TJ-SP obriga Camargo Corrêa a devolver indenização de Seguro D&O
TJ-SP obriga Camargo Corrêa a devolver indenização de Seguro D&O
Em uma inovadora decisão envolvendo apólice de Seguro D&O (Directors and Officers), a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, em votação unânime, a obrigatoriedade da devolução, pela Camargo Corrêa e dois de seus ex-administradores, dos valores adiantados pela seguradora para representação dos segurados em ação penal.
Após ter adiantado condicionalmente indenização securitária para custos de defesa de seus segurados, a seguradora ingressou com ação de cobrança em face da Camargo Corrêa (tomadora) e dois de seus administradores (segurados), ao tomar ciência de que haviam sido firmados acordos de delação premiada junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo e acordo de leniência perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, reconhecendo a ocorrência de superfaturamento e formação de cartel em dois lotes da Linha 5-Lilás do Metrô de São Paulo.
Confirmando o entendimento do que já havia sido determinado em primeira instância, o Tribunal de São Paulo afastou os argumentos trazidos pela Camargo Corrêa em recurso de apelação, atentando-se aos limites da relação securitária mantida entre as partes e firmando premissas essenciais ao mercado segurador.
O acórdão proferido, afastando uma das diversas preliminares apresentadas pelos segurados, entendeu que a inexistência de trânsito em julgado no âmbito da ação penal não poderia ser considerada como prejudicialidade externa apta a ensejar a suspensão ou até mesmo o impedimento da ação de cobrança, discorrendo que “a análise do mérito deste feito não é dependente do que vier a ser decidido em ação penal, porque não apenas a infringência de norma penal motiva a exclusão da cobertura”.
Ao assim decidir, o Tribunal reconheceu que a relação mantida entre os segurados e a seguradora possui natureza exclusivamente civil e securitária, o que significa dizer que, ainda que não exista decisão condenatória definitiva em face dos réus na ação penal, a partir do momento em que se verifica a ocorrência de uma hipótese de perda de direito à cobertura contratada, mesmo com conhecimento pela seguradora a posteriori, o desdobramento da ação de referência torna-se prescindível e independe de qualquer condenação na seara criminal.
Outro ponto bem colocado pelo acórdão é que os segurados da Apólice – que, no caso analisado, são ex-administradores da Camargo Corrêa – serão também penalizados com a perda do direito à indenização securitária em razão das condutas adotadas pela Tomadora. Sobre tal ponto, colocou o julgado que “não apenas os atos dos segurados, mas também da empresa contratante e de terceiros podem motivar a exclusão da cobertura em caso de atos dolosos ou que agravem o risco”.
Tal análise fez-se necessária ao constatar que a Camargo Corrêa omitiu informações no momento da contratação da apólice – sobre a existência da ação penal, que já estava em curso no momento em que foi firmado o contrato –, o que também traz o efeito da perda da garantia e do prêmio que foi pago. Ao não partilhar essa informação com a seguradora, reconheceu-se que a empreiteira configurou “maliciosa omissão a respeito da situação dos réus, fruto de gestão temerária e de desvio de recurso por parte dos administradores”.
A razão para que os Desembargadores da 7ª Câmara de Direito Privado chegassem a tal conclusão é muito simples: em razão da essencialidade da prestação de informações verídicas pelo contratante da apólice, e por ser a boa-fé requisito essencial à validade do contrato de seguro, a omissão deliberada de informações tem o condão de afastar toda e qualquer produção de efeitos do contrato firmado com base nessa declaração, já que ausente requisito essencial para a sua validade, sendo irrelevante se tal omissão partiu dos segurados ou da tomadora.
Foi inclusive, pautando-se nessa premissa, que o acórdão também decidiu que, embora os fatos específicos relacionados à conduta dolosa adotada pelos ex-administradores da Camargo Corrêa estivessem protegidos pelo sigilo imposto à apuração criminal, no momento em que a empresa reconheceu a sua conduta dolosa, por meio do aludido acordo de leniência, já haveria razão bastante para afastar o direito ao recebimento de indenização securitária – e, consequentemente, ensejar a obrigatoriedade da devolução dos valores anteriormente adiantados pela seguradora.
Nesse sentido, afirmou o Desembargador Relator que “o acordo de leniência firmado pela ré demonstra que agiu em desconformidade com a legislação, motivando o
ajuizamento de ações civis ou criminais e a decorrente necessidade de cobertura, como na hipótese dos autos”.
O simples fato de a empresa contratante da apólice de seguro ter atuado de modo a agravar o risco garantido pela apólice, o que foi reconhecido ao se firmar o acordo de leniência perante o CADE, dispensaria a comprovação da adoção de conduta ilícita por seus ex-administradores no âmbito da ação penal, pois o negócio jurídico já estaria maculado, afetando também o suposto direito dos administradores
A decisão, que já contava com respaldos fáticos e jurídicos suficientes para justificar a obrigatoriedade da devolução da quantia adiantada pela seguradora a título de custos de defesa, foi mais além e pautou-se também na informação de que os ex- administradores da Camargo Corrêa, ambos diretamente envolvidos no esquema de corrupção, realizaram acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo.
E nesse aspecto, a Turma Julgadora também entendeu que, a despeito de a defesa dos Réus afirmar que a eficácia das delações premiadas estaria condicionada à homologação pelo juízo criminal competente, a mera declaração da prática de um ato ilícito pelo investigado é um pressuposto do referido instituto, de modo que não poderia haver a delação sem que o investigado admitisse a prática de um crime, para posteriormente imputar a um terceiro a participação no delito.
Vale aqui a reprodução do brilhante trecho proferido pelo Desembargador Relator, aduzindo que “a própria realização de delação premiada e acordos de leniência relacionado aos ilícitos praticados pelos réus apelantes, nos termos das leis 9.613/98 (Lei de lavagem de dinheiro), 9.807/99, 11.343/2006 (estas duas últimas prevendo a redução da pena do acusado que colaborar voluntariamente com a investigação criminal policial e o processo criminal, na recuperação total ou parcial do produto do crime), 12.529/2011 (Lei Antitruste estabelecendo a possibilidade de acordo de leniência, impedindo o oferecimento de denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência), e finalmente, a lei 12.850/2013, que regulamentou a colaboração entre acusado e órgão acusador, introduzindo a possibilidade de perdão judicial entre os benefícios do colaborador, não deixam dúvida sobre a prática de atos ilícitos, que restaram confessos,
cujos riscos de cobertura assumidos pela apólice foram agravados, por clara omissão dolosa”.
Por fim, xxxxxxx também a decisão que, diferentemente do quanto alegado pela Camargo Corrêa, as cláusulas de exclusão de cobertura previstas pela apólice “não oferecem vantagem exagerada à autora, tampouco, desnaturam o contrato, não havendo ofensa ao Código Civil, tampouco, ao Código de Defesa do Consumidor”.
No presente caso, as cláusulas que os segurados visavam afastar traziam a expressa ausência de cobertura para qualquer sinistro decorrente de cometimento de ato doloso, direto ou indireto, como consequência de ação, omissão ou violação intencional de legislações ou regulamentos, que encontra suporte não apenas no Código Civil, mas também na Circular SUSEP 256, de 16 de junho de 2004.
Isto significa dizer, portanto, que mesmo que não houvesse previsão expressa na apólice, não seria passível de cobertura atos que se encontram à margem do ordenamento jurídico. Além, é claro, de os contratos de seguro serem de risco predeterminados, sendo inerente de sua natureza que a seguradora escolha os riscos que não deseja cobrir.
A decisão alcançada nesta ação sob patrocínio do DR&A Advogados representa um marco para o mercado securitário em vários aspectos, primeiro ao determinar que as seguradoras têm direito de buscar o ressarcimento dos valores pagos aos seus segurados ao tomarem ciência de fatos que afastam o direito ao recebimento de indenização, segundo pelo ineditismo dessa restituição acontecer no âmbito de uma Apólice de seguro D&O e, por fim, ao provar-se inovadora ao reconhecer que a delação premiada e o acordo de leniência prescindem de homologação para surtirem efeito no âmbito da relação jurídica securitária, sendo suficiente a sua simples existência.
DR&A Advogados
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Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx | Bruna Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx |