As Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Civil inseridas em Contratos de Adesão
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Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Cravo
As Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Civil inseridas em Contratos de Adesão
Dissertação de Mestrado em Direito apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, sob a orientação da Exma.
Senhora Professora Doutora Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Dezembro de 2015
Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Cravo
As Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Civil inseridas em Contratos de Adesão
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses sob a orientação da Exma. Senhora Professora Doutora Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx.
Coimbra, 2015
Aos meus pais Aos meus irmãos
À memória dos meus avós
A presente dissertação trata o tema relativo às cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil quando inseridas em contratos de adesão.
Num primeiro momento, o texto versa, numa abordagem breve e genérica, sobre algumas questões levantadas no seio daqueles contratos – utilizados, sobretudo, por companhias de seguros, bancos, empresas de transporte, de fornecimento de água, energia eléctrica ou gás – nomeadamente sobre as razões do seu surgimento, bem como a celeuma em torno do seu conceito e inerentes características. Procede-se, ainda, a uma análise do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e pela Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril de 1993 sobre cláusulas abusivas em contratos com consumidores, ao que se segue uma alusão ao Anteprojecto do Código do Consumidor.
O capítulo seguinte é dedicado ao tratamento das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil, que constituem, aliás, o núcleo das denominadas condições gerais do contrato. Importa começar, aqui, por enunciar a problemática, percorrendo a sua evolução e questionando a respectiva actualidade. Interessa, igualmente, desenvolver o conceito e mencionar as várias modalidades configuráveis daquelas cláusulas, ingressando- se, nesta sequência, no ponto crucial do vertente trabalho que assenta na discussão em torno do regime das proibições previstas nas alíneas a) a d) do art.º 18º da LCCG. Neste âmbito, o texto subdivide-se em vários subtemas, começando-se pela exclusão e limitação da responsabilidade extracontratual e seguindo-se a mesma análise no domínio da responsabilidade contratual. Aqui, são levantados os problemas de interpretação e inserção sistemática das alíneas, fazendo-se, igualmente, um exame comparativo com o regime do Código Civil e articulando-as com o princípio geral da boa fé. Por fim, indaga-se acerca das consequências de determinada cláusula, quer ela tenha sido validamente estipulada, quer ela se encontre ferida de nulidade.
As questões são, sempre que se revele pertinente, ilustradas com jurisprudência dos nossos tribunais e do Tribunal de Justiça da União Europeia, na medida em que esta temática contende com a realidade do dia-a-dia da generalidade das pessoas, o que se reflecte no avolumado número de diferendos submetidos a juízo.
The aim of this dissertation is to discuss the civil liability exclusion and limitation clauses in standard contracts.
Firstly, there is a brief general approach on some of the issues raised within those types of contracts – used mainly by insurance companies, banks, transport companies, water, power and gas supply companies- namely about why they came to be as well as some discussion about their general concept and features. Then there is an analysis of the regimen instituted by the Act No. 446/85, from October 25th and by the Council Directive 93/13/EEC, from April 5th on unfair terms in consumer contracts, followed by a reference to the outline of the Consumer Code Draft.
The next chapter is dedicated to the treatment given to the civil liability exclusion and limitation clauses, which are the core of the so called General Conditions of a contract. It is important to articulate the problem, analyzing the evolution and questioning the present moment. It is also vital to develop the concept and to mention the different configurable modalities of the above mentioned clauses, focusing therefore on the main goal of the essay which is the discussion around the prohibitions enforced by paragraphs a) a d) of article No 18 of the Law on General Xxxxxxx and Standards in Contracts. In this scope, the text is subdivided in various subtopics, starting with the exclusion and limitation of non-contractual liability, followed by the analysis of the contractual liability. In the latter, several interpretation issues and the systematic insertion of paragraphs are questioned and articulated with the general principle of good faith, and there is also a comparative analysis done with the regime of the Civil Code. Lastly, the consequences of specific clauses are questioned, whether they were validly stipulated, or should be considered null and void.
The questions raised will be, when deemed appropriate, illustrated with examples of cases judged by the Portuguese or European Courts of Justice, as the main focus of this essay is to challenge the day-to-day reality of the general public, which is reflected in the high number of disputes submitted to judgment.
Ac. / Acs. acórdão, acórdãos
AGB Allgemeine Geschäftsbedingungen
art. / arts. artigo, artigos
BFDUC Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
BMJ Boletim do Ministério da Justiça
CC CEE
Cfr. CJ CRP DL
ed. JOUE LCCG LDC MP
p. / pp. RLJ ROA Sep. ss. STJ TC TJUE TRC TRL TRP UE v.g. vol.
Código Civil
Comunidade Económica Europeia Conferir
Colectânea de Jurisprudência Constituição da República Portuguesa Decreto-Lei
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Jornal Oficial da União Europeia Lei das Cláusulas Contratuais Gerais Lei de Defesa do Consumidor Ministério Público
página, páginas
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União Europeia verbi gratia volume
ÍNDICE
2. Os Contratos de Adesão e as Cláusulas Contratuais Gerais 10
2.1 As razões da sua proliferação à luz do surgimento de uma prática contratual hodierna 10
2.2 Conceito e traços característicos 12
2.3 O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro 15
2.4 A Directiva Europeia sobre cláusulas abusivas 19
2.5 As cláusulas contratuais gerais no plano do direito a constituir – o Anteprojecto do Código do Consumidor 22
3. Das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil inseridas em contratos de adesão 23
3.1 Enunciado do problema, sua evolução e actualidade 23
3.2 Noção e modalidades de cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade 26
3.3 O regime das proibições relativas a cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil previstas na LCCG 32
3.3.1 Das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade por danos pessoais e por danos patrimoniais extracontratuais: as alíneas a) e b) do artigo 18º 33
3.3.1.1 A questão na jurisprudência 37
3.3.2 Das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual: as alíneas c) e d) do artigo 18º 39
3.3.2.1 A questão na jurisprudência 48
3.3.3 A articulação entre as cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade e a cláusula geral da boa fé 51
3.3.4 Os efeitos das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade quando inseridas em contratos de adesão 53
3.3.4.1 Em caso de validade 53
3.3.4.2 Em caso de nulidade 54
Os contratos de adesão surgem na sequência de um novo contexto económico assente nas incontestáveis vicissitudes com que se depararam as sociedades tradicionais. O mundo industrial contemporâneo surge, lado a lado, com o fenómeno do espírito consumista, resultando, a sua convergência, na massificação do comércio jurídico.
As exigências de racionalização, celeridade e eficácia impõem, às empresas, o recurso à uniformização das condições contratuais, facto que contende com o quotidiano da generalidade das pessoas que, sem poderes de conformação do conteúdo contratual e carecidas de igualdade económica e social relativamente ao predisponente, celebram, diariamente, contratos de adesão.
Na verdade, ultrapassada, de certa forma, pela realidade económica, tomou consciência, a realidade jurídica, da necessidade de uma intervenção legislativa norteada pela premência de uma política de controlo das cláusulas abusivas.
Nesta sequência, o legislador nacional instituiu o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, relativo ao regime das cláusulas contratuais gerais.
Assim, procura-se, com a vertente dissertação, num primeiro momento, mesmo que em moldes breves e genéricos, introduzir os problemas suscitados pelos contratos de adesão, ainda que limitados pela inerente extensão e complexidade. Cumpre-nos, todavia, percorrer o caminho desde a sua proliferação no seio de uma nova práxis contratual, até à respectiva regulamentação, quer a nível nacional, quer no contexto comunitário, não olvidando, outrossim, a temática de iure condendo.
Deter-nos-emos, com especial acuidade e atenção, na análise das soluções consagradas pelo aludido diploma no que respeita às cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil que consubstanciam o paradigma de cláusulas abusivas, impostas, pelos predisponentes, em contratos de adesão.
Importará, neste contexto, responder ao problema do enquadramento sistemático das proibições previstas no Decreto-Lei n.º 446/85 na matéria que nos propusemos analisar, uma vez que ela é, concomitantemente, objecto de outras normas, ora nos preceitos que enformam o regime geral do Direito Civil, ora em legislação específica avulsa e, ainda, no direito europeu, mormente na Directiva 93/13/CEE que veio conceder protecção ao consumidor contra cláusulas abusivas.
Cumpre, do mesmo modo, problematizar o alcance e interpretação das referidas interdições, indagando da bondade das soluções vertidas na lei e articulando-as com a consagração da cláusula geral assente na boa fé, perante a qual terá, qualquer cláusula, necessariamente, de se justificar. Desenvolveremos, por fim, o problema dos efeitos de uma válida limitação ou exclusão da responsabilidade, por um lado, e das consequências da sua nulidade, por outro.
Para tal, empreender-se-á uma minuciosa reflexão analítica jurisprudencial, com vista à ilustração e fundamentação do texto da nossa dissertação, recorrendo-se, para esse fim, às decisões dos nossos tribunais e, sempre que pertinente, a decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.
2. Os Contratos de Adesão e as Cláusulas Contratuais Gerais
2.1 As razões da sua proliferação à luz do surgimento de uma prática contratual hodierna
As sociedades ocidentais têm vindo, como se sabe, a sofrer visíveis transformações de um ponto de vista jurídico-económico, marcadas pelo fenómeno do consumo fruto do “espírito capitalista”, por sua vez determinante da passagem de uma sociedade de tipo tradicional para o modelo denominado “de massas”.
Aberto um novo capítulo no contexto social e económico, os nossos dias vêm sendo assinalados por uma nova estrutura de produção e distribuição de bens e serviços caracterizada pela emergência de unidades empresariais dotadas de grande dimensão, poder e de um lugar estratégico no mercado, desfrutando, por vezes, de uma posição monopolista ou oligopolista. E, perante tal cenário, não será de estranhar que o comportamento “consumístico” se tenha, inelutavelmente, difundido no seio da sociedade industrial contemporânea.
É nesta sequência que, hodiernamente, surge, no plano negocial, uma prática contratual recorrente que, pretendendo fazer face a exigências de uniformidade e tipicidade que não podem ser satisfeitas pela configuração clássica do contrato, corresponde à proliferação do fenómeno dos denominados contratos de adesão, consubstanciando, estes, “uma manifestação jurídica da moderna vida económica”1 presente no quotidiano da generalidade das pessoas, sendo frequentemente utilizados, v.g., por companhias de seguros, bancos, empresas de transporte aéreo, férreo ou marítimo, de fornecimento de água, energia eléctrica ou gás. E, ainda que a terminologia seja variada e, em termos doutrinais, possa levantar problemas2, a necessidade do legislador, tanto nacional como comunitário, em fixar o regime jurídico deste modo de contratação é representativa, de facto, da actualidade e relevância de que se reveste o tema. Assim, e “num tempo em que tudo parece remeter para o consumo e em que os mais inesperados saberes o vão
1 Subtítulo do estudo de Xxxxxx Xxxx Xxxxx sobre o tema. Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Contratos de Adesão. Uma manifestação jurídica da moderna vida económica, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XX, Abril-Dezembro, n.º 2, 3 e 4, 1973, pp. 119-148.
2 Sobre a questão, vide infra, ponto 2.2.
integrando nas suas preocupações”3, também o Direito se tem vindo a ocupar destes contratos, nomeadamente no concernente à situação de desprotecção, debilidade e subalternidade do consumidor que contrasta com a posição de superioridade da empresa estipulante, propícia à exploração, lesão e desfavorecimento do primeiro.
Portanto, de um lado deparamo-nos, num sistema capitalista em que a unidade empresarial é orientada pela prossecução do escopo lucrativo, com a necessidade da racionalização da actividade da empresa e da premência na celeridade e fluência na conclusão de contratos, objectivos tornados possíveis através da pré-determinação unilateral das suas cláusulas. E, do lado oposto, há que ter em conta os interesses do utente do serviço ou do consumidor do bem fornecido que, relativamente ao predisponente, se encontra numa situação consideravelmente mais fraca já que, não raras vezes, perante um contrato de adesão, não se apercebe das cláusulas que lhe são desfavoráveis ou porque estão redigidas em termos técnicos ou por se encontrarem dissimuladas num extenso e denso conteúdo contratual, frequentemente pouco legíveis ou impressas no verso do contrato. Xxxx Xxxxx xxxxxx, também, os casos em que o consumidor leu, compreendeu e protestou sem resultado e, ainda assim, vê-se obrigado a aderir ao regulamento por precisar do bem ou serviço, quando posto “perante o dilema de se entregar às condições pré- formuladas pelo fornecedor ou ficar privado do bem ou serviço pretendido”.4 Na prática, resta-lhe, apenas, a liberdade, demasiado precária, de aceitar ou não o conteúdo contratual, mas já não a de discutir e negociar as suas cláusulas, vedando-se-lhe a possibilidade de conformação das soluções nele firmadas, havendo mesmo quem considere que à liberdade jurídica de celebração do contrato não corresponde, por vezes, qualquer liberdade económica, na medida em que estão, amiúde, em causa bens ou serviços de que o utente não pode prescindir.5 Portanto, a liberdade de contratar cinge-se ao impasse entre a aceitação ou rejeição de condições predispostas prévia e unilateralmente por entidades que desempenham, na vida dos particulares, um papel de avultado relevo, surgindo, os
3 Sá, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª ed., Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 16.
4 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Contratos de Adesão. Uma manifestação…, p. 123.
5 Ascensão, Xxxx xx Xxxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé, in ROA, Ano 60, Lisboa, Abril 2000, p. 574.
contratos de adesão, “como um instituto à sombra da liberdade contratual”6 que, por sua vez, emerge como uma liberdade “puramente teórica”.7
Assim, ainda que se considerem os argumentos da racionalização e da agilização do tráfego negocial factores sólidos que devem ser relevados, coube ao legislador atenuar os efeitos negativos dos contratos de adesão, desonerando a parte economicamente mais débil dos riscos contratuais, o que acabou por se concretizar com o Decreto-Lei português n.º 446/85, de 25 de Outubro, relativo a cláusulas contratuais gerais e que veio introduzir profundas alterações no direito dos contratos anteriormente aplicável.
2.2 Conceito e traços característicos
Apresentados alguns dados jurídico-económicos e sociológicos elucidativos da génese dos contratos de adesão importa, agora, definir o seu conceito e enunciar os traços característicos que lhe são inerentes.
Sem nos querermos deter numa análise demasiado exaustiva da problemática, convém, desde logo, introduzir um problema prévio relativo à variedade terminológica a que se reconduz a temática em apreço.8 Frequentemente ouvimos falar em contratos de adesão, condições gerais dos contratos, cláusulas contratuais gerais, contratos em série ou, mesmo, em contratos standard.9 E, de facto, se a designação “contrato de adesão” se difundiu amplamente, a verdade é que o conceito respectivo nem sempre é entendido de forma inequívoca, questão particularmente sentida em países como Portugal que dispõe de legislação sobre cláusulas contratuais gerais.
A questão correlaciona-se com as características essenciais dos contratos de adesão que, no entendimento de Xxxxx Xxxxxxxx, se reconduzem à pré-disposição, unilateralidade e
6 Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 10 e 11.
7 Cordeiro, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral – Tomo I, 3ª ed., Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 596.
8 Para uma análise mais aprofundada desta questão terminológica, cfr. Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, Boletim da Faculdade de Direito, Suplemento 35, Coimbra, 1992, pp. 130 e ss.
9 Os países de origem germânica preferem a expressão “condições gerais dos contratos” (Allgemeine Geschäftsbedingungen: AGB) e, no domínio da “common law”, são utilizadas geralmente as designações “adhesion contract” ou “standard contract”.
rigidez.10 Importa sublinhar que a primeira característica enunciada corresponde à elaboração prévia de cláusulas que integrarão o conteúdo dos contratos a celebrar no futuro, à qual vem associada uma outra, a indeterminação, na medida em que tais cláusulas são dirigidas a um número indeterminado de pessoas.
Ora, em regra, o contrato de xxxxxx, é concluído por meio de cláusulas contratuais gerais. Ainda assim, podem faltar a estas cláusulas o requisito da generalidade ou da indeterminação pelo que, nestas hipóteses, apesar de estarmos perante contratos de adesão, caso em que estarão presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez, não se poderá falar em cláusulas contratuais gerais. Ou seja, estas últimas são previamente elaboradas com vista à celebração de uma série de contratos, que serão de adesão. Por conseguinte, a fórmula “contratos de adesão” é mais ampla do que a expressão “cláusulas contratuais gerais”, do ponto em que, a primeira abrange, também, todos os casos em que os requisitos da generalidade e indeterminação não se encontrem presentes nas cláusulas pré-formuladas.11
Embora a generalidade dos autores prefira a designação que consta da lei12, cremos que, na esteira de Xxxxx Xxxxxxxx, a fórmula “contratos de adesão” seja, talvez, a mais expressiva e compatível com o modo como se forma o acordo, acentuando-se, desta feita, o papel que sobra para a contraparte.131415
10 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx, O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas contratuais gerais, in ROA, Ano 62, Janeiro, 2002, p. 2, disponível em xxxx://xxx.xx.xx/Xxxxxxxxx/Xxxxxxx/xxxxxxx_xxxxxx.xxxx?xxxxx0000&xxxx0000
11 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, O novo regime jurídico…, p. 2. e Prata, Ana, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais: anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, Almedina, 2010, p. 28, nota 57.
12 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil…, p. 619; Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação…, p. 18; Xxxxxx, Xxxxxxx, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, p. 258 e Ascensão, Xxxx xx Xxxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé, pp. 574 e 575.
13 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 2003, p. 341.
14 Ainda assim, a opção terminológica entre “contratos de adesão” ou “cláusulas contratuais gerais” tem, muitas vezes, apenas significado material, revestindo, a alternativa, diferentes perspectivas quanto a esta técnica de contratar. Tratando-se de um processo que integra dois momentos sucessivos – a predisposição de cláusulas para inserção numa série de contratos, seguida da efectiva conclusão destes – não há dúvidas de que a primeira designação atende, essencialmente, a este segundo momento e, por sua vez, a segunda expressão dedica maior importância ao primeiro. Cfr. Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, pp. 121 e ss.
15 Outros autores preferem, ainda, falar em contratos por adesão. Cfr. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil…, p. 609 e Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, 11ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, p. 244.
Destarte, estão, tais contratos, destituídos de uma fase prévia de discussão do seu conteúdo, diferentemente do que acontece com o contrato tradicional em que ambas as partes ponderam os seus interesses e cuja conformação assenta na vontade recíproca. Passam, pois, a traduzir a vontade e interesses de apenas um dos contraentes, normalmente uma empresa que, geralmente, predetermina ex uno latere, no todo ou em parte, o seu conteúdo, estabelecendo, para tal, condições gerais que integram o conteúdo dos contratos a celebrar no futuro.16 Fica, portanto, como já sublinhámos supra, a liberdade da contraparte limitada à aceitação ou rejeição do conteúdo contratual que lhe é proposto, não estando, o emitente das referidas condições gerais, munido de um “lawmaking power”, disposto, na maior parte das vezes, a alterá-las ou a negociá-las.17 A ideia a reter é, nas palavras de Xxxx Xxxxx, a de que se está diante de uma “mera possibilidade de se decidir se se contrata, sem poder influenciar o como se contrata”.18
A ausência de uma fase de negociação no iter negotii, faz com que o aderente acabe, muitas vezes, por desconhecer aspectos cruciais da regulamentação contratual, o que acarreta elevados riscos, máxime quando aquela parte é um particular, simples consumidor final, cuja posição de subalternidade perante uma empresa com uma forte posição no mercado, permite a exploração, por parte desta, da sua situação particularmente débil. No limite, o que não raras vezes sucede, o predisponente insere cláusulas abusivas ou injustas que desconsideram, absolutamente, os interesses da contraparte, tais como as que serão objecto de um minucioso tratamento e análise na vertente dissertação e que correspondem a cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil da empresa que se apresentam, aliás, como melhor veremos, como o “núcleo das denominadas condições gerais”, sendo elas as que “melhor evidenciam os perigos inerentes aos contratos de adesão”.19
16 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 340;Xxxxxx, Xxxxxxx, Das Obrigações em geral, p. 234.
17 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Contratos de Adesão. Uma manifestação…, p. 125; Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 340 e 341.
18 Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Contratos de Adesão. Uma manifestação…, p. 126.
19 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão..., p. 338.
2.3 O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro
O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais foi, entre nós, instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, denominado, não raras vezes, por LCCG2021, procurando-se, com ele, fazer face à carência de uma intervenção legislativa cuidada neste âmbito, em virtude da generalização daquelas cláusulas. Reconhecem-se, quase unanimemente, pela doutrina, as boas soluções aí consagradas e o seu estilo rigoroso e técnico-juridicamente adequado.22 Assim, manifestamente inspirado no famoso AGB- Gesetz alemão, de 9 de Dezembro de 1976, o vertente Decreto-Lei introduziu inúmeras e profundas alterações no direito precedente dos contratos, cujos traços fundamentais serão objecto de alguma atenção como forma de contextualizar o tema a que nos propusemos com esta dissertação.
A matéria foi introduzida, neste diploma, pelo prisma das cláusulas contratuais gerais. Aliás, na sua formulação original, o n.º1 do art.º 1º indicava, como objecto, as cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitassem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.23
Algumas matérias ficariam, no entanto, inevitavelmente excluídas da disciplina das cláusulas contratuais gerais, seja por motivos formais – art.º 3º, n.º1, alíneas a) e b) – seja em função da matéria – art.º 3º, n.º1, alíneas c), d) e e). E, na verdade, o diploma em
20 Perante a crescente imposição de cláusulas contratuais gerais por um dos contraentes à generalidade dos seus clientes nas décadas de 70 e 80, mercê de uma poderosa posição no mercado e organização comercial, a CEE fez um apelo ao Conselho das Comunidades para a necessidade de os Estados-Membros legislarem no sentido de reprovarem o recurso a cláusulas abusivas e de uniformizarem os critérios da sua condenação. Foi nesta sequência que surgiram uma série de diplomas sobre o regime jurídico das cláusulas contratuais consideradas abusivas, entre eles, o Decreto-Lei português n.º 446/85, de 25 de Outubro.
21 Historicamente principiados pela Lei alemã de 9 de Dezembro de 1976 (a AGB-Gesetz), surgem, nesta linha, vários diplomas sobre o regime jurídico das cláusulas contratuais consideradas abusivas nos vários países comunitários que, pela sua ordem cronológica correspondem à Lei inglesa de 1977 (The unfair contract terms Act), à Lei francesa de 10 de Janeiro de 1978, à Lei irlandesa de 1980 (The Sale of Goods Supply of Service Act), à Lei luxemburguesa de 25 de Agosto de 1983; à Lei espanhola de 16 de Julho de 1984, destinada à defesa dos consumidores e usuários; à Lei holandesa de 18 de Junho de 1987 e, por fim, à Lei belga de 14 de Julho de 1991, sobre as práticas de comércio, a informação e a tutela do consumidor.
22 São desta opinião, entre outros, Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: da desatenção do legislador de 2001 à indispensável interpretação correctiva da lei, in Estudo em homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, RLJ, A. 140, n.º 3966, Coimbra, 2011, p. 138; Xxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de, Direito das Obrigações, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1990, p. 207 e Cordeiro, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil…, pp. 613 e 614.
23 A Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril enveredou, porém, por um caminho diferente, na medida em que, visa uma tutela alargada a todas as cláusulas não negociadas, incluindo, portanto, aquelas que se destinam a uma única utilização. Só no segundo acto de transposição da referida Directiva é que o legislador português oferece tutela face a cláusulas inseridas em contratos individualizados não objecto de negociação prévia.
menção visou, essencialmente, disciplinar situações patrimoniais privadas que se reconduzam ao fenómeno da circulação de bens e serviços.
Particularmente importante para o tema que se visa aprofundar é a concretização, em moldes materiais, pelo legislador português, ainda no âmbito da LCCG, das cláusulas que considera proibidas o que, de outra forma, tornaria o diploma improfícuo. E, desse modo, consagrou no seu art.º 15º, a proibição de quaisquer cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé, discriminando, por um lado, as relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica (cfr. art.º 17º) e, por outro, as relações com consumidores finais (cfr. art.º 20º). Permite-se, assim, atribuir uma protecção diferenciada consoante a natureza da relação em causa.24
Por conseguinte, o legislador serviu-se de uma técnica particular e, após a introdução de princípios gerais, elencou determinadas proibições no que às relações entre empresários e entidades equiparadas se refere, nos artigos 18º e 19º, determinando, no seu seguimento, a aplicação de todas as proibições aí cominadas, às relações com consumidores finais, prescrevendo, ainda, outras proibições (cfr. artigos 20º a 22º). Atribuiu-se, portanto, uma maior autonomia no que toca ao tipo de relações primeiramente enunciadas salvaguardando-se, no seu âmbito, a exoneração e limitação da responsabilidade que, eventualmente, caiba àquelas entidades. Nas relações com consumidores finais foi mais longe, o legislador, assegurando, para além da intangibilidade da responsabilidade, outros dispositivos concedentes de uma protecção adicional.
Outro aspecto tecnicamente relevante, ainda no domínio das cláusulas contratuais proibidas, assenta na diferenciação entre cláusulas absoluta e relativamente proibidas. As primeiras, constantes dos artigos 18º e 21º da LCCG, são proibidas em termos absolutos, não podendo, a qualquer título, ser integradas em contratos através do mecanismo de adesão, ou seja, as cláusulas absolutamente proibidas são-no sempre, independentemente da averiguação, no caso concreto, se têm como efeito a violação dos limites que a lei lhe
24 O Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro ultrapassa, assim, a protecção conferida pela Directiva já referida, que apenas tutela os consumidores, conferindo-se, também, protecção ao próprio empresário, o que é, em nossa opinião, de aplaudir, na medida em que, no domínio comercial, as cláusulas contratuais gerais são, muitas vezes, utilizadas por grandes empresas, nas suas relações com pequenos empresários que não devem deixar de merecer atenção.
impõe ou não25; as segundas, vertidas nos artigos 19º e 22º, apenas se podem considerar proibidas após valoração judicial, permitindo-se a sua apreciação, pelo tribunal, em cada caso concreto.26 E note-se, ainda, que o elenco de cláusulas interditas, quer estejam em causa cláusulas proibidas em termos absolutos, quer em termos relativos, não impede que o recurso a outras, não previstas em qualquer das normas mencionadas, venha a ser vedado por decisão judicial. É que, como já referimos supra, a lei prevê, nos seus artigos 15º e 16º, uma regra geral assente na boa fé, pelo que, qualquer cláusula, ainda que não conste daquele elenco, poderá, in casu, considerar-se proibida por via da violação dos aludidos preceitos.
No que tange ao capítulo dedicado às disposições processuais da LCCG, o legislador consagrou, igualmente, uma acção inibitória com finalidades preventivas de modo a complementar a tutela do aderente. Assim, nos termos da redacção actual dos arts.º 25º e seguintes, introduz-se a possibilidade da proibição, por decisão judicial preventiva, de cláusulas contratuais, mesmo antes da sua inclusão efectiva em qualquer contrato singular, visando-se, desta feita, ir para além de um mero controlo a posteriori, com efeitos circunscritos ao caso sub judice.27 Transitada em julgado a decisão judicial que determina a proibição de determinada cláusula, não pode, esta, ser incluída em contratos singulares a celebrar posteriormente pelo demandado de tal modo que, na eventualidade de tal decisão não ser acatada pela parte vencida na acção inibitória, a contraparte tem a possibilidade de invocar a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória.28
25 Tome-se, como exemplo, uma cláusula de limitação da responsabilidade formulada em termos gerais. Ela deverá ser declarada nula ainda que a conduta debitória tenha sido levemente culposa e, nesta medida, o efeito da limitação se contenha dentro dos limites legalmente admitidos.
26 Xxxxx Xxxxxxxx chama a atenção, no que respeita às cláusulas proibidas apenas em termos relativos, para o padrão de referência a ter em conta pelo tribunal. O autor sublinha que “esse padrão de referência, o quadro negocial padronizado(nos termos dos artigos 19º e 22º), é um paradigma, é o modelo perante o qual se deverá apreciar determinada cláusula, consoante a sua adequação ou divergência acentuada em relação ao quadro negocial típico de determinado sector de actividade”. Cfr. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais: problemas e soluções, in Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, Ano 2, Vol. 7, 2001, p. 16.
27 Assim, tal como dispõe o art.º 26º, a legitimidade activa pertence, não apenas ao M.P., oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou mediante solicitação de qualquer interessado mas, também, em certos termos, a associações de defesa do consumidor, associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos. A iniciativa processual transcende, portanto, o próprio lesado que, muitas vezes, perante um contraente poderoso, fica à mercê da sua própria inércia.
28 Ainda assim, esta solução, contida na redacção actual do art.º 32º, limita a eficácia ultra partes da sentença a quem pode invocá-la, ou seja, qualquer pessoa que venha a celebrar um contrato com a empresa condenada e apenas contra esta empresa, não se aproveitando, por conseguinte, todas as vantagens que um controlo preventivo apresenta, aspecto que Xxxxx Xxxxxxxx vem, já há muito, sublinhando. Cfr. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, O novo regime jurídico…p. 6.
E, para terminar esta brevíssima incursão em torno do diploma que instituiu, entre nós, o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, note-se que, apesar de se manter em vigor o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ele já foi alvo de várias alterações, entretanto introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho e, mais recentemente, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
O primeiro diploma, que procedeu à introdução de modificações à lei de 85 dez anos volvidos, teve em vista a transposição da Directiva 93/13/CEE sobre cláusulas abusivas a que já aludimos, ignorando, todavia, a solução aí prevista, e que fazia corresponder o seu campo de aplicação à ausência de “negociação individual”, o que foi, aliás, criticado por vários estudiosos.29 Questionava-se se a lei portuguesa carecia de ser alterada neste ponto, passando a abarcar todos os contratos de adesão, ainda que as cláusulas tivessem sido pré-elaboradas com a finalidade da sua inclusão num determinado contrato.30 Xxxxx Xxxxxxxx veio defender, e quanto a nós bem, a aplicação da lei a todas as cláusulas redigidas previamente, ao menos no âmbito das relações com consumidores, sustentando a sua posição com recurso ao princípio da interpretação em conformidade com a Directiva e ao eventual silêncio eloquente da lei que, não tocando neste ponto e, tendo o legislador de 95 o objectivo de transpor a referida Directiva, tornaria dispensável a sua alteração. Além do mais, ainda na esteira deste ilustre autor, seria a extensão da lei a todos os contratos de adesão a solução mais conforme com a sua ratio legis porque, como explicita, “a razão decisiva destes limites acrescidos à liberdade contratual é a ausência de negociações”.31
Ainda assim, e apesar da deficiência de transposição, merecem particular destaque a revogação do art.º 3º, n.º1, alínea c), passando a lei a aplicar-se, nomeadamente, a
29 Entre eles, Ascensão, Xxxx xx Xxxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé, p. 577 e Monteiro, Xxxxxxx Xxxxx, O novo regime jurídico…, p. 8. Em sentido diverso, Xxxxxxx Xxxxx era da opinião de que o n.º 3 do art.º 1º - correspondente ao n.º 2 na versão de 95 - tornava possível a aplicação extensiva do diploma a cláusulas que haviam sido preparadas para contratos individualizados. Cfr. Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Síntese do Regime Jurídico Vigente das Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999. In: Ascensão, Xxxx xx Xxxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé, p. 577.
30 Note-se, no entanto, que a acção inibitória, mesmo que se defenda uma aplicação extensiva da lei, pela sua natureza e finalidades, pressupõe, inevitavelmente, a existência de cláusulas contratuais gerais. Ainda assim, neste ponto não há qualquer desconformidade com a directiva já que tais medidas só se aplicarão a cláusulas contratuais gerais “redigidas com vista a uma utilização generalizada” (cfr. art.º 7º, n.º 2).
31 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Contratos de Adesão e Xxxxxxxxx…, pp. 22 e ss.
contratos de seguros, contratos de fornecimento de água e gás e a contratos bancários32 e, não menos importante, procedeu-se à previsão, no art.º 35º, de um serviço de registo das cláusulas contratuais gerais proibidas por decisão judicial.33
A LCCG vem, não obstante, a ser alterada novamente em 99, cujo diploma visou, essencialmente, retomar os problemas que haviam sido deixados em aberto pelo legislador de 95. Assim, e apesar da falta de rigor técnico do seu texto34, foi introduzido um novo n.º
2 ao art.º 1º do Decreto-Lei 446/85 que veio determinar a aplicação deste diploma igualmente “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”, aplicando-se, agora, em bloco, às cláusulas que não foram objecto de negociação individual, ainda que tratando-se de contratos individualizados. A lei portuguesa parece, destarte, ir mais longe do que a própria Directriz, regulando, também, todos os contratos individualizados e não apenas contratos individualizados celebrados com consumidores.
Atente-se, apenas, para terminar, no lapso do legislador de 2001 que, pretendendo exclusivamente a conversão em euros dos valores expressos em escudos acabou por, equivocadamente, introduzir as alterações de forma incorrecta nos artigos 28º e 32º o que obriga, o intérprete a proceder a uma interpretação correctiva da lei.35
2.4 A Directiva Europeia sobre cláusulas abusivas
Após um processo marcado pelos seus sucessivos recuos e avanços, durante um período de gestação de aproximadamente duas décadas, a Comunidade Europeia
32 Esta alínea, demasiado ampla, excluía do campo de aplicação da lei as “cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada”, o que acabava por inviabilizar a sujeição à LCCG de muitos tipos de contratos já que existem, nesses domínios, entidades públicas que procedem à fiscalização das empresas que os celebram.
33 Para uma análise sobre o tema, cfr. Cristas, Assunção, Registo Nacional de Cláusulas Abusivas, disponível em: xxxx://xxx.xx.xxx.xx/xxxxxxxx_xxxx/xx/XX_XX_0000.xxx.
34 De forma crítica, Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, O novo regime jurídico…p. 9.
35 Os preceitos a alterar deveriam ter sido, antes, o n.º 2 do art.º 29º e o n.º 1 do art.º 33º. Para uma análise mais pormenorizada, v.g. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: da desatenção do legislador de 2001 à indispensável interpretação correctiva da lei,in Estudo em homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, RLJ, A. 140, n.º 3966, Coimbra, 2011.
promulgou, por fim, a Directiva 93/13/CEE, a 5 de Abril de 1993, sobre cláusulas abusivas em contratos celebrados com consumidores.36
A harmonização legislativa, num quadro de ausência de uniformidade dos regimes vigentes nos diversos países comunitários, surge, afinal, como o propósito central do legislador europeu, no contexto do gradativo desenvolvimento do mercado interno. Ainda assim, procedeu-se à fixação de standards mínimos de tutela, deixando-se, aos Estados- membros, a possibilidade de ir mais longe, podendo prever níveis mais elevados de protecção.
Objecto da intervenção comunitária são, portanto, as cláusulas que não tenham sido objecto de negociação individual, considerando-se, como tal, aquelas que tenham sido previamente elaboradas e sobre cujo conteúdo, consequentemente, o consumidor não tenha podido exercer influência.37 Além do mais, nem todas as cláusulas abusivas fazem parte do objecto da matéria proposta, ficando excluídas, desde logo, quer as relações negociais estabelecidas entre empresários, quer os contratos celebrados entre consumidores. Ou seja, assume, exclusivamente, relevo, no domínio da Directiva, o intento de protecção do consumidor, visando-se nela, apenas, os contratos entre profissionais e consumidores.38
Note-se que, de mais a mais, tal circunstância é recorrentemente sublinhada pela jurisprudência europeia que, sobre o escopo do sistema de protecção implementado pela directiva, vem reforçando a ideia segundo a qual “o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional”39, sublinhando a pretensão da substituição do “equilíbrio formal que este [o contrato] estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real susceptível de restabelecer a igualdade entre estas”.4041
36 Publicada no J.O.U.E. n.º L 95/29, de 21 de Abril de 1993.
37 Como previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 3º da Directiva 93/13/CEE.
38 Xx, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, pp. 18 e 19.
39 Ac. do TJUE de 27 de Junho de 2000 nos processos C-240/98, C-241/98, C-242/98, C-243/98 e C-244/98 (Oceáno), disponível em www.xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx.
40 Ac. do TJUE de 26 de Outubro de 2006, no processo C-000/00 (Xxxxxxx Xxxxx), disponível em www.xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx.
41 Desenvolvendo este argumento de substituição de um equilíbrio formal for um equilíbrio real, contam-se, entre outros, os seguintes arestos do TJUE: Ac. de 4 de Junho de 2009, no processo C-243/08 (Pannon); Ac. de 6 de Outubro de 2009, no processo C-40/08 (Asturcom) e Ac. de 9 de Novembro de 2010, no processo C- 137/08 (VB Pénzugyi Lízing), disponíveis em www.xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx.
Contudo, crê-se que melhor seria, na esteira da orientação da lei portuguesa, a extensão do âmbito subjectivo de aplicação da Directiva em análise, às relações entre empresários.42
Do ponto de vista objectivo, pretendeu-se incidir sobre cláusulas que não tenham sido objecto de negociação individual, não se limitando, como já vimos a propósito da transposição da Directriz para o ordenamento jurídico interno, como a LCCG inicialmente previa, ao domínio das condições predispostas para uma pluralidade de contratos, almejando-se, antes, abranger todos os contratos individuais não negociados. Por outras palavras, são também abarcadas, pelo diploma vertente, cláusulas que se destinam a uma única utilização.43
Outro aspecto particularmente importante da Directiva é a concretização do conceito de cláusulas abusivas.44 Decisiva é a circunstância de a cláusula em causa, contrariando as exigências da boa fé, originar um significativo desequilíbrio, em detrimento do consumidor, entre os direitos e deveres das partes decorrentes do contrato.45 E, pronunciando-se sobre os critérios de distribuição de competências, tem vindo a jurisprudência europeia a considerar competentes os tribunais da U.E. para a interpretação em abstracto destes conceitos indeterminados e, por sua vez, os tribunais dos Estados- membros, para a sua aplicação em concreto.46
Destarte, numa tentativa de densificação do mencionado conceito, consagrou, o legislador comunitário, em anexo, um catálogo de cláusulas potencialmente abusivas, ainda que não lhe tenha conferido carácter imperativo e as tenha afastado relativamente a certos contratos, particularmente do sector financeiro.4748
42 Xxxxxx Xxxxxx vai mais longe do que a orientação perfilhada pela lei portuguesa, considerando que deveria ser estabelecido um regime uniforme para os contratos de adesão e, portanto, sem destrinça quanto ao carácter profissional ou não profissional do aderente. Cfr. Telles, Xxxxxxxxx Xxxxxx, Das Condições Gerais dos Contratos e da Directiva Europeia sobre as Cláusulas Abusivas, in O Direito, Ano 127º, III-IV, 1995, p. 306.
43 Sobre a transposição da Directiva 93/13/CEE no que se refere a esta matéria, vide supra, ponto 2.3.
44 Acerca dos problemas de interpretação do conceito de “cláusula abusiva”, v.g. o Ac. do TJUE de 1 de Abril de 2004, no processo C-237/02 (Freiburger Kommunalbauten) que explicita a relação entre a norma geral do n.º1 do art.º 3º e as normas específicas do anexo para que remete o nº3 do mesmo artigo. Relacionando os critérios enunciados no art.º 3º com os enunciados no art.º 4º cfr., a título de exemplo, o Ac. de 3 de Junho de 2010, no processo C-484/08 (Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid).
45 Cfr. n.º 1 do art.º 3º da Directiva.
46V.g., o Ac. do TJUE de 1 de Abril de 2004, no processo C-237/02 (Freiburguer Kommunalbauten), disponível em www.xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx.
47 Cfr. Considerando 17 do Preâmbulo da Directiva.
Ora, se o carácter abusivo de uma cláusula acarreta a sua não vinculatividade relativamente ao consumidor, impôs-se aos Estados-membros a obrigação de recorrer a instrumentos apropriados e eficazes no sentido de eliminar as cláusulas abusivas do tráfico negocial quando intervenham consumidores, ainda que deixando ao seu critério a escolha da categoria jurídica que, no seio de cada ordenamento interno, respeite de forma mais conveniente o escopo daquela sanção.
Por conseguinte, a Directiva determina a adopção de um mecanismo de fiscalização abstracta, podendo, todavia, os Estados-membros, em alternativa, optar por um sistema administrativo ou por um processo judicial, nomeadamente com recurso à lógica da acção colectiva.49 Reflecte, esta circunstância, a necessidade de tutela da generalidade dos consumidores, “enquanto grupo abstractamente confrontado com o perigo que resulta da simples utilização de condições gerais”.50 Esta consubstancia, pois, uma das mais relevantes medidas do diploma que se vem analisando e que a lei portuguesa também já consagrara em 1985, através da, já acima aludida, acção inibitória.
O Código do Consumidor deverá proceder à revogação total da LCCG, passando a regulamentar a matéria numa subsecção autónoma, que abrange as disposições de direito substantivo, e que terá de ser integrada com as respectivas disposições processuais.
Em termos de sistematização, a estrutura da referida lei é preservada no Anteprojecto do Código do Consumidor que, contudo, regula, em termos mais minudentes, a figura da acção inibitória.
Ainda assim, procedeu-se à autonomização do contrato de adesão relativamente às cláusulas contratuais gerais, dedicando-se, à primeira figura, uma norma remissiva, o art.º 226º, que, de resto, invoca a aplicação das disposições dedicadas às cláusulas contratuais
48 Discutindo a menor plausibilidade de algumas destas excepções e pondo em causa, com base na eliminação da força vinculante das proibições, a solidez justificativa das próprias proibições, cfr. Xx, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, pp. 19 e ss.
49 Sobre a ponderação entre as vantagens e inconvenientes de ambos, cfr. Xxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx, Das Condições Gerais dos Contratos e da Directiva…, pp. 307 e 308.
50 Sá, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, p. 24.
gerais, excepto no referente à acção inibitória. Portanto, no que respeita ao âmbito de aplicação do aludido Anteprojecto, atendendo ao seu art.º 202º, optou-se pela supressão do n.º1 do art.º 2 da LCCG, introduzido pela revisão de 99.
Sublinhe-se ainda que, sem prejuízo da designação “Código do Consumidor”, não é, este, um diploma dirigido, exclusivamente, ao consumidor, qua tale,51 tal como definido no articulado, no art.º 10º, outrossim abrangendo diversas pessoas e relações jurídicas (cfr. art.º 13º do Anteprojecto) o que se verifica, designadamente, no domínio das cláusulas contratuais gerais, mantendo-se, dessarte, a orientação ora vigente.5253
Não obstante algumas alterações mais significativas, nomeadamente em matéria de acção inibitória e de ilícito contra-ordenacional, a generalidade das disposições foram mantidas no vertente diploma, entre elas, as relativas à matéria das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil, pelo que não estará em causa, em princípio, a actualidade do estudo subsequente, ao qual nos propusemos.
3. Das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil inseridas em contratos de adesão
3.1 Enunciado do problema, sua evolução e actualidade
A responsabilidade civil, tema de inegável importância e questão central para o pensamento jurídico em geral, passou por uma evolução, fruto, em larga medida, das mutações que se registaram na sociedade, desencadeadas pelos mesmos factores sócio- económicos que, paralelamente, suscitaram a proliferação supra descrita dos contratos de adesão.
51 O Código do Consumidor procede à revisão do conceito de consumidor, com a finalidade da sua adequação ao entendimento corrente ao nível comunitário e, assim, não inteiramente coincidente com a sua definição legal que consta da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (LDC), permitindo-se o seu alargamento às situações previstas nos n.º1 e 2 do art.º 11º.
52 Cfr. ponto 4 das disposições preliminares do Anteprojecto do Código do Consumidor.
53 Não obstante, Menezes Cordeiro crê que a inclusão da lei sobre cláusulas contratuais gerais no Código do Consumidor não é a solução ideal na medida em que, a lei vigente consagra regras aplicáveis às relações entre empresários ou entidades equiparadas, razão pela qual, não entende, o autor, a que título inseri-la num diploma relativo a consumidores. Cfr. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil…, p. 611.
O desenvolvimento técnico-industrial, contribuindo para o aumento exponencial de eventos danosos, acabou por revelar a inadequação à nova realidade do princípio de que “não há responsabilidade sem culpa” o que, xxxxx, implicou, em numerosos e elementares sectores da vida, a consagração de uma responsabilidade fundada no risco que prescinde da culpa do lesante e, até, da ilicitude da conduta.54
E, esta urgência de resposta a necessidades sociais de segurança é, concomitantemente, marcada pelo desenvolvimento dos seguros de responsabilidade, obrigatórios em determinadas situações, e pela criação de fundos de garantia. De facto, o advento dos seguros vem reformular os contornos da responsabilidade, na medida em que surge, no lugar do lesante que, regra geral, suporta a indemnização, uma colectividade – a companhia de seguros – que toma a seu cargo a reparação. Porém, vai mais longe a socialização da responsabilidade através da consagração de fundos de garantia, constituindo-se um mecanismo de reparação colectiva, complementar à responsabilidade individual. E tais circunstâncias são caracterizadoras da função predominantemente reparadora ou indemnizatória, ao presente, desempenhada pela responsabilidade civil em detrimento de uma função sancionatória.55
Assim, da crescente complexidade da economia e indústria modernas, ao lado do desdobramento das fontes de riscos, emana um agravamento da posição do devedor, daqui derivando o seu interesse e necessidade de recurso a cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade que lhe cabe, independentemente das orientações e tendências inversas que caminham no sentido de assegurar uma maior protecção do lesado.
A evolução da disciplina jurídica das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade é, também, reflexo do referido desenvolvimento económico e social que se repercute, incontestavelmente, no sistema jurídico. No fundo, tais cláusulas correspondem a exigências do processo de industrialização e de segurança na exploração económica de inúmeras actividades, que estão na base de vários riscos e, consequentemente, dos elevados custos de responsabilidade, muitas vezes insuportáveis por parte das empresas.56
54 Xxxxxx, Xxxxxxx, Das Obrigações em geral, p. 523.
55 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 62 e 63.
56 Prata, Xxx, Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, Coxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 23.
Embora conhecidas em toda a antiguidade e já consagradas no direito romano, foi com a multiplicação das relações contratuais, com o recurso inevitável aos contratos de adesão, produto das modernas técnicas de produção e distribuição de produtos e serviços em massa, que se verificou um crescimento exponencial das cláusulas limitativas e exoneratórias. Com efeito, constituem, estas cláusulas, o conteúdo mais típico e preocupante daqueles contratos, afirmando, mesmo, Xxxxx Xxxxxxxx, que elas constituem “o conteúdo standard dos contratos standard”.57
Na verdade, elas estão intimamente ligadas às concepções jurídicas liberais assentes no respeito pela liberdade dos contratantes e na máxima preservação da autonomia privada. Desta forma, e de acordo com este entendimento, seria possível, às empresas, acautelar a sua responsabilidade, permitindo-lhes, tal circunstância, o recurso a meios técnicos arriscados e, como tal, geradores de inevitáveis danos, com inegáveis vantagens, mormente possibilitando a diminuição dos custos de produção.
Contudo, com a suplantação das teses liberais, a decorrente diminuição da autonomia privada e o crescente intervencionismo do Estado, a problemática atinente a estas cláusulas mudou de contornos, nomeadamente perante a acentuação do perigo de abuso do poder económico com a estipulação de cláusulas abusivas nos contratos de adesão.58 Sobreleva, nesta medida, cada vez mais, a imprescindibilidade da tutela do consumidor e, em geral, da protecção do contraente económica e socialmente mais débil.
Impõe-se, à vista disso, empreender uma ponderação de interesses entre, por um lado, a autonomia privada e, por outro, a ordem pública; entre a conveniência do tráfico negocial e as necessidades sociais de protecção e reparação do lesado.59 E, como não será difícil antever, designadamente no que respeita à inserção de cláusulas limitativas e exoneratórias nos contratos de adesão, tem-se optado pelo refreamento da liberdade contratual em prol de uma tutela mais significativa do credor. Exemplos disso são, v.g., a AGB-Gesetz alemã, de 1976 que regula as condições gerais dos contratos e prescreve, no
57 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 70.
58 Xxxxx Xxxxxxxx sublinha, a este propósito, que “adquiriu-se a consciência de que a liberdade contratual de muitos pode ser destruída pela liberdade contratual de poucos (…)”. Cfr. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 74.
59 Xxxxxx Xxxxxx Xxxx que há que atentar “a dois interesses opostos e equivalentes; de um lado, o de proporcionar às vítimas do dano, cada vez mais numerosas, a reparação capaz de restaurar real ou idealmente o statu quo desfeito pelo evento danoso; de outro, o de evitar que, por demasiado empenho em ver satisfeita a primeira preocupação, se converta o mecanismo da responsabilidade civil em processo de aniquilamento da iniciativa privada (…)”. Xxxx, Xxxxxx, Cláusula de não-indenizar, Rio de Janeiro, 1947, pp. 9 e 13 e ss. In: Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 75.
seu § 11, especiais limites de validade para as convenções exoneratórias e limitativas da responsabilidade do predisponente; o Unfair Contract Terms Act inglês, de 1977, cujo objecto abrange as cláusulas exoneratórias e limitativas da responsabilidade e as cláusulas relativas à indemnização, estatuindo soluções particularmente restritivas neste domínio e, mais recentemente, o nosso Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ocupando-se destas cláusulas nas alíneas a) a d) do seu art.º 18º e enquadrando-as no domínio das cláusulas absolutamente proibidas. Também o legislador comunitário tratou, na já aludida Directiva, das cláusulas em análise, estabelecendo, em anexo, a sua validade em moldes bastante estreitos.
Ora, não sobram dúvidas sobre a confluência das duas problemáticas que originou a sua análise na vertente dissertação, na medida em que, como assevera Xxx Xxxxx, “é impossível dissociar a discussão acerca das convenções sobre responsabilidade daquela que se refere à problemática dos contratos de adesão”.60 Assim, convocam, as cláusulas em apreço, a matéria atinente ao controlo específico dos contratos de adesão e, mormente a tutela do consumidor, pelo que, impõe-se, pela importância prática do tema e inerente actualidade, uma apreciação minuciosa das soluções consagradas pelo legislador português e comunitário, sem descurar a natural relevância que assume a jurisprudência neste contexto.
3.2 Noção e modalidades de cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade
Importa, antes de mais, deixar claro que, incorrendo em responsabilidade, o autor do facto danoso constitui-se numa obrigação de indemnização perante o lesado, tendo, nos termos do art.º 562º do CC, de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Deste modo, a referida indemnização consiste na reparação de determinado dano, mediante a reconstituição natural ou, caso esta não seja possível, por equivalente, em dinheiro, tal como estatui o n.º1 do art.º 566º do mesmo diploma legal, observando-se, para o cálculo desta última, a teoria da diferença, consagrada no número seguinte.
60 Prata, Xxx, Cláusulas de Exclusão e Limitação…, pp. 26 e 27.
Ora, como acentua Xxxxx Xxxxxxxx, as convenções exoneratórias e limitativas da responsabilidade actuam, fundamentalmente, ao nível da obrigação de indemnização, ainda que, e nomeadamente quando está em causa a limitação da responsabilidade, elas possam revestir outras modalidades que não consubstanciem a compressão do montante indemnizatório. Assim, este ilustre autor define as cláusulas objecto do nosso estudo como estipulações negociais destinadas a excluir ou limitar, em certos termos, a responsabilidade em que, de outra forma, o devedor incorreria, pelo não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora das suas obrigações. A responsabilidade ficará, portanto, circunscrita dentro de determinados parâmetros ou até determinado montante.61
Movendo-se estas convenções, essencialmente, como vimos, no âmbito da obrigação de indemnização, sublinhe-se que elas constituem um efeito comum à responsabilidade extracontratual ou aquiliana (art.º 483º) e à responsabilidade contratual (art.º 798º).
Outra questão prende-se com o âmbito material de aplicação das proibições contidas nas alíneas a) a d) do art.º 18º da LCCG que abrangem, quer as cláusulas de exclusão da responsabilidade, quer as cláusulas de limitação da mesma. Relativamente à destrinça entre ambas, verifica-se uma certa flutuação terminológica na doutrina quanto à sua utilização e respectiva delimitação.
Autores há que entendem as duas categorias de cláusulas acima enunciadas como uma unidade conceptual. Por um lado, Pessoa Xxxxx recorre a um conceito unitário de cláusulas de limitação de responsabilidade podendo, estas, compreender uma limitação total, casos em que estaria excluída a obrigação de indemnização, ou uma limitação parcial, hipótese em que ela ficaria restringida através da fixação do seu montante, em que se verificasse a exoneração do devedor em caso de culpa leve, do afastamento da sua presunção de culpa ou do estabelecimento de um prazo para o exercício do direito de reclamar a indemnização.62 Também Xxxxx Xxxxxxx considera que “toda a limitação é
61 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 98 e ss.
62 Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, A Limitação Convencional da Responsabilidade Civil, in BMJ n.º 281, Dezembro de 1978, p. 7.
simultaneamente uma exoneração parcial (e vice-versa), pois deixa por indemnizar certos danos (ou certa medida dos danos), que, sem ela, seriam reparáveis”.63
Não obstante, Xxxxx Xxxxxxxx diferencia as duas categorias de cláusulas em menção, distinguindo, dentro daquelas que atinem à limitação da responsabilidade, múltiplas modalidades possíveis às quais prontamente se fará alusão.
Refira-se, apenas, antes disso, a nossa discordância com a recondução que faz Xxxxx Xxxxxxx, para efeitos de “arrumação expositiva”, das cláusulas que preveem o afastamento de uma obrigação às convenções exoneratórias. Na esteira de Xxxxxx Xxxxxx00, Pessoa Jorge65 e Xxxxx Xxxxxxxx00, cremos que, tal previsão, procede ao balizamento do conteúdo e extensão do contrato, precisando-se o seu objecto, pelo que, não haverá, nestes casos, uma exoneração da responsabilidade do devedor, estando, antes, em causa, a exclusão de determinada obrigação e “não se poderá ser responsável pelo não cumprimento de uma obrigação que não foi assumida”.67 Neste sentido entendeu, também, um recente Acórdão do STJ de Abril de 2015 que, relativamente a uma cláusula de exclusão de responsabilidade dos danos ocorridos em provas desportivas inserida num contrato de seguro automóvel, assinalou a sua função de delimitar o objecto do contrato e o âmbito do risco coberto pelo mesmo.68
Contudo, atente-se que a disciplina jurídica relativa às proibições elencadas nas alíneas a) a d) do art.º 18º da LCCG, abrange, como já se referiu, quer as cláusulas de exoneração da responsabilidade, quer as cláusulas da sua mera limitação, sujeitando ambas ao mesmo regime, pelo que, a distinção assumirá escasso relevo prático.69
63 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), in Sep. de: BFDUC, estudos em Homenagem ao Prof. Doxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 31.
64 Telles, Xxxxxxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp. 433 e 434.
65 Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, A Limitação Convencional…, p. 19.
66 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 116 e ss.
67 Xxxxxx, Xxxxx, Droit Civil. Obligations, Paris, 1972, p. 625. In: Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 117.
68 Ac. do STJ de 15/04/2015 (processo n.º 235/11.0TBFVN.C1.S1), disponível em xxx.xxxx.xx.
69 Também relativamente ao regime que vigora para os contratos negociados, nos termos do art.º 809º do CC, a maior parte da doutrