The management agreement signed between government and the social organizations as a means of transferring the provision of public health service under the optics of public law
O contrato de gestão firmado entre o poder público e as organizações sociais como meio de transferência da prestação do serviço público de saúde sob a ótica do direito público
The management agreement signed between government and the social organizations as a means of transferring the provision of public health service under the optics of public law
DOI:10.34117/bjdv6n7-531
Recebimento dos originais:08/06/2020 Aceitação para publicação:21/07/2020
Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxx
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Xxxx Xxxxxx – UNIPÊ Endereço: Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, xx 00, Xxxxxx, Xxxxxxxxx-XX, XXX: 00000-000
E-mail: xxxxxxxxxxxxxxxx@xxxxxxx.xxx
Xxxxxxxx xx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Bacharel em Direito pela Faculdade Xxxxxxx Xxxxxx – FLF
Endereço: Xxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, xx 000 – Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxx – XX, XXX: 00000- 000
E-mail: xxxxxxxxxxxxxxx0000@xxxxxxx.xxx
RESUMO
O presente artigo visa abordar o tema da contratação de organizações sociais de saúde pelo Poder Público, como meio utilizado pela Administração Pública para a transferência do serviço, em que o enfoque reside na investigação desse tipo de avença à luz da Constituição Federal e da Lei 8.080/90, a qual regulamenta o sistema único de saúde. A problemática analisada pressupõe breve histórico referente à Reforma do Aparelho do Estado e ao Plano de Publicização instituído na década de 90 no Brasil. Ademais, procura-se compreender a natureza jurídica do contrato de gestão e efetuar análise detida da Lei Federal 9.637/98, a qual, dentre outros assuntos, trata da qualificação de entidades como organizações sociais e cria o Programa Nacional de Publicização. Por fim, tecem- se algumas críticas às organizações sociais e a forma de contratação com o Poder Público.
Palavras-chave: Contrato de Gestão, Poder Público, Organizações Sociais, Transferência, Saúde. Direito Público.
ABSTRACT
This article aims to discuss about the contracting of health social organizations by the Government as means, used by Plubic Administration, of transferring the service.The article focus on investigating this agreement in the light of the Federal Constitution and of Law number 8.080/90, which regulates the unified health system. The analyzed issue implies a brief historic related to the Reform of the State Apparatus and to the Publicity established em the 1990s in Brazil. Xxxxxxxxxx, it attempts to understand the legal nature of the management agreement and to analyze Federal. Law number 9.637/98, which, among other subjects, talks about the qualification of entities like the
social organizations and creates the Publicity National Program, Finally, making some criticisms directed at the social organizations and the of contracting with the Govemment.
Keywords: Management Agreement. Government. Social Organizations. Transferring. Health. Public Law.
1 INTRODUÇÃO
Os serviços públicos são atribuições do Estado, os quais visam ao atendimento das necessidades e à obtenção de utilidades pela população de forma geral. É grande o desafio do Poder Público de oferecer a todos, de forma cômoda e digna, os serviços que lhes são de direito. Por isso, muitas vezes a Administração Pública se utiliza de apoio dos particulares para alcançar a finalidade almejada.
Na década de 90 foi instituído no Brasil o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, o qual visava à diminuição do aparelho estatal, de modo a torná-lo mais enxuto, deixando apenas sob sua responsabilidade indelegável algumas atividades específicas, e lançando mão da possibilidade de efetuar parcerias com a iniciativa privada para a execução de determinados serviços. A partir do referido Plano, foram diferenciados quatro setores do aparelho estatal, a saber: o Núcleo Estratégico, o setor das Atividades Exclusivas, o setor das Atividades não Exclusivas, e o setor de Produção de Bens e Serviços para o Mercado (PDRAE; BRASIL, 1995).
O setor das Atividades não Exclusivas, ou Terceiro Setor, como o próprio nome indica, é aquele em que os serviços podem ser prestados ao mesmo tempo pelo Estado e pela iniciativa privada, mas quando são executados pelo Poder Público, assumem os status de serviço público.
A partir daí surgiu o Plano de “Publicização”, o qual previa em nome da eficiência, a transferência da execução de serviços públicos para entidades privadas sem fins lucrativos.
Neste diapasão, em 15 de maio de 1998 é promulgada a Lei Federal 9.637, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do programa nacional de publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.
Ressalta-se que o Plano Diretor mencionava a “descentralização de atividades” pertinentes ao setor não exclusivo, indicando a transferência da execução destas às organizações sociais, em nome da eficiência no resultado. Por outro lado, a Lei 9.637/1998 mencionava tão somente a extinção das entidades públicas Laboratório Nacional de Xxx Xxxxxxxxxx e Fundação Xxxxxxxx Xxxxx e a absorção de suas atividades por organizações sociais especificadas pela própria norma, o que demonstra que apenas a estas haveria realmente a transferência de serviços públicos, cabendo ao
Poder Público apoiar e fomentar os demais particulares qualificados como organizações sociais através da celebração de contrato de gestão, sem haver a transferência do serviço em si.
Assim, entidades sem fins lucrativos qualificadas como organizações sociais junto ao ente federado cujas atividades fossem dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, poderiam celebrar contrato de gestão com o Poder Público, de modo que estariam presentes metas a serem cumpridas pela entidade, e em troca, as entidades receberiam apoio e fomento, materializado pela destinação de recursos orçamentários e de bens, por exemplo.
O contrato de gestão, por conseguinte, configura-se como o instrumento previsto na Lei Federal 9.637/98 utilizado na contratação da Administração Pública com as organizações sociais. A natureza jurídica do documento é motivo de divergências doutrinárias. Há autores que suscitam a similaridade com o convênio, há outros, contudo, que preferem analisar o caso concreto para assim identificar a figura jurídica e especificar o regime aplicável.
Dentre as atividades abarcadas pela Lei 9.637/1998 que podem ser fomentadas pelo Estado, está a saúde, direito fundamental garantido pelo Estado a todos. A propósito, a Constituição Federal e a Lei 8.080/1990 informam a possibilidade de a iniciativa privada participar de forma complementar do sistema único de saúde, de modo que no âmbito das instalações públicas alguns serviços poderão ser terceirizados por particulares, como limpeza, segurança, e serviços técnicos. Poderá ser caracterizada também essa complementaridade diante de situações esporádicas, em que os hospitais públicos não venham a comportar a demanda de usuários, ensejando assim, o acionamento de particulares para que estes prestem em suas disponibilidades o serviço de saúde à população.
Salienta-se que muitas são as críticas em torno das organizações sociais e da forma de contratação com o Poder Público, visto que, poderá ser dispensada a licitação para a contratação da entidade, com base no art. 24, inc. XXIV da Lei 8.666/1993, além de haver destinação de recursos orçamentários às organizações sociais, sem, contudo estas serem obrigadas a oferecer qualquer garantia.
Na realidade, o que tem ocorrido, pelo menos na saúde, é a utilização do contrato de gestão para a transferência do serviço público, de modo que as organizações sociais passaram a gerenciar hospitais estatais, sem, contudo, submeterem-se a totalidade das normas públicas. Desta maneira, o particular (organização social) na administração da coisa pública, apoia-se no regime jurídico de direito privado para contratar funcionários sem a prévia realização de concurso e efetuar aquisições, além de outras contratações, sem qualquer procedimento licitatório.
O presente trabalho tem o intuito de promover uma análise sobre o Plano de Publicização e a Lei 9.637/98, a qual dispõe sobre as organizações sociais em âmbito federal, bem como abordar a problemática envolvida na avença do Poder Público com essas entidades através do contrato de gestão especificamente na área de saúde, fundamentando-se na norma constitucional e na Lei 8.080/90 que regulamenta o sistema único de saúde.
2 ORIGEM DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL E O PLANO DE PUBLICIZAÇÃO
Trata-se a organização social (OS) de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por particulares, que através de contrato de gestão firmado com o Poder Público, presta serviço de natureza social. A designação organização social é concedida à entidade que nasce como associação ou fundação privada, e recebe essa qualificação do Estado, caso atenda aos requisitos necessários, podendo ser o título cancelado pelo mesmo, quando forem descumpridas as disposições fixadas no contrato de gestão.
A figura das OSs surgiu no cenário nacional, a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE; BRASIL, 1995), o qual representou a reforma gerencial promovida pelo Governo Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, e diferenciou quatro setores no aparelho estatal, sendo estes: o Núcleo Estratégico, que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento, formado pela cúpula do três Poderes e do Ministério Público; o setor das Atividades Exclusivas, em que são prestadas atividades que só o Estado pode realizar, como regulamentação, fiscalização e fomento; o setor de Serviços Não Exclusivos, no qual o Estado atua simultaneamente com outras organizações não-estatais e privadas; e por fim o setor de Produção de Bens e Serviços para o Mercado, referente às atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado, seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas.
No que atine ao setor de Serviços Não Exclusivos, ou Terceiro Setor - que é aquele que compreende os serviços que podem ser prestados ao mesmo tempo pelo Estado e pela iniciativa privada, mas que quando são executados pelo Poder Público, assumem a realidade de serviço público - foi previsto pelo referido Plano o Programa de “Publicização”, o qual correspondeu à transferência da prestação de serviços públicos, como a saúde, para entidades privadas, sem fins lucrativos, qualificadas como organizações sociais, em nome de uma maior eficiência na consecução de tais atividades.
Interessante mencionar que durante o Governo Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, medida parecida à publicização já havia sido tomada, através da Lei Federal 8.246, de 22/10/1991, a qual extinguiu a Fundação das Pioneiras Sociais, que administrava hospitais federais, entre eles o Xxxxx Xxxxxxxxxx, e transferiu tal atividade para o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, com previsão de assinatura de contrato de gestão de entidade com a União.
No que concerne à expressão “publicização”, há grande questionamento da doutrina referente à utilização do termo, visto que não ocorre transferência de atividade executada pela iniciativa privada para a área governamental, ao contrário, em verdade há a substituição de ente público na prestação de determinado serviço por entidade privada, o que mais se aproxima do instituto da “privatização”. Nesse sentido, cabe trazer à baila o dizer de Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx:
O termo publicização atribuído ao Programa parece-nos inadequado e infeliz. Primeiramente, porque parece antagonizar-se com o termo privatização, o que, como já vimos, não é verdadeiro. Depois, porque de fato, nenhuma atividade estará sendo publicizada, o que ocorreria somente se fosse ela deslocada da iniciativa privada para a área governamental. No caso, é o inverso que sucede, posto que pessoas governamentais é que vão dar lugar a entidades de direito privado. O que existe, na realidade, é o cumprimento de mais uma etapa do processo de desestatização, pelo qual o Estado se afasta do desempenho direto da atividade, ou, se se preferir, da prestação de alguns serviços públicos, mesmo não econômicos, delegando-a a pessoas de direito privado não integrantes da Administração Pública (itálicos no original) (2013, p. 358).
De fato, quando o Poder Público firma contrato de gestão com uma organização social para a prestação de determinado serviço, e há a absorção, através desta, de atividade exercida anteriormente por órgão ou entidade pública, a situação não se coaduna à utilização do vocábulo “publicização”.
A Lei nº 9.637/ 98 (oriunda das Medidas Provisórias nº 1.591 e 1.648) é a norma federal que trata sobre as organizações sociais, a qual dispõe sobre a qualificação dessas entidades, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais.
Cabe salientar que o Plano Diretor mencionava a “descentralização de atividades” pertinentes ao setor não exclusivo, inferindo a transferência da execução destes serviços às organizações sociais. De outro modo, a Lei 9.637/1998 a priori prevê tão somente a extinção das entidades que menciona (Laboratório Nacional de Xxx Xxxxxxxxxx e Fundação Xxxxxxxx Xxxxx) e a absorção de suas atividades por organizações sociais especificadas pela própria norma. Desse modo, interpreta-se que apenas a essas entidades mencionadas na lei haveria realmente a transferência de
serviços públicos, cabendo ao Poder Público apoiar e fomentar os demais particulares qualificados como organizações sociais através da celebração de contrato de gestão.
Contudo, como aponta Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx di Xxxxxx (2012), apesar de a lei ter previsto que o contrato de gestão é um meio de fomento à iniciativa privada para a prestação das atividades relacionadas ao art. 1º, em mais de uma vez (arts. 18 a 20), de forma contraditória cita a possibilidade de absorção de atividades públicas por organizações sociais por meio de contrato de gestão, o que diverge de sua ideia inicial (o fomento).
Segundo a citada lei, a entidade privada sem fins lucrativos deverá habilitar-se perante o Poder Público para adquirir a qualificação de “organização social”, sendo declarada como entidade de interesse social e utilidade pública, podendo ser desqualificada a qualquer tempo se houver o descumprimento das normas de gestão. São áreas de atuação das organizações sociais, de acordo com o art. 1º, as atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.
É através do contrato de gestão firmado entre a Administração Pública e a organização social que são previstas as atribuições, responsabilidades e obrigações de ambos os contratantes. O instrumento deverá especificar o programa de trabalho proposto pela organização social, estipular as metas e prazos para a execução, bem como os critérios de avaliação do desempenho, mediante indicadores de qualidade e produtividade.
A supervisão da execução do contrato é de responsabilidade do órgão ou entidade supervisora da área de atuação objeto do fomento, onde o controle exercido sobre ela será o de resultado.
No órgão de deliberação superior da organização social deverá haver representantes do Poder Público e membros da sociedade, com notória capacidade profissional e idoneidade moral.
Quanto ao fomento prestado pelo Poder Público, a Lei 9.637/98 prevê a destinação de recursos orçamentários e de bens públicos mediante a permissão de uso, com dispensa de licitação. Por outro lado, o inc. XXIV, do art. 24 da Lei 8.666/1993 prevê a possibilidade de dispensa de licitação para a contratação da organização social.
Por fim, destaca-se que os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão editar suas próprias normas, contanto que observados o modelo e os objetivos do Plano Diretor. A propósito, antes da promulgação da lei federal, alguns entes federados já se anteciparam na edição dos seus atos normativos.
3 O CONTRATO DE GESTÃO E SUA NATUREZA JURÍDICA
O tema “contrato de gestão”, novo no ordenamento pátrio, surgiu a partir da Reforma do Aparelho do Estado, a qual pretendia a flexibilização nas formas de atuação da Administração Pública, e por consequência uma maior eficiência na prestação dos serviços. Verifica-se uma dificuldade na doutrina no que se refere à discussão do assunto. Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx:
Não é fácil discorrer sobre o tema, por diversas razões: em primeiro lugar, porque ele é novo no direito brasileiro, sendo pouco tratado pela doutrina e praticamente inaplicado no âmbito judicial; em segundo lugar, porque ele não está disciplinado, de forma genérica, no direito positivo, a não ser em leis esparsas relativas a contratos específicos com entidades determinadas; em terceiro lugar, porque ele assume diferentes contornos, conforme o interesse da Administração Pública em cada caso; em quarto lugar, porque inspirado no direito estrangeiro, adapta-se mal a rigidez de nosso direito positivo. A França, que parece ter sido berço do instituto, tem um direito administrativo em grande parte jurisprudencial, muito menos legislado que o nosso, deixando muito mais espaço paras as inovações feitas pela Administração Pública (2012, p. 260)
Como se observa na abordagem da autora, “não é fácil discorrer sobre o tema”, e um dos fortes motivos apresentados é a rigidez da nossa legislação. Situação essa diferente da França, por exemplo, onde o direito administrativo é, em boa parcela, jurisprudencial, o que faz com que a Administração Pública tenha mais espaço para promover inovações.
No Brasil, o termo “contrato de gestão” pode indicar mais de um assunto, podendo representar a celebração de acordo entre entes públicos ou entre estes e organizações sociais.
A Constituição Federal em seu art. 37, § 8º, introduzido pela EC 19/98, ao tratar de contrato de gestão, prevê que este visa à autonomia gerencial, orçamentária e financeira de órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta, sendo, portanto, firmado entre administradores destes e o Poder Público.
Por outro lado, a Lei 9.637/ 98 em seu art. 5º define o contrato de gestão como o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1o.
Assim, percebe-se a utilização da mesma nomenclatura para o tratamento de diferentes assuntos. A terminologia ora pode ser utilizada para se referir a acordos celebrados entre entidades públicas, ora entre entidade pública e organização social.
Para Xxxxxxxx Xxxxxxxx, o contrato de gestão realizado entre o Poder Público e a organização social, previsto na Lei 9.637/98:
(...) contraria o seu conceito tradicional. Essa terminologia era, a princípio, utilizada para definir os contratos administrativos celebrados entre entes públicos, ao contrário das organizações sociais que são pessoas de direito privado, o que acabou desvirtuando o seu conceito (2010, p. 164).
Esclarecida a questão referente às duas possibilidades de utilização do termo “contrato de gestão”, cabe trazer à baila a problemática concernente à natureza jurídica do instrumento firmado entre ente da Administração Pública e Organização Social.
Nesse sentido, é importante mencionar que não há um consenso doutrinário sobre o assunto. Diante da possível transferência da prestação de serviço público para a organização social, parte dos autores entende haver alguma semelhança com o instrumento da concessão, instituído pela Lei nº
11.079 de 30 de dezembro de 2004, a qual demonstra forma de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Assim, diferentes são os entendimentos. Para Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx (Direito Administrativo, Ed. Atlas, 27ª ed., pág. 581) :
Embora a Lei nº 9.637/98 não diga expressamente, é evidente e resulta nela implícito que as organizações sociais vão absorver atividades hoje desempenhadas por órgãos ou entidades estatais; suas instalações, abrangendo bens móveis e imóveis, serão cedidos à organização social. Nos casos em que as organizações sociais prestem estas atividades, mantendo a natureza de serviços públicos, o contrato de gestão muito se assemelha à concessão administrativa, prevista, como uma das formas de parceria público-privada, pela Lei nº 11.079, de 30-12-04: haverá delegação de atividade estatal, remunerada inteiramente pelo Poder Público (2013, p.581).
Já Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx aponta:
O contrato de gestão pode gerar uma delegação de serviço público, entendida a expressão em sentido amplo. Mas a organização social nunca pode ser assemelhada a uma concessionária de serviço público, que atua buscando o lucro. A organização social não visa o lucro, ainda que possa obtê-lo como decorrência de sua eficiência (2008, p. 206).
Parte dos autores, ainda, defende a similaridade do ajuste ao convênio, visto que defendem que os interesses dos pactuantes são convergentes, onde ambos cooperam para uma finalidade comum. Nesta linha, segue a lição de Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
Devidamente qualificadas, as organizações sociais celebram com o Poder Público o que a lei denominou de contratos de gestão (...). A despeito da denominação adotada, não há propriamente contrato nesse tipo de ajuste, mas sim verdadeiro convênio, pois que, embora sejam pactos bilaterais, não há a contraposição de interesses que caracteriza os contratos em geral; há isto sim, uma cooperação entre pactuantes, visando a objetivos de interesses comuns. Sendo paralelos e comuns os interesses perseguidos, esse tipo de negócio jurídico melhor há de enquadrar-se como convênio (itálicos no original) (2013, p. 360).
Por outro lado, há os que preferem analisar a natureza do instrumento conforme o caso concreto, reconhecendo-se, desta maneira, o fundamento da relação jurídica celebrada. Assim é o ensinamento de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
É problemático definir, examinando a questão em tese, a natureza jurídica de um contrato de gestão. Até se poderia reconhecer a figura similar ao “convênio”. É que as partes, no contrato de gestão, não têm interesses contrapostos. (...) Mas no caso concreto, a expressão “contrato de gestão” pode comportar inúmeras figuras jurídicas, da mais diversa natureza. Caberá examinar a situação concreta para atingir uma conclusão. O regime jurídico aplicável dependerá da identificação do substrato da relação jurídica pactuada (2008, p. 206-207).
Não obstante o impasse doutrinário acerca da natureza jurídica do contrato de gestão verifica-se que apesar de haver uma proximidade com o instrumento de convênio, pois a legislação menciona o apoio à iniciativa privada através de fomento, o que num primeiro momento configuraria uma forma de parceria para a realização de objetivos comuns, na realidade, ao menos na saúde, não vem se limitando à mútua colaboração.
Isso porque não é concebível num convênio a existência de qualquer remuneração, e de acordo com uma Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União em 2012, acerca da transferência do gerenciamento de serviços públicos de saúde à organizações sociais, existem casos de contratos que preveem uma “taxa de administração” (esta, salienta-se não se confunde com a espécie tributária) correspondente ao preço pago pela Administração Pública à organização social, que muitas vezes não é aplicado no serviço, e sim transferido à sede da entidade em outro local (TCU, 2014). Diante da remuneração constatada, o instrumento assume uma característica de contrato, pois, está-se diante de verdadeira contraprestação.
Sobre o assunto, importante é a lição de Xxxxxx XXXXXXXXXXX:
(...) Dessa forma, o ajuste estará caracterizado como contrato, independentemente da denominação a ele atribuída, enquanto existirem partes: uma pretendendo um objeto (obra, serviço, material etc) e outra aspirando à contraprestação estabelecida (normalmente o valor avençado em dinheiro, ou seja, o preço estipulado, ou mesmo qualquer outro benefício ou vantagem). Por conseguinte, na existência de pagamento, caracterizado estará o contrato. (2012, p.22-23)
Com isso, observa-se que, quando o contrato de gestão não conserva a ideia de simples cooperação e esforços mútuos, e a organização social ao assinar o ajuste com o Poder Público intencionar contraprestação pelos serviços prestados, o instrumento demonstra na verdade, a natureza jurídica de contrato e não de convênio.
4 SERVIÇOS PÚBLICOS E O SETOR NÃO ESTATAL
A definição de serviço público é algo que passou por consideráveis mudanças de acordo com o momento histórico vivido, o que deixa claro que o conceito não é estático. Assim, a depender da época e da sociedade, a terminologia poderá abarcar diferentes visões.
No cenário atual, entendem-se como serviços públicos as atividades exercidas pelo Estado, prestadas direta ou indiretamente, as quais demonstrem o interesse geral da população e tragam alguma utilidade para esta.
No entendimento de Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx:
o conceito deve conter os diversos critérios relativos à atividade pública. De forma simples e objetiva, conceituamos serviço público como toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade (2013, p. 325).
Para Xxxxxxxx Xxxxxxxx:
é considerado serviço público toda atividade de oferecimento de utilidade e comodidade material, destinada à satisfação da coletividade, mas que pode ser utilizada singularmente pelos administradores, e que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta-a por si mesmo, ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público, total ou parcialmente (2010, p. 469).
Com a reforma gerencial promovida no Governo de FHC, que resultou no documento do Plano Diretor Reforma do Aparelho do Estado, surgiu o programa de publicização, o qual diante do setor de serviços não exclusivos (onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas) permitiria a transferência dos serviços públicos correspondentes.
Neste diapasão, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx conceitua o setor público não-estatal como:
(,,.) o setor público não-estatal, pode ser entendido como aquele que é direcionado para interesse da coletividade social, o qual não é privado, visto que, não há finalidade lucrativa, mas também não o é estatal, pois é composto por pessoas jurídicas de direito privado, estranhas às estruturas do poder público” (1996, p. 28).
Assim, o setor público não estatal que é aquele que não é privado, já que não existe um interesse lucrativo e também não resulta estatal, por envolver de pessoas jurídicas de direito privado.
5 O SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE E O CONTRATO DE GESTÃO COM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
O conceito de saúde pode ser extraído do preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, o qual informa que “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (OMS/WHO – 1946).
No Direito Pátrio, a Carta Magna em seu art. 196 ensina que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Em outro ponto, a Constituição Federal dispõe no art. 198 que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, o qual corresponde ao SUS definido pelo art. 4º da Lei nº 8.080/90, como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.
São diretrizes do sistema único de saúde (incisos do art. 198, CF): I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e III - participação da comunidade.
No que atine à descentralização do serviço público de saúde (inc. I art. 198, CF), cabe trazer à baila o ensinamento de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx:
(…) a modalidade sem dúvida alguma cabível para dar cumprimento ao dispositivo constitucional, em seu inciso I, é a descentralização por serviços, mediante criação, por lei, de pessoas jurídicas para atuarem na área da saúde, as quais comporão a Administração indireta, seja da União, dos Estados ou dos Municípios. As modalidades mais apropriadas para os serviços da área de saúde são a autarquia, a fundação ou mesmo a empresa pública (se esta for organizada como sociedade civil, sem fins lucrativos), já que se trata de serviços necessariamente gratuitos. (2012, p. 231).
Neste diapasão, percebe-se que diante da possibilidade constitucional de descentralização do serviço público de saúde, a Administração Pública poderá transferir tal atividade para outras entidades da Administração Indireta, criadas por meio de lei específica para esse fim.
Por outro lado, a Constituição em seu art. 199, § 1º, demonstra a possibilidade da iniciativa privada de participar de forma complementar do sistema único de saúde, de acordo com diretrizes deste, através de contrato de direito público ou convênio, em que terá preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
A respeito da contratação com as instituições privadas, importante mencionar o ensinamento de Xxxxxx:
A Constituição fala em contrato de direito público e em convênio. Com relação aos contratos, tem-se que entender que a Constituição está permitindo a terceirização, ou seja, os contratos de prestação de serviços dos SUS, mediante remuneração pelos cofres públicos. Trata-se dos contratos de serviços regulamentados pela Lei n.º 8.666, de 21.6.93, com alterações introduzidas pela Lei n.º 8.883, de 8.6.94. Pelo art. 6º, inc. II, dessa lei, considera-se serviço "toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse da Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais (com grifos no original) (2012, p. 232).
Assim, quando o legislador originário menciona o instrumento do contrato de direito público, trata-se das atividades que podem ser terceirizadas pelas entidades públicas, quais sejam: os serviços regulamentados pela Lei 8.666/93.
Nesse sentido, ao permitir a participação de forma complementar das instituições privadas, a Constituição está tratando da prestação de atividades-meio ligadas ao serviço de saúde, como limpeza e vigilância em hospitais públicos, ou mesmo a prestação de serviços técnicos e especializados (consultas, exames). Contudo, não há que se falar em gerenciamento de hospitais públicos por meio de particulares. Sobre o assunto ainda explica Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx:
É importante realçar que a Constituição, no dispositivo citado, permite a participação de instituições privadas "de forma complementar", o que afasta a possibilidade de que o contrato tenha por objeto o próprio serviço de saúde, como um todo, de tal modo que o particular assuma a gestão de determinado serviço. Não pode, por exemplo, o Poder Público transferir a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de saúde prestada por um hospital público ou por um centro de saúde; o que pode o Poder Público é contratar instituições privadas para prestar atividades-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnico-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas, etc.; nesses casos, estará transferindo apenas a execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, mas não sua gestão operacional (2012, p. 232).
Já a Lei 8.080/90 que regulamenta o SUS, estabelece a participação complementar pela iniciativa privada (arts. 24 a 26) quando as disponibilidades do sistema único de saúde forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área. Neste ponto, os particulares deverão ser acionados em situações excepcionais, onde haja incapacidade de atendimento de todos os usuários pelas entidades públicas específicas, o que implica que os particulares deverão prestar os serviços em suas disponibilidades, com seus equipamentos e profissionais responsáveis. A avença firmada entre o Poder Público e a entidade privada será formalizada por meio de contrato ou convênio, observadas as normas de direito público. A ilustre autora anteriormente citada informa:
A Lei n.º 8080, de 19.9.90, que disciplina o Sistema Único de Saúde, prevê, nos arts. 24 a 26, a participação complementar, só admitindo-a quando as disponibilidades do SUS
"forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área", hipótese em que a participação complementar "ser formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público" (entenda-se, especialmente, a Lei n° 8.666, pertinente a licitações e contratos). Isto não significa que o Poder Público vai abrir mão da prestação do serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros; ou que estes venham a administrar uma entidade pública prestadora do serviço de saúde; significa que a instituição privada, em suas próprias instalações e com seus próprios recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e serviços de saúde, mediante contrato ou convênio (2012, p. 232).
A Lei Federal nº 9.637/98 previu a possibilidade de o Poder Público firmar parceria com entidade qualificada como organização social com vistas ao fomento (destinação de recursos orçamentários e bens necessários ao cumprimento do contrato, por meio de permissão de uso ou dispensa de licitação; cessão de servidores com ônus para a origem) e execução de atividades relacionadas ao art. 1º da mesma lei, entre elas, o serviço de saúde, através de contrato de gestão.
A norma apesar de falar em parceria a ser efetuada entre o ente público e o particular, mais de uma vez menciona a absorção pelas organizações sociais de atividades exercidas por entes públicos. Deste modo, infere-se que há tendência à transferência do serviço público a particulares, que prestarão a atividade com afastamento do rigor normal voltado aos entes públicos.
Isto porque, apesar de o texto legal dispor que o contrato de gestão constitui forma de incentivo à iniciativa privada, prevê, por exemplo, no art. 20 a criação através de decreto do Poder Executivo, do Programa Nacional de Publicização, com o objetivo de estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação de organizações sociais, a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da União, que atuem nas atividades referidas no art. 1o, por organizações sociais.
Assim, percebe-se que se o Poder Público ao contratar com organizações sociais, não limitar o objeto da avença ao apoio e ao fomento, e permitir a absorção do serviço público pelo particular, implicando a transferência da atividade em si, há na verdade a idealização de modalidade de privatização (esta em sentido amplo, onde se busca formas para a diminuição do tamanho do Estado).
Como já fora abordado, a Constituição Federal e a Lei 8.080/90 prevê a participação “complementar” da iniciativa privada no sistema único de saúde, o que configura a execução de atividades materiais ligadas à saúde que podem ser terceirizadas (limpeza, vigilância, serviços técnicos, por exemplo), ou a contratação de particulares para que estes prestem em suas próprias disponibilidades, ou seja, em suas clínicas e hospitais, o serviço de saúde, quando a entidade pública não suportar a demanda apresentada.
Neste ponto, verifica-se que caso o Poder Público efetue o contrato de gestão com organizações sociais para que estas assumam o serviço público de saúde, está havendo a transferência da execução do serviço finalístico, ficando desconfigurada a complementaridade, a qual a norma constitucional e infraconstitucional específica permitem.
De fato, o que ocorre em muitos casos é a própria transferência do gerenciamento do serviço de saúde prestado em hospitais públicos, sob a denominação de parceria para fomento, firmada por meio de contrato de gestão com entidades privadas. Depreende-se tal afirmativa de Relatório de Auditoria Operacional realizada pelo Tribunal de Contas da União em 2012, onde menciona :
(...) mais do que o fomento de uma atividade de interesse social prestada por entidades sem fins lucrativos, os contratos de gestão têm sido usados como forma de transferência do gerenciamento de unidades públicas de saúde. O que ocorre na maioria dos casos é que os governos estaduais e municipais têm transferido o gerenciamento de hospitais públicos, já existentes e que já prestam serviços públicos de saúde, para organizações sociais. Assim, além da transferência de recursos, ocorre a cessão de um bem público e de servidores públicos.
(...) Ao invés de se utilizar do contrato de gestão para fomentar a realização de ações e serviços de saúde por entidades sem fins lucrativos, o Poder Público tem transferido o gerenciamento de unidades públicas de saúde para estas entidades. Ao invés de ter como objetivo ampliar a prestação de um serviço de relevância pública, busca-se uma maior autonomia no gerenciamento de serviços na maioria das vezes já prestados pelo Estado, retirando a necessidade de realização de concurso público e licitações, a sujeição aos limites de gastos com pessoal, etc.. (TCU, 2014).
Na realidade, como bem exposto pelo TCU, o Poder Público está lançando mão do contrato de gestão para transferir a responsabilidade de administrar e gerenciar hospitais públicos para entidades privadas qualificadas como organizações sociais, o que descaracteriza o simples apoio previsto na legislação.
Desse modo, o particular passa a assumir o controle do hospital, utilizando-se das instalações, dos equipamentos, e servidores públicos para a prestação do serviço acordado. Podendo também, por ser entidade privada, a organização social contratar funcionários, sem necessidade de concurso público, adquirir bens sem licitação e não se sujeitar aos limites de gastos com pessoal (obrigações necessárias se fosse a própria Administração Pública quem estivesse gerenciando o hospital). Caracteriza-se, assim, o gerenciamento uma forma de “delegar” ao particular a atividade principal do hospital.
Salienta-se que a Constituição Federal ao tratar sobre a prestação de serviço público, em seu art. 175 menciona que o Poder Público deverá prestá-lo direta ou indiretamente por meio de concessão ou permissão, sempre através de licitação. Tais institutos são as únicas formas de transferência de execução de serviços públicos a particulares, previstas na Constituição pátria.
No que atine à possibilidade de a organização social contratar (por ser particular), funcionários ligados ao serviço fim (médicos, enfermeiros, entre outros), sem a necessidade de realização de concurso público, verifica-se que de outro modo seria se a própria Administração Pública exercesse o papel de gerenciamento do hospital, já que a composição de seu quadro de servidores dependeria de aprovação prévia em concurso, nos moldes do que preleciona o art. 37 da Carta Magna.
Há de ser explicitado também que ao prever a participação complementar da iniciativa privada por meio de contrato ou convênio, a Lei 8.080/90, que regulamenta o sistema único de saúde, menciona a necessidade de observação às normas de direito público (parágrafo único do art. 24), fazendo parte complexo normativo de direito público a Lei 8.666/93 que trata das licitações e contratos no âmbito da Administração Pública.
Tal dispositivo encartado na Lei do SUS, implicaria, além de submissão a outras normas publicísticas, a prévia realização de licitação objetivando a contratação de particular para a prestação de determinados serviços, assegurando desta forma, a melhor proposta ao Poder Público. Contudo, a Lei nº 9.648, de 1998 incluiu o inciso XXIV no rol do art. 24 da Lei 8.666/93 o caso de dispensa de licitação para a celebração de contrato de gestão com organizações sociais para as atividades contempladas no instrumento.
A respeito desse tipo de dispensa, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx suscita questão referente à extensão da norma, visto que, é certo que a dispensa abrangerá os contratos relacionados e derivados do contrato de gestão, o problema reside na possibilidade ou não de dispensa de licitação para a contratação das organizações sociais que prestarão o serviço. Para a solução da questão, o autor se apoia em princípios gerais aplicáveis à matéria. Assim, embasando-se na indisponibilidade dos interesses sob tutela estatal, que tem como finalidade a promoção do bem comum, e na isonomia que garante o tratamento igual a todas as organizações sociais, é defendido o prévio procedimento licitatório, de modo que este seja adequado à matéria abrangida. (XXXXXX XXXXX, 2005).
Até porque não há sentido a Administração realizar licitação para adquirir bens ou mesmo contratar serviços simples de particulares e ao mesmo tempo não efetuar qualquer seleção para contratação de entidade que receberá verbas públicas e poderá se utilizar de bens públicos para a efetivação de seus serviços.
Sendo assim, percebe-se que a participação da iniciativa privada na área da saúde pública, tomando por fundamento a Constituição Federal e a Lei 8.080/90, poderá ocorrer de forma complementar, e o contrato de gestão com organizações sociais, selecionadas através de licitação, por sua vez, deverá tão somente prever o apoio e o fomento (como a destinação de recursos
orçamentários, por exemplo) a estas entidades, para que prestem as atividades permitidas legalmente, afastando a possibilidade da prestação do gerenciamento do serviço público em si.
6 CRÍTICAS À FORMA DE CONTRATAÇÃO ENTRE O PODER PÚBLICO E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
Muitas são as críticas que giram em torno das organizações sociais e dos contratos de gestão, tanto que a Lei nº 9.637/98, norma federal que dispõe sobre a qualificação das entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, entre outras previdências, é objeto de controle de constitucionalidade, proveniente da ADI 1.923/DF interposta perante o STF, com julgamento ainda não concluído.
Pois bem, a referida lei prevê o fomento a entidades sem fins lucrativos qualificadas como organizações sociais junto ao ente federado, como forma de apoio para o desenvolvimento das atividades mencionadas no art. 1º, quais sejam: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e à saúde.
O vínculo jurídico firmado entre o Poder Público e a organização social materializa-se por meio do contrato de gestão, no qual serão fixadas as metas que deverão ser cumpridas pela entidade, obtendo esta em contrapartida o auxílio estatal, através, por exemplo, da cessão de bens públicos, da transferência de recursos orçamentários, ou da cessão de servidores públicos.
Uma das queixas que muito se faz em relação à contratação de organizações sociais é a desnecessidade de realização de licitação pública para a escolha da entidade. Tal possibilidade de contratar sem licitar aparece no inc. XXIV do art. 24 da Lei 8.666/1993, instituído pela Lei nº 9.648, de 1998. Esta dispensa, contudo atinge os princípios da isonomia e da indisponibilidade dos interesses sob tutela, além de atentar contra moralidade, pois diante da falta de um processo licitatório, a coisa pública ficará a mercê da discricionariedade do gestor, que diante de várias entidades, poderá vir a contratar utilizando de critérios subjetivos.
Outro ponto é a possibilidade de a organização receber recursos orçamentários e utilizar de bens públicos, sem, contudo ter de comprovar idoneidade financeira e qualificação técnica, requisitos, a saber, exigidos em qualquer contrato administrativo (PIETRO, 2012).
Ademais, por restar claro que a entidade administrará verbas públicas, a lei deveria prever limitações aos salários de seus empregados. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx:
(...) enquanto para o servidor público o regime constitucional vigente é rico em restrições, para as organizações sociais a liberdade é total; o mesmo servidor que trabalhava na mesma entidade, a partir do momento em que esta muda sua roupagem, deixa de sofrer limitações
quanto a concurso público, a teto salarial, a acumulação de cargos e tantas outras (...)
