DOSSIÊ
DOSSIÊ
SOCIOLOGIAS
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Sociologias, Porto Alegre, ano 6, nº 12, jul/dez 2004, p. 32-67
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1 Emprego flexível e suas formas
N
as últimas décadas emergiu uma série de modalidades de emprego que se distancia do modelo de emprego inserido na relação salarial do pós-guerra. Este último compreende um contrato com duração indeterminada, horário de trabalho completo e regulado por contratação
colectiva, um determinado local de trabalho, a possibilidade de progres- são numa carreira profissional e ainda uma concepção hierárquica e colectiva das relações de trabalho.
É frequente designar as formas emergentes de trabalho (trabalho tem- porário, auto-emprego, trabalho a tempo parcial, trabalho ao domicílio, teletrabalho, etc.) como atípicas face ao padrão normal do emprego típico dos gloriosos 30 anos pós-guerra. No entanto, a utilização do adjectivo atípico, levanta dúvidas, uma vez que as formas emergentes de emprego, sobretudo nos recentes e actuais recrutamentos passaram a ser cada vez mais ”típicas". Embora estas formas particulares de emprego sejam ainda minoritárias se as compararmos com o chamado emprego ”normal" com
* Professora Catedrática do Departamento de Ciências Sociais. Instituto Superior de Economia e Gestão – Universidade Técnica de Lisboa (Portugal). Endereço eletrônico: xxxxx@xxxx.xxx.xx
1 Este artigo insere-se no projecto de investigação em curso, intitulado As formas flexíveis de emprego: riscos e oportunidades, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecologia (POCTI Nº 33042/SOC/2000), bem como no projecto de cooperação ”Transformações do Trabalho e do Emprego no Contexto da Reestruturação Económica" no âmbito do Convênio GRICES/CAPES.
contrato de duração indeterminada, contudo, actualmente, elas constitu- em uma via de acesso normal para a integração no mercado de trabalho.
Outros autores utilizam o termo ”novas formas de trabalho" ou de emprego. Neste caso, pretende-se marcar a distância que separa as formas emergentes do padrão antigo, tradicional ou obsoleto. Também parece ina- dequado o adjectivo ”novas", porque muitas dessas formas de emprego não são novas, mas significam um retorno a formas bem antigas de trabalho remunerado, tais como o trabalho ao domicílio, o trabalho temporário, o trabalho independente ou o trabalho a tempo parcial.
Rejeitando os adjectivos acima referidos como inadequados, optei pelo adjectivo ”flexível" por considerar como principal característica das formas de emprego actualmente em grande difusão (Brewster et al. 1997; Felstead, Jewson, 1999).
O conceito de emprego flexível está presente já em Atkinson (1987). Este autor, através do ”modelo da empresa flexível", analisa a diferencia- ção entre dois grupos de trabalhadores: o núcleo estável dos trabalhadores chave e os trabalhadores periféricos. Tratar-se-ia de grupos relativamente homogéneos. No que se refere ao núcleo duro, o regime de emprego está estruturado de acordo com o ”modelo de solidariedade social", caracteri- zado pelos seguintes aspectos: cooperação entre parceiros sociais no es- forço para aumentar a produtividade, repartição dos ganhos de produtivi- dade associando convenções colectivas e disposições sociais, criação de condições sociais e de condições de mercado encorajadoras da reciproci- dade no trabalho melhorando as condições de trabalho e a remuneração, instaurando programas de formação, etc. Do ponto de vista económico, está subjacente a ideia de que uma mão-de-obra segura, qualificada e motivada é adaptável às mudanças e constitui um factor de competitividade por permitir uma grande flexibilidade funcional. A experiência profissional deste grupo está submetida à lógica do longo prazo e comprometimento (empenhamento) mútuo.
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No que se refere aos grupos periféricos e externos, o regime de em- prego está estruturado de acordo com o modelo de adaptação ao mercado caracterizado pela libertação dos mecanismos de mercado (inclusive do trabalho) para permitir o livre fluxo dos recursos económicos. O emprego instável dos grupos periféricos permite obter a flexibilidade numérica ade- quada às flutuações da procura.
Partilhamos a ideia praticamente generalizada, entre os estudiosos do emprego, em torno da crise dos modelos de trabalho e de empresa até há pouco dominantes. Esta crise manifesta-se na redução do emprego estável e a tempo integral a favor de uma multiplicidade de formas de trabalho remunerado cujo denominador comum é a flexibilidade em termos contratuais, de tempo de trabalho, de espaço e de estatutos. Essa é a razão da pertinência do termo formas flexíveis de emprego. No entanto, em vez de opor dois grupos (o núcleo e a periferia) com base na dualização do mercado de trabalho, como faz Xxxxxxxx, sublinho a tendência para a cres- cente diferenciação e heterogeneidade das situações de trabalho e formas de emprego. A difusão de empregos flexíveis insere-se no movimento de reestruturação do processo produtivo e da flexibilização do mercado de trabalho levando à desagregação e dispersão da realização do trabalho, à fragmentação da sua organização.
Numa economia mundializada, com a predominância da lógica finan- ceira e da rendibilidade a curto prazo, existe uma pressão incessante para a máxima flexibilização do factor de trabalho. Os empregadores pretendem uma força de trabalho que responda rapidamente, com facilidade e a baixo custo, aos requisitos e às variações do mercado (Grupo de Lisboa, 1994). A empresa idealizada é a empresa magra ou a ”empresa flexível" (Xxxxxxxx, 1987) que, de acordo com estratégias diferenciadas, combina diferentes regimes de emprego dentro de si mesma, com vista a obter tanto flexibili- dade funcional como flexibilidade quantitativa. Estudos empíricos recente- mente realizados a nível da UE mostram que, apesar das diferenças entre os países quanto às formas concretas, o emprego flexível tem vindo a au-
mentar em toda a Europa (CE, 1998; Xxxxxxxx et al., 1997). Este aumento é facilitado pela debilidade das forças sindicais e pelo desequilíbrio nas relações capital-trabalho. A difusão de formas de emprego flexíveis pode implicar um forte crescimento de uma força de trabalho fluída que pode ser contratada, despedida, externalizada, de acordo com as necessidades de adaptação ao mercado por parte das empresas (Castells, 1998; Xxxxxx, 2003). Uma parte substancial das formas flexíveis de emprego é precária. A precariedade refere ao trabalho mal pago, pouco reconhecido e que provo- ca um sentimento de inutilidade, refere ainda à instabilidade do emprego, à ameaça do desemprego, à restrição dos direitos sociais e também à falta de perspectivas de evolução profissional. A difusão das formas precárias está ligada à procura da flexibilização quantitativa e à redução de custos do trabalho através do recurso a vínculos contratuais instáveis e através da substituição de contratos de trabalho por contratos comerciais.2
Há uma grande controvérsia em torno das formas flexíveis de empre- go. Para uns (Handy, 1984; Bridges, 1994) elas são manifestações do afas- tamento da sociedade centrada no trabalho assalariado, pautado pela esta- bilidade e pela previsibilidade dos percursos profissionais. Estas formas ins- crevem-se na era da flexibilidade ou da economia flexível que abarca – entre outras dimensões – a flexibilidade de emprego, a multiplicidade de opções e oportunidades, o apogeu da afirmação do indivíduo e da sua liberdade. Numa perspectiva crítica, essas formas de emprego são, ao in- vés, sinais de um retrocesso social e acarretam consequências negativas do ponto de vista da coesão social. (Castel, 1995; Castillo, 1998; Gorz, 1997; Rifkin, 1995). Em meu entender, as formas flexíveis de emprego são ambí- guas; tanto implicam riscos, como comportam oportunidades; tanto podem trazer vantagens como desvantagens para os indivíduos nelas envolvidos e para a sociedade em geral.
2 Subcontratação e contratos de prestação de serviços.
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2 A difusão de formas flexíveis de emprego em Portugal
Portugal costuma ser referido como um país cujo mercado de traba- lho é muito regulado e, por conseguinte, muito rígido. No entanto, a flexibilização da força de trabalho avança, como aliás, nos outros países da União Europeia, independentemente do grau de regulação do merca- do de trabalho. De acordo com uma sondagem referente a uma amostra representativa da população portuguesa em 1999, cerca de 3/4 dos em- pregados tinham contrato de trabalho, 17,7% não tinham, sobretudo na agricultura/pescas (58,7%) e no comércio (60%); mais de metade (55,1%) tinham contrato sem termo, 20% contrato a termo e 20% contrato de prestação de serviços. Estes dados diferem bastante dos dados do Instituo Nacional de Estatística (INE): em 1999 80,4% do emprego era com con- trato sem termo, 13,8% com termo, 1,5% de contrato de prestação de serviços e 4,4% outro tipo de contrato. Um inquérito feito em 1997 indi- cou os seguintes dados: emprego sem qualquer contrato 21,5%, com contrato com duração indeterminada 67,5% e com contrato a termo certo 11,5% (Xxxxxx, 1998.)
Um dos principais problemas é conhecer com exactidão a extensão e a evolução das diversas formas de emprego flexível, bem como saber quais os grupos sociais mais atingidos. Em diversos estudos (Vaz, 1997; Xxxxx, Xxxxxx, 0000; Xxxx, 2000; Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000; Cerdeira, 2000) realizados, transparece a dificuldade de obter dados estatísticos adequados. Efectivamente, a partir das fontes estatísticas nacionais torna- se extremamente difícil proceder a um estudo quantitativo rigoroso, não só devido à dispersão dos dados por múltiplas fontes, mas também por- que são variadas as amostras, porque são distintos os critérios metodológicos e os métodos de recolha e tratamento (por vezes, mesmo no âmbito das mesmas fontes de informação). Deste modo, confrontamo-nos com valo- res diferentes quando analisamos as modalidades de emprego, consoante as fontes de origem.
Entre as diversas formas flexíveis de emprego podem ser destacadas as mais difundidas, tais como o trabalho com contrato de duração deter- minada, o trabalho temporário, o trabalho independente e o trabalho a tempo parcial.3
2.1. Os contratos de duração determinada e o trabalho temporário
Os contratos a termo comportam uma dimensão temporal fixa, isto é, têm os seus limites de início e fim bem definidos. O Código do Trabalho que entrou recentemente em vigor, permite que este tipo de contratos seja renovado três vezes e até ao limite de seis anos.4 Até há alguns anos atrás, o recurso a contratos de duração determinada funcionava como uma fase de experimentação, uma espécie de processo de ”pré-recrutamento" de trabalhadores efectivos, Hoje este tipo de contrato deixou de significar o acesso a um emprego estável; resulta sim, muitas vezes, numa nova situa- ção precária. Inicialmente este tipo de relação contratual cobria maioritariamente mão-de-obra pouco qualificada. Contudo, indicadores re- centes mostram que o nível das qualificações dos trabalhadores com con- trato de duração determinada tende a aumentar.
O trabalho temporário assemelha-se ao contrato de duração determi- nada. Uma das diferenças essenciais reside na existência de uma relação triangular entre empresa de trabalho temporário (ETT) como empregador, a empresa utilizadora e o trabalhador. O trabalhador trabalha na empresa utilizadora, mas tem vínculo contratual com a ETT. A duração do contrato pode ser a termo certo (3, 6 ou 12 meses renovável até máximo de 2 anos) ou termo incerto. Ainda existe a modalidade de contrato renovável sema- nalmente até ao máximo de 12 meses. Por vezes, as empresas utilizadoras estabelecem com as empresas de trabalho temporário uma relação de fide- lidade. Elas impõem às empresas de trabalho temporário a escolha de pes-
3 O trabalho informal não constitui objecto de análise do presente artigo, apenas as formas legais de emprego flexível. 4 Até 1 de Dezembro de 2003 a duração máxima era 36 meses no limite de duas renovações.
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soas com perfis bem definidas, pessoas essas que já foram ”testadas" a nível de qualificações profissionais anteriormente.
Como o gráfico seguinte indica, a proporção do trabalho com contra- tos de duração temporária em Portugal (21,8%) e, sobretudo em Espanha (31,2%), é bastante superior à da média da União Europeia (13,1%):
35, 0
30, 0
25, 0
20, 0
15, 0
10, 0
5, 0
0, 0
BÉL DIN ALE G RE ESP FRA IRL ITA LUX HOL AUS POR FIN S UE RU UE15
HM 7,6 8,9 12,0 11,3 31,2 14,1 5,3 9,9 4,3 14,3 7,4 21,8 17,3 15,7 6,1 13,1
Gráfico 1: Trabalho temporário5 na Europa – 2002 (%)
Fonte: Eurostat, Labour Force Survey 2002
O trabalho temporário atinge sobretudo jovens, mulheres e indivíduos portadores de baixos níveis de escolaridade e com poucas (ou mesmo sem) qualificações.
O crescimento do trabalho temporário em Portugal supera muito o crescimento verificado na União Europeia, como se vê no gráfico seguinte:
5 Inclui os contratos com duração determinada e os contratos com ETT.
25 20 15 10 5 0 | |||||||||||
1985 | 1 | 991 | 1 | 996 | 2000 | 2002 | |||||
Portugal | 13, 8 | 15, 7 | 15, 1 | 20, 4 | 21, 8 | ||||||
UE 15 | 8 ,3 | 10, 3 | 11, 9 | 13, 4 | 13, 1 |
P ortugal
UE 15
Gráfico 2: Evolução do emprego temporário na União Europeia e em Por- tugal (%)
Fonte: European Commission, Employment in Europe 2000; Eurostat, Labour Force Survey 2002
2.2. Trabalho independente ou auto-emprego
O trabalho independente é realizado pelo indivíduo que exerce a sua actividade por conta própria. Trata-se de um trabalhador que é simul- taneamente um empresário. A nível das estatísticas em Portugal (INE), o trabalho por conta própria, sem recorrer a assalariados, constitui uma mo- dalidade de situação na profissão. Mas, por exemplo, a OCDE junta na mesma categoria do trabalho independente patrões e pessoas que traba- lham por conta própria, por sua vez, a Eurostat considera trabalhador in- dependente aquele que possui uma empresa, exploração agrícola ou pro- fissão liberal e nela trabalha com o objectivo de lucro. Assim, trata-se de uma forma de emprego não só antiga, mas também muito complexa e
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diversificada. A diversidade das situações do trabalho independente são notórias entre os vários países.6
O trabalho independente cresce no sector de serviços, enquanto de- cresce no sector agrícola. O trabalho independente resulta de duas estraté- gias opostas: uma que decorre da desvalorização do trabalho, na medida em que serve essencialmente para transferir a gestão do trabalho e os riscos para os trabalhadores que têm pouca qualificação ou se encontram numa situação de vinculação contratual precária; outra que valoriza o trabalho, visto que o recurso ao trabalho independente implica grandes capacidades de inovação e adaptação de trabalhadores autónomos com altos níveis de qualificações.
Os dados estatísticos sobre trabalho independente escondem, na maior parte das vezes, situações de trabalho muito heterogéneas desde o traba- lho dependente precário até o trabalho altamente qualificado dos profissio- nais independentes. Nela se encontram aqueles que deliberadamente op- tam por serem independentes, no sentido literal do termo, e também os chamados falsos independentes que são forçados a aceitar essa situação num contexto de precariedade laboral. Ao longo dos anos, o trabalho inde- pendente nem sempre beneficiou do mesmo estatuto. Depois de uma época de desvalorização, conheceu a partir dos anos 70/80 um novo impul- so.7 Várias opiniões sustentam que este desenvolvimento se fica a dever não só às exigências de flexibilidade, mas a um conjunto de políticas que
6 Assim, o direito alemão distingue três categorias de trabalho independente. Duas reportam-se a empresários que podem trabalhar em função de um contrato de empresa ou de um contrato de serviços. A terceira categoria é semelhante à dos trabalhadores assalariados, na medida em que o trabalhador independente depende economicamente do empregador. Todas estas categorias são juridicamente inscritas na figura do trabalhador independente, mas a lei aplica-lhes certas disposições do direito do trabalho em termos de convenções colectivas, férias e contenciosos de trabalho. A dependência económica traduz- se no facto de o trabalhador independente trabalha só e mais de metade dos seus rendimentos provêm de um empregador. Diferentemente da realidade alemã, os trabalhadores independentes na Itália não estão sujeitos a um regime de protecção social. Nos Países Baixos o projecto de lei em curso prevê um regime de protecção social para os trabalhadores independentes equivalente aos trabalhadores assalariados. Em Espanha, prevê-se a extensão do direito do trabalho em regime parcial para os trabalhadores independentes.
7 Particularmente significativo nos países mais afectados pelo desemprego. Como por exemplo: Bélgica, Espanha, Irlanda ou a Alemanha.
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estimulam a criação do próprio emprego (muitas vezes, o caso das micro- empresas).8 O gráfico seguinte apresenta o grau de difusão do auto-empre- go na União Europeia:
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
BÉL DIN A LE G RE ESP FRA IRL ITA LUX HOL A US POR FIN SUE RU UE15 HM 15,2 8,0 10,1 4 5,7 20,2 10 ,3 18,0 29 ,6 7 ,6 10,1 11,9 25,1 13,1 10,0 1 2,0 15,0
Gráfico 3: Auto-emprego na União Europeia – 2002 (% do total de empre- gados entre os 15 e os 59 anos)
Fonte: Eurostat, Labour Force Survey 2002
Os dados estatísticos indicam uma forte proporção de auto-emprego, sobretudo nos países da Europa do Sul, como Grécia (45,7%) Itália (29,6%), Portugal (25,1%) e Espanha (20,2%), que é bem superior à média europeia (15,0%).9 No que se refere às tendências de evolução, há uma certa estag- nação a nível europeu e uma ligeira redução em Portugal (ainda que com alguma recuperação mais recentemente), como se pode ver no gráfico seguinte:
8 São igualmente feitas referências a outras actividades: desde as mais tradicionais formas de doação de trabalho para realizar no domicílio (escritas, por exemplo), às mais recentes (teletrabalho), passando pela recuperação de saberes e fazeres domésticos às formas renovadas de entreajuda social com valor económico local. Finalmente, o surgimento de novos modelos de descentralização e articulação de actividades empresariais (subcontratação e o franchising).
9 Dados OCDE e Eurostat.
30, 0
25, 0
20, 0
15, 0
10, 0
5, 0
0, 0
P ortugal
UE 15
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1985 | 1991 | 1996 | 2000 | 2002 | |
Portugal | 26, 2 | 26, 4 | 26, 8 | 24, 9 | 25, 1 |
UE 15 | 15, 1 | 14, 7 | 15, 0 | 14, 2 | 15, 0 |
Gráfico 4: Evolução do auto-emprego na União Europeia e em Portugal (%) Fonte: European Commission, Employment in Europe 2000; Eurostat, Labour Force Survey 2002
Os dados do Instituto Nacional de Estatística, permitem separar os trabalhadores por conta própria sem pessoal ao serviço dos trabalhadores por conta própria com pessoal ao serviço. Assim, em Portugal em 2000 17,3% do emprego pertencia a modalidade de trabalhadores por conta pró- pria sem pessoal ao serviço e 5,9% a modalidade os trabalhadores por conta própria com pessoal ao serviço. Como se depreende, de modo semelhante às outras formas flexíveis de emprego, estamos na presença de uma cate- goria heterogénea. Uma parte destes trabalhadores carecem independên- cia e na realidade não são autónomos mas trabalham por conta de outrem, ganhando menos, vivendo a pressão do risco, sem ou com fraca protecção sindical, sendo excluídos da aplicação de certas leis e mais vulneráveis. É neste sentido que Xxxxx Xxxx (1997) desmistifica a figura pós-fordista do
trabalhador independente quando considera que, na maior parte das vezes, este trabalhador trabalha a preços e em condições que os assalariados julgam inaceitáveis.
2.3. Trabalho a tempo parcial
Nos casos anteriores – contratos de duração determinada e contra- tos temporários – a variável de ajustamento era o próprio emprego; no caso do trabalho a tempo parcial, a variável de ajustamento reside no tempo de trabalho. O conjunto de situações que esta forma de emprego pode atingir é enorme: horas por dia, mês, semana, etc. A situação dos trabalhadores a tempo parcial diverge consideravelmente segundo os sectores de actividade. Na administração, banca e seguros, o trabalho a tempo parcial é objecto de negociação e de uma forma geral resulta de uma escolha explícita por parte dos trabalhadores. Pelo contrário, noutros sectores, como é o caso da restauração, do comércio a retalho, entre outros, o trabalho a tempo parcial quase se instituiu como a norma, a realidade é bem diferente.
Nas duas últimas décadas, assistiu-se a um aumento generalizado do trabalho a tempo parcial nos países desenvolvidos. Não deixa de ser curioso verificar que, são os próprios governos a encorajar/facilitar esta forma de emprego, numa tentativa de diminuir, as elevadas taxas de desemprego. Mas, ao mesmo tempo, vários estudos permitem concluir com alguma se- gurança que uma parte substancial dos trabalhadores com um horário infe- rior ao normal gostariam de ter um trabalho com um horário completo. Assim, esta situação parece aproximar-se do subemprego numa escala macro- económica e macro-social. O trabalho a tempo parcial está mais difundido nos países nórdicos e muito menos nos países do sul da Europa, nomeada- mente em Portugal, como se pode ver no gráfico seguinte:
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50, 0
45, 0
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10, 0
5, 0
0, 0
BÉL DIN A LE G RE ESP FRA IRL ITA LUX HOL A US POR FIN SUE RU UE15
HM 19,4 20,6 20 ,8 4,5 8,0 16,2 16,5 8 ,6 11,7 43,8 18,9 11 ,3 1 2,4 21,4 25,0 18,2
Gráfico 5: A difusão do emprego a tempo parcial na União Europeia – 2002 (% do total de empregados)
Fonte: Eurostat, Labour Force Survey 2002
1985 | 1991 | 1996 | 2000 | 2002 | |
P ortugal | 6 ,7 | 7 ,9 | 9 ,7 | 10, 7 | 11, 3 |
UE 15 | 11, 5 | 13, 8 | 16, 4 | 18, 0 | 18, 2 |
20, 0
15, 0
10, 0
5, 0
0, 0
P ortugal
UE 15
Gráfico 6: Evolução do trabalho a tempo parcial na União Europeia e em Portugal (%)
Fonte: European Commission, Employment in Europe 2000; Eurostat, Labour Force Survey
Em Portugal a proporção daqueles que trabalham a tempo parcial por motivos involuntários é muito superior (45,5%) a média europeia (18%). A tendência a nível europeu tem sido um rápido crescimento, mas em Portu- gal verifica-se um crescimento mais lento, como indica o gráfico 6:
Esta forma de é mais divulgada no sector dos serviços e prevê-se seu maior crescimento. Uma das intenções do Governo português, aliás ex- pressas no Plano Nacional de Emprego, é precisamente estimular o traba- lho a tempo parcial, assim como todas as modalidades flexíveis de trabalho. É de sublinhar ainda a sobre-representação das mulheres nesta modalidade, em toda a Europa, se bem que o número de homens a trabalhar nesta modalidade também tenha aumentado. Trata-se ainda de uma modalidade com forte representatividade junto dos jovens (menos de 25 anos) e sobre- tudo junto daqueles que têm mais de 55 anos de idade a nível da União Europeia. Em Portugal esta modalidade tem pouca representação nas cama- das mais jovens e tem um forte peso (58%) entre os indivíduos com mais de 65 anos.
Nos países com elevadas taxas de desemprego, foram tomadas medi- das para facilitar a difusão desta modalidade de emprego. É de referir a experiência holandesa. (Xxxxxx, Xxxxxxxxx, 1997). Os contratos de trabalho a tempo parcial neste país passaram de 22% em 1983 para 38% em 1998 no caso das mulheres e de 6,8% para 16,1% no caso dos homens. Os contratos de trabalho temporário também aumentaram no mesmo período: de 5,8% para 10,9%. Como no mesmo período a taxa de desemprego desceu de 11,2% para 5% e a taxa de participação das mulheres no merca- do de trabalho aumentou de 34% em 1983 para 55% em 1996. Com base nestes dados, fala-se do milagre holandês. De facto, as políticas implementadas neste país contribuíram significativamente para a redução do desemprego e para o aumento da taxa de actividade. É de ressaltar que para estas formas flexíveis de emprego foram dados os mesmos direitos sociais usufruídos pelo emprego estável. Todavia, a criação dos empregos flexíveis, sobretudo, do emprego temporário e do trabalho a tempo parcial
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incidiu no sector dos serviços com baixa qualificação e com baixo nível de produtividade. Acresce ainda que estes empregos foram ocupados, princi- palmente por mulheres e jovens. Das medidas tomadas neste país transparecem três preocupações básicas. Tornar as empresas mais lucrati- vas, remover os incentivos para ficar fora do mercado de trabalho e preve- nir a precarização dos novos empregos criados. Parece, todavia que os cus- tos da flexibilização do mercado de trabalho necessária para a competitividade das empresas foram transferidas para as mulheres e jovens. As formas flexí- veis de emprego, apesar do esforço feito para a sua normalização, signifi- cam uma situação débil do ponto de vista do rendimento e da acessibilida- de à formação profissional e, por conseguinte, da melhoria da empregabilidade.
3 A diversidade dos empregos flexíveis
3.1. Algumas considerações metodológicas
Dados os condicionalismos acima apontados, as estatísticas permitem apenas uma análise limitada das transformações ao nível do emprego. Mas uma abordagem quantitativa séria depende do desenvolvimento e aperfei- çoamento do aparelho estatístico. Todavia, o estudo das modalidades flexí- veis de emprego exige também uma abordagem qualitativa. Face aos dis- cursos ideológicos sobre as formas flexíveis de emprego, importa conhecer como os trabalhadores vivem e sentem essa flexibilidade, em que medida as formas flexíveis de emprego vão ou não ao encontro das suas expectati- vas e em que medida permitem a sua integração social e cultural nos gru- pos de pertença.
Porém, a investigação enfrenta grandes dificuldades. Os estudos rea- lizados, já mencionados, sobre as mudanças no emprego indicam que não
obstante as sucessivas tentativas, as empresas ligadas aos sectores mais susceptíveis à utilização de formas instáveis de emprego, não aceitam cola- borar10 , ou então de modo muito limitado (Cerdeira, 2000). Mesmo quan- do autorizam a realização de entrevistas, o acesso limita-se aos gestores, especialmente aos dos recursos humanos e aos trabalhadores com contrato de duração indeterminada. Já é mais difícil chegar aos que têm contratos com duração determinada. E é praticamente impossível contactar, por via de empresa, os trabalhadores que se encontram em outras formas cobertas pela legislação laboral, tais como o trabalho temporário, o trabalho no domicílio e prestação de serviços por trabalhadores por conta própria. As situações de ilegalidade também são abundantes, mas praticamente inacessíveis. Os es- tudos até então realizados com muito esforço não conseguiram ou muito pouco tornar visíveis as situações reais de trabalho daqueles que se encon- tram ligados a modalidades flexíveis de emprego.
Como vimos, as estatísticas indicam que em Portugal as situações de trabalho por conta própria, contrato a curto prazo e trabalho temporário, (com particular incidência em certos grupos, tais como mulheres, jovens, trabalhadores com baixo nível de escolaridade) são muito difundidas. No entanto, quando se contacta as empresas, fica-se com a ideia que a utiliza- ção de formas flexíveis de emprego é muito rara. No discurso dos gestores/ empresários, as formas instáveis de emprego são pouco utilizadas não exis- tindo além disso grandes diferenças entre a situação dos trabalhadores com vínculos precários e efectivos. Devido à ocultação das situações de trabalho pelas empresas, torna-se necessária descentrar o estudo do trabalho das empresas e recorrer a outras entidades, nomeadamente aos Centros de Emprego, aos Sindicatos ou ainda às empresas de trabalho temporário e, sobretudo, contactar directamente os trabalhadores.
10 A elaboração de um estudo sobre a precariedade do emprego encontrou muitas dificuldades, ao longo de 4 meses foram estabelecidos contactos repetidas vezes com 80 empresas e apenas 7 aceitaram a colaboração para a realização do estudo. Cf.: Xxxxxx Xxxx (coord.), 7rabalho precário – Perspectivas de Superação, Observatório de Emprego e Formação Profissional, Lisboa 2000.
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As formas instáveis de emprego escapam às estatísticas por serem muito variadas e dentro de cada tipo as situações estarem muito heterogéneas e, por conseguinte, difíceis de identificar. O inquérito constitui um instru- mento útil para identificar os grupos mais atingidos pelas diversas formas. Mas também importa compreender as trajectórias diversas e os processos que levam certas pessoas a acumular vantagens e as outras desvantagens. Interessa saber em que medida e em que condições as situações instáveis de emprego e/ou ocupações temporárias constituem ponte para uma situa- ção profissional mais estável ou, se, pelo contrário, são uma armadilha que amarra os trabalhadores a uma espiral de precariedade? Importa também indagar a existência de um processo cumulativo de experiências no mercado de trabalho que acentua a vulnerabilidade dos grupos mais frágeis. Com vista a estes objectivos foi aplicado um questionário e foram feitas entrevis- tas centradas nas trajectórias profissionais com base numa amostra intencio- nal construída de acordo com os objectivos do estudo. A selecção das em- presas e dos indivíduos tinha por base as características pertinentes para o estudo para garantir a representatividade da problemática e não a representatividade estatística.
3.2. Tipos de empregos flexíveis
A difusão dos empregos flexíveis leva não a uma simples dualização entre trabalhadores permanentes bem pagos do núcleo duro e os trabalha- dores periféricos com emprego incerto e mal pago, mas a uma segmentação dos recursos humanos nas empresas. A tipologia que se segue apresenta a diversidade de situações face ao emprego e às perspectivas de empregabilidade. Esta tipologia foi elaborada de acordo com as situações face ao emprego, cujas variáveis centrais são os níveis de formação/qualifi- cação exigidos e o grau de estabilidade/flexibilidade do emprego.
A figura seguinte apresenta essas situações-tipo:
+ | S itu a ç ão 3 : F le x ib ilid ad e q u a lific an te | S itu a ç ão 4 : E s ta b ilid ad e p r o fiss io n a l |
- s itu a ç ão por opç ão (e s c olh ida); - t rab alh o altam e n t e q u alific ad o (p ro fis s io n a l), perm it in do e e x igin do ap rend iz agem c o ntín ua; - p o s ição e cap acid ad e d e n e go c ia ç ão do s in divídu o s c o m o em p regad o r; - fo rt e m o b ilid ad e p ro fis s io n a l n o m e rc ad o d e t rab alh o e x t e rn o (e n t re em p resa s ); - pe rspe c t iva s p ro fis s io n a is : a c t ividade p ro fis s io n a l in t e n sa e q u a lific an t e , liga d a a u m a s e rie d e em p resa s s em vín c u lo s e s tá ve is . | - t rab alh o va riad o e in t e re s san t e , o fe re c e n do po s s ibilidade s de ap re n d izage m n o trab alh o ; - fo rte in te re s s e po r parte da em p resa em in ve s t ir n a fo rm a ç ão ; - p o s ição e cap acid ad e d e n e go c ia ç ão do s in divídu o s e do s gru p os c o m o em p re gad or so b re sa lá rio s e c o n d iç õ e s d e tra b a lh o ; - fo rte po s s ibilid ad e de m o bilid ad e ho riz o nta l y/o a s c end e n t e no m e rc ad o d e t rab alh o in te rn o y e x t e rn o . | |
C a lific a ç ão | S itu a ç ão 1 : F le x ib ilid ad e p r e c a r ie zan t e | S itu a ç ão 2 : E s ta b ilid ad e am e a ç ad a |
A ) F le x ib ilid ad e p r e c á r ia t r an s itó r ia - jo vens c o m níve is d e e d uc a ç ão elevad o s /m éd io s ; - t ra b a lh o p o b re em c o n teú d o lim it an d o fo rt em e n t e o u so d a s c o m p e t ê n c ias e a ap re n d izage m n o t rab alh o ; - fa lt a de c apac idade de nego c ia ç ão c o m o em p regad o r; - p ro c u ra d e u m a s itu aç ão p ro fis s ion a l m e lh or B ) F le x ib ilid ad e p r e c á r ia e s tá v e l- fo rt e m o bilidade la te ra l, so b re t o do o m e rc ad o d e t rab alh o e x te rn o ; - pe rspe c t iva s p ro fis s io n a is : fo rt e p ro b a b ilid ad e de um perc u rs o m a rc ad o pe la p re c a rie dade e am e a ç a de desem p re go | - t ra b a lh o p o b re em c o n teú d o lim it an d o fo rtem en t e a ap re n d izage m n o trab alh o ; - po s iç ão de n e go c ia ç ão in dividu a l frá gil, co m e ve n tu a l cap acid ad e d e n e go c iaç ão s in d ic a l c o m o em p regad o r; - m o b ilid ad e la t e ra l n o m e rc ad o d e t ra b a lh o in t e rn o , m o b ilid ad e asc e n d e n t e lim ita d a ; - pe rspe c t iva s p ro fis s io n a is : m e lh o ria da qu a lific a ç ão para u m se gm e n to p e q u e n o ; p a ra a m a io ria, fa lt a d e perspec t iva s e am e a ç a de p re c a rie dade e de desem p re go . | |
- | E s ta b ilid ad e d e em p r e go | + |
Figura 1: Situação face ao emprego e as perspectivas de empregabilidade
Xxxxx: Xxxxxx, Xxxxx, 0000, p. 87
Sociologias, Porto Alegre, ano 6, nº 12, jul/dez 2004, p. 32-67
A flexibilidade do emprego pode ser precária transitória (situação 1 A), precária estável (situação 1 B), ou pode ser qualificante (situação 3). A situa- ção 1B refere a uma trajectória marcada pela precariedade e ameaça de desemprego. A estabilidade do emprego pode ser duradoura (situação 4) ou ameaçada (situação 2). Devido à grande diferença no conteúdo de trabalho e às limitações da formação daqueles que se encontram numa situação fragilizada, é difícil a mobilidade ascendente para as situações 3 e 4 daque- les que se encontram nas situações 1B e 2. Há indícios de uma forte ten- dência para trajectórias precarizantes ou de exclusão: o fim do emprego com duração limitada constitui uma das principais razões da procura de um novo emprego por parte dos desempregados para além dos despedimentos individuais e colectivos. Como é possível melhorar a situação dos grupos fragilizados e criar condições para que haja mobilidade ascendente? Por ou- tras palavras, como contrariar a tendência para trajectórias de emprego pre- cárias e de exclusão a favor de trajectórias de integração? Aqueles que se encontram nas situações 1B e 2 necessitariam de formação para melhorar a sua empregabilidade. Estes grupos estão em desvantagem em relação àque- les que se encontram nas situações 3 e 4 quanto às possibilidades reais e motivação para a melhoria das suas qualificações pela formação.
As empresas tendem a investir cada vez mais na formação daqueles que se encontram na situação 4, reconhecendo que a melhoria das compe- tências destes trabalhadores chave é condição da melhoria da sua competitividade. Estão interessadas em que este investimento retorne pela melhor performance dos recursos humanos. Por essa razão as empresas suportam os encargos mais elevados relacionados com estes grupos, em termos de estabilidade de emprego e rendimento.
No que se refere aos trabalhadores inseridos na situação 1, do ponto de vista da empresa, o seu principal interesse está na possibilidade de adap- tar o número de empregos e horas de trabalho às flutuações do mercado (flexibilidade quantitativa). Aqui estão incluídas as situações referentes ao
emprego com contratos a termo e tempo parcial involuntários (De Grip, Xxxxxxxxxx, Willems, 1997), trabalho temporário ligado às Empresas de Trabalho Temporário, falso trabalho independente, entre outras. Este tipo de situação tende a ganhar terreno em detrimento das situações de empre- go estáveis (2 e 4).
Na situação 2 encontram-se, sobretudo, os trabalhadores pouco ou semi-qualificados com elevada antiguidade tendo um vínculo contratual de duração indeterminada. Porém, estes grupos em qualquer momento po- dem passar para a situação de emprego precário ou para o desemprego. A estabilidade do seu emprego é apenas aparente.
Cada vez mais as novas contratações tendem a ser feitas sob a forma de empregos instáveis. Os jovens, mesmo com um nível de escolaridade relativamente elevado na sua maioria, iniciam a sua inserção no mercado de trabalho com este tipo de situação precarizante transitória (1A), com a expectativa de conseguir um emprego estável com perspectiva de carreira. Apesar de a inserção precária dos jovens ser cada vez mais considerada como a forma normal, estes, segundo diversas sondagens realizadas, valori- zam fortemente a estabilidade do emprego. (Xxxxxx, 2000; Xxxxxx, 2000). A passagem frequente de um emprego provisório subqualificado para outro por parte dos jovens pode levar a trajectórias profissionais marcadas pela precariedade (1B) e ameaça de desemprego.
Em vez da mobilidade entre as situações de emprego, verifica-se uma tendência para a reprodução do estatuto de emprego. Por outras palavras, o acesso aos bons empregos é muito reduzido, e aqueles que têm empregos com baixo nível de qualidade, têm muito pouca probabilidade de obter empregos com melhor qualidade. No inquérito referido, as dimensões da qualidade do emprego que foram tomadas em consideração referem-se à segurança do emprego, ao acesso à formação e ao desenvolvimento da carreira e ainda ao salário por hora. A mobilidade encontrada entre os qua- tro tipos de empregos foi a seguinte:
Sociologias, Porto Alegre, ano 6, nº 12, jul/dez 2004, p. 32-67
Quadro 1: Dinâmicas da qualidade do emprego (taxas de mobilidade em %
– 2000
Situ a ç ã o p e ra n t e o em p rego e m 1 9 9 6 | Situ a ç ã o n o em p rego e m 1 9 9 5 | ||||
Em p re go de bo a q u a lid a d e | Em p re go de ra zo á ve l q u a lid a d e | Baixo sa lá rio /b a ix a p ro d u c t ividade | Em p re go "b e c o s em sa íd a " | D e s e m p re go | |
E m p re go de bo a q u a lid a d e | 75,5 | 17,9 | 14,3 | 4,6 | 1 ,9 |
E m p re go de ra zo áve l q u alid ad e | 16,4 | 67,9 | 18,6 | 19,8 | 4,8 |
B a ixo s a lá rio /b a ixa p ro d utivid a d e | 4,1 | 6 ,2 | 52,2 | 13.7 | 6,5 |
Em p re go "b e c o sem sa íd a " | 0,6 | 2 ,8 | 4,8 | 3 6,3 | 7 ,8 |
D e s e m p re go | 1,1 | 2 ,3 | 4,4 | 1 4,9 | 5 7,9 |
Fonte: ECHP – European Community Household Panel, (1995-96) in EC. Employment in Europe, 2000
Os dados estatísticos do INE, indicam igualmente a tendência para a reprodução das situações contratuais, como indica o quadro seguinte:
Quadro 2: Trabalhadores por conta de outrem segundo o tipo de contrato um ano antes, por tipo de contrato actual – 2000 (%)
T ip o d e c o n ta rto em 2000 | T ip o d e c o n t ra to e m 1 9 9 9 | ||||
Co n t ra t o sem t e rm o | Co n t ra t o co m t e rm o (a p ra zo ) | Co n t ra t o d e p re s ta ç ão de s e rviç os | Trab alh o sazo n a l s/ co n t ra t o e scrito | Trab alh o p o ntual o u oc a s io n a l | |
C o n t ra to s em te rm o | 96,0 | 3,4 | 0 ,2 | 0,2 | 0 ,2 |
C o n t ra to c o m te rm o (a p ra zo ) | 19,1 | 76,1 | 1,8 | 1 ,3 | 1,8 |
Co n t ra t o d e p re s ta ç ão de s e rviç o s | 15,6 | 10,0 | 71,4 | § | § |
Trab alh o sa zo n a l s/ co n t ra t o e scrito | 12,1 | 7,6 | 2 ,5 | 74,4 | 3,1 |
Trab alh o p o n tu a l o u oc a s io n a l | 11,0 | 8,1 | 1 ,7 | 3,9 | 7 5,2 |
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego, médias anuais
Verificámos esta mesma tendência pelo inquérito realizado no âmbito da nosso projecto de investigação, ou seja, os indivíduos que estão com contrato sem termo, já anteriormente se encontravam nessa situação e por sua vez, os indivíduos com contrato através de empresa de trabalho tempo- rário, também estavam já nessa situação nos dois empregos anteriores.
Há um grande desfasamento entre as tendências de evolução do emprego e as expectativas dos trabalhadores. Resultados de diversos estu- dos realizados em Portugal refutam algumas teses bastante divulgadas, no- meadamente a da perda da importância subjectiva do trabalho e a da ade- são às formas flexíveis de emprego. De facto, em Portugal, o trabalho re- munerado continua a ser uma referência dominante, não apenas em ter- mos económicos, mas também psicológicos e culturais. De acordo com os resultados de um inquérito internacional (Xxxxxx, 1997; 2000), para 76,1% dos inquiridos (uma amostra representativa da população portuguesa) o tra- balho é a actividade mais importante, 64%11 gostariam de ter um emprego, mesmo sem precisarem do dinheiro12 , 88,8 % têm orgulho no seu trabalho e 84 % na empresa/organização onde trabalha. Predomina a preferência pelo trabalho assalariado estável e a tempo inteiro.13
Quadro 3: Valorização subjectiva do trabalho em Portugal
Im p o rtâ n c ia d o t rab alh o | % |
O t ra b a lho é a a c t ividade m a s im po rta n t e | 7 6 ,1 |
G o s ta va d e t rab alh a r s em p re c isar d e d in h e iro | 6 3 ,2 |
E s t o u d is p o s t o a t ra b alh a r p a ra aju d ar a em p re sa a t e r ê x it o | 6 4 ,6 |
T e n h o o rgu lh o t ra b a lh a r n a e m p re sa | 8 4 ,0 |
T e n h o o rgu lh o n o tra b a lh o q u e fa ç o | 7 8 ,8 |
P re o c u paç ão c o m a pe rd a de e m p re go | 4 1 ,3 |
U m em p re go id e a l é a t em p o in t e iro | 7 2 ,5 |
Fonte: Xxxxxx, 1997
11 No que se refere aos outros países a situação é a seguinte: Espanha: 53,6%, Alemanha 74,6%, Suécia 76,9% e Hungria 62%. 12 É de notar que é maior a centralidade do trabalho entre as idades compreendidas entro so 18 e 34 anos e entre os mais escolarizados.
13 73,3% dos inquiridos preferem trabalhar por conta de outrém, 72,5% preferem o emprego em tempo inteiro.
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O aspecto mais valorizado do emprego é a estabilidade: 76,7% dos inquiridos consideram este aspecto como muito importante, mais do que outros aspectos.14
Quadro 4: Grau de importância dos diversos aspectos do emprego (1 a 5)
V a lo re s d o Tra b alh o | E xp e c ta tivas | R e alizaç ão d a s e xp e c tativas |
E s tabilidade do e m p re go | 4 ,7 | 3 ,6 |
R e m u n e ra ç ão elevad a | 4 ,2 | 2 ,1 |
B o a s o p o rtu n idade s de p ro m o ç ã o | 4 ,2 | 2 ,6 |
U m t rab alh o in te re s san te | 4 ,2 | 4 ,2 |
U m t rab alh o c o m a u t o n o m ia | 3 ,7 | 3 ,9 |
U m t rab alh o ú t il p a ra a so c ie d ad e | 4 ,3 | 4 ,3 |
Po d e r d e c id ir h o rá rio s /d ia s d e t xx x x xx x | 0 ,0 | - |
Xxxxx: Xxxxxx, 2000
A valorização dada ao trabalho e aos seus diversos aspectos indicam que as actuais transformações não vão ao encontro das expectativas e dos valores relacionados com o trabalho dos portugueses. Face à relativa homogeneidade das expectativas, verifica-se uma grande diferenciação em relação ao grau de satisfação segundo a situação no emprego.
Como podemos ver no quadro que se segue, para os trabalhadores com emprego flexível não há nenhuma dimensão com alto nível de satisfa- ção. A maior satisfação verifica-se na relação com os colegas e superiores (nível médio/bom), tempo livre e possibilidade de escolher o horário (nível médio) e condições de trabalho (nível médio). Ressalta ainda o baixo nível
14 No que se refere aos outros aspectos, a proporção dos inquirídos que os considerou muito importante é o seguinte: horário adequado: 16,7%, autonomia: 29.4%, remuneração elevada: 39,8%, oportunidades de promoção: 37,4%, conteúdo do trabalho: 49,2%, ajuda aos outros: 45,8%, utilidade social do trabalho: 48,45%.
de satisfação com as oportunidades de promoção, com a estabilidade e segurança quanto ao futuro profissional, com a participação nas decisões e com a autonomia no trabalho. Os trabalhadores com emprego estável são mais satisfeitos com os aspectos referentes às relações com os colegas, ao contrato de trabalho e à estabilidade profissional. No entanto, trabalham em excesso, sobretudo os quadros superiores e os técnicos especializados, frequentemente 40-50 horas por semana. Não é por acaso que a sua maior insatisfação diz respeito à falta de tempo livre e à impossibilidade de escolher o horário de trabalho.
Quadro 5: Grau de satisfação com os diversos aspectos do emprego segundo categoria profissional (1 a 5)
A sp e c t o s d o em p rego | E m p re go estáve l | E m p re go flex ível |
R e laçõ e s co m co le ga s , su b o rd in a d o s e su p e rio re s | 4,02 | 3,87 |
N íve l d e re m u n e ra ç ã o | 3 ,1 6 | 2 ,7 0 |
C o n d iç õ e s n o lo c a l d e t ra b a lh o (in s ta la ç õ e s , e q uip am e nto s e in s t ru m ento s d e t ra b a lho ) | 3,58 | 3,32 |
C o n t ra to d e tra b a lh o | 4,15 | 2,77 |
E s tabilidade e s e gu ra n ç a qu an t o ao se u fu tu ro p ro fissio n a l | 3,81 | 2,51 |
A u t o n o m ia , o u se ja , a p o ssib ilid ad e de dec idir qu a l a m e lh or m an e ira de re a liz a r o s e u t ra b a lh o e t e r in ic ia t iva | 3,67 | 2,70 |
E n vo lvim e n t o n a t o m ad a d e d e c is õ e s | 3,39 | 2,58 |
G ra u d e in t e re sse d o t ra b a lh o , e a p o ssib ilid a d e de u t iliz a r a s su a s c apac idade s | 3,64 | 3,07 |
P restígio e re c o n h ec im e n t o d o s s e u s m é rit o s | 3 ,4 6 | 2 ,8 4 |
O p o rtu n id a d e s d e p ro m o ç ão | 3,08 | 2,36 |
O p o rtu n idade s para ap rende r c o is a s n o va s e p a ra a su a va lo riza ç ã o p ro fissio n a l | 3,34 | 2,87 |
T e m p o livre su ficie n t e | 2,93 | 3,33 |
Po d e r e sco lh e r o s h o rá rio s /d ia s d e tra b a lh o | 2,98 | 2,82 |
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No entanto, por detrás das formas flexíveis de emprego podemos encontrar situações concretas muito diferenciadas. Como os resultados do nosso estudo indicam, para uns o trabalho flexível fornece oportunidades adicionais para trabalhar e obter rendimentos suplementares ou uma me- lhor articulação entre o trabalho, vida pessoal e/ou o tempo de lazer. Mas, para muitos outros, essas modalidades podem traduzir-se numa redução da protecção social, em menores oportunidades de progressão na carreira, menores níveis salariais e no reduzido ou falta de acesso à formação profis- sional. Para uns pode se tratar de uma situação transitória, de um trampolim para uma situação melhor, para outros pode ser uma opção de acordo com o seu estilo de via. Mas também encontrámos pessoas para as quais esta situação não foi escolhida e apesar de diversas tentativas não conseguem sair dela.
A análise das entrevistas centradas nas trajectórias profissionais indica que há uma grande variedade de tipos de emprego flexível. A tipologia que se segue foi elaborada com base em entrevistas centradas nas trajectórias profissionais.
• Emprego de inserção à espera de melhor
A entrada no mercado de trabalho de Xxxxxxx exemplifica um tipo de emprego flexível a que podemos chamar de ”emprego de inserção à espe- ra de melhor". A sua trajectória insere-se na situação 1 A) que acima designámos como ”Flexibilidade precária transitória":
Xxxxxxx de 26 anos, solteiro a viver com a mãe, trabalha desde há dois anos no call centre com o segundo contra- to a termo certo (12 meses). Desempenha funções ad- ministrativas de back office e ganha 628 euros. Interrom- peu o curso universitário em informática de gestão para poder trabalhar. Considera o seu trabalho pouco estimu- lante que não permite realização profissional nem acesso à formação profissional e sem perspectivas de carreira. Se
sente arrependido por ter interrompido os seus estudos por reconhecer que as suas habilitações não lhe permi- tem obter um melhor emprego. A relação com a empre- sa de trabalho temporário é muito distante e na empresa onde trabalha não passa de colaborador externo com sentimento de sem perspectivas de um dia poder fazer parte dos quadros da empresa. Considera que a situação de emprego em que se encontra “é bastante frustrante, gera insegurança, instabilidade e afecta-nos em todos os níveis”. No entanto este emprego permite-lhe adqui- rir experiência. O que mais deseja para a sua vida pro- fissional é a estabilidade, gostaria de trabalhar por conta própria.
• Emprego de transição para adquirir e diversificar experiência pro- fissional
Inês, 28 anos, com um curso em Comunicação e Publicidade, actualmente trabalha numa empresa de telecomunicações. Depois de vários empregos com contratos a prazo, conseguiu emprego seguro na sua área de interesse e já mudou emprego mas dentro da esfera do emprego seguro. A sua situação alterou-se da flexibilidade precária transitória para a estabilidade profissional.
Os pais emigraram para França. A mãe, na altura, tra- balhava numa fábrica de confecções, e o pai, depois, entrou nos C77 como carteiro. Ambos tinham a 4ª clas- se. Seguiu o curso de Comunicação Social e Publicida- de e depois tirou ainda uma Pós-graduação em Marketing e Negócios Internacionais para complemen- tar os seus estudos. Quando começou a faculdade, já estava a trabalhar. Começou a trabalhar com 18 anos dando apoio a secretariado, a tempo inteiro e com con- trato a prazo Jnuma empresa de telecomunicaçõesJ. Depois passou para outra empresa do Grupo, no mes- mo sector mas mais ligada a um projecto que lhe deu a
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oportunidade de conhecer muita gente do “core business”. Aqui permaneceu dois anos, tendo renova- do entretanto contratos. 7inha funções de secretariado, mas chegou fazer telemarketing na área comercial; de- pois de já ter adquirido algum conhecimento profundo dessa área, passou para a assistência a clientes. 7raba- lhava muitas horas. Foi, foi um período difícil porque não conseguiu chegar a tempo às aulas, não conseguiu dedicar o tempo necessário a algumas disciplinas em que tinha mais dificuldade. E entretanto mudou para outra empresa do ramo das comunicações, onde sabia que o trabalho era menos exigente. Nos primeiros tem- pos ainda estava a contrato a termo; mas depois pas- sou a efectiva nos 2 últimos anos de licenciatura. Entre- tanto, antes de acabar o curso pretendia mudar para algo melhor. E então encontrou oportunidade de traba- lhar numa empresa do ramo das tecnologias de infor- mação como responsável pelo Marketing de Serviços. Entrou imediatamente para os quadros. Esta experiên- cia foi muito importante porque finalmente conseguiu trabalhar na sua área de interesse. Ficou lá cerca de 3 anos a trabalhar. Mudou há um mês atrás Jpara outra empresa das tecnologias de informação), onde está a trabalhar no domínio do Marketing.
• Emprego flexível como actividade complementar
Xxxxxxx, 33 anos, licenciado em Relações Internacionais e com um curso de pós-graduação em estudos Europeus, casado sem filhos, optou por trabalhar como trabalhador temporário a tempo inteiro para poder comple- mentar o seu salário de professor no ensino secundário. A sua situação é complexa, numa organização encontra-se numa situação de precariedade de emprego (não do trabalho) e na outra encontra-se numa situação de estabilidade profissional, apesar de ter uma relação contratual com uma empresa de trabalho temporário.
Xxxxxxx xxxxx 800 euros líquidos com contrato a ter- mo certo na escola e 800 euros no call centre com um contrato a tempo indeterminado com uma E77.Começou a trabalhar aos 20 anos num jornal com um contrato de prestação de serviços durante um ano e meio que terminou para prestar serviço militar. De- pois leccionou em várias escolas em Lisboa e forma- ção profissional em vários locais. Encara com naturali- dade a frequente mudança de emprego. Apesar de o trabalho temporário lhe causar alguma instabilidade, consegui adaptar-se a esta situação. No call centre co- meçou a trabalhar com um contrato de prestação de serviços, depois passou a ter um contrato a termo de 6 meses e a seguir um contrato de 1 ano. Actualmente tem um contrato por tempo indeterminado com a em- presa de trabalho temporário que praticamente desco- nhece. Coordena uma equipa de 10 pessoas. O seu trabalho é muito intenso e é muito prolongado. Acu- mulando o ensino com o trabalho no call centre tra- balha 14 horas por dia (60 horas por semana), tendo dificuldades de conciliar a vida profissional e a vida privada. Valoriza o trabalho bem pago, independente- mente de ser estável ou não.
• Emprego flexível por opção
Hélio 28 anos vendedor de soluções informáticas, após várias experiên- cias profissionais voluntariamente interrompidas, optou pelo trabalho a tem- po parcial para poder viver de acordo com o seu modelo de vida, no qual o trabalho é um meio e não é um fim em si mesmo. A sua situação é o emprego flexível por opção e insere-se na flexibilidade qualificante:
O Xxxxx tem 28 anos de idade e abandonou os estudos no final do ensino secundário, por considerar que o ensino tradicional não lhe trazia as competências do seu interesse. É filho de pais habilitados ao nível do
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ensino superior, que não colocaram pressões sobre as escolhas do percurso de vida do filho. Fez um curso profissional de informática, cujo estágio representou o início da vida laboral. Como em todos os restantes empregos que teve, saiu por opção própria. Hoje em dia trabalha a tempo parcial por opção, em regime de teletrabalho, e gostaria de ter ainda mais flexibilidade e independência. É casado – a mulher também trabalha a tempo parcial – e tem dois filhos, enfrentando os perío- dos de instabilidade profissional graças a poupanças. 7oca numa banda de música (azz e as actividades de natureza social não lhe agradam muito.
• Instabilidade de emprego a longo prazo
O percurso profissional de Carolina é mercado pela continuidade de situações precárias de emprego alternadas com desemprego. Ao todo teve 10 empregos em 7 anos. As perspectivas de melhoria da sua empregabilidade são escassas ou inexistentes devido ao seu baixo nível de escolaridade. O seu percurso inscreve-se na flexibilidade precária estável.
A Carolina tem 22 anos e é filha de uma cozinheira (que veio a falecer ainda na sua infância) e de um ex-Guarda Nacional Republicana, mais tarde motorista de taxi (am- bos com fracas habilitações escolares), mas ficou a cargo de um tio desde os 11 anos. Estudou até ao 9º ano, quan- do decidiu fazer voluntariamente o Serviço Militar. Aca- bou por desistir (por influência do namorado, a quem desagradava a falta de disponibilidade que tinha para ele) e teve de ir trabalhar porque ficou a viver sozinha, tendo exercido funções como ajudante de cozinha, sem contra- to. A seguir trabalhou como operadora de caixa, e depois como repositora (em ambos os casos, com contrato a termo). Foi vendedora sem contrato, depois novamente operadora de caixa, e de novo trabalhou num restauran- te. Após um período de desemprego, trabalhou com con-
trato a termo no (ardim Zoológico, a que se seguiu novo período de desemprego e uma época em que procurou empregar-se no estrangeiro. Regressou para trabalhar como operadora de caixa (através de uma E77), onde se encon- tra hoje em dia, trabalhando por turnos e com contrato a termo, que pensa não vir a ser renovado. Vive marital- mente com o namorado em casa da mãe do mesmo e não tem grandes expectativas de melhoria das suas pers- pectivas profissionais.
No percurso profissional de Cátia também transparece a continuidade em situações flexíveis de emprego marcadas pela precariedade ao longo dos 8 anos, apesar de se tratar de uma pessoa com um curso universitário.
Cátia, 33 anos, solteira, fez o curso de Direito. 7rabalha no call centre há 3 anos, sendo actualmente supervisora. (á foi operadora e formadora no mesmo centre. 7em uma multiplicidade de experiências: trabalho de secre- tariado no Ministério de Educação em regime de presta- ção de serviços durante três anos conciliando trabalho e estudos, secretária num escritório de advogados du- rante um ano e meio, promotora de vendas em vários estabelecimentos comerciais, assistente de cliente de banca telefónica de um grupo bancário durante um ano. Desde 1998 trabalha no call centre onde se encontra actualmente. Queixa-se da ansiedade, frustração, falta de motivação, preocupação diária e constante com o futuro, para além do rendimento baixo. Caracteriza a sua situação com ”a falta de perspectivas de futuro, impotência para traçar projectos, endividamento, inse- gurança e instabilidade". 7rabalha a tempo inteiro (7 horas diárias) como vinculada a uma empresa de traba- lho temporária com um contrato a termo de 12 meses pela terceira vez. Ganha 887 euros. Descreve o seu tra- balho com intenso, stressante e absorvente. Devido à sua situação de emprego dificilmente poderá obter cré-
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dito bancário para comprar habitação.15 Receia o futu- ro: tem medo de perder a casa, a sua independência e a entrar numa ruptura económica e psíquica. O que mais deseja, é a estabilidade.
Conclusões
As formas flexíveis de emprego – associadas, sobretudo à flexibilida- de quantitativa – são ainda minoritárias se as compararmos com a propor- ção de empregos com contratos de duração indeterminada. Contudo, actualmente, eles constituem uma via de acesso normal para a integração no mercado de trabalho. Uma parte substancial dos trabalhadores com emprego flexível encontra-se nesta situação não por opção, mas porque não conseguiu encontrar um emprego estável.
São, sobretudo, mulheres, jovens, os grupos etários mais elevados, os pouco qualificados e os menos escolarizados que ficam mais abrangidos por formas flexíveis de emprego geradoras de uma empregabilidade frágil. A reprodução das situações de emprego significa que a sua mobilidade tende a limitar-se à esfera do trabalho pouco qualificante, tanto dentro da mesma empresa como na mudança de uma empresa para outra, comportando ca- racterísticas que perpetuam a fragilidade no mercado de trabalho, nomea- damente a falta de possibilidades de formação e de promoção profissional. Essa fragilidade aumenta ainda mais quando um emprego precário alterna com períodos de desemprego. A situação de desemprego, sobretudo o da longa duração, tem como consequência a desaprendizagem e a perda de qualificações. Por sua vez, a permanência numa situação de precariedade não permite melhorar a empregabilidade das pessoas.
15 Situação essa que contrasta com a dos empregados bancários benficiam condições especiais de crédito
A situação no emprego, num contexto onde o bom emprego tende a tornar-se num bem escasso, tem consequências individuais e sociais múlti- plas, não apenas em termos de nível de consumo e qualidade de vida, perspectivas de vida futuras, segurança social e acesso a actividades colectivas, mas igualmente em termos de acção e intervenção individual e colectiva, nomeadamente para a defesa de interesses.
A tendência para a reprodução das situações de emprego refuta as ilusões ligadas à grande mobilidade profissional. As situações de emprego muito diferenciadas implicam não apenas níveis de satisfação muito dife- renciadas, mas também oportunidades muito diferenciadas para o aumento das qualificações, aquisição de novas competências e, por conseguinte, para a melhoria da empregabilidade.
Parece existir um desencontro entre as expectativas dos trabalhado- res e as políticas de emprego. Os estudos indicam que as expectativas da maior parte dos trabalhadores incidem sobre a estabilidade do emprego, mais os meios políticos e empresariais tentam impor as formas flexíveis (sobretudo precárias).
As formas flexíveis de emprego são ambíguas, e por conseguinte, po- dem ter implicações diferenciadas segundo o tipo de trajectórias profissionais dos trabalhadores. Como os resultados da nossa investigação indicam, para uns o trabalho flexível pode ser uma opção para outros é uma imposição. Para uns pode se tratar de uma situação transitória com o objectivo de passar para uma situação melhor. Porém, para muitos outros, trata-se de uma armadilha que amarra os trabalhadores a uma espiral de precariedade e à falta de perspectives profissionais.
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Recebido: 15/03/2004 Aceite final: 17/06/2004
Resumo
Este artigo, baseado nalguns dos resultados de um projecto de inves- tigação em curso, tem por objectivo analisar a difusão do emprego flexível em Portugal e mostrar a sua diversidade.
A difusão de formas flexíveis de emprego insere-se nos processos de reestruturação produtiva e flexibilização do mercado de trabalho no contex- to da intensificação da concorrência na economia global.
Recorrendo a dados estatísticos procede-se a uma análise da difusão e da evolução de algumas das formas mais relevantes de emprego flexível em Portugal, tais como o trabalho com contratos de duração determinada, o trabalho temporário, o trabalho independente e o trabalho a tempo parcial. Os trabalhadores com emprego flexível têm níveis de satisfação bastante inferiores aos dos trabalhadores com emprego estável. No entanto, o empre- go flexível não abrange situações de emprego homogéneas, mas situações muito diversificadas que são apresentadas através de uma tipologia de situa- ções de emprego flexível e uma tipologia de trajectórias profissionais.
Palavras-chave: emprego, flexibilidade, Portugal, tipos de emprego flexível.