ISABELLA FRANCHINI MEIRA
INSPER PROGRAMA DE ENSINO
XXXXXXXX XXXXXXXXX XXXXX
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO: Inovação ou Extinção?
São Paulo - SP 2017
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO: Inovação ou Extinção?
Trabalho de conclusão de Curso, especialização em Contratos; INSPER Programa de Ensino; LLM em Direito Contratual
Orientador: Rodrigo Fernandes Rebouças
São Paulo - SP 2017
XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx.
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO: Inovação ou extinção? Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx – São Paulo, 2017.
LLM – Contratos – Insper, 2017. Orientador: Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx
1.Contratos. 2. Contrato de distribuição. 3. Inovações legislativas
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO: Inovação ou Extinção?
Trabalho de conclusão de Curso, especialização em Contratos; INSPER Programa de Ensino; LLM em Direito Contratual
Data da aprovação: / /
BANCA EXAMINADORA
Diante do atual cenário econômico brasileiro, no qual diversas empresas “fecharam as portas”, o escoamento da produção é tema que ganha relevância, dentre as diversas formas de os empresários fazerem com que seus produtos cheguem aos consumidores temos o contrato de distribuição, relação comercial atípica e complexa. O presente trabalho tem por objetivo analisar as relações firmadas entre fabricantes de distribuidores, a luz da legislação vigente, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Partindo das características dessa relação comercial, o artigo aponta as dificuldades normalmente enfrentadas pelos contratantes e uma possível solução diferente da que caminhamos atualmente.
Palavras-chave: Contratos – Contrato de Distribuição – Legislação – Jurisprudência
– Projeto do Código Comercial – Projeto de Lei n.º 7.477/2014
In view of the current Brazilian economic scenario, in which several companies "closed the doors", the flow of production is a subject that gains relevance, among the ways entrepreneurs can make their products reach consumers we have the distribution agreement, complex relationship. Based on the characteristics of this commercial relationship, the article points out the difficulties normally faced by contractors and a possible solution different from what we are currently facing.
Keyword: Contract – Distribution Agreement – Lex – Case Law – Project of Comercial Codex Comercial – Law project n.º 7.477/2014
SUMÁRIO
1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO 3
2 DIFERENÇAS ENTRE O CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E OS DEMAIS CONTRATOS NOMINADOS 6
2.1 Contrato de distribuição x contrato de representação comercial 6
2.2 Contrato de distribuição x contrato de sociedade 7
2.3 Contrato de distribuição x contrato de fornecimento 8
2.4 Contrato de distribuição x contrato de franquia 8
2.5 Contrato de distribuição x contrato de comissão mercantil 9
3.1 Obrigações dos contratantes 12
3.2 Da autonomia da vontade nos contratos de distribuição como fator para controvérsias contratuais 13
4 CLASSIFICAÇÃO JURISPRUDENCIAL 17
5 PROJETO DO CÓDIGO COMERCIAL 21
5.1 O contrato de distribuição no projeto do Código Comercial 23
6 PROJETO DE LEI 7.477/2014 25
INTRODUÇÃO
A distribuição é um fenômeno, do ponto de vista econômico, que se destina a levar bens e serviços aos consumidores, um produto não existe para o consumidor enquanto não for informada e sua existência e preço. A distribuição leva o produto ao consumidor, razão pela qual é de extrema importância para economia nacional.
O sucesso de um produto está diretamente ligado a publicidade e a uma eficiente rede de distribuição, pois de nada adianta a qualidade e a divulgação se o produto não chegar na mão do consumidor. Esta é a razão pela qual os empresários se preocupam com o meio pelo qual farão seus produtos chegaram aos potenciais consumidores.
Há um vasto leque de opções de formar de escoamento de produção, uma delas é a própria empresa fabricante colocar, de forma direta, seus produtos no mercado de consumo, trata-se da chamada venda direta. Outras empresas preferem colocar seus produtos utilizando-se de intermediários, a chamada venda indireta.
A alternativa da venda indireta é especialmente vantajosa às empresas internacionais, que não conhecem o mercado de consumo em que atuarão, já que caso optassem pela venda direta precisariam formar uma rede de fornecedores confiáveis, conseguir executivos locais para cargos “chave”, adaptar conceitos à cultura local, adaptar seu conceito à cultura local, entre outros fatores complicadores. A figura dos intermediários pode dar-se de diversas formas, como distribuição, comissão mercantil, mandato mercantil, corretagem, representação comercial, agência, franquia etc. Devido à proximidade desses contratos, todos visam o escoamento da produção industrial, doutrina e jurisprudência discutem, e divergem,
sobre semelhanças e diferenças.
Nesse contexto, o presente artigo buscou analisar as relações firmada entre fornecedores e distribuidores, exceto as relações de distribuição de veículos automotores, a partir da legislação vigente, jurisprudência e projetos de Lei (Código Comercial e Lei 7.477/2014).
A importância dos contratos de distribuição extrapola os interesses entre as partes contratantes, é de interesse público que tais relações aconteçam de forma adequada e incentivada, ainda mais num país como o Brasil, com área vasta área
geográfica, nós, consumidores, dependemos, muitas vezes, de tais relações para que os bens cheguem até nós.
Indaga-se: (i) a atipicidade deste tipo contratual é causa de insegurança jurídica para os contratantes? (ii) até que ponto a legislação vigente atende às necessidades dos contratantes? (iii) as controvérsias resolvidas pelo judiciário apresentam entendimentos unânimes? (iv) é necessária a promulgação de lei específica para regular essa relação comercial?
Para obter respostas às indagações acima, o artigo analisa, num primeiro momento as características e principais polêmicas acerca dos contratos de distribuição e, por fim, como as inovações legislativas podem contribuir de forma positiva ou negativa à sobrevivência deste tipo de relação comercial.
1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
Para entendermos melhor um tipo contratual, necessário se faz a análise de sua natureza jurídica e legislação aplicável.
Iniciaremos tecendo comentários acerca das distinções conceituais doutrinárias. A palavra “distribuição” tem caráter jurídico polissêmico, ou seja, representa diversas realidades jurídicas, ora como gênero contratual, ora como subespécie dos demais gêneros. A dificuldade de uma classificação única resulta controvérsias no meio jurídico.
A dificuldade em conceituar distribuição não é exclusiva do meio jurídico, basta buscarmos no dicionário significada do vocábulo “distribuição”: ato de distribuir, repartição, espalhar por vários sentidos, lançar para pontos diversos, para termos a correta dimensão das variáveis do termo.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx0 explica que a palavra distribuição é daquelas que o direito utiliza em vários sentidos. Há uma ideia genérica de distribuição como processo de colocação de produtos no mercado, aí teremos o contrato de distribuição como gênero, a que pertencem os mais variados negócios jurídicos, como comissão mercantil, mandato mercantil, representação comercial, fornecimento, revenda, concessão comercial, franquia comercial, entre outros, todos voltados para o objetivo final de alcançar e ampliar a clientela.
Em que pese as possíveis variações do ato de distribuir, há um sentido mais restrito, qualificado pela lei como contrato de agência e distribuição, o Capítulo XII do Código Civil de 2002 é reservado para disciplinar tal negócio jurídico.
Segundo disposto no artigo 710 do Código Civil de 2002, o contrato de agência é caracterizado quando uma pessoa, denominada agente, assume em caráter não eventual, e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover negócios, à conta de outrem, mediante retribuição, em zona exclusiva, e diferencia este do contrato de distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.
É da essência do contrato de distribuição a compra dos produtos pelo distribuidor do fabricante, veja que o legislador distingue distribuição de agência justamente pela disponibilidade da mercadoria a ser negociada.
1 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Contrato de Agência e Distribuição no Novo Código Civil, Revista Síntese de Direito Civil e Processo Civil, Porto Alegre, Síntese, ano IV, n. 24, jul./ago. 2003, p.111.
Outra questão relevante, trazida por Xxxxx Xxxxxxxx0 é a figura do fornecedor, pode ele ser ou não o produtor da mercadoria negociada, podendo ser um industrial ou um intermediário do comércio. Assim, contrato de distribuição pode ser celebrado tanto entre o industrial e o distribuidor, como entre o distribuidor e outros agentes de comércio que distribuirão o produto no mercado.
A figura do adquirente pode ser tanto um consumidor, nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, como terceiro que não se enquadre nesta definição, ou mesmo outro distribuidor.
O conceito legal demonstra tratar-se-á de um contrato sinalagmático, na medida em que impõe obrigações tanto ao contratante como ao contratado. Os contratantes devem, necessariamente, exercer atividade empresária, ou seja, exercer atividade econômica organizada, com habitualidade e intuito lucrativo, para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, nos termos do artigo 966 do Código Civil de 2002.
Ainda sobre conceituação, o contrato de distribuição deve ser oneroso e consensual, já que é da sua essência a compra de produtos pelo distribuidor. Trata- se de um contrato não solene, não há forma prescrita em lei, pode, inclusive, ser firmado verbalmente. Não exige a emissão de documento ou forma específica para ser celebrado, uma vez que as relações mercantis são por definição ágeis. Respeitada, é claro, a doutrina do professor Xxxxxxx Xxxxx, para quem o contrato deve sempre ser celebrado por instrumento particular, dada complexidade da relação.
Em que pese ser um contrato nominado é atípico, na medida em que a legislação vigente não estabelece regras suficientes para tipicidade deste tipo contratual. A ausência de regras específicas nos remete as regras gerais do direito dos contratos para regular esse tipo de relação.
A atipicidade é defendida por Xxxxxxx Xxxxx0, para quem “a distribuição, no sentido de revenda de bens por conta e risco do distribuidor, permanece contrato atípico no direito brasileiro, à exceção da revenda de veículos automotores”.
Outro requisito imprescindível à caracterização deste tipo de negócio jurídico é a habitualidade, necessariamente a relação entre as partes deve ser de
2 XXXXXXXX, Xxxxx. Contrato de Distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005ª. Op. Cit. Pg. 59 3 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. Pg. 465
execução continuada, nos dizeres de Xxxxx Xxxxxxxx0 “a peculiaridade do contrato de distribuição reside no fato de abarcar operações de compra e venda mercantil, de caráter não eventual, mas sim habitual (estável) ”
Conclui-se, logo, que contrato de distribuição é mercantil, já que firmado entre empresários, com intuito lucrativo, sinalagmático, oneroso, consensual, não solene, em que pese recomendar-se a contratação por instrumento particular, nominado e atípico.
No que se refere à forma de contratação dar-se-á por adesão ou paritário, no segundo os contratantes negociam os termos do contrato. Não necessariamente os contratos firmados entre o fabricante e seus distribuidores deve ser igual, desde que seja respeitada a igualdade de tratamento entre os distribuidores.
Já que, conforme mencionado, é um contrato atípico, cuja regulação deve ser extraída das normas gerais de direito contratual, logicamente as contratações por adesão são reguladas pelos artigos 423 e 424 do Código Civil.
A distribuição dos produtos é de tamanha relevância ao industrial, ou fabricante, que os contratos são calcados na confiança, cooperação e boa-fé, os contratantes devem objetivar interesses comuns, qual seja o escoamento da produção e a colocação do produto no mercado, ambos geram lucros para ambas as partes. O proveito do distribuidor é a diferença entre o preço do produto adquirido e o preço da revenda ao terceiro.
Vale o destaque de que a revenda do produto, pelo distribuidor ao terceiro, não é condição sine quo non dos contratos de distribuição, o contrato de distribuição existe e subsiste independente do distribuidor vender ou não a mercadoria adquirida, são relações diferentes. A relação do fornecedor e do distribuidor é uma (contrato de distribuição), ao passo que a relação entre distribuidor e terceiro adquirente é outra (normalmente contratos de compra e venda).
Nesse sentido, o terceiro adquirente não tem relação contratual com o fornecedor, em que pede poder responsabilizá-lo em caso de vício ou defeito, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
4 XXXXXXXX, Xxxxx. Contrato de Distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005ª. Op. Cit. Pg. 32
2 DIFERENÇAS ENTRE O CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E OS DEMAIS CONTRATOS NOMINADOS
2.1 Contrato de distribuição x contrato de representação comercial
A distinção entre os contratos de distribuição e os contratos de representação comercial vai muito além de conceitos jurídicos, é de extrema relevância aos agentes econômicos, em especial pela indenização devida em caso de contratual unilateral e imotivada do fabricante.
O negócio jurídico intitulado representação comercial é regulado pela Lei 4.886 de 1965, os elementos indispensáveis nessa figura contratual estão dispostos no artigo 275, dentre eles é regulada a questão da indenização devida ao representante nas hipóteses de rescisão imotivada do contrato pelo fabricante, nestes casos a indenização não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
De outro lado, nos contratos de distribuição não há valores de indenização mínimos, deve ser respeitado o disposto no artigo 743 do Código Civil, em especial o parágrafo único que estabelece ao fabricante a obrigação de, nas denúncias unilaterais, respeitar prazo mínimo para que o distribuidor possa recuperar o investimento despendido.
5 Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente:
a) condições e requisitos gerais da representação;
b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação;
c) prazo certo ou indeterminado da representação;
d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação;
e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona;
f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos;
g) os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade;
h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes:
i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado;
j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
Inegável, portanto, a correta diferenciação entre os tipos contratuais, sob pena de trazer insegurança jurídica aos empresários. Como, então, distinguir os dois tipos contratuais?
Aparentemente a jurisprudência não encontra dificuldades nesta diferenciação, os contratos de representação comercial são caracterizados, essencialmente, pela retribuição, neste negócio jurídico o representante aproxima o fabricante dos adquirentes, recebendo uma comissão pelas vendas efetuadas. É xxxxx a figura do representante como mero intermediador no processo de compra e venda entre o fabricante e o adquirente.
De outro lado, conforme já explanado, o distribuidor não age como mero intermediador, ele adquire as mercadorias do fornecedor e revende aos terceiros interessados. O distribuidor adquire os bens em nome próprio e tira proveito econômico da diferença entre o preço que pagou e o preço que revendeu. O distribuidor, salvo disposição em contrário, tem liberdade para definir o preço de revenda.
Verifica-se, portanto, que se tratam de negócios jurídicos distintos, respeitados os entendimentos contrários, como o do professor Xxxx Xxxxxxx0, para quem:
“No Código Civil de 2002, o título do Capítulo XII, que encabeça os arts. 710 a 721 é “Da agência e distribuição”. Esse título não é dos mais felizes. À primeira vista, o emprego da conjunção “e” pode levar o leitor a pensar, erroneamente, que o Capítulo trata de dois contratos distintos: contrato de agência e contrato de distribuição. Na verdade, o Capítulo XII, que encabeça os arts. 710 a 712, trata do mesmo velho, conhecido e consagrado contrato de representação comercial, regulado pela Lei n.º 4.886, de 09.12.1965, que “regula as atividades dos representantes comerciais autônomos”
2.2 Contrato de distribuição x contrato de sociedade
Embora o contrato de distribuição caracterizar-se-á pelo intuito comum entre os contratantes, este não guarda relação com o contrato de sociedade, visto que este último prescinde de formalidades essenciais, sem as quais não há relação societária.
6 XXXXXXX, Xxxx. Contratos e Obrigações Comerciais, ed. ver. e aum. Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 261.
Neste ponto a Doutrina é unânime. Citamos os ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxx0 para o qual só há sociedade se houver a soma do intuito comum; contribuição dos sócios para alcance deste objetivo e affectio societatis, que deve ser entendida como a divisão de lucros e perdas.
Nos contratos de distribuição não há affectio societatis, na medida em que cada um dos agentes econômicos busca auferir lucro de suas atividades, o fornecedor da venda para o distribuidor, e este da venda para terceiros interessados. As vantagens são individuais, não há figura de lucro a ser partilhado.
2.3 Contrato de distribuição x contrato de fornecimento
A distinção entre os contratos de distribuição e contratos de fornecimento é uma questão sensível e controvertida, em linhas gerais, a diferença está na ênfase das obrigações e dos produtos comercializados. Normalmente os contratos de fornecimento envolvem comercialização de matéria-prima, que será empregada no processo produtivo, ao passo que nos contratos de distribuição a mercadoria são bens de capital, de consumo, prontos para circulação no mercado.
Conclui-se, então, que a ênfase dos contratos de fornecimento é aproximar produtores de insumos e industriais; e a ênfase dos contratos de distribuição é colocar o produto dos fornecedores no mercado de consumo.
2.4 Contrato de distribuição x contrato de franquia
Segundo definição extraída do artigo 2º da Lei 8.955 de 1994:
“franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”
7 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
O conceito legal muito se aproxima do intuito dos contratos de distribuição, ambos visam o escoamento de bens, entretanto, os contratos de franquia são mais abrangentes, em especial porque envolvem transferência de know-how da franqueadora para franqueada.
Além da transferência de know-how, nos contratos de franquia o franqueado pode ser o próprio produtor de bens e serviços, nos de distribuição não.
Dada importância dos contratos de franquia, e para colocar uma “pá de cal” em confusões contratuais, o direito brasileiro regulou este negócio jurídico em lei especifica, Lei n.º 8.955 de 1994.
2.5 Contrato de distribuição x contrato de comissão mercantil
Talvez essa seja a distinção mais difícil dentre os contratos nominados. Segundo Xxxxxx Xxxxxxx0 “o contrato de comissão pode ser conceituado como sendo aquele pelo qual o comissário realiza a aquisição ou venda de bens, em seu próprio nome, à conta do comitente (art. 693 do CC).”
Da definição do professor Xxxxxx Xxxxxxx é possível extrairmos a primeira diferença entre o contrato de comissão e o contrato de distribuição comercial, no primeiro, o comitente – contratado – pode vender ou adquirir bens em nome do comissário, de outro lado, os contratos de distribuição são marcados pela aquisição de bens pelo distribuidor para revenda, ou seja, o distribuidor não adquire bens em nome do fornecedor e/ou industrial, mas sim adquire os bens produzidos por eles para revenda no mercado.
Outro fator distintivo refere-se à autonomia, nos contratos e comissão mercantil, em que pese haver autonomia do comitente para desenvolvimento de suas atividades, o mesmo é obrigado a agir conforme as ordens e instruções do comissário (artigo 695, caput, do Código Civil). Ao distribuidor a lei não exige a mesma obrigação, salvo se houver disposição específica em contrato.
Por fim, certamente a questão que diferencia os dois negócios jurídicos, é a retribuição, conforme mencionada em tópicos anteriores, a retribuição do distribuidor resulta da diferença entre o valor de aquisição e o valor de revenda, nos contratos de
8 TARTUCE, Flavio. Teoria Geral dos Contratos em Espécie. Vol. 03. São Paulo: editora Método. 8ª edição. op.cit. fls. 519 e 520.
comissão mercantil, como o próprio nome diz, a remuneração é por comissão, o comitente é remunerado por comissão calculada sobre sua atuação.
3 LEGISLAÇÃO
Conforme anteriormente mencionado, trata-se de contrato atípico misto, sendo aplicáveis tanto as regras dos contratos típicos, no que couber, como as regras gerais de direito contratual.
Importante destacar que a distribuição de veículos terrestres, entendida como concessão mercantil, em que pese não ser objeto deste trabalho, é regulada por lei específica (Lei 8.132/90 – Lei Ferrari), logo, não se aplica o raciocínio exposto no parágrafo antecedente.
As regras gerias de direito contratual estão expostas no Título V, Capítulo I do Código Civil. Quanto às regras específicas, o Capítulo XII, Título VI do mesmo diploma legal, trata, em conjunto, dos contratos de agência e distribuição, não obstante, serem negócios jurídicos distintos, conforme já mencionado.
O Legislador Civilista não foi feliz ao tentar diferencias agência de distribuição, pois não é apenas a disponibilidade da coisa a ser negociada o único fator distintivo, já que muitas vezes o representante comercial, ou o agente, possui o produto a ser negociado, na qualidade de depositário. A palavra disposição do artigo 710 do Código Civil deve ser entendida como compra, o elemento essencial para caracterização do contrato de distribuição é a compra dos produtos pelo contratado.
No que se refere à exclusividade, como elemento essencial, temos que tal regra não se aplica aos contratos de distribuição, sendo, portanto, faculdade dos contratantes estabelecer ou não regras de exclusividade. O Artigo 711 do Código Civil é bastante claro ao estabelecer exclusividade apenas ao agente. Se estabelecidas regras de exclusividade, segundo dispõe o artigo 714 do Código Civil, o distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios firmados em sua zona, mesmo que sem a sua interferência.
A mesma lógica é a da subordinação, já que o distribuidor não está obrigado a seguir as instruções do contratante, salvo disposição em contrário.
A autonomia dos distribuidores é notada na redação do artigo 713 do Código Civil, já que o mesmo suporta todas as despesas da distribuição, e assume os riscos de sua atividade. Mais uma vez, salvo disposição em contrário.
A autonomia dos distribuidores não exclui a responsabilidade do contratante por atos que prejudiquem ou impeçam a revenda dos bens, tais como aumento de preço, alterações de qualidade, entre outros. Tal responsabilidade decorre do princípio da boa-fé contratual.
Os artigos 716 a 719 do Código Civil referem-se exclusivamente aos contratos de agência, isto não significa que o distribuidor não tem direito à indenização, já que aos contratos de distribuição se aplicam as regras gerais comerciais, dentre elas os artigos 186 e 187 que tratam da responsabilidade por ato ilícito.
O artigo 721 do Código Civil não me parece ter grande relevância para os contratos de distribuição, isso porque, determina a aplicação, no que couber, das regras atinentes ao mandato e à comissão, que mais se aproximam dos contratos de agência, e as constantes em lei especial, que em sua grande maioria não são aplicáveis aos contratos de distribuição.
3.1 Obrigações dos contratantes
A compra de mercadorias do fabricante pelo distribuidor, induz à conclusão de que as obrigações das partes se limitam à entrega do produto adquirido e ao pagamento do preço acordado, como se compra e venda fosse, entretanto, as obrigações vão além. Ao distribuidor incumbe o dever de vender os bens adquiridos no mercado e, para tanto, empreender todos os esforços necessários. O fabricante não pode, sem justa causa, cessar os pedidos do distribuidor, sob pena de caracterizar ato ilícito passível de indenização, não pode, igualmente, aumentar os preços, ou diminuir os preços de revenda, de modo a prejudicar o lucro do consumidor, se o fizer responderá pelas perdas e danos.
Existem outros deveres e obrigações acessórias, oriundas de regras gerais de direito comercial, que são aplicáveis ao contrato de distribuição, como, por exemplo, dever de confidencialidade das informações, respeito à propriedade intelectual, manter estoque mínimo, organização administrativa, apresentação de relatórios entre outras.
Outra obrigação comum é a estipulação de quota mínima em benefício de ambas as partes, para o fabricante assegura quantidade de vendas mínimas, ao passo que para o distribuidor assegura previsibilidade do mínimo de bens para venda.
O artigo 715 do Código Civil, que estabelece o direito à indenização nos casos de interrupção por parte do fornecedor deve ser interpretado pelo Julgador caso a caso, já que, em grande maioria, são contratos de longa duração que precisam ser adequados às alterações fáticas, sem que isso represente afronta à lei.
Por fim, nos contratos de distribuição firmados entre estrangeiros deve ser determinada qual será a legislação aplicável, o foro de eleição ou cláusula arbitral.
3.2 Da autonomia da vontade nos contratos de distribuição como fator para controvérsias contratuais
Conforme já abordado, o contrato de distribuição é atípico, e por assim ser, confere maior liberdade aos contratantes para dispor sobre as cláusulas contratuais. Se por um lado a autonomia da vontade permite as partes contratar da forma que melhor lhes atender, por outro é causa de diversas controvérsias. As cláusulas mais questionadas no Judiciário são as que regulam responsabilidade, exclusividade e extinção dos contratos.
É comum a estipulação de cláusulas limitativas de responsabilidade, são cláusulas válidas, fundamentadas no princípio da autonomia da vontade. No entanto, a aplicação destas deve respeitar os interesses públicos, a força obrigatória dos contratos e ausência de dolo ou culpa por qualquer das partes.
Exemplo de cláusula limitativa de responsabilidade são as que afastam a aplicação das leis trabalhistas, em regra não há subordinação entre fabricante e distribuidor (artigo 710 do Código Civil), o que não impede eventual reconhecimento de vínculo se comprovado que, na prática, estão presentes os requisitos caracterizadores de relação de trabalho.
Ainda em relação ao aspecto trabalhista, é comum a estipulação de cláusula que afaste a responsabilidade subsidiária do fabricante pelo pagamento de verbas trabalhistas não pagas pelos distribuidores aos seus funcionários, justamente por não estarem presentes os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
No que se refere à qualidade dos produtos revendidos, o fabricante responde pelos danos oriundos de defeito, salvo se decorrer da atuação do distribuidor. Importante ressaltar que ao consumidor é permitido acionar todos os integrantes da cadeia de produção caso haja defeito no produto adquirido, razão pela
qual é de extrema importância estabelecer regras para as responsabilidades de cada uma das partes e formas de reembolso.
A definição da área de atuação do distribuidor, chamada cláusula de exclusividade, conforme já mencionado, não é obrigatória nos contratos de distribuição, decorre, portanto, da vontade das partes ou dos usos e costumes do segmento. A exclusividade se reveste de várias formas, pode ser exclusividade de revenda, o distribuidor só pode revender produtos de um fabricante e/ou o fabricante só pode vender seus produtos por intermédio de um distribuidor, exclusividade territorial e temporal, entre outras formas.
Nos dizeres do professor Xxxxxxx Xxxxxxx0 “a exclusividade, assim, favorece tanto ao concessionário, eis que estabelece um relativo monopólio a seu favor, como ao concedente, vez que exclui a sua atividade em relação aos produtos concorrentes”.
A exclusividade está diretamente relacionada as normas de direito concorrencial, na medida em que serve como instrumento restritivo ou limitativo das relações concorrenciais. Predomina no judiciário o entendimento pela licitude das cláusulas de exclusividade, entretanto, se demonstrada sua utilização abusiva ou prejudicial, a qualquer das partes, poderá ser declarada nula e passível de indenização por perdas e danos.
Por fim, no que se refere as cláusulas de vigência e extinção dos contratos de distribuição, entendemos pela possibilidade de o contrato ser firmado por prazo indeterminado ou determinado.
Porém, considerando que as regras diferem para extinção dos contratos determinados ou indeterminados, sendo certo que para os primeiros, já que presente a previsibilidade do termo final, as regras são mais brandas, se restar comprovado que os contratos com prazos curtos e renovações automáticas são meio para mascarar relações, em verdade, fixadas por prazo indeterminado, as cláusulas de vigência e extinção são declaradas nulas e devem ser aplicadas as disposições referentes aos contratos por prazo indeterminado.
9 XXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 12ª ed. rev. Atualizada. Rio de Janeiro: Forense. 2011. op. cit. pg. 744.
Os contratos de distribuição por prazo determinado se extinguem pelo decurso do prazo determinado, sem que reste direito à indenização por qualquer das partes, haja vista a previsibilidade do término.
Os contratos de distribuição podem se extinguir por: resilição, unilateral ou bilateral, rescisão (denúncia voluntária) ou resolução (denúncia involuntária).
A resilição é a rescisão do negócio por simples manifestação, unilateral ou bilateral, de vontade. Nesta hipótese não está presente a figura do inadimplemento, razão pela qual não há, em regra, dever de indenizar. Se a resilição for bilateral pouco importa ser contrato por prazo determinado ou indeterminado, a única exigência é que se dê da mesma forma que contratado.
Nos contratos por prazo determinado, seria impossível admitir sua resilição unilateral por denúncia, já que a rescisão caracteriza descumprimento contratual, e seria sempre abusiva, de modo a permitir que a parte lesada pleiteie a resolução do contrato, por inadimplemento, cumulada com perdas e danos.
O cenário é outro nas hipóteses de resilição unilateral, se por prazo indeterminado a resilição é meio lícito de pôr termo ao contrato, a parte que desejar rescindir tem o dever de notificar com 90 (noventa) dias de antecedência e, nos termos do artigo 720 e 473 do Código Civil, desde que tenha transcorrido prazo mínimo compatível com a natureza e vulto do investimento exigido do distribuidor.
Respeitados os entendimentos contrários, para alguns autores deve haver justa causa para resilição unilateral dos contratos de distribuição por prazo indeterminado, é como entendem Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
“Na Denúncia unilateral dos contratos de distribuição vigentes indeterminadamente, entretanto, impõe-se a concessão de aviso prévio, com antecedência adequada e compatível com o vulto e com a duração do negócio de distribuição. Mas observados esses requisitos impostos pela boa- fé e a lealdade, a denúncia do contrato é direito fundado nas mesmas razões econômicas e morais que justificam a extinção do contrato no termo ajustado previamente pelas partes. Lembre-se de que a provisoriedade do contrato de distribuição é da sua essência, e não coaduna com os princípios gerais do direito privado a sujeição eterna do indivíduo a uma relação contratual.”10
Vale o destaque de que o prazo de aviso prévio não se confunde com o prazo necessário para retorno do investimento, já que possuem finalidades distintas,
10 Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, ob., cit., p. 26.
o primeiro objetiva a restruturação do negócio, o segundo objetiva a recuperação dos investimentos. O desrespeito ao aviso prévio gera direito a indenização, se desrespeitado o prazo mínimo para retorno do investimento a denúncia unilateral não produz efeitos.
A indenização devida nas hipóteses de descumprimento do período de aviso prévio mínimo (90 dias), se não houver disposição contratual, o que se recomenda, será fixada pelo Judiciário.
A grande controvérsia paira sobre o arbitramento de prazo razoável para retorno dos investimentos, porque ao julgador é muito difícil identificar o percentual de lucro por período, já que varia de acordo com o segmento e natureza dos investimentos realizados.
Por fim, a extinção pode se dar por rescisão, ou resolução voluntária, que decorre do inadimplemento de uma das partes, havendo, em regra o dever de indenizar. Ou por resolução, que é a rescisão involuntária, decorrente de eventos externos a vontade das partes, como caso fortuito ou força maior.
4 CLASSIFICAÇÃO JURISPRUDENCIAL
A correta classificação dos contratos de distribuição é de extrema importância, em especial ao voltarmos os olhos para questão da segurança jurídica, elemento indispensável à atração de investimentos externos em nosso país.
Além das questões conceituais, a correta classificação implica, diretamente, nas regras que serão aplicadas pelo Judiciário para solução de conflitos, o predomínio do entendimento de que os contratos de agência e distribuição, regulados pelo Código Civil de 2002, nada mais são do que uma “nova denominação” dos contratos de representação comercial, regulados por lei especial, implica na aplicação das regras especiais (Lei n.º 4.886/65), em detrimento das regras gerais do Código Civil de 2002.
Dentre as regras especiais, a rescisão imotivada merece atenção, e será adiante melhor abordada, pois segundo dispõe a lei de representação comercial (Lei n.º 4.886/65) é devida ao representante indenização pela rescisão do contrato, exceto as hipóteses previstas no artigo 35 desta lei, que não poderá ser fixada em montante inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o período contratual.
De outro lado, nos contratos de distribuição, o Código Civil (art. 720) não prevê parâmetros mínimos de indenização em caso de rescisão imotivada, apenas garante ao distribuidor o respeito ao prazo para recuperação dos investimentos.
As diferenças no que se refere a regra de indenização são sensíveis e impactantes economicamente, em especial nos momentos de crise, como o que o país atravessa, nos quais é de tamanha importância a atração de investimentos externos para retomada da economia.
Nesse sentido, a jurisprudência desenvolve um papel bastante importante, respeito aos precedentes garantem as partes, propiciam progressos, restabelecem o equilíbrio social, oferecem paz e tranquilidade.
A jurisprudência tem três funções nítidas, quais sejam: a) de aplicar a lei, é uma função automática; b) adequar à lei a atualidade, função de adaptação e; c) preencher as lacunas da lei, é a função criadora.
Caminhamos em direção a adoção de precedentes, o Novo Código de Processo Civil veio neste sentido, creio que a obrigatoriedade do respeito aos precedentes deu-se em razão do nosso sistema jurídico, a do civil law.
Para o sistema jurídico do civil law, a lei é a fonte primária do ordenamento jurídico, diferente do sistema da common law, segundo o qual os julgadores se espelham no que já foi decidido, esse respeito às decisões antecedentes é a teoria declaratória do direito e dela se extrai a noção de preceito judicial.
Na civil law os juízes deveriam vincular-se à legislação, já no common law são os julgadores que criam o direito, na medida em que as decisões anteriores passam a ser adotadas por todos como uma regra. O que diferencia esses dois sistemas não é a origem da produção legislativa, no primeiro decorre do Poder Legislativo, ao passo que no segundo decorre do Poder Judiciário, mas sim a postura dos julgadores quanto ao respeito aos precedentes judiciais.
Em que pese parecer contraditório, no Brasil, até o advento do Novo Código de Processo Civil, os Juízes tinham muito mais poder de criação do que os Juízes do sistema da common law, já que não deviam, em princípio, respeito aos precedentes judiciais dos Tribunais ou Órgãos Superiores. Essa ideia de desrespeito aos precedentes sustenta o que alguns defendem como “ausência de hierarquia entre juízes”.
A ausência de hierarquia é representada pelos entendimentos divergentes dos Julgadores, a título exemplificativo, e trazendo tais considerações ao objeto deste assunto, vejamos as mais diversas aplicações da lei nos casos que envolvem contratos de distribuição x contratos de representação comercial.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, o entendimento predominante é a distinção entre os dois tipos contratuais, para ilustrar mencionamos acórdão da 38ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, datado de 17 de maio de 2017, que ao julgar o recurso de apelação n.º 4006579- 36.2013.8.26.0002, interposto por Xxx Xxxxxxxx Comércio de Produtos Derivados do Leite LTDA., afastou a aplicabilidade da Lei 4.886/65 por tratar-se de contrato de distribuição, segundo o relator a natureza da relação travada entre as partes não era de representação comercial, com remuneração mediante comissões, mas sim de distribuição, na qual há revenda dos bens pela distribuidora, cuja remuneração dá-se pelo lucro auferido decorrente da revenda dos bens. Por tal razão, foi indeferido o pedido de indenização na forma do artigo 27 da Lei n.º 4.886/65.
De outro lado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que pese reconhecer a distinção entre os negócios jurídicos, aplica, subsidiariamente, as dispões da Lei 4.886/65 às relações de distribuição, este foi o entendimento da 19ª Câmara Cível, no acórdão de relatoria do Desembargador Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxxx, datado de 27 de outubro de 2016, ao julgar o recurso de apelação n.º 70069333854, interposto por Get Net Tecnologia em Captura e Processamento Transações H.U.A. LTDA.
Creio que a adoção do Novo Código de Processo Civil, no que se refere a criação do sistema de precedentes – obrigatoriedade do respeito às decisões – deu- se em razão da atuação dos julgadores, já que ausência desta obrigação, quando há de fato um entendimento consolidado, é a causa da crise da insegurança jurídica, uma vez que o próprio tribunal não respeita ou reafirma o seu próprio entendimento.
O Novo Código de Processo Civil, ao dispor sobre a obrigatoriedade de observância dos precedentes11, e exigir que os tribunais mantenham jurisprudência estável, coerente e íntegra12, traz mais segurança, estabilidade e coerência ao
11 Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
12 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
sistema processual, bem como maior confiança aos jurisdicionados no sistema jurídico como um todo.
Entretanto, sem qualquer desmerecimento ao sistema de precedentes, que me parece bastante útil, é evidente que a aplicação deste não será uma tarefa fácil, tampouco rápida, além dos obstáculos que certamente serão colocados pelos julgadores que não se filiam ao referido sistema.
Nesse contexto, existe outro meio que me parece bastante eficaz no que se refere ao combate à insegurança jurídica, é a criação de legislação especial que regule os contratos de distribuição.
É certo que a criação de lei especial não excluirá a aplicação das regras gerais do Código Civil, tampouco a aplicação subsidiária das leis especiais, nos casos omissos e, desde que, não haja conflito de normas, mas é igualmente certo que fatalmente reduzirá a insegurança jurídica.
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
5 PROJETO DO CÓDIGO COMERCIAL
O tópico anterior demonstra que a questão da segurança jurídica é bastante complexa. Um dos principais aspectos é a (im)previsibilidade das decisões judiciais, quando maior a imprevisibilidade das decisões, maior a insegurança jurídica, que por sua vez está diretamente relacionada à atração de investimentos e realização de negócios no país.
O empresário faz cálculos para definir o preço de seus produtos e serviços para oferta no mercado, nestes deve considerar a efetividade da lei e dos contratos, o empresário espera que, ante o descumprimento contratual, o Poder Judiciário garanta a tutela jurídica adequada.
No entanto, atualmente o que se vê é a completa imprevisibilidade das decisões, ao passo que as interpretações são pessoais, e não poderia ser diferente, e muitas vezes implicam na liberação dos deveres contratuais, que além de ferir o princípio da autonomia da vontade, impacta negativamente a atividade empresarial.
É certo que não podemos ser pretenciosos a ponto de buscar absoluta previsibilidade das decisões judiciais, é uma expectativa irrealista em nosso sistema jurídico, o que devemos objetivar é a minimização desta insegurança jurídica. Todos os empresários devem trabalhar com uma taxa de risco associada a certa margem de imprevisibilidade, isso é saudável para o desenvolvimento econômico, o que preocupa é quando essa margem é ultrapassada e coloca em risco a saúde financeira do empresário, podendo leva-lo à falência.
O professor Xxxxx Xxxxx Xxxxxx00 para explicar relação direta entre segurança jurídica e preço dos produtos e serviços usa o exemplo do fabricante de móveis, que negocia com o fornecedor de matéria prima valores para fornecimento durante um ano, com base nesses valores o fabricante consegue calcular qual deve ser o preço final do seu produto. Se, posteriormente, o fornecedor de insumo ajuizar ação para rever os valores, com fundamento em normas do Código Civil, incompatíveis com o direito comercial, e o pleito for acolhido pelo Poder Judiciário, certamente o fabricante terá seu ganho em parte, ou totalmente comprometido. Certamente se fosse possível antever o aumento de custo determinado pelo Judiciário, o fabricante teria repassado o risco ao preço final do produto, de modo a
13 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Princípios do Direito Comercial: com anotações ao projeto do Código Comercial. São Paulo: Saraiva. 2012.
assegurar o lucro, afinal a atividade empresarial, por natureza, deve visar a lucratividade.
É fácil notar que a relação entre preços e segurança jurídica prejudica, no final do dia, os consumidores, já que a precificação acompanha o risco.
A insegurança jurídica extrapola os limites das fronteiras nacionais. Atualmente, a globalização da economia coloca em circulação produtos e serviços além dos níveis nacionais. É certo que o investidor tem um leque de opções para investir, e mais certo ainda, é que a escolha do local está diretamente ligada ao aparato legal, que reserva ao investimento a devida proteção.
Nesse sentido, se nossa legislação não proteger os investimentos, além de perdermos os investidores internos, afastaremos por completo os investidores externos.
Vale o destaque de que a proteção ao investimento não se faz unicamente em vista dos interesses individuais do investidor, mas sim de toda coletividade, já que a atividade empresarial desenvolvida no país gera empregos e tributos, movimenta a economia e desenvolve o país. Nesse sentido, a criação de um sistema que proteja a atividade empresarial, tutela interesses metaindividuais.
Devemos, também, considerar que atualmente o direito comercial14 é tutelado pelo Código Civil de 2002 e em leis dispersas, ignorando as especificidades e seus princípios próprios. Do processo de globalização urge a necessidade de criação de um sistema próprio, cujo regramento deve estar adequado ao atual estágio de evolução da nossa economia.
Em 18 de maio de 2011, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi realizada audiência pública para discutir a edição de um Código Comercial para o Brasil, a conclusão dos especialistas presentes foi a de que é oportuna, necessária e importante a edição deste Código.
Este foi o “start” para abertura das discussões acerca do projeto de lei que institui o Código Comercial, a minuta foi elaborada pelo professor Xxxxx Xxxxxx e apresentada pelo Deputado Xxxxxxx Xxxxxxx para votação (PL 1572/2011).
A justificação do projeto é bastante interessante, foram destacados três pontos principais, quais sejam: i) reunir em um único sistema legal os princípios e
14 Exceto o direito marítimo que é regulado pela segunda parte do Código Comercial de 1850, não revogada.
regras próprios do direito comercial; ii) facilitar as relações econômicas e o cotidiano dos empresários brasileiros e; iii) superação de lamentáveis lacunas na ordem jurídica nacional.
Logo, a intenção é tratar todas as relações empresariais em um único ordenamento.
5.1 O contrato de distribuição no projeto do Código Comercial
A primeira minuta do projeto de lei disciplinava, dentre os contratos comerciais, o contrato de distribuição nos artigos 385 e seguintes15. Em que pese a simplicidade de regular em apenas três artigos essa relação negocial tão complexa, a minuta inicial do projeto atendia a justificação de sua edição, na medida em que reunia as relações entre empresários em um único sistema, privilegiava a autonomia da vontade e a preservação do contrato.
Nem tudo são flores, em julho de 2016, foi apresentado um novo projeto, neste o contrato de distribuição não está presente, sua exclusão foi justificada pelo Deputado Xxxxxxx Xxxxxxx:
“A Associação Brasileira de Distribuidores pleiteia a supressão do art. 329 e seus parágrafos, do Substitutivo, para que não haja conflitos com o Projeto de Lei 7477/2014, em tramitação nesta Casa, que disciplina, de modo detalhado, o contrato de distribuição. Mostra-se prudente acolher-se o pleito.”
Ou seja, se essa última versão do projeto de lei n.º 1.572 de 2011 for aprovada, o contrato de distribuição será regulado em lei específica (Projeto de lei 7.477/2014), que além de infringir um dos motivos de criação do código comercial
15 Art. 385. A distribuição é contrato de colaboração empresarial por intermediação, em que o colaborador (distribuidor) comercializa produtos fabricados pelo fornecedor (distribuído).
Art. 386. Os direitos e obrigações dos contratantes, na distribuição, serão os previstos no contrato celebrado entre as partes.
Art. 387. O contrato de distribuição poderá prever:
I – a exclusividade de distribuição, mediante a proibição de o distribuidor comercializar produtos efetiva ou potencialmente concorrentes aos do fornecedor; ou
II – a cláusula de territorialidade, mediante a proibição de o fornecedor comercializar seus produtos direta ou indiretamente na base territorial atribuída ao distribuidor.
Parágrafo único. A cláusula de territorialidade poderá restringir a proibição somente a determinados mercados na base territorial atribuída ao distribuidor, especificando-os.
Art. 388. As relações entre distribuidor e distribuído serão regidas exclusivamente pelo contrato que assinarem. Não são aplicáveis aos contratos de distribuição as disposições específicas previstas por este Código, ou pela lei, para aos demais contratos de colaboração.
(criação de um sistema único), me parece extinguir tal modalidade contratual da nossa economia.
6 PROJETO DE LEI 7.477/2014
O deputado Federal Xxxxxxx Xxxxxxxx apresentou o Projeto de Lei 7.477/2014, que dispõe sobre a relação de revenda e distribuição entre fornecedores e distribuidores de produtos industrializados e outras providência, para votação sob a justificação de que os distribuidores, em que pese sua relevância e importância econômica, já que responsáveis pela maioria das movimentações dos itens de consumo básico das famílias brasileiras, carecem de legislação específica, o que por si só culmina em insegurança jurídica.
Segundo o autor do projeto, o contrato de distribuição, por ser o resultado da junção de diversos outros tipos contratuais, representa uma relação complexa que acaba em embates judiciais, nos quais são discutidos direitos e deveres inerentes a este negócio jurídico. Tomando por base o sucesso da Xxx Xxxxxxx (Lei 6.729/79), que regula a relação contratual de distribuição de veículos, o autor defende a insuperável importância de ser aprovada a lei específica para minimizar a insegurança jurídica e reduzir drasticamente as demandas judiciais, com a ressalva de que tal lei conviverá, tal qual a Lei Ferrari, em perfeita harmonia com o Código Civil.
O projeto de lei, apresentado ao Congresso para votação, conta com 17 (dezessete) artigos, dentre eles disposições acerca das obrigações e deveres dos fornecedores, obrigações e deveres dos distribuidores e formas de extinção dos contratos.
O artigo 2º do Projeto define os conceitos de distribuidor e fornecedor, no que se refere ao primeiro – distribuidor – extingue a figura da pessoa física ao determinar que distribuidor é “a empresa que pratica a revenda de produtos adquiridos do fornecedor”. Temos, então, o primeiro “corte legal”, as pessoas físicas não poderão ser parte nos contratos de distribuição.
O artigo 3º foi reservado a descrição dos objetos do contrato, o parágrafo único deste determina que os produtos lançados pelo fornecedor no transcorrer da relação estarão automaticamente incluídos no portfólio de produtos revendidos pelo distribuidor. Nesse ponto o legislador desconsidera por completo a autonomia da vontade, garante ao distribuidor a revenda de produtos lançados ao longo da relação contratual, mesmo que essa não seja a vontade do fornecedor.
Imaginamos a seguinte situação: fornecedor de cosméticos contrata um distribuidor para revenda de produtos destinados ao mercado feminino, tendo em vista o know-how no setor apresentado pelo contratado. Durante a relação contratual, o fornecedor lança uma linha de produtos para animais, linha pet, ficará obrigado, segundo o parágrafo único do artigo 3º, queira ou não queira, a incluir tais produtos no portfólio do distribuidor que atua no mercado de cosméticos femininos.
O inciso V do artigo 6º obriga o fornecedor a atender todos os pedidos feitos pelo distribuidor, sem qualquer ressalva. Ou seja, mesmo em caso fortuito ou força maior o fornecedor estará obrigado a atender todos os pedidos? Me parece que algumas exceções, é claro que não seria um rol taxativo, são de bom tom.
O inciso IV do artigo 7º proíbe que o fornecedor exija a aquisição, por parte do distribuidor, de quantias mínimas de quaisquer de seus produtos. Tal proibição é de tamanha importância aos fornecedores, sem previsões mínimas os fornecedores não conseguem calcular o valor final do produto, já que os custos envolvidos para produção em larga escala certamente, se divididos pelos valores unitários dos produtos fabricados, são menores que os custos para produção em baixa escala.
O parágrafo 3º do mesmo artigo (artigo 7º) autoriza ao fornecedor a redução espacial de atuação do distribuidor, no entanto, o parágrafo seguinte (4º) impõe do dever de pagar ao distribuidor um percentual, que deverá ser acordado em contrato, sobre as vendas realização na área objeto de redução. Claramente o legislador “dá com uma mão e tira com a outra”.
Há evidente desequilíbrio entre as partes, ao fornecedor são impostas seis obrigações e mais nove proibições, de outro lado, ao distribuidor são previstas cinco obrigações e apenas duas proibições. Desequilíbrio injustificado, já que estamos tratando de uma relação paritária, entre empresários, em especial se considerarmos o corte de aplicação desta lei apenas para distribuidor pessoa jurídica.
O artigo 10 determina prazo de vigência mínimo (5 anos), certamente o prazo foi inspirado na Lei Ferrari que, como dito, regula a relação de distribuição de veículos automotores que, por sua vez, não guardam relação alguma com o objeto dos contratos de distribuição regulados pelo projeto de lei, vez que podem ser firmados para distribuição de balas. É razoável impor as partes contratantes o prazo mínimo de 05 (cinco) anos em contratos de tamanha simplicidade? Me parece que não.
Para as hipóteses de rescisão imotivada do contrato, reguladas pelo artigo 12, o fornecedor estará obrigado a: a) adquirir, pelo preço de mercado, todo o estoque dos produtos de sua fabricação que estiverem a disposição do distribuidor e todos os bens, maquinários, e itens destinados a distribuição de seus produtos, desde que não possam ser aproveitados em outra atividade empresarial; b) indenizar o distribuidor em valor correspondente ao investimento não recuperado, ainda que por ineficiência do distribuidor, já que o inciso não faz qualquer ressalva; c) arcar com os custos inerentes à descaracterização de sua marca (o legislador, com todo respeito, não foi feliz na redação deste inciso); d) arcar com todo passivo trabalhista do distribuidor, relacionados à rescisão do contrato de distribuição e; e) indenizar o distribuidor por perdas e danos (presumidos, pois o inciso não condiciona a comprovação) na proporção de 4% (quatro por certo) do faturamento dos últimos 18 (dezoito) meses e mais 3 (três) meses de faturamento por quinquênio de vigência do contrato.
De outro lado, se a opção pela rescisão for do distribuidor, o mesmo deve apenas, nos termos do artigo 13, respeitar o prazo mínimo de aviso prévio (90 dias) e entregar ao fornecedor os dados cadastrais das vendas dos últimos três anos.
Se os artigos anteriores, que tratavam de direitos e obrigações, demonstravam desequilíbrio, os artigos que regulam as hipóteses de rescisão não deixam dúvidas, o projeto de lei protege demasiadamente o distribuidor em relação ao fornecedor, lembrando que se trata de um contrato paritário.
As obrigações impostas ao fornecedor nas hipóteses de rescisão imotivada do contrato de distribuição excluem todos os riscos inerentes à atividade dos distribuidores, o legislador “vira às costas” aos riscos inerentes à própria atividade empresarial, riscos necessários para garantia da qualidade dos serviços prestados, livre concorrência, entre outras coisas.
Os riscos são inteiramente transferidos ao fornecedor, o que certamente desestimulará a celebração de novos contratos de distribuição e culminará da rescisão de contratos vigentes, já que, nos termos do parágrafo único do artigo 15, as disposições referentes a rescisão dos contratos são aplicáveis aos contratos em vigor.
Tendo em vista o panorama, superficial, dos artigos mais importantes do projeto de lei, encerro este tópico com o seguinte questionamento: O projeto de lei atende às justificativas de sua proposta, segurança jurídica e fomento de tais negócios jurídicos?
7 CONCLUSÃO
O Projeto de Lei 7.477/2014 (PL 7477) parte da premissa – ao meu ver questionável – de que as relações contratuais entre fabricantes e distribuidores são exercidas em um ambiente de insegurança jurídica, face à insuficiência de regras específicas.
O referido projeto de lei foi inspirado na Lei 6.729/1979, conhecida por Xxx Xxxxxx Xxxxxxx, que regula os contratos de distribuição de veículos automotores, ao pretexto de reequilibrar o relacionamento entre fabricantes e distribuidores, no entanto, o legislador não cuidou de analisar os contextos históricos envolvidos.
A Lei Ferrari foi promulgada no final da década de 1970, época em que vigia o princípio do pacta sunt servanda, eventuais abusos de poder econômico não encontravam limites hoje delineados pela Constituição Federal (1988) e legislações infraconstitucionais supervenientes, bem como eventuais abusos contratuais não encontravam freio nas regras hoje insertas no Código Civil (2002).
No que se refere aos contratos de distribuição, exceto distribuição de veículos automotores, conforme exposto nos tópicos anteriores, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 nossos Tribunais enfrentam conflitos que podem ser dirimidos com a aplicação das regras gerais do nosso ordenamento jurídico. O Projeto de Lei 7477/2014 olvida a legislação há muito existente, que coíbe os atos de abuso de poder econômico, sem falar no entendimento da jurisprudência sobre os contratos de distribuição.
A despeito do legislador sustentar que o projeto de lei específica se destina a reduzir a insegurança jurídica e, por consequência, reduzir ou ao menos facilitar a solução das controvérsias submetidas ao Poder Judiciário, o que se lê nos 17 (dezessete) artigos é justamente o contrário.
Em que pese no tópico destinado à análise jurisprudencial sobre os contratos de distribuição, ter concluído pela necessidade de lei especial que traga regras destinadas a minimizar a insegurança jurídica entre as partes contratantes, é certo que tais regras devem respeitar as normas gerais contratuais, como, por exemplo, autonomia das partes, risco do negócio, equilíbrio contratual, entre outras; normas que ao meu ver não foram respeitadas no PL 7477.
Destaco, de início, o artigo 15 que trata da aplicação da lei aos contratos em andamento, o que implica em retroatividade e viola o ato jurídico perfeito. Além disso, a grande maioria dos artigos do projeto transferem ao fornecedor os riscos inerentes à atividade do distribuidor.
O conceito de fornecedor e distribuidor, estabelecido no artigo 2º, conflita com os conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, segundo o legislador consumerista, fornecedor é qualquer pessoa (física ou jurídica) que participe da cadeia de consumo como um todo, abrangendo, portanto, os distribuidores16. Se aprovado o projeto de lei 7477, teremos uma lei federal posterior ao Código de Defesa do Consumidor, assim, as demandas consumeristas serão direcionadas exclusivamente aos fabricantes, já que distribuidor não se encaixa no conceito de fabricante.
O PL 7477 não garante equilíbrio entre as partes contratantes, pelo contrário, chega ao absurdo de garantir lucro ao distribuidor ao definir a relação de distribuição como uma relação contratual existente entre fornecedores e distribuidores na qual se garanta lucro para este último (artigo 1º, parágrafo único).
O princípio da autonomia da vontade, e do livre exercício da atividade empresarial, foram desconsiderados pelo legislador ao determinar que os contratos de distribuição devem ser fixados pelo prazo mínimo de 05 (cinco) anos desde que tal prazo seja suficiente para recuperar o investimento feito pelo distribuidor. Certamente existem situações nas quais a ineficiência do distribuidor impede a recuperação do investimento, de outro lado, a eficiência traz o retorno de investimento em prazos mais curtos. A estipulação de um prazo contratual mínimo, como forma de proteção ao investimento, é nitidamente abusiva, transfere ao fornecedor o ônus de manter um contrato, que não lhe interessa mais, apenas porque o distribuidor não conseguiu retornar o investimento feito por sua própria ineficiência.
O desequilíbrio salta aos olhos nos dispositivos que tratam das formas de extinção do contrato, ao tratar da resilição imotivada o legislador garante ao distribuidor as mesmas reparações e indenizações que seriam devidas na hipótese de resilição por justa causa cometida pelo fabricante. Os deveres impostos ao
16 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
fornecedor nas hipóteses de rescisão imotivada do contrato (artigo 12) são verdadeiras penalidade impostas apenas pelo fato do mesmo exercer o direito de não se manter em relação contratual que não lhe interessa. Nestas situações o fornecedor deve adquirir todo estoque do distribuidor, instalações, arcar com o passivo trabalhista, e o pior, indenizar o distribuidor em percentuais fixados sobre os últimos rendimentos, como se contrato de representação comercial17 fosse.
Isso ser falar da obrigação exclusiva do fornecedor de promover propaganda e publicidade dos produtos que serão distribuídos, e do direito de propriedade em favor do distribuidor em relação à clientela, como se os consumidores fossem atraídos não pelo renome e qualidade da marca, mas sim pelo distribuidor que as comercializa, o que não é, nem de longe, a realidade do mercado de consumo, muitos consumidores sequer têm conhecimento de quem são os distribuidores dos produtos, o consumo é incentivado pelo próprio produto que será consumido.
No meu ponto de vista, o PL 7477 não aprimorará, na prática, a relação entre fornecedores e distribuidores, tampouco, tendo em vista a relevância econômica de tais relações, que extrapola o interesse das partes, introduz vantagens aos consumidores e ao mercado. A pretensão de regular uma relação comercial é um desapreço ao dinamismo do comércio que sempre andou passos à frente das leis que pretendem engessar as relações.
Tendo em vista os argumentos supra expostos, concluo que o projeto de lei contém regras que desequilibram as relações entre fabricantes e distribuidores, beneficiando os últimos em detrimento dos primeiros. Além do fato do legislador ter desconsiderado as normas gerais contratuais e o entendimento consolidado pela jurisprudência.
Todos os riscos inerentes ao exercício da atividade de distribuição foram transferidos ao fornecedor, questiono se esta é uma forma de incentivo ao desenvolvimento desta atividade? Questiono se os empresários fabricantes manterão, ou renovarão, seus contratos de distribuições no cenário, se aprovado o projeto de lei, de total desequilíbrio? Me parece que não, ao meu ver os fabricantes terão que começar a considerar os riscos e custos envolvidos nesta relação e, certamente, tais
17 Os contratos de representação geralmente são firmados entre pessoas jurídicas, representando, pessoas físicas, representantes, assim, por não serem, em sua grande maioria, contratos paritários, é que se justifica a necessidade de garantir aos representantes indenizações em caso de rescisão do contrato.
considerações causarão desestímulo tanto para novas contratações como para manutenção dos contratos em vigor.
O PL 7477 tolhe a livre negociação entre fornecedores e distribuidores, acerca das condições de fato benéficas para ambas as partes e que atendam suas necessidades.
A complexidade e atipicidade, até então, das relações comerciais de distribuição urgem pela necessidade de regramento específico, mas tal regramento deve respeitar as normais gerais contratuais e as bases já fixadas pela jurisprudência, engessar a relação de fato vai reduzir a insegurança jurídica não de forma positiva, negativa, pois fatalmente implicará na redução, ou mesmo extinção, deste tipo contratual.
Concluo pela necessidade de regramento específico - tal qual previsto na primeira minuta do projeto de lei do Código Comercial (artigos 385 a 38818) – que respeite as normas gerais contratuais, que garanta aos contratantes a livre negociação, o que, na maior parte das vezes, tem como resultado uma maior eficiência econômica, bem estar social e atendimento satisfatório dos consumidores.
18 Art. 385. A distribuição é contrato de colaboração empresarial por intermediação, em que o colaborador (distribuidor) comercializa produtos fabricados pelo fornecedor (distribuído).
Art. 386. Os direitos e obrigações dos contratantes, na distribuição, serão os previstos no contrato celebrado entre as partes.
Art. 387. O contrato de distribuição poderá prever: I – a exclusividade de distribuição, mediante a proibição de o distribuidor comercializar produtos efetiva ou potencialmente concorrentes aos do fornecedor; ou II – a cláusula de territorialidade, mediante a proibição de o fornecedor comercializar seus produtos direta ou indiretamente na base territorial atribuída ao distribuidor. Parágrafo único. A cláusula de territorialidade poderá restringir a proibição somente a determinados mercados na base territorial atribuída ao distribuidor, especificando-os.
Art. 388. As relações entre distribuidor e distribuído serão regidas exclusivamente pelo contrato que assinarem. Não são aplicáveis aos contratos de distribuição as disposições específicas previstas por este Código, ou pela lei, para aos demais contratos de colaboração.
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