SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL
Acórdão
Processo
75193/05.0YYLSB-A.L1.S1
Data do documento
5 de abril de 2017
Relator
Xxxxxxxxx Xxxxxx
DESCRITORES
Título executivo > Contra-promessa > Contrato prometido > Responsabilidade pré-contratual
SUMÁRIO
1) A convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, contrato-promessa traduz-se no emitir declarações de vontade negocial coincidentes com o clausulado no contrato prometido.
2) O contrato prometido (contrato futuro) só fica cumprido com a conclusão do negócio e não com a outorga da promessa.
3) Esta mais não é do que um pré-contrato (acto preparatório e instrumental) do negócio final.
4) Independentemente de se tratar do que a doutrina apoda de “contrato-promessa precário” ou de “contrato-promessa firme”, a dogmática do instituto só se prende com o escopo de garantir a celebração do contrato-prometido (contrato final).
5) Importa, entretanto, proceder ao “distinguo” entre negociações preliminares do contrato, geradoras de responsabilidade pré contratual, por situadas na fase vestibular, (tantas vezes com acordos parciais e inteira liberdade de total reformulação) e contrato-promessa, já em fase quase decisória (ou outorgatória) do contrato.
6) O contrato-promessa considera-se cumprido quando celebrado o contrato prometido, ou seja ficando assim realizadas as prestações debitórias queridas.
7) Há, então uma função solutória do pré-contrato que mais não serviu como “contrato de segurança ou garantia”, para preparar e acautelar a outorga do contrato final.
8) O contrato promessa tem uma vocação transitória, e na relação de dependência, ou instrumentalidade, com o contrato prometido, “desaparece” do universo jurídico com a celebração deste.
9) Pode, contudo, utilizar-se o seu clausulado para apurar a vontade das partes (real ou hipotético – conjuntural) nos termos dos artigos 236.º ss do Código Civil, e pode relevar para verificar se ocorreram frustrações de expectativas ou quebra da boa-fé, mesmo que, eventualmente, inseríveis na responsabilidade pré-contratual.
10) Mas os contratos não são o “nomen juris” que os outorgantes lhes atribuem, mas sim o que resulta da vontade destas e do clausulado.
11) Extinto por cumprimento, o contrato promessa deixa de ser, “quo tale”, título executivo, passando a sê- lo o definitivo, se contiver clausulas debitórias incumpridas.
12) A única similitude terminológica, que nada tem a ver com a questão aqui tratada, seria a execução específica a que se refere o artigo 830.º CC que apenas se destina a, coercivamente, substituir o promitente faltoso na declaração negocial definitiva.
TEXTO INTEGRAL
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
“AA, SA” (actual denominação de “..., SA”) intentou execução comum para pagamento de quantia certa, contra BB, pedindo a quantia total de € 93.234,87, sendo € 89.120,67, a título de capital, €3.956,12, de juros devidos pelas prestações vencidas e não pagas, à taxa Lisbor de 180 dias, acrescidos de € 158,25, correspondentes a 4% sobre o valor da dívida.
Alega, em síntese, o seguinte:
1. A Exequente era detentora de uma participação no capital social de uma sociedade brasileira, correspondente a 3.733.209 quotas no valor de R$ 3.733.209,00, sociedade esta designada CC Ltda, com sede na ..., com o capital social de R$ 3.733.210,00;
2. O Executado era igualmente detentor de uma quota no capital social da sociedade já identificada, no montante de R$ 1,00;
3. Em 0 9 d e Agosto d e 2004, f o i celebrado um Contrato- -Promessa de Cessão de Quotas entre a Exequente e o Executado, através do qual este assumiu o compromisso de adquirir a totalidade do capital social da sociedade CC pelo montante global de R$ 300.000,00, ou seja, 102.919,50 (cento e dois mil novecentos e dezanove Euros e cinquenta cêntimos) após conversão efectuada utilizando a Taxa de Câmbio de 2,9149 conforme emissão do Banco de Portugal, à data de 1 de Setembro do corrente;
4. No âmbito do Contrato-Promessa de Cessão de Quotas celebrado entre as Partes, o Executado assumiu igualmente o compromisso de diligenciar todas as formalidades oficiais para concretizar a cessão de quotas objecto do mencionado Contrato, o que fez;
5. O pagamento do montante resultante da aquisição da totalidade do capital social da sociedade já mencionada, deveria ter sido liquidada pelo ora Executado nos seguintes termos:
6. R$ 50.000, correspondente a € 17.153,25 (dezassete mil cento e cinquenta e três Euros e vinte e cinco cêntimos) no dia 01 de Novembro de 2004;
7. R$ 50.000, correspondente a € 17.153,25 (dezassete mil cento e cinquenta e três Euros e vinte e cinco cêntimos) no dia 01 de Fevereiro de 2005;
8. R$ 50.000, correspondente a € 17.153,25 (dezassete mil cento e cinquenta e três Euros e vinte e cinco cêntimos) no dia 01 de Março de 2005;
9. R$ 50.000, correspondente a € 17.153,25 (dezassete mil cento e cinquenta e três Euros e vinte e cinco cêntimos) no dia 01 de Abril de 2005;
10. R$ 50.000, correspondente a € 17.153,25 (dezassete mil cento e cinquenta e três Euros e vinte e cinco cêntimos) no dia 01 de Maio de 2005;
11. R$ 50.000, correspondente a € 17.153,25 (dezassete mil cento e cinquenta e três Euros e vinte e cinco cêntimos) no dia 01 de Junho de 2005;
12. Mais acresce, nos termos do Contrato celebrado entre as Partes, que o pagamento de cada uma das parcelas acima identificadas deveria ser efectuado em Portugal, até ao dia 15 de cada mês, através de um depósito bancário, em Euros e o seu valor o resultado da conversão do valor de cada uma das mencionadas parcelas à taxa de câmbio do Banco de Portugal, conforme calculado;
13. Ora, a conversão foi efectuada atendendo ao acordado entre as Partes, sendo a taxa de conversão, à data de 1 de Setembro do corrente, de 2,9149;
14. Não obstante, por diversas vezes, instada para proceder aos supra mencionados pagamentos, o Executado, até à presente data somente procedeu ao pagamento do montante de € 13.798,81 (treze mil setecentos e noventa e oito Euros e oitenta e um cêntimos), sendo, desta forma, o montante da dívida capital, nesta data, de € 89.120,67 (oitenta e nove mil centos e vinte Euros e sessenta e sete cêntimos);
15. No entanto, a este montante (€ 89.120,67) acresce o valor referente a juros de mora calculados à taxa Lisbor 180 dias, com o factor de cálculo 2,9149, que à data de 1 de Setembro do corrente, perfaz a quantia de € 3.956,12 (três mil novecentos e cinquenta e seis Euros e doze cêntimos) e ainda do montante de € 158,25 (cento e cinquenta e oito Euros e vinte e cinco cêntimos) referente a 4% sobre o valor em Euros em dívida;
Por outro lado,
16. Nos termos dos n°s 5 e 6, respectivamente, da cláusula 3a do doc. n° 1 ora junto, a falta de pagamento de 2 prestações nela acordadas determina o vencimento total da dívida, passando esta a ser exigível e ficando a Exequente autorizada a executar o mencionado Contrato, junto como doc. n° 1. (certificado de fls. 128 a 133, intitula-se de "contrato promessa de cessão de quotas" e foi outorgado entre a AA SA e o ora Executado, sendo datado de 9 de Agosto de 2004).