(2012, p. 215).
A Lei 9.637/1998 também não prevê para a celebração do contrato a necessidade de comprovação da existência da entidade, ou seja, que ela possua entre outros requisitos, sede, patrimônio e capital próprios. Deste modo, a Administração Pública corre o risco de contratar entidades constituídas tão somente para a celebração de contratos de gestão (PIETRO, 2012).
Por fim, há de ser mencionada a transferência de serviços públicos para organizações sociais através dos contratos de gestão. Embora a ideia principal da Lei 9.637/1998 fosse incentivar o apoio e o fomento, o que se tem visto na prática, ao menos na saúde, é a transferência do serviço finalístico, em que a gestão de hospitais públicos está sendo confiada às entidades, as quais prestam o serviço, sem, contudo, submeterem-se ao total rigor normativo.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi efetuar análise acerca do Plano de Publicização e da Lei Federal nº 9.637/98, a qual dispõe sobre as organizações sociais, bem como abordar a problemática envolvida no ajuste firmado entre o Poder Público e essas entidades (por meio do contrato de gestão) na área de saúde, tomando como base as normas constitucionais e a Lei 8.080/90 que regulamentam o sistema único de saúde.
Pois bem, o Plano de Publicização foi previsto inicialmente no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, o qual vislumbrava o repasse da gestão de atividades de interesse público às entidades de Terceiro Setor, concernente às organizações sociais para assim tornar a Administração Pública mais eficiente.
As organizações sociais são entidades particulares sem fins lucrativos que se qualificam perante o Poder Público para assim, celebrarem contrato de gestão com o mesmo, e passarem
a receber o fomento necessário para a consecução de atividades de interesse social.
No âmbito federal, surgiu a Lei nº 9.637/98, norma que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, além de dar outras providências.
Como já exposto, o Plano Diretor citava a “descentralização de atividades” referentes ao setor não exclusivo, o que implicaria a transferência de serviços públicos às entidades sociais, ao passo que a Lei 9.637/1998 menciona a contratação dessas entidades através de contrato de gestão
com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas ao art. primeiro da norma.
Dentre as atividades que podem ser fomentadas pelo Poder Público, está o serviço de saúde, que segundo o art. 196 da Constituição Pátria é um direito de todos e dever do Estado, garantido através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Em outro ponto, a Carta Magna demonstra que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, o SUS, conceituado pelo art. 4º da Lei nº 8.080/90 como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.
Ressalta-se a possibilidade da iniciativa privada de participar do sistema único de saúde, que segundo o art. 199, § 1º da Constituição Federal ocorrerá de forma complementar, em que terá preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Sobre essa forma de participação, reitera-se, refere-se aos serviços ligados à prestação da saúde pública que podem ser terceirizados, a exemplo da limpeza, vigilância, serviços técnicos, entre outros.
Já a Lei 8.080/90 que regulamenta o SUS, prevê a participação complementar pela iniciativa privada (arts. 24 a 26) no momento em que as disponibilidades do sistema único de saúde forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, de modo que os particulares deverão prestar os serviços em suas próprias disponibilidades.
Devidamente explicitada a complementaridade do SUS, retoma-se a temática envolvida na contratação de organizações sociais de saúde. Nesse sentido, como bem abordado ao longo do trabalho, verifica-se que aos invés de essas entidades prestarem os serviços permitidos pela legislação constitucional e infraconstitucional atinentes à matéria, na realidade o que tem ocorrido é a própria transferência do gerenciamento do serviço público de saúde. De modo que, sob a forma de apoio para fomento, celebrada através de contrato de gestão, a administração de hospitais públicos vem sendo transferida para as organizações sociais, como exemplo a Cruz Vermelha no Hospital de Trauma Senador Xxxxxxxx Xxxxxx na Paraíba.
Essa maneira de transferência de serviço público é incabível quando se leva em conta os preceitos constitucionais, pois além da iniciativa privada só poder participar de forma complementar do SUS, as únicas formas de delegação de serviços públicos previstas na Carta Magna, são as demonstradas no art. 175, ou seja, a concessão e a permissão, que não parecem ser tão apropriadas na área de saúde, visto que, nessa atividade, não são os usuários que remuneram o particular.
Assim, verifica-se uma forma de desvio ao controle público, visto que o contrato de gestão está servindo como um instrumento de transferência da gestão do serviço público de saúde não previsto pela Constituição Federal, e pior, através de dispensa de licitação prevista no inc. XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93, o que fere os princípios da indisponibilidade dos interesses sob tutela estatal, da isonomia e da moralidade
Ademais, quando a organização social toma a gestão de um hospital público e passa a contratar funcionários ligados à atividade-fim (médicos, enfermeiros, entre outros), sem a necessidade de realização de concurso, por ser particular, é nítido que essa forma de avença com organizações sociais muito se assemelha à terceirização de mão de obra. De outra maneira seria se a própria Administração Pública exercesse a função de gestão do hospital, já que a contratação de seu quadro de servidores dependeria de aprovação prévia em concurso, nos moldes do que preleciona o art. 37 da Carta Magna.
Diante disso e de tudo que fora exposto ao longo do trabalho, entende-se que quando o Poder Público celebra contrato de gestão com organização social para que esta preste atividade de gerenciamento de hospitais, há na verdade, a inobservância às normas constitucionais e à legislação específica do sistema único de saúde.
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