Contract
PARECER Nº 193/2014 – MPC/RR | |
PROCESSO Nº | 01009/2013 |
ASSUNTO | |
ÓRGÃO | Prefeitura Municipal de Bonfim |
RESPONSÁVEL | Sra. Lisete Spies |
RELATOR | Conselheiro Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx |
EMENTA – PREFEITURA MUNICIPAL DE BONFIM. TRANSPORTE ESCOLAR. VEÍCULOS CONTRATADOS. NÃO OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 136 DO CTB. MULTA AOS RESPONSÁVEIS. ART. 63, II, DA LC 006/94. RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES E AO DETRAN.
I – RELATÓRIO.
Trata-se de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Bonfim, sob a responsabilidade da Sra. Lisete Spies, Prefeita de Bonfim, e do Sr. Mozarth Monte Farias, Secretário Municipal de Educação de Bonfim.
Às fls. 198/219, consta o Relatório de Auditoria nº 0113/2013-DIFIP, no qual foram detectados os seguintes “achados” de Auditoria à seguir elencados:
“3. CONCLUSÃO
3.1. Achados de Auditoria
a) Descumprimento do art. 4º, inciso VIII, da Lei 9.394/94 c/c art. 2º da Resolução 358/2005 e art. 2º, inc. I, da Resolução 380/2005, ambas do Conselho Federal de Nutricionistas – CFN, conforme subitem 2.4 deste Relatório.
b) Descumprimento do art. 96, inc. II, ‘a’ a ‘c’ da Lei 9.503/97 c/c art. 136, inc. I da Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, conforme subitem 2.5 deste Relatório.”
O aludido Relatório de Auditoria foi acatado e ratificado pela Diretoria de Fiscalização de Contas Públicas - DIFIP, sendo sugerida a citação dos Responsáveis para apresentarem defesa, o que foi acolhido pelo Conselheiro Relator.
Os Responsáveis após ter sido regularmente citados, apresentaram suas manifestações no prazo concedido.
Após a Análise de Defesa de n° 018/2010, o Conselheiro Relator determinou o encaminhamento do presente feito a este Ministério Público de Contas, a fim de que fosse apresentada a necessária manifestação conclusiva.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, há de se ressaltar que o presente feito encontra-se plenamente regular do ponto de vista jurídico-processual, já que observou todo o trâmite procedimental estabelecido, tanto pela Lei Complementar Estadual nº 006/94 (Lei Orgânica do TCE/RR), quanto pelo RITCE/RR.
Xxxxxxxxx também que, foi devidamente oportunizado e exercido pelos Responsáveis o direito ao contraditório.
Foram os seguintes “achados” de Auditoria apontados: 1º) Descumprimento do artigo 4º, inciso VIII, da Lei nº 9.394/94 c/c artigo 2º da Resolução nº 358/2005 e artigo 2º, inciso I, da Resolução nº 380/2005, ambas do Conselho Federal de Nutricionistas – CFN; 2º) Descumprimento do artigo 96, inciso II, “a” a “c” da Lei nº 9.503/97 c/c artigo 136, inciso I da Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro.
Quanto ao primeiro “achado” de Auditoria a Equipe, na opinião deste Parquet de Contas as justificativas e a documentação apresentadas pelos Responsáveis em suas defesas afastam a irregularidade apontada.
No que tange o segundo “achado” de Auditoria a Equipe Técnica apontou que “... Descumprimento do artigo 96, inciso II, “a” a “c” da Lei nº 9.503/97 c/c artigo 136, inciso I da Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro ...”.
Segundo apurou a Equipe Técnica “... estão sendo utilizados veículos ... que não se enquadram no conceito de veículo de passageiros Assim considerando o risco diário a que
estão submetidos os alunos transportados nessas rotas, necessária imediata substituição dos veículos atualmente empregados, por veículos de passageiros, de forma a conferir maior segurança aos transportados ”.
Também ficou constatado que “... os veículos não possuem Equipamento
Registrador Instantâneo de Velocidade e Tempo (tacógrafo), afrontando o disposto no 136, inciso II do Código de Trânsito Brasileiro ”.
Ao se defender o Responsável aduziu que: “. as rotas de nº 06, 07 e 11,
que levam alunos para a escola Xxxxxxxx Xxxxxxx, que funciona na localidade conhecida como Vila Vilena, ficam em área de difícil acesso. ... Diante dessa situação, a equipe gestora da Prefeitura Municipal de Bonfim, ao elaborar o Termo de Referência solicitou, para essas três rotas, veículos
do tipo 05, ou seja, carros a diesel, tracionados (4x4), com capacidade de até 5 (cinco) passageiros. ...
’’.
Aduzem também que “... No ato da licitação, todos os licitantes, apresentaram declaração informando que os veículos atendem a todos os requisitos descritos no artigo 136 do CTB, e isso inclui autorização emitida pelo DETRAN ”.
Pois bem, a prestação do serviço de transporte coletivo do qual o transporte escolar constitui espécie cabe aos municípios conforme dispõe o artigo 30, V da CF/88.
Tal serviço, pela sua própria natureza, assume importância vital, pois, não raro, as pessoas que dele usufruem são hipossuficientes não possuindo outros meios
para deslocar-se no município.
No caso do município de Bonfim/RR – como todo município de população predominantemente rural - a relevância deste serviço grassa uma vez que número considerável de usuários reside fora da zona urbana, e, acaso não tenham um serviço de transporte prestado a contendo, seja porque são executados por veículos inadequados, seja porque sua quantidade é insuficiente, sofrerão imensos prejuízos ao seu direito de locomoção e, também ao seu direito à educação, diante do risco de não frequentarem as aulas.
Saliente-se ainda mais a importância do transporte escolar quando se sabe que, notoriamente, seus usuários são formados, na sua maioria, por crianças e adolescentes, os quais, em razão de serem pessoas em processo de desenvolvimento psico- moral-social, carecem de maiores cuidados, mormente quanto ao quesito segurança e proteção às suas vidas.
Nossos Tribunais assim se manifestam sobre a matéria, in verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DEVER SOLIDÁRIO. IMPOSIÇÃO DO ENCARGO AO MUNICÍPIO. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO. SUSPENSÃO DO SERVIÇO PRESTADO. A
obrigação de prestar transporte escolar que possibilite às crianças e adolescentes residentes em zona rural o acesso à educação recai de forma solidária sobre os Estados e o Município, podendo o cidadão exigir de qualquer desses entes a prestação do serviço. A norma infraconstitucional não pode ter o condão de excluir a obrigação imposta pela Carta Magna, reduzindo o âmbito de responsabilidade do município, sobretudo considerando que o transporte nas áreas de difícil acesso constitui questão de interesse local. O princípio da continuidade do serviço público acarreta para o usuário o direito subjetivo de exigir que a prestação inicialmente prestada pelo município seja ininterrupta, sendo vedada sua suspensão repentina, sequer antecedida de aviso. A multa diária imposta pelo descumprimento de obrigação judicial deve ser fixada tendo em vista as condições econômicas do destinatário, a
sua culpabilidade e a gravidade do dever imposto, cabendo a redução eqüitativa pelo julgador, mesmo em momento posterior à inobservância, quando verificado que se tornou excessiva(...) ”. (Apelação Cível nº 1.0461.03.012800-7/001(1), 7ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Heloísa Combat. j. 30.01.2007, unânime, Publ. 13.03.2007). (grifo nosso).
Pois bem, feitas estas considerações propedêuticas, passemos a análise das irregularidades apontadas no “achado”, que na visão deste Parquet de Contas são 02 (duas).
A primeira refere-se à possibilidade de contratação de veículos do Tipo 05, ou seja, Caminhonete, para o transporte escolar de alunos.
No que tange a previsão da contratação deste tipo de veículo na Licitação e no Contrato Administrativo, no entender deste Parquet de Contas os documentos que instruem o presente feito (fls. 133/145 e fls. 243/356) demonstram a inexistência da irregularidade apresentada pela Equipe Técnica, pelo menos neste aspecto.
No que tange a Legislação de Trânsito, vejamos o que estabelece o artigo 96 do Código de Transito Brasileiro, no que tange a classificação das espécies de veículos, mais precisamente, a classificação do veículo caminhonete. Assim dispõe citado dispositivo, in verbis:
“Art. 96. Os veículos classificam-se em:
...
II - quanto à espécie:
a) de passageiros:
...
b) de carga:
...
5 - caminhonete;
...
c) misto:
1 - camioneta;”
Ora, a Caminhonete possui 02 (duas) classificações, a de veículo de carga e a de veículo misto (carga + passageiro).
Assim, podemos concluir, numa interpretação inicial e literal, que a Caminhonete pode ser contratada pelo Poder Público para prestar o serviço de “condução coletiva de escolares”, já que é considerado pelo CTB como um veículo de transporte de passageiro e de carga.
Ocorre que analisar estritamente a norma legal não trará a solução mais justa para o enfrentamento da questão ora posta.
Faze necessária a enfrentarmos a questão posta levando em consideração o essencial Princípio da Razoabilidade que pode ser definido como uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao Direito.
Salientando que esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. Enuncia-se com o Princípio da Razoabilidade que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.
Assim, podemos afirmar conclusivamente que, com base no Princípio da Razoabilidade, em regra não deve ser aceita a utilização de veículos do tipo caminhonete no transporte escolar, já que tal espécie não é a mais adequada para a prestação deste essencial serviço.
No entanto, excepcionalmente, levando em consideração a situação do caso concreto, no caso de as condições das estradas em que o transporte vai ser realizado, pode ser permitida a utilização de veículos do tipo caminhonete no transporte escolar.
Lembrando que em todos os casos o veículo tem que estar autorizado
pelo DETRAN local para realizar o transporte escolar.
Neste sentido se manifestou o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Xxxxxx Xxxxxxxx, através da Cartilha do Transporte Escolar, in verbis:
“... Em alguns municípios, onde as estradas são precárias, os Detrans autorizam o transporte de alunos em carros menores, desde que os veículos sejam adaptados para o Transporte de alunos. Esses veículos autorizados extraordinariamente são, normalmente, caminhonete (D-10, F-1000 etc ...). ”
Assim, diante das justificativas apresentadas pelos Responsáveis, no que tange as condições das vicinais onde o transporte escolar deve ser realizado, este Parquet de Contas se manifesta pelo afastamento da irregularidade apontada.
Analisada a primeira irregularidade, passemos para a segunda, que se refere à existência de autorização pelo DETRAN/RR, bem como, existência de inspeção semestral por este mesmo órgão estadual, para que os veículos contratados prestem o serviço de transporte escolar.
Para a segurança dos passageiros, o prestador de serviços de transporte coletivo escolar deve respeitar as regras do Código Nacional de Trânsito e, também, a legislação do seu município.
O Código Nacional de Trânsito, em seu artigo 136, determina que os veículos destinados a transporte escolar devem ser autorizados pelo Detran, atendidos os seguintes requisitos:
1) registro como veículo de passageiros;
2) inspeção, duas vezes ao ano, para verificação dos itens obrigatórios e de segurança;
3) faixa amarela com a inscrição "ESCOLAR" à meia altura e em toda a extensão das partes laterais e traseira da carroçaria;
4) equipamento registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo;
5) lanternas de luz branca, fosca ou amarela dispostas nas extremidades da
parte superior dianteira e lanternas de luz vermelha, na extremidade superiora da parte traseira;
6) cintos de segurança em número igual à lotação do veículo;
A autorização do Detran deve ser afixada na parte interna do veículo, em local visível, contendo o número máximo de passageiros permitido pelo fabricante, sendo proibida a condução de escolares em número superior.
Como tais requisitos devem estar presentes constantemente, durante todo o período da prestação de serviço de transporte escolar, a legislação de trânsito exige a realização pelo Detran de inspeção semestral, ou seja, 02 (duas) duas vezes ao ano o veículo deve passar por uma nova vistoria, para verificação dos itens obrigatórios e de segurança.
Neste sentido Xxxxxxx Xxxxxxxx, ao lecionar que, in verbis:
“Para a exploração desse transporte, há necessidade de autorização a ser emitida pelo órgão ou entidade executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal. De modo que os interessados deverão encaminhar pedido ao DETRAN, objetivando a licença ou autorização, preenchendo os seguintes requisitos ou elementos;...
(...) Semestralmente é necessária a vistoria ou inspeção, sob pena de ser cassada a autorização, lançada através de carimbo ou decisão, à vista dos documentos apresentados;...”
(Xxxxxxx Xxxxxxxx, Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 3 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 326)
Quanto a autorização do Detran, os Responsáveis juntam nos autos declaração dos proprietários dos veículos de que os mesmos passaram pela vistoria inicial do Detran e, consequentemente, estão de acordo com a legislação de trânsito (artigo 136, do CTB).
Ora, na opinião deste Parquet de Contas, tais declarações não possuem o condão de comprovar que os veículos foram autorizados pelo Detran para prestar o serviço de transporte escolar.
Faz-se necessário a apresentação das autorizações, propriamente ditas, concedidas pelo Detran, pois só este documento tem o condão de comprovar a vistoria realizada pelo órgão estadual, bem como, que o veículo está de acordo com a legislação de trânsito.
O que gera dúvida a este Parquet de Contas, no que tange a existência destas autorizações dadas pelo Detran, é o fatos dos veículos não possuírem tacógrafo (equipamento registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo).
Ora, como o Detran deu autorização aos veículos, se os mesmo não possuem tacógrafo, que segundo o artigo 136 do CTB, é um equipamento indispensável para liberação do veículo para que possa ser usado no transporte escolar?
A inexistência do tacógrafo, também deixa claro que os veículos não passaram pela inspeção semestral que deve ser feita pelo Detran, o que também configura violação ao artigo 136 do CTB.
Ressaltando que, é dever do Município de Bonfim, como contratante, exigir o cumprimento das normas de transito, durante toda a vigência do contrato administrativo.
Desta forma, ante todo o que foi exposto, este Parquet de Contas se manifesta no sentido de que, ante a violação ao artigo 136 do CTB, sejam aplicados aos Responsáveis a multa prevista no artigo 63, II, da LCE n° 006/94 (Lei Orgânica do TCE/RR).
Requer também, que seja determinado a gestão da Prefeitura Municipal do Bonfim, que promova a devida fiscalização em relação aos veículos utilizados no transporte escolar, nos que tange as normas de trânsito, mais precisamente ao artigo 136 do CTB.
Por fim, requer que seja determinado ao DETRA/RR que promova a fiscalização dos veículos utilizados no transporte escolar, nos que tange as normas de trânsito, mais precisamente ao artigo 136 do CTB.
III – CONCLUSÃO.
EX XXXXXXX, pelas razões de fato e de direito acima apresentadas, este Parquet de Contas se manifesta no sentido de que:
a) seja aplicado multa aos Responsáveis, com fulcro no artigo 63, II, da LCE n° 006/94 (Lei Orgânica do TCE/RR), ante a violação ao artigo 136 do Código de Trânsito Brasileiro.
b) seja determinado a gestão da Prefeitura Municipal do Bonfim, que promova a devida fiscalização em relação aos veículos utilizados no transporte escolar, nos que tange as normas de trânsito, mais precisamente ao artigo 136 do CTB.
c) seja determinado ao DETRA/RR que promova a fiscalização dos veículos utilizados no transporte escolar, nos que tange as normas de trânsito, mais precisamente ao artigo 136 do CTB.
É o parecer.
Boa Vista-RR, 01 de julho de 2014.
Diogo Novaes Fortes
Procurador de Contas