O Executado veio em 22 de Abril de 2013 deduzir oposição à execução e à penhora nos termos do artigo 813° do CPC, na redacção anterior à da Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Fundamentalmente alegou:
“- A Exequente vem instaurar a presente execução, oferecendo como título executivo o contrato promessa celebrado a 9 de Agosto de 2004, que juntou.
- No entanto, tal documento não constitui título legítimo e bastante para fundar a presente execução.
- Nos termos da cláusula 8ª, do contrato junto, nomeadamente no seu n° 2, as partes estipularam o seguinte:
«Não sendo possível chegar a um Acordo, as partes desde já convencionam que a resolução de eventuais litígios emergentes do presente contrato serão submetidos a arbitragem voluntária, nos termos previstos
na Lei n° 31/86, de 29 de Agosto.».
- Ou seja, as partes não se limitaram a estipular uma simples ou mera «possibilidade» de recurso à arbitragem, submeteram o contrato, sem qualquer exclusão ou ressalva, a uma arbitragem verdadeiramente obrigatória, para dirimir os litígios que daquele pudessem emergir.
- Não pode pois, a ora Exequente, nesta fase e da forma que o faz, recorrer à instância e foro judicial e a ela submeter o presente litígio - que é o que se trata - porquanto a instância própria para o efeito, eleita no contrato em causa pelas partes para o dirimir sempre seria, previamente, a arbitral.
- Por outro lado, nem sequer se pode afirmar que a pretensa força executiva resulte do estipulado no n° 6, da cláusula terceira (3ª), porquanto nela se afirma tão somente que «...pode a AA executar de imediato o presente contrato» e não que o mesmo seja, por vontade manifestada pelas partes, título executivo para, com base nele, ser fundada qualquer execução.
- Na verdade, não só o n° 6, da cláusula 3ª tem de estar articulado com o estipulado na cláusula 8a (cláusula de arbitragem), como as obrigações recíprocas das partes emergentes do contrato não se esgotavam nas de pagamento.
- Na verdade, nos termos do contrato e no âmbito da relação sinalagmática complexa estabelecida entre as partes, estão previstas obrigações futuras, pecuniárias e outras, mas não verdadeiramente uma dívida expressamente confessada ou reconhecida que pudesse ser executada autonomamente como é pretendido, nesta execução, pela Exequente.
- No entanto, se os dois argumentos supra enunciados são suficientes para fazer improceder a presente execução, outro existe ainda, reconhecido pela própria Exequente.
- A presente execução vem fundada no contrato promessa celebrado a 9 de Agosto de 2004 como título executivo.
- No ponto 4., do requerimento executivo a Exequente afirma que:
«... O Executado assumiu igualmente o compromisso de diligenciar todas as formalidades...para concretizar a cessão de quotas objecto do mencionado contrato, o que fez!»
- Ora, o que de tal afirmação resulta - e é verdade - o contrato prometido foi efectivamente celebrado e essa era a finalidade e objectivo pretendido pelas partes com a celebração prévia do contrato promessa.
- A celebração de um contrato-promessa visa sempre a celebração de um negócio ou contrato futuro.
- O contrato prometido, uma vez celebrado, revela e traduz o cumprimento do contrato promessa anterior cujos termos e efeitos não podem deixar de ser considerados extintos e consumidos no âmbito e condições do novo negócio celebrado.
- Após a celebração do contrato prometido - como aconteceu - são somente as cláusulas deste que regulam as relações entre cedente e cessionário e os efeitos do contrato promessa esgotaram-se.
- Assim, não pode, após a celebração do contrato prometido – como aconteceu e expressamente confessa nesta execução - a Exequente pretender fazer seguir ainda uma execução com base num pretenso título [executivo] que, além de o nunca haver sido, mesmo que o fosse sempre havia deixado de o ser, por os seus efeitos haverem cessado ou caducado, ipso facto.
- O presente contrato promessa é, também e por isso, no caso dos autos, documento inexequível, após a celebração do correspondente contrato prometido.
- (…)
- Não aceita ser devedor de qualquer das quantias peticionadas.” A oposição foi recebida.
Na sua resposta a exequente alega em suma:
- A primeira questão levantada pelo opoente é uma questão de alegada incompetência do Tribunal em razão da matéria, embora o opoente a apresente sob a capa de Inexistência/Inexequibilidade do Título.
- Alega o opoente que "(...) as partes submeteram o contrato, sem qualquer exclusão ou ressalva, a uma arbitragem verdadeiramente obrigatória, para dirimir os litígios que daquele pudesse emergir" - e que: "Não pode, pois, a ora exequente, nesta fase e da forma que o faz, recorrer à instância e foro judicial e a ela submeter o presente litigio (...) porquanto a instância própria para o efeito (...) seria sempre, previamente, a arbitral".
- Alega, por outro lado, o executado que o contrato não constitui título executivo, cfr. artigos 6o a 18° da Oposição, os quais se impugnam desde já.
- As duas questões invocadas pelo executado acabam por estar intimamente ligadas, de tal sorte que do reconhecimento do contrato como título executivo decorrerá naturalmente a competência material do Tribunal, como veremos.
- E da negação de tal reconhecimento decorrerá também a incompetência do Tribunal.
- Comecemos, pois, pela questão de averiguar se o contrato constitui ou não título executivo.
- Comece-se por sublinhar que tal averiguação se deve fazer nos termos do anterior Código do Processo Civil, atento o disposto no artigo 6º, n° 3 da Lei 41/2013.
- Do contrato dado à execução, resultavam dois conjuntos de obrigações para o executado:
a) Por um lado, adquirira participação social que a exequente detinha na sociedade CC Ltda (cláusula 2ª) e diligenciar todas as formalidades para que a aquisição e a concomitante alteração do contrato (que reflectisse a aquisição) estivessem concluídas até ao dia 30 de Setembro de 2004 (cfr. cláusula 7ª, n° 1 e 2)
b) Por outro lado, pagar o preço de aquisição, nos termos previstos na Cláusula 3ª.
- Ora, quanto às obrigações referidas na alínea a) do artigo anterior, não há dúvidas, nunca existiram, de que foram cumpridas pelo executado.
- É o que resulta com toda a evidência do requerimento executivo, nomeadamente do alegado no ponto 4. E resulta também do reconhecido pelo executado nos artigos 12° e 15° da Oposição.
- Só remanesce, assim, a obrigação do executado de pagar a totalidade do preço, só tendo este impugnado a liquidação, nos termos do artigo 22° da Oposição, e não tendo invocado o pagamento de quantia superior à indicada no requerimento executivo (€ 13.798,81).
- Assim, restando apenas do contrato o pagamento do preço (ou parte dele) e respectivos juros, e não havendo qualquer questão controvertida entre as partes, óbvio se torna que o contrato constitui título executivo para cobrança do preço. Não só porque obedece a todos os requisitos previstos no artigo 46°, alínea c) do CPC aplicável. Como também resulta do teor próprio contrato, nomeadamente do n° 6 da Cláusula 3ª.
- Repare-se que, quer pela inserção sistemática (numa cláusula em que se dispõe apenas sobre o preço, e
não sobre outras obrigações do executado), quer pelo próprio teor da xxxxxxxx, não restam dúvidas de que as partes quiseram atribuir força executiva ao contrato - "no caso de (...) o Segundo Contraente não proceder à liquidação do valor que ainda se encontrar por liquidar, pode a Tecnidata executar de imediato o presente contrato".
- Tal entendimento resulta ainda do facto do preço só dever começar a ser pago após a data prevista para a concretização do contrato prometido.
- De facto, esta é a data de 30 de Setembro de 2004 (n° 1 da cláusula7ª) e a primeira prestação do preço venceu-se em 30 de Novembro de 2004. - Ou seja, precisamente porque o preço só começaria a ser pago depois de concretizada a aquisição por parte do executado, havia que dar maior tutela ao eventual atraso ou falta de pagamento.
- Em suma, como resulta de uma interpretação elementar do contrato no seu todo e da cláusula 3ª em particular, a execução a que aquela disposição contratual se refere (no seu n° 6) não é a execução específica do contrato (que consiste na concretização do contrato prometido), é a execução do contrato para efeitos de recebimento do preço.
- O contrato é, pois, título executivo para cobrança do preço, ao abrigo, quer da alínea c), quer da alínea d), do artigo 46° do CPC.
- Ora, sendo título executivo quanto ao preço em falta, não há, quanto a tal matéria, qualquer litigio que não se resolva no âmbito do processo executivo, tomando inútil qualquer prévia acção de natureza declarativa.
- E mesmo que hajam dúvidas quanto à conversão da divida em Euros e quanto à contagem dos juros, são questões próprias da execução e a resolver no âmbito desta, de acordo com as regras para tanto existentes no formalismo do processo executivo.
- E não retiram a natureza de título executivo ao contrato dado à execução.
- Não havendo qualquer litígio quanto ao objecto do contrato (o executado até diz que o contrato se esgotou - art° 15°), e prevendo o contrato a possibilidade de ser executado para cobrança do preço, não é necessário, nem legalmente possível o recurso à prévia Arbitragem.
- Na verdade, se analisarmos a Lei a que as partes submeteram a resolução de dúvidas e litígios - Lei 31/86, de 29 de Agosto - veremos que os Tribunais Arbitrais (i) apenas podem dirimir processos de natureza declarativa, (ii) pressupõem um litígio e visam a obtenção de uma decisão (art. 26° e 27°). E não têm competência para acções executivas, como resulta com toda a evidência do artigo 30°.
- Em suma, o contrato constitui título executivo e o foro é o próprio, não carecendo de prévia Arbitragem, a qual seria até inválida face à natureza e competência dos Tribunais Arbitrais.
Pugna pelo prosseguimento da execução e pela improcedência da oposição.
Foi junto o acordo celebrado pelas partes posteriormente ao que denominaram contrato- promessa, e que substancialmente remete para este, o qual abaixo se transcreve, nos seus precisos termos (cfr fls 30 ss).
No saneador – sentença, onde se julgou o Tribunal competente e se deram como provados os seguintes factos:
I. A Exequente AA SA deu à execução o documento intitulado "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
II. No referido contrato encontra-se estipulado na cláusula 2ª que a AA promete vender e o Segundo Contraente pretende adquirir a totalidade da quota que detém representativa do capital social da Sociedade e transferir o activo e o passivo existente, bem como a Clientela e o quadro pessoal existente.
III. Constando da cláusula 3ª o seguinte:
1. O preço final da presente cessão de quotas e de transferência de activos é de R$300.000,00.
2. O preço de compra referido no n° 1 da presente cláusula será liquidado da seguinte forma:
a) R$ 50.000, a liquidar no dia 01 (um) de Novembro de 2004;
b) R$ 50.000, a liquidar no dia 0 1 (um) de Fevereiro de 2005;
c) R$ 50.000, a liquidar no dia 01 (um) de Março de 2005;
d) R$ 50.000, a liquidar no dia 0 1 (um) de Abril de 2005;
e) R$ 50.000, a liquidar no dia 01 (um) de Maio de 2005;
f) R$ 50.000, a liquidar no dia 01 (um) de Junho de 2005;
3. O pagamento de cada uma das parcelas acima identificadas será efectuado em Portugal, até ao dia 15 de cada mês, através de depósito numa conta bancária identificada pela AA ao segundo contraente para o efeito, em euros e o seu valor será o resultado da conversão do valor de cada uma das mesmas à taxa de câmbio do Banco de Portugal fixada no 1º dia útil do respectivo mês.
4. O pagamento de cada uma das prestações deverá estar efectuado o mais tardar até ao dia 15 (quinze) do mês respectivo. No caso de atraso no pagamento das prestações conforme acima disposto, o Segundo Contraente pagará juros à taxa Lisbor 180 dias acrescido de 4%, sobre o valor em Euros em dívida.»
5. Na cláusula 7ª exararam as partes que «1. A alteração do contrato social da Sociedade deve estar concretizada até 30 (trinta) de Setembro de 2004, salvo, se por acordo entre as partes for estabelecida outra data.».
A final, a sentença, deu a oposição por procedente e julgou extinta a execução. Inconformada apelou a Exequente.
Formulou as seguintes conclusões:
1ª: O título dado à execução é um contrato-promessa de cessão de quotas, que tinha como escopo regular os termos da aquisição pelo Executado à Exequente de quotas numa sociedade brasileira;
2ª: Nos termos desse contrato, o apelado obrigou-se a: (i) diligenciar todas as formalidades para que a aquisição e a concomitante alteração do contrato estivessem concluídas até ao dia 30 de Setembro de 2004 (Cláusula 7, n° 1 e 2), e a (ii) pagar o preço de aquisição, cfr. Cláusula 3ª.
3ª: Logo, no requerimento executivo, ponto 4, a Exequente afirmou que o Executado havia cumprido a primeira das suas supra assinaladas obrigações. De facto, afirmou a exequente: "... o Executado assumiu igualmente o compromisso de diligenciar todas as formalidades...para concretizar a cessão de quotas objecto do mencionado Contrato, o que fez". E também o apelado, na petição da Xxxxxxxx afirmou, no artigo 12°: "Ora, o que de tal afirmação resulta e é verdade - o contrato prometido foi efectivamente celebrado, e essa era a finalidade e objectivo pretendido pelas partes com a celebração prévia do contrato promessa".
4ª: Assim, ao contrário do defendido pelo M. Juiz a quo, o pagamento do preço de aquisição das quotas pelo apelado não estava dependente da concretização do contrato prometido, uma vez que este estava já
concretizado à data de entrada do requerimento executivo, como alegado pela apelante e reconhecido pelo apelado.
5ª: Mas mesmo que não estivesse concretizado, tal não retiraria a natureza de título executivo ao documento dado à execução porque entre ambas as situações não havia qualquer nexo de dependência jurídica, nos termos em que o M. Juiz a quo coloca.
6ª: De facto, quer a concretização do contrato prometido, quer o pagamento do preço, eram obrigações que incidiam (ambas) sobre o Executado. Ou seja, o Executado é que tinha que diligenciar no sentido de que fosse possível concretizar a cessão de quotas (e consequente alteração do pacto social) até 30 de Setembro de 2004, e o Executado é que tinha que pagar depois o preço da mesma aquisição.
7ª: A "tese" da dependência invocada pelo M. Xxxx poderia ser eventualmente aceite se a obrigação do pagamento do preço por parte do executado dependesse do prévio cumprimento de obrigação que impendesse sobre a apelante. Tal é o sentido e o teor do artigo 804° do CPC, na versão aplicável, que refere: "Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva (não é o caso) ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação".
8ª: Só que, como se viu, a obrigação do pagamento do preço não ficou dependente do cumprimento de qualquer obrigação da exequente nem de terceiro, mas tão só do próprio executado.
9ª: O M. Juiz a quo bem esteve quando começou por entender que o contrato promessa dado à execução preenchia todos os requisitos para ser considerado título executivo, mas, com todo o respeito, violou os artigos 45° e 46°, n° 1 c) do CPC na versão anterior à introduzida pela Lei 41/2013, de 26 de Junho quando entendeu que o pagamento do preço estava dependente da concretização do contrato prometido e quando, contra toda a evidência que resultava dos autos, entendeu que aquele estava ainda por cumprir, ao contrário do expressamente alegado e reconhecido pela apelante e apelado, respectivamente.
10ª: Quer pela sua inserção sistemática (numa cláusula em que se dispõe apenas sobre o preço e não sobre outras obrigações do executado), quer pelo próprio teor da cláusula, não restam dúvidas de que as partes quiseram atribuir força executiva ao contrato - "no caso de (...) o Segundo Contraente não proceder à liquidação do valor que ainda se encontrar por liquidar, pode a AA executar de imediato o presente contrato".
11ª: Tanto mais, releve-se, que o pagamento do preço deveria ocorrer em data posterior ao da própria cessão de quotas, pelo que fazia todo o sentido conferir uma especial tutela ao direito da apelada ao recebimento do preço.
12ª: Preço que o apelado nunca alegou ter pago, como de facto não pagou. Pretextando aspectos formais para se furtar ao pagamento.
Conclui pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que mande seguir a execução os seus termos.
Contra alegou o Executado, concluindo, nestes termos, pela manutenção da sentença:
“a) A Exequente, pelas razões invocadas e como resulta da douta sentença recorrida, não ofereceu título que habilite à execução que requereu e inexiste a obrigação que reclama com base no título dado à execução.
b) A inexistência de obrigação com base no título oferecido em execução, configura a inexistência de dever de pagamento reclamado pela Exequente nesta execução e daí, bem decidiu a douta sentença recorrida ao concluir pela respectiva extinção.
c) É nesse sentido que deve ser entendida a decisão recorrida, bem como a conexão que aquela estabeleceu entre o pagamento do preço, a alteração do contrato, um conjunto de outras condições, obrigações e as datas de pagamento estipuladas.
d) A Exequente, ao omitir a celebração do contrato prometido, omitiu um aspecto essencial do negócio jurídico celebrado entre as partes e o conjunto de vinculações recíprocas dele resultantes que passaram a regular a relação.
e) A celebração do contrato prometido fez cessar os efeitos do contrato promessa e, em consequência, a possibilidade de o mesmo ser passível de constituir título executivo em qualquer acção contra o executado, ora recorrido.
5. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente a apelação, revogando a decisão recorrida julgou a oposição improcedente e mandou a execução seguir seus termos.
O executado pede revista, assim concluindo a sua alegação:
a) A exequente, pelas razões invocadas e como resulta da douta sentença recorrida, não ofereceu título que habilite à execução que requereu e inexiste a obrigação que reclama com base no título dado à execução.
b) A inexistência de obrigação com base no título oferecido em execução, configura a inexistência de dever de pagamento reclamado pela exequente nesta execução e daí, bem decidiu a douta sentença recorrida ao concluir pela respectiva extinção.
c) É nesse sentido que deve ser entendida a decisão recorrida, bem como a conexão que aquela estabeleceu entre o pagamento do preço, a alteração do contrato, um conjunto de outras condições, obrigações e as datas de pagamento estipuladas.
d) A exequente, ao omitir a celebração do contrato prometido, omitiu um aspecto essencial do negócio jurídico celebrado entre as partes e o conjunto de vinculações recíprocas dele resultantes que passaram a regular a relação.
e) A celebração do contrato prometido fez cessar os efeitos do contrato promessa e, em consequência, a possibilidade de o mesmo ser passível de constituir título executivo em qualquer acção contra o executado, ora recorrido.
f) A sentença recorrida, salvo o devido respeito, não merece pois censura que ponha em causa, de forma relevante, o sentido da decisão tomada.
Foram colhidos os vistos. Conhecendo.
1- Breve exegese sobre o contrato-promessa.
2- Cumprimento do contrato-promessa e contrato prometido. 3- Título executivo.
4- Conclusões.
*
1- Breve exegese sobre o contrato-promessa.
1-1- Antes de tudo o mais, e no estrito apego à letra da lei, apelamos para a conceptualização do contrato- promessa constante da primeira parte do n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil (“convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”.).
Trata-se, desde logo, da vinculação à prestação de um facto jurídico, consistente na emissão de declarações de vontade negocial coincidentes com o contrato-prometido (cf. na vigência do CC 1867 – Dr. Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx, “Do Contrato-Promessa”, 2.ª ed. 1957; e Prof. Xxx Xxxxx, “Contrato-Promessa”, BMJ 76-5 ss).
Como referem os Profs. Pires de Lima e A. Xxxxxx (in “Código Civil Anotado”, I, 1986, 417 – com a colaboração do Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx) “… a obrigação emergente do contrato promessa tem por objecto a realização de um negócio jurídico, e não pode haver nele entrega de coisa que coincida com a prestação a que se fica adstrito. O que se pode ter em vista é o cumprimento de um contrato futuro – o prometido – mas não o cumprimento do contrato-promessa, pois este só se cumpre com a conclusão do negócio jurídico.” (cf., ainda, na mesma linha, os Profs. Xxxxxx Xxxxxx, in “Direito da Obrigações”, 1997, 128; e Xxxxxx xx Xxxxx, in “Sinal e contrato-promessa”, 2007, 95-96).
Vêm sendo reconhecidos pela doutrina dois tipos - a nível de “leit motiv” da respectiva outorga – de contratos-promessa.
1-2- A montante desta dicotomia, a Doutora Xxx Xxxxx (apud “O Contrato – Promessa e o Seu Regime Civil”, 1999 – reimpressão – 69) refere que “o contrato – promessa, convenção pela qual alguém se obriga a futuramente celebrar um outro contrato, não constitui um contrato em especial, pois consiste num contrato que não se basta a si mesmo antes tendo de forçosamente caracterizar-se pela referência a outro contrato, aquele de que constitui acto preparatório ou instrumental”.
Trata-se, assim, de um contrato transitório, com vida precária, sempre acessório de outro negócio a celebrar futuramente.
Ou seja, as partes, após negociações preliminares, concluem pela conveniência de celebrarem certo contrato.
Porém, não o fazem de imediato, ou porque não se consideram habilitadas para detalharem, desde logo, todo o clausulado, ou porque não pretendem que os efeitos do contrato se produzam de imediato.
Daí que o contrato-promessa, tenha, noutras sedes doutrinarias alienígenas as designações de “antecontrato”; “pré-contrato”; “the contract to make future contract”; e, em latim “pactum de contrahendo” ou de “pactum de inuendo contractu”.
Então, optam pelo contrato promessa, como acordo preparatório do negócio definitivo. Retoma-se, então, a distinção atrás acenada.
Na primeira modalidade as partes, limitando-se a vislumbrar o seu interesse na conclusão de um contrato, pretendem obter um compromisso bilateral nessa conclusão, sem contudo, abdicarem da liberdade de decidirem no final (cf. Doutora Xxx Xxxxx, ob. cit. 96 – 102, que apoda este tipo de “contrato-promessa precário” e adiantando: “Nesta hipótese, a salvaguarda da liberdade de decisão «médio tempore», se
permite conceber o contrato prometido como um instrumento negocial em que a vontade desempenha ainda um papel estrutural importante, impõe que se considere o contrato promessa como um negócio cuja eficácia vinculativa é atenuada” (…) as partes “reservam uma faculdade de arrependimento, que é bastante para que as obrigações que se criam não tenham o perfil e o regime que são comuns às obrigações em geral”.
Mas, na opinião do Prof. Xxxxxxx Xxxxx – “Contrato-Promessa, uma síntese do regime vigente”, 6.ª ed., 14”
– em nossos dias, mercê das circunstâncias económicas e financeiras, só muito raro o contrato promessa encontrará justificação no facto de as partes ainda não terem uma última decisão, quanto à conveniência do contrato prometido, quer dizer, não pretenderem comprometer-se definitivamente.
Na verdade, ao menos do lado que, entre nós, a lei protege de modo especial, o que se deseja com a obtenção da promessa é, por sistema, garantir a celebração do contrato visado” (assim não será a perspectiva do Prof. Xxxxxxxx Xxxxxxx in “Reserva de opção emergente do pacto social” [Parecer] apud “Obra Dispersa”, 1991, 219).
Cremos que esta sub-espécie de contrato-promessa só poderá importar em termos doutrinários, para interpretação do contrato prometido e da vontade dos promitentes aí vertida.
O legislador, a doutrina e a jurisprudência, procederam ao distinguo entre negociações preliminares e contrato-promessa, em termos de tutelarem a respectiva ruptura e não autorizarem a confusão entre estas figuras.
Como se julgou no Acórdão do STJ de 13 de Março de 2007 – 07A402 – desta Secção e Relator, na responsabilidade pré-contratual “movemo-nos na fase vestibular (ou negociatória), por contraposição à fase decisória (ou outorgatória) do contrato.
Há que percorrer o “iter negotii” por forma a garantir a tutela da confiança das partes que não poderão ser arrastadas para situações de invalidade negocial culposa ou para a frustração de expectativas (alicerçadas em interpretação correcta dos usos do comércio) quando, injusta ou arbitrariamente, a contraparte rompe as negociações causando danos sofridos com vista à celebração do contrato.
Nesta fase, que se desenvolve, durante um período de duração variável no decurso do qual se prepara, discute (e tantas vezes se celebram acordos parciais) as partes gozam de uma muito maior liberdade, podendo sempre proceder a reformulações, reajustamentos, mais difíceis, ou senão impossíveis, na fase ulterior.
Mas essa margem de liberdade não é total, nem surge desenhada por forma discricionária, em termos de abrigar o mero capricho ou arbítrio inesperado dos negociadores.
É que, e cada vez mais, a actividade negocial se profissionaliza e este período vestibular integra a realização de estudos de mercado, consultas, orçamentos cotejados, contratos de tarefa, seguros e outras actividades onerosas que tem de ser protegidas contra arbitrariedades e precipitações.
Esta a razão de ser da responsabilidade pré contratual, entre nós estudada ainda na vigência do Código Civil de 1867 (cf. o Prof. Xxxx Xxxxx – “A responsabilidade pré negocial pela não conclusão dos contratos”, 1963 – sep. BFDC XIV e Prof. Xxxxxx xx Xxxxxxx – “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª ed, 1963, 402) e em sede dos trabalhos preparatórios do Código Civil (Prof. Xxx Xxxxx, “Culpa do devedor ou do agente”, BMJ 68).
Não tendo autonomia na lei substantiva apela-se geralmente para o artigo 227º do Código Civil que consagra a necessidade de acatamento das “regras de boa fé”, “tanto nos preliminares como na formação” de um contrato.
Como se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Outubro de 1991 – BMJ 410-754 – “a responsabilidade (pré contratual) não surge apenas na ruptura injustificada das negociações – expressão da liberdade de concluir ou não o negócio jurídico –, mas é preciso verificar-se, ainda, o facto especifico da criação da expectativa e confiança, com respeito à qual a ruptura é contrária à boa fé (Revista dos Tribunais, 86, 12.”
No fundo, considera-se que é o principio da boa fé que vincula ao respeito pela confiança na situação que o proponente criou e que determinou o declaratário à realização de despesas para cumprimento da obrigação que entendeu vir a vincular-se.
O Prof. Menezes Cordeiro (“Dolo na conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – apud “O Direito”, 125, 1993, I-II, 161) recorda que “em termos gerais, o instituto da culpa in contrahendo, ancorado no princípio da boa fé, recorda que a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de certos limites e sob as valorações próprias do direito; em consequência, são ilegítimos os comportamentos que, desviando-se de uma procura honesta e correcta de um eventual consenso contratual, xxxxxx a causar danos a outrem. Da mesma forma são vedados os comportamentos pré contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual.”
O dever geral de boa fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de actuação.
Adere-se ao conjunto elencado pela Dra. Xxx Xxxxx (“Notas sobre a responsabilidade pré contratual”, in “Revista da Banca”, 16, Outubro-Dezembro, 1990, 75 e ss) que são o dever de informação; os deveres de guarda e restituição; dever de segredo; o dever de clareza; o dever de lealdade e os deveres de protecção e conservação. (para o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit. 160) perfilam-se os deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade; o Prof. Xxxxxxx Xxxxx (“Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, 1994, 57) refere, a título exemplificativo, os deveres de clareza, de confiança e de informação; o Acórdão do STJ de 4 de Julho de 1991 – BMJ 409-743 – reconduz a boa fé ao dever de confiança, o que, nuclearmente faz o Acórdão de 4 de Abril de 2006 – 06 A222, quanto ao dever de confiança).”
Daí, a desnecessidade de dogmatizar aquele primeiro tipo ou modalidade de contrato-promessa.
Mas e como tal já foi referido, abordar-se-à o apodado segundo tipo (“contrato de promessa firme “apud Doutora Xxx Xxxxx, ob. cit. 102 ss) que acontece quando “as partes têm uma vontade contratual que se reputam de completamente amadurecida e, consequentemente, de definitiva, deparando com dificuldades e demoras, incompatíveis com o seu interesse ou urgência na operação económica, quando pretendem exprimir tal vontade na conclusão do contrato a que ela respeita.”
E também nestes casos, optam então pela celebração de um contrato-promessa, que, garantindo-lhes a ulterior celebração do contrato querido, constitui um instrumento de rápida e fácil formalização da composição de interesses que consideram conveniente e ajustado.
2- Cumprimento do contrato-promessa e contrato prometido.
2-1- O contrato-promessa considera-se cumprido quando celebrado o contrato prometido, ou seja quando
forem realizadas as prestações debitórias.
Trata-se, então, de concluir o negócio que é seu objecto, o qual tem função solutória do preparatório.
E tanto assim é que o incumprimento pode ser sancionado, por, e nas palavras do Prof. Brandão Proença que se refere ao cumprimento como “dever essencial integrante da obrigação positiva gerada pelo contrato” sendo o “desenlace normal e o fim natural do assumido dever bilateral de fidelidade” (apud “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral – A Dualidade Execução Específica – Resolução”, 1996, p. 14).
O contrato-promessa é, sem dúvida, insensível na categoria dos contratos preliminares, a gerar uma obrigação de prestação de um facto positivo, ou seja, à emissão de uma declaração negocial, que mais não é do que a realização do contrato prometido, que é seu objecto.
Com palavras muito exactas, e em complemento do que atrás se disse, o Dr. DD define-o como “uma convenção entre duas partes que têm como escopo último a realização de um outro negócio, e que pelas mais variadas razões que a «praxis» pode encontrar, celebram aquela primeira convenção, como preparatória do negócio último efectivamente pretendido” (“Contrato-Promessa e Execução. A posição do promitente adquirente enquanto terceiro face a execução movida contra o promitente alienante”, Coimbra, 2013, p. 9).
Daí que, por qualquer das razões acima expostas, e que se podem reconduzir a duas grandes áreas (preparação e acautelamento) as partes celebram um contrato-promessa.
Este, embora não deixe de ter a natureza de preliminar (preparatória, ou prévia) do negócio definitivo (o prometido) dele se autonomiza, como “contrato de segurança ou garantia” daquele (Prof. Xxxxxx xx Xxxxx, “Sinal e Contrato-Promessa”, 12.ª ed.. 20-22).
Celebrado o contrato definitivo, mostra-se cumprida a promessa constante do preliminar (pré-contrato; “quase-contrato”).
Este que tem uma vocação transitória, na relação de dependência, ou instrumentalidade, com o contrato prometido “desaparece” do universo jurídico-negocial.
Mas esse desaparecimento (que ocorre por diluição do seu clausulado no contrato prometido) e que resulta da vocação transitória que o enformou, e não é completo.
É que, o nele clausulado pode ser utilizado para apurar a vontade das partes (real ou hipotético- conjectural) nos termos dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, pois, quer a vontade real dos outorgantes, quer o sentido da declaração negocial (vontade virtual), pode ser mais facilmente apurada perante o que foi clausulado no contrato-promessa, e não foi expressamente afastado, ou não tem o mínimo de correspondência com o texto final (aproximação do n.º 2 do artigo 238.º CC).
Outrossim, o firmado no contrato-promessa pode relevar em termos de questionar se ocorreram frustrações de expectativas pela confiança na situação que foi criada, ou quebra de boa-fé eventualmente inserível na responsabilidade pré-contratual (cf. v.g. Prof. Mota Pinto. “A responsabilidade pré-negocial pela não conclusão dos contratos”, 1963, BFDC,XIV; Prof. Xxxxxxx Xxxxx – Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, 1994, 57).
Mas, para além destes pontos, que acabámos de enunciar, há ainda que ponderar, no caso de litígio, o recurso àquela fonte.
2-2- Importa, agora, analisar o contrato que, como adiante xxxxxxx consideramos, já celebrado definitivamente.
E é o que foi dado à execução, já que os contratos não são o que as partes nominam, mas o que, efectivamente clausularam e resulta do prestado e a prestar.
Eis os seus termos:
“Entre,
Primeiro: AA, SA, pessoa colectiva nº ..., (…), adiante designada Tecnidata ou Primeira Outorgante e, Segundo: BBr, português, casado, (…)
adiante designado por Segundo Outorgante, CONSIDERANDO QUE:
a ) A Primeira e o Segundo Outorgante celebraram, em 09 (nove) de Agosto de 2004, um Contrato Promessa de Cessão de Quotas, através do qual a Primeira Outorgante prometeu vender a sua participação de 3.733.209 (três milhões setecentos e trinta e três mil duzentas e nove) quotas, no montante de R$ 3.733.209,00 (três milhões setecentos e trinta e três mil duzentos e nove) reais, adiante designadas por QUOTAS, no capital social da sociedade de direito brasileiro CC LTDA, com sede na ..., na ... inscrita na CNPJ/MF sob o número ..., com todos os direitos inerentes a tais participações sociais, adiante designada por SOCIEDADE, e o Segundo Outorgante prometeu adquirir essa mesma participação;
b) O preço a pagar pela mencionada transmissão das QUOTAS é diferido em 6 (seis) prestações de igual montante cada uma;
c)A concretização da cessão de quotas mencionada na alínea a) supra produz efeitos na esfera jurídica da SOCIEDADE e como tal deverá ser formalizada à luz do direito brasileiro;
d)O Segundo Outorgante, nos termos e condições do mencionado Contrato Promessa assumiu o compromisso de praticar todos os actos e Contratos necessários para a efectiva transmissão das QUOTAS, no âmbito das exigências legais decorrentes do direito brasileiro até 30 (trinta) de Setembro de 2004;
e ) Atendendo aos procedimentos legais exigidos e próprios junto das entidades oficiais brasileiras competentes e simultaneamente à morosidade da concretização das mesmas, o Segundo Outorgante não cumpriu com a data estipulada para o efeito;
f) A SOCIEDADE é devedora à AA do montante total de € 228.614.56(duzentos e vinte e oito mil seiscentos e catorze Euros e cinquenta e seis cêntimos) sendo € 208.920.21(duzentos e oito mil novecentos e vinte Euros e vinte e um cêntimos) a título de empréstimo e € 19.694.35(dezanove mil seiscentos e noventa e quatro Euros e trinta e cinco cêntimos) a título de juros vencidos;
g) Pretendem as Partes dar sem efeito o montante da dívida conforme descrita na alínea f) supra;
É celebrado o presente Acordo de que o preâmbulo supra faz parte integrante e se regerá pelo disposto nas Cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
1. Até à efectiva concretização da transmissão das QUOTAS detidas pela AA SA, na SOCIEDADE, através de escritura pública de cessão de quotas ou acto equivalente no direito brasileiro, mantém-se em vigor tudo o constante no Contrato Promessa de Cessão de Quotas celebrado entre as Partes em 09 (nove) de Agosto de 2004.
2 . Sem prejuízo do disposto no nº 1 supra, o Segundo Outorgante obriga-se a comprovar, através do competente documento para o efeito, reconhecido notarialmente, a efectiva transmissão das QUOTAS, nos termos e condições exigidas pela lei brasileira, até 15 (quinze) de Novembro de 2004.
3. O Segundo Outorgante compromete-se a não dar quitação à venda da presente transmissão no texto da escritura pública de cessão de quotas ou em acto equivalente à mesma, seja a que título for.
Cláusula Segunda
1. O Preço da presente cessão de quotas e de transferência de activos é de R$ 300.000,
2. O Preço de Compra referido no nº 1 da presente cláusula será liquidado nos seguintes termos e condições:
a) R$ 50.000 - a liquidar no dia 01 (um) de Novembro de 2004;
b) R$ 50.000 - a liquidar no dia 01 (um) de Fevereiro de 2005;
c) R$ 50.000 - a liquidar no dia 01 (um) de Março de 2005;
d) R$ 50.000 - a liquidar no dia 01 (um) de Abril de 2005;
e) R$ 50.000 - a liquidar no dia 01 (um) de Maio de 2005; f) R$ 50.000 - a liquidar no dia 01 (um) de Junho de 2005;
3 . A respectiva declaração de quitação será entregue ao Segundo Outorgante somente após a boa cobrança da última prestação a ocorrer no dia 01 (um) de Junho de 2005;
4. O pagamento de cada uma das parcelas acima identificadas será efectuado em Portugal, no 1º dia útil de cada mês, através de depósito numa agência bancária identificada pela AA ao Segundo Outorgante para o efeito, em Euros e o seu valor será o resultado da conversão do valor de cada uma das mesmas à taxa de câmbio do Banco de Portugal à data de cada uma das mesmas.
5. O pagamento de cada uma das prestações deverá estar efectuado o mais tardar até ao dia 15 (quinze) do mês respectivo. No caso de atraso no pagamento das prestações conforme acima disposto, o Segundo Outorgante pagará juros à taxa Lisbor 180 dias acrescido de 4%, sobre o valor em Euros em dívida.
Cláusula Terceira
A AA expressamente garante ao Segundo Outorgante que dá sem efeito a dívida que a SOCIEDADE, à data, detém na AA, no montante de € 228,614.56(duzentos e vinte e oito mil seiscentos e catorze Euros e cinquenta e seis cêntimos), sendo € 208,920.21(duzentos e oito mil novecentos e vinte Euros e vinte e um cêntimos) a título de empréstimos efectuados e € 19,694.35(dezanove mil seiscentos e noventa e quatro Euros e trinta e cinco cêntimos) a título de juros vencidos, nada mais sendo devido ao Segundo Outorgante, exclusivamente no âmbito da presente cláusula, seja a que título for.
Cláusula Quarta
Quaisquer notificações ou outras comunicações nos termos deste Acordo considerar-se-ão validamente feitas por correio registado ou por carta dirigida ao Presidente do Conselho de Administração da Primeira Outorgante para as moradas referidas na identificação das Partes ou, para qualquer outro endereço que tenha sido comunicado por escrito por qualquer das Partes à outra contraparte e cada uma das notificações ou comunicações considerar-se-á efectuada, 15 (quinze) dias após o envio das mesmas.
Cláusula Quinta
O presente Acordo constitui o acordo total das Partes respeitante aos assuntos nele versados e não poderá
ser alterado ou modificado verbalmente mas apenas por escrito, mantendo-se em tudo o resto o constante no Contrato Promessa de Cessão de Quotas.
Cláusula Sexta
O presente Acordo rege-se pela lei portuguesa. Cláusula Sétima
Em caso de desacordo ou litígio relativamente à interpretação ou execução deste Acordo, as Partes diligenciarão no sentido de alcançar, por acordo amigável, uma solução adequada e equitativa.
Não sendo possível uma solução negociada e amigável nos termos previstos no número anterior, cada uma das Partes poderá a todo o tempo recorrer à Arbitragem nos termos seguintes:
a) A Arbitragem será realizada por um Tribunal Arbitral constituído nos termos do Artº. 16º e de acordo com o estipulado na lei nº 31/86, de 26 de Agosto.
O Tribunal Arbitral será composto por um só Xxxxxxx nomeado pelas Partes em desacordo ou em litígio. Na falta de acordo quanto à nomeação desse árbitro, o Tribunal Arbitral será então composto por três membros, dois dos quais serão nomeados pelas Partes em desacordo ou litígio, e o Terceiro, que exercerá as funções de Presidente do Tribunal Arbitral, será cooptado por aqueles. Na falta de Acordo o 3º Arbitro será nomeado pelo Presidente da Câmara de Comércio e Industria Portuguesa-Associação Comercial de Lisboa, mediante requerimento de quaisquer das referidas Partes.
c ) O Tribunal Arbitral funcionará em Lisboa, em local a escolher pelo Arbitro Único ou pelo Presidente, conforme for o caso.
d) As regras de processo a utilizar pelo Tribunal Arbitral serão as adoptadas pela Câmara de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa-Associação Comercial de Lisboa.
e) O Tribunal Arbitral apreciará os factos e decidirá de direito como faria o Tribunal Judicial competente, e das suas decisões não caberá Recurso.
Feito no dia 04 (Novembro) de 2004, em 2 exemplares, destinando-se um a cada uma das partes.”
Verifica-se, assim, que o que é dado à execução é já um contrato definitivo, que não promessa, este situado a montante e se extinguiu, por cumprimento, nos termos do artigo 762.º do Código Civil.
É o que resulta do cotejo do pré-contrato com o contrato definitivo, sendo que entre a celebração de ambos não ocorreu qualquer declaração antecipada de não cumprir (“riffuto di adimpieri”); decurso de prazo fatal; cláusula resolutiva expressa; ou perda de interesse na prestação.
Eis porque, e insiste-se ocorreu o desaparecimento do contrato-promessa, como “contrato preliminare”,existindo sim contrato definitivo como “solvendi causa”.
E nem parece discutível que o apodado contrato-promessa não tenha parcialmente características de contrato definitivo, porquanto parece claro ter havido um propósito das partes de não referir a questão do preço, do seu recebimento ou respectiva quitação.
Assim, na clausula 3ª do contrato afirma-seque o preço final da presene cessão de quotas de activos é… Estabelecendo-se,no seu nº 2 as respectivas prestações e fixando-se, desde logo, os juros moratórios aplicáveis. Mais se convencionou que a falta de pagamento de duas prestações sucessivas, determina o vencimento total do restante valor em dívida, ficando este a ser imediatamente exigível e, finalmente
estatui-se que, se mesmo accionado estes mecanismos não obtiver a AA pagamento das quantias em dívida pode executar de imediato o contrato.
Tratam-se, assim , de clausulas definitivas. 3-Título executivo.
Trata-se, pois, de um contrato autónomo, final (definitivo) que consumiu a promessa, contendo a exequibilidade, ao tempo constante do artº 46º nº 1º, alínea c) do Código de Processo Civil.
Por isso, a exequibilidade do contrato-promessa deixou de existir, “quo tale”., sendo exequível o final.
No momento anterior à celebração do contrato prometido, e em situação de mora, podia lançar-se mão da execução específica, nos termos e com as restrições do n.º 1 do artigo 830.º da lei civil.
Mas a execução específica tem por finalidade a obtenção de uma decisão judicial a produzir “os efeitos da declaração negocial do faltoso”, ou seja, destina-se a “forçar” a celebração do contrato prometido, quando a promessa, embora retardada, ainda está erecta.
Porém, se a promessa já foi cumprida em tempo este instituto não vale, porque conduziria à prática de um acto inútil – repetição do contrato prometido.
3-1- O recorrente vem dar à execução o contrato definitivo.
Dispõe o n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução.”
Trata-se de documento, de acto constitutivo ou a certificar obrigações, a que a lei reconhece eficácia para servir de base à acção executiva.
Daí que o título executivo, para além de uma função probatória, exerça ainda uma função constitutiva, por conferir coercibilidade a um pedido para que o mesmo seja realizado através de medidas coactivas impostas pelo tribunal.
A acção executiva destina-se, assim, e em consequência à realização coactiva de uma prestação. A exequibilidade da pretensão, resulta do título, que deve incorporar o direito do credor.
Se o documento que serve de suporte ao accionamento executivo não contiver a possibilidade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título não pode servir para executar.
Por outro lado, a exequibilidade reporta-se à obrigação exequenda.
Esta tem de subsistir no momento da execução: se tiver ocorrido qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo considera-se excluída.
O n° 1 do artigo 703.º do CPC sobre a epígrafe «À execução apenas podem servir de base» elenca os títulos executivos.
É que, e como refere o Cons. Xxxxx do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 69) a alínea c) do citado normativo, [hoje alínea d) do n.º 1] estabelece expressamente que a força executiva tanto é conferida aos documentos que incorporem o acto ou negócio constitutivo do débito exequendo, como aos de carácter puramente recognitivo, que envolvam mero reconhecimento pelo devedor de uma obrigação pré-existente.”
Nos termos expostos, patente é a sem razão do recorrente.
4- Conclusões.
Pode, assim, concluir-se que:
a) A convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, (contrato-promessa) traduz-se no emitir declarações de vontade negocial coincidentes com o clausulado no contrato prometido.
b) O contrato prometido (contrato futuro) só fica cumprido com a conclusão do negócio e não com a outorga da promessa.
c) Esta mais não é do que um pré-contrato (acto preparatório e instrumental) do negócio final.
d) Independentemente de se tratar do que a doutrina apoda de “contrato-promessa precário” ou de “contrato-promessa firme”, a dogmática do instituto só se prende com o escopo de garantir a celebração do contrato-prometido (contrato final).
e) Importa, entretanto, proceder ao “distinguo” entre negociações preliminares do contrato, geradoras de responsabilidade pré contratual, por situadas na fase vestibular, (tantas vezes com acordos parciais e inteira liberdade de total reformulação) e contrato-promessa, já em fase quase decisória (ou outorgatória) do contrato.
f) O contrato-promessa considera-se cumprido quando celebrado o contrato prometido, ou seja, ficando assim realizadas as prestações debitórias queridas.
g) Há, então uma função solutória do pré-contrato que mais não serviu como “contrato de segurança ou garantia”, para preparar e acautelar a outorga do contrato final.
h) O contrato promessa tem uma vocação transitória, e na relação de dependência, ou instrumentalidade, com o contrato prometido, “desaparece” do universo jurídico com a celebração deste.
i) Pode, contudo, utilizar-se o seu clausulado para apurar a vontade das partes (real ou hipotético – conjuntural) nos termos dos artigos 236.º ss do Código Civil, e pode relevar para verificar se ocorreram frustrações de expectativas ou quebra da boa-fé, mesmo que, eventualmente, inseríveis na responsabilidade pré-contratual.
j)Mas os contratos não são o “nomen juris” que os outorgantes lhes atribuem, mas sim o que resulta da vontade destas e do clausulado.
k) Extinto por cumprimento, o contrato promessa deixa de ser, “quo tale”, título executivo, passando a sê- lo o definitivo, se contiver clausulas debitórias incumpridas.
l) A única similitude terminológica, que nada tem a ver com a questão aqui tratada, seria a execução específica a que se refere o artigo 830.º CC que apenas se destina a, coercivamente, substituir o promitente faltoso na declaração negocial definitiva.
Eis porque, acordam negar a revista, mantendo o Acordão da Relação, embora com fundamentos diversos. Custas a cargo do recorrente.
Xxxxxxxxx Xxxxxx (Relator) Xxxxx xx Xx
Xxxxxx Xxxxxx