TÓPICOS DE CORREÇÃO
Exame de Direito dos Contratos II Regência: Prof. Doutora Xxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx
Duração: 120 min.
TÓPICOS DE CORREÇÃO
Os tópicos identificados deverão ser analisados, de forma desenvolvida, confrontando com a base legal e doutrina relevantes.
Parte I – Caso prático
Antónia e Bento são representantes de duas empresas portuguesas que atuam no mercado ibérico: a NovoSolo e a ConstruçõesEco, respetivamente. As duas empresas dedicam-se à construção de empreendimentos sustentáveis. No dia 1 de janeiro de 2024, Xxxxxxx e Xxxxx iniciaram negociações para a aquisição das participações sociais relativas à empresa de Bento.
As Partes pretendem celebrar o contrato o quanto antes. No entanto, Xxxxx encontra-se dependente de autorizações internas essenciais para garantir a conclusão do negócio. Por esse motivo, as Partes acordaram em assinar o contrato hoje, condicionando, porém, os seus efeitos à apresentação das autorizações por parte de Xxxxx. Com efeito, Xxxxxxx apenas acrescentou o seguinte: “desde que os meus riscos não aumentem durante esse período, não vejo qualquer problema”.
Entre outras, as Partes incluíram a seguinte cláusula no contrato:
“Cláusula 4.ª
1. O não pagamento do preço determinará a cessação imediata do Contrato. 2. Para efeitos do número anterior, será considerado como não pagamento o incumprimento da Parte ou qualquer outra circunstância que obste à realização da obrigação.
Em face do exposto, resposta de forma completa e fundada a cada uma das seguintes perguntas:
1. Tendo por base os dois primeiros parágrafos, como analisa a preocupação veiculada por
Xxxxxxx e de que forma poderia Xxxxxxx salvaguardar a sua posição no contrato? (6 valores).
• Análise dos dados do caso: dois momentos de transmissão (assinatura e fecho). Necessidade de precaver a hipótese de saída em virtude de situações ocorridas no período que medeia entre a assinatura e a conclusão do negócio.
• Cláusulas MAC (Material Adverse Change). Enquadramento como cláusulas de renegociação e caracterização (conceito, configuração e funções).
2. Como caracteriza o disposto na cláusula 4.ª, pronunciando-se sobre a respetiva validade (7 valores)
• Análise dos dados do caso, considerando como especialmente relevantes: “cessação imediata” (n.º 1), e “qualquer outra circunstância que obste à realização da obrigação” (n.º 2).
• Relativamente ao n.º 1: o credor não manteria o direito de aferir, em face da violação, se pretende optar pela cessação ou pela manutenção do contrato. O efeito resolutivo seria, por isso, automático. Discussão sobre a importância deste direito do credor: a exigência da declaração visa assegurar que a resolução opera quando corresponde ao interesse do credor. À partida, o efeito automático não contende com o espírito da lei portuguesa apenas por não corresponder ao tipo da cláusula resolutiva. Problema da autolimitação do papel da vontade das partes na produção dos efeitos extintivos. Análise do right of termination. Para além disso, quando assim configurada, a cláusula aproxima-se já não das cláusulas resolutivas, mas antes do regime das condições resolutivas para efeitos do art. 270.º. Discussão sobre a validade da previsão do incumprimento como condição resolutiva.
• Por fim, quanto ao n.º 2: cláusula resolutiva que abrange incumprimento não culposo (cláusula de irrelevância de culpa ou imputação subjetiva do incumprimento). Caracterização (conceito, configuração e funções). Discussão sobre a sua admissibilidade à luz do direito português.
Parte II - Pergunta teórica
Comente, fundamentando, a seguinte afirmação:
Os smart contracts absolutizam o princípio pacta sunt servanda porque o código é inviolável (code is law).
(7 valores)
• Caracterização prévia e geral dos smart contracts. Conceito e elementos caracterizadores.
• Nenhuma realidade é alheia ao Direito.
• Afirma-se frequentemente que os smart contracts atribuem caráter absoluto ao princípio pacta sunt servanda: a execução automatizada do contrato na blockchain (subtraído que está da dependência da vontade e da colaboração das partes) implicaria a insucetibilidade de incumprimento. Nesse sentido, o negócio seria inviolável, imune a efeitos e circunstâncias externas ao programa e seria apenas governado pelo código (code is law).
• Ademais, o ecossistema da blockchain determina um diferente modelo de vinculação que se traduz numa relação contratual e relacional distinta: desaparecimento da dependência intersubjetiva. Vinculação e efeitos moldados pelo código.
• A afirmação não é, porém, verdadeira em toda a sua extensão. Por um lado, a insuscetibilidade de incumprimento pode concretizar uma “fraqueza” do contrato (p.e., ideia de “incumprimento eficiente”). Por outro, apesar de as características específicas dos smart contracts poderem dispensar uma reação prática do sistema, isto não significa a prevalência do código sobre a lei.
• Por exemplo, a relação das partes pode ser mais ampla do que o smart contract tal como programado, caso em que o contexto será relevante. Ainda, caso dos contratos híbridos.
• Identificação da imutabilidade como característica estrutural dos smart contracts: no entanto, não se exclui a relevância das perturbações da execução (estratégias ex ante e ex post).
• Em todo o caso, há um limite natural da programação: não é possível prever todas as circunstâncias e eventualidades num código.
• Duas hipóteses principais de incumprimento que podem afetar os smart contracts: por um lado, prestações off chain que tenham impacto on chain por meio de oráculos e, por outro, erros de programação. Enquadramento sumário dos problemas de interpretação.