UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx
PARA UMA CONCEPÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CONCESSÃO:
A Concessão de Exploração Petrolífera entre a “Publicização do Contrato Jurídico-Privado” e a “Privatização do Contrato Público”.
Dissertação apresentada ao Curso de Pós- graduação Stricto Sensu em Direito, Programa de Mestrado, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Mestre em Teoria, Filosofia e História do Direito.
Orientador: Airton Lisle Cerqueira Leite Seelaender
Florianópolis 2016
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Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx
PARA UMA CONCEPÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE
CONCESSÃO: A Concessão de Exploração Petrolífera entre a “Publicização do Contrato Jurídico-Privado” e a “Privatização do Contrato Público”.
Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre em Direito, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 7 de março de 2016.
Prof. Dr. Xxxx Xxx Xx Xx. Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Airton L. C. L. Seelaender Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina / Universidade de Brasília
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Universidade Federal do Paraná
Prof. Drª. Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Universidade Federal de Santa Catarina
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xx. Universidade Federal de Santa Catarina
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Com mil desculpas pelo tempo roubado, para a Xxxxxxxxx, que antes de saber quem é já sabe de quem deve ser a soberania.
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“Origem significa aquilo a partir de onde e porque uma coisa é o que é tal como é. Que é algo e como é, é o que chamamos de sua essência. A origem de algo é a fonte de sua essência. A pergunta pela origem […] pergunta pela fonte de sua essência.”
Xxxxxx Xxxxxxxxx
El origen de la obra de arte
Caminos de Bosque, Madrid, Alianza, 1996, p. 7.
“There's a sign on the wall but she wants to be sure 'cause you know, sometimes words have two meanings”
Xxxxx Xxxx/Xxxxxx Xxxxx Stairway to Heaven
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RESUMO
A ideia de concessão no Direito Público brasileiro compreende um itinerário que vai da “publicização do contrato jurídico privado” a “privatização do contrato público”. A narrativa doutrinária sobre a definição da natureza jurídica da concessão petrolífera é filha legítima deste fenômeno. Em contraponto a um discurso doutrinário meramente descritivo, ancorado na ideia de evolução progressiva do conceito de concessão, este trabalho objetiva compreender a forma pela qual a doutrina equacionou a ideia de concessão em gênero e espécies. Para tanto, o processo de teorização do conceito é investigado a partir de dois eixos: um primeiro, relacionado à estruturação da concessão (em gênero e espécies) na doutrina jurídica nacional entre 1930-1970; e um segundo, em que são pormenorizadas as linhas de argumentação adotadas pela doutrina após a CRFB de 1988. Em delimitação ao seu escopo, o trabalho atenta, ainda, para o debate da concessão petrolífera. Com base nas mudanças ocorridas no panorama político-econômico brasileiro na década de 1990, são abordados seus parâmetros definidores: o “monopólio” e o “petróleo”. Exibi-se, também, o julgamento das ADI n.º 3.366-2 e 3273-9, pelo STF, em 2005. Com base nas informações levantadas, sustenta-se que o itinerário do conceito de concessão não segue uma construção progressiva. Ele é composto de crescentes transmutações conceituais, verificando-se, a mais marcante, na década de 1990. Sob os auspícios de um “novo direito administrativo”, a doutrina jurídica arquiteta a reprivatização do conceito. Esta reconstrução não está, entretanto, adstrita às diretrizes constitucionais. Em verdade, ela pode ser vista como uma “maneira elegante de dar a volta na constituição”. A construção doutrinária da concessão petrolífera está inserta neste quadro. Ela é moldada por uma doutrina descritiva, que tenciona legitimar uma opção política de “flexibilização do monopólio”.
Palavras-chave: Concessão. História dos Conceitos. Concessão de Exploração Petrolífera. Flexibilização do Monopólio. Direito Administrativo Econômico. Privatização do Contrato Público.
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ABSTRACT
The idea of concession in Brazilian Public Law comprises an itinerary that goes from the publicizing of the private contract to the privatizing of the public contract. The doctrinal narrative about the definition of the legal nature of the petroleum concession is a perfect example of that phenomenon. Standing an opposition to a merely descriptive doctrinal speech attached to the idea of progressive evollution of the concept of concession, this research aims to understand the way through which the doctrine balanced the idea of concession in gender and species. For this purpose, the theorizing process of the concept is investigated on the basis of two perspectives. The first one, related to the concession structuring (in gender and species) in the national legal doctrine between the 1930´s and the 1970´s. The second one tries to demonstrate the argumentation which the doctrine adopted after the Brazilian Constitution was proclaimed in 1988. As a delimitation of its scope, this research calls attention to the debate of the petroleum concession. Based on the changes that occurred in the Brazilian political and economical panorama during the 1990´s, the parameters of legal definition of that concession, the “monopoly” and the “petroleum”, are approached. It is also shows the trial of the Direct Unconstitutionality Actions (ADI) about that issue in the Brazilian Federal Supreme Court in 2005. On the basis of the information raised, it is held that the itinerary of the concept of concession doesn´t follow a progressive construction. It is composed by conceptual transmutations, the biggest one happening in 1990. Under the auspices of a so-called “new administrative law”, the legal doctrine architects the reprivatization of the concept of concession. That reconstruction is not, however, connected to the constitutional guidelines. It can actually be seen as a more ellegant way of going round the Constitution. The doctrinal contruction of the Petroleum concession is uncertain in that picture. It is molded by a descriptive and insdiscriminate doctrine that tends to legitimize a political option of “legal monopoly flexibilization”, not a normative force of constitution.
Key words: Concession. History of concepts. Concession of Petroil Exploration. Legal monopoly flexibilization. Economic Administrative law. Privatizing of the public contract.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 15
1.1. O problema da definição da concessão de exploração petrolífera. A hipótese construída 18
1.2. Estrutura do Trabalho 26
2. O CONCEITO DE CONCESSÃO NA DOUTRINA JURÍDICA NACIONAL 29
2.1. Um passo atrás: questões de ordem metodológica 29
2.1.1. A concessão como conceito relevante e seu momento de teorização 29
2.1.2. O problema da delimitação dos critérios de definição conceitual 42
2.2. A teorização do conceito pela doutrina jurídica brasileira
(1930-1970)........................................................................................... 49
2.2.1. O lugar de fala da discussão da teoria contratual: seu contexto e seus atores 49
2.2.2. Os critérios de definição adotados no Brasil 70
2.2.2.1. A concessão como espécie própria ou espécie sem gênero
.......................................................................................... 71
2.2.2.2. A concessão e a possibilidade de desdobramentos: gênero e espécies 94
2.2.3. Análise: o primeiro eixo de teorização 120
2.3. Rumo à noção privatista: “o direito privado, expulso pela porta, volta a entrar pela janela 123
2.3.1. Um conceito de concessão para uma nova modalidade técnica 127
2.3.2. A questão em torno da definição jurídica da concessão petrolífera 136
3. O DEBATE SOBRE A CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA: PARÂMETROS E PERSPECTIVAS CONTEXTUAIS 155
3.1. Parâmetros: as categorias definidoras da concessão petrolífera
............................................................................................................. 157
3.1.1. Monopólio e Atividade Econômica 157
3.1.2. O petróleo e sua natureza jurídica 172
3.2. Perspectivas contextuais 182
3.2.1. A Emenda Constitucional n.º 09/1995 e a Lei 9.478/1997
........................................................................................ 183
3.2.2. O entendimento do Supremo Tribunal Federal 197
3.2.3. “Leituras da Constituição” 201
3.2.3.1. “Lendo na Constituição o que nela já não está” 203
3.2.3.2. “Interpretando a Constituição a partir da Lei” 210
3.2.3.3. A análise da decisão 219
4. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO MODELO À FUGA PARA A REGULAÇÃO 225
4.1. O itinerário do conceito de concessão: entre continuidade e rupturas 225
4.2. A concessão petrolífera e a adequação à Constituição Econômica 236
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 245
6. REFERÊNCIAS 251
1. INTRODUÇÃO.
De acordo com Xxxxxx X. Pratt (1980), a moderna estrutura da indústria norte-americana do petróleo emergiu nas duas primeiras décadas do século XX, na medida em que novos competidores teriam desafiado o monopólio exercido pela Standard Oil. O símbolo que edificou esta mudança, sugere o autor, tanto no imaginário popular quanto na literatura histórica, teria sido a dissolução da Standard Oil, tal como operada na Suprema Corte dos EUA, no ano de 1911. Segundo Xxxxx (1980), a transformação da indústria petrolífera naquele país estaria diretamente ligada à forma como a Suprema Corte americana a abordou e a consolidou juridicamente. A Suprema Corte teria meramente acelerado o curso de um processo econômico posto em prática nas décadas anteriores e que já havia ganhado aceitação popular.
A configuração da indústria petrolífera no Brasil não se distancia deste quadro. Ela é revelada por dois cenários: o político-jurídico e o socioeconômico, ambos consubstanciados pela forma que petróleo se desvela como recurso estratégico ao longo da história. Cada um destes cenários, junto ao imaginário popular, procurou legitimar determinadas modalidades de prática comercial exploratória, tendo como pressuposto, em todas as suas fases, a manutenção do “processo econômico”. Ao final, também aqui no Brasil, a questão acaba na interpretação do Tribunal Constitucional.
O cenário socioeconômico revela-se pelo modo como o assunto é abordado no imaginário comum desde a Era Vargas1, período a partir do
1 Segundo Sônia Draibe (2004, pp. 75-85), o processo de industrialização do Brasil entre as décadas de 1930-1945 trouxe no seu entorno a preocupação de criação de condições, tanto nos planos econômico e políticos, para a sustentação dos setores estratégicos. Para a autora (2004), o movimento de constituição do aparelho econômico no período teria ocorrido de forma centralizada e articulada. A ossatura material e a emergência da nova forma de Estado, a par dos organismos e instituições centralizadoras, na visão da autora (2004), teriam estruturado órgãos destinados a elaborar e a implementar políticas de regulação e fomento de novos ramos de produção. Segundo Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2011, pp. 91-92), a articulação política estratégica sobre o petróleo teria tido sua origem neste ponto. Para o autor (2011), até a Revolução de 1930 o petróleo não se apresentava ainda como um problema nacional. A mudança de orientação, sugere Xxxxxxxxx (2011), teria sido resultado das tentativas da iniciativa privada nacional em explorar o petróleo e os recursos minerais no país. A linha entre a estruturação da indústria do petróleo no Brasil e a formação econômica do
qual o debate sobre o tema ganha profundidade. Enquanto que o cenário político-jurídico é constantemente (re)construído para dar vazão a objetivos estratégicos econômicos.
Em linhas gerais, este último cenário pode ser representado por três fases, cada uma delas fundamentada em discursos distintos: uma primeira, que vai da nacionalização do subsolo até a concretização do monopólio, em 19532; outra, que compreende a fase de monopólio; e, por fim, uma terceira, que é representada pelo quadro de “flexibilização do monopólio” na década de 1990 (XXXXXX XXXXX, 2000). Num espaço de tempo relativamente curto – menos de cinquenta anos3 – o
Estado seria tão tênue que, para Bercovici (2011), estudar a história do petróleo e dos recursos minerais, no Brasil, seria o mesmo que dissecar sua estrutura econômica. Na visão de Xxxxx Xxxxxx Comparato (1965), o aumento da intensidade da intervenção do Estado sobre o domínio econômico teria sido uma página necessária ao desenvolvimento. Sobre a influência do petróleo no (e do) imaginário popular: XXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx. O escândalo do petróleo e do ferro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, e, ainda, O Poço do Visconde.
2 Neste sentido é o entendimento de Xxxxxxx Xxxx (1968, p. 9), para quem a situação, antes de 1930, teria sido marcada por uma fase pobre em atividades e em realizações de sondagens esparsas. Segundo o autor (1968), vivia-se somente com a suposição de jazidas. Para Xxxxxxx Xxxxxxxx (1977, p. 17), a política do petróleo no Brasil teria se desenvolvido com particularidade somente após 1930. Foi nesta década que, xxxxxxx Xxxxxxxx (1977), por inspiração de líderes nacionalistas, teria sido elaborado um conjunto de normas destinadas a regular a exploração dos recursos minerais do país. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2000) sugere que, antes do estabelecimento do monopólio do petróleo, em 1953, a participação do Estado teria sido discreta, pois o petróleo ainda não seria considerado estratégico para o desenvolvimento do país.
3 Sobre a produção da atividade petrolífera realizada neste período pela Petrobrás ver LUCCHESI, Xxxxx Xxxxxxxx in Petróleo. Disponível em
<xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxxxxx.xxx?xxxxX0000- 40141998000200003&script=sci_arttext >. Acessado em outubro de 2015. Para uma crítica acerca do modo como a “ideologia nacionalista afetou o comportamento organizacional da Petrobrás” vide XXXXXXXX, Xxxxxxx in Petrobrás: do monopólio ao contrato de risco. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977. E, ainda, para uma comparação sobre a reforma do setor de petróleo e gás no Brasil com outro modelo sul americano durante o período ver FERREIRA, Xxxxx Xxxxxxx. A Petrobrás e as reformas do setor de petróleo e gás no Brasil e na Argentina in Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 33, p. 85-96, jun. 2009.
monopólio estatal de exploração do petróleo é concretizado no âmbito legislativo, consagrado como opção constitucional pela Carta de 1988 e, em seguida, desconstruído pelo estabelecimento de um novo modelo político que implica a sua “flexibilização”.
Em 2005, a lei que regulamenta a alteração do regime de monopólio é levada para o âmbito do Supremo Tribunal Federal que, em sede de controle de constitucionalidade, acaba ratificando o modelo adotado. Ainda que tenha sido produto de lei, é possível inferir que a alteração da estrutura administrativa petrolífera no país consolidou-se, em última análise, pelo entendimento do STF.
Guardadas as devidas proporções entre os dois quadros comparados (Brasil e EUA), bem como os respectivos contextos em que estão insertos, quer-se chamar a atenção para o seguinte ponto: nas duas situações, a lógica que se opera nos Tribunais Constitucionais é a de legitimação de uma ruptura com o texto constitucional (e com uma opção histórica). Tudo isso, ao que parece, para fins de confirmação de práticas comerciais supostamente mais competitivas4, invocando-se um discurso emergencial de “processo econômico”. A alteração do monopólio operada em ambos os casos (monopólio legal aqui e quase monopólio natural lá) é juridicamente legitimada pela transmutação de conceitos e pela (re)alocação do entendimento jurídico-constitucional, numa tentativa de aproximá-lo da “realidade histórica”.
No cenário brasileiro, dentro de um jogo de linguagem banhado pelo Direito Administrativo e pela Constituição Econômica, encontra-se
4 No quadro norte-americano, teria sido buscada, pela quebra do monopólio, a efetivação de maior concorrência para manter o processo econômico. Segundo Xxxxxxx Xxxxx (1921), a longa e cuidadosa análise do grande volume de documentos do período pré-constitucional demonstraria com clareza o “mal” que a Constituição [norte-americana] foi, em sua opinião, intentada a remediar: “estabelecer as regras que determinam as relações de propriedade para manter o processo econômico”. Para Beard (1921), os sucessivos passos na construção do trabalho do governo sobre a pressão de interesses privados teria, como fim último, a organização econômica do Estado, sob os auspícios da proteção máxima à propriedade e teria se preocupado em afastar a possibilidade da legislação atingi-la. Ao que tudo indica, o caso da Standard Oil, em alguma medida, teria implicado em intervenção neste conceito de propriedade. No Brasil, a decisão do STF, em 2005, embora amparada por Emenda Constitucional, revelaria, igualmente, a “necessidade” de manutenção do processo econômico. Observa-se isso notadamente na razão de decidir do voto do Min. Xxxx X. Grau.
a figura da “concessão de exploração petrolífera”. Tal concessão é instrumento pelo qual em última análise, a “flexibilização do monopólio” é materializada.
O foco deste trabalho é compreender, sob a perspectiva interna que remanesce no pensamento jurídico, notadamente no pensamento administrativo-constitucional, a forma por meio da qual a doutrina jurídica brasileira processa e racionaliza a legitimação do atual modelo de concessão de exploração petrolífera ao alocá-la numa concepção genérica de concessão.
Pretende-se, por meio da análise do itinerário da teorização em torno do conceito de concessão, encontrar subsídios para averiguar, de modo crítico, em que medida a técnica concessionária adotada pela legislação do petróleo e o discurso jurídico que a abarca são amparados pela Constituição Econômica ou desta desviados por “argumentos de emergência”. Sobretudo, a partir dessa análise, a pesquisa preocupa-se com o diálogo entre o direito administrativo e o direito constitucional.
1.1. O problema da definição da concessão de exploração petrolífera. A hipótese construída.
Especificamente no contexto brasileiro, a narrativa que busca legitimar a transformação da indústria petrolífera é juridicamente confortada pela transfiguração dos conceitos de monopólio e de petróleo. Referidos conceitos são utilizados pela técnica jurídica para interpretar os limites da intervenção do Estado na economia e para identificar o modo de proteção do interesse público. Tudo isso num contexto econômico-político que aponta para a retirada do Estado do domínio econômico.
Não é desarrazoado afirmar que os meios de justificação do atual modelo da atividade econômica petrolífera no país colidem com o que projetou originariamente o texto constitucional. A alteração da ossatura econômica em torno da indústria petrolífera, no Brasil, fez-se acompanhar e justificar, tal qual como ocorreu em outros setores, do discurso do desenvolvimento econômico e de práticas comerciais que seriam, então, supostamente necessárias para que ele (o desenvolvimento) pudesse ser concretizado5.
5 A posição dos que defendem a retirada do Estado da economia está, em regra, alicerçada no discurso de que ele não seria suficiente para, tecnicamente, dar conta da prestação ou exploração das atividades. Para estes autores, a
O ambiente da Constituição 1988, norteado pelo objetivo de reduzir a vulnerabilidade externa do país6 e confortar a soberania econômica nacional7, deixou transparecer o receio acerca do cenário econômico instável que então se desvelava com relação ao petróleo8. Tenta-se afastar a possibilidade da União ajustar novos contratos de
materialização do desenvolvimento econômico estaria diretamente ligada à realização de novas tecnologias e ao atendimento de novas demandas pelo setor privado. Segundo os que defendem esta concepção, o Estado intervencionista estaria limitado, sendo substituído por um Estado subsidiário, regulador e fiscalizador da economia. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2011, pp. 269-270) sugere que, para tais autores, a atividade econômica do Estado seria exceção, ela não se autojustificaria. Deste ponto de vista, a ideia de “desenvolvimento econômico” deixa de estar ligada a uma concepção maior. Aparentemente, ela se restringe a compreender o desenvolvimento técnico de um determinado setor, relegando ao segundo plano uma concepção mais abrangente de “desenvolvimento” (econômico e social). O desenvolvimento seria, por tais autores, frequentemente confundido com “modernização”.
6 Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2000), muito disso em razão das crises internacionais do petróleo.
7 A soberania econômica não algo vazio ou solto no ordenamento jurídico pátrio. Sobretudo, ela é dimensionada a partir da busca pela independência econômica. Nesse sentido, conforme observa Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2011, p. 234), a soberania energética pode ser vista como um componente essencial da soberania econômica nacional, pois, segundo o autor, abrangeria um setor chave da economia do país. Para o Bercovici (2011), o Estado deve tomar decisões autônomas sobre a produção e o destino dos seus recursos energéticos, planejando o seu desenvolvimento e evitando a dependência tecnológica e de fatores externos para a produção da energia.
8 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2000, pp. 95-106) sugere que a resposta do Brasil à crise de 1973 teria sido criação da “Braspetro”, que, segundo o autor (2000), tinha como objetivo a realização de trabalhos de pesquisa, exploração, refino, transporte e comercialização do petróleo no exterior. Até então, na visão do autor (2000), o Brasil tinha concentrado seus esforços no abastecimento interno, apesar das significativas descobertas. Segundo Xxxxxx Xxxxx (2000), na tentativa de acelerar ritmo das pesquisas no Brasil, para fins de exportação, o então presidente Xxxxxxx Xxxxxx teria autorizado a celebração de “contratos de risco” com outras empresas petrolíferas. No entendimento dos militares, os contratos de risco não teriam violado o exercício exclusivo do monopólio da Petrobrás, haja vista que ela continuava a deter poderes para exercer o controle de fiscalização das atividades instrumentalizadas durante a vigência dos contratos.
risco9. Em meio a esta e outras preocupações, originariamente, a redação do parágrafo 1.º, do artigo 177 albergou a já tradicional opção no sentido de proteger os recursos minerais. O texto constitucional manteve firme o monopólio estatal do petróleo, atribuindo a exclusividade da sua exploração à Petrobrás.
Esta lógica, no entanto, é alterada com o advento da Emenda Constitucional n.º 09/1995. Sob os auspícios de uma política governamental distinta, inserta no contexto da desestatização e da desnacionalização dos recursos minerais, a EC 09/1995 deu nova redação ao § 1.º do artigo 177 da CRFB. A partir daí, a União ficou autorizada a “contratar”10 com empresas estatais ou privadas a realização das atividades relacionadas à pesquisa e à lavra das jazidas de petróleo11. A alteração do texto constitucional cuidou de incluir, ainda, o atual parágrafo 2.º, o qual estabeleceu que as condições de contratação da exploração petrolífera seriam delimitadas por lei específica.
Cumprindo a determinação anunciada pela nova redação do art. 177, em 1997 entrou em vigor a Lei 9.478. Esta, dentre outras previsões, dispõe sobre o modelo de contratação a ser praticado no âmbito da exploração petrolífera. De acordo com o art. 26, caput, da referida lei, a concessão implica, "para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes”.
A expressividade desta disposição legal reside na determinação da “transferência da propriedade do bem explorado” para o
9 A intenção expressa na redação original do art. 177 da CRFB parece clara: “Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro […] § 1º O monopólio previsto neste artigo inclui os riscos e resultados decorrentes das atividades nele mencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º. § 2º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.”
10 Nas palavras de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx (2009): inominado contrato, 11 Art. 177, § 1.º. A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.
concessionário. O artigo da lei autoriza a transferência ao particular de “bem público” pertencente e monopolizado pelo Estado. De outro lado, entretanto, o mesmo texto constitucional dispõe especificamente sobre o tema, estabelecendo, em seus artigos 20, IX, e 176, caput, que o petróleo é bem da União, não podendo, portanto, à primeira vista, ser alienado. Diante disso, o artigo 26, caput, da Lei 9.478/1997 estaria revestido de inconstitucionalidade na exata medida em que confere ao particular à propriedade do bem público explorado.
Em 2005, o debate foi levado para o âmbito do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n.º 3.366-2 e 3.273-9. Na hipótese destacada pela interpretação do Supremo Tribunal, o debate se encerraria na extensão da relativização do monopólio12, tal como operada pela EC 09/1995, e a classificação da natureza jurídica do petróleo como bem público especial ou dominical. Na ocasião, a maioria dos ministros do STF acompanhou o voto do então relator, o Min. Eros
R. Xxxx, decidindo pela constitucionalidade do art. 24, caput, da Lei 9.478/1997, sob o entendimento de que o “petróleo é bem público dominical” e de que o “monopólio é de atividade, e não de propriedade”.
A interpretação constitucional emprestada ao assunto pelos ministros do STF tratou de questões pontuais, correlacionando o conceito de monopólio e a definição jurídica do bem público explorado, o petróleo. Sobretudo, a decisão do STF jogou uma “pá de cal” na discussão sobre a validade do modelo concessionário adotado. A partir
12 Em síntese, o voto do Min. Xxxx X. Xxxx, que foi acompanhado pela maioria do plenário do STF, sustenta que o monopólio que recai sobre o tema é “monopólio de atividade” e não de “produção”. Para Xxxx Xxxx, o monopólio de que tratava a redação original do art. 177 da CRFB, antes da EC n.º 09/1995, projetava-se de modo amplo, sobre o produto da exploração petrolífera. Segundo Xxxx, o monopólio atingiria, também, a produção, para além da atividade. A ausência dessa projeção ampla, no regime disciplinado pela EC 9/95, segundo Xxxx, seria a chave compreensiva que possibilitaria o entendimento acerca da flexibilização ou relativização em comparação com o regime anterior. Outro ponto essencial para o entendimento inserto no voto é a compreensão sobre recursos minerais e o produto que se extrai deles. Sobre este ponto, Xxxx Xxxx manifesta preocupação com o que ele denomina de “consequências de eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 26, caput, da Lei 9.478/97”, na medida em que tal entendimento, na visão do Ministro, impediria a Petrobrás de dar continuidade à sua atividade de pesquisa e lavra, bem como à possível exploração do petróleo e gás natural.
daí e conforme a interpretação selada ratificou-se o entendimento, na época já presente na doutrina, de que o regime de concessão petrolífera escolhido pela lei se pautaria na livre competição do mercado, ficando o controle da União em segundo plano, ligado essencialmente à regulação da concorrência.
Desvelam-se daí os seguintes questionamentos: “considerando a (re)estruturação destes conceitos, qual a natureza jurídica da concessão de exploração petrolífera?” e “estaria referida técnica concessionária adequada à Constituição Econômica?”.
Segundo a lei, a interpretação do STF e seguindo a tradicional lógica do Direito Administrativo brasileiro, a concessão de exploração petrolífera seria dotada de natureza contratual. Nessa conjectura, a flexibilização do monopólio permitiria, também, a flexibilização das cláusulas contratuais. A concessão corresponderia à contratualização de atividade econômica para exploração de bem público monopolizado, não permanecendo maiores dúvidas no que diz respeito à possibilidade de transferência da propriedade do bem explorado.
A literatura sobre o assunto, escassa e instável, deixa de apresentar uma resposta concisa e uníssona a tais questionamentos. Quando os enfrenta, em regra, tende a ignorar os fundamentos históricos e constitucionais do tratamento do tema, atendo-se a mera descrição. Seja em razão da relativa atualidade do assunto “exploração petrolífera”13, da precariedade dos trabalhos sobre os “bens públicos” ou, ainda, em virtude da confusão que remanesce no imaginário jurídico acerca da (in)definição do conceito de “concessão” e “monopólio”, constata-se ser reduzido o número de trabalhos mais detalhados e aprofundados a respeito do assunto14.
13 Considera-se aqui o modelo acolhido pela EC 09/1995 e pela Lei 9.478/97.
14 É possível distinguir trabalhos que tratam do tema de forma apartada. É considerável, por exemplo, o número de trabalhos sobre a história do Petróleo no Brasil. De igual maneira, não deixa de ser perceptível, principalmente nas últimas décadas, a existência de trabalhos sobre a divisão dos royalties do pré- sal, os quais, em alguma medida, acabam, também, esbarrando no assunto aqui trabalhado. Por outro lado, há uma quantia significativa de pesquisas sobre o tema concessões nas suas mais diversas compreensões. No entanto, são poucos os trabalhos que abrangem o tema concessão ou mesmo “concessão de exploração petrolífera” na óptica aqui sugerida, ou seja, sob o núcleo do conceito de concessão.
De modo geral, especificamente acerca da natureza jurídica da concessão de exploração petrolífera, a atual literatura sobre o assunto se divide (VALOIS, 2000; BERCOVICI, 2011)15. Parte da doutrina entende que esta modalidade de concessão é uma espécie de contratualização evidenciada no âmbito do direito público. Isto é, corresponde a um contrato (administrativo) de uso de bem público16. Outra parte17, de forma pouco mais inovadora, entende que a concessão petrolífera – como não visa à delegação de serviços públicos, mas sim de atividades econômicas monopolizadas pelo Estado – é, em linhas
15 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2000, p. 134), por exemplo, salienta que a doutrina não é unânime sobre o assunto. Para alguns, observa o autor, a concessão de exploração petrolífera cuidaria de mero “contrato de concessão de serviço público”. Outros, segundo o autor, entendem que seria uma “concessão de serviço de utilidade pública”. Existe, ainda, uma corrente que entende ser a concessão petrolífera uma “concessão de bem público” ou “de atividade econômica”, uma vez que o art. 177 da Constituição teria o termo “atividades”, e o art. 5.º, da Lei 9.478/97 ao termo “atividades econômicas”. Por fim, segundo o autor, há quem entenda que o contrato de concessão petrolífera seria um “acordo de desenvolvimento econômico”, que seria regido pelo Direito Internacional.
16 C.f. Xxxxxxxxx Xxxxxx. Regime Jurídico da Concessão para exploração de Petróleo e Gás Natural. Revista de Informação Legislativa, n.º 148. Xxxxxxxx, 0000; Xx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2011 e Uso Privativo de Bem Público por Particular. São Paulo: Atlas, 2014; XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Bens Públicos: Função Social e exploração econômica. O Regime Jurídico das Utilidades Públicas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014.
17 C.f. Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxx. A Regulação e o Direito do Petróleo e Gás in SUNDFELD, Xxxxxx Xxx (Coord.) Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. ASSUNÇÃO, Xxxxx Xxxxxxxx. Introdução ao Direito do Petróleo e Gás in SUNDFELD, Xxxxxx Xxx (Coord.) Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. E, principalmente, XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. As Concessões e Autorizações Petrolíferas e o Poder Normativo da Agência Nacional do Petróleo. São Paulo: Revista Tributária e de Finanças Públicas. Vol. 44/2002, pp. 171-202. Xxx-Xxx, 2002, e O Contrato de Concessão de Exploração de Petróleo e Gás. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.º 239, pp. 411-438. Jan.- Mar., 2005; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxx. A Natureza Jurídica da Concessão para Exploração do Petróleo e Gás Natural in PIRES, Xxxxx Xxxxxx (org.) Temas do Direito do Petróleo e Gás Natural II. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005. pp. 1-28.b
gerais, de direito privado, devendo ser submetida, consequentemente, à forte regulação. Ao seu turno, uma terceira vertente, entende ser a concessão petrolífera um ato administrativo constitutivo18.
A questão, como já observava Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx (2010, p. 682), não é, no entanto, meramente terminológica. De modo genérico, o fenômeno da concessão quer revelar ato jurídico, por meio do qual a Administração Pública delega a incumbência de uma atividade a uma pessoa de direito privado, que eu seu nome a exerça.
Segue daí que o ato de concessão revela em si três dimensões que se entrelaçam, a saber: “objeto”, “natureza das relações que estabelece” (entre concedente e concessionário) e os “efeitos jurídicos que reverberam daí”. É, pois, o enlace e a definição destas dimensões que torna possível a manifestação da concessão como fenômeno sui generis a ser definido e com relevância para o mundo jurídico. Por conseguinte, é, também, a pormenorização desta estrutura conceitual que permite um posicionamento seguro sobre a natureza jurídica que o instituto comporta.
A hipótese central desta pesquisa é a de que a construção da narrativa jurídica sobre o conceito de concessão segue um itinerário não linear, ora de formação conceitual e ora de (re)definição desta formação. Nesse itinerário, a doutrina do Direito Administrativo, especialmente na fase de (re)definição do conceito, a partir da década de 1990, parece atentar para a descrição ou adequação técnica das opções de Estado, tomadas não raras vezes em desacordo com a Constituição Econômica. A posição doutrinária mais recente – pautada numa linha de reprivatização do conceito – parece refletir uma permanente – e talvez mesmo intencional – confusão conceitual entre o público e o privado.
A conceituação da concessão de exploração petrolífera é afetada, ao seu modo, pela mesma confusão conceitual. Impõe-se aqui mais e mais uma ideia privatista quando, em verdade, o instituto está integralmente submerso no domínio do direito público. O
18 C.f. XXXXXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Vol. I. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. pp. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Naturais. São Paulo: Editora Xxxxxxxx Xxxxx, 0000. pp. 670-693. E FERNANDES. Xxxxxxxx Xxxxxx. Concessão de Uso de Bem Público. Revista de Direito Administrativo – RDA – FGV. Vol. 118. Rio de Janeiro: Fundação Xxxxxxx Xxxxxx. 1974. pp. 1-11
posicionamento doutrinário hoje dominante limita-se, praticamente a apresentar uma descrição prática do instituto, fechando os olhos à dimensão integral, diretamente relacionada ao objeto da relação jurídica e o seu alcance histórico-jurídico: de atividade de exploração de bem público estratégico para o desenvolvimento. Para tanto, a doutrina jurídica tende a propor uma visão global e unificada do instituto. Ao que tudo indica, é necessário entender e aproximar o instituto da concessão do direito constitucional, notadamente da sua feição revelada pela Constituição Econômica.
De um modo geral, as fontes pesquisadas parecem indicar que a noção conceitual de concessão, como gênero, teria sido forjada na doutrina jurídica brasileira em torno da ideia de “concessão de serviço público”, compreendendo, ao menos, dois “eixos de transformação” com traços distintos. O primeiro deles, que abrange dois períodos que se entrelaçam, vai de 1930 a 1970. Aqui, pode-se perceber que o termo “concessão” passa por um processo de teorização mais fecundo. Nesta fase são estruturadas as principais teorias e critérios utilizados pela doutrina.
O período seguinte, culminando na década de 1990, revela o segundo eixo de transformação. Ele é marcado pela assim denominada “renovação do Direito Administrativo”, a qual objetiva acompanhar a reestruturação do Estado. Ao que tudo indica, nesta etapa, a conceituação da concessão é retomada com a finalidade de identificar uma “nova figura”, idealizada para lidar com a “nova estrutura” estatal. Com o advento da Lei 9.478/1997, a tendência da doutrina jurídica é de situar a concepção de concessão de exploração petrolífera no âmbito das modalidades desta nova figura.
Essas fases iniciam com alguns juristas, os mais inovadores, contrastando as nuanças do direito brasileiro com o direito estrangeiro. Tais juristas logo identificam a necessidade de estabelecer uma classificação para o conceito de concessão [de serviço público], distinguindo-o dos demais modelos contratuais então praticados. Em meio a uma refuncionalização do Estado, a doutrina revê antigas definições, preocupando-se em dar classificação e organização aos conceitos “já consolidados”. A divisão em gêneros e espécies ganha, aqui, destaque.
Por fim, é possível constatar um terceiro período de formatação do conceito. Tendo por cerne a atualidade, ele caracteriza-se por uma significativa propensão da doutrina – notadamente formada por autores com declarado interesse profissional-financeiro no assunto – no sentido
de teorizar a reprivatização do conceito jurídico ou (re)colocação deste conceito no direito privado. Em nenhum destes períodos parece haver preocupação da doutrina em perceber a concessão fora de uma dogmática descritiva.
Em outras palavras, existem indícios de que o itinerário do conceito de concessão passa, entre 1930-1970, por uma fase de publicização do contrato privado, com o alargamento da presença do Estado na relação contratual, a fim de atender o interesse público. Na fase seguinte, ainda que de modo discreto, o conceito é remodelado na tentativa de descrever o que seriam as novas relações do Estado com os particulares. O termo é reconceituado, então, para legitimar opções governamentais independentemente da ordem constitucional que cerca o tema. Caminha-se da “publicização do contrato jurídico-privado” da Administração para a “privatização do contrato público”.
Como fenômeno relativamente novo, a teorização do conceito de concessão petrolífera seria produto do esforço doutrinário para legitimar um projeto político de refuncionalização do Estado, bem como as novas oportunidades de negócios decorrentes desta refuncionalização. Entretanto, a discussão sobre a natureza jurídica dessa concessão traz consigo não somente a uma complexa questão terminológica. Nem pode, tampouco, ser condensada em mera descrição técnica. Em jogo estão modelos de Estado e a própria eficácia da Constituição. Realmente, debater tal tema implica analisar uma doutrina de direito administrativo que é arquitetada num ambiente em que a regra é, justamente, fugir da força normativa da Constituição, isolando a Constituição Econômica (BERCOVICI e MASSONETO, 2006).
1.2. Estrutura do trabalho.
O trabalho opta pela utilização de uma lente de análise que permite, acredita-se, comparar o modo pelo qual o conceito de concessão [como gênero] é teorizado pela doutrina jurídica tradicional e a forma como ele se estrutura atualmente, com a flexibilização dos seus elementos definidores (no caso da “concessão de exploração petrolífera”, o bem público e monopólio). A ideia é tentar trazer para o centro da discussão a tensão que existe entre a teorização de um conceito e aquilo que ele descreveria em determinados contextos e momentos. A fim de verificar as estratégias argumentativas dos doutrinadores e seus vínculos com os interesses em jogo. Para tanto, é proposta a seguinte divisão.
O primeiro capítulo busca articular dois quadros que representam os dois eixos de transformação do conceito. Num primeiro momento, a pesquisa preocupa-se com os parâmetros acerca da estruturação do conceito na doutrina jurídica nacional entre 1930-197019. Na sequência, a pesquisa aborda o que seria o segundo quadro. Neste ponto, busca-se delimitar as linhas de argumentação que são adotadas pela doutrina, após a CRFB de 1988, para emprestar novas roupagens a um velho conceito. Nesta parte do trabalho quer-se, sobretudo, identificar em que medida e de que modo a técnica jurídica tenciona o afastamento da ideia da concessão (gênero e espécies) das diretrizes constitucionais.
O objetivo do primeiro capítulo é apurar quais elementos são levados em conta pela nossa doutrina administrativa clássica para a discussão da natureza jurídica das concessões e tentar captar, de um modo geral, qual é o itinerário do discurso jurídico. Pretende-se, com isso, verificar em que medida o conceito de concessão e a definição de sua natureza jurídica seguem uma evolução linear ou são afetados por desvios e transmutações conceituais. Correlatamente, procura-se descrever em que medida a formação do conceito está ligada aos seus elementos estruturantes: “objeto”, “natureza das relações que estabelece” e os “efeitos jurídicos”. Ao final, a ideia é demonstrar como o conceito de concessão é refletido pela doutrina nos distintos “eixos” acima mencionados.
O segundo capítulo da pesquisa atenta para o debate sobre a concessão de exploração petrolífera propriamente dita: seus parâmetros e suas perspectivas contextuais. Nesta parte, tenciona-se delimitar de forma descritiva as características das categorias definidoras do conceito de concessão petrolífera: “monopólio” e “petróleo” (sua natureza jurídica). A ideia é observar como tais categorias são articuladas pela doutrina brasileira num determinado momento e o que importa daí para a conceituação do conceito. Este momento é contextualizado pelo que convenientemente se apresentou como uma “flexibilização do monopólio” do petróleo num “estado de emergência econômico”, tendo
19 A escolha deste período se dá em virtude dele representar a “antecâmara” da atual formatação do conceito. Entende-se que esta fase marca o que Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (1992) entende como “o momento inicial de teorização do conceito”. Ao que tudo indica, é dentro deste quadro temporal que a doutrina brasileira percebe a necessidade de teorizar o conceito de concessão (de serviço público), pormenorizando os critérios que o definem para, depois de consolidada a figura, sistematizá-la e organizá-la em espécies.
como ponto final o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 3.366-2 e 3273-9, pelo STF, em 2005.
Por fim, o último capítulo coteja as informações colhidas nos capítulos anteriores a fim de verificar em que medida a configuração jurídica do atual modelo de concessão (petrolífera) é construída a partir de rupturas, continuidades e/ou transfiguração de conceitos. O objetivo é tentar identificar se estas possíveis alterações estão em conformidade com a Constituição Econômica ou servem para pavimentar a privatização jurídica do público. Neste capítulo, tenta-se analisar, ainda, em que medida a técnica jurídica da dogmática do Direito Administrativo, com relação ao tema aqui pesquisado, está ou não convertendo descrições das opções políticas-econômicas em padrões normativos, como se do “ser” pudesse vir o “dever ser”.
De modo geral, o trabalho procura, portanto, discutir as relações entre passado, presente e futuro do Direito Público, tendo como objeto de análise o debate da natureza jurídica da concessão petrolífera. Por conseguinte, é possível afirmar que seu objetivo consubstancia-se em examinar e discutir a narrativa que consolida a própria noção conceitual de concessão como gênero, atribuindo-lhe atualmente, na área do direito do petróleo, um perfil singular.
O tema da pesquisa situa-se no campo da história das ideias jurídicas e, de sobremodo, no plano da história dos conceitos. Sua escolha se justifica pela relevância que o atual debate ocupa na economia, especialmente em razão da opacidade com que é trabalhado pela doutrina jurídica, revelando capturas ideológicas a todo instante. A nota peculiar que assume – é preciso desde já observar – é de singela contribuição para a área e, também, para a defesa do Estado de Direito e da Constituição Econômica20.
20 Entende-se como “Constituição Econômica” o conjunto de princípios de organização da vida econômica, consagrados no Direito Positivo, de modo que é, em si, uma ordem jurídico-econômica. Segundo Xxxxx Xxxxxxx (1978, p. 135) a Constituição Econômica seria revelada como o conjunto das normas fundamentais, os princípios constituintes da ordem econômica que, segundo o autor (1978), estariam estruturadas num todo, como em um sistema. Para Eros
R. Xxxx (1981) é fora de dúvida que as matérias representadas pela Ordem Econômica seriam também sociais, visto que o econômico é uma fração do social, não havendo, segundo o autor, oposição entre o econômico e o social, mas integração do primeiro ao segundo. A Constituição Econômica seria, deste ponto de vista, a presença do econômico no texto constitucional, integrado na ideologia constitucional.
2. O CONCEITO DE CONCESSÃO NA DOUTRINA JURÍDICA NACIONAL.
2.1. Um passo atrás: questões de ordem metodológica.
2.1.1. A concessão como conceito a relevante e seu momento de teorização
O Direito Público é algo em constante transformação (DUGUIT, 1999). Trata-se de uma ciência dotada de alterações particularmente profundas e ativas, quase todas relacionadas ao Estado e suas funções. Com efeito, a única segurança com relação ao Direito Público é a certeza da incontinência de suas mudanças (XXXXXXX, E., 2007, p. 77)21. As transformações do direito público, por sua vez, podem, sobretudo, ser observadas no núcleo que dinamiza as relações entre o direito administrativo e o direito econômico. É possível afirmar que este núcleo compõe um estado que (caótico) é capaz de melhor representar as vicissitudes do caráter mutante do Direito Público22.
No fundo, a aproximação destas duas áreas cuida do relacionamento de uma ciência mais antiga, o direito administrativo, formulada sobremaneira no Estado Liberal, e de uma ciência relativamente mais nova: o direito econômico23, cuja configuração,
21 Segundo Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (2007, pp. 75-110), estudar as transformações do direito público seria a regra. Para o autor, tentar ignorá-las ou impedi-las seria trabalho em vão ou criar obstáculo desnecessário. Na visão do autor, não se trata de gostar deste novo paradigma, mas de tentar compreendê-lo e, quiçá, transformá-lo.
22 Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (1999, pp. 85-86), observa se, quando da Primeira Guerra Mundial, o Direito Administrativo já tinha formado a sua própria personalidade, as modificações econômicas e sociais ocorridas a partir daí provocaram-lhe uma “grave crise de crescimento”. Para a Autora, a partir daí, tornou-se difícil disfarçar a total inadequação do sistema teórico às novas realidades.
23 Segundo Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2009, p. 255), embora as constituições liberais dos séculos XVIII e XIX também contivessem preceitos de conteúdo econômico, como a garantia da propriedade ou da liberdade de indústria, o debate sobre a constituição econômica, na visão do autor, corresponderia, sobretudo, um debate do século XX. Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (1968) observa que na ordem jurídica do século XIX, o Direito Administrativo comportava algumas regras relativas à vida econômica, mas essas regras, segundo o autor,
embora tenha sido iniciada após a primeira guerra mundial (COMPARATO, 1965), ainda não se materializou na sua integralidade (BERCOVICI e MASSONETO, 2006). Segundo Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (2007, pp. 75), este cenário de aproximação exigiria a formulação de novas perguntas e, acima de tudo, a constante (re)análise dos institutos que compõem a interação entre estes dois ramos do direito.
A construção que ocorre em torno dos institutos que consubstanciam e dão subsistência ao Direito Administrativo e ao Direito Econômico parece ter, entretanto, sua razão de ser na própria noção de Estado24. Segundo Hespanha (2006), já na sua origem, o
apenas visavam à polícia, ou a fiscalidade, e teriam permanecido isoladas no direito administrativo, constituindo apenas casos particulares da intervenção do poder. Segundo Xxxxxxxx Xxxxx (1968), existiria uma linha de divisão nítida entre o Direito Público, que, na visão do autor, comportava algumas poucas regras de alcance econômico, e o Direito comum, que regia o conjunto das relações entre os particulares. No entanto, sugere Xxxxxxxx Xxxxx (1968), as transformações que prosseguiram nas primeiras décadas do século XX teriam provocado profundas alterações, de modo que o Direito Comum teria sido, na visão do autor, ultrapassado pelo Direito Econômico. Ainda, sobre o Direito Econômico como uma ciência relativamente nova, veja-se Xxxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx (1994). Para o autor (1994, pp. 42-47), a disciplina do Direito Econômico teria sido tomada por um desenvolvimento acelerado a fim de atender às exigências da sociedade no final do século XX. Segundo o autor (1994), ela teria se consolidado gradativamente. A consagração definitiva no Direito Brasileiro, com a autonomia expressamente cunhada no direito positivo, de acordo com este autor, teria ocorrido somente no texto da CRFB de 1988.
24 Não se quer adotar aqui uma perspectiva que situe uma ciência em posição imperativa à outra (GRAU, 1981, pp. 36-37). Tampouco, pretende-se defender um “Direito Administrativo Econômico”. Queremos, sim, observar que, em alguma medida, o Direito Administrativo e o Direito Econômico se comunicam. Referida comunicação pode ser compreendida pelo “condicionamento econômico do Direito Administrativo”, como sugere Xxxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx (1994). Segundo este autor (1994, pp. 66-69), neste “condicionamento”, o Direito Administrativo estaria preso ao seu “conteúdo econômico”. Para o autor (1994), isso ocorreria quando o Estado pratica atividade econômica para sua própria gestão. Nesta hipótese, na visão do autor (1994), configurar-se-ia o que ele denomina como “conteúdo econômico da norma de direito administrativo”. Segundo o autor (1994), dois temas mereceriam especial destaque no que concerne à aproximação destas áreas: a “intervenção do Estado no domínio econômico” e o “planejamento”. Ambos os
direito administrativo teria trazido consigo o compromisso de uma disciplina descritiva das novas instituições de governo e da administração da época napoleônica e pós-napoleônica, tendo alcançado o status de ciência somente algum tempo depois. Tal constatação pode, também, ser verificada em Tocqueville (1866). Segundo o autor, o direito administrativo do século XIX seria um método descritivo feito por juristas que, em sua opinião, encarregavam-se de construir uma disciplina invasiva de que os círculos governamentais daquele momento necessitavam.
O direito econômico, por sua vez, é pensado, na sua concepção mais recente, como via de transformação do Estado. Segundo Xxxxxxxx (2004, pp. 225), é apenas no final do século dezenove que a complexa regulação e promoção da economia teriam pavimentado o caminho para o emergente campo do direito administrativo, por meio de um processo que colocou as políticas públicas no campo jurídico. De acordo com Xxxxxxxx (2004, p. 225), tal fato representou a criação de campos normativos complexos, tais como “regulatory trade law”, legislação de proteção dos trabalhadores e legislação social como “coerção para o bem-estar público”.
Segundo Xxxxxxxx (2004. p. 225), quanto mais a economia tomava uma dimensão dominante do Estado, como um desdobramento da revolução industrial, mais fazia sentido se pensar na disciplina “direito administrativo econômico” de uma perspectiva do direito público. Assim, é possível acentuar o caminhar simultâneo – quase uma retroalimentação – entre as opções governamentais e a razão de ser dos institutos que compõem estas duas disciplinas, seja para descrever ou para alterar o estado das coisas.
Com alguma relevância, tal fato pode ser mais facilmente visualizado no quadro de reformulações das funções de Estado, notadamente naquelas que dizem respeito à sua relação com setores relevantes para a economia. Tais setores, como sói demonstrar a história, são gradativamente alçados a setores estratégicos do crescimento e desenvolvimento dos países (COMPARATO, 1965), o
temas, para Washington Peluso (1994), seriam capítulos do “estudo do direito econômico” e teriam partes em comum com o direito administrativo. Para o autor, o ponto que marca esta relação é que o Estado, em tais hipóteses, figuraria como “sujeito” dos atos administrativos que, em última análise, estariam vinculados ao direito econômico.
que estimula, cada vez mais, o controle estatal sobre eles (XXXXXXX, V., 1978).
O interesse sobre estes setores se dá, sobremodo, com a necessidade de estruturação armamentista pelas nações (STOLLEIS, 2004, p. 225; XXXXXXXXXX, 1949a, p. 339)25. Em largo espaço de tempo, as necessidades da sociedade, cada vez mais complexa, teriam saltado de amplas construções de ferrovias para o investimento em nanotecnologia. Neste meio, o Estado articularia seus mecanismos para promoção do controle e da organização. Daí que, temas originariamente antagônicos, parecem iniciar uma aproximação nada discreta.
O conceito de concessão26, assim como o de contrato administrativo, assume no decorrer desse itinerário distintas definições, todas elas diretamente atreladas à expansão histórica dos fins do Estado27. Ele se comunica tanto com uma perspectiva do Direito
25 Para Themistocles B. Cavalcanti (1949a) “foi preciso que houvesse uma guerra mundial para que os problemas constitucionais se ampliassem e se verificasse não haver somente a ordem política a estabelecer, como também outras ordens a criar, que eram a ordem econômica e a ordem social […]”. Sobre esta constatação é válida a análise de Washington Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx (1994, pp. 42-43), para quem muitos autores quiseram ver no Direito Econômico apenas este aspecto circunstancial, “uma medida de exceção em tempo de guerra”. Segundo Xxxxxxxxxx Xxxxxx (1994), tais autores não teriam aceitado o direito econômico como uma disciplina capaz de existir em períodos de vida normal da sociedade.
26 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (2003) defende que a concessão atualmente praticada não pode ser interpretada e enfocada como se fosse a mesma figura adotada em tempos anteriores, sobretudo em vista das constantes alterações políticas, sociais, econômicas e jurídicas. Não se discorda desta afirmação. Inexiste dúvida de que a concessão, e sua interpretação atual, devem se pautar pela dinamização do atual cenário político, jurídico e econômico. No entanto, é dever destacar que a pretensão deste trabalho não almeja encontrar “um novo conceito de concessão”. Nem pretende defender uma “nova definição” do conceito de concessão a partir do que poderia ser denominado de “literatura mais antiga”. Apenas queremos demonstrar como a narrativa jurídica, em diferentes espaços de tempo, organiza e articula a (re)definição do conceito e o que implica destes quadros para a (in)definição do conceito de “concessão petrolífera”.
27 Segundo Xxxxx Xxxxx (1968, p. 207), o contrato administrativo e o direito administrativo sempre teriam seguido uma mesma linha de “evolução, maturidade e desenvolvimento”, de modo que, segundo o autor, a história do direito administrativo pode ser lida perfeitamente por meio da história do
Administrativo, que o teoriza, quanto com o Direito Econômico, que lança mão dele como instrumento de realização do desenvolvimento. Seja na França, país em que a teoria contratual teve origem, ou no Brasil, que empresta a ideia, a discussão do tema e sua transformação estão intimamente relacionadas a determinados momentos econômicos. Na França, desde e com o pós-guerra (JÈZE, 1921); e, no Brasil, diante de uma revolução industrial (XXXXXXXXX, 1974; DRAÍBE, 2004).
Articulada em contextos distintos, a concessão pode ser compreendida como um termo de conceituação intricada e de múltiplas definições, cujo reflexo no imaginário jurídico dependeria quase exclusivamente da (re)interpretação das suas categorias definidoras. Segundo Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (2010), a concessão pode, ela mesma, ser percebida como derivação direta da noção conceitual do seu objeto. Visto deste ângulo, o conceito de concessão afigura-se como um conceito aberto, cuja estrutura seguiria a linha de maturidade e desenvolvimento das suas próprias categorias definidoras.
Certo é, todavia, que, em regra, os elementos que compõe a noção conceitual da concessão, seu “objeto” e “as relações jurídicas que estabelece” são, também, determinados por conceitos abertos, cuja lógica de definição está, igualmente, adstrita às opções do Estado. Neste ponto residiria a tensão entre “como o termo é conceituado” e “o que dele revela-se para a realidade”, haja vista que não necessariamente a construção teórica das gerações anteriores atende os anseios das gerações seguintes.
Para Xxxxxxxxx (1992), no momento em que um conceito é formulado em termos linguísticos, é permitido pensar a partir dele a realidade histórica que o compõe e que ele ajuda a compor. Dito de outro modo, ficaria estabelecido a partir de então, segundo o autor (1992, p. 136), um “fato linguístico”, por meio do qual seria permitido atuar sobre a realidade de forma concreta. Muitas vezes, o “atuar na realidade” requer, entretanto, a reformulação do conceito.
A formulação do conceito, para Koselleck (1992), instauraria formas de comportamento, atuação, regras jurídicas e mesmo condições
contrato administrativo. No mesmo sentido parece ser a opinião de Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012), para quem ideia de associação do particular à realização do interesse público teria se desenvolvido verdadeiramente a partir do século XIX, na órbita de aspectos como os fins do Estado Liberal e as funções da Administração Pública (sua dimensão orgânica e as formas de atuação por ela adotadas).
econômicas só possíveis de ser pensadas e efetivadas a partir da existência do que se estabeleceu conceitualmente. Por conseguinte, é possível afirmar que o conceito relaciona-se sempre com aquilo que se quer compreender, não sendo esta relação, entretanto, tranquila28.
Nem toda palavra, no entanto, é interessante para a história dos conceitos ou pode ser nela analisada. Segundo Xxxxxxxxx (1992, p. 135), palavras relevantes para uma análise conceitual seriam as que, em regra, trazem conceitos cuja formulação indica certo nível de teorização e cujo entendimento é, também, reflexivo na realidade.
Trata-se de conceitos que passam por um “processo de teorização” que vincula discursos e contextos. Para o autor (1992), a análise conceitual, ou a história dos conceitos, exigiria para sua compreensão, necessariamente, a contextualização dos termos analisados em unidades maiores como, por exemplo, num conjunto de textos, livros, panfletos, manifestos, cartas e jornais. Um e outro, conceito e contexto, na visão de Xxxxxxxxx (1992), retroalimentam-se, de modo que o conceito pode atuar no contexto tornando-o compreensível, conquanto que o conceito não seria comumente compreendido integralmente fora de seu contexto.
O termo “concessão” parece ser um conceito relevante para uma análise histórico-conceitual. Sua formulação é, por excelência, teórica e sua concepção tem implicação imediata no comportamento das regras jurídicas que o abarcam, provocando reflexões de ordem prática29. Há
28 Koselleck (1992) observa que um conceito relaciona-se sempre àquilo que se quer compreender. Segundo o autor, a relação entre “conceito” e “conteúdo a ser compreendido ou tomado inteligível”, configuraria uma relação necessariamente tensa. Xxxxxxxxx (2006, p. 313) sugere que é a tensão entre a experiência e expectativa que, de uma forma sempre diferente, suscita novas soluções, fazendo surgir o tempo histórico. Para o autor (2006), romper com o passado seria forma de criação de uma expectativa nova.
29 Neste sentido é válida a observação de Xxxx X. Xxxx (1971, p. 1) para quem “é indiscutível a necessidade de determinação de conceitos básicos, no que tange a qualquer campo do conhecimento de que se trate. É sôbre êles, com apoio na sua formalização, que se poderá implementar o corrente desenvolvimento dos estudos e pesquisas que lhe digam respeito. Aplicando ao campo do Direito poderíamos afirmar que conceitos básicos seriam, inicialmente, aquêles nos quais encontra fundamento um sistema jurídico: que, em segundo lugar, caracterizam os grandes sistemas jurídicos do passado e no presente; e, finalmente, aquêles cuja utilização é e será, no futuro, necessária à explicação das realidades atingidas pelo sistema jurídico. Imprescindível,
no conceito de concessão uma formação linguística expressiva e, em seguida, a produção de um fato linguístico que reverbera para a realidade.
Sem maiores esforços, é possível alocar a concepção de concessão na categoria de termos que implementam e dão existência a atos que somente são possíveis de ser pensados a partir do conceito que os estabelecem30. O problema da noção conceitual deste termo, por sua vez, reside justamente na tensão que emana na relação existente entre aquilo que é definido pelo conceito e aquilo que se deseja (ou deveria) compreender a partir dele.
Conforme será abordado ao longo desta pesquisa, o termo “concessão” (ou mesmo a noção conceitual que o alimenta) não nasce com uma conceituação pronta e imediata. Tampouco ele parece ter sido pré-estabelecido por meio de uma “evolução” que signifique desenvolvimento ou transformação gradual, linear e progressiva de aperfeiçoamento.
Em que pese alguns estudos insistirem (sem muita reflexão, acredita-se) em apontar uma progressão evolutiva linear do conceito31,
nestas condições, a construção de conceitos que se prestem a espelhar fidedignamente as realidades normativizadas da Administração Pública”.
30 i.e.: “Dilma anuncia pacote de concessões de R$ 198 bilhões com foco em ferrovias.”. Folha de São Paulo, em 9 de junho de 2015. Em tese, a ação noticiada (pacote de concessões) somente é compreensível a partir da reverberação que o conceito estabelecido pelo termo “concessões” assume no imaginário comum.
31 C.f. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx in Reflexões Sobre a Concessão de Serviços Públicos. Revista CEJ/RN, Natal, v. 7, n. 8, p. 15-65, jun. 2004. De acordo com o autor teria existido, inicialmente, uma divisão de correntes acerca da natureza jurídica da concessão, de modo que, na sua visão, seria considerada como predominante, na “era” atual, a que entende a concessão como contrato administrativo. Para dar lastro a sua afirmação, Xxxxxxx (2004) invoca “linhas doutrinárias” que, para ele, desde 1933 teriam estabelecido a concessão como “contrato”. Segundo o autor (2004), tal fator revelaria a “aceitação pacífica da natureza contratual, desde “sempre”. O mesmo parece ocorrer, em alguns trabalhos, com a “concessão de serviço público” e seu objeto, “serviço público”. Em estudo sobre o assunto, Dinorá Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (2007) sugere que a “ideia de serviço público é um bom exemplo deste processo de adaptação das transformações operadas no curso deste século”, pois, na visão da autora (2007), seria possível detectar “um fio histórico que conduz desde o seu conceito político até sua posterior funcionalidade jurídica”. Para a autora
entende-se que, para além desta concepção, o termo concessão, no âmbito jurídico administrativo-econômico, é dotado de certa carga semântica axiológica que lhe dá distintas definições em cada contexto em que é analisado32 - o que nos autoriza a falar, portanto, em mutação, não em “evolução linear” propriamente dita. Estas definições não estão necessariamente ligadas nem se sustentam em transformações unidimensionais. Ao contrário do que se possa à primeira vista imaginar, as definições se traduzem por transmutações conceituais sistemáticas, que se amparam em diferentes campos e contextos teóricos.
A propósito disso, não se reputa correto, por exemplo, pressupor que os primeiros registros de atos de colaboração entre a administração e os particulares, capazes de, num primeiro momento, ensejar a percepção de uma forma embrionária de concessão, possam ser elevados à condição de “concessão” como hoje se compreende este conceito.
O conceito de concessão, como atualmente concebido, é uma criação distinta de um momento de teorização específico, em que a doutrina jurídica teria verificado a necessidade de descrever uma “nova
(2007), o conceito “político”, segundo ela, originariamente estabelecido para o termo serviço público, possuiria um substrato comum histórico que teria “evoluído”, revestindo-se, posteriormente, de funcionalidade. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (2003) segue esta mesma lógica. Para este autor, a ideia de concessão, que teria sido firmada durante o século XX, não seria a mesma atualmente articulada. O autor (2003) expõem um breve histórico das concessões e, em seguida, parte para a conceituação do que denomina de “um novo modelo”, que seria filho legítimo da atual formatação do Estado. Ao que parece, análises como estas podem sufocar as estruturas conceituais que acompanham tais institutos. Tais análises negligenciam as possíveis alterações que os termos podem ter enfrentado ao longo de sua maturação.
32 Eros R. Grau (2007) sugere não existir “indeterminação de conceitos”. Para o autor (2007), supostas indeterminações seriam resolvidas com a “historicidade das noções”, de modo que, segundo o autor, onde a doutrina brasileira pensa haver “indeterminação”, o que existe, em verdade, seria “noção”. Invocando Xxxxxx, Xxxx Xxxx (2007, pp. 134-135), sugere que a noção jurídica deve ser definida como “ideia que se desenvolve a si mesma por contradições e superações sucessivas e que é, pois, homogênea ao desenvolvimento das coisas” . Depreende-se do exposto, portanto, que, embora a transposição de conclusões de um contexto ao outro possa se afigurar, prima facie, como um “mal doutrinário”, impende destacar que parece ser, também, pela comparação dos conceitos em diferentes contextos que se torna possível apontar suas contradições e superações.
forma” de relação entre a Administração Pública e o particular. Mesmo as formas de colaboração entre o que se denomina “administração” e “particulares” se perdem ao longo da história, de maneira que, em alguns quadros históricos, é defeso adotar, inclusive, o termo “direito público”, haja vista que este seria, em última análise, oriundo da formação do Estado Moderno (SEELAENDER, 2007, p. 259).
Deixadas de lado, neste momento, as discussões históricas mais remotas sobre a origem do termo “concessão”33, parece importar para a presente pesquisa o momento de conceituação mais intenso deste instituto. Em outras palavras, o início do seu processo de teorização, a fim que se possa proceder, ao final, a investigação da “noção conceitual”34 da concessão de exploração petrolífera como se propõe.
33 Apenas para ilustrar, Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012) sugere que a ideia de associação do particular à realização do interesse público teria ocorrido na Europa, verdadeiramente a partir do século XIX e não antes. Para a autora (2012), teria se formado, também neste momento, a ideia de Estado tal qual, segundo ela, podemos distanciadamente perceber. Daí que, na sua visão, a concessão teria ganhado espaço num momento em que a Administração Pública, considerando-se guardiã do interesse público, pretendeu preservar aquilo que, de uma forma egoísta, entendia ser o seu monopólio, mas a que, no fundo, não conseguia dar resposta satisfatória. Segundo Xxxxxxxxxx (2012), através da concessão passa a existir o que ela classifica de “verdadeiro fenômeno de substituição da Administração por particulares na realização de tarefas de serviço público”. Assim, para a autora (2012), existiria neste ponto da história uma modificação muito importante. Para a autora (2012), teria surgido nesta quadra “uma nova perspectiva” no modo de conceber e qualificar juridicamente a concessão. Na visão da autora, a concessão teria passou, a partir deste ponto, a ser considerada como um “verdadeiro ato constitutivo de direitos”, e já não como um “ato gracioso do príncipe, criador de um privilégio para o beneficiário”. Do ponto de vista da Administração, segundo a autora (2012), a concessão teria passado a ser considerada como um “verdadeiro modo de execução de tarefas públicas”.
34 A propósito da expressão “noção conceitual”, Xxxx X. Xxxx (2007, p. 128) sugere que termos como “serviço público”, em virtude de tessitura aberta que possuem, impedem que se busque um conceito único e determinante. Para o autor (2007), nestes casos, seria mais adequado se falar em “noção conceitual”. Xxxx X. Xxxx (2007, p. 134) observa que os conceitos seriam dotados de “atemporalidade”. Para o autor (2007), seria possível, numa perspectiva histórica, distinguir “conceito” e “noção conceitual”. Segundo Xxxx Xxxx (2007), desde que introduzida a temporalidade, deve-se considera que, no interior do desenvolvimento temporal, o conceito é modificado. Enquanto a
De modo mais específico, interessa o questionamento sobre quais elementos permitem a configuração deste conceito em termos linguísticos e, por conseguinte, sua materialização como fato linguístico, haja vista que o conceito, tal como formulado pela doutrina, ao mesmo tempo em que deseja “indicar algo”, tenciona “legitimar uma prática”.
Xxxxxxxxx (1992) constata que a história dos conceitos pode ser pensada a partir de um procedimento que ele denomina seleção (Ausgrenzung) daquilo que diz respeito ao conceito e daquilo que não diz respeito. Para o autor (1992), com base neste procedimento de análise, tanto se pode proceder à investigação conceitual por meio de método que privilegiará textos comparáveis, quanto se pode proceder metodologicamente expandindo a análise ao conjunto da língua.
Neste trabalho, opta-se pela verificação daquilo que diz respeito ao conceito de concessão por meio da investigação de textos comparáveis: que se destinam a indicar a mesma situação ou legitimar a mesma prática. Em seguida, observa-se a teorização do conceito de concessão petrolífera num momento específico. Referida teorização é relacionada aos parâmetros e às articulações jurídicas do contexto em que é apresentada, de refuncionalização da estrutura do Estado na década de 1990.
No que diz respeito ao momento de teorização do conceito na doutrina jurídica, as fontes analisadas apontam que ele ocorre, no Brasil, sobretudo a partir da década de 193035. Período que coincide com a própria discussão acerca da teoria do contrato administrativo. Este momento pode ser interpretado como a fase em que se inicia uma inquietação doutrinária no sentido de destinar às concessões – até
noção conceitual, na visão do autor, seria definida como “esforço sintético” para produzir uma ideia que se desenvolve em si mesma por contradições e superações sucessivas. Xxxx Xxxx (2007) observa que, o que hoje seria chamado “indeterminação dos conceitos”, se resolveria na “historicidade das ações”.
35 Não se ignora a existência de indícios no sentido de que o termo concessão tenha sido trabalhado anteriormente no Brasil e, com isso, possa lhe ser atribuído um enredo histórico mais antigo. No entanto, a preocupação desta pesquisa é com relação ao momento em que se desenham as linhas que marcam o que pode ser definido como “concepção atual” do termo e seus respectivos desdobramentos. Em outras palavras, com o instante em que teria sido iniciado o processo de teorização do conceito. Ao que tudo indica, o início referido processo de teorização é marcado pela percepção, por parte da doutrina, sobre a necessidade de conceituar o termo, distinguindo-o de outros termos adjacentes ou teoricamente próximos.
mesmo às então já existentes – tratamento distinto, diferenciando-as do típico contrato de direito privado, que até então pareciam ser o seu molde. Um esboço do discurso jurídico doutrinário é suficiente para demonstrar tal constatação.
Parece ser a partir do enfrentamento de problemas contratuais específicos, os quais tinham o objetivo de desarticular o equilíbrio existente entre as partes contraentes, que a discussão sobre a natureza da concessão torna-se fecunda no Brasil. Questões como a possibilidade da administração pública alterar unilateralmente a tarifa, a propriedade dos bens em caso de encampação ou, ainda, o poder da administração pública regulamentar – por contrato – a forma de prestação dos serviços, tornam-se mais comuns e desafiam os juristas a darem novas respostas.
Por conseguinte, o enfrentamento destas questões exige dos juristas uma classificação mais precisa do fenômeno. Embora a concessão à primeira vista se apresente como contrato, na prática – para todos os efeitos –, a doutrina começa a dar destaque à desigualdade das partes e às restrições à autonomia da vontade, linha mestra do contrato privado.
Estas discussões teriam ganhado maior relevância no quadro das Constituições de 1937 e 1946, bem como a partir das leis federais, que seriam oriundas desse mesmo contexto e pensadas para fins de regulação e fiscalização dos serviços explorados por concessão36. Seriam exemplos o Código de Minas, de 1940, ou o Código de Águas, de 1934. Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (1968), a nova estrutura adotada no período teria acentuado o mecanismo de intervenção do Estado no domínio econômico. Para o autor (1968), este período teria sido uma fase fértil de decretos-leis, mediante os quais, na sua visão, foram regulados os aspectos mais variados da vida nacional37.
36 “Art 137 - A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse coletivo, os lucros dos concessionários, ou delegados, não excedam a justa retribuição do capital, que lhes permita atender normalmente às necessidades públicas de expansão e melhoramento desses serviços".
37 Convém anotar que mesmo a estruturação do Estado entre 1930 e 1960 não pode ser percebida como um processo linear e contínuo de expansão e centralização. Segundo Xxxxx Xxxxxx (2004, p. 45) esta estruturação constituiria, antes, um movimento desigual e descontinuo. Para a autora (2004), isso se dá, sobremaneira, pelo fato de que os órgãos e instrumentos de intervenção
As concessões administrativas, como categoria à parte nos contratos típicos, para Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx (1960, p. 361), nunca mereceram a atenção dos melhores juristas brasileiros. Mesmo no terreno legislativo, na visão do autor, a concessão sempre teria sido tratada como de direito privado. Em outro trabalho, que aborda o tema da regulamentação dos serviços de utilidade pública, Cavalcanti (1949) sugere que “entre nós”, União, Estados e Municípios sempre “fizeram” o que bem entenderam em matéria de concessões, haja vista que nenhuma legislação havia, até então, abordado o assunto.
O posicionamento de Xxxxx Xxxxx (1953) não é diferente. Em parecer datado de 1949, após realizar uma breve análise da influência das doutrinas francesa e norte-americana no sistema brasileiro, o autor (1953 p. 69) afirma que a dificuldade de se trabalhar o tema concessão ante a ausência de uma elaboração doutrinária completa sobre o assunto. A fim de contextualizar sua preocupação teórica, Xxxxx Xxxxx (1953) aponta que é somente em 1933, com a publicação do Código de Águas, que os juristas brasileiros teriam começado a debater o tema com maior precisão.
Segundo Xxxx Xxxxxx (1995, p. 1), é somente na segunda metade do século XIX que a mobilização de capitais privados para a exploração de atividades de interesse coletivo teria assumido aspecto significativo. Num primeiro momento, este movimento estaria ligado à expansão das cidades e às crescentes demandas populares para o atendimento de necessidades coletivas fundamentais. Para o autor (1995), a Administração Pública não dispunha de condições próprias para o atendimento destas solicitações, daí o apelo à iniciativa privada. Teria sido a partir da terceira década do século XX, sobretudo em virtude da crise oriunda do desequilíbrio do período entre guerras, que a ação estatal assume uma posição mais efetiva (direta) na prestação e controle dos serviços (TÁCITO, 1995, p. 2).
Não diferente é o entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012). Em trabalho recente, em que analisa a teoria do contrato administrativo no Brasil, o autor (2012, p. 155) sugere que a doutrina do século XIX não teria demonstrado preocupação especial com a formulação teórica para explicar o fenômeno da celebração de
econômica teriam se tornado em arena e alvo de confronto e lutas entre os setores sociais diversos, que, na visão da autora (2004), objetivavam o prevalecimento de seus interesses próprios nos órgãos e políticas a que estão afetos.
contratos por parte da Administração. Segundo Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012), teria sido somente nas primeiras décadas do século XX que se faz notar no Brasil, por influência da doutrina francesa, a ideia de contrato administrativo. Esta discussão teria sido, na visão do autor (2012), introduzida pelo debate teórico em torno do tema da concessão de serviço público.
Tais constatações autorizam registrar que a teorização acerca do que define ou não a natureza jurídica da concessão ocorre, no Brasil, especialmente, a partir da década de 1930. A doutrina anterior parece não ter o tema ainda tão maduro, o que pode, talvez, decorrer da própria disposição da organização do Estado, como sugeriu Cavalcanti (1949). Enquanto que a doutrina posterior a 1970, de maneira geral, aparentemente teria apenas replicado os mesmos critérios de definição matizados pela doutrina jurídica imediatamente anterior, ou, quando muito, teoricamente os adequado à ordem constitucional vigente.
Ao que tudo indica, o período em tela marca a maturação para a definição do conceito de concessão. O termo, que inicialmente estaria vinculado à definição de “concessão de serviço público”, somente vai receber nova carga de teorização a partir dos anos 1990. Mas, neste caso
– como será visto adiante – a doutrina, ainda que amparada por velhas confusões conceituais, estará falando de uma “nova forma de concessão”. O lapso temporal indicado (1930-1970) revelaria, portanto, a antecâmara38 da atual lógica de teorização do conceito.
38 Este período revela sua importância não apenas por ser o núcleo de teorização da noção conceitual de “concessão”, mas, também, por existir nele discussão sobre as tensões das matrizes teóricas deste conceito. Em estudo datado do final da década de 1960, Xxxx Xxxxxx (1961) observa que, inicialmente, o sistema de concessões de serviço público no Brasil desvela-se o sinete exclusivo do direito administrativo francês. No entanto, observa o autor (1961), nas décadas seguintes, a influência francesa teria se aliado à experiência norte-americana de regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública, e teria se manifestado, sobretudo, na tentativa de implantação do critério do serviço pelo custo (service-at-cost), com base tarifária em determinadas concessões. Segundo Xxxxxx, tal tendência, de americanização do sistema por meio de regulação no próprio contrato teria sido iniciada por Xxxxxxx Xxxxxxx, com os estudos que, segundo Xxxxxx, culminaram no Código das Águas. No mesmo sentido é a opinião de Xxxxx Xxxxx (1953). Segundo Xxxxx Xxxxx (1953, p. 45), a tensão entre a influência americana e francesa teria sido uma constante no direito administrativo brasileiro: “até hoje os juristas brasileiros, salvo raras execeções, têm seguido […] no estudo da matéria, unicamente o rastro
2.1.2. O problema de delimitação dos critérios de definição conceitual.
De acordo com alguns autores (ESTORNINHO, 1999; 2003; XXXXXXX, 2012), ao longo do século XIX a técnica concessionária teria sido praticada quase que sem nenhuma preocupação teórica sobre sua natureza jurídica ou mesmo a classificação no que diz respeito ao seu objeto.
Num segundo momento, na transposição do século XIX para o século XX, inicia-se uma, ainda que incipiente, distinção teórica entre i) contratos para suprimir necessidades de bens e serviços; ii) colaboração de particulares no desempenho de suas funções e iii) contrato para relacionamento com outros entes estatais de Direito interno. Segundo Xxxxxxx (2012), desde a sua origem, a discussão sobre a natureza das relações descritas no item “ii” sempre se apresentou como a mais emblemática39.
A complexidade da relação que se estabelece, tendo como pano de fundo pessoas de natureza distinta, objeto distinto (funções estatais) e relações jurídicas pré-delimitadas anunciam, de plano, um negócio jurídico sui generis. É este “negócio” que, segundo a doutrina (ESTORNIHO, 1999; 2003; LAUBADÈRE, 1957), teria suscitado, para si, uma nova conceituação ou, ainda, uma reestruturação conceitual apta a lidar com uma figura que não mais se enquadrava no modelo em que
luminoso do direito francês […]. Acontece, porém, que a influência francesa já não é exclusiva, embora tenha sido preponderante, podendo-se identificar, ao lado dela, como fonte subsidiária do nosso direito administrativo, o direito norte-americano, principalmente no que concerne a certos tipos mais recentes de concessão”. Acrescentamos, ainda, o trabalho de Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Concessão de Serviços Públicos em Direito Administrativo (1930), abaixo analisado, em que o autor, já naquela época, apontava o xxxxxxx xxxxx- xxxxxxxxx xx xxxxxxxxxxxxxx.
00 Xxxxx xx Xxxxxxxxx (1957, p. 568) ao conceituar concessão de serviço público, sugere que qualquer teoria da concessão giraria em torno de duas ideias que, embora antagônicas, podem, na opinião do autor, ser concebidas para conciliar. A primeira é que, embora concedido, o serviço continuaria sendo serviço público. E a segunda é que o concessionário (Le gérant du service) seria um indivíduo privado, cujos interesses seriam de ordem privada, de modo que ele (o concessionário), dificilmente, na visão do autor, aceitaria realizar o serviço se não tivesse uma vantagem.
era pensada. Como será visto adiante, diversos fatores parecem contribuir para isso.
A evolução teórica sobre o tema estaria relacionada a este ponto e iria, de um lado, no sentido da negativa da natureza contratual - na negação do contrato administrativo - (no todo ou quanto apenas a uma parte de suas cláusulas) – e, por outro, na construção da teoria do contrato administrativo como algo distinto do contrato privado (XXXXXXX, 2012, p. 121).
No cenário brasileiro, as teorias jurídicas não diferem do contexto descrito. A doutrina nacional parece trabalhar com as seguintes possibilidades: “contrato de direito público”; “atos unilaterais” ou “atos/contratos mistos”. Sobretudo, a tendência de discussão teórica deste assunto se dá quase que com exclusividade sob a luz do direito francês, não se verificando, na maioria das vezes, entretanto, uma adequação equilibrada das teorias daquele país no sistema brasileiro40.
A consolidação da teoria do contrato administrativo, pode-se dizer, é amparada neste núcleo de discussão41. E, em que pesem os conflitos teóricos estabelecidos, constata-se que o Direito Administrativo brasileiro não teria tido maiores dificuldades em identificar a “concessão” como “contrato administrativo”, revelando daí a pouca importância que o tema, à primeira vista, pode ter para alguns autores42. Dois fatores devem ser observados desta afirmação.
40 Isso principalmente no que diz respeito à definição da natureza jurídica das relações entre público e privado que, em regra, são definidas a partir do conceito ou classificação dos “serviços públicos”. Neste sentido ver XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx (2011) e XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx (2012). Neste ponto, deve-se ser destacada, também, a influência do direito norte-americano. Como será visto em capítulo próprio, os autores brasileiros, principalmente a partir de 1940, parecem estar atentos à jurisprudência americana. Tal constatação por ser especialmente verificada em Xxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxxxxx X. Cavalcanti. Conforme observado acima, Xxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxx fazem referências constantes à influência que as doutrina e jurisprudências norte-americanas tiveram no Direito Administrativo brasileiro. 41 Para Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (2003, pp. 50-51), não somente a teoria do contrato administrativo, mas a consolidação do próprio direito administrativo estariam ligadas a este debate. Segundo o autor (2003), “não seria exagero afirmar que o Direito Administrativo moderno foi profundamente influenciado pela evolução do instituto da concessão”.
42 Em estudo sobre o tema, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx (2012, pp. 33-38) salienta que a teorização pura e simples acerca da natureza jurídica da
O primeiro deles é que a teoria sobre a concessão manteve-se fortemente atrelada, com certa exclusividade, à noção de “concessão de serviço público”. O segundo sugere que, a partir de uma conotação universal de “concessão de serviço público”, o conceito se apresentaria fechado: “é contrato (ponto)”. Segundo Xxxx Xxxxxxxx (2009, p. 14), não raro, toda e qualquer conclusão elaborada tendo como pressuposto a “concessão de serviço público” teria começado, pela doutrina, a ser tomada como válida para todos os contextos em que a palavra concessão aparece.
Vale destacar, no entanto, que esta visão naturaliza a concessão como “contrato”. Justificando esta até em uma apressada análise do sec. XIX e das primeiras décadas do sec. XX43 alguns autores, pouco ou
concessão (se ato unilateral, se misto de ato unilateral e contrato privado, se contrato público) não encontra sentido na doutrina nacional senão para, a partir de tal teorização, ser afirmada a existência de um regime jurídico especial nas concessões, na visão da autora, típico de direito público. Segundo a autora, tal regime seria aplicado à concessão tendo em vista seu objeto e finalidade: a prestação do serviço público. Para a autora (2012), em matéria de concessão, o estudo acerca da natureza jurídica do vínculo serviria apenas para afirmar certas prerrogativas da Administração concedente. A autora (2012) observa, ainda, que isso ocorre porque para uns, a concessão envolveria a prestação de serviço público e, para outros, um negócio jurídico com o Estado (sob o formato de contrato público ou não). Em ambos os casos, de acordo com a autora, a verificação da natureza jurídica da concessão seria exclusivamente para fins de reconhecimento de efeitos exorbitantes do direito civil. Xxxxxxxx (2012) sugere que o principal esforço da doutrina brasileira estaria na construção de argumentos e classificações para afirmar a existência de prerrogativas públicas na concessão. Algumas vezes isso ocorreria, segundo a autora (2012), por meio do objeto e finalidade da avença – prestação de serviço público – e outras, pela análise da natureza jurídica da outorga, a qual, mesmo quando não se reconhece que é contratual, de alguma maneira justificaria o poder regulamentar do Poder Público na relação com o Privado.
43 Observe-se, por exemplo, a explicação de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (2003b, p. 52) para quem, no Brasil, “a utilização das concessões remonta à longa data. Verificou-se sua aplicação ao longo do século XIX para a captação de recursos da iniciativa privada, especialmente no tocante à implantação de ferrovias”. Sua exposição prossegue com uma rápida descrição do itinerário do instituto em três momentos históricos: nas primeiras décadas do século XX, o abandono a partir de 1940 e a retomada nos anos de 1980. No entanto, o autor (2003) deixa de observar, por exemplo, que a técnica concessionária, antes de 1930, era compreendida por meio de contrato tradicional, regido pelo direito privado. Na
nada se atentam ao fato de que, até a década de 1930, a interpretação da concessão como “fenômeno contratual” parece ocorrer, exclusivamente, em virtude da legislação e da doutrina da época compreenderem a técnica como “contrato de direito privado”.
Tanto para a doutrina anterior a 1930 quanto para os legisladores, parece não existir maiores dúvidas sobre a natureza contratual (privada) da concessão. Aparentemente isso ocorre, sobremaneira, porque ainda não há no período maiores debates sobre a questão da natureza jurídica da concessão. Como visto, o tema começa a estar presente na doutrina na exata medida em que o Estado tem suas funções (ou responsabilidades) alargadas. Momento este em que teria nascido a necessidade de especificação e substantivação de uma relação jurídica alegadamente estranha aos olhos do direito privado.
De outro lado, quando o assunto concessão começa a ser discutido, o centro do debate teórico se fixa exclusivamente na ideia da “concessão de serviço público”. Pode-se afirmar, por conseguinte, que o perfil jurídico que o termo concessão assume no direito brasileiro está,
maneira como o assunto é por ele abordado, para existir uma superfície de continuidade da figura, que ora aparece e ora some, pouco ou nada sendo, na visão do autor, alterada. O itinerário histórico apresentado pelo autor dá a ideia de linearidade. O mesmo pode-se dizer com relação ao trabalho de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx (2012), quando a autora lança mão do entendimento de Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942) para afirmar que não seria de tanta importância para a doutrina a discussão acerca da natureza jurídica da concessão. Entende- se, entretanto, que Xxxxxxxxx Xxxxxx, quando trabalha, em parecer datado de 1934, a hipótese apontada por Xxxxxxxx, está de um quadro em que os juristas, ao que tudo indica, não tinham, ainda, muitas dúvidas sobre os limites da relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes. Não parece existir, antes de 1930, maiores inquietações sobre o assunto. Aparentemente porque, como sugere Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, a ideia de concessão de contrato privado era forte tanto na doutrina quanto na jurisprudência. É válido lembrar, também, o fato de Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942) ser um jurisconsulto adaptável (XXXXXXXXXX e XXXXXX, 2010) que adequava seus pareces de acordo com o gosto do cliente. Daí que a afirmação da autora (2012), amparada neste parecer de Campos (1942), é frágil. Ao que parece, Xxxxxx (1942) sugere que o assunto não tem importância porque, naquele caso, pretende defender uma ideia específica de concessão. Não diferente é o trabalho de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx (2002), em que a Autora consolida “500 anos de Direito Administrativo”, sugerindo uma evolução linear de vários institutos, dentre os quais a “concessão”.
na origem, intimamente relacionado à figura da “concessão de serviço público”.
Com efeito, o que parece existir, portanto, no cenário brasileiro é, como observou Xxxx Xxxxxxxx (2009, p. 15), uma história da “concessão de serviço público” e não uma genuína história da concessão como gênero. Esta constatação não autoriza supor, no entanto, que a construção da ideia teria ocorrido de forma uníssona e sem maiores inquietações teóricas e doutrinárias.
A ilação acima construída leva a um problema: “quais critérios utilizar para a verificação da natureza das demais formas de concessão, se a teoria se fez na órbita da concessão de serviço público?”.
Conforme já destacado, o trabalho se preocupa com a delimitação “natureza jurídica da concessão petrolífera”. Para fins de averiguação das hipóteses levantadas parece ser imprescindível, portanto, se estabeleça um recorte das formas pelas quais a doutrina brasileira define a natureza jurídica das concessões: quais são os critérios historicamente utilizados para tanto? Eles estão centrados na relação jurídica estabelecida entre as partes ou no objeto do “contrato”? É possível apresentar um itinerário próprio para esta forma de concessão?
Tanto em relação às concessões de serviço público quanto no que tange às outras espécies (quando admitidas), grande parte da doutrina brasileira, ao que tudo indica, tendeu a utilizar os mesmos critérios para definir a natureza jurídica dos mecanismos de colaboração entre o público e o privado. No entanto, num primeiro momento, nem todas as espécies (hoje concebidas como “modalidades de concessão”) são alocadas na mesma categoria. Neste sentido, veja-se, por exemplo, a "concessão de uso de bem público”44.
Embora se distingam nitidamente as técnicas concessionárias atualmente consideradas pela doutrina como espécies do gênero concessão (serviço público, patrocinada, administrativa, de obra pública
44 Esta constatação pode ser verificada particularmente por meio das publicações até 1960, principalmente com Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxx. É válido destacar desde já a opinião de Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx sobre a “concessão de exploração petrolífera”. Conforme será visto, o autor (1949) aborda uma conceituação peculiar da concessão de exploração petrolífera, atribuindo a ela natureza distinta da de serviço público e não a caracterizando como contrato.
ou de uso de bem público)45, a classificação da natureza jurídica destes institutos, ao longo da história do conceito de concessão, parece não ser a mesma. Segundo Xxxx Xxxxxxxx (2009, p. 27), tal constatação seria refletida na velocidade com que o termo “concessão” é isoladamente empregado para designar, indistintamente e de forma ampla, qualquer modelo de colaboração entre setor público e setor privado46.
Frente a esta constatação, cumpre buscar o que a doutrina estabeleceu como critério para a definição da natureza jurídica da concessão. Ocorre que este material, por força da imposição teórica que o fundamenta e pela forma como se pulveriza entre redefinições ao longo do tempo, não é encontrado de forma sincrônica. Antes, ele é marcado por dinamismo. Isso também dificulta a análise isolada e estática do tema “concessão”.
Para superar tal problemática, levantamos aqui fontes que indicam como a doutrina jurídica constrói a classificação da natureza jurídica da concessão. Fontes que, de alguma maneira, conseguem demonstrar certa virada conceitual com relação ao conceito pesquisado. A partir da análise do material selecionado, acredita-se ser possível demonstrar como o pensamento jurídico se estrutura a fim de comportar a distinção da concessão em gêneros e espécies, bem como que
45 Neste sentido ver Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx (2014, p. 351) para quem, silente o contrato e inexistindo lei reitora da concessão específica, seriam aplicáveis as regras gerais atinentes ao instituto da concessão que, segundo o autor, são encontradas na Lei 8.987/95 e correlatas. Para o autor, não somente pode ser aplicado o regime de concessão de serviço público na concessão de uso, como, também, isso seria feito sem muita discussão. Para tanto, o autor invoca o que ele diz ser a opinião de Xxxx Xxxxx sobre o assunto, “que a concessão é uma instituição geral do direito público que tem aplicações em muitos sentidos”; No mesmo sentido é a opinião de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx (2010).
46 Como será visto adiante, já em 1933, Xxxxx Xxxxxxx observava a dificuldade em se identificar o emprego da palavra concessão. Segundo o autor, não seria apenas teórico o inconveniente da confusão conceitual sobre o termo. Tal confusão, na visão do autor, teria se “estendida aos efeitos jurídicos dos diversos institutos, com arbitrárias consequências práticas”. Este também parece ser o entendimento de Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (1936), para quem muitas legislações confundiriam a concessão com a autorização, de modo que a palavra concessão, por si só, já não bastaria para revelar o fenômeno.
reverbera daí para o imaginário jurídico, no que concerne à concessão de exploração petrolífera47 e a suposta reprivatização do conceito.
O levantamento dos critérios utilizados pela doutrina não almeja determinar qual é técnica mais correta ou mais adequada ao direito brasileiro, visto que, na maioria dos casos, as técnicas adotadas derivam de origens distintas e compreendem momentos distintos. Tampouco é objetivo deste trabalho esgotar toda a literatura acerca do tema. Queremos, sim, sobrevoar e mapear o itinerário da conceituação da concessão (e seus desdobramentos) nos trabalhos dos autores que, a nosso ver, influenciam o campo.
A verificação dos critérios utilizados pela doutrina auxiliará a observação do itinerário do conceito de concessão como gênero, bem como a identificação dos seus efeitos na concessão de exploração petrolífera. É empreendida, a partir disso, uma investigação para verificar as possíveis transmutações e mudanças que o conceito teria sofrido no decorrer da sua formação e quais fatores – contextuais – aproximam-no (ou o afastariam) da orientação constitucional.
Em que pese, para alguns, a classificação da natureza jurídica das concessões “possa parecer sem sentido ou já não ter mais razão de ser” (XXXXXXXX, 2012), no caso da concessão (petrolífera), a reflexão sobre esta teorização é relevante. Ao final, a (in)definição da natureza jurídica desta figura pode demonstrar o quanto a previsão do art. 26, caput, da Lei 9.478/97 e a interpretação do STF, que a convalida, estão ou não afastadas da Constituição Econômica.
Feitas estas considerações, o próximo item cuida dos critérios utilizados pela doutrina brasileira para fins delimitar a natureza jurídica das concessões. Antes, porém, a fim de auxiliar na parametrização do itinerário teórico-conceitual seguido na doutrina nacional, faz-se um breve desvio para situar o lugar de fala da discussão e os principais autores que a articulam.
47 Como será visto em seguida, há uma construção teórica gradativa no sentido de se estabelecer a concessão como gênero, a partir do qual se originariam algumas espécies, dentre as quais a “concessão de uso de bem público”, na qual se incluiria a “concessão petrolífera” (DI PIETRO, 2014; XXXXXXX XX XXXXXXX, 0000; XXXXXX XXXXXXXXX, 1974; XXXXXXX XXXX, 2014).
2.2. A teorização do conceito pela doutrina jurídica brasileira (1930-1970)
2.2.1. O lugar de fala da discussão da teoria contratual, seu contexto e atores.
Um breve panorama do contexto e dos atores que ocupam a discussão da teoria contratual da concessão pode ajudar a esclarecer as bases que servem de suporte doutrinário para os autores brasileiros. É mais do que visível, por todo o período acima identificado, a constante referência dos autores brasileiros a determinados autores estrangeiros. Com base nisso, acreditamos ser importante para este estudo, antes de se adentrar do quadro brasileiro propriamente dito, mapear os autores mais citados pela doutrina jurídica brasileira48 e as principais características do contexto em que a discussão é originada.
As fontes analisadas indicam que dois países parecem ter influência direta na discussão doutrinária brasileira: França e Itália. Os juristas brasileiros estão atentos à produção intelectual destes dois
48 Neste capítulo, cuidamos de desenhar o pensamento de alguns autores fundamentais para a compreensão da teorização brasileira. A escolha destes “atores” se fez a partir do recorte das referências bibliográficas e citações presentes no material pesquisado. Isto é, optou-se por destacar, aqui, o pensamento dos autores mais citados pelos doutrinadores brasileiros nas fontes analisadas. É válido mencionar que não se desconhece a gama de (outros) autores estrangeiros que de uma forma ou outra também influenciaram a construção do direito público brasileiro, notadamente, do direito administrativo. Embora não trabalhados nesta pesquisa, estão também presentes com alguma frequência no discurso dos doutrinadores brasileiros os seguintes autores e as respectivas obras citadas: Xxxxxxxx Xxxxxxxx – Princípios Gerais do Direito Público e Tratado de Derecho Administrativo; Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx – Curso de Derecho Administrativo e Revolution Française et Administration Contemporaine; Xxxxxxx Xxxxx – Droit Administratif e Manuel élémentaire de Droit Constitutionnel; Xxxxx Xxxxxxxx – Corso di Diritto Amministrativo e Le Servizio Privato delle Funzioni e Dei Servizi Pubblici; Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx – Compendio de Derecho Administrativo; Xxxxxxxx Xxxxxxx – Manual de Direito Administrativo; Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx – Diritto Amministrativo e Profili Storici della Scienza del Diritto Amministrativo; Xxxxxxx Xxxxxxx – Précis Elementaire de Droit Administratif; Santi Romano – Prinipii di Diritto Amministrativo Italiano; Xxxxxx Xxxxxx, Tratado de Derecho Administrativo. E, ainda, Loaning; Xxxx Xxxxxx; Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx.
países. Isso não impede, entretanto, que alguns juristas busquem, ainda, a fundamentação de suas convicções em outros países, como por exemplo, Estados Unidos, Alemanha ou Espanha. No que diz respeito à natureza jurídica da concessão (de serviço público), a doutrina nacional tende a buscar, em todos os casos, suporte, sobremaneira, na concepção franco-germânica.
A ideia e aceitação da teoria do contrato administrativo ou mesmo da concessão de serviço público como contrato administrativo não é, porém, a mesma para estes dois países. Em cada um deles, a construção doutrinária sobre o tema está intimamente ligada à compreensão de Estado (de Direito) e à sua legitimidade. Em verdade, na concepção do direito administrativo que teria seu “objeto” no Estado. Isso pode ser verificado tanto em Xxxx Xxxxx, como em Duguit. Com efeito, a doutrina que se estabelecesse para cada país tende a se posicionar de forma diversa sobre o assunto49.
A doutrina brasileira, conforme já observado, não tem encontrado maiores dificuldades para aceitar a concepção francesa de contrato administrativo. Não obstante, não o faz de forma uníssona – de maneira que a teoria alemã, que compreende a concessão como ato administrativo também pode deixar sua marca. O processo de teorização do conceito, no Brasil, vai beber destas duas fontes e, a partir daí, parte para criar uma lógica própria, adaptando aquelas vertentes. A natureza da concessão [principalmente a de serviço público, como já observado] é delineada a partir da adaptação das correntes estruturadas nestes dois países, ora as distinguindo e ora as confundindo50.
49 Segundo Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012; 2003), seja por razões de necessidade ou pelo contexto político econômico, o fato é que a discussão mais fecunda parece acontecer no ambiente da doutrina francesa, que busca uma concepção pública do contrato, enquanto a teoria alemã teria se fixado, segundo sugerem os franceses , na “rejeição” da figura, por aparentemente não necessitar dela.
50 Neste ponto, especialmente sobre o caráter de “confusão”, é válido observar que a doutrina brasileira parece seguir um caminho inverso do que ocorre naquele(s) países em que a teoria contratual teria surgido. Aqui, a noção de “contrato administrativo” é antes dogmatizada e, somente a partir daí, é objeto de decisões judiciais. Segundo Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012, p. 51), muitos dos institutos trabalhados somente perpetram o campo da legislação quando já revestidos de caráter dogmático. Na França, segundo Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012), a lógica de processamento do conceito foi ao contrário. Ela teria sido forjada concomitantemente pela doutrina e pelo Conselho de Estado, de modo que a dogmatização não teria sido, na visão do autor, tão fechada.
No contexto da França, onde a doutrina do contrato administrativo deita suas raízes, o debate sobre a natureza jurídica da concessão de serviço público localiza-se na teoria do contrato administrativo e, em última análise, na dicotomia entre direito público e privado reforçada no final do século XIX e mesmo no início do século
XX. A narrativa jurídica deste assunto teria nascido no momento em que a doutrina tentou, pela primeira vez, encontrar uma explicação substancial para o dualismo que reside na matéria51. Neste mesmo momento, brota o que se denomina “processo de substantivação do contrato administrativo”52, formando-se os critérios definidores que seriam, a partir de então, aplicados à discussão.
Para Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012), a ideia de associação do particular para o desenvolvimento do interesse público teria se desenvolvido na Europa verdadeiramente a partir do século XIX53. Segundo a autora (2012), o itinerário da contratação pública pode ser verificado em três momentos distintos, a saber: um momento de “candura”, uma fase de “atrito” e uma fase marcada pela tentativa de
51 Segundo Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012, p. 135-136) o núcleo original da discussão está na determinação que teria sido imposta pelo legislador em matéria contratual na França pós-revolucionária, em especial na “Lei do pluvioso do ano VIII”, a qual, segundo a autora (2012), afirmava que as questões relativas a bens nacionais vendidos publicamente – em virtude das leis revolucionárias – teriam sido atribuídas à jurisdição administrativa, por questões que se prendiam “com as circunstâncias da Revolução de 1789”, em virtude do “interesse público nacional” e para garantir a segurança dos adjudicatários.
52 A expressão é utilizada por Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012) para identificar o processo de “perseguição do critério único”, que teria alimentado a esperança de encontrar um critério perfeito que permitisse distinguir, em termos substanciais e de forma inequívoca, os “contratos administrativos” dos “contratos privados da Administração Pública”.
53 Outro não é o entendimento de Almiro do Couto e Xxxxx (1997, p. 53), para quem é irrecusável que somente a partir do século XIX teria se desenvolvido e se estreitado a cooperação entre a administração pública e o ente privado. Segundo o autor (1997), teria sido fixado, também neste período, o entendimento de que a cooperação seria estabelecida ordinariamente pela via do contrato, que, segundo o autor, era considerado como instituto do direito privado. Para Couto e Xxxxx (1997), a noção de contrato administrativo, regido pelo direito público, só começa a esboçar-se na França no final do século XIX, de modo que somente se consolida primeiras décadas do século XX. Antes disso, segundo o autor, todo o contrato era visto como de direito privado.
“convivência”. Cada um destes períodos está diretamente relacionado – e somente pode ser completamente entendido quando aproximados – às funções da administração pública, à dimensão orgânica da administração e às formas de organização e de atuação por ela adotadas.
Na primeira fase, de “candura”, a Administração Pública aparece no papel de “nobreza sem fortuna”, que, impedida de explorar diretamente as suas grandes propriedades, entrega-as em arrendamento para quem melhor as explorasse. Neste caso, os riscos da exploração eram suportados pelas inúmeras vantagens oferecidas (ESTORNINHO, 2012). Este período é marcado pelos grandes investimentos: estradas de ferro, transportes urbanos e iluminação pública (elétrica e a gás). Infraestruturas que demandavam enormes investimentos e que só viriam a dar lucro depois de um longo tempo.
Não haveria, aqui, segundo Xxxxxxxxxx (2012), uma Administração Pública preocupada com lucros – o que nem sequer era ideia ou desejo na época –. O objetivo central da Administração seria a de obter fornecimento, obra ou prestação a melhor preço. Para Xxxxx x Xxxxx (1997), o Estado do século XIX não dispunha de grandes recursos, de modo que confiar aos particulares a construção de obras públicas teria sido, sem dúvida, a forma de superar tal problema.
Daí, inclusive, a pouca atenção que a doutrina teria destinado à natureza jurídica da colaboração. Assim, a burguesia, animada pelo espírito da economia, aplicava aos negócios do Estado que era chamada a gerir a imagem dos seus próprios negócios. No entanto, a ideia de contraprestação pecuniária, segundo Xxxxxxxxxx (2012) vai se tornando progressivamente mais presente.
Em termos jurídicos, nesta primeira fase, vige a célebre distinção entre atos de autoridade e atos de gestão como critério do contencioso administrativo. Os primeiros são situados na órbita do direito público e os outros no direito privado. Com efeito, neste período não há, para os autores citados (XXXXX e XXXXX, 1997; XXXXXXXXXX, 2012), maiores dúvidas de que os contratos celebrados pela Administração Pública, independentemente de sua natureza, mereçam ser vistos como atos jurídicos de direito privado, mesmo que a competência de decidir sobre eles coubessem a tribunais administrativos (XXXXX e XXXXX, 1997).
Para Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003), a distinção (baseada na competência) teria dominado incontestavelmente quase todo o século XIX, com irrestrita aceitação da doutrina. E teria sido, em alguma medida, parametrizada pelo Caso Blanco54 (1873), o qual eleva o serviço público a parâmetro delimitador de competências. No entanto, para Xxxxx Xxxxx (1968), é a própria lógica do lucro que acaba trazendo a lume o antagonismo da relação de colaboração estabelecida. Aos poucos, o particular começa a ser percebido como um adversário, possuidor de interesses antagônicos aos da Administração Pública.
54 Segundo Xxxxxx Xxxxxxx (1994, pp. 55-57), a especialidade do Direito Administrativo, na França, teria sido afirmada, pela primeira vez, com o arrêt Blanco. Em resumo, a decisão da questão afirmou a autonomia do Direito Administrativo em relação ao Direito Privado. Para Xxxxxxx, ela afirmou a autonomia do juiz administrativo frente ao direito privado. De outro lado, segundo o autor (1994), ela teria enunciado o critério da atribuição da competência do juiz administrativo (o critério do serviço público), que foi retomado posteriormente pela escola de Xxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxx. No caso, o recorrente pedia ao Tribunal Civil a aplicação dos arts. 1382 e 1383 (Xxxxx XXX, Título IV) do Código Civil napoleônico, os quais disporiam, respectivamente “qualquer ação do homem que causa dano a outro, obriga o que o cometeu ao seu ressarcimento” e “todos são responsáveis pelos danos cometidos não só por sua atividade, mas também por sua negligência e imprudência”. Xxxxxx teria dirigido seus pedidos ao Tribunal Civil de Bordeaux, no entanto, o “prefeito do Departamento da Gironda” apresentou um memorial declinando da competência. Em resposta, o Tribunal deu ao prefeito decisão negativa, afirmando a competência. Frente a esta decisão, o prefeito adotou um “arrêté de conflict”, com efeito de paralisar o Tribunal e submeter a questão de competência ao Tribunal de Conflitos (órgão particular do ordenamento francês, composto por Juízes do Conselho de Estado e do Tribunal de Cassação, e que é chamado a resolver conflitos entre juízes ordinários e juízes administrativos. Este órgão foi criado em 1848, suprimido em 1851, tendo sido reestabelecido definitivamente em 1872). Em análise, o Tribunal de Conflitos confirmou a posição do prefeito. Em resumo, a decisão afirmou, no que diz respeito à competência, que o princípio de não intromissão dos juízes ordinários em assuntos administrativos era um princípio constitucional, que indicava que estes juízes eram radicalmente incompetentes para conhecer todas as questões nas quais estivesse implicada uma Administração Pública e o exercício de um serviço público. A propósito do tema responsabilidade, o Tribunal entendeu que ela não poderia ser geral ou absoluta, em razão da grande variedade dos serviços públicos.
Inicia-se, assim, a fase de “atrito”. Embora não raros os desentendimentos entre a Administração Pública e o Particular, a suposta harmonia da associação colaborativa entre estas partes é rompida em termos definitivos após a Primeira Guerra55 (JÈZE, 1921; XXXXX e SILVA, 1997). A ideia de lucro desenfreado era frequentemente colocada em prática por meio do mecanismo da rápida recuperação dos investimentos. Quanto mais depressa possível os investimentos fossem recuperados, maior seria o lucro. Para tanto, a manutenção dos empreendimentos era sucateada. Tem origem, também nesse ponto, a teoria da imprevisão.
Frente a este contexto, o descontentamento do setor público era visível. A Administração Pública encontrava-se impossibilitada de forçar adaptações. Segundo Xxxxxxxxxx (2012) começa a se tornar perceptível que as cláusulas previamente fixadas em contrato não permitiam exigir sua alteração e, por conseguinte, a adequação do empreendimento a novas e melhores técnicas. A partir disso, a doutrina desloca a atenção da competência para a causa, provocando, assim, uma reflexão contínua acerca da distinção substancial e material do contrato administrativo.
A preocupação que marca este período é a tentativa de encontrar uma maneira de contornar as cláusulas originais do contrato e de adaptá- las à nova realidade vivenciada. Isto é, de reconhecer determinadas prerrogativas ao Estado, dentre as quais a de modificação unilateral do contrato para afeiçoá-lo ao interesse público, sem prejuízo das compensações financeiras em favor do particular contratante (COUTO E
55 Soma-se a tudo isso o fator econômico. Segundo Xxxxxx Xxxx (1921) e Xxxxx e Xxxxx (1997), após a Primeira Guerra, a Europa experimenta um período de instabilidade econômica e monetária, com implicações imediatas, o qual fez com que os concessionários se vissem em dificuldades para continuar prestando os serviços a que estavam vinculados, os quais, por sua vez, não poderiam ser interrompidos. De acordo com o panorama traçado por Xxxxxx Xxxx (1921, pp. 175-214) sobre o período, a França teria saído vitoriosa da primeira guerra. No entanto, segundo Xxxx, ela teria emergido economicamente debilitada. Para o autor (1921), nenhuma das nações beligerantes derramou tanto sangue quanto a França. De uma população de aproximadamente 39.000,000 habitantes, a frança teria perdido 1.500,000 e alcançado quase este mesmo número de mutilados. As regiões Norte e Leste, as mais industrializadas e ricas, teriam sido igualmente devastas.
XXXXX, 1997)56. É exatamente nesta quadra da história que se reforça a necessidade de formatação jurídica da ideia de concessão.
A rigidez das cláusulas contratuais acaba por se desvelar como um óbice para o interesse público, exigindo da Administração Pública uma postura mais ativa. Conforme sugerem Estorninho (2012) e Xxxxx e Xxxxx (1997), o contrato privado torna-se gradativamente menos adequado aos interesses (públicos) em jogo. A partir daí, concebe-se o regime jurídico exorbitante57 (em relação ao direito privado), por meio do qual são reconhecidos determinados poderes de autoridade à Administração Pública, especialmente no que diz respeito à execução do contrato. Aos poucos, pondera Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxx (2012), a Administração Pública teria percebido que pôde ter feito um mau negócio, inclusive do ponto de vista financeiro.
O conflito de interesses que remanesce nesta fase estimula a busca de um novo equilíbrio. Ao mesmo tempo em que se afigurava um mau negócio, a colaboração com a iniciativa privada era, também, um mal necessário. É assim que no século XX, em meados da década de 1930, verifica-se a alteração profunda das relações entre Estado e os particulares, no sentido de ultrapassar a fase de “atrito” e se avançar para o quadro de “colaboração”. Para Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012) existiria neste ponto de transição, também outro fator: a transposição do Estado Liberal para o Estado Social.
O período de colaboração tem como marca o alargamento da configuração jurídica contratual. Opera-se uma forte mudança de conceitos e paradigmas a fim de se reestruturar a atividade contratual, voltando-a para o interesse público. O interesse público, porém, agora
56 Não se pode ignorar que esta necessidade está diretamente atrelada ao aumento da demanda e do uso das infraestruturas empreendidas. A propósito do assunto, Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012) observa que a Administração se via altamente pressionada pelos utentes dos serviços, os quais já não aceitavam a ideia de se encontrarem dependentes da boa vontade do concessionário.
57 Xxxxx x Xxxxx (1997) sugere que, com o enfraquecimento da economia, teria se tornado constante a participação do Estado (concedente) para fins de auxílios financeiros temporários, a fim de evitar a paralização dos serviços. Cumpre igualmente observar o aumento de intervenção do Estado na economia e na infraestrutura por motivos bélicos e de guerra. Sobre este ponto vide, especialmente, Xxxxx Xxxxxx Comparato (1965) e Xxxxxxx Xxxxxxxx (2004).
parece mais amplo58, haja vista que articulado como Estado Social. É característica deste período, por exemplo, a alteração dos processos de escolha dos contratados, bem como a modificação da redação básica dos contratos, que passam a ter caráter sancionador e intimidador mais contundente.
Não obstante, para além disso, este momento é também marcado pelo alargamento da própria função de Estado. O advento do Estado Providência traz consigo a maior e mais eficiente prestação de bens e serviços aos administrados (ESTORNINHO, 2012). Segundo a autora (2012), tudo isso teria implicado e justificaria não somente a reconfiguração dos contratos, com o aumento das regras jurídicas que os perfectibilizam e os regulam, mas, também, o “acelerar” o crescimento da máquina administrativa.
A maior presença do Estado na realização de serviços antes centrados somente nas mãos dos particulares traz consigo o fenômeno da “fuga para o direito privado”59. A pouca maleabilidade das cláusulas
58 Sobre o conceito de interesse público e sua evolução ver Maria Xxxxxx Xx Xxxxxx (0000x) e, ainda, Xxxxxxxx Xxxxx (2001).
59 A expressão “fuga para o direito privado” é tomada em dois sentidos. Conforme observa o Xxxxxx Xxxxx e Xxxxx (1997), a expressão teria sido originariamente utilizada por Xxxxx Xxxxxxx (die Flucht in das Privatrecht), na obra Institutionen des Deutschen Verwaltungsrecht, datada de 1928. Segundo Xxxxx x Xxxxx (1997), a expressão, como empregada por Xxxxx Xxxxxxx, quer descrever a “publicização do privado” e não, como pode se querer interpretar à primeira vista, “privatização do público”. Na década de 1990, a expressão é retomada pela autora portuguesa Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012; 2003; 1999), principalmente na sua obra “Fuga para o Direito Privado”, porém, com uma conotação diversa. A partir da constatação de certa confusão das fronteiras entre o Direito Público e o Direito Privado, a autora (1999, p. 159) observa que a “fuga do direito administrativo para o direito privado” revela-se na medida em que em o Direito Público está a se privatizar ao introduzir esquemas conceituais do Direito Privado. Para a autora (1999, p. 160), a grande vitória da doutrina seria, numa era de grandes incertezas e a propósito de temas cujas fronteiras não estão bem definidas, conseguir constatar e tomar consciência da necessidade de “evitar tal fuga”. As fontes analisadas para este trabalho indicam que, no Brasil, existe uma forte tendência do uso da expressão pela doutrina contemporânea. Especialmente em trabalhos que defendem a entrega total da prestação dos serviços públicos ao particular, sob o argumento de ineficiência do Estado. Os autores, no entanto, sugerem uma conotação positiva da “fuga para o direito privado”.
contratuais para atender os anseios do interesse público faz com que se inicie uma tentativa de configuração do contrato administrativo e de utilização de outros mecanismos do direito privado como, por exemplo, a criação de Empresas públicas.
Neste modelo, a nota característica é a intervenção do Estado no domínio econômico e social. A ampliação das tarefas do Estado, por sua vez, exige que o Poder Público se torne mais ágil, provocando, assim, a busca por outros e novos mecanismos que permitam sua atuação mais rápida e eficaz (XXXXX e XXXXX, 1997). Estes mecanismos são encontrados, com alguma frequência, no direito privado.
Subjaz, também nesta quadra, a ideia de que, “se o Estado concedia serviços a particulares e tinha, ainda, que socorrê-los, por que não prestar por si mesmo estes serviços?”. Assim, muitas vezes, os modelos estatais optam por constituir, por meio do emprego de técnicas de descentralização, pessoas jurídicas de direito privado destinadas à execução dos serviços antes delegados a particulares.
Segundo Xxxxx x Xxxxx (1997), este mesmo momento coincidiria com o início do declínio das concessões. Para o autor (1997, p. 57), esta mudança, segundo ele, estrutural teria provado, também, efeitos no plano teórico-jurídico. A vinculação da ideia de contrato administrativo a um serviço público, por mais estreita que fosse, não era mais suficiente para qualificar a natureza dos atos praticados naquelas condições.
É neste ambiente que, segundo Xxxxxxxxxx (2012), elabora-se, na França, uma sofisticada teoria do contrato administrativo. Para a autora (2012, p. 135), referida teoria teria tido origem no momento em que a doutrina tencionou encontrar uma explicação substancial e um equilíbrio para o dualismo, segundo Estorninho, até então meramente processual e que havia sido imposto pelo legislador em matéria de contrato administrativo.
Para a autora (2012, p. 152), teriam sido também estabelecidos neste período os critérios básicos do regime jurídico aplicável ao contrato administrativo. A partir daí, segundo Xxxxxxxxxx (2012), a tendência é a polarização da doutrina, numa dicotomia infindável que até hoje não encontrou um ponto fixo, deixando de ter uma conclusão determinante.
A releitura do contexto permite verificar, portanto, que a discussão sobre a natureza jurídica das relações estabelecidas entre a Administração Pública e os entes privados articula-se num ambiente de constante alteração das estruturas econômico-estatais. Por conseguinte,
o itinerário do discurso jurídico, nos três períodos acima evidenciados (candura, atrito e colaboração), faz-se pela constante ampliação e realocação do Direito Administrativo e do Direito Privado.
Juridicamente, a teorização do conceito de concessão, na França, mostra-se intimamente ligada à própria evolução conceitual da concepção de serviço público. Segundo Xxxxx xx Xxxxxxxxx (1957, p. 569), em cinquenta anos, a teoria da concessão havia se alterado profundamente desde sua origem. A razão principal desta mudança estaria no fato de que o direito francês não havia reconhecido imediatamente o lugar que o conceito de serviço público e as consequências daí resultantes deveriam ocupar na teoria da concessão. Xxxxxxxxx (1957) salienta que os juristas franceses não perceberam de imediato que a concessão poderia estar relacionada unicamente à operação de um serviço.
No século XIX, afirma, a concessão era, ainda, basicamente concebida como forma e nomenclatura de “concessão de obras públicas” – “concession de travail públic” – a qual consistia na construção de infraestrutura. No entanto, já no final do século XIX, com
o desenvolvimento das ferrovias, distribuição de gás e eletricidade, com alguma frequência, a concessão emerge como referência não só à construção de infraestrutura, mas também à operação do serviço público correlato. É somente no início do século XX que os juristas compreendem melhor que pode haver uma concessão de serviço público afastada da concessão de obra ou trabalho público.
Por outro lado, salienta o autor (1957), os doutrinadores franceses tiveram dificuldades para perceber todas as consequências impostas pela ideia de serviço público. A concessão era vista como “convenção”, no sentido de “acordo” entre a Administração Pública e o particular60. Ao assim ser percebida, a concessão cuidava de dinamizar a ideia de contrato, por meio do qual as partes estariam aptas a disporem livremente sobre o objeto contratado. Para Laubadère (1957), o projeto concessionário, pensado desse modo, acomodaria muito mal os
60 Xxxxx xx Xxxxxxxxx (1957) observa que o ato jurídico, que é a base da concessão, aparece no contexto francês com um acordo, uma convenção entre a administração pública e o concessionário particular. As disposições deste acordo, segundo o autor, estariam contidas em documento próprio, o qual comportaria os termos da concessão. Para o autor (1957), é este ato jurídico que sofre reinterpretação constante e que, pelas mãos da doutrina, quer alcançar identidade própria para sua natureza.
requisitos adstritos à ideia do serviço público. A partir desta constatação, a noção conceitual de concessão, segundo o autor (1957), teria sido gradativamente revisitada pela doutrina, tanto com relação à sua natureza jurídica, quanto ao regime que a institui.
Colhe-se da experiência francesa, portanto, que a revisão da concepção teórica contratual da “concessão de serviço público” está diretamente relacionada em seu núcleo, com a mutação da noção conceitual de “serviço público”. Não seria açodado afirmar que é o redimensionamento do conceito de serviço público que, entendido como objeto da concessão, vai dar a esta identidade particular, alterando, com isso, a própria natureza jurídica da técnica concessionária. Tudo isso, observe-se, para que o regime do instituto e as regras daí refletidas pudessem ser expressadas juridicamente de outra forma – de modo específico.
Segundo Xxxxxxxxx (1957, p. 569), frente a este contexto, a doutrina administrativa francesa vai expressar as seguintes provocações: “este acordo, constituído como ele é, nas bases da contratação pública (marchés administratifs) 61, pode ser percebido como um contrato?” e “É a concessão de serviço público, como a de “marche de travaux publics”, um contrato administrativo?”. Para o autor (1957) é na busca de respostas para estas indagações que residem os pilares jurídicos da teoria francesa da concessão de serviço público. Por conseguinte, a partir daí, desvela-se, também, a definição dos critérios definidores da natureza jurídica da concessão.
Ao tentar equacionar a tensão básica existente no núcleo contrato versus interesse público de organização do serviço prestado, a teoria francesa vai se opor fortemente à ideia de contrato (privado). A crítica e o abandono da teoria tradicional e privatista do contrato são formatados
61 Na terminologia francesa, utiliza-se o termo “marche public” para indicar as contratações administrativas pelas quais a Administração obtém de um terceiro a prestação consistente em fornecer bens ou executar obras ou serviços. De acordo com Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (2003, p. 16), não seria cabível traduzir a expressão “marche public” por “contrato administrativo”. No francês existe a expressão “contrato administrativo”, a qual é utilizada como gênero, abrangendo inclusive um espécie que é identificada através da denominação marché public. Frente a estas observações, o autor (2013) sugere se utilize a tradução “contratação (ou negociação) pública”. A explicação para isso é que o termo “marché”, em francês, significa não apenas “mercado”, mas, também, “negociação” ou “contratação”.
por grandes juristas do direito administrativo francês – como Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxx (LAUBADÈRE, 1957), figurando Xxxxxx, talvez, como o mais duro crítico. Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012) sugere que o questionamento da recepção da concessão como elemento contratual, derivado destes doutrinadores, pode ser lido como forma de relativização do sentido individualista do contrato, em uma abertura para sua identificação substancial.
Xxxx Xxxxxx (1859-1928) é conhecido pela compreensão da noção material de serviço público, arquitetada em torno da Teoria do Estado. Xxxxxx busca compreender o Estado e suas funções em posição contraposta ao método jurídico alemão, exclusivamente jurídico. Amparado na ideia de solidariedade social, o autor busca legitimar o Estado, em última análise, por sua finalidade: a prestação dos serviços públicos para fins de realização da interdependência social. Em linhas gerais, para este autor, a natureza do contrato estaria, assim, afetada pelo mesmo critério da finalidade: a função de servir do Estado.
Para Xxxxxx (1999, p. 23), o sistema jurídico não teria outra razão de ser se não a de estabelecer e sancionar regras que assegurassem a satisfação das necessidades que se impõem aos homens em uma dada sociedade, num certo momento. O sistema jurídico, para Duguit (1999,
p. 23), nada mais é do que o produto daquelas necessidades. Daí que, para este autor (1999, p. 27) a noção de serviço público substituiria o conceito de soberania como fundamento do Direito Público.
O direito público, segundo Xxxxxx (1999, p. 37), seria um conjunto de regras que determinam a organização dos serviços públicos e asseguram seu funcionamento seguro e regular. A concepção da “concessão”, para este autor, é formada a partir deste pensamento. Ela seria um instrumento, “ato complexo”, vinculado, portanto, ao próprio fundamento do Estado.
No que concerne à teoria da concessão, Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012) chama a atenção para a análise jurídica do papel da autonomia da vontade como força criadora do direito presente em Duguit 62. De acordo com o autor (2012), a teoria do contrato administrativo teria afetado diretamente os princípios tradicionais do direito dos contratos (privados), diminuindo consideravelmente seus aspectos jurídicos
62 A propósito dos temas do tema “autonomia da vontade” e “possibilidade do contrato administrativo”, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012), aponta o debate havido entre Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxxx durante os anos de 1926-1930, na Revue du Droit Public francesa.
firmados. Em especial, teriam sido afetados a ideia de partes iguais, dotadas de liberdade para pactuar, e o caráter individualista ali presente. O objetivo de Xxxxxx, segundo Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012), seria o de evidenciar distinções, tentando não aplicar a palavra contrato a atos que não o fossem.
De modo sucinto, a teoria seguinte ao pensamento de Xxxxxx traz consigo uma acentuada distinção entre ato e contrato. Esta distinção, segundo Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012), teria sido situada na diferenciação entre situações jurídicas objetivas e subjetivas e indicaria a pormenorização de três espécies de ato: ato jurídico, ato regra e ato subjetivo. Neste contexto, as cláusulas regulamentares da concessão seriam ato-regra, os quais corresponderiam a atos praticados com a intenção de produzir uma modificação nas regras do Direito.
A partir desta compreensão, estariam excluídos do conceito de contrato, segundo Xxxxxx, os casos em que as declarações de vontade fossem relacionais. Isto é, declarações que estivessem voltadas aos mesmos objetos ou à mesma finalidade, bem como situações em que não se caracterizem as figuras de credor e devedor (XXXXXXX, 2012, p. 87).
Parece ser importante observar que a teoria de Xxxxxx surge, segundo Xxxxx xx Xxxxxxxxx (1957) num momento em que, para este autor, seria difícil conceber a ideia de que um acordo bilateral pudesse ser algo diferente do que um contrato. A concepção convencionalista da natureza da concessão – não atenta à noção mais ampla de serviço público, até mesmo porque esta era ainda quase inexistente – acaba mascarando o objeto serviço público. Isso explicaria, na visão de Xxxxxxxxx (1957), o motivo da “concessão” ter sido percebida como um contrato puro, concebido para comportar a delegação do Poder Público ao particular e para cobrar tarifas dos utentes.
Segundo Xxxxxxxxx (1957, p. 570), a doutrina não tinha dúvidas, entretanto, de que a concessão, assim pensada, incluía uma característica especial: “a organização dos serviços em benefícios dos usuários, com o estabelecimento de direitos para eles”. Não obstante, a teoria contratual clássica teria tido, na visão do Laubadère (1957), dificuldades para explicar a relação entre os usuários e a concessionária e da concessionária com o concedente. Quando havia a necessidade de previsões específicas, em prol dos interesses dos usuários, constata Laubadère (1957), era quase como “deformação contratual”, haja vista que era preciso estipular “cláusulas específicas”, nomeando-se terceiros beneficiários (perante o contrato).
Por outro lado, segundo Xxxxxxxxx (1957), as relações entre o concedente e o concessionário não podiam ser consideradas como relações contratuais puras, uma vez que seu objeto não era comum. O objeto do ato jurídico convencional de acordo restringia-se à própria organização e funcionamento do serviço público concedido, sobre o qual a Administração Pública deveria manter o controle, estabelecendo as regras do serviço.
Segundo Xxxxxxxxx (1957), tornou-se claro para a doutrina que o objeto da convenção, assim concebida, não era passível de ser contratado. A mesma Administração Pública que convocava o particular para prestar o serviço, não estaria, em última análise, autorizada a contratar (na acepção mais rigorosa do termo) com ele. Por outro lado, a teoria do contrato administrativo não era apta a legitimar que a Administração Pública impusesse unilateralmente ao concessionário modificações contratuais exigidas pelo interesse público.
Mesmo assim, permanece na concessão de serviço público um dado que não existe nos contratos administrativos: o objeto do ato de concessão. Para Laubadère (1957), o objeto da concessão (a própria organização do serviço) vai além do âmbito contratual normal. Ao abarcar também as relações entre concessionário e concedente, ele se estende até a articulação do próprio interesse público envolto à matéria, na medida em que a organização dos serviços públicos é de competência unilateral e exclusiva da Administração Pública. A transformação do direito de Xxxxxx, portanto, está também presente na ideia de concessão. É, pois, a complexidade e as transformações da noção de serviço público que, na sua visão, dão o enredo da noção conceitual de concessão.
Em Xxxxxx Xxxx (1869-1953), discípulo de Xxxxxx, é possível verificar a busca de uma solução mais técnica para o problema63. Jèze adota o que pode ser definido como um caminho do meio entre a teoria de Lèon Duguit e o método jurídico alemão (de resistência em adotar o contrato administrativo). Para Jèze (1959), o Direito Administrativo seria concebido como o conjunto de regras que comportariam e dariam existência aos serviços públicos. Nesta função, a administração, na visão de Xxxx (1949, p. 91), poderia se valer, inclusive, da faculdade de recorrer a procedimentos do Direito Privado.
63 Veja-se, por exemplo, “Les Principes Généraux du Droit Administratif” (1949), em que o Xxxxxx Xxxx dedica um tópico para observar a importância da técnica jurídica.
Com efeito, a prestação do serviço público, segundo o autor (1959), não deixaria de ser a finalidade do Estado, requerendo, por isso mesmo, um regime jurídico apto para tanto. Em verdade, em Jèze (1959), o serviço público é o elemento que justifica a adoção de um regime especial pela Administração Pública: o regime jurídico de Direito Público. A distinção da concessão como contrato administrativo parece ser a maneira que o autor encontra de vincular o serviço público a um regime jurídico próprio. Com isso, o conceito de concessão e sua definição jurídica estariam, na visão deste autor (1959), adstritos à prestação de um serviço público.
No entanto, por outro lado, somente os contratos que tivessem por finalidade o funcionamento de serviço público poderiam, segundo Jèze (1959, p. 16) ser tratados como contratos administrativos propriamente ditos64. Para Xxxxxx Xxxx, (1959), estariam excluídas da categoria contrato administrativo, portanto, as outorgas de utilização bem público, as quais derivam para ele de simples ato administrativo.
Da doutrina alemã, as fontes analisadas invocam com mais frequências os trabalhos de Xxxx Xxxxx (1846-1924) e Xxxxx Xxxxxxx (1867–1937)65. Em linhas gerais, os trabalhos destes autores estão centrados na negativa de existência do contrato administrativo66. No entanto, ao que tudo indica, não se trata de uma rejeição sem
64 Na concepção do autor: “unicamente os contratos relacionados com o funcionamento mesmo dos serviços públicos podem ser contratos administrativos propriamente ditos, submetido a regras especiais de direito público, e que as vezes, quando se dão circunstâncias excepcionais que transforma por completo a economia do contrato, importam a teoria da imprevisão […]”.
65 Ainda que pouco citados, fazem parte deste cenário, Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx Xxxxxx. De acordo com Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003) estes autores representariam uma corrente que, na sua visão, não negar a teoria do contrato público. A autora (2003) observa que Xxxxxx considerava como exemplos de contratos públicos o provimento e o próprio ato de naturalização, enquanto Xxxxxxxxx aceitava simultaneamente quer a existência de contratos jurídicos- públicos, quer a teoria das novas figuras de atos administrativos bilaterais e de sujeição.
66 Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003;2012) observa que, no caso alemão, não existiria “rejeição do contrato jurídico-público”. Mas, tão somente ausência do que ela denomina “necessidade”. De acordo com a autora, não se trata da teoria alemã que nega o contrato “não aceitar o contrato administrativo dos franceses”, mas sim, de, aparentemente, o contexto alemão não demandar tal necessidade.
fundamentos. Mais do que isso, o tema, tanto em um quanto em outro autor, está ambientado na ideia de um direito administrativo peculiar que orbita ou ele mesmo é parte da esfera do Estado.
A doutrina alemã que deixa de validar a teoria contratual o faz em razão da percepção distinta sobre uma ideia que não teria, para autores que a compõe, ao menos imediatamente, relação com o contexto econômico em que estavam situados. A ideia de contrato administrativo tampouco parece fazer sentido num ambiente marcado pelo esforço de compreender o direito administrativo como disciplina autônoma tanto do direito constitucional quanto do direito civil. Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003) sugere como fator decisivo da “rejeição” o fato de que haveria considerável distinção entre o contrato administrativo francês e o contrato de direito público alemão (“offentlich-rechtlich Vertrag”)
A concepção que deriva do contexto alemão, em comparação à francesa, exige que se aponte uma distinção central. Na França, como se observou, a discussão do contrato administrativo está ambientada numa (re)absorção e, consequente, adequação do instituto do direito privado no domínio do direito público. Na Alemanha, o debate do contrato jurídico-público, segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx (2001, pp. 373-446) é mais bem visualizado quando compreendido dentro do ambiente de esforço de criação do direito administrativo como disciplina autônoma. O que ocorre, segundo o autor (2001), no contexto de construção do Estado de Direito. Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxx seriam, para Xxxxxxxx (2001) personagens centrais deste último debate.
De acordo com Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012, p. 167), é possível identificar dois momentos distintos na evolução do modelo alemão de contratação pública: a fase tradicional, marcada essencialmente pela negação de admissibilidade do contrato-jurídico público, e uma fase posterior à Lei do Procedimento Administrativo (VwVfG)67, de 1976, que autorizaria a Administração Pública a optar pela figura68.
67 “Verwaltungsverfahrensgesetz” – “Lei do Processo Administrativo”.
68 A relação entre a teoria francesa e a teoria alemã aparentemente fértil. Para evitar desvios, deixa-se de aborda-la, aqui, com mais profundidade. Ainda assim, a propósito do assunto, vale mencionar, mais uma vez, o entendimento de Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012; 2003), para quem a teoria francesa teria pecado por preconceito, na medida em que teria dado menor relevância aos contratos privados. Para a autora (2003), este preconceito teria gerado uma falsa percepção de que a Administração alemã atuava, sobretudo, através de prerrogativas de autoridade. Segundo Estorninho (2003), a percepção francesa
Segundo a autora (2012), a negativa de existência do contrato administrativo na Alemanha se dá por um único motivo: a desnecessidade. Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2012; 2003) sugere que a Alemanha não teria seguido o mesmo itinerário decorrente de uma tentativa de ruptura com o passado e, consequentemente, de criação de um direito administrativo com regime jurídico próprio, característica que, segundo a autora, teria sido herdada da Revolução Francesa69.
Xxxxxxx Xxxxxxxx (2001, pp. 398-399) sugere que o reconhecimento da figura do contrato de direito público, na Alemanha, somente teria sido alcançado após maiores dificuldades. Para o autor (2001), o uso desta figura no direito administrativo teria sido bloqueado por vários impedimentos. Stolleis (2001) indica dois grandes fatores de dificuldade. O primeiro deles, segundo o autor, estaria relacionado ao fato de que a doutrina do direito alemão, em razão da necessidade de criação do Estado de Direito, após a Revolução de 1848, já teria distinguido a figura do Estado que exercia soberania, circunstância que simplesmente excluía a possibilidade de realização de um pacto entre o Estado e o cidadão.
Segundo Xxxxxxxx (2001), o Estado, no qual estavam concentrados todos os direitos de soberania, na visão da doutrina, figurava acima do cidadão, de modo que o nível contratual era visto como inapropriado. Além do que, sugere o autor (2001), o Estado liberal, concentrado na defesa contra o perigo, podia se satisfazer com os comandos de ordem pública.
Para Xxxxxxxx (2001), consta ainda como fator do afastamento da teoria contratual, o fato de que o termo “contrato” era, na visão da
de encarar o sistema alemão cuidaria, em verdade, de uma forma superficial de encarar o “sistema alemão de contratualização administrativa”.
69 Para Estorninho (2003; 2012) o contrato administrativo não representou o tal “sinal de modernidade” que teriam vendido os franceses. Na visão da autora, ao contrário, ele corresponderia a uma invenção da doutrina francesa para encobrir o recurso pela Administração a técnicas autoritárias, em áreas onde tal lhe costumava ser vedado. Segundo a autora (2012, p. 167-169), a ideia de contrato administrativo teria surgido quando a Administração começou a se sentir “espartilhada” nos esquemas contratuais rígidos do Direito Privado, nos quais não podia se mover a bel-prazer, nem podia, nomeadamente, alterar as cláusulas ao sabor das variações do interesse público. Estes problemas, observa a autora (2012), não mais podiam ser resolvidos nos termos tradicionais do Direito Privado.
doutrina, uma categoria central do direito civil. Segundo o autor (2001), a jovem disciplina do direito administrativo, no seu esforço de se emancipar também do direito civil, teria incorporado o termo em seu vocabulário de modo muito relutante. De acordo com Xxxxxxxx (2001, p. 398), seriam estas as razões que teriam levado Xxxx Xxxxx, por exemplo, a se posicionar contra o “contrato-jurídico público”. Soma-se a isso a forte argumentação de que tal forma de contratação não tinha embasamento legal que pudesse justificar sua validade (STOLLEIS, 2001, p. 398).
Escrevendo em 1888, Xxxx Xxxxx defende que o centro da vida administrativa é o ato administrativo, o qual, como manifestação da vontade do Estado e de suas prerrogativas, é unilateral. Paralelamente, o autor entende que o Contrato não faria sentido no Direito Público, principalmente em razão da desigualdade entre as partes e do fato de que ele pressuporia a comercialização de coisa pública (interesse público) – bem jurídico insuscetível de ser negociado. Segundo Xxxxxxxxxx (2003; 2012), para Xxxx Xxxxx, “o Estado só manda unilateralmente”, de modo que o contrato, para este autor, seria uma “forma repugnante à própria essência do Direito Público”.
A visão de Xxxx Xxxxx (1950) sobre o contrato administrativo, pode-se dizer, parece ser reflexo direto da sua “noção de administração”. Segundo o autor (1950, p. 4-5), o estudo do direito administrativo encontra seu objeto no Estado, o qual se apresenta no mundo jurídico sob diferentes pontos de vista. O direito administrativo, para ele, corresponderia a um ponto de vista. Para Xxxx Xxxxx (1950, pp. 4-5), o Estado submetido à figura de uma Constituição é visto um “Estado Constitucional”, de modo que o conjunto de regras que servem para formar este modelo de Estado, corresponderia ao “direito constitucional”. Deste ponto de vista, para o autor, o direito administrativo, em sua integridade, dependeria das divisões do poder soberano que estabeleça o direito constitucional.
Aparentemente há, para Xxxx Xxxxx, uma vinculação clara e forte do direito administrativo com a ordem jurídica constitucional. Segundo Xxxx Xxxxx (1950, p. 22), o direito administrativo seria o “direito público da própria administração”. Para o autor (1950, p. 22), a ciência do direito administrativo teria tido sua origem “em baixo do que se professava em nome do direito do Estado (Staatsrecht)”. Xxxxxxx, para Xxxxx (1950, p. 68), um fundamento histórico para tanto: a transposição do “Estado sob o poder de polícia” para o “Estado sob o regime de direito (Rechtsstaat)”. Segundo o autor, o que havia de novo, na
sucessão de um modelo para o outro, é que o poder soberano do “rechtsstaat”, teria recebido uma organização específica.
Está presente em Xxxx Xxxxx (1950) a ideia de que o Estado se submete ao Direito Civil independentemente de expressa previsão legal, sempre que se encontre em situação de igualdade em relação aos particulares. Com efeito, as situações de desigualdades é que seriam abrangidas pelo direito administrativo. A concessão de serviços públicos, portanto, nada teria de contrato. Ao contrário, ela é compreendida como ato administrativo que cria direitos. Xxxxx Xxxxx (1968) sugere que, neste ponto, a influência de Xxxx Xxxxx tenha sido decisiva, por muito tempo, na doutrina alemã.
Não diferente disso é o pensamento de Xxxxx Xxxxxxx (1867-1937). Para Stolleis (2001, p. 396), Xxxxx Xxxxxxx teria aprofundado o ponto de vista liberal em suas obras, no sentido de priorizar a proteção legal do cidadão, assim como teria modernizado os conceitos utilizados por Xxxx Xxxxx. Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2012) sugere que, para Xxxxx Xxxxxxx, a ideia de contrato deveria supor partes iguais, de modo que suas vontades tivessem igual valor jurídico, o que não ocorreria nas relações jurídicas de direito público. Assim, para Xxxxx Xxxxxxx, na maioria dos casos em que se estava a falar de contrato de direito público, estava-se, em verdade, a falar de ordens unilaterais cuja legitimidade está sujeita ao cosentimento do interessado (XXXXXXX, 2012).
Para Fleiner (1933), assim como a constituição representa no Estado o “elemento estável”, na administração, ao contrário, o Estado se manifestaria em atividade. Daí que é possível verificar neste autor uma proximidade à linha de raciocínio de Xxxxx, haja vista que ambos pensam o direito administrativo a partir do rechtsstaat. Está presente, ainda, em Fleiner (1933, p. 38) a ideia de um direito administrativo tem a função de determinar “direito e deveres” e de “regular relações” entre o Estado e “seus súditos”.
Segundo Xxxxxxx (1933, p. 39), a administração pública, para gerir os seus negócios, poderia se servir dos mesmos mecanismos que o Código Civil colocou à disposição das pessoas privadas. Na visão de Xxxxxxx, estaria ao alcance da Administração Pública, por exemplo, a utilização do contrato (privado) para gestão de serviços (FLEINER, 1933, p. 39). Assumindo esta posição, segundo Xxxxxxx (1933, p. 40), o Estado figuraria como “simples sujeito de direito privado”. Para o autor, o “Estado que administra obra ou serviço neste terreno estaria de igual para igual com relação aos seus cidadãos”. De acordo com Xxxxxxx
(1933, p. 40), nem por isso, entretanto, a homogeneidade da personalidade do Estado se destruiria.
O direito público, na visão de Xxxxxxx (1933, p. 40), nasce nas relações em que o Estado assume posição hierarquicamente superior. Nestes casos, cada vez que o Estado atende a assuntos administrativos na qualidade de poder superior – de soberano – se faz inaplicável o direito privado. Nestas situações, o Estado precisaria, na visão de Xxxxxxx (1933, p. 40), de um “direito especial: o Direito Público”. As principais características do direito público, para Xxxxxxx (1941, p. 41), seriam a “disposição unilateral” e o “poder coercitivo implicitamente contido na respectiva disposição unilateral”. Sobretudo, sugere o autor, o Direito Público pressuporia “partes desiguais”.
Além desta concepção do direito público, para fins de identificação de domínios – se de direito público ou privado, Fleiner (1933, p. 42) sugere se busque, primeiramente na legislação, se ela determina ou não a submissão da situação a um ou a outro regime. De outro lado, o autor sugere que “todas as relações jurídicas fundadas em títulos de Direito privado (como contratos), obrigatoriamente estão subtidas ao direito privado”. Daí que, para Xxxxxxx (1933, p. 42), o “ato” estaria relacionado com o direito público, haja vista que este repousa, na sua visão, unicamente na vontade soberana que o dita. Enquanto que o contrato, para o autor, obrigaria mutuamente os contraentes a cumprir seu conteúdo, mesmo que algum deles estivesse contrariado a tanto.
A tônica do discurso de Xxxxx Xxxxxxx parece estar, portanto, na proteção dos direitos do indivíduo frente ao Estado e não necessariamente na ideia de que, por algum motivo, o Estado poderia sair prejudicado da relação jurídica. Para Fleiner (1933, p. 43), a “atuação soberana” apresentaria como características essenciais à unilateralidade e o maior crédito que gozam seus atos jurídicos, além das circunstâncias que, na visão do autor, estariam à disposição da administração para a execução do poder coercitivo do Estado.
Daí não surpreender a ideia de que, para este autor, o direito administrativo não se indicaria - ao menos na Alemanha –, ao contrário do que ocorreria na França, segundo ele, uma “classe especial do direito”. Para o autor (1933, p. 50), considerado em seu mais amplo sentido, o direito administrativo, na Alemanha, compreenderia todas as normas jurídicas que regulam a atividade das autoridades públicas administrativas, pouco importando que estes preceitos (as normas) pertençam ao direito público ou ao direito privado.
Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003, pp. 44-48) chama atenção, ainda, para o fato de que a “rejeição” do contrato administrativo pela teoria
alemã não foi, em si mesma, reflexo do sintoma de uma Administração autoritária. Segundo a autora (2003), mesmo a aceitação posterior do contrato administrativo na Alemanha não pode ser concebida como uma “tentativa tardia” para alcançar o suposto nível de evolução francesa. Para a autora (2003), os alemães já estariam um passo adiante.
Na visão da autora (2003), no caso alemão, não se tratava de não querer admitir os contratos administrativos franceses, mas, simplesmente, de não sentir tal necessidade. Segundo a autora (2003), isso teria ocorrido porque os alemães viam situações que eram passíveis de ser tratadas por contratos de direito privado e não porque tais casos fossem resolvidos de forma autoritária pela Administração. Como observou Fleiner (1933, p. 50), isso não descaracterizaria a homogeneidade do Estado e tampouco tal processo deixaria de pertencer ao “direito administrativo”, o qual compreenderia – na sua mais ampla concepção – o direito público e o direito privado.
Sobre a distinção que há entre os modelos originais dos dois países, Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003) sugere ser fundamental reconhecer que o “contrat administratif” e o “offentlich-rechtlich Vertrag” corresponderiam a realidades distintas, de modo que, na sua visão, sequer existiria no plano terminológico uma verdadeira identidade, mas, apenas, uma mera semelhança entre as duas figuras.
A este propósito, a autora (2003) constata que a doutrina administrativista francesa estaria tão convencida de que sua criação representava uma “evolução positiva”, que pretendeu ver na consagração do contrato de direito público alemão um tênue reconhecimento do seu próprio contrato administrativo. Invocando outros autores, Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx (2003) destaca que a pretensa equiparação entre os dois modelos seria, no entanto, equivocada.
Segundo a autora (2003), seriam dois sistemas amplamente distintos que dão resultado a “dois fenômenos jurídicos distintos”, sem qualquer conexão mutua. Tais modelos derivariam, antes de mais, da própria evolução que se verificou na França e na Alemanha – de modo diferente – em relação às concepções sobre a função de Estado e à forma de organização e funcionamento da Administração Pública. Essa constatação, portanto, vai ao encontro do que afirmamos anteriormente com base em Stolleis (2004), de que a construção doutrinária sobre o tema, em cada um destes países, estaria intimamente atrelada à compreensão da própria formação da teoria do Estado.
Este desvio foi feito para demonstrar o contexto de onde nasce a formação dos critérios que são levados em conta para a aceitação da
ideia de contrato administrativo; quais são seus atores e as razões que aparentemente a circundam. Pretendeu-se esclarecer qual o lugar de fala que a discussão teórica em análise ocupa no cenário jurídico e o que dela reverbera como parâmetro para a definição de concessão no contexto brasileiro. Sobretudo, buscou-se destacar que, numa análise mais aprofundada, os modelos de contrato público dos dois países analisados não necessariamente se comunicam, haja vista que cuidam, em verdade, de figuras distintas, derivadas, cada qual, de um sistema jurídico, também, peculiarmente pensado.
De uma maneira geral, são, pois, os mesmos critérios (ou parâmetros pré-fixados) oriundos destes dois países que, em distintos quadros político-econômicos, evidenciam o norte para a concepção teórica administrativa do instituto da concessão no Brasil. A explicitação de tais critérios possibilita uma melhor compreensão da razão de ser da discussão e, em que medida e sentido, ela se desenvolve nas mãos dos doutrinadores brasileiros, ainda que em confusão de ideias importadas.
No Brasil, os mesmos conflitos entre público e privado são percebidos e, diante deles, são, também, trabalhadas as mesmas soluções originariamente articuladas nos países analisados. Ocorre, entretanto, que a doutrina brasileira tende a legitimar a figura, aqui no Brasil, articulando e confrontando os dois modelos, sem, no entanto – ao que tudo indica – levar em consideração a distinção de peculiaridades entre um e outro sistema (alemão e francês).
2.2.2. Os critérios de definição adotados no Brasil.
Se por um lado é intuitivo notar que há algo diferente entre as relações jurídicas – entre público e privado – em uma sociedade, por outro lado, há inegável dificuldade no consenso de formulação de critérios para estabelecer esta distinção. O exame destes critérios denota modelos de relação importantes estabelecidos no curso da história entre a administração pública e o particular para o desempenho de tarefas públicas. Com isso, no campo jurídico, essas relações acabam sempre por influir, de modo correlato, no desenho dos conceitos de direito público e direito privado (COUTO e SILVA, 1997, p. 44).
A preocupação aqui não é aprofundar o exame da discussão entre público e privado inserta na teoria do contrato administrativo, nem esgotar a matéria no que atine à totalidade da produção literária brasileira a respeito do tema. O objetivo almejado é, tão somente, descrever os critérios de definição utilizados pela doutrina brasileira
para a configuração da ideia de concessão como gênero e, a partir daí, verificar como se dá a natureza jurídica. Sempre atentando, todavia, à origem da teoria, para que não se perca, assim, o lugar de fala que ela ocupa e as estratégias e escolhas que são por ela revelados.
2.2.2.1. A concessão como espécie própria ou uma espécie sem gênero.
A análise do itinerário da narrativa jurídica sobre a concessão na França e na Alemanha permitiu algumas constatações. Sobre o contexto francês, a primeira constatação é a de que a concessão é vista como ato jurídico. Este ato jurídico, que é a base da concessão, representa um acordo, um modelo de convenção entre a Administração Pública e o particular. No entanto, os efeitos jurídicos que decorrem (ou que se espera) deste ato não seriam explicados suficientemente pela ideia de contrato tradicionalmente cultuada pelo direito privado.
Para a doutrina contratual francesa, a percepção contratual (privada) não seria apta para dirigir a realidade jurídica de necessidades que residem no objeto da convenção. Daí que a natureza jurídica de tal ato teria sido (re)pensada para definir e amparar algo que, até então, era pouco ou nada concebível: um acordo bilateral que fugisse à imagem tradicional de contrato.
Por outro lado, é essencial anotar que a teoria francesa, sobretudo a defendida por Xxxxxx Xxxx, emprega o termo concessão apenas para a qualificação das convenções que denotam os objetos serviço público e obras públicas, vinculando a definição do conceito ao objeto da concessão. Enquanto que a teoria alemã analisada basicamente não rejeita o contrato, mas, sobretudo, pensa o próprio direito administrativo de uma forma distinta, na qual a ideia de “contrato administrativo” é ambientada dentro do direito privado, não exigindo para si uma qualificação especial.
De uma maneira ou outra, é justamente na definição do objeto da convenção que tais correntes doutrinárias vão concentrar seus esforços. Ora para legitimar a figura do contrato administrativo e, a partir desta, apontar uma natureza jurídica para a concessão, e ora para indicar que mesmo o direito privado que rege os contratos da administração está inserto dentro do direito administrativo, como sugeriu Xxxxxxx (1933).
A narrativa doutrinária do Brasil, ao que parece, não vai se afastar desta lógica. Duas obras podem seguramente ser citadas como pioneiras sobre o assunto no país: a de Xxxxx Xxxxxxx, intitulada “Natureza Jurídica da Concessão de Serviço Público”, datada de 1933,
e a do Professor da UFPR, Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx,
“Concessão de Serviços Públicos em Direito Administrativo”, de 1936.
Ambos os trabalhos trazem a observação da “progressiva dilatação nos círculos de existência social, caracterizante da atividade do Estado por sobre a vida dos indivíduos”, o que em última análise, segundo os autores, afetaria o próprio sentido das normas administrativas. É também preocupação comum destes autores o “uso indiscriminado do termo concessão”, cujo significado usual estaria acarretando uma série de inconvenientes e de confusões (MASAGÃO, 1933), ou, ainda, “consequências funestas em vista dos seus efeitos jurídicos” (XXXXXX XXXXXXXX, 1936). Daí a necessidade de investigar a natureza jurídica70 da concessão.
O trabalho de Xxxxx Xxxxxxx (1889-1979)71 cuida de dissertação
apresentada em 1929 para concurso da cadeira de Direito
70 Em obra datada de 1981, “Contrato Administrativo”, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx vai dar o assunto como superado, ao menos com relação às concessões de serviço público. Xxxxxx Xxxxxxxx (1981) sugere que não mais merece procedência as especulações em torno da natureza jurídica das concessões. Para o autor (1981), já naquela época estariam consolidados os princípios, harmonia entre a realidade e a teoria, entre o pensamento doutrinário e a atuação administrativa com respeito às concessões.
71 XXXXX XXXXXXX nasceu em São Carlos (SP), em 1889 e faleceu em novembro de 1979. Advogado, formado em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1919. Livre docente em Direito Administrativo e ciência da administração pela mesma faculdade em 1927. Após a Revolução de 1930 foi nomeado Desembargador do TJSP. Em 1933 conquistou a cátedra de Direito Administrativo, ocasião em que submeteu para o concurso a tese “A Natureza Jurídica da Concessão de Serviço Público”. No mesmo ano foi nomeado Secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado, cabendo-lhe organizar a participação paulista na Constituinte de 1934.
De acordo com as informações do CPDOC-FGV, com o advento do Estado Novo e a imposição da Constituição de 1937, Xxxxx Xxxxxxx ficou impossibilitado de exercer dois cargos públicos, o de Desembargador e Professor de Direito, tendo optado pelo seu posto na Faculdade do Largo São Francisco.
Politicamente, há registros de que o Autor não apoiou o regime do Estado Novo, tendo em algumas oportunidades denunciado a violência cometida pelas forças de repressão contra os estudantes paulista. Foi filiado à União Democrática Nacional (UDN), em cuja legenda se elegeu Deputado por São Paulo à Assembleia Nacional Constituinte. Integrou a Comissão Constitucional, a subcomissão encarregada do capítulo “Da Declaração de Direitos – o direito
Administrativo - livre docência - da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. O objetivo do autor é demonstrar que a concessão é contrato de direito público e, com isso, repelir as demais hipóteses de conceituação então vigentes na doutrina. Este trabalho tem significativa influência na doutrina clássica do direito administrativo brasileiro. Sua invocação, por diversos autores, é uma constante nas décadas seguintes. Não é exagero afirmar que este trabalho se tornou um parâmetro de definição para as produções da área.
A argumentação do autor para definir a natureza da concessão de serviço público é estruturada a partir da individualização da concessão. Ele tenta demonstrar os fatos por meio dos quais ela objetivamente se manifestaria e, na sequência, cuida de enumerar cada uma das teorias então existentes para a definição da natureza jurídica da concessão, dando maior atenção à doutrina francesa e à alemã. Por fim, o autor busca o enquadramento do fenômeno da concessão, como manifestado no Brasil, na teoria do contrato de direito público.
O mais evidente em Xxxxx Xxxxxxx (1933, p. 15) é a afirmação de que a concessão não se apresentaria como gênero do qual fosse possível compreender várias espécies72. Surge, sim, como uma espécie em si mesma, cujas manifestações se verificam, sempre, na incumbência de um serviço público a uma pessoa de direito privado, que em nome da Administração o exerça. Aparentemente, a ideia de enfrentar o tema
político e garantias”. Após a promulgação da nova Constituição, renunciou ao mandato.
Em 1947 o Jurista foi novamente nomeado Desembargador do TJSP, cargo do qual se aposentou em 1956.
Dentre suas publicações são referenciadas as seguintes: o Conceito do direito administrativo (1925), O projeto do código de processo (1926), Em face da Constituição, não existe no Brasil o contencioso administrativo (1927), Natureza jurídica da concessão do serviço público (1933) e Curso de direito administrativo (2v., 1959), além de artigos para a Revista da Faculdade de Direito de São Paulo e a Revista dos Tribunais.
72 Esta constatação é também percebida no trabalho de Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (1936). Isto implica dizer que, para estes autores, parece existir um só “modelo de concessão”. Percepção distinta, no entanto, é encontrada em Themístocles Brandão Cavalcanti (1942), Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (1974). Para tais autores, a concessão é gênero, que suportaria espécies diversas. No caso de Xxxxxxx X. X. xx Xxxxx, a concessão seria “ato-administrativo”.
destacando a concessão como espécie em si mesma pressupõe uma tentativa de evitar o alargamento do conceito.
Xxxxxxx (1933) demonstra querer evitar a mesma discussão enfrentada pelos franceses, entre a concessão de obra e a concessão de serviço73. É assim que o autor afirma que este “critério” ajudaria a eliminar toda a massa heterogênea de situações que muitos escritores considerariam abrangidas pelo termo. De acordo com Xxxxxxx (1933), para estes elementos díspares – indefinidos – não cabe o qualificativo concessão. O autor cuida de extremar a concessão de alguns atos administrativos, com que ela teria afinidades, mas não poderia se confundir (XXXXXXX, 1933, pp. 09-11). Dentre os atos mais importantes para a distinção estão as autorizações e as admissões.
A concessão, para Xxxxx Xxxxxxx (1933), estaria diretamente e tão somente ligada ao serviço público. Ela se manifesta quando a administração pública prefere, ao invés de fazer a gestão direta do serviço, confiá-lo a pessoa física ou jurídica, de direito privado, que apresente provadas condições para tanto e aceite o encargo (MASAGÃO, 1933, p. 25). Após fixar como a concessão se manifesta, o autor pormenoriza os critérios que, para ele, delimitariam o fenômeno da concessão.
Segundo Xxxxxxx (1933, p. 19) o que caracteriza a concessão é, sobretudo, seu objeto: o exercício do serviço público. É em torno deste objeto e por ele que a concessão toma sentido, estabelecendo seus caracteres (XXXXXXX, 1933, pp. 26-27). Com efeito, é o objeto da concessão – a execução do serviço público74 – que define, por conseguinte, a natureza da concessão.
Xxxxx Xxxxxxx (1933, p. 50) afirma que a concessão é um contrato de direito público. Como seu objeto, seus fins e sua alçada concernem ao funcionamento de um serviço da administração, esse contrato se rege pelo direito administrativo, ramo do direito público. A
73 Observa o Autor: “Em França, é também mais restrito o sentido geral da concessão, ligado quási sempre, ao exercício do público pelo particular. Embora os escritores franceses aludam a concessão de obra e concessão de serviço e também concessão de uso, estão, sem dúvida afastados da teoria italiana […] em que a concessão aparece como uma entidade proteiforme, aplicada a situações das mais diferentes, entre as quais é difícil vislumbrar qualquer relação lógica ou jurídica”
74 Para o autor (1933, p. 65), o objeto da concessão não é a coisa do domínio público, nem o seu uso, mas sim a “prestação de utilidades, que supõe tal uso”.
concessão é um contrato porque os elementos constitutivos desta figura jurídica assim permitem (1933, p. 49). Há uma finalidade, um objeto e uma relação jurídica que se estabelece pela concessão. Segundo o autor (1933, p. 65), a definição dos elementos constitutivos da concessão não permite seja ela regulada pelo direito privado, mas sim, pelo direito público, notadamente em razão do objeto75.
A partir destas constatações Masagão (1933) sugere que os elementos constitutivos da concessão expressariam a realização de um contrato; no entanto, este contrato não é regido pelo direito privado, mas pelo direito público. É importante mencionar que o estabelecimento da natureza da concessão, como trabalhado pelo autor (1933), deriva e retoma, em muito, o debate francês76. Principalmente no que diz respeito
75 Aqui é interessante observar que, ainda que amparado pela doutrina francesa de Xxxxxx Xxxx, Xxxxx Xxxxxxx parece se concentrar mais no objeto do contrato, conquanto que a teorização francesa, que Xxxxxx afirma estar apoiado, concentra-se na relação, e não no objeto, haja vista que dela participa a Administração Pública.
76 Não há segredo quanto a este fato. O próprio Autor (1933, p. 52, nota 24, rodapé), cita Xxxx, observando o seguinte: “Em França, muitos escritores modernos, sem falar propriamente em ‘contrato de direito público’, estão enquadrados na corrente a que estamos aludindo, pois que sustentam a existência de contratos administrativos, entre os quais incluem a concessão, e timbram e caracterizar tais contratos como regidos pelo direito público, e não pelo direito privado”. Como observamos acima, o debate acerca do assunto será levado a diante principalmente por Xxxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxx. Xxxxxx Xxxx (1949, p. 16) entende que os contratos relacionados especificadamente com os serviços públicos são os únicos que podem ser denominados de “contratos administrativos propriamente ditos”, haja vista que submetidos às “regras do direito público”. Segundo Xxxx (1949, p. 16), seria preciso descartar a ideia de que a concessão é uma “empresa privada” a qual, em razão de sua importância, submeter-se-ia ao controle da administração. Para o autor (1949), o fundamental é que as concessões tratam do serviço público propriamente dito. Esta ideia se traduziria, segundo o autor, na fórmula de que o interesse geral é decisivo: ele prevalece sempre sobre os interesses privados. Deve-se observar, ainda, que a ideia do contrato administrativo regido pelas normas do direito público teria sido impulsionada, sobremaneira, pelo Conselho de Estado Francês (XXXXXX XXXX, 1946; XXXXX XX XXXXXXXXX, 1957). Ainda, sobre Xxxx Xxxxxx, destacamos, mais uma vez, o debate entre ele e Xxxxxx (XXXXXXX, 2012), e, por fim, observamos o posicionamento de Xxxxxxx Xxxxxxx, cuja perspectiva em torno da natureza da concessão estaria mais perto da de um contrato privado.
à ideia e à defesa de que a figura do contrato estaria inserta na Teoria do Direito, e não, necessariamente, presa ao ramo do direito privado77.
A fim de definir a natureza da concessão, Xxxxx Xxxxxxx (1933) procura, primeiramente, delimitar a aplicação do termo, haja vista a confusão que vê em torno do seu significado. Em seguida, ele busca na estrutura da concessão – como espécie em si mesma – os caracteres do que seria a essência do instituto, ou, em outras palavras, os “elementos que a constituem”. Somente com suporte nesta base – delimitação e elementos constitutivos – que o autor se sente autorizado para, com segurança, lançar-se ao desafio de conceituar a natureza jurídica da concessão.
Há consistência teórica na argumentação de Xxxxx Xxxxxxx. Por um lado, o autor (1933) distingue o objeto da concessão do objeto dos demais atos administrativos praticados pelo poder público àquela época. De outro, refuta as demais hipóteses de classificação – ato unilateral; ato misto; contrato privado – tendo por fundamento a caracterização dos elementos constitutivos da concessão. Assim, objeto, vontade e relação jurídica estabelecida definem, para a “concessão de serviço público”, uma “natureza jurídica de contrato de direito público, oneroso, sinalagmático, comutativo e realizado intuitu personae”.
Embora a construção lógica de sua argumentação seja um pouco diferente da de Xxxxx Xxxxxxx (1933), Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx00 (1936) segue a mesma linha para enquadrar a concessão no
77 Neste ponto, vale destacar que a ideia de existência de um contrato público é defendida pelo autor com auxílio da teoria alemã. Embora o Masagão (1933, p. 50) negue a hipótese de que a natureza da concessão seja ato administrativo, como é o entendimento alemão, ele socorre-se à teoria alemã para dar lastro a sua argumentação. Para tanto, observa: “a existência de contratos de direito público é admitira correntemente na Alemanha, e com os mais sólidos argumentos. Mas, em regra, nessa categoria não incluem os Autores germânicos a concessão, que preferem considerar ato unilateral da administração pública”. De modo exemplificativo, o autor invoca, ainda, Xxxxxx e Xxxxxxx.
78 Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx nasceu em Curitiba (PR), no ano de 1916 e faleceu na mesma cidade em 2002. Em 1936, aos 20 anos de idade, graduou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Paraná. No mesmo ano, ingressou na carreira profissional como Advogado, profissão que exerceu por boa parte da vida. Concomitantemente, em 1937, foi nomeado serventuário vitalício no Cartório do 1.º Ofício de Órfãos, Ausentes e Interditos e Provedoria de Curitiba.
molde do contrato administrativo. A posição do autor está baseada e se relaciona diretamente com a “nova figura de Estado”. Na sua
Em 1946, Xxxxxx Xxxxxxxx foi designado Procurador-Geral do Estado e, em 1947, nomeado a Procurador-regional da Justiça Eleitoral do Paraná. De 1950 a 1954 foi Presidente e Direito da Caixa Econômica Federal do Paraná. A partir de 1955 ocupou cargo na Secretaria de Estado dos Negócios do Governo do Paraná. Entre 1964 e 1966, no cargo de Presidente, trabalhou no Instituto Nacional do Mate. No mesmo período, de 1964 a 1972, foi Diretor Interino da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Na mesma instituição, em 1970, assumiu Diretoria do Instituto de Ciências Sociais e Direito Comparado e, no ano de 1986 a Diretoria de Ciências Jurídicas. Em 1975 foi eleito o primeiro Presidente e, posteriormente, Presidente Nato do Instituto do Direito Administrativo, criado durante o I Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado em Curitiba. Em 1993 foi convocado pelo então Presidente da República, Xxxxxx Xxxxxx, para fazer parte da Comissão de Revisão Constitucional. Na Magistratura, de 1967 a 1972, Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx ocupou o cargo de Juiz Federal do Estado do Paraná. A partir de 1967 atuou, também, como Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná. No decorrer da carreira foi, também, membro do Instituto de Advogados do Paraná, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Instituto do Direito Público.
O autor iniciou sua carreira política como Presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (Centro Acadêmico Xxxx Xxxxx – CAHS), posição que ocupou por duas vezes. Em 1945 filiou-se a União Democrática Nacional (UDN) e foi candidato a Deputado à Constituinte, não tendo sido eleito. O Autor figurou, ainda, como um dos organizadores do Diretório Regional da “Liga Nacional da Defesa da Democracia”. Candidato a Deputado Estadual pelo PSD em 1950, foi eleito para duas legislaturas (1954 e 1958), e como suplente em 1962. Foi, também, entre 1952 e 1962, membro da Comissão de Relações Exteriores, oportunidade em que representou, por diversas vezes, os interesses do Brasil no exterior.
Sua carreira acadêmica se iniciou como Professor da Faculdade de Direito do Paraná em 1938, quando se tornou Doutor em Direito pela mesma Instituição, tendo sido nomeado livre docente com a defesa da tese “Do Conceito de Contrato Administrativo”. Em 1943 assumiu a Cátedra de Direito Administrativo, cargo que exerceria por 40 anos. A partir de 1972, o Autor lecionou no curso de Letras da mesma Instituição.
Dentre suas publicações, podem ser citadas as seguintes: Introdução ao Direito Processual Administrativo; Fundações e Empresas Públicas; A Prova Administrativa; Controle de Moralidade Administrativa; O Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa e A Tutela Jurisdicional na Constituição de 1988.
percepção, o panorama econômico da época – de tendência de expansão do direito público – exigia um Estado com maior atividade sobre a vida dos indivíduos.
Esta dilatação, diz, fixaria novos princípios estruturantes do Estado. Daí o aparecimento do “Staatsrecht” e a superação, a seu ver, do ideal kantiano pelo que denomina ideal weberiano (XXXXXX XXXXXXXX, 1936, pp. 5-9). É esta concepção do Estado, revestida pelo interesse geral que, segundo o autor, legitimaria a instituição do “monopólio” e, em contrapartida, também de “empreendimentos econômicos”79 que deveriam escapar das mãos do Estado. Estes, por meio da técnica da concessão, seriam transferidos para as mãos privadas.
Para o autor (1936, p. 11) a “concessão é um ato administrativo originador de direitos especiais”. Esta afirmação parece baseada na doutrina alemã, especialmente em Xxxxx Xxxxxxx, enquanto que sua noção de “direito do Estado” xxxxxx Xxxx Xxxxx. Porém, mesmo assim, Xxxxxx Xxxxxxxx (1936, p. 11) ressalta a necessidade de estabelecer contratos distintos e não onerosos ao Estado. Segundo o autor (1936, pp. 11-12), a razão de ser da concessão seria evitar a elaboração de “contratos” verdadeiramente cerceadores, não só da vontade do governo, como, também, da população. Esta seria a verdadeira utilidade das concessões.
A concessão, assim entendida, manifestar-se-ia quando, por um ato público administrativo de autoridade governamental, novos e especiais direitos são criados a favor de determinadas pessoas jurídicas (privadas). Isto é, o fenômeno jurídico da concessão seria obtido por ato unilateral da soberania do Estado, por um decreto. Esta relação jurídica inicial, no entanto, não afetaria, na visão do autor, a percepção da concessão como um “contrato administrativo”. Justamente, a técnica de
79 É notória a importância que o autor, por todo o seu texto, dá ao que considera ser o “momento econômico vivido pelo Brasil”. É constante na sua argumentação o “pouco desenvolvimento industrial do Brasil” e como isso afetaria e legitimaria a severa falta de regulamentação da exploração dos serviços públicos. O autor, na mesma medida em que se volta para o discurso de atraso econômico tecnológico, não deixa de tecer críticas aos “contratos onerosos para o Estado”, que, segundo ele, afetariam a economia. Segundo Xxxxxx Xxxxxxxx (1936, p. 10), a economia brasileira era altamente dependente das concessões conquanto que estas ficavam ao “sabor da administração bastante exclusiva das companhias, cujo fim se consubstanciava no lucro particular da empresa”.
interpretação da natureza jurídica da concessão, para Xxxxxx Xxxxxxxx (1936, pp. 16-27), está em diferenciar a “concessão” da “autorização”, relacionando o ato administrativo originador da concessão com sua finalidade e seus efeitos.
Para o autor, a concessão “bem antes de ser contrato é um ato de direito público”. Decorre daí que seus efeitos devem necessariamente ser públicos, ainda que tenha por objeto – em alguma medida – estabelecer direitos a favor dos particulares. Partindo da soberania do Estado, a todo modo, a concessão estaria sujeita aos imperativos do Estado, à vontade da Administração Pública e do interesse coletivo.
De acordo com o Xxxxxx Xxxxxxxx (1936), a concessão seria definida pelos seguintes caracteres: i) ato administrativo, de vontade do Estado; ii) ato de direito privado, onde se revela a vontade do particular;
iii) união das vontades antagônicas, bastantes para ligar-se entre si e formar o “contrato de concessão”. Para ele, os dois atos se fundiriam para produzir os mesmos efeitos.
Neste ponto, deve ser observado que autor procura, também, se afastar da dicotomia presente na teoria francesa, que tenciona a diferenciação entre “concessão de obra pública” e “concessão de serviço público”. Assim como em Xxxxx Xxxxxxx (1933), Xxxxxx Xxxxxxxx (1936) entende que a distinção entre estas duas figuras é desnecessária, haja vista que elas tratam da mesma coisa, tendo o mesmo sentido legal e jurídico.
Com efeito, ainda que surja como um “ato administrativo”, a concessão é a união de dois atos – de duas vontades que, ainda que antagônicas, estabelecem um acordo. Sem acordo, diz o autor (1936), não há concessão propriamente dita. O acordo, por sua vez, estabelece condições e, com isso, cuida de caracterizar uma relação jurídica, em que as partes contraentes se correlacionam para o mesmo fim. Com isso, tem-se um “contrato oneroso, sinalagmático e comutativo”. Aqui, por sinal, o autor cita Xxxxxxx (1933).
A relação jurídica estabelecida pelas partes – formadora da concessão – não poderia, no entanto, segundo Xxxxxx Xxxxxxxx, ser enquadrada ou regida pelo Direito Privado. A lógica central desta afirmação reside na dinamicidade que o objeto da concessão emprestaria à própria relação jurídica que por ela se estabelece. Não poderia, segundo o autor (1936, p. 23), pretender igualar Estado e indivíduo. Isso seria o mesmo que ir de encontro a todo o progresso estabelecido pelo pensamento jurídico; seria restringir o Direito Público para dar maior relevância ao Direito Privado.
A definição da natureza jurídica da concessão de serviço público dependeria com exclusividade da elucidação dos efeitos do seu objeto essencialmente público (XXXXXX XXXXXXXX, 1936, p. 23). A concessão é vista, aqui, como contrato de direito público, porque seu objeto, seus fins e sua alçada concernem ao funcionamento de serviço da Administração Pública. Em consequência, a concessão é regida pelo Direito Administrativo, ramo do Direito Público.
A noção conceitual de concessão e a definição de sua natureza jurídica, de acordo com o Xxxxxx Xxxxxxxx (1936), têm duas notas peculiares: i) legitimar uma relação de fortalecimento do Estado e ii) aderir à ideia de concessão como contrato regido pelo Direito Administrativo, sendo este último aproximado do Direito Constitucional. Tais notas são perceptíveis na medida em que o autor lança mão de duas correntes teóricas – a alemã e a francesa –, em princípio, antagônicas, para demonstrar a natureza jurídica da concessão.
Diferente de Xxxxx Xxxxxxx (1933), Xxxxxx Xxxxxxxx (1936) sugere que a concessão, originariamente, seria ato administrativo. Embora se perfectibilize como contrato, ela seria, antes de tudo, ato administrativo. É com a manifestação do particular – também ato – que a concessão se estabelece. A apropriação e releitura da teoria alemã pelo autor se explicariam na medida em que, aparentemente, ao mesmo tempo em que adere à versão contratualista, ele sugere, no entanto, lugar especial para o Estado nesta relação. Tal linha de argumentação ganha maior sentido quando lida junto a todo o contexto que o autor (1936) faz questão de trazer ao texto: de um Estado, cujo interesse público, teria sido prejudicado por contratos onerosos que afetam diretamente sua economia.
De outro lado, Xxxxxx Xxxxxxxx (1936) vai buscar na teoria francesa a classificação contratual da concessão. Se a finalidade da concessão é buscada na ideia de ato, em Xxxxx Xxxxxxx, sua natureza jurídica e definição são encontradas, no fundo, em Gaston Jèze. Veja-se, no entanto, que em Jèze (1959) o fundamento último do poder do Estado não está na sua “autoridade” ou no jogo de “inviolabilidade da soberania”. Esta constatação pode ser mais bem visualizada quando Xxxx (1959) trabalha a hipótese da legitimidade de modificação da organização de um serviço público a qualquer tempo pelo Estado.
De acordo com o catedrático da Faculdade de Direito do Paraná (1936), nenhum obstáculo jurídico pode impedir que o poder público assim procedesse. E o fundamento disso é, para o autor (1936), “racional”, e não, de “autoridade”, ancorando-se na ideia de “direito público subjetivo”: “cada geração tem o direito de adequar os serviços
públicos às suas necessidades e aos seus ideais”. Como é comum no pensamento deste autor– e também no de Duguit, por exemplo – referida percepção guarda íntima relação com a noção conceitual alargada de serviço público, característica da Escola de Bordeaux.
Pode-se concluir do exposto que, embora Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (1936) busque no direito francês as bases da definição de sua ideia de concessão, na verdade, o autor articula um conceito próprio. Este se funda na necessidade de um Estado forte, essencial para a dinamização da economia, e ora no acordo de vontades. Em que pese à ideia de contrato apareça, segundo Xxxxxx Xxxxxxxx (1936, p. 21, nota ‘25’), ela não imperaria tão isoladamente quanto na concepção francesa ou na visão de Xxxxxxx (1933).
A técnica utilizada por Xxxxxx Xxxxxxxx (1936) para definir a natureza da concessão, portanto, parece se relacionar diretamente com três dimensões: i) objeto explorado; ii) relações jurídicas estabelecidas e, por fim, iii) a finalidade última que ela consubstancia. Trata-se, como pode ser visto, de uma técnica singelamente distinta daquela adotada por Xxxxx Xxxxxxx (1933). Ao final, ela descreve uma relação jurídica em que a presença do Estado seria mais forte, vindo a ideia de contrato somente a ter lugar a partir do ato administrativo público do Estado.
Por fim, importa observar que Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (1936) não trabalha a hipótese de concessão de uso (exploração) de bem público – ao menos nos textos consultados80. É linha comum no trabalho analisado a ideia de que o termo concessão abrangeria tão somente a “concessão de serviço público”. A concessão é, para Xxxxxx Xxxxxxxx (1936), ato administrativo gerador de direitos especiais. Tais direitos, na sua visão, seriam revestidos, em última análise, de privilégios, passíveis de exercício pelo particular – que atua em nome do Estado, substituindo-o; não se transformando nele –. Daí que, a princípio, neste momento, o ato de concessão, para Xxxxxx Xxxxxxxx (1936, pp. 17-19), não deveria albergar a transferência do bem. As fontes analisadas sugerem que as esperanças e os anseios destes dois autores parecem centrados no desejo de se obter uma
80 A opinião do autor muda posteriormente. Em trabalho datado de 1981, “Contratos Administrativos”, Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx articula a concessão como gênero, da qual derivariam outras espécies, dentre as quais a de cessão de bem público.
definição conceitual do termo concessão81. O espaço de experiência que eles trazem nos textos analisados denota a necessidade de estabelecer um ambiente jurídico em que o termo possa, ao ser definido, implicar uma relação jurídica delimitadora de resultados e regida por uma ciência própria: o direito público. Ao que parece, segundo as fontes, a adoção de um regime jurídico próprio para a concessão diminuiria os riscos que eles viam para o Estado.
Ao que tudo indica, tais autores não buscam os subsídios para a construção da sua argumentação no direito positivo. Seus discursos estão amparados na teoria do direito administrativo, sobretudo no que compreendem ser a corrente francesa. Os dois trabalhos, por isso, não somente descrevem qual teoria melhor se adaptaria ao contexto jurídico ou fático analisado (o brasileiro). Mais do que isso, aparentemente, as construções teóricas de ambos buscam legitimar a natureza jurídica contratual da concessão. À semelhança do que ocorre na doutrina francesa, o objeto – serviço público concedido – é mantido, pelos autores, como chave da conceituação da concessão. É a formulação conceitual trabalhada que se distingue.
A produção teórica nacional nas décadas seguintes consolida-se principalmente em torno do discurso articulado nesses dois trabalhos. Os estudos sobre a natureza jurídica da técnica concessionária vão se estabelecer pela (re)afirmação constante do perfil contratual do instituto. Dentro deste quadro, outro autor cuja análise não pode ser dispensada é Xxxxxxxxx Xxxxxx (1891 – 1968)82. Além de ser
81 Mais uma vez é válida a observação de que tais autores não economizam palavras para descrever os efeitos deletérios do que seria uma “ausência de definição final para o termo concessão”. Os dois autores partem dessa problemática para realizar o seu trabalho. Ao que parece, é daí que partiriam suas inquietações que os provocam para procurar uma distinção terminológica para a palavra.
82 Xxxxxxxxx Xxxxxx nasceu em Minas Gerais em novembro de 1891. Descendente de família tradicional com significativa influência econômica e política no estado, formou-se pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte em 1914. Foi admitido como Professor de Direito Público Constitucional nesta mesma instituição em 1918. Sua carreira política se iniciou em 1919, ano em que o jurista mineiro foi eleito a deputado estadual pelo partido Republicano Mineiro – PRM. Já em 1921 foi eleito como Deputado Federal pelo mesmo partido, tendo sido reeleito em 1924. Em seguida, alcançou os cargos de Secretário do Interior (1926-1930), Ministro da Educação (1930-1932), Ministro da Justiça (1930- 1932) e como Consultor-geral da República (1937-
frequentemente lembrado pela doutrina jurídica das décadas seguintes, sua posição sobre o assunto é relevante, seja pela interpretação que empresta ao tema, seja pelo modo como articula as matrizes teóricas estrangeiras. Embora Xxxxxxxxx Xxxxxx aponte a ideia da concessão como contrato, não foi possível encontrar em sua obra uma subdivisão de concessões em gênero, espécies ou algo semelhante. Parece existir neste autor certa versatilidade de percepções.
Segundo Xxxxxxxxxx e Xxxxxx (2010), Xxxxxxxxx Xxxxxx aproxima-se de um tipo ideal de jurisconsulto adaptável, cujas características profissionais estariam intimamente relacionadas a uma vida maleável e autodidata - o que estimularia a construção de teses combinando livre e ecleticamente referências nacionais e estrangeiras. Esta característica salta aos olhos quando Xxxxxxxxx Xxxxxx trata do tema concessão.
Em regra, Xxxxxx tende a reproduzir a opinião sobre a natureza jurídica contratual da concessão (1933, 1943; 1943b; 1950). No entanto, adota argumentação jurídica diferente para sustentar suas posições. O material aqui analisado demonstra, porém, uma linha estrutural comum, que segue a seguinte ordem: primeiramente, ele cuida de tecer considerações sobre as matrizes teóricas relacionadas, em seguida, conforme o caso, as critica ou as defende, e, por fim, pinça algumas decisões – quase sempre americanas – que atestam seu posicionamento. Em parecer datado de 1933, por exemplo, Xxxxxx (1942) analisa consulta que lhe foi submetida por empresa exploradora de energia elétrica. No caso, a empresa teria realizado diversos contratos com
1942). Contribuiu na elaboração da Constituição de 1937, do Código Penal e do Código de Processo Penal. A biografia Xxxxxx é rica, seja por sua influência durante a Xxx Xxxxxx ou por sua forte atuação profissional, de modo que não caberia trazer aqui todas estas informações. No entanto, convém observar que Xxxxxxxxx Xxxxxx foi, sobretudo, um jurisconsulto adaptável (SEELAENDER e XXXXXX, 2010). Dos anos 20 até a queda do Estado Novo, o jurista mineiro passou de um quadro político ao outro, alterando sua posição. A mesma maleabilidade é encontrada na sua produção doutrinária. Ainda que constem informações de que ele tenha sido um contundente adversário do Estado Liberal
- fazendo com que sua produção intelectual possa ser classificada como antiliberal e antidemocrática – posição relativamente distinta pode ser encontrada nos seus pareceres. Conforme é possível verificar nestes documentos, em sua atuação profissional, não raras vezes o autor se posiciona de forma singular em defesa dos interesses privados (SEELAENDER e CASTRO, 2010). Faleceu em Belo Horizonte, em novembro de 1968.
várias municipalidades para a prestação do serviço público. Findos os contratos, ela questiona sobre sua situação após o término da relação e se conserva direitos de exploração dos serviços. A problemática jurídica reside no fato de que tais contratos não regularam a relação das partes após a expiração do contrato.
A resposta de Xxxxxxxxx Xxxxxx é no sentido de que, após o término do contrato, o concessionário volta condição do status quo. Isto é, continua com a propriedade das instalações destinadas à exploração do serviço público; embora não possa mais empregá-los sem nova licença da municipalidade.
A conclusão de Xxxxxxxxx Xxxxxx, neste caso, está diretamente relacionada à natureza da relação jurídica das partes e à propriedade das instalações destinadas à exploração do serviço. Estes dois núcleos são enfrentados pelo autor com uso da doutrina estrangeira. Por um lado, ele reconhece a natureza contratual da concessão e, por outro, defende a ideia de que, independentemente da natureza que lhe seja atribuída – se ato ou contrato – o fato é que o “instrumento” da concessão fixaria direitos para ambas as partes.
A peculiaridade deste caso reside no fato de que, embora o autor atribua à concessão o conceito de contrato, ele afasta a necessidade de um regime jurídico especial que a regule. Para Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942), a base da concessão como contrato estaria no ato de vontade das partes, na necessidade de se fixar um conceito que a distinga dos demais atos administrativos praticados pela administração e, sobretudo, porque fixaria direitos e deveres para ambas as partes envolvidas83.
Esta constatação é importante para precisar o modo como Xxxxxxxxx Xxxxxx, nesse caso, interpreta as relações jurídicas que surgem da concessão. Ao contrário da teoria francesa, a concessão não teria, para este autor (1942, p. 175), caráter especial, haja vista que não depende do objeto. Isto é, o objeto da concessão, o serviço público,
83 Xxxxxxxxx Xxxxxx parece entender ser impossível a classificação da natureza jurídica da concessão como ato, na medida em que a existência da concessão estaria subordinada à aceitação do concessionário. Sem à adesão do concessionário às cláusulas estipuladas pela Administração Pública, não existiria, na visão de Campos, concessão. Segundo o autor (1942, pp. 175-176), esta circunstância revelaria, bem da realidade, a expressão do acordo de vontades. Neste sentido, uma vez pactuada a concessão, o poder público estaria vinculado ao contrato com o mesmo vigor e a mesma força do que o concessionário.
segundo Xxxxxx (1942, p. 175), não seria a fonte do ato de concessão. De acordo com sua interpretação, a concessão teria a mesma fonte que as outras obrigações. Ela resultaria da aceitação das condições que não são apenas pressupostas, mas propostas ou manifestadas.
Inicialmente, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942, p. 173) chama a atenção para a circunstância de que existiria larga e difusa controvérsia entre os autores brasileiros sobre o tema natureza jurídica da concessão. Segundo Xxxxxx (1942, p. 173), no entanto, em essência, a controvérsia não teria maior razão de ser, não teria importância, haja vista que as relações jurídicas estabelecidas entre o concedente e o concessionário não variariam.
Para o autor (1942, p. 174), a classificação do ato de concessão no direito público ou no direito privado somente teria sentido no regime de “polícia”, em que o direito público, em sua opinião, significaria a completa negação de todo direito individual. Com efeito, o que importa para Campos, neste caso, parece não ser a classificação do ato de concessão - se de direito privado ou público –, mas a afirmação de que o ato geraria garantias e responsabilidades para as partes relacionadas.
Invocando Xxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942, p. 174) sugere que, num Estado regido pelo Direito, um ato é plenamente capaz de gerar direito e deveres. Daí decorreria que a classificação da natureza jurídica da concessão não dependeria em nada do seu objeto. Ela seria fundamentalmente a concordância das partes – “pacta sunt servanda” – que fixaria a natureza da relação jurídica. O fato de a concessão trazer como objeto um serviço público serviria apenas para fins de interpretação, não de classificação.
Em expressa refutação ao que denomina “doutrina de Jèze”84, Campos (142, pp. 181-182) afirma que o fim ou objeto do ato de concessão não qualifica sua natureza jurídica, mas apenas sua significação ou seu destino prático. Nem mesmo os efeitos exorbitantes verificados na cocessão decorreriam do objeto público da concessão.
84 Campos (1942, p. 181) sugere que a doutrina de Xxxx estaria amparada na equação concessão – serviço público. Para o autor (1942), a concessão tem natureza jurídica especial porque possuiria, por objeto ou fim, um serviço público. No entanto, para Campos (1942), tal fim não seria suficiente para qualificar a natureza jurídica do ato, mas, tão somente, a sua significação ou o seu destino prático. Para o autor (1942), o próprio Xxxx, ao concluir seu trabalho, teria recuado diante dos efeitos práticos que resultariam, inevitavelmente, dos seus termos vagos e imprecisos.
Segundo Xxxxxx (1942), tais efeitos derivariam do próprio instrumento, por meio do qual o concessionário declararia reconhecer e aceitar as cláusulas exorbitantes.
Assim, a concessão – concebida como “ato complexo” – integra- se de vantagens, ou seja, ela se integraria ao patrimônio do concessionário. Qualquer ato da Administração que atente contra a integridade desta propriedade resulta, para o concessionário, no direito de reintegração à custa do patrimônio coletivo (CAMPOS, 1942, p. 176). Neste ponto, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942, pp. 176-179) associa a concessão ao que os americanos designam como “property”: um direito incorporado ao patrimônio do concessionário, que o poder público não poderia livremente revogar, anular, diminuir ou alterar (por representar um direito adquirido do concessionário).
De outro lado, buscando evitar confusão terminológica com os outros atos administrativos, com os quais a concessão se aproximaria quanto à aparência, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942) aponta a necessidade de se conceituar o ato da concessão como “contrato privado”. O autor afirma que outra nunca teria sido conceituação da concessão. Seja na prática jurídica, administrativa ou legislativa, a natureza contratual (privada) da concessão nunca teria sido questionada.
Em conclusão, neste caso, Xxxxxx (1942) afirma que a concessão seria “contrato” e, como tal, importaria incorporação de vantagens ao patrimônio do concessionário, o qual seria protegido pela Constituição (brasileira e americana). Para dar lastro às suas afirmações, Campos (1942, p. 180) invoca decisões da jurisprudência americana e, mais uma vez, lembra Xxxx Xxxxx. Apoiado no que entende ser a teoria alemã de Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942, pp. 185-186) afirma que o fim da concessão restituiria as partes envolvidas (concedente e concessionário) ao status quo ante, ficando este último restituído da sua propriedade e com livre disposição dos seus bens.
Depreende-se daí que a preocupação do autor é defender tal retorno ao “status quo ante” e não defender “a natureza do ato da concessão”. Segundo o autor (1942), o “ato de concessão” criaria um estado de inviolabilidade e de proteção das vantagens e prestações estipuladas, características estas que somente seriam verificadas em contratos (privados). Invocando Xxxx Xxxxx mais uma vez, neste ponto, Campos (1942, p. 174) sugere que seriam atribuídas às concessões “consequências jurídicas que costumam decorrer das relações contratuais”.
Xxxxxxxxx Xxxxxx não está contra a corrente teórica da sua época no que diz respeito à definição da “natureza jurídica da concessão”.
Como Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxx, ele sustenta a natureza contratual da concessão. O que o torna diferente dos autores de sua época – ao menos neste caso – é o fato de refutar com veemência a teoria francesa, que ele vê como defesa de um regime especial para a concessão (1942, p. 181).
Para Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942), o objeto da concessão, em hipótese alguma, pode definir a natureza jurídica do instituto: “objeto e natureza jurídica são coisas distintas que não se comunicam e não podem ser confundidas”. Em outras palavras, “o objeto da concessão é apenas um elemento a ser considerado na interpretação e execução do contrato [de concessão]” (CAMPOS, 1942, p. 175).
A propósito, é válido mencionar, ainda, a forma que o autor articula as teorias estrangeiras no seu parecer. Xxxxxx (1942) analisa as doutrinas francesa, alemã e americana. A primeira delas é utilizada pelo autor de modo negativo. Isto é, ele a desconstrói para, a partir daí, fundamentar o seu ponto de vista: a concessão é um contrato, mas não o contrato dos franceses. As outras matrizes teóricas são utilizadas ao “gosto do freguês”.
Verifica-se que, embora Xxxxxx utilize os pensadores os alemães, parece que – ao menos no caso analisado – ele não busca em tais autores a postura pró-Estado que, em último caso, inviabilizaria conceder o bem público. Ao que tudo indica, esta parece ser uma característica comum do ambiente teórico alemão das concessões: a impossibilidade de contratar o que é público. Já a doutrina e jurisprudência norte americanas são utilizadas pelo autor sem maiores restrições de adequação.
Não se vê, aqui, preocupação do autor sobre a adaptação contextual de sistemas jurídicos distintos. Xxxxxxxxx Xxxxxx pertence a um seleto grupo de juristas brasileiros em dia com as doutrinas estrangeiras e ciente dos quadros políticos em que elas estavam sendo desenvolvidas (XXXXXXXXXX e XXXXXX, 2010). Deste modo, é pouco provável, portanto, que ele, ao adequar outras teorias aos seus pontos de vista, estivesse fazendo isso com ingenuidade.
Segundo Xxxxxxxxxx e Xxxxxx (2010), o maior ou menor apego ao formalismo em Xxxxxxxxx Xxxxxx é relativizado conforme os interesses de seus clientes. Dependendo do material analisado é possível observar um jurista ora mais aberto, ora mais resistente à bilateralidade das relações Estado (contratante - empresa contratada). Neste sentido, é curioso examinar seu posicionamento posterior. Em parecer datado de 1943, em que analisa a aplicação da Lei de Usura com relação às
concessões e contratos para prestação de serviços públicos, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1943) adota outra linha de raciocínio.
Ainda mantendo sua opinião com relação à natureza jurídica contratual da concessão, Campos (1943, p. 558) afirma então que, embora assuma natureza contratual, o instrumento da concessão não pode ser assimilado à categoria usual do contrato no comércio jurídico. O autor destaca, neste ponto, o “regime jurídico próprio do serviço público”. Para o autor (1943), o serviço público possuiria regime jurídico próprio e uma economia particular distinta.
Referidas características não seriam perdidas quando o poder público delegasse a entidades privadas a execução dos serviços. Nesta hipótese, o serviço público continuaria a manter sua natureza e seria regido por normas jurídicas que lhes são próprias. Daí que, na opinião de Xxxxxx (1943, p. 558), pode-se até atribuir ao diploma que rege as relações entre Estado e privado o nome de contrato, mas isso não teria o condão de definir a natureza das relações.
As concessões, sugere Campos (1943, p. 559), constituiriam uma categoria à parte, que, embora denominada de contrato, “por comodidade de linguagem”, não consistiriam num contrato em sentido próprio ou em um contrato propriamente dito. Assim, segundo o autor, o instrumento em que se consubstancia a concessão alcançaria, antes de tudo, a natureza de “regulamento de serviço”. Ela estabeleceria, na sua visão, as condições (do serviço), suas tarifas, o estatuto de sua administração, os direitos do público com relação ao serviço e as vantagens atribuídas ao concessionário a título de contraprestação.
Curiosamente Xxxxxxxxx Xxxxxx não utiliza neste parecer fontes estrangeiras para sustentar seu posicionamento. Não existe, em nenhuma das suas classificações, qualquer indicação explícita da doutrina francesa, alemã ou americana. Mesmo assim, parece existir uma singela aproximação entre a posição que ele assume e a teoria dominante na França. A principal característica da doutrina francesa presente em tal trabalho – antes refutada pelo autor – diz respeito aos efeitos que o regime especial do serviço público exerceria na classificação da natureza jurídica da concessão.
No caso, é possível perceber que a técnica utilizada por Xxxxxx para classificar a natureza da concessão é extraída da própria dinâmica da natureza especial do serviço público. A natureza jurídica da concessão é identificada pelo autor como “regulamento de serviço”, o que se distancia – para fins de interpretação e execução – tanto da ideia de “ato” quanto da ideia de “contrato”. De onde vem a divergência com
o entendimento anterior? É importante que se entenda o contexto em que esta interpretação é formulada.
A questão submetida à apreciação do jurista diz respeito à aplicação de multa ao consumidor prevista em contrato de concessão de distribuição de energia elétrica. Em termos muitos simples, o contrato em questão teria autorizado que a empresa exploradora do serviço de distribuição de energia elétrica aplicasse multa de 10% em caso de inadimplemento. Com o atraso do pagamento mensal e amparada pela previsão contratual, a empresa concessionária procedeu à cobrança dos valores previstos. O consumidor pagou as contas em atraso com a majoração derivada da aplicação de multa e, em seguida, ajuizou ação judicial requerendo a devolução dos valores de multa.
O caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que decidiu pela procedência do pleito. Segundo o acórdão, em que pese à existência de previsão contratual autorizando a aplicação da multa, esta não poderia ser aplicada aos usuários que tivessem entrado em relação com a Companhia depois de abril de 1933, haja vista que o Decreto-lei 22.626, cujo artigo 8.º prelecionava que “as multas e cláusulas penais, quando convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender as despesas judiciais e honorários de advogado, e não poderão ser exigidas quando não for intentada ação judicial para cobrança da respectiva obrigação”.
Assim, o TJRN, na sua interpretação, deixa de relacionar a multa ao caráter público do serviço prestado. Para desconstruir este posicionamento, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1943) busca trazer e pulverizar os efeitos da natureza jurídica dos serviços públicos para outros âmbitos. Para Campos (1943, p. 558), o serviço público não somente teria uma natureza jurídica específica como, também, esta natureza definiria “normas jurídicas que lhe são próprias”, adequadas à finalidade do serviço, sua função e à sua economia.
A multa moratória, segundo o autor, ao estar vinculada ao âmbito econômico do serviço, também assumiria uma função: a “de assegurar a regularidade do serviço público”. A cobrança da multa moratória, na interpretação de Xxxxxxxxx Xxxxxx (1943, p. 558-559), ultrapassaria o mero interesse do concessionário, revestindo-se de interesse público. Isto, segundo o autor (1943), pela lógica do próprio regime especial do serviço prestado. De modo objetivo, nesse outro caso, a concepção de Xxxxxxxxx Xxxxxx parece se aproximar – e muito – da teoria do contrato misto.
Em parecer datado de 1950, Xxxxxxxxx Xxxxxx adota o que pode ser considerada sua terceira linha de entendimento. Mais uma vez, o autor vai sustentar a ideia de que, na prática, pouco importa a classificação da natureza jurídica da concessão. Em que pese isso, é justamente na classificação da natureza jurídica que ele vai encontrar os subsídios para fundamentar sua posição. É, pois, na estruturação da concessão que Campos estabelece os parâmetros que justificam a posição tomada no parecer.
O caso submetido à sua análise tratava, dessa vez, de alteração unilateral de cláusula de fixação do preço de gás. A alteração do valor praticado foi operada pela Administração Pública, por meio de decreto, e visou à estipulação de valor mais favorável para os consumidores. O entendimento de Xxxxxxxxx Xxxxxx é pela ilegalidade da alteração.
Para o jurista mineiro (1950, p. 52), existiria “na concessão, independente da sua natureza jurídica, uma parte que consiste exclusivamente no interesse do particular” (do concessionário). Segundo o autor (1950), esta “parte” estaria consubstanciada, por um lado, no preço pelo qual o concessionário estaria comprometido com o poder concedente a prestar o serviço, e, por outro lado, na regulamentação “atinente à forma de disposição do serviço público concedido”.
A parte financeira, vinculada ao equilíbrio econômico do contrato, não seria passível de alteração unilateral por qualquer das partes. Para Xxxxxx (1950, p. 53), o poder público não seria um poder irresponsável e arbitrário. Ele se vincularia e se limitaria pelos seus próprios atos, os quais, na opinião do autor, estariam revestidos de boa- fé e, induzindo o particular à confiança, não devem gerar a perda do vinculo estipulado.
Xxxxxxx Xxxxxx (1950), a concessão se manifestaria, por esta lógica, por dois atos subsequentes: o “ato unilateral da administração” e o “acordo entre as partes” (concedente e concessionário). O primeiro ato, unilateral, evidenciaria a faculdade discricionária da administração do poder público, na medida em que este último seria responsável por estabelecer os parâmetros da concessão e a forma pela qual ela é operacionalizada.
Porém, editado, o ato não mais dependeria da decisão discricionária. A partir daí, por força do acordo de vontades, segundo o autor (1950), as consequências que resultarem do ato, os efeitos que produz e a incorporação das suas disposições seriam cumpridos e se satisfariam independentemente da discrição administrativa. A relação
então estabelecida estipularia, para ambos os contraentes, direitos e obrigações.
Segundo Xxxxxx (1950), independentemente da natureza jurídica que se atribua à concessão, este “ato” terá “conteúdo jurídico definido”, que pressupõe bilateralidade ou reciprocidade. Neste ponto, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1950) invoca Xxxxxx Xxxx, para quem, na sua visão, a concessão seria “ato complexo”, em que se encontrariam, de um lado, uma situação regulamentar, relativa ao serviço público, à sua organização e ao seu funcionamento, e de outro lado, o contrato propriamente dito, cujo conteúdo estaria protegido por articulação bilateral.
Para Xxxxxxxxx Xxxxxx (1950), esta ilação seria resultante da própria “estrutura jurídica do ato de concessão”, a qual se dividiria em duas partes. Uma regida pelo direito público, referente à organização do serviço público; e outra, pelo direito privado, relacionada às cláusulas estipuladas em comum acordo entre as partes. A primeira parte, do direito público, estaria representada pelo “ato” e seria passível de alteração – desde que a alteração não implicasse prejuízos para o equilíbrio financeiro da concessão –. A segunda parte, por outro lado, não admitiria qualquer modo de alteração unilateral (CAMPOS, 1950, pp. 56-57).
No parecer analisado, a natureza do ato de concessão estaria estruturada em duas situações diversas: i) a do serviço público, que, apesar de ser concedido, continua ser um serviço público, de cujas condições de organização e funcionamento o Estado não pode abrir mão, haja vista que presente a obrigação de prestá-lo; e ii) a da situação do concessionário, que é de um colaborador voluntário da Administração. Estes seriam os dados que estruturam e formam a natureza jurídica da concessão como “ato complexo” (CAMPOS, 1950, pp. 60-61)85.
85 Ainda sobre a estruturação da concessão como ato complexo vale destacar o posicionamento do autor, datado de 1934, em parecer sobre a “fixação das tarifas dos serviços públicos”. Neste parecer Xxxxxxxxx Xxxxxx dá evidência à necessidade de se aumentar o “controle da operacionalização dos serviços públicos”. Para tanto, dentre outros apontamentos, Campos (1942) sugere que o controle das forças que se estabelecem em torno das utilidades públicas se tem revelado de “todo em todo insuficiente e mal organizado, permanecendo os serviços públicos explorados mediante concessão, sujeito apenas às regras dos contratos”. Xxxxxxxxx Xxxxxx (1942) observa que tais contratos seriam, em sua
Por fim, é preciso destacar a ligação que Xxxxxx faz entre a concessão e o ordenamento constitucional então vigente. Conforme pode ser verificado nos trabalhos até aqui analisados – mesmo os de autoria deste autor – os autores pouco ou nada se referem diretamente à Constituição, no sentido de buscar, para suas afirmações, fundamento nela. A narrativa jurídica inserta nos trabalhos parece não fazer maiores aproximações entre o tema “concessão” e a ordem constitucional vigente. Neste último trabalho, no entanto, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1950), ainda que pelo ângulo da propridade, como fariam os americanos, realiza esta ligação.
Segundo Xxxxxx (1950, pp. 382-383) os poderes da União seriam limitados. Mesmo nos contratos por ela realizados, a União não poderia exercer seus poderes além das limitações constantes parametrizadas pela Constituição. Nesta hipótese, os direitos individuais constitucionalmente previstos não poderiam, igualmente, ser lesados. A propriedade estaria aqui abrangida e, por conseguinte, os direitos adquiridos pelo concessionário, em razão das obrigações mutuamente assumidas. Para sustentar esta linha de argumentação, Xxxxxxxxx Xxxxxx (1950) faz uso seletivo da jurisprudência e doutrina norte- americana.
De modo geral, nos textos analisados, Xxxxxxxxx Xxxxxx deixa transparecer, no seu entendimento sobre a natureza jurídica das concessões a maleabilidade de seus posicionamentos jurídicos. Ao mesmo tempo em que é possível apontá-lo como um jurista fora da corrente doutrinária de sua época, é seguro situá-lo como um sólido entendedor das doutrinas estrangeiras. É perceptível sua capacidade de
maioria, obsoletos e feitos, quase sempre, sem o estudo prévio de todos os elementos que os afetam. Segundo o autor (1942), este seria um modo obsoleto e antiquado de controle. Para Campos (1942), em tese, dentro do regime constitucional então vigente, o controle dos serviços públicos, por força constitucional, estaria atribuído para o Conselho Nacional. Xxxxxx (1942), critica esta ideia e coloca como sugestão, dentre outras hipóteses, à de criação de “controle mediante comissões”, como, na sua visão, ocorria nos EUA, ou, ainda, do que ele denomina como “nacionalização”. De importância capital para o bem estar da nação, as vantagens do serviço público (no caso o autor tratava da indústria elétrica) somente seriam asseguradas se lhe fosse eliminado o caráter especulativo, de que o serviço, segundo Campos, reveste no regime de administração privada. Ao que tudo indica, esta fonte detém, provavelmente, o cerne da grande discussão que ainda afeta a polarização do regime regulatório de infraestrutura no país. Tema igualmente relevante na atualidade.
articular os conceitos do ordenamento jurídico pátrio emprestando-lhes novos conteúdos que são, reflexamente, amparados nos autores estrangeiros.
Aparentemente, não há neste autor uma técnica única para se desvendar a natureza jurídica da concessão. Ocorre, sim, a utilização de vários entendimentos para vincular, em cada ocasião, uma posição distinta conforme a causa defendida86. O ponto comum que sobressai do material analisado é a constante afirmação do autor no sentido de que não seria importante a definição da natureza da concessão para que se conclua sobre os efeitos que nascem da relação jurídica estabelecida.
Em que pese isso, embora Xxxxxx insista neste entendimento, seus pareceres dão conta do contrário. Conforme sustentam Xxxxxxxxxx e Xxxxxx (2010, p. 14), mesmo lembrando que atos unilaterais já poderiam, por si sós, vincular a Administração, Campos não hesita em enfatizar, nas concessões de serviços públicos, a existência de um “acordo de vontades”, de uma “relação bilateral” ou de um elemento “irredutível de bilateralidade”, um elemento comutativo ou contratual.
Paradoxalmente, é justamente pelo esforço feito para deslegitimar a necessidade de uma noção conceitual em torno da concessão que, em última análise, Xxxxxxxxx Xxxxxx acaba revelando – mesmo que de modo distinto em cada situação – a natureza da concessão: ora contrato, ora instrumento regulamentar, ora ato complexo.
O que está em jogo nos estudos de Xxxxxx, portanto, é a análise de um “ato” que tem como consequência criar direitos e deveres. Independentemente da natureza que possa assumir em um ou outro caso, o “ato da concessão” gera direitos, responsabilidades e garantias, não apenas para uma, mas para ambas as partes (CAMPOS, 1943, pp. 173- 174).
86 Segundo Xxxxxxxxxx e Xxxxxx (2010) na defesa de sua clientela, o jurista mineiro não falhava, nem mesmo quando pretendia demonstrar que altas multas impostas ao público decorriam do interesse público; ou que concessionários poderiam, finalizada a vigência de seus contratos, escavar as ruas para arrancar o material de sua propriedade sob elas instalados; ou que normas constitucionais criadas para submeter tarifas aos padrões de uma “justa retribuição” se destinariam, na verdade, a atrelar tais tarifas ao valor de mercado, ou mesmo a assegurar, às empresas, a lucratividade que poderiam ter se houvessem optado por outros ramos de atividade, com “riscos e incertezas correspondentes”.
Não há em Xxxxxxxxx Xxxxxx o estabelecimento de um critério único, mas sim do que convém para cada caso concreto. Nesta matéria, além de bom teórico, Xxxxxxxxx Xxxxxx se apresenta como um exímio advogado. Como xxxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxxx (2010), há complexidade na obra de Xxxxxxxxx Xxxxxx – se por um lado, pode ser amplamente reconhecido como jurista que deu suporte teórico a regimes autoritários, por outro, pode lhe ser atribuída à produção de significativa obra jurídica em que advoga a defesa da liberdade econômica e da propriedade. Esta característica parece ficar evidente nos textos analisados.
2.2.2.2. A concessão e a possibilidade de desdobramentos: gênero e espécies
No que denominamos como segunda fase do primeiro eixo de teorização do conceito de concessão, a doutrina tem como característica a percepção do termo em gênero e espécies. Tal tendência é identificada já nas obras de Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx (1899-1980)87. As fontes
87 Embora Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx tenha na sua trajetória um extenso currículo e se apresente como um grandes juristas brasileiros, é deficitário o material a respeito de sua vida. De modo geral, as informações mais completas sobre ele estão disponíveis no site do Supremo Tribunal Federal e no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV, o CPDOC. De acordo estas fontes, Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx nasceu no Estado do Rio de Janeiro, em outubro de 1889. Iniciou seus estudos no curso secundário em Paris, no Colégio Louis de Gonzag, terminando-o em Petrópolis, no Colégio São Vicente. Em 1922, formou-se em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro. O jurista ocupou os seguintes cargos e funções: Procurador do Tribunal Especial (1930); Procurador da Junta de Sanções (1931); Procurador da Comissão de Correição Administrativa (1931); Consultor Geral da República (1945-1946); Procurador Geral Eleitoral (ad hoc por diversas vezes e efetivo em 1946) e Procurador Geral da República (1946-1947); Membro da Comissão Consultiva da Prefeitura do Distrito Federal (1932); Membro da Comissão Elaboradora do Anteprojeto da Constituição de 1934, do Itamarati (1933); Presidente da Comissão de Tarifas do Serviço Público (1943); Presidente da Comissão Revisora do Projeto do Código Rural.
Exerceu, ainda, a Vice-Presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (1940-1942); Vice-Presidência da Associação de Juristas Franco-Brasileira (1948); Presidência da Organização das Entidades Não-Governamentais do Brasil (1949); Presidência do Comitê Jurídico da Organização de Aviação Civil Internacional — ICAO (1954); Presidência da Sociedade Brasileira de Direito
Aeronáutico (1956); Presidência do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBEC); Presidência do Instituto de Direito Público e Ciência Política da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx. Foi membro do Conselho Federal e do Conselho Regional da Ordem dos Advogados do Brasil, em diversos períodos, de 1962 a 1966; da Comissão que elaborou projeto, não aproveitado pelo Governo, da Constituição de 1967; do Conselho Executivo da Associação Internacional de Ciência Política (Paris); do Conselho Executivo das Organizações Não- Governamentais (Bruxelas); do Comitê Executivo do Conselho Internacional de Ciências Sociais (Paris); do Conselho do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil; e do Conselho Consultivo da Associação Internacional de Municípios.
Destacou-se como sócio efetivo da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, do Instituto Ibero-americano de Direito Internacional, da International Law Association; Conselheiro do Instituto Xxxxxx Xxxxxxxxxx e membro da Academia de Direito, do Pen Clube do Brasil e da Fundação Graça Aranha. Em 1960, foi eleito Deputado à Assembléia Constituinte do antigo Estado da Guanabara e Presidente de sua Comissão Constitucional, em 1960.
No campo do ensino do Direito, dirigiu a Revista de Direito Público e Ciência Jurídica e a Revista de Ciência Política, da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx. Atuou também como Professor catedrático de Instituições de Direito Público, da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, do Curso de doutorado e do curso de formação das cadeiras de Teoria do Estado, Direito Constitucional e Direito Administrativo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Recebeu o título de Professor Xxxxxxx Xxxxx das Universidades de Toulouse e Poitiers e foi diplomado Honoris Causa pela Escola Superior de Guerra. Dirigiu a Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, de 1945 a 1960, sendo membro do Conselho Universitário e de suas Comissões de Legislação e Orçamento (1946- 1960) e do Conselho do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil, ocupando a Presidência, em 1964. Integrou Comissões Examinadoras de Concursos para Professor Catedrático em várias Universidades.
Dentre outras publicações em revistas jurídicas e folhetos avulsos, o autor teve um número significativo de publicações. Foi autor das seguintes obras: À Margem do Anteprojeto Constitucional (1933); Do Mandado de Segurança (1934); Instituições de Direito Administrativo Brasileiro (1936); O Funcionário Público e o seu Estatuto (1940); Tratado de Direito Administrativo (6 volumes
— 1942-1944); Princípios Gerais de Direito Administrativo (1945); O Funcionário Público e o seu Regime Jurídico (1959); O Direito Administrativo no Brasil (1947); A Constituição Federal Comentada (1948); Quatro Estudos: A Ciência Política — O Sistema Constitucional — O Poder Político — O Sistema Federal (1954); Curso de Direito Administrativo (1955-1967); Introdução à Ciência Política (1956); Las Constituciones de los Estados Unidos del Brasil
pesquisadas indicam que este autor e os seguintes, diferentemente dos que os antecederam, não só aceitam outros modelos de concessão, como, também, rejeitam a ideia de uma noção conceitual que reduz seu significado a uma expressão comum.
O pensamento de Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx sobre o tema concessão pode ser encontrado essencialmente nas suas obras “Tratado de Direito Administrativo”, “Constituição Federal Comentada” e “Curso de Direito Administrativo”. A primeira é publicada a partir de 1942, a segunda após 1948, enquanto a terceira surge entre os anos de 1955-1967, alcançando a oitava edição. De acordo com as fontes, estas obras foram concebidas enquanto o autor ocupava os cargos de Consultor Geral da República (1945-1946); Procurador Geral Eleitoral (1946) e Procurador Geral da República (1946-1947). Antes, portanto, do seu ingresso no Supremo Tribunal Federal, em 1967.
Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx detém a mesma preocupação com a definição da palavra concessão verificada nos autores anteriormente analisados. No entanto, para este autor (1967, p. 292), a enorme variedade de significados que o termo concessão pode abranger não reclama uma delimitação, implica a redução da sua concepção, como tencionam, por exemplo, Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxx. Ao contrário, para Cavalcanti denotaria a variação que o termo pode refletir.
Segundo Xxxxxxxxxx (1967, p. 293), os que pretendem atribuir à concessão sempre o mesmo sentido, esquecem-se de que nem sempre as relações jurídicas decorrentes do ato administrativo têm as mesmas consequências. Nesta linha, a natureza jurídica do ato variaria de acordo com o objeto e a finalidade peculiar de cada uma das suas manifestações. Para o autor (1967), a concessão de obras públicas ou de
(Madrid — 1958); Teoria do Estado (1959); Do Controle da Constitucionalidade (1965); Princípios Gerais de Direito Público (1967) e Direito e Processo Disciplinar. Foram também publicados os Pareceres da Procuradoria-Geral da República (1953) e Pareceres da Consultoria-Geral da República (1956), emitidos no período em que exerceu os respectivos cargos.
Themístocles B. Xxxxxxxxxx foi nomeado Ministro do STF em 1967, por decreto do então Presidente Xxxxx x Xxxxx. O jurista se aposentou em outubro de 1969. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em março de 1980.
domínio público, por exemplo, não se confundiria com a concessão de serviço público.
Ainda que de modo discreto, o pensamento de Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx se orienta pela atribuição de sentido genérico ao termo concessão, a partir do qual, segundo o autor (1967), derivariam outras manifestações. Esta constatação fica mais evidente quando o autor (1967, p. 293) afirma que a palavra concessão, qualquer que seja a sua aplicação, deteria um “sentido comum” que é a transferência (outorga) a terceiro dos poderes, vantagens e utilidades que pertenceriam ao concedente e que, por efeito da própria concessão, teriam passado ao concessionário.
Isso não quer dizer, entretanto, que pareça existir confusão terminológica na construção conceitual deste autor. Xxxxx é a sua preocupação em delimitar a aplicação do termo concessão – sem, no entanto, reduzi-lo à “concessão de serviço público”. Cavalcanti (1967; 1963) sugere que é necessário não confundir algumas questões, como por exemplo, o “direito de uso da coisa comum” com o “uso da coisa pública” ou, ainda, com “a exploração de um serviço sujeito a licença especial do poder público”. Em parecer datado de 1960 Xxxxxxxxxx (1962, p. 361) já estabelecia seu entendimento no sentido da concessão ser uma “categoria a parte dos contratos”.
O pensamento de Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx sobre a concessão distingue-se, também, pela caracterização (da concessão) como desdobramento (ou alargamento) do contrato privado. Para ele (1962), a disciplina específica das concessões advém, sobretudo, da transplantação do sistema do direito continental europeu. No entanto, ela seria filha legítima, no Brasil, da alteração do sistema tradicional, que, desde 1930, teria sido abalado pela ampliação da ação discricionária do governo.
O ponto crucial desta constatação, segundo o Cavalcanti (1962), residiria no fato da Constituição ter determinado que a lei estabelecesse os critérios gerais para a fixação de tarifas dos serviços públicos concedidos. Assim determinando a Constituição, ter-se-ia alargado a competência federal em detrimento da liberdade de contratação das partes (CAVALCANTI, 1962, p. 361).
Themístocles B. Xxxxxxxxxx (1962, pp. 362-363) sugere que, a partir daí, não só o contrato teria perdido as suas características tradicionais para ajustar-se ao dirigismo contratual, mas o próprio elemento da “vontade na elaboração do contrato”, como na sua execução, teria perdido, também, seu conteúdo. Segundo o autor (1960),
a concessão não deixa de ser contrato em suas origens e na sua forma; mas já é um “contrato diferente”, subordinado pelo poder público.
Cavalcanti (1962, p. 361) parece não buscar, portanto, a adequação de uma ou outra derivação teórica estrangeira para distinguir o fenômeno do “contrato administrativo”. Para este jurista (1962), o contrato administrativo, na figura da concessão de serviço público, seria algo como o desvio de um itinerário linear, que teria sido provocado pelo alargamento das funções governamentais. A prática jurídica no Brasil, tanto a doutrinária como a legislativa, segundo o autor (1962), teria consolidado as concessões como contratos de direito privado.
Na visão do autor (1962), era grande o prestígio da concepção contratualista e do “contrato de direito privado”, sem conteúdo próprio de direito público e administrativo. Constatação esta que, segundo Xxxxxxxxxx, não passaria de mero reflexo das tendências norte- americanas e europeia, haja vista que não haviam, ainda, prosperado naqueles continentes as novas doutrinas de “serviço público” e “public utilities”88.
No Brasil, no entanto, a Constituição teria permitido deixar de aplicar certas imunidades aos contratos privados (CAVALCANTI, 1962, p. 363). Segundo o autor (1962), a percepção da concessão como contrato administrativo adviria, em verdade, da mutação que o contrato privado teria sofrido na medida em que alguns dos seus elementos tivessem sido flexibilizados e subordinados ao controle público. Neste ponto, ele sugere que as “public utilities” tiveram o mesmo desdobramento nos EUA: “o que tivesse afetação pública poderia sofrer regulação pelo poder de polícia”.
Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx não parte da definição de um fenômeno sui generis para, depois, tentar buscar sua natureza. Ao contrário, o autor parece simplesmente indicar a concessão como produto da alteração do contrato privado, modificado por força do alargamento da competência federal e discricionário do governo. Xxxxxxxxxx (1962, p. 371) afirma que o regime contratual [de direito privado] teria sido
88 Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, assim como outros juristas da sua época, demonstra interesse pelo direito americano. No entanto, dos autores analisados, ele, aparentemente, representa ser o mais atento à diferenciação entre os termos “public utilities” e o “serviço público”. Sua constatação, em 1967, é a de que não se pode atribuir ao termo “public utility” uma significação precisa” (1967,
p. 307). A propósito desta confusão conceitual, mais uma vez, fazemos referência ao trabalho de Xxxxxxxx (2011).
modificado pelo Código das Águas (1934), que alteraria o sistema ao transferir para lei ordinária matéria que se situava no campo contratual [privado].
Por outro lado, Xxxxxxxxxx (1962, p. 365) não deixa de reconhecer que a eficácia destas mudanças não deve ser levada muito longe, haja vista a permanência de cláusulas imutáveis. Decorreria daí, afirma, a legitimidade da regulamentação do contrato e flexibilidade de algumas cláusulas. Assim, a extinção do regime contratual não modificaria, mas antes consolidaria o conceito de concessão, no momento em que as concessionárias, pelo “revigoramento do controle de poder concedente sobre a concessão”, teriam ficado sujeitas ao regime do ato unilateral.
É importante notar que o autor, ao efetuar tais reflexões, dá grande atenção ao problema da “remuneração do capital investido” pela empresa – leia-se, preço da tarifa. No seu Tratado de Direito Administrativo, de 1963, Cavalcanti (1963, p. 525) sugere que a alteração do regime de remuneração do capital encerraria um dos aspectos mais difíceis e melindrosos da intervenção do Estado nas suas relações com os concessionários dos serviços públicos. Razão disso seria a ausência de um critério seguro e definitivo que permitisse determinar com precisão, qual a remuneração do capital correspondente aos justos interesses da empresa, sem ferir o interesse público89.
Segundo Xxxxxxxxxx (1963), o conceito de concessão de serviço público teria evoluído junto com a crescente necessidade de revisão dos contratos administrativos90. Para o autor (1963, p. 409), a revisão dos contratos administrativos era assunto corrente em todos os lugares,
89 Neste ponto, o autor faz menção ao entendimento de Xxxxxxxxx Xxxxxx, para quem, segundo ele, a fixação dos valores das tarifas deveria levar em consideração a indispensável expansão e melhoramento dos serviços. De acordo com Xxxxxxxxxx (1963), Xxxxxxxxx Xxxxxx traz como exemplo o caso “Bluefield Water Works” decidido pela Suprema Corte Americana.
90 Esta é, também, preocupação e constatação de Xxxxxxxxx Xxxxxx (1934). Para ele (1934, p. 126), “as últimas consequências da revolução industrial criaram aos governos novas e complexas funções ou dilataram o território das suas funções clássicas e tradicionais, de maneira a envolver na sua competência questões, para cuja indagação e elucidação se exigem conhecimentos técnicos e especializados, cada vez mais remotos à compreensão mesmo das pessoas cultivadas, e sem os quais impossível se torna a análise dos elementos daquelas questões e o agenciamento de recursos e remédios destinados a conciliar com os do público os interesses criados pela exploração das forças naturais e industriais, e da sua utilização pelo público em geral.”