxxxx
Figura 3.1 Desempenho do setor ferroviário americano entre 1964–2015
Fonte: AAR, 2017.
A figura 3.1 ilustra o aumento substancial da produtividade e volume de carga transportado após a desregulamentação do setor ferroviário americano pelo Staggers Rail Act. Mesmo com a diminuição das tarifas em 50% entre 1980 e 2015 e, a redução da extensão da rede de
265.255 km para 222.857 km no mesmo período, o volume de cargas aumentou 100% e a produtividade 150%. O Staggers Rail Act representou o fim do combate à política de discrimination fees e a consequente extinção da ICC. De certa maneira, o Congresso americano entendeu que a competição intra e intermodal seriam suficientes para regular os preços do mercado ferroviário. Atualmente, o mercado ferroviário de cargas americano é integralmente privado e tem as características básicas da tabela 3.1:
Tabela 3.1 Mercado Ferroviário Americano
Ferrovias | Número | Extensão (km) | Empregados | Receita (U$ bi) |
Classe I | 7 | 153.312 | 163.464 | 67,6 |
Regionais | 21 | 16.665 | 5.507 | 1,4 |
Locais | 546 | 52.880 | 12.293 | 2,6 |
Total | 574 | 222.857 | 181.264 | 71,6 |
Fonte: Federal Railroad Administration (2014)26
26 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/X0-000000-000_X0-XXX-Xxxxxx-xx- RRs-Report-9-30.pdf
Recentemente, o setor ferroviário privado americano sinaliza voltar a atuar no transporte de passageiros. A nova estratégia, em verdade, é uma atualização do modelo de financiamento adotado no século XIX, a exploração imobiliária dos terrenos lindeiros às estações de passageiros, a exemplo do projeto All Aboard Florida27, que pretende ligar Miami, Fort Lauderdale, West Palm Beach e, eventualmente, Orlando por uma empresa privada, financiada integralmente pela rentabilidade do projeto, sem financiamento público federal ou estadual (Brightline, 2017).
3.3 HISTÓRICO FERROVIÁRIO CHINÊS
O desenvolvimento ferroviário chinês pode ser dividido em quatro etapas. A preliminar, entre 1876 e 1911. A de integração (network skeleton), entre 1911 e 1949. A de formação de corredores (corridor building), entre 1950 e 1990. A de intensificação profunda (deep intensification), entre 1990 e 2003 (Xxxx et. al., 2009). E, por fim, a de alta velocidade, a partir de 2003.
Em 1876, os britânicos construíram e gerenciaram a primeira ferrovia na China, entre Xangai e Wusong com 15 km. No entanto, um ano depois, o governo da dinastia Qing a demoliu. Nesta fase inicial, a construção ferroviária foi a questão central do debate nacional chinês sobre a modernização da China. Os defensores da nova tecnologia argumentaram que as ferrovias iriam melhorar os padrões de vida da população, mas os adversários contra argumentavam que as ferrovias seriam mais propensas a empobrecer os chineses. Em 1881, o governo chinês decidiu-se em favor da nova tecnologia e iniciou, definitivamente, a construção da rede ferroviária. Em 1911, já haviam sido construídos 9.292km, a maioria ao norte do rio Yangtze e concentrados em volta de Beijing (Wang et al., 2009).
A segunda fase do desenvolvimento ferroviário centrou-se principalmente na extensão das ferrovias existentes e na formação de redes regionais. Durante esse tempo, a China sofreu os efeitos de colonização e invasões por potências estrangeiras e da Guerra Civil (1927-37; 1946-49) e da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Nessa época, a rede foi expandida
27 Projeto em construção por iniciativa da Florida East Cost Industries, mais antiga firma do mercado imobiliário da Flórida, fundada pelo pioneiro Xxxxx Xxxxxxx no fim do século XIX, atualmente atua na construção civil, infraestrutura e logística. (FECI, 2017)
segundo o interesse do invasor japonês, mas parte significativa da infraestrutura e do material rodante foi destruída ao final da guerra. Ainda assim, o comprimento total das ferrovias em operação era de 21.810 km em 1949, quase nenhum aumento desde 1937. (Xxxx et al., 2009).
Após a fundação da República Popular da China, em 1949, o governo central chinês passou a ser o único proprietário, operador e gerente do sistema ferroviário. Desde então, a China adotou um sistema econômico planificado, que incluiu a gestão da infraestrutura ferroviária (Wang et al., 2009). As tarefas ferroviárias, incluindo design, construção, operação e gerenciamento foram completamente tomadas pelo Ministério das Ferrovias (Ministry of Railways – MoR) em Beijing (Lean et al., 2014). Ao governar o crítico setor ferroviário e realizar investimentos em larga escala, desenvolvendo a economia e o bem-estar do povo, o MoR tornou-se um órgão-chave do Estado na China (Mu et al., 2015).
A estrutura organizacional do MoR foi enorme, com 57 agências, departamentos e centros de projetos e 2 milhões de funcionários em diferentes níveis governamentais (Luger, 2010, apud Mu et al., 2015).
No início da década de 1960, quando a China quebrou a relação diplomática com a União Soviética e os EUA estavam envolvidos na Guerra do Vietnã, o governo chinês fez da segurança nacional uma prioridade no desenvolvimento ferroviário. Como resultado, o principal investimento para o transporte foi focado no oeste montanhoso, como Sichuan, Guizhou, sul de Shanxi, e a oeste das províncias de Henan, Hubei e Hunan (Wang et al., 2009).
As ferrovias, então, se tornaram o modo de transporte mais importante e a malha cresceu de 21.810 km em 1949 para 36.406 km em 1965 (Wang et al., 2009).
A Revolução Cultural (1966–1976) mudou a estratégia de desenvolvimento econômico, e nesse período apenas algumas novas linhas como Guiyang–Kunming, Chengdu–Kunming, Changsha–Kunming e Pequim–Taiyuan foram construídas (Xxxx et al., 2009). Naquela época, a construção ferroviária foi realizada por soldados e uma grande parte do orçamento veio de fundos de guerra (Mu et al., 2015).
A partir do final da década de 1970, a China entrou em uma nova era de "Reforma Econômica e Política de Portas Abertas". Em meados da década de 1980, o governo central implementou a estratégia de desenvolvimento da Região Costeira Oriental e mudou o foco do desenvolvimento ferroviário para estimular o desenvolvimento econômico. Nesta fase de
transição, várias linhas foram construídas e atualizadas. A extensão total das ferrovias chinesas atingiu 53.378 km em 1990 (Xxxx et al., 2009). Após a reforma econômica, o papel das ferrovias na China mudou-se gradualmente da defesa nacional para atender a demanda de tráfego, conectando primeiro cidades capitais nas regiões orientais e depois desenvolvendo linhas radiais de cidades importantes, incluindo Pequim, Xangai e Cantão (Mu et al., 2015).
3.3.4 Intensificação Logística
Entre 1990 e 2003, a China concentrou-se principalmente no fortalecimento dos corredores ferroviários e na expansão da rede, denominada "etapa de construção de corredores". Para reduzir a disparidade regional, o governo central adotou uma estratégia de desenvolvimento equilibrada e deslocou o foco de investimento da Região Leste para as regiões ocidentais, nordestinas e centrais menos desenvolvidas. A expansão da rede continuou em um ritmo acelerado com mais de 1.500 km de novas linhas construídas a cada ano (Xxxx et al., 2009). Embora, a expansão da rede tenha sido crescente, a produtividade ferroviária chinesa era considerada muito baixa. Segundo Mu et al. (2015), o MoR estava fortemente superlotado naquela época. Um representante do Conselho de Estado no 9º Congresso do Povo (1998– 2003) revelou que o MoR também poderia ser administrado se um terço dos funcionários fosse removido e seria ainda melhor se metade dos funcionários fossem removidos. A má qualidade do serviço levou a uma redução notável na participação de mercado dos serviços ferroviários no transporte de passageiros (Mu et al., 2015; Yin-Nor, 2015).
Em 1980, a participação ferroviária era de 27%, mas com o desenvolvimento da aviação civil, autoestradas e o aumento da renda per capita, em 2007, essa participação já havia caído para 6%. Frente ao declínio, o MoR sentiu-se profundamente ameaçado e temia perder sua posição dominante. No início da década de 1990, tentou iniciar mudanças para introduzir ferrovias de alta velocidade na China. O Relatório de Concepção da Linha Ferroviária de Alta Velocidade Pequim–Xangai foi elaborado e discutido durante o 8º Congresso Popular, em 1993, mas foi posto de lado devido ao enorme encargo financeiro que imporia ao orçamento público. Em vez disso, mais esforços foram feitos para atualizar linhas existentes em termos de velocidade e eletrificação (Mu et al., 2015).
A falta de dinheiro não extinguiu a ambição do MoR para desenvolver a rede de trens de alta velocidade (High-Speed Rail – HSR). Sem saber se ou quando a rede de trens de alta velocidade poderia ser introduzida na China, o Ministério ainda fazia muitos esforços para redigir um plano para a rede HSR. Em 2004, foi elaborado o plano de rede ferroviária de
médio e longo prazo, que incluiu 12.000 km de linhas dedicadas de passageiros de alta velocidade e três sistemas ferroviários interurbanos de alta velocidade na área da baía de Bohai, o delta do rio Yangtze e o delta do Rio das Pérolas. Todo o plano foi discutido na reunião executiva do Conselho de Estado e novamente não conseguiu obter aprovação (Mu et al., 2015).
No entanto, o Conselho de Estado concordou que o MoR poderia construir a ferrovia Pequim– Tianjin com um comprimento de 117 km como linha experimental, considerando o potencial aumento do tráfego durante os Jogos Olímpicos de Pequim de 2008, durante o qual alguns jogos de futebol seriam realizados em Tianjin. Este projeto custou 20,42 bilhões de yuan e foi financiado pelo MoR e pelos governos municipais de Pequim e Tianjin. Os trens de alta velocidade foram importados e construídos sob acordos de transferência de tecnologia com fabricantes de trem estrangeiros e, mais tarde, os engenheiros chineses fabricaram os componentes internos do trem e construíram trens nacionalizados que atingiram uma velocidade operacional de 380 km/h (Mu et al., 2015).
No final de 2008, o Programa de Estímulo Econômico da China foi promulgado pelo Conselho de Estado na sequência de uma crise financeira mundial que visava à promoção do desenvolvimento econômico através de investimentos públicos em grandes infraestruturas de transporte (Mu et al., 2015). Desde então, os trens de alta velocidade vêm se desenvolvendo rapidamente (Song et. al. 2016). A velocidade e a escala com que as infraestruturas de alta velocidade ferroviária estão se expandindo na China excedem em muito as outras experiências ao redor do mundo (Mu et al., 2015).
A primeira rota HSR da China (Shenyang–Qinhuangdao) com uma velocidade de 200 km/h foi inaugurado em 2003, quase 50 anos depois da primeira rota HSR do mundo ter sido aberta no Japão em 1964. Em julho de 2013, porém, a China tinha a maior rede de HSR no mundo com 9.760 km (Xxxx et al., 2014). A China apresentou, formalmente, seu programa HSR, que consiste em linhas dedicadas de passageiros de 18 mil quilômetros no país no Plano de Rede Ferroviária de Médio e Longo Prazo, em 2008, vide figura 3.2 (Mu et al., 2015).
De acordo com o China Statistical Yearbook 2014, a China possuía a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, em dezembro de 2014, com 16 mil quilômetros de ramais em serviço (Lean et al., 2014). A rede ferroviária de alta velocidade chinesa, que se estende a todas as províncias e regiões da China, consiste principalmente em vias férreas convencionais e linhas recém-construídas com volume de cerca de 2 bilhões de passageiros e volume de frete de 40,99 bilhões de toneladas (Song et al., 2016).
O crescimento ferroviário chinês, todavia, não se implantou sem críticas. Segundo Mu et al. (2015), o programa HSR na China pôde estimular o crescimento econômico, mas causou uma alta taxa de dívida nacional que constitui uma séria ameaça para a sustentabilidade econômica no longo prazo do país. As regiões orientais são muito mais densamente cobertas com HSR do que as áreas ocidentais, levando a um maior nível de disparidade regional. Xxx et al. (2013) mostraram que a desigualdade de acessibilidade em cada uma das regiões e entre os cinco tipos de cidades afetadas pela rede de HSR aumentaram. Em 2013, Xxx Xxxxxx, Ministro chefe do MoR (2003-2013), foi preso e sentenciado a morte acusado de corrupção. No mesmo ano, o MoR foi dissolvido, as funções administrativas foram subordinadas ao Ministério dos Transportes e as funções operacionais foram incorporadas em uma nova entidade pública, a China Railway Corporation (Yin-Nor, 2015).
Figura 3.2 Malha ferroviária chinesa – rede de alta velocidade
Fonte: Mu et al., 2015
Em 2017, a rede de alta velocidade chinesa, em operação, alcançou a marca de 22 mil km. Na tabela 3.2 é possível observar a extensão da malha de alta velocidade no mundo, comparada a chinesa:
País/Região | Início das operações | V. Máx. Operacional (km/h) | Extensão (km) |
Japão | 1964 | 320 | 2.764 |
EUA | 2000 | 240 | 362 |
Itália | 1981 | 300 | 923 |
França | 1981 | 320 | 2.043 |
Alemanha | 1992 | 300 | 1.014 |
Espanha | 1992 | 300 | 2.672 |
Bélgica | 1993 | 300 | 35 |
Reino Unido | 2003 | 320 | 109 |
Coreia do Sul | 2004 | 300 | 362 |
Taiwan (China) | 2007 | 300 | 345 |
Holanda | 2009 | 300 | 125 |
Turquia | 2009 | 250 | 688 |
Europa | – | – | 6.886 |
Américas (EUA) | – | – | 362 |
Ásia (sem China e Taiwan) | – | – | 3.814 |
China | 2003 | 350, 300, 250 | 22.000 |
Total no mundo | – | – | 33.442 |
Fontes: Xxxxx, 2010; IGR–Rail (2017); Xxxxx (2012); Xx & Xx (2016); UIC (2017)
Yin-Nor (2015), relaciona o significativo avanço ferroviário chinês a capacidade do governo central de emular incentivos econômicos aos burocratas ferroviários. Após 1978, a reforma econômica da China mitigou a ideologia da distribuição igual de riqueza oferecendo incentivos materiais legitimados. A febre generalizada para enriquecer enfatizou o ganho material e, ao observar o rápido desenvolvimento do setor privado, os burocratas locais foram atraídos para negociar seu poder político por benefícios econômicos. O MoR ampliou seu poder político e econômico ao verticalizar e diversificar atividades relacionadas direta ou indiretamente as ferrovias. Em 1999, o MoR chegou a administrar 9.345 negócios paralelos. Toda a cadeia de produção ferroviária estava subordinada ao controle do Ministério, universidades, construtoras, fábricas de locomotivas e material rodante, além de milhares de firmas produtoras e destinos das cargas e dos passageiros.
3.4 HISTÓRICO FERROVIÁRIO BRASILEIRO
O desenvolvimento ferroviário brasileiro, desde a origem, é marcado por fases de maior liberdade, ainda que com ameaças de intervenção estatal, a fases de concreta atuação estatal com pontuais ações privadas. Nesta seção o histórico ferroviário brasileiro será descrito à luz de suas constantes interações com o governo federal, desde o surgimento no Império, até os dias atuais.
O setor ferroviário nasceu, formalmente, no Brasil, a partir de 1835, na vigência do governo do Império, por meio de concessões públicas. Todavia, a primeira concessão de estradas de ferro foi outorgada pelo governo da Província de São Paulo28, em 1838, não sendo executada em razão da insegurança jurídica e econômico–financeira do projeto (Silva, 1904).
A segunda concessão ferroviária brasileira foi outorgada pelo governo imperial29, em 1840, mas também não fora executada. Ambas as outorgas caducaram devido à falta de garantias financeiras exigidas pelos financiadores ingleses, que não levantavam o capital por empréstimo, como ocorria no caso das ferrovias americanas desde 1833 (Silva, 1904).
Somente com o advento da terceira concessão ferroviária brasileira, é que a primeira estrada de ferro foi construída. A origem da concessão foi o contrato celebrado, em 27 de abril de 1852, pelo governo da Província do Rio de Janeiro, com o empresário brasileiro Xxxxxx Xxxxxxxxxxx xx Xxxxx00. A EF Barão de Mauá foi inaugurada em 30 de abril de 1854. Tinha uma extensão inicial de 14,5 km (Silva, 1904).
O marco regulatório das concessões imperiais brasileiras31 previa a cessão de terras governamentais, a isenção de impostos sobre a importação de bens e equipamentos ferroviários, a isenção de impostos sobre a importação de carvão mineral – combustível das locomotivas e a exclusividade de exploração do serviço ferroviário por até noventa anos (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Além disso, aquele marco objetivava o estabelecimento da concorrência pública pelas concessões, a valorização da intermodalidade entre as ligações com hidrovias e portos, o
28 A Lei nº 115, de 30 de março de 1838, da Província de São Paulo, outorgou, com exclusividade por 40 anos, corredor de transporte, que incluía estrada de ferro, canal de navegação, estrada de rodagem etc, ligando as vilas de Santos, São Paulo, São Carlos, Piracicaba, Itú ou Porto Feliz e Mogi das Cruzes, podendo unir o rio Paraíba ao Tietê. A concessão foi feita a Xxxxxx Xxxxx, Filhos & Companhia e a Platt e Reid (Silva, 1904).
29 Decreto do Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx x Xxxxx de 4 de novembro de 1840, concedia por 80 anos a Xxxxxx Xxxxxxxx, a outorga de uma linha férrea, que se iniciaria na Pavuna, no Rio de Janeiro, passaria por Resende, no rio Paraíba e terminaria na capital de São Paulo. A caducidade dessa concessão foi declarada em 15 de janeiro de 1853, sendo posta a licitação no ano seguinte (Xxxxx, 1904).
30 Barão e depois Visconde de Xxxx foi um empresário pioneiro do setor de transportes. O plano de Mauá era estabelecer um corredor de transporte entre a capital do Império, Rio de Janeiro, e o vale do rio Paraíba, sendo que do Rio de Janeiro ao porto de Mauá na baia da Guanabara o transporte seria feito por navios a vapor, do porto até a Raiz da Serra da Estrela o transporte seria ferroviário, de lá até Petrópolis seguiria em estrada de rodagem e de Petrópolis em diante novamente por via férrea.
31 Leis: nº 101, de 31 de outubro de 1835, que autorizou o Governo a conceder estradas de ferro da Capital do Império para as de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, e Bahia, com o privilégio exclusivo de exploração por 40 anos; nº 641, de 26 de junho de 1852, que autorizou a concessão da construção total ou parcial de estradas de ferro do Município da Corte às Províncias de Minas Gerais, São Paulo e outras, por prazo não superior a noventa anos; nº 2.450, de 24 de setembro de 1873, que concedeu subvenção quilométrica ou garantia de juros às companhias concessionárias de estradas de ferro, na conformidade da Lei nº 611, de 26 de Junho de 1832; e nº 7.960, de 29 de dezembro de 1880, que aprovou as cláusulas gerais que deveriam regular as concessões de estrada de ferro no Império, reunindo, assim em um único diploma, as regras de exploração, direitos e obrigações dos concessionários das ferrovias no país.
estabelecimento de garantias contratuais, a previsão de ressarcimento ao governo de juros e subvenções, a fiança do governo central sobre as garantias provinciais, a participação acionária do governo; o princípio da modicidade tarifária, e a reversibilidade dos bens, ao término do contrato (Guerra, 2014).
O marco regulatório do século XIX também costumava prever direito de desapropriação para os terrenos de domínio particular e dos situados nas sesmarias e posses, com as indenizações de direito, e cessão gratuita dos terrenos devolutos e de domínio público nacional. (Silva, 1904).
A partir do marco regulatório do Império Brasileiro, foram construídos 9.076,1 km de linhas férreas, entre 1854 e 1889, dos quais a iniciativa privada, notadamente companhias inglesas, detinha a propriedade e operação de 66% da rede ferroviária. (Silveira, 2007) Comparativamente aos valores da expansão americana, a expansão ferroviária brasileira foi bem modesta. Entre algumas das explicações apontadas por Xxxxx (1904), destaca-se a própria natureza do negócio. Nos EUA o empreendimento ferroviário era uma indústria praticamente livre até 1887, com a criação da ICC. No Brasil, diferentemente, a indústria ferroviária desde o início sofria restrições à livre iniciativa, definição de traçados, rotas e principalmente a reversão de ativos.
A ferrovia nos EUA era uma empresa de desenvolvimento territorial, que gozava de amplo apoio político, no Brasil a ferrovia era severamente criticada por muitos setores influentes da sociedade brasileira, que as consideravam "um sacrifício imposto à nação", utilizadas apenas para o escoamento da produção das áreas de plantations (Galvão, 1996). Nesses termos, o custo de oportunidade do investimento internacional no Brasil era muito elevado. Comparado ao Reino Unido e aos Estados Unidos, o investimento aqui estaria mais ameaçado a sofrer perdas por ingerências do governo, intromissões estatais e até mesmo expropriações.
A solução do governo para atrair investimentos foi a garantia de juros (Xxxxx, 1904; Acioli, 2007). Durante a primeira República, o governo brasileiro, a fim de não pagar os juros garantidos a algumas concessões do império, passou a comprar os direitos sobre aproximadamente 2.135 km de linhas férreas (Silveira, 2007). Não querendo administrar as ferrovias que passavam para as suas mãos, então, o governo Campos Sales (1898–1902) iniciou uma série de arrendamentos. Política que foi continuada nos governos Xxxxxxxxx Xxxxx (1902–1906), Xxxxxx Xxxx (1906–1909) e Xxxx Xxxxxxx (1909–1910). Em 1914, as
empresas privadas operavam 80% da malha ferroviária e, em 1915, a extensão da rede ferroviária brasileira era de 26.646,6 km (Silveira, 2007).
Ainda no começo do século XX, as ferrovias mundo afora passaram a enfrentar a competição de novos entrantes no mercado de provisão de infraestrutura logística, as rodovias (Silveira, 2007). Ademais, devido à forte regulação e microintervenção estatal, muitas empresas privadas tornaram-se deficitárias, algumas foram a falência. A solução do governo para as deficiências das firmas privadas foi um longo processo de encampação. O primeiro governo Xxxxxx (1930–1945), movido por uma estratégia centralizadora, iniciou um processo de saneamento e de reorganização das estradas de ferro e de promoção de investimentos, por meio da encampação de concessões, federais ou estaduais, detidas por empresas estrangeiras ou nacionais que se encontrassem em má situação financeira (Silveira, 2007; Guerra, 2014).
Em 1957, foi criada a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) pelo governo Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx (1956–1961). O processo de estatização da malha brasileira culminou na progressiva absorção de 42 ferrovias, inclusive a Ferrovia Paulista S/A (FEPASA32) pela RFFSA (Campos Neto et al., 2010).
Em 1960, o Brasil alcançou o ápice da expansão da malha ferroviária nacional, com 38.287 km de trilhos instalados (Cavalcanti, 2010; Benini, 2012). Obviamente, a expansão da malha nesse período obedecia não a lógica do mercado, mas a lógica do governo, que escolhia os ramais a serem construídos por critérios estratégicos e político-partidários.
Com a crise do petróleo e sucessivas crises econômicas vividas nas décadas de 1970 e 1980, a situação da RFFSA se tornou insustentável. O investimento na malha ferroviária caiu fortemente, houve o sucateamento de sua infraestrutura e as dívidas cresceram de forma rápida (Lang, 2007; Xxxxxx Xxxx et al., 2010).
A solução gestada na década de 1990, durante o governo Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (1995– 2002) para solucionar a crise ferroviária brasileira foi trazer de volta, parcialmente, o modelo empregado para criação do setor durante o Império. Foi proposta a concessão integral das ferrovias administradas pela União (Felix e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Para viabilizar o processo de concessões, em 1995, foram editadas as Leis nº 8.987, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição e nº 9.074, que sujeitou as vias federais aos ditames da Lei
32 Empresa estatal que unificava a malha estadual paulista
nº 8.987. Para amparar as relações jurídicas decorrentes da exploração da malha ferroviária por meio do mercado, o governo FHC revogou o marco regulatório vigente33 em 1996 e editou um novo marco regulatório normativo, a partir do Regulamento dos Transportes Ferroviários, instituído pelo Decreto nº 1.832, de 4 de março de 1996 (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Segundo Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016), esse regulamento – criado às pressas e com vícios de constitucionalidade – disciplinou as relações entre a administração pública e as administrações ferroviárias, as relações destas entre si e com seus usuários, a segurança nos serviços ferroviários, os preços dos serviços e as condições gerais do transporte de cargas e de passageiros.
Entre 1996 e 1999, 25,9 mil km de linhas da RFFSA, divididos em sete malhas geográficas, foram concedidos a empresas privadas. A exploração da rede ferroviária previa contratos de concessão dos serviços e de arrendamento dos ativos. A extensão licitada no governo FHC correspondeu ao que restou dos 33 mil km administrados pela RFFSA, aí computados 10 mil km subtraídos pelo desmonte de ramais deficitários e os 4,2 mil km acrescidos pela incorporação da antiga FEPASA (Xxxxxx & Xxxxxxxx, 2005). A tabela 3.3 apresenta a extensão da malha concedida.
Tabela 3.3 Concessões oriundas da RFFSA e FEPASA (em km)
Operadoras reguladas pela ANTT | Data do Leilão | Bitola | Total 2016 | ||||
Original | Sub34 | ||||||
1,6m | 1m | Mista | |||||
Ferrovia Novoeste S.A. | 05.03.96 | 1.621 | 309 | – | 1.953 | – | 1.953 |
FCA – Ferrovia Centro–Atlântica | 14.06.96 | 7.080 | 1.246 | – | 7.085 | 130 | 7.215 |
MRS – MRS Logística | 20.09.96 | 1.674 | – | 1.708 | – | 91 | 1.799 |
FTC – Ferrovia Xxxxxx Xxxxxxxx | 26.11.96 | 164 | – | – | 163 | – | 163 |
ALL – América Latina do Brasil | 13.12.96 | 6.586 | 1.716 | – | 7.223 | – | 7.223 |
Companhia Ferroviária do Nordeste | 18.07.97 | 4.328 | 1.623 | – | 4.257 | 20 | 4.277 |
Ferrovias Bandeirantes S.A | 10.11.98 | 4.236 | 650 | 1.533 | 305 | 269 | 2.107 |
Total | 25.599 | 5.544 | 3.241 | 20.986 | 510 | 24.723 |
Fonte: ANUT (2011); ANTT (2016); Durço (2011); TCU (2014); Xxxxx x Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016).
Ao transferir as operações das malhas ferroviárias à iniciativa privada, os cofres públicos foram impactados positivamente. Antes do processo de concessão, a RFFSA gerava um déficit anual de R$ 300 milhões. Em 1996, quando as malhas começaram a ser concedidas, o passivo da RFFSA já ultrapassava a casa dos R$ 2,2 bilhões. Com o processo de concessões, o cenário mudou totalmente. Entre 1996 e 2013, os valores recebidos pelo governo, entre concessão e arrendamento, somaram R$ 6,684 bilhões, sem contar os tributos federais,
33 Decreto nº 90.959, de 14 de fevereiro de 1985.
34 Trechos e ramais ferroviários subutilizados ou sem tráfego de cargas de acordo com a Deliberação ANTT nº 124/julho de 2011. (Anut, 2011) e (Durço, 2011).
estaduais e municipais, totalizando R$ 18,685 bilhões de receitas aportadas aos cofres públicos (ANTF, 2014).
A partir do governo Lula (2003–2010), a União propôs retomar a diretriz de expansão da malha, por meio de três abordagens: alocação direta de recursos na malha arrendada e concedida, por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT); ampliação de novos trechos, por meio da empresa pública VALEC (Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.), que recebeu outorga35 para construção e exploração de quatro novas estradas de ferro; e alocação direta de recursos do Orçamento da União na construção de novos ramais, em parcerias com empresas privadas (Felix e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
A primeira abordagem foi instituída, em 2007, com a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que, no setor ferroviário, previa investimentos na construção de novos ramais, em bitola larga, e a requalificação de diversos trechos, nas malhas concedidas. Essa abordagem contribuiu, em parte, para o êxito das concessionárias ferroviárias no aumento da produtividade, volume de cargas transportadas e redução de acidentes. Segundo Xxxxxxxxxxx (2009), somente entre 2005 e 2008 foram investidos 0,5 bilhão de reais36 pela União nas ferrovias sob o domínio das empresas concessionárias.
Apesar dos benefícios sociais da inversão financeira da União no negócio das empresas concessionárias, Xxxxxxxxxxx (2009) critica a abordagem por: (i) contrariar a lógica essencial das políticas de concessão e privatização (insuficiência de recursos do setor público para investir em infraestrutura); (ii) estabelecer inconsistência na política de transportes, o agente privado pode se valer do comportamento inconstante do poder público para executar um comportamento oportunista na execução do contrato e em futuras licitações; (iii) reduz o valor com arrendamentos e outorgas obtidos pelo poder concedente; (iv) distorce a alocação de riscos adequada aos contratos de coparticipação privada; e (v) não ter precedente internacional.
A segunda abordagem repetiu, em certa medida, a estratégia do governo Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, que criou a empresa pública RFFSA extinta três décadas depois em razão de sua ineficiência operacional e financeira. Diferentemente do governo JK que criou uma empresa pública para consolidar a administração de diversas ferrovias já em operação, a VALEC, nova empresa pública, “recriada” no governo Lula, tinha o propósito de construir quatro novas
35 A Lei 11.772, de 17 de setembro de 2008, outorgou à VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. a construção, uso e gozo das estradas de ferro: EF-151, EF-267, EF-334 e EF-354.
36 R$ 595.792.256, valores de 2009.
ferrovias a partir de projetos greenfield em diferentes regiões geográficas do Brasil, como pode ser visto na Tabela 3.4, a seguir:
Tabela 3.4 Ferrovias outorgadas à VALEC – Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008
Ferrovia | Trecho | Extensão (km) | Trecho Operacional em 2016 (km) | Situação |
EF–151 PA, TO, GO, MG, SP | Belém/PA – Panorama/SP | 2.760 | 764 | Subconcedido a VLI entre Açailândia–MA e Palmas– TO |
EF–267 SP/MS | Panorama/SP – Porto Murtinho/MS | 750 | – | Em estudos. |
EF–33437 TO/BA | Figueirópolis/TO – Ilhéus/BA | 1.527 | – | Em construção pela VALEC entre Ilhéus e Barreiras |
EF– 354 RJ, MG, DF, GO, MT, RO, AC | Litoral norte fluminense – fronteira Brasil – Peru, Acre. | 4.400 | – | Em estudos pela VALEC e pela CREC38 |
Total | 9.437 | 764 |
Fonte: Felix & Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016)
A terceira abordagem foi iniciada, ainda no governo Xxxx, com a contratação da Nova Transordestina, em 2005, mas foi no governo Xxxxx Xxxxxxxx (2011–2016), que a União procurou aplicar a concessão da infraestrutura ferroviária como estratégia principal para expansão da malha, por meio da oferta de cerca de 9 mil km39 de novos ramais. Essa política de concessão ferroviária estava destinada a construção de novos ramais e foi modelada em duas iniciativas dentro do Programa de Investimento e Logística (PIL). O PIL 1 foi lançado em 2012 e continha, no setor ferroviário, a previsão de concessão de 14 ramais divididos em dois grupos. Já o PIL 2 foi lançado em 2015 contemplando a concessão de 5 ramais.
37 A Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, descreve esse ramal com 2.675km de Ilhéus até Lucas do Rio Verde enquanto a Velec, no seu endereço eletrônico, refere-se a esse ramal apenas até Figueirópolis.
38 CREC (China Railway Group Limited). Contraparte da China em um acordo de cooperação firmado entre Brasil, China e Peru para construção de uma ferrovia entre o Atlântico e o Pacífico.
39 O Programa de Investimento em Logísitca – PIL 1 (ferrovias) lançado em 2012, previa a concessão de 14 ramais divididos em dois grupos totalizando 9 mil km de linhas férreas.
Tabela 3.5 Ferrovias PIL 1 Grupo 1
Ferrovia | Trecho | Extensão (Km) | Situação |
EF SP | Ferroanel São Paulo – Tramo Norte: Jundiaí – Manuel Feio | 53 | Em estudo para ser incluído como contrapartida a renovação antecipada do contrato da MRS Logística (Otta, 2017) |
EF SP | Ferroanel São Paulo – Tramo Sul: Ouro Fino – Evangelista de Souza | ||
EF SP | Acesso ao Porto de Santos: Ribeirão Pires – Raiz da Serra – Cubatão – Santos | ||
EF–354 GO, MT | Uruaçu – Lucas do Rio Verde | Pertencente ao domínio legalmente outorgado à VALEC. Em estudos pela VALEC e pela CREEC. | |
EF–151 SP EF–267 MS | Estrela D’Oeste – Panorama – Maracaju | 160 | Pertencente ao domínio legalmente outorgado à VALEC, em fase de estudos. |
EF–000 XX, XX | Açailândia – Vila do Conde | Ferrovia pertencente ao domínio outorgado à VALEC, em fase de estudos. | |
Total | 2.600 |
Em termos de transparência, o PIL 1 é pouco documentado. Segundo Xxxxxxx & Xxxxxxxx (2017) o único documento levado a público foi uma apresentação de powerpoint40. As tabelas
3.5 e 3.6 ilustram as informações básicas das ferrovias do PIL 1.
Tabela 3.6 Ferrovias PIL 1 Grupo 2
Ferrovia | Trecho | Extensão (Km) | Situação |
EF–354 RJ, MG, DF, GO | Porto do Açu – Campos – Ipatinga – Conceição do Mato Dentro – Corinto – Brasília – Uruaçu | Ferrovia pertencente ao domínio legalmente outorgado à VALEC, em estudos pela VALEC e CREEC. | |
EF BA, SE, AL, PE | Salvador – Recife | Ferrovia, em situação de abandono ou subutilização pertencente aos domínios das concessionárias Centro Atlântica e Transnordestina. | |
EF–103/118 ES, RJ | Vitória – Rio de Janeiro | 577,8 | Ferrovia pertencente aos domínios das concessionárias Centro Atlântica e EFVM. Estudos elaborados pelos Governo do Espírito Santo e Rio de Janeiro. |
EF BA, MG | Belo Horizonte – Xxxxxxxx | Xxxxxxxx pertencente aos domínios das concessionárias Centro Atlântica | |
EF PR | Maracaju – Cascavel – Mafra | ||
EF SP, PR, SC, RS | São Paulo – Mafra – Rio Grande | ||
Total | 7.400 |
40 PIL I disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xx/xxxxxxxxx/000000xxx000x0x000xxxxx00xxxx000.xxx
O planejamento governamental do PIL 1 (2012) previa que a disponibilização de condições de financiamento41 seriam compatíveis com a dimensão dos projetos, a juros fixados pela TJLP mais até 1%, com grau de alavancagem de 65% até 80% e carência de até 5 anos, com amortização de até 25 anos.
Entre 2012, ano de lançamento do PIL 1, e 2015, ano de lançamento do PIL 2, o governo reformulou o marco regulatório ferroviário com a incorporação do conceito de acesso aberto (open access). Segundo Xxxxx & Xxxxxxxxxx Xxxxx, o governo federal alterou os fundamentos do marco regulatório do setor. Inicialmente foi aberta, pela Lei nº 12.743, de 19 de dezembro de 2012, a possibilidade de outorga da operação do transporte ferroviário de cargas não associado à exploração da infraestrutura ferroviária a Operador Ferroviário Independente (OFI). E, posteriormente, foi instituída a política de livre acesso ao Subsistema Ferroviário Federal, por força do Decreto nº 8.129, de 23 de outubro de 2013.
Em 09 de junho de 2015, sem que nenhum quilometro de trilho fosse incorporado à malha pelo PIL 1, foi anunciada pelo Governo Federal a segunda etapa do PIL. Segundo a ANTT (2015), no modo ferroviário, o PIL 2 buscava: ampliar a utilização do transporte ferroviário de carga, criar uma malha ferroviária moderna e integrada; aumentar a capacidade de transporte por ferrovias e diminuir os gargalos logísticos. Naquela oportunidade, foram apresentadas as prioridades do Governo Federal na concessão de novas ferrovias e novos investimentos em concessões existentes, totalizando R$ 86,4 bilhões de investimentos projetados, ilustrados na tabela 3.7:
Ferrovia | Trecho | Extensão (Km) | Situação |
EF–151 PA, MA, TO, GO, | Barcarena/PA – Açailândia/MA e Palmas/TO – Anápolis/GO | 1.430 | Nos domínios legalmente outorgados a Valec em três situações distintas: greenfield até Açailândia; subconcedida a VLI/VALE no trecho central; construída, mas não operacional entre Palmas e Anápolis |
EF–151 GO, MG, SP & EF–267 SP, MS | Anápolis – Estrela D’Oeste – Três Lagoas | 895 | Ferrovia nos domínios outorgados a VALEC, em construção até Estrela D’Oeste/SP e projeto greenfield até Três Lagoas. |
EF–170 MT, PA | Miritituba – Lucas do Rio Verde | 1.140 | Projeto Greenfield, incluído no projeto Crescer. |
EF–103 ES, RJ | Vitória – Rio de Janeiro | 572 | Nos domínios da concessionária Centro– Atlântica (VLI/VALE) |
EF–354 GO, MT, RO, AC | Fronteira Brasil – Peru – entrocamento EF–151 | 3.500 | Nos domínios legalmente outorgados a Valec, projeto greenfield. Em estudos pela CREEC. |
Total | 7.537 |
41 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxx-0000/xxxxxxxx-x-xxxxxxxxx-0000.xxx
Segundo Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016), as inovações no marco regulatório do setor ferroviário trazidas no bojo da política de livre acesso foram recebidas com desconfiança42 e aversão pelo mercado e, ao final do governo Xxxxx, nenhum leilão para outorga de ferrovias foi realizado. O Regulamento do Operador Ferroviário Independente criado no governo Xxxxx tinha forte inspiração no modelo de exploração do modo ferroviário aplicado na Europa, notadamente no Reino Unido.
Com o impeachment da Presidente Xxxxx Xxxxxxxx, em 2016, o Governo Xxxxxx Xxxxx (2016–2018) sinalizou favoravelmente ao retorno da maior participação privada no mercado ferroviário. Segundo Xxxxx et al. (2017), o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), supostamente, marcou a mudança para um regime “favorável ao mercado”, pois alterou o arranjo institucional a fim de dar maior segurança jurídica a novos investimentos privados.
O PPI43 centralizou o planejamento estratégico anteriormente disperso em matéria de Parcerias Público-Privadas. Esse programa do governo concentrou no recém-criado Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (CPPI) as funções anteriormente atribuídas ao Órgão Gestor de Parcerias Público-Privadas Federais, ao Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit), e ao Conselho Nacional de Desestatização (Sampaio & Daychoum, 2017). Além disso, vinculou diretamente à Secretaria do programa a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). A EPL era anteriormente vinculada ao Ministério dos Transportes. Com essas ações as decisões do governo, seriam, em tese, mais céleres.
O PPI teria como objetivos:
– ampliar as oportunidades de investimento e emprego e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em harmonia com as metas de desenvolvimento social e econômico do País;
– garantir a expansão com qualidade da infraestrutura pública, com tarifas adequadas;
– promover ampla e justa competição na celebração das parcerias e na prestação dos serviços;
42 Editorial. Revista Ferroviária. Dez 2014/Jan 2015: Xxxxxx Xxxxx: “Ninguém espera bons ventos para a economia brasileira neste ano de 2015. Não pode ser diferente entre os agentes do setor ferroviário. O governo já sinalizou, de novo, que vai mesmo rever as concessões. O que pode até não acontecer, por absoluta falta de articulação dentro do próprio governo. Mas a simples reafirmação do que já está virando notícia velha é suficiente para agravar a paralisia dos investimentos e botar os operadores numa posição ainda maior de recuo estratégico. Quem vai investir sem saber quais serão as regras?”
43 O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi criado pela Medida Provisória nº 727, de 2016, convertida na Lei nº 13.334, de 2016.
– assegurar a estabilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos; e
– fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação.
O segundo marco nesse movimento de retorno do investimento privado foi a Medida Provisória nº 752, de 2016, convertida na Lei nº 13.448, de 2017, que estabeleceu diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria definidos nos termos da Lei do PPI. Esse normativo, no setor ferroviário, permitia a prorrogação antecipada dos contratos de concessão firmados nos governos anteriores. Aqueles contratos, geralmente de 30 anos prorrogados por mais 30 anos poderiam agora ser prorrogados antecipadamente se atendidas as seguintes condicionantes:
– o prazo de vigência do contrato de concessão, à época da manifestação da parte interessada, encontrar-se entre 50% (cinquenta por cento) e 90% (noventa por cento) do prazo originalmente estipulado;
– a prestação de serviço adequado, entendendo-se como tal o cumprimento, no período antecedente de 5 (cinco) anos, contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por 3 (três) anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por 4 (quatro) anos; e
– inclusão de investimentos não previstos no instrumento contratual vigente, além da incorporação das melhores práticas regulatórias, novas tecnologias e serviços, conforme acordado com o Ministério ou Agência Reguladora.
Importante notar que a prorrogação antecipada é uma faculdade das partes, não é uma obrigação nem para a empresa concessionária nem para o Estado. No entanto, essa alternativa tende a interessar a ambos os parceiros. Ao Estado interessa porque obtém meios para realizar investimentos que não teria capacidade técnica ou financeira para realizar em curto prazo. Ao Privado interessa porque obtém garantias de que poderá obter retornos financeiros e econômicos por um prazo muito mais alongado e evita a concorrência de novos entrantes. Ou seja, evita o risco de perder uma eventual relicitação dos ativos ferroviários ao final do termo contratual vigente. Ao tempo que essa dissertação estava sendo escrita cinco concessionárias ferroviárias já haviam sinalizado seu interesse em prorrogar antecipadamente seus contratos, conforme ilustrado na figura 3.3.
Figura 3.3 Ferrovias em estudo para renovação antecipada Fonte: Xxxx & Xxxxxx, 2017 | Observações: 1. O contrato da malha paulista foi firmado originalmente com a Ferrovias Bandeirantes S.A, que venceu o leilão em 10.11.98; 2. Os ativos da Estrada de Ferros Vitória Minas foram concedidos com a privatização da Cia Vale do Rio Doce em 1996; 3. Os ativos da Estrada de Ferros Carajás foram concedidos com a privatização da Cia Vale do Rio Doce em 1996; 4. O contrato da ferrovia Centro–Atlântica foi firmado com o leilão realizado em 14.06.96; 5. O contrato com a MRS – Logística foi realizado em decorrência do leilão de 20.09.96. Com exceção da malha paulista, todos esses contratos começariam a vencer em 2026. |
O ponto mais inovador desse novo marco focado no retorno do mercado não é a possibilidade de prorrogação antecipada dos contratos, que, aliás, já estava prevista nos editais de licitação e contratos do setor ferroviário, mas, a possibilidade de as concessionárias fazerem investimentos fora da área de suas malhas, no interesse da administração:
Art. 25. O órgão ou a entidade competente é autorizado a promover alterações nos contratos de parceria no setor ferroviário a fim de solucionar questões operacionais e logísticas, inclusive por meio de prorrogações ou relicitações da totalidade ou de parte dos empreendimentos contratados.
§ 1º O órgão ou a entidade competente poderá, de comum acordo com os contratados, buscar soluções para todo o sistema e adotar medidas diferenciadas por contrato ou por trecho ferroviário que considerem a reconfiguração de malhas, admitida a previsão de investimentos pelos contratados em malha própria ou naquelas de interesse da administração pública
Art. 30. São a União e os entes da administração pública federal indireta, em conjunto ou isoladamente, autorizados a compensar haveres e deveres de natureza não tributária, incluindo multas, com os respectivos contratados, no âmbito dos contratos nos setores rodoviário e ferroviário.
[...]
§ 2º Os valores apurados com base no caput deste artigo poderão ser utilizados para o investimento, diretamente pelos respectivos concessionários e subconcessionários, em malha própria ou naquelas de interesse da administração pública.
Por meio dessa estratégia o governo federal poderia obter meios para realizar novos investimentos. Possivelmente, parte das ferrovias elencadas nos Programa de Investimento em Logística 1 e 2 poderiam ser retiradas do papel por meio dessa alternativa. Essa opção, embora pareça liberal, como parecia a do Regime Imperial, incorpora a mesma característica estatista centralizadora: a definição dos traçados prioritários pelo interesse estratégico, político e partidário e não pelo interesse puramente econômico. E pode resultar no mesmo fim, a ineficiência dos traçados e o déficit das ferrovias.
Além da parceria com os atuais concessionários o governo federal começou o processo burocrático para licitar mais três ramais ferroviários. As ferrovias eleitas para serem concedidas foram três.
A EF–151, Ferrovia Norte–Sul, qualificada no PPI, pressupõe a concessão de trecho com extensão de 1.537 km, ligando Estrela d´Oeste, em São Paulo, a Porto Nacional, no Estado de Tocantins (PPI, 2017). Essa concessão também estava prevista no PIL 2 de forma mais ampliada, alcançando o porto de Barcarena no Pará.
A EF–170, chamada de Ferrogrão, visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte (Vale et al., 2016). A ferrovia conta com uma extensão de
1.142 km, conectando a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Estado do Pará, desembocando no Porto de Miritituba. Os investimentos previstos com empreendimento, que é um projeto “greenfield”, são estimados em R$ 12,6 bilhões, incluindo terraplanagem, obras de arte correntes e drenagem, superestrutura ferroviária, obras complementares, obras de arte especiais, compensação socioambiental, desapropriação, sistemas de sinalização ferroviária e energia, equipamentos ferroviários, oficinas e instalações, canteiro de obras, engenharia e material rodante (PPI, 2017). Essa concessão também estava prevista no PIL 2.
A EF–334/BA, Ferrovia de Integração Oeste–Leste (FIOL), destina-se a interligar as regiões Norte e Nordeste do Brasil. Serão aproximadamente 1500 km de vias, entre Figueirópolis, no Estado de Tocantins, até Ilhéus, no litoral baiano. A FIOL atenderá, principalmente, a produção de grãos do Oeste da Bahia e a exploração de minério de ferro, típica da região de Caetité, na área central daquele Estado (PPI, 2017). Essa ferrovia não estava prevista nas concessões do PIL.
A FIOL vinha sendo construída pela VALEC no âmbito do PAC, todavia, vem sofrendo de diversos problemas de governança. A figura 3.4 ilustra as três previsões de concessão no âmbito do PPI, no intitulado Projeto Crescer.
Figura 3.4 Ferrovias previstas para licitação a partir de 2018
Fonte: PPI (2017)
4 ENTRAVES BRASILEIROS
Diversos autores já analisaram os entraves brasileiros do mercado ferroviário, com destaque para Xxxxx (1904), que abordou os entraves do século XIX, à luz de um amplo comparativo internacional. Xxxx (2007), que elencou a invasão na faixa de domínio, as passagens em nível críticas, os gargalos logísticos, a falta de expansão integrada, a regulamentação, o material rodante e a falta de fontes de recursos. Xxxxxx Xxxx et al. (2010) abordaram a dificuldade de interpenetração de uma concessionária na malha de terceiros, a lacuna de investimentos e a fragilidade do marco regulatório em atrair investimentos. Durço (2011) analisa a questão do risco moral na competição intramodal e as limitações da regulação.
Por razões didáticas, agrupamos os entraves em cinco dimensões ou falhas: a jurídico– normativa, a topológica, a de financiamento, a de mercado e, por fim, mas, não menos importante, a de governo.
4.1 FALHAS JURÍDICO–NORMATIVAS
A Constituição Federal distribuiu à União, a competência para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte ferroviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território (CF, art. 21, inciso XXI, alínea d). Nos termos constitucionais, o transporte ferroviário poderia ser tanto uma atividade econômica, de mercado, outorgada pelo poder público, por meio de autorização, quanto um serviço público outorgado por concessão ou permissão. Ocorre que, a norma infraconstitucional restringiu a exploração das ferrovias à outorga por meio de concessão44. A tradição infraconstitucional brasileira, pós-1988, restringiu a exploração do modo de transporte ferroviário aos princípios aplicados aos serviços públicos, com exclusividade. Assim, não existe marco normativo infraconstitucional que proteja a exploração do modo ferroviário como uma atividade de livre iniciativa, nos termos do art. 170 da Constituição Federal.
Essa opção infraconstitucional, de início, é uma das principais falhas jurídico-normativas, mas não é a única, a impedir o desenvolvimento do setor ferroviário, pois, a experiência internacional demonstra que a ferrovia pode sim ser uma atividade integralmente privada, com eficiência e respeito aos direitos dos consumidores. Além da restrição da atividade
44 Vide: Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, art. 14, inciso I, alínea a; e Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, art. 1º, inciso IV.
integralmente privada, a insegurança jurídica da exploração do transporte ferroviário por meio de concessão também merece destaque.
4.1.1 Restrições à Livre Iniciativa Privada
Assim como no setor ferroviário, no setor portuário não existe nenhuma vedação constitucional para a exploração integralmente privada da infraestrutura portuária. Contudo, até 2013, no plano infraconstitucional, as instalações portuárias privadas sofriam constrições para que fossem restritas ao transporte de cargas próprias. Somente, com a edição da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, foi positivado marco normativo que garantiu à iniciativa privada o direito de explorar o setor portuário, através de Terminais de Uso Privado (TUP), e mediante outorga por autorização.
A exploração do setor ferroviário, contudo, no plano infraconstitucional continua restrita ao interesse do poder público, que pode exercê-lo diretamente por meio de seus órgãos ou indiretamente mediante concessão a entidades do próprio poder público ou a empresas privadas. Essa restrição impede a plena atividade econômica no setor ferroviário. Novos ramais economicamente viáveis não podem ser explorados por iniciativa do mercado privado, porque, simplesmente, a livre atividade econômica não goza de nenhuma segurança jurídica no plano infraconstitucional.
Mesmo quando o empresariado enxerga a demanda pelo negócio, não o pode exercer, pois, a sua exploração foi restrita ao interesse do poder público, a exemplo da EF–170, que, notoriamente, é do interesse de empresas do agronegócio (Bunge, Cargil, Xxxxx e Louis Dreyfus), mas, que há anos espera pela iniciativa do poder público de levar a frente um leilão de concessão. Essa falha jurídico-normativa contribui para agravar falhas de mercado, ao excluir um sem número de firmas tanto no campo da prospecção de projetos, quanto da exploração da infraestrutura e operação de trens.
De um ponto de vista estritamente econômico, o Estado Nacional não dispõe mais de recursos suficientes para enfrentar todas as tarefas que pretendeu assumir. Além disso, constatou-se que a utilização dos recursos estatais tende a ser ineficiente: quanto mais intensas e amplas as funções atribuídas ao Estado, tanto maior o desperdício de recursos verificados (Xxxxxx Xxxxx, 1998). O sentido de restringir, juridicamente, a entrada de agentes econômicos a uma indústria de base tem pouca ou nenhuma lógica econômica. As barreiras econômicas à entrada
– custos afundados, longo prazo de payback, incertezas de demanda, risco de expropriação –, já são suficientemente elevadas para restringir os entrantes, o Estado não precisa impor outras barreiras.
No setor ferroviário, a outorga por autorização foi restrita a prestação do transporte ferroviário não regular de passageiros e ao transporte ferroviário de cargas por operador ferroviário independente. Em ambos os casos, o transporte não pode ser associado à exploração da infraestrutura, i.e., a firma que explora a infraestrutura deve ser diferente da firma que presta o serviço de transporte autorizado. Essa solução, no entanto, envolve riscos de restrição das receitas, coordenação da atividade e elevação dos custos de transação.
A outorga por permissão, no setor ferroviário, está restrita ao transporte ferroviário regular de passageiros não associado à infraestrutura. Mesmo atualmente, quando intenciona ratificar os contratos de concessão, a ação sinalizada pelo governo é no sentido de restringir as liberdades da firma privada. Ao contrário, no Japão e EUA a iniciativa privada tem liberdades para propor novos negócios livremente, desde que atenda critérios técnicos, de segurança e ambientais.
Veja-se, por exemplo, o trem privado de passageiros entre Miami e Orlando (FACI, 2017). Não se trata de uma outorga planejada pelo Estado e levada à leilão. Ao contrário, trata-se de um planejamento descentralizado privado, meramente autorizado pelo Estado. Legalmente nos EUA, a obrigação de ofertar o transporte ferroviário de passageiros é de uma empresa estatal, Amtrak. Essa obrigação surgiu nos anos 1970 – época de intensa atuação regulatória – e foi decorrente da incapacidade do modo ferroviário privado em competir economicamente com o aéreo a partir dos anos 1950. Mas apesar da obrigação ser estatal, i.e. de não haver obrigação legal de firmas privadas exercerem a atividade, também não há impedimento.
Nos EUA, qualquer firma que esteja disposta a construir uma ferrovia pode solicitar uma licença do Surface Transportation Board, que deve ser concedida se o peticionário fornecer a autoridade reguladora provas de que o projeto é economicamente viável e segue as regras regulatórias (Sampaio & Daychoum, 2017).
Justamente por não haver o impedimento jurídico-normativo, é que nos EUA uma firma de construção civil e logística pode desenhar a engenharia econômico-financeira para implantar um novo ramal ferroviário, associado a construção de lojas, escritórios e residências. Se lá, como aqui, houvesse o impedimento, tal negócio jamais seria elaborado, pois a firma estaria atuando nos mercados de livre iniciativa, como, também o fazem as firmas brasileiras. A falta de iniciativa da Amtrak não foi impedimento para o projeto de financiamento integralmente privado, estimado em U$ 3.6 bilhões de dólares (Kenton & Gifford, 2015).
Portanto, o impedimento à ação livre da iniciativa privada é uma falha jurídico-normativa que pode ser superada com a edição de nova legislação. Essa opção não significa troca do público pelo privado, o Estado poderá continuar construindo e ofertando as ferrovias que desejar.
Significa apenas que a sociedade não precisará depender da iniciativa exclusiva do Estado para a provisão de infraestrutura ferroviária.
4.1.2 Inseguranças Jurídicas às Concessões
O atual marco normativo do setor ferroviário é inseguro para o investidor privado, tanto para os atuais exploradores, quanto para novos entrantes, brasileiros e, principalmente, estrangeiros (Xxxxxx Xxxx et al., 2010; Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016). A União, apesar dos avanços recentes, tem usado com parcimônia a faculdade de conceder, permitir e autorizar os serviços de transportes ferroviário pelo setor privado, embora o setor privado, em geral, tenha investido mais e melhor que a União nas áreas de infraestrutura de transportes ferroviário. Mesmo com os investimentos privados, o Brasil, entre os países em desenvolvimento, tem sido o que menos investe em empreendimentos de infraestrutura de transportes. Parte da falta de investimento privado em parcerias (concessões, permissões ou autorizações) é resultado do elevado grau de insegurança jurídica no setor ferroviário.
Segundo, Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016) o marco regulatório normativo do setor ferroviário tem problemas jurídico-formais que o tornam precário e questionável, notadamente por vícios de constitucionalidade e excessiva normatização infralegal. A legalidade é, portanto, um primeiro objetivo a ser alcançado. A adequada institucionalização do marco normativo do setor ferroviário, em nível de lei – espécie de natureza mais estável e perene, na comparação com os decretos presidenciais e com as resoluções da ANTT –, já será um grande passo para a redução das incertezas sobre as regras do jogo (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Em outras palavras, o atual marco regulatório do setor de ferrovias no Brasil constitui, em si mesmo, uma dupla causa de insegurança jurídica para o setor, tanto por sua inconstitucionalidade formal, como pela instabilidade decorrente de um instrumento normativo que pode ser alterado por decisão individual de um agente político, o Presidente da República, sem a necessidade de qualquer debate interinstitucional (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Atualmente, a exploração da infraestrutura ferroviária depende de prévia concessão, mas as vias férreas disponíveis sofrem de pesados entraves decorrentes da falta de manutenção em suas infraestruturas, muitas das quais seculares. O marco normativo ferroviário deveria ser reformulado e modernizado, para garantir que as empresas concessionárias e autorizadas permitissem a operação em suas malhas de forma recíproca. Nesse modelo, caberia à União apenas impedir a diversificação bitolas além das duas já em uso no sistema e propor pontos de
conexão intermodal com a infraestrutura antiga, a fim de que a sinergia da rede fosse ampliada, como um todo (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
A abertura do mercado de operação de transporte de cargas por operador ferroviário independente, mediante outorga por autorização, conforme a Lei nº 12.743, de 19 de dezembro de 2012 ainda está incompleta. Até 28 de novembro de 2016, quatro anos após a abertura do mercado, apenas duas45 empresas haviam sido autorizadas pela ANTT a operar como operador ferroviário independente, como se pode observar na tabela 4.1. Contudo, até dezembro de 2016, nenhuma empresa nova transportou cargas no sistema ferroviário brasileiro apesar da abertura jurídica do mercado (Felix e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Tabela 4.1 Situação dos requerimentos de autorização para OFI em 2016
Empresa | Solicitação (ano) | Situação |
Agrovia S.A. | 2015 | Em análise |
Brado Logística S.A.46 | 2015 | Arquivado |
Tora Logística Armazéns e Terminais Multimodais S.A. | 2015 | Autorizada |
GME4 do Brasil Participações e Empreendimentos S.A. | 2015 | Em análise |
Geoterra Empreendimentos e Transportes S.A. | 2016 | Autorizada |
Fonte: ANTT, 2016; Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016).
Fenômeno semelhante ocorreu na Finlândia, que, apesar de ter aplicado a desregulamentação orientada pela legislação da União Europeia, não obteve, automaticamente, a concorrência no mercado (Makitalo, 2011). Não, pelo menos, nos primeiros três anos de aplicação da norma.
Makitalo (2011) sugere que o mercado finlandês de transporte ferroviário é parcial, apesar de ter aplicado a legislação europeia, e que a distorção da estrutura do mercado favorece a empresa ferroviária estabelecida, devido à influência passiva da política governamental local no acesso aos serviços dos operadores pré-estabelecidos, na organização do controle de tráfego e no treinamento da mão de obra.
Em 2015, foram submetidas à análise técnica da ANTT quatro requerimentos e em 2016, houve apenas um pedido de autorização para OFI, conforme a tabela 4.2. Como paradigma de comparação, em 2007, a Alemanha, a Grã-Bretanha e Suécia, que também abriram seus mercados a operações independentes, tinham 315, 26 e 17 operadores de carga independentes da exploração da infraestrutura, conforme tabela 4.2.
45 As autorizadas são: Tora Logística Armazéns e Terminais Multimodais S.A., que foi autorizada pela Resolução nº 5.027, de 18 de fevereiro de 2016, publicada no DOU em 22 de fevereiro de 2016 e Geoterra Empreendimentos e Transportes S.A. que foi autorizada pela Resolução nº 5.222, de 23 de novembro de 2016, publicada no DOU em 28 de novembro de 2016.
46 A Brado Logística S.A. foi criada em 2010 pelo grupo ALL, para atuar no serviço de logística intermodal de contêineres. Atualmente, faz parte da RUMO que controla a ALL.
Tabela 4.2 Mercado ferroviário de cargas alemão, britânico e sueco em 2007
Alemanha | Grã-Bretanha | Suécia | |
Ano de abertura do mercado | 1994 | 1994 | 1998 |
Empresas exploradoras de infraestrutura | 59 | 11 | 9 |
Empresas operadoras de trens | 315 | 26 | 17 |
Fonte: Xxxx et al. (2011), Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016).
A evidência que se extrai é que a norma tem que ser compatível com o mercado, não existe apenas um modelo. Cada país tem características próprias que requerem soluções específicas, às vezes mais de um modelo legal ou regulatório a depender das condições de competição do mercado. A escolha depende de características intrínsecas de tráfego, escala, densidade e demandas de mercado de cada realidade e, não, necessariamente, a melhor opção envolve a escolha de um único modelo (Xxxxxxxx, 2014).
A intervenção regulatória deve ser leve e focada nos mercados em que a dominância do modo ferroviário é a mais importante que os demais modos. Sempre que a ferrovia enfrenta uma concorrência intermodal adequada é desnecessária uma intervenção regulatória pesada ou específica no setor. A ferrovia deve ser deixada para competir no mercado por seus méritos. A intervenção estatal, onde pode justificar-se, deve concentrar-se apenas nos mercados nos quais as ferrovias poderiam ter uma posição dominante (Nash & Torner, 1998).
Se o Operador Ferroviário Independente criado pela Lei nº 12.743, de 2012, for mantido no sistema jurídico, maior será a necessidade de um novo marco legal, pois o acesso aberto é problemático de ser regulado, especialmente se o concessionário das estradas de ferro também puder prestar serviços em competição com os operadores independentes. Nesse caso, conflitos de interesse irão aumentar caso uma regulamentação econômica sólida não seja instituída para garantir condições equitativas a todos os operadores (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Por questões históricas ligadas a formação da rede e sua privatização, a atual rede ferroviária brasileira apresenta uma topologia que não incentiva a competição e a produtividade. A eficiência das ferrovias depende diretamente da topologia da rede (Puffert, 2002). Da mesma forma, a capacidade de uma rede ferroviária gerar competição inter e intramodal também depende de sua topologia. Aliás, a capacidade estatal de expandir a topologia da rede é mais importante para a eficiência do que a própria administração da rede (Bogart, 2010). Nesta seção serão analisados alguns dos problemas principais da topologia, entre eles a diversidade
de bitolas, a monopolização em bacias geográficas, as falhas de traçados, o abandono dos ramais.
4.2.1 Diversificação de Bitolas
Uma das primeiras falhas da topologia é a diversidade de bitolas, que aliás, é uma falha subestimada na cartografia oficial. Veja-se por exemplo o mapa oficial do anuário estatístico do Ministério de Transportes, de 2017, vide figura 4.1.
A reambulação47 do mapa, ilustrada na legenda, apresenta apenas duas informações quanto a identificação das ferrovias: a nomenclatura da concessionária ferroviária e o estágio operacional, se em operação ou se desativada. A bitola da ferrovia, informação essencial para definição de rotas e compreensão da utilidade dos ramais, é omitida. Assim, o leitor não inteiramente informado, poderia supor, que um mesmo trem seria capaz de realizar a rota, de cerca de 730km, entre Uruaçu–GO e Uberaba–MG. Todavia, devido as diferenças de bitola, isso não seria possível, já que a ferrovia que passa em Uruaçu está na rede em bitola larga, enquanto a ferrovia que passa Uberaba está na rede em bitola estreita.
47 Reambulação é a técnica de identificar e nomear feições conhecidas do usuário em carta topográficas, mapas ou imagens de satélite.
Figura 4.1 Mapa ferroviário do Brasil, 2017
O Brasil, no transporte de ferroviário de cargas, em verdade, possuí duas redes ferroviárias, como ilustrado na adaptação de Xxxxx & Xxxxx, da figura 4.2. Diferentemente de Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, México, China e diversos países europeus, o Brasil não unificou a bitola de sua malha ferroviária. Segundo Xxxx (2011), a unificação de bitola só foi tentada no Brasil, como um plano governamental, ainda que de maneira incompleta, a partir dos governos militares, com maior destaque para o do Presidente Xxxxxx (1969–1974). Nessa época, os militares passaram a estimular a construção de novas ferrovias na bitola larga, quando a bitola dominante até então, e também atualmente era a bitola estreita. A opção atribuída aos militares foi mantida nos governos democráticos, de maneira que novas ferrovias foram e estão sendo construídas na bitola larga, a exemplo de: Ferrovia do Aço (1976), Estrada de Ferro Carajás (1985); Ferronorte (1998); Ferrovia Norte–Sul (1996), etc.
Os motivos técnicos e econômicos para a escolha da bitola larga são desconhecidos e bastante discutíveis (Curry, 2011). Xxxxxx (1986) faz críticas a escolha da bitola larga como modelo de unificação em razão de seus custos mais elevados. Para ele o que torna eficientes os sistemas
ferroviários de Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Europa Ocidental são: a cobertura espacial dos mercados nacionais e internacionais a que servem e a unificação, e não a largura da bitola. Cabe lembrar que alguns desses países fizeram a unificação integral de suas malhas na bitola Standard há mais de 100 anos. A opção pela bitola larga, indubitavelmente, é a mais onerosa entre as possíveis, agravado pelo fato de que nenhum dos países vizinhos do Brasil utiliza a bitola larga de 1600mm.
Figura 4.2 Rede ferroviária brasileira por bitolas
Fonte: ANTT (2017) inspirado em Théry & Xxxxx (2005), com adaptações.
O Peru, que intenciona conectar-se ao Brasil por meio de uma ferrovia transoceânica adota a standard como bitola oficial. Se cada país utilizar sua bitola oficial em uma eventual ferrovia transoceânica, precisaria haver na fronteira entre os dois países, possivelmente no Acre, no meio da floresta amazônica um mega terminal de transbordo de cargas, fato que poderia inviabilizar a construção da ferrovia.
Se no governo dos militares não tivesse havido uma intervenção estatal direcionando as ferrovias para a bitola larga, i.e. se as novas ferrovias continuassem sendo construídas na bitola dominante da época, a bitola estreita de 1000mm, em 2017, possivelmente somente haveria pouquíssimas ferrovias em bitolas minoritárias, eventualmente: a estrada de ferro do
Amapá48, inaugurada na bitola standard, em 1957; e as ferrovias associadas a extinta Companhia Paulista, inaugurada, em 1872.
4.2.2 Monopolizações Regionais
Como visto na história da exploração da infraestrutura ferroviária da Inglaterra, a aglutinação de ferrovias era uma forma de se evitar os efeitos da concorrência a pretexto de racionalização da malha. Quando houve a privatização da RFFSA, nos anos 1995, a malha foi então dividida em sete grandes ferrovias. Com o passar dos anos, por meio de aquisições e fusões a as ferrovias brasileiras, que chegaram a ser 42 firmas distintas foram reduzidas a apenas seis firmas, como pode ser observado na ilustração da figura 4.3.
Segundo o mapa da ANTF (2017), com exceção da ferrovia Xxxxxx Xxxxxxxx no litoral de Santa Catarina, todas as estradas ferrovias existentes no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso estão sobre o monopólio de uma única firma, a Rumo-ALL. No Estado de São Paulo, a Rumo-ALL controla todas as ferrovias, exceto os ramais da MRS Logística.
A única região do país com alguma possibilidade de concorrência teórica entre concessionárias é o entorno de Belo Horizonte, servido por três ferrovias: MRS Logística, desaguando nos portos de Santos e sul do Rio de Janeiro; VLI – Centro Atlântica, desaguando nos portos do norte do Rio de Janeiro e Vitória; e VALE – EF Vitória a Minas, desaguando no porto de Vitória. Todo o resto do país está circunscrito a algum arranjo de monopólio em que apenas uma firma ferroviária dá acesso aos portos oceânicos.
48 Ferrovia atualmente desativada
Figura 4.3 Rede ferroviária brasileira por concessionárias
Fonte: ANTF, 2017.
As alegações de que os traçados das ferrovias brasileiras atenderam a motivações político- partidárias dos governos de ocasião, ao invés de interesses puramente econômicos, como demanda, utilidade e viabilidade econômica, são extensas. Verdadeira ou falsa a alegação, é fato que os traçados ferroviários, em geral, atendem um padrão de topologia em forma de árvore, conectando geralmente os portos nas capitais ao interior, com pouca ou nenhuma conexão no interior entre os Estados. Veja-se, por exemplo, as ferrovias do Nordeste na figura
4.4. Na Bahia, a ferrovia que liga Salvador a Juazeiro, não continua e adentra no Estado de Pernambuco. Em Pernambuco, da mesma forma a ferrovia que liga Salgueiro à capital Recife não tem nenhum ramal que a conecte economicamente com o porto de Maceió, em Alagoas. São raros os ramais internos que poderiam aumentar a concorrência entre os portos.
Uma ligação ferroviária entre Missão Velha-CE, Salgueiro-PE e Juazeiro-BA, se existisse, talvez tivesse inviabilizado o projeto da Nova Transnordestina, de 2005.
Mesmo fisicamente conectadas, o padrão topológico das ferrovias brasileiras é voltado para a exportação, em prejuízo das conexões aptas ao desenvolvimento de concorrência entre portos e entre Estados da Federação.
Como dito anteriormente, apesar da informação oficial de que a extensão da malha ferroviária é de 30.6 mil km (Brasil, 2017), a rede em operação, em 2017, é de pouco mais de 20 mil km. Os trechos abandonados ou subutilizados são consequência da incompatibilidade entre os resultados operacionais esperados, ao longo de sua exploração, e as despesas com os investimentos demandados pelas exigências de execução do contrato.
Muitas das linhas férreas foram subutilizadas justamente porque perderam competitividade na comparação com o modo rodoviário, com a ocupação urbana irregular dos terrenos lindeiros à faixa de domínio ferroviário e, até mesmo, da ocupação da própria faixa, que provocaram a redução da velocidade das composições e aumentaram o risco de acidentes em níveis insustentáveis.
Em 2011, a ANTT identificou trinta e três trechos abandonados ou subutilizados e fixou prazo para apresentação de cronograma de recuperação pelas concessionárias. Uma síntese dos ramais abandonados pode ser observada na tabela 4.3.
Tabela 4.3 Ramais abandonados ou inoperantes por concessionária em 2011 e 2017
Concessionária | (2011) Abandonados Extensão (km) | Concessionária | (2017) Inoperantes | |
Extensão (km) | Percentagem | |||
Transnordestina Logística | 1.623 | Transnordestina (FTL) | 3.060 | 71,26 |
ALL Malha Paulista | 650 | Rumo-ALL (MP) | 940 | 45,75 |
ALL Malha Oeste | 309 | Rumo-ALL (MO) | 722 | 36,61 |
ALL Malha Sul | 1.716 | Rumo-ALL (MS) | 2.223 | 30,77 |
Vale (VM) | 247 | 27,72 | ||
VLI (FNS) Norte | 127 | 17,17 | ||
MRS Logística | 234 | 13,92 | ||
Ferrovia Centro–Atlântica | 1.246 | VLI (FCA) | 976 | 13,51 |
Total | 5.544 | 8.534 |
Fonte: Revista Ferroviária (2017); ANTT (2017).
Desde então, a situação não melhorou. Os 5.544 km de ramais ferroviários identificados como abandonados ou subutilizados pela ANTT, em 2011, passaram a ser 8.534 km, classificados como “não operacionais”, na autodeclaração das concessionárias, prestadas à ANTT, em 2017. Na malha da Transnordestina, por exemplo, 71,26% dos ramais não estavam operacionais. O único ramal que se mantinha operacional, informado na Declaração de Rede de 2017 (ANTT, 2017), era a ligação São Luís – Teresina – Fortaleza, indicado com uma seta, na figura 4.5. Todos os demais ramais são declarados “não operacional”, como pode ser observado na ilustração da figura 4.5. Na malha da Rumo-ALL (malha paulista) onde 45,75% do total não se encontra em operação, o percentual de ramais inoperantes na bitola métrica é de 97,57%. Esse fenômeno é uma evidência da falha provocada pela agregação geográfica indiscriminada de ramais sob o comando de uma mesma firma. Na ausência de competição intramodal, a concessionária pode focar sua atividade nos ramais mais lucrativos, mantendo cativos e inoperantes os ramais que potencialmente lhe fariam concorrência, se estivessem na posse de outras firmas. O abandono de ramais é uma consequência do processo de licitação por regiões geográficas sob a gestão das antigas superintendências da RFFSA, mas que foi agravado pela omissão da regulação ao permitir a aglutinação49 das concessionárias em um menor número de firmas.
49 Em 1998, houve a fusão entre a FERRONORTE e NOVOESTE formando a Brasil Ferrovias. Em 2002, a Brasil Ferrovias incorpora a FERROBAN. Em 2005, a Brasil Ferrovias se separou em dois grupos, um corredor
Figura 4.5 Ramais inoperantes na malha da concessionária Transnordestina Logística, em 2017.
Fonte: ANTT (2017)
Para solucionar a questão, Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2017) sugerem que:
as concessionárias poderiam ser incentivadas a atuar na exploração de operações urbanas consorciadas50, por meio da revitalização da rede para uso de veículos leves sobre trilhos ou de metrô de superfície. A lei deveria prever, então, a possibilidade de reversão de parte dos recursos advindos de contribuição de melhorias51, objeto da requalificação dos ramais ferroviários, diretamente para as empresas exploradoras da infraestrutura que implantassem serviços de transporte de passageiros, de maneira a aumentar o leque de atuação das administrações ferroviárias. Essa alternativa de solução produziria receitas não tarifárias, com a exploração imobiliária e comercial de áreas revitalizadas pelo transporte de passageiros, que poderiam ser reinvestidas em ramais para o
de bitola larga, contendo a Malha Norte e a parte da malha Paulista de bitola larga, cujo nome continuou a ser Brasil Ferrovias, e um corredor de bitola métrica, contendo a malha Oeste e a parte da Malha Paulista de bitola métrica, cuja denominação passou a ser Novoeste Brasil. Porém, ambas as firmas continuaram a ter o mesmo grupo controlador. Em 2006, as duas ferrovias foram incorporadas pela ALL. Em 2003, a VALE assume o controle acionário da FCA e, em 2007, a VALE assume a concessão da Ferrovia Norte-Sul Tramo Norte (Benini, 2012)
50 Operações urbanas consorciadas é um instrumento do Direito Urbanístico instituído pelos artigos 32, 33 e 34 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001).
51 Contribuição de melhoria é um tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação que representa a valorização imobiliária auferida pelo contribuinte pela realização de uma obra pública, previsto no art. 145, III, da Constituição Federal.
transporte de cargas. Ter-se–ia, assim, uma situação de ganha–ganha para o transporte de passageiros e de carga52.
A ANTF vem, há muito, apontando as invasões nas faixas de domínio, o conflito de fluxo nas passagens em nível e as deficiências de traçado como problemas prioritários do setor ferroviário (Lang, 2007). Sua solução, além do interesse econômico evidente, também tem relevante interesse social envolvido, pois representam a melhora da qualidade de vida das comunidades afetadas, ao diminuir externalidades negativas tais como os acidentes nos cruzamentos e os congestionamentos urbanos. Como, na maioria dos casos, as ferrovias vieram primeiro que as rodovias, os contratos atuais não previram essas obras como obrigações dos concessionários. No entanto, o Estado tem dificuldades, e de natureza não apenas fiscal, para executar obras públicas. Assim, seria oportuno que houvesse, além de programas públicos53 para remoção desses gargalos, meios para que as concessionárias ferroviárias pudessem fazer a desobstrução dos ramais, custeadas por financiamento público oriundo de taxação pigouviana54 do setor rodoviário e ferroviário (Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
O financiamento é ponto crucial do desenvolvimento ferroviário, sem financiamento não haverá atualização, menos ainda expansão da infraestrutura e do transporte ferroviário. A indústria ferroviária é, tradicionalmente, correlacionada a custos afundados, longos prazos para recuperação do capital. Mas o problema não é só esse. Insuficiência de investimentos e restrições ao desenho do negócio também estão correlacionados ao caso brasileiro.
4.3.1 Longo Prazo para Recuperação
Xxxxxxx x Xxxxx (2013) descreve o problema do financiamento em infraestrutura no Brasil nos seguintes termos:
altos custos de entrada e saída dos investimentos, nos longos períodos de maturação, na operacionalização por meio de indústrias de rede, fazendo-se
52 Para maiores informações sobre a estratégia de financiamento de transporte de passageiros, consultar Suzuki et al (2015). Financing Transit-Oriented Development with Land Values Adapting Land Value Capture in Developing Countries.
53 Programa Nacional de Segurança Ferroviária em Áreas Urbanas (Prosefer) é um estudo que indica as obras necessárias para garantir mais segurança à população, especialmente onde há ocupação de faixas de domínio das ferrovias e passagens em nível críticas. Entre as obras sugeridas estão a construção de variantes e contornos ferroviários para eliminar os gargalos, efetivando etapa do Plano de Revitalização das Ferrovias, lançado em 2003.
54 Taxação pigouviana é uma espécie de tributação aplicada a uma atividade de mercado que esteja gerando externalidades negativas.
necessária a construção de uma grande estrutura física (funcional) para a provisão destes serviços sendo que, uma vez construída, a estrutura deve ser partilhada pelos ofertantes de serviços a ela associados (o que retira o interesse na obra) e, por fim, o pagamento do negócio e a incerteza de receitas (em virtude de risco intrínseco às grandes obras), o que resultam, muitas vezes, em vencimentos mais longos das dívidas, média alta de índices de endividamento total sobre patrimônio líquido, baixa competitividade e baixa concorrência de mercado.
Embora o excerto acima tenha sido produzido para a infraestrutura em geral e para o Brasil em particular, é possível generalizá-lo globalmente em termos de exploração ferroviária. As diferenças residirão na capacidade de financiamento dos entes internacionais e da capacidade de endividamento dos exploradores ou operadores em particular. Carneiro (2011) apontava que quatro das concessionárias ferroviárias brasileiras tinham risco de insolvência igual ou pior que moderado em 2009.
Em um quadro em que as concessionárias ferroviárias podem não ter a saúde financeira necessária para obtenção de grandes empréstimos por meio de Corporate Finance, o Project Finance seria a solução para o financiamento dos projetos.
Para solução da questão do financiamento e mitigação dos riscos de compartilhamento Xxxxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxx (2016) sugerem a adoção de um modelo de Project Finance em que o poder público remunera desde o início da exploração a disponibilidade de infraestrutura pelo parceiro privado e é remunerado por ele em função do aumento da demanda. Mesmo esse modelo inovador, ainda não resolve duas questões fundamentais do equilíbrio econômico-financeiro dos projetos ferroviários: qual é o limite das receitas ferroviárias? O Estado é capaz de realizar investimentos frente ao crescente crescimento das despesas constitucionais obrigatórias?
4.3.2 Insuficiência de Fontes de Financiamento
A partir dos dados de investimentos e receitas elencados na legislação orçamentária brasileira é possível observar que nominalmente os transportes possuem fontes razoáveis de financiamento no Brasil, mas o investimento tem ocorrido em montantes muito a baixo do que é preconizado com suficiente para manutenção do capital fixo, como pode ser observado na figura 4.6.
Fonte: Senado (2016)
Os dados orçamentários demonstram que o ano de 2002 representou um marco significativo no equilíbrio das receitas e despesas relacionadas ao setor de transportes. Com a implantação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), criada pela Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001, as receitas passaram a superar os investimentos.
No entanto, as receitas da CIDE passaram a sofrer sucessivas regressões ao longo dos anos seguintes em decorrência de políticas de redução dos preços de combustíveis. Em 2012, o Decreto nº 7.764 reduziu a zero a alíquota de todos os produtos com possível incidência do tributo. Em 2016 eram tributados apenas a gasolina, o diesel e seus respectivos correntes.
Desde a criação da CIDE, as principais fontes55 de receita foram: a própria CIDE; o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM); o Adicional sobre Tarifa Aeroportuária (ATAERO); as multas de trânsito; e os valores oriundos das outorgas dos serviços de infraestrutura aeroportuária. Essas cinco fontes de receitas representam pouco mais de 95% do montante acumulado nos últimos catorze anos. As demais doze fontes de receitas, de alguma forma vinculadas ao Orçamento da União, aglutinam pouco menos de 5% das receitas no mesmo período.
Nos últimos quatorze anos, desde 2002, portanto, a média de receitas oriundas da atividade transportes foi de 0,33% em relação ao PIB. Apenas a CIDE entre os anos de 2002 e 2006
55 A principal fonte de receita do setor de transportes é o Orçamento da União. As fontes aqui elencadas não têm destinação vinculada exclusivamente para o setor de infraestrutura de transportes. Foram elencadas por serem originadas da atividade econômica.
arrecadou cerca de 0,40% do PIB. O entrave principal não é financeiro, mas de má alocação dos recursos e desperdício de oportunidades.
O investimento incluindo os setores público e privado, em 2015, ficou em cerca de 0,6% do PIB. Os países em desenvolvimento que concorrem com Brasil, como Rússia, Índia, Coreia do Sul, Chile e Vietnã, estão investindo uma média de 3,7% do PIB em transporte (Borges, 2016).
O subinvestimento atual é significativo quando confrontado com o praticado nas últimas décadas. Os investimentos em infraestrutura de transportes passaram por contração de 27% na década de 1980 e mais 57% na década de 1990. Assim, quando comparada a década de 2000 à de 1970, os investimentos da última década tiveram redução média de 68%, conforme apresentado na tabela 4.4.
Tabela 4.4 Investimento em infraestrutura de transportes no Brasil (% do PIB)
1971 – 1980 | 1981 – 1990 | 1990 – 2000 | 2001 – 2010 | |
Transportes | 2,03 | 1,48 | 0,63 | 0,64 |
Fonte: Frischtak (2013)
Uma análise dos investimentos, públicos e privados, por modo e ano na última década apontam para a predominância do modo rodoviário sobre todos os demais, conforme se depreende da tabela 4.5. Na média, investiu-se quatro vezes mais em rodovias que em ferrovias no período de 2001 a 2010. O auge dos investimentos se deu em 2010, muito por conta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Tabela 4.5 Investimentos em infraestrutura no Brasil, 2001 – 2010 (% do PIB)
2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | Média | |
Rodoviário | 0,46 | 0,35 | 0,24 | 0,25 | 0,32 | 0,38 | 0,35 | 0,48 | 0,64 | 0,67 | 0,41 |
Ferroviário | 0,07 | 0,05 | 0,07 | 0,10 | 0,16 | 0,12 | 0,12 | 0,17 | 0,11 | 0,15 | 0,11 |
Metroviário | n.d. | n.d. | n.d. | n.d. | n.d. | n.d. | 0,04 | 0,08 | 0,15 | 0,08 | 0,09 |
Aeroportos | 0,04 | 0,04 | 0,04 | 0,03 | 0,03 | 0,04 | 0,02 | 0,01 | 0,01 | 0,02 | 0,03 |
Portos | 0,03 | 0,03 | 0,01 | 0,03 | 0,02 | 0,03 | 0,04 | 0,04 | 0,05 | 0,05 | 0,03 |
Hidroviário | 0,02 | 0,01 | 0,00 | 0,01 | 0,01 | 0,01 | 0,01 | 0,01 | 0,02 | 0,01 | 0,01 |
Investimento/PIB | 0,62 | 0,48 | 0,36 | 0,42 | 0,54 | 0,58 | 0,58 | 0,79 | 0,98 | 0,98 |
Fonte: Frischtak (2013)
Mesmo que a União venha a investir, nos anos vindouros, 0,5% do PIB em infraestruturas de transportes, se não houver uma seleção apropriada dos investimentos, um dos problemas principais, que é o desequilíbrio da matriz de transportes, não será resolvido.
Além de o governo federal investir mais, é preciso também criar condições para que o setor privado invista em infraestruturas de transportes, principalmente o ferroviário. Para tanto, faz- se oportuno mitigar os riscos de insegurança jurídica dos investimentos privados no setor de transportes, um dos grandes entraves a novos investimentos, como aponta a literatura especializada.
O histórico das economias emergentes bem-sucedidas mostra que os investimentos em infraestrutura têm um papel decisivo na modernização do país, devendo se situar em níveis elevados. Assim, mesmo um investimento de 0,5% do PIB em transporte pode ser pouco para o Brasil, ainda que isso represente quase dobrar os investimentos federais praticados na média dos últimos dez anos, como apresentado na tabela 4.6.
Tabela 4.6 Investimentos Federais em Transportes no Brasil, 2006–2015 (% do PIB)
2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | Média | |
Despesa Liquidada Orçamentária na Função Transporte | 0,29 | 0,21 | 0,15 | 0,25 | 0,30 | 0,24 | 0,25 | 0,21 | 0,15 | 0,25 | 0,23 |
Fonte: Senado (2016).
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desempenhou papel fundamental no financiamento das concessionárias de ferrovias nos últimos anos. No entanto, no atual cenário de crise fiscal, o financiamento inteiramente público não é uma opção. Não obstante, Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016), defendem que ainda existem fontes públicas que poderiam ser incluídas para revitalização do Fundo Nacional de Investimentos Ferroviários56. Entre elas estariam parcela das receitas provenientes de multas aplicadas a infrações de trânsito em vias federais (taxação pigouviana), multas por descumprimento dos contratos de concessão ferroviária, contribuição de melhoria por obras ferroviárias para transporte de passageiros, contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis, outorga das concessões ferroviárias, arrendamento dos ativos vinculados às concessões ferroviárias, tarifas ferroviárias e alienação de ativos vinculados às concessões ferroviárias, notadamente na exploração imobiliária de projetos associados.
4.3.3 Insuficiência de Fontes de Receitas
Uma forma alternativa de minimizar a necessidade de financiamento público é viabilização de opções alternativas de receitas para as administrações ferroviárias, além das tarifas, a fim de
56 Criado pela Lei nº 4.102, de 20 de julho de 1962.
que o negócio ferroviário torne-se mais rentável, podendo vir a ser financiado pelo mercado, tanto por iniciativas de corporate finance, quanto de project finance.
Como os contratos de concessão ferroviária, dos anos 1990, previram que os investimentos na superestrutura ferroviária não seriam considerados indenizáveis pelo valor residual, ao final de sua vigência, os concessionários têm entendido que os dispêndios com a revitalização são maiores que os benefícios esperados.
Assim, para que a rede subutilizada seja revitalizada, os concessionários precisarão de mais prazo para amortização dos investimentos, efeito que pode ser alcançado pela prorrogação antecipada dos contratos. Todavia, apenas este caminho pode não ser suficiente. Aliás, a prorrogação antecipada dos contratos pode resultar na diminuição da concorrência, em razão da crescente oligopolização geográfica das concessionárias.
As concessionárias poderiam ser incentivadas a atuar no mercado de passageiros, a fim de aumentar suas fontes de receita (Xxxxx & Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
O aumento da receita pode ser incentivado pela ampliação das fontes acessórias, como, por exemplo, a exploração imobiliária dos domínios arrendados com estratégias de Transit Oriented Development (TOD57) no fomento ao transporte de passageiros, nos ramais que atualmente se encontram abandonados ou subutilizados no transporte de cargas (Felix e Cavalcante Filho, 2016).
Segundo Xxxxxx et al. (2015), a MTR Corporation, firma responsável pela exploração do transporte ferroviário de Hong Kong, é uma empresa lucrativa justamente porque consegue capturar a elevação do valor da terra no entorno de suas estações de metrô. Entre 2000 e 2012, apenas 34% das receitas da MTR Corporation eram fruto da receita direta com tarifas de transporte. Todo o restante da receita era produto de receitas assessórias, na seguinte proporção: 38% projetos imobiliários associados; 15% receitas comerciais das estações de passageiros; 13% das receitas de aluguéis e gerenciamento de negócios associados.
Importante observar que Hong Kong figura em 2º lugar no ranking de qualidade da infraestrutura ferroviária de WEF (2017), sendo eminentemente uma empresa pública, de atuação monopolista, organizada em sistema de agregação vertical. A Suíça, cuja exploração ferroviária também se dá por ação monopolista estatal e que atualmente figura em primeiro lugar no ranking de qualidade da infraestrutura ferroviária do WEF (2017), no período de
57 O Desenvolvimento Orientado pelo Trânsito (TOD) é uma abordagem de planejamento orientada para centros de negócios e habitação de alta concentração e uso misto que vão ser aglomerados em torno das estações e ao longo dos corredores de transporte de alta capacidade. TOD é considerado uma estratégia do “crescimento inteligente" porque coordena os usos da terra e dos transportes, de modo a que tanto a terra como a infraestrutura sejam eficientemente usadas (Dragutescu, 2006).
2002 a 2011, aumentou os subsídios no transporte ferroviário em 19,7%. Em 2013, os subsídios chegaram a quantia de 591 milhões de francos suíços, cerca de 1,6 bilhão de reais58 (Desmaris, 2014).
O Japão, terceiro colocado no mesmo ranking, segundo Xxxxxx et al. (2015), também aplica a estratégia de financiamento por receitas assessorias. Xxxxxx et al. (2015) citam mais dois exemplos. Tokyo Corporation, maior companhia ferroviária privada da região metropolitana de Tóquio no período de 2003 a 2012 faturou com receitas de tarifas de transportes apenas 41% de suas receitas. O restante da receita foi decorrente de: 34% receitas imobiliárias, 15% receitas de serviços residenciais, 5% de receitas com hotelaria e 5% com outras receitas. East Japan Railway Company, maior companhia ferroviária de passageiros, no período de 2001 a 2012, obteve 71% da receita diretamente com tarifas de transporte, mas 15% de sua receita veio da exploração imobiliária de shopping centers de sua propriedade, 8% do aluguel de espaços em suas estações de passageiros e 5% de outras fontes de receita.
À luz da experiência internacional, há evidências de que o investimento privado é uma solução possível para a ampliação dos recursos no setor ferroviário no Brasil. Apesar da fragilidade do marco legal, a iniciativa privada tem investido mais na manutenção e revitalização da malha concedida que todo o investimento federal no setor, como visto na figura 4.7. Entretanto, para que o mercado aumente seus investimentos, é preciso facilitar o acesso ao crédito, melhorar o retorno dos investimentos e propiciar um ambiente institucional favorável, a partir do aprimoramento do marco normativo e regulatório (CNT, 2015). A ausência de regras claras e bem definidas acaba, muitas vezes, por afastar os investidores.
58 Cotação de 7 de 12 de 2017, 1 CHF = 3,3087 R$.
Fonte: CNT59, 2015.
Os indicativos que apontam para a viabilidade da modalidade de financiamento inteiramente privada no País são relevantes. Baixíssima densidade da malha ferroviária, desequilíbrio da matriz de transportes, existência de novos TUP em construção, excesso de recursos financeiros disponíveis no mercado internacional e evidências de interesse internacional, notadamente, chinês (Senado, 2017), russo (SEP, 2016) e coreano (Pelegi, 2017), na exploração das ferrovias do Programa de Investimento em Logística, entre outros.
Quanto mais estreito e regulado economicamente for o modelo de exploração da infraesturua ferroviária, mais difícil será o financiamento como sugerem os efeitos do Staggers Rail Act de 1981 nos EUA. Contrario senso o Brasil optou por um modelo bem restrito do alcance das receitas ferroviárias, chegando, por exemplo, a vedar algumas receitas acessórias, nos contratos de concessão.
A China no outro extremo maximizou as fontes de receitas disponíveis às empresas ferroviárias. As empresas ferroviárias chinesas não exploram apenas a infraestrutura ou operação dos trens. Ao contrário, as empresas chinesas60, a exemplo da China Railway Eryuan Engineering Group CO. são holdings que exploram todo o ciclo da operação dos trens, desde os levantamentos topográficos preliminares, a construção dos ramais, a construção dos trens, a exploração da infraestrutura e principalmente a exploração imobiliária no entorno das linhas e estações (CREEC, 2016). Essa concepção monopolista altamente
59 Valores referentes ao ano de 2015.
60 A maioria das empresas chinesas são estatais subordinadas à China Railway Corporation, sucessora do Ministry of Railways (Yin-Nor, 2015).
verticalizada, favorecida por financiamento estatal abundante favorece a constituição de estratégias de corporate e project finance.
Todavia, o histórico internacional evidencia que o desenvolvimento ferroviário não depende apenas de subsídios públicos. Atualmente estão em curso iniciativas privadas para introduzir rotas de trens de alta velocidade nos Estados Unidos. Uma das mais avançadas é o projeto All Aboard Florida, que pretende ligar Miami, Fort Lauderdale, West Palm Beach e, eventualmente, Orlando por uma empresa privada, financiada integralmente pela rentabilidade do projeto, sem financiamento público federal ou estadual. Na China, o astronômico crescimento da rede de Trens de Alta Velocidade subsidiado pelo Estado sugere que o sistema pode não ser financeiramente sustentável em longo prazo (Hui, 2016), assim como também não o foi o crescimento americano fartamente subsidiado pela concessão de imóveis públicos.
Segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), os investimentos privados das empresas concessionárias promoveram, entre 1997 e 2014, aumento de 117% na produção do transporte ferroviário, além de obter 4,86% de taxa de crescimento médio anual, contra uma taxa de crescimento do PIB da ordem de 58,9%, no mesmo período. Ao mesmo tempo, a gestão e os investimentos da iniciativa privada possibilitaram redução de 84,7% no número de acidentes61. Ainda assim, o mercado ferroviário brasileiro é marcado por significativas falhas de mercado.
Na vigência de falhas de mercado a economia funciona em um modo abaixo do ponto ótimo, em que preços são mantidos acima de preços normais de mercado; oferta e níveis de serviços são mantidos artificialmente a aquém das necessidades da demanda. Segundo Xxxxxx (2011a), o mercado capitalista tende a se autorregular em função de ciclos de preços, a escassez eleva os preços e o aumento de preços induz o fim da escassez. Há, porém, situações em que o mercado tende a não se ajustar sozinho, são as chamadas falhas de mercado.
No mercado ferroviário, falhas de mercado são especialmente danosas para a economia, por ser a indústria ferroviária uma indústria de base. Nesse contexto, as restrições à competição, a natureza de quase bens públicos e as externalidades são falhas que afetam significativamente o mercado ferroviário.
61 ANTF. Balanço do Transporte Ferroviário de Cargas no Brasil de 2013. Brasília, 2014. Disponível em: xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/0000/xxxx/xxxxxxxx-0000-xxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xx-0000-xxxxxx- gustavo-30-09-14.pdf
A indústria ferroviária é caracterizada por elevados custos de entrada e de saída. Poucas são as firmas que se dispõem a investir, pois as barreiras econômicas são elevadíssimas. Além das barreiras econômicas, o mercado brasileiro é também marcado por severas barreiras jurídicas que restringem a atuação das firmas. Como resultado, apesar do avanço significativo trazido com a concessão da malha ferroviária, o mercado está concentrado tanto na gestão da malha, quanto nos produtos transportados (Nunes, 2006; Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016). Após o processo de concessão das ferrovias, em meados de 1990, a propriedade das ferrovias brasileiras passou, na maioria dos casos, para um rol limitado de seus próprios clientes (Nunes, 2006).
A maior das concessionárias62, a América Latina Logística (ALL), foi adquirida pela Rumo, braço logístico do grupo Cosan63,64, que atua no mercado de serviços de logística intermodal para exportação de açúcar. Assim, há no mercado um possível conflito de interesses entre as empresas clientes.
Conforme se pode inferir da tabela 4.7, as empresas concessionárias passaram por um processo de oligopolização (Xxxxxxxxxxx, 2016; Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016). As concessionárias foram adquiridas por pouquíssimas empresas clientes do transporte de cargas, que, em teoria, poderiam impor restrições às suas concorrentes por meio de obstáculos ao acesso à malha ferroviária. Apenas três empresas, Rumo, VALE e VLI65 (Valor Multimodal S.A.), controlam cerca de 75% das principais estradas de ferro de carga do Brasil, seguidas da Transnordestina Logística S/A e MRS Logística. Juntas, essas cinco firmas ferroviárias controlam a exploração de 95% da malha ferroviária de cargas do Brasil66.
62 A nova companhia, resultante da fusão entre Rumo e ALL, é composta de 4 concessões ferroviárias no Brasil, e surgiu com 12,9 mil quilômetros de malha ferroviária, 19 milhões de toneladas de capacidade de elevação no porto de Santos, 966 locomotivas, 28 mil vagões, e 11,7 mil funcionários diretos e indiretos.
63 A Cosan é uma das maiores empresas do Brasil, com investimentos em setores estratégicos como agronegócio, distribuição de combustíveis e de gás natural, lubrificantes e logística (Cosan, 2016).
64 Logo no começo de 2015, o CADE aprovou a fusão denominada ALL-RUMO mediante a incorporação de ações da empresa ALL pela Rumo, onde, para evitar que a Cosan, dona da Rumo, controlasse a ferrovia da ALL e impedisse o uso da estrada de ferro por concorrentes, elevando os preços de frete, foram acordados diversos remédios comportamentais também em sede de Acordo em Controle de Concentração.
65 Organizada em forma de holding, a VLI tem em sua composição acionária as seguintes empresas: Vale, Mitsui, FI-FGTS, e Brookfield. A Vale além do controle de suas próprias ferrovias também tem poder de decisão em duas outras importantes ferrovias.
66 1.411 km de linhas férreas de passageiros, entre metrô e trens regionais, não estão incluídas no cômputo da Tabela 4.7.
Tabela 4.7 Principais concessionárias ferroviárias, em 2017
Concessionária Original | Concessionária Atual | Controlador | Extensão (km) | Extensão (%) | |
Ferrovia NOVOESTE S.A. | Rumo – ALL (Malha Oeste) | 1.973 | |||
FERRONORTE S.A. | Rumo – ALL (Malha Norte) | Cosan e ALL | 735 | 11.986 | 41,22 |
Ferrovias Bandeirantes S.A | Rumo – ALL (Malha Paulista) | 2.055 | |||
ALL – América Latina do Brasil | Rumo – ALL (Malha Sul) | 7.223 | |||
FCA – Ferrovia Centro–Atlântica | VLI (Malha FCA) | Vale, Mitsui, FI-FGTS e Brookfield | 7.223 | ||
VALEC – Ferrovia Norte–Sul – Tramo Norte | VLI (Malha FNS – Norte) | 745 | 7.968 | 27,40 | |
EFC – Estrada de Ferro Carajás | Vale (Malha EFC) | 978 | |||
EFVM – Estrada de Ferro Vitória a Minas | Vale (Malha EFVM) | Vale | 895 | 1.873 | 6,44 |
Companhia Ferroviária do Nordeste | FTL S/A – Ferrovia Transnordestina Logística | CSN | 4.295 | 4.295 | 14,77 |
MRS – MRS Logística | MRS – MRS Logística | Vale, CSN, Usiminas e Gerdau | 1.686 | 1.686 | 5,79 |
FERROESTE – Estrada de Ferro Paraná Oeste | FERROESTE – Estrada de Ferro Paraná Oeste | Gov. Paraná | 248 | 248 | 0,85 |
FTC – Ferrovia Xxxxxx Xxxxxxxx | FTC – Ferrovia Xxxxxx Xxxxxxxx | FTC | 163 | 163 | 0,56 |
VALEC – FNS S/A –Ferrovia Norte–Sul – Tramo Central | VALEC – FNS – Tramo Central67 | VALEC | 856 | 856 | 2,94 |
Total | 29.075 | 29.075 | 100,00 |
Fonte: ANTT (2017); ANTF (2016); Xxxxxxxxxxx (2016); Xxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016).
Segundo Cui & Xxxxxxx (2016), em teoria, a segregação geográfica com integração vertical tende a ser uma melhor opção em relação a agregação geográfica com segregação horizontal. Na prática, as ferrovias brasileiras passaram de um modelo de segregação geográfica com integração vertical para um modelo de agregação geográfica com integração vertical. A atual oligopolização das ferrovias em grandes regiões geográficas acaba por mitigar os efeitos teóricos positivos do modelo brasileiro criado nos anos 1990.
Figura 4.8 Evolução da produção de transporte ferroviário em bilhões de TKU, entre 1997 e 2014
Fonte: ANTF, 2014 e 201568.
67 A EF-151 no trecho entre Palmas/TO e Anápolis/GO foi concluída e entregue em 22 de maio de 2014, contudo, ainda não está operacional e deve ser concedida no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), conjuntamente com o tramo sul até Estrela D’oeste-SP.
Como se pode inferir dos dados da figura 4.8, o minério de ferro tem representado em média 76% dos produtos transportados por ferrovias. Em 2013, produtos do agronegócio ocuparam 13,89% dos produtos transportados. Na média, menos de 10% das cargas transportadas é de outros produtos, o que evidencia a incompletude do mercado.
A tentativa do governo Xxxxx Xxxxxxxx de segregar a exploração da infraestrutura da operação da ferrovia tinha a intenção de reduzir as falhas de mercado decorrentes da exploração da atividade em regime de monopólio natural pelas empresas clientes dominantes. As demais empresas clientes poderiam acessar a malha por meio de operadores ferroviários independentes. Todavia, a solução desenhada pelo governo apresentava determinadas falhas intrínsecas que a inviabilizaram completamente.
Em que bases, portanto, se justifica a importância do acesso aos mercados? A teoria dos mercados contestáveis argumenta que a entrada de novos concorrentes, ou apenas a possibilidade concreta de surgimentos de novos entrantes seria suficiente para incentivar os participantes a produzir com eficiência e a preços competitivos, abrindo mão de posturas e de receitas de natureza monopolista (Merker & Henser, 2014).
Em aberto contrassenso, as empresas concessionárias, no Brasil, não somente gozam dos efeitos da exploração do mercado em regime de monopólio, mas também se beneficiam de fortes restrições, inclusive legais, à entrada de empresas concorrentes. A mitigação dos efeitos do monopólio natural é, por isso, um objetivo importante a ser perseguido, podendo a abertura do mercado ser alcançada com o levantamento as barreiras jurídicas à livre iniciativa privada.
4.4.2 Natureza de quase Bens Públicos
Varian (1947) define bem público como aquele que tem de ser fornecido na mesma quantidade para todos os consumidores envolvidos. Uma vez ofertado um bem público, não é possível restringir o consumo, nem o consumir em diferentes quantidades. Como exemplos clássicos de bens públicos, Varian (1947) aponta o meio ambiente e a defesa nacional. Não é possível a um determinado cidadão obter mais ou menos defesa nacional, independentemente de sua propensão a pagar mais ou menos tributos para evitar uma invasão estrangeira, todos os cidadãos recebem a mesma quantidade de defesa nacional. Da mesma forma, o ar puro, o mar limpo são bens que não podem ser consumidos de forma individualizada, independentemente da utilidade que os consumidores precificam esses bens.
68 Há pequenas divergências nos dados da produção dos anos de 2011, 2012 e 2013, entre os balanços de 2014 e 2015 da ANTF.
Bens públicos, por natureza, são propícios a fomentar o efeito carona por parte dos consumidores. Já que não é possível discriminar o consumo, cada consumidor tende a esperar que outro consumidor pague pela provisão do bem. Como resultado, o mercado não tem interesse em prover bens públicos na quantidade desejada (Varian, 1947).
Xxxxxx (2011a) cita estradas de rodagem deficitárias como exemplo de bem público. Mesmo sendo remunerado pelo pedágio, o mercado só terá interesse em construir e operar estradas de rodagem em situações em que o tráfego seja suficientemente elevado. Nesses casos, mesmo com a evasão de receitas dos que pegam carona entrando e saindo da via entre as praças de pedágio, a firma poderá obter lucros recebendo apenas dos que cruzam as praças de pedágio. Obviamente, a oferta de rodovias pedagiadas será sempre menor que a demanda, por ter a rodovia um comportamento de bem público em sentido econômico.
Apesar do comportamento dos consumidores não ser o mesmo nas estradas de ferro em relação as estradas de rodagem, juridicamente, as ferrovias, no Brasil, recebem o mesmo tratamento que as rodovias. É plenamente possível individualizar o consumo de uma estrada de ferro, independentemente do tráfego ser baixo ou elevado, pois não é operacionalmente possível ao consumidor fugir do pagamento da tarifa. Não existe trem grátis.
Por que então ferrovias são tratadas como bens públicos? Sem computar a fundamentação ideológica, possivelmente a fundamentação econômica tem relação com os baixos preços de reserva que os consumidores estão dispostos a pagar pelas ferrovias. O preço de reserva é o preço máximo que o consumidor está disposto a pagar por um determinado bem (Varian, 1947). Como os preços de reserva são naturalmente baixos em função da concorrência com outros modos, aéreo no caso de passageiros, e rodoviário e aquaviário, no transporte de cargas, o tempo de retorno dos investimos é demasiado alto para o nível de exposição ao risco suportado pelas firmas. Quanto maior o tempo de payback maior o tempo de exposição da firma a expropriações, a alterações unilaterais do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos ou obsolescência dos próprios negócios.
Como solução dessa falha o governo pode se utilizar de incentivos financeiros, por meio de subsídios ou mesmo participação societária estatal em empresas que constroem e operam estradas de ferro, vide estratégias dos governos Lula e Xxxxx Xxxxxxxx apontadas no item 4.3. Todavia, a solução tendente a gerar o menor gasto público é a liberalização de receitas alternativas e assessórias integradas ao negócio ferroviário. Receitas advindas da exploração imobiliária de shoppings centers, edifícios de escritórios, residenciais e hotéis construídos nos imóveis pertencentes ou associados as firmas ferroviárias. Solução amplamente empregada no
Japão, China, Hong Kong, Taiwan e mais recentemente nos EUA para mitigar e até mesmo excluir a necessidade de financiamento público.
A externalidade é um efeito não desejado pela firma que provê o bem que afeta a produtividade de outras firmas ou consumidores (Varian, 1947; Dalbem et al., 2010). Assim, obviamente a externalidade pode ser positiva ou negativa. Para Varian (1947) a falha está em não existir um mercado para precificar e remunerar externalidades. O modo ferroviário afeta positivamente o meio ambiente por poluir menos comparativamente aos outros modos de transporte, exceto o aquaviário. Ainda assim, as firmas ferroviárias não são remuneradas por isso. As firmas ferroviárias também não são remuneradas por diminuírem o número de acidentes nas estradas de rodagem, por exemplo. O equilíbrio da matriz de transporte em benefício do modo ferroviário provocaria a redução do Custo Brasil, que seria outra externalidade positiva. Todavia, tais externalidades não são tratadas pelo Estado. Uma maneira simples de o fazer seria cobrando taxas pigouvianas para financiar o modo ferroviário, a exemplo do exposto no subitem 4.3.
Uma vez que o sistema de mercado é, por natureza, descentralizado, há casos em que a falta de coordenação entre as partes exige que uma entidade de fora do mercado (o governo) intervenha para fazer a devida coordenação (Xxxxxx, 2011a). No setor ferroviário, a proliferação de bitolas é um exemplo de falha de coordenação. A fim de evitar competição de outras ferrovias em sua malha é possível que uma ferrovia procure atuar utilizando uma bitola diversa do restante da malha (Benini, 2012). Essa questão pode ser resolvida consensualmente entre todas as ferrovias, como foi nos EUA (Silva, 1904) ou pode ser imposta pelo Estado, como aconteceu no Reino Unido (Puffert, 2002).
Na área de transportes ferroviários, o Estado tem um papel essencial na liderança e coordenação do planejamento (Bray & Sayeg, 2013). O planejamento estatal é essencial para propiciar eficiência ao sistema de transportes. Todavia, a atuação do Estado para mitigar ou eliminar falhas de mercado, a fim elevar o nível de bem-estar da população, podem gerar falhas de governo, ou seja, os fatores que podem fazer com que as intervenções do governo gerem distorções maiores que aquelas que ele se propõe a resolver (Xxxxxx, 2011b). Assim, para Xxxxxx (2011b), toda ação governamental deveria ser precedida de uma análise prévia
sobre as suas vantagens (correção de falhas de mercado) e desvantagens (possíveis falhas de governo decorrentes daquela ação), notadamente, quanto a problemas de: escolha coletiva; agente-principal; inexistência de incentivos à eficiência; e alto custo de transações nas decisões públicas.
4.5.1 Problemas de Escolha Coletiva
No interesse de quem o governo escolhe? O interesse público deveria ser o fundamento basilar das escolhas do governo, todavia, a prática demonstra que governo tende a beneficiar o interesse específico de seus eleitores ou financiadores em prejuízo do interesse que maximizaria o interesse coletivo (Xxxxxxxx & Xxxxxxxx, 2015, Xxxxxx, 2011b, 2015). A escolha do interesse público, às vezes, é de difícil aferição em um cenário de extremas deficiências por incompletude de mercado.
Como diferençar, então, por exemplo, se a escolha da construção da Ferrovia de Integração Oeste Leste na Bahia tem menos interesse público que o Ferroanel de São Paulo? São Paulo tem maior mercado e população em relação à Bahia, por outro lado, a redução das desigualdades regionais é um objetivo fundamental da Carta Política da República Federativa do Brasil (art. 3º, III, CF). A alegação de que o governo federal teria beneficiado um Estado da federação em prejuízo de outro por motivação político-partidário seria de dificílima comprovação. O custo desse controle é alto para a sociedade e os benefícios são difusos. Assim, o governo tem incentivos para direcionar, na prática suas escolhas por interesses político-partidários, em que pese, em teoria, justificar suas escolhas por interesse público.
Além disso, a concentração de competências da União no setor ferroviário tende a gerar um efeito carona por parte de Estados e Municípios, que tenderão a esperar que o orçamento federal seja utilizado para a solução de problemas que poderiam, tecnicamente, ser suportados pelos entes federados, em cooperação, em melhores condições do que o realizado pela União. Por exemplo, as estradas de ferro entre Rio de Janeiro e Espírito Santo (EF–118) ou Mato Grosso e Pará (EF–170) são, juridicamente, competência da União, em que pese, tecnicamente, serem de maior interesse local para esses dois Estados da federação. Estradas de ferro tendem a ser mais eficientes quanto maiores forem suas extensões, de maneira que as estradas de ferro mais úteis tendem a ultrapassar as divisas estaduais, atraindo a competência da União. Se a distribuição de competências fosse distribuída concorrentemente com os Estados–federados, os Estados não ficariam dependentes da União. Essas duas ferrovias constaram no PIL, mas, a União só está levando uma delas a frente. Rio de Janeiro e Espírito Santo podem ficar sem o investimento caso a União politicamente decida nunca os atender.
No modo ferroviário, a escolha coletiva é tomada em uma esfera muito longe do interesse local. A barreira jurídica pode ser maior que a barreira econômica ao investimento ferroviário. A escolha de prioridades não possui transparência adequada, de maneira que os controles sociais são escassos, pois, os custos de fiscalização e monitoramento da sociedade são elevados.
4.5.2 Problema Agente-Principal
Os eleitores não têm como monitorar plenamente os políticos eleitos. Além disso, os políticos eleitos não têm como monitorar os servidores que nomeiam para gerenciar as políticas públicas. Por isso, servidores e políticos podem, no exercício da função, buscar os seus objetivos individuais (ampliar poder político, enriquecer, trabalhar pouco, etc). Essa falha é conhecida como problema agente-principal e surge quando as duas partes têm interesses divergentes em ambiente de assimetria de informações (Xxxxxx, 2011b). A assimetria de informações é maior entre cidadãos e reguladores do que entre grupos de interesse e reguladores (Daychoum & Sampaio, 2017).
Dessa forma, o problema agente-principal é mais grave para os cidadãos do que para as administrações ferroviárias. A rejeição pelo mercado da solução VALEC para a intermediação da capacidade de carga entre operadores e exploradores ferroviários no modelo de open access criado pelo Decreto nº 8.129, de 23 de outubro de 2013, é um exemplo prático dessa falha de governo, tanto do problema agente-principal, quanto de sua solução, em razão da menor assimetria de informações entre as partes envolvidas.
No caso, o principal, a União Federal, por meio da Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, reestruturou o agente, a VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., na forma de empresa pública, sob a forma de sociedade por ações controlada pela União e vinculada ao Ministério dos Transportes, para construir, explorar e operar as ferrovias EF–151, EF–267, EF–334 e EF–354 (Art. 5º, 6º, 8º e 9º).
Em 2013, cinco anos após a reestruturação da VALEC, do total de 3.100 km previstos da EF– 151, entre Belém–PA e Panorama–SP, apenas 764 km, entre Açailândia–TO e Porto Nacional–TO estavam em operação. O trecho operacional, entretanto, não estava sendo explorado pela VALEC, mas sim pela empresa Vale/VLI, por meio de contrato de subconcessão.
Ademais, os cerca de 200km iniciais da linha entre Açailândia e Aguiarnópolis, não foi executado pela VALEC. As obras geridas pela VALEC, iniciaram-se entre 2003 e 2006,
situadas entre Aguiarnópolis–TO e Porto Nacional–TO (TCU, 2014). Ou seja, nem mesmo o trecho operacional, geralmente atribuído à VALEC, fora construído pela VALEC.
Aliás, a União não necessitaria, em tese, da VALEC para construção de estradas de ferro. Historicamente, a União, na administração direta, se valeu do Exército Brasileiro, por meio do 1º e do 2º Batalhão Ferroviário, que construíram cerca de 2.500 km de estradas de ferro, notadamente, ramais nas regiões sul e sudeste e a ligação ferroviária entre Uberlândia–MG e Brasília–DF (EB, 2017a e 2017b).
Na administração indireta, antes da reestruturação da VALEC em 2008, a União já contava, desde 2001, com o DNIT, autarquia legalmente competente para gerenciar a construção, ampliação, restauração e operação de ferrovias federais. Competência que nunca foi extinta, nem mesmo após a reestruturação da VALEC. Note-se que, juridicamente, a competência ferroviária do DNIT é mais ampla que a da VALEC. Nos termos legais69, o DNIT tem competência sobre todas as ferrovias federais, enquanto a VALEC tem competências sobre rol limitados de ferrovias. Porém, na prática, a VALEC exerceu maior protagonismo na construção e no projeto dos novos ramais a ela outorgados, enquanto o DNIT manteve-se, notadamente, adstrito à atualização ou à manutenção de ramais ferroviários arrendados as administrações ferroviárias privadas.
Em 2013, quando o Decreto de instituição da política de livre acesso (open access) foi publicado, as demais ferrovias legalmente outorgadas à empresa pública VALEC estavam em atrasados estágios de planejamento e construção, alguns com graves acusações de corrupção e superfaturamento. Se a VALEC não era, essencialmente, necessária para a construção e exploração da rede ferroviária federal, que, legal e tradicionalmente, já vinha sendo construída e explorada por outros órgãos e entidades da administração federal e empresas concessionárias privadas, então, poder-se-ia pensar que o papel principal da nova estatal seria a operação de serviços ferroviários, a exemplo da extinta RFFSA. Todavia, essa atividade foi subconcedida, mediante contrato, à empresa privada Vale/VLI. Assim, para que serveria a empresa VALEC? O interesse do principal ao reestruturar a VALEC era a construção, exploração e operação de um rol específico de estradas de ferro. Finalidade que a VALEC não executa com eficiência.
A análise dos investimentos federais realizados pelo governo no setor ferroviário, para expansão da malha de estradas de ferro, notadamente, nos trechos outorgados à empresa
69 Competências estabelecidas pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 (art. 81 e 83).
pública VALEC, revelam que a União sequer consegue alcançar suas próprias metas físicas (Xxxxx & Xxxxxxxxxx Xxxxx, 2016).
Na tabela 4.8, vê-se que os percentuais de 36% e 24% de execução, correspondentes ao PPA de 2008–2011 e ao 2012–2015, atestam a incapacidade governamental e setorial de dar efetividade às obras de infraestrutura ferroviária programadas.70 A realização financeira do PPA 2008–2011 sequer alcançou 50% do previsto e, no PPA seguinte, embora atingidos 82% do projetado, foram entregues apenas 24% da meta física.
Tabela 4.8 Investimentos federais em ferrovias - PPA 2008–2011 e 2012–2015
Plano Plurianual (PPA) | 2008–2011 | 2012–2015 | ||||
Previsto | Realizado | Percentual | Previsto | Realizado | Percentual | |
Construção de Ferrovias (km) | 2.518 | 909 | 36% | 4.546 | 1.088 | 24% |
Recursos (R$ mil) | 7.530 | 3.082 | 41% | 10.183 | 8.309 | 82% |
Fonte: Xxxxxxx Xxxxx, 2016.
Considerando a ineficiência e superposição de competências da empresa pública, não seria mais econômico para o principal reduzir as competências do agente ou mesmo extingui-lo, a exemplo do que já se havia feito com a RFFSA, com benefícios fiscais e de produtividade? Ao contrário, a escolha do governo foi ampliar as competências da VALEC para um novo campo, nunca explorado pela empresa pública, o de intermediação da capacidade de carga entre as concessionárias ferroviárias e as futuras operadoras ferroviárias. O governo foi convencido pelo agente que o mais adequado a ser feito no interesse do principal era ampliação do orçamento do agente.
Contudo, esse entendimento foi veementemente rejeitado pelas administrações ferroviárias, devido, possivelmente, a menor assimetria de informações. As empresas concessionárias formalmente rejeitaram a solução VALEC em razão do elevado risco fiscal de inadimplência por parte da União em honrar os compromissos.
4.5.3 Inexistência de Incentivos a Eficiência
A escolha das prioridades da União, no modo ferroviário é, ao longo dos diversos governos tem sido, aparentemente, motivada por interesses estratégicos e político-partidários, que, em geral, tenderam a gerar aumento de gastos públicos sem a respectiva prestação de serviços públicos. Xxxxxxxx & Xxxxxxxx (2015) explicam o desincentivo a eficiência do gasto público com uma lógica simples: o Estado gasta o dinheiro de terceiros com outros terceiros, o gasto
70 Xxxxxxx Xxxxx, A. P. (2016) Análise dos Programas de Investimentos no Transporte Ferroviário de Cargas: PPA’S 2008/2011 – 2012/2015. Dissertação de Mestrado em Transportes, Publicação X.XX – 021/2016, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 102 p.
público, por natureza, não tem incentivos para ser econômico nem de qualidade. Para Xxxxxxxx & Xxxxxxxx (2015) o gasto com maior incentivo para ser eficiente é o gasto privado, pois os fundos são do agente econômico gasto com ele próprio.
Veja-se por exemplo, os gastos do governo com projetos de novas ferrovias. Quanto já foi gasto apenas nos projetos do trem de alta velocidade, ferrovia Brasília-Goiânia, Brasília- Luziânia, Ferroanel de São Paulo? Nenhum desses projetos resultou em efetiva construção das ferrovias. Como não há competição real de nenhum tipo nesse campo, já que o monopólio da iniciativa é estatal, não há incentivos para que os projetos cheguem a um termo razoável, não há sequer termos de comparação da eficiência desses projetos já que nenhum deles chega a ser posto a prova.
Além disso, Xxxxxxxx & Xxxxxxxx (2015) apontam a corrupção como resultado da falta de incentivos a eficiência. O setor ferroviário estatal é cheio de exemplos nesse sentido, tanto no Brasil, com os notórios casos de corrupção da Valec, que resultaram na prisão de seu Presidente, quanto na China, que resultaram na prisão do Ministro Xxx Xxxxxx, sentenciado a morte (Yin-Nor, 2015).
O setor ferroviário, assim como os demais de infraestrutura de transportes, sofre por falta de transparência, e não são claras para a sociedade as prioridades do governo e as escolhas que as promoveram. A experiência mais exitosa, nesse campo, se deu com o Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT), que foi editado e atualizado em 2007, 2009 e 2011, sendo posteriormente descontinuado. Por meio do PNLT era possível não apenas ao mercado, mas também à sociedade, estimar quais as motivações e as prioridades do governo. Assim, os agentes econômicos privados podiam direcionar seus investimentos em convergência com o planejamento estatal. Todavia, nos últimos anos, as sinalizações econômicas do governo têm sido contraditórias.
Nesse sentido, o veto aos anexos da Lei nº 12.379, de 6 de janeiro de 2011, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Viação (SNV) foi um duro golpe à transparência do planejamento público no setor de infraestruturas de transportes. O Anexo III, por exemplo, listava 45.469 km de linhas férreas federais, entre estradas implantadas e planejadas, e foi vetada, alegadamente, por não refletir o planejamento viário nacional. Segundo a Mensagem de Veto, os anexos deixaram de incluir projetos constantes do PNV e fundamentais para o desenvolvimento do País, alguns, inclusive, integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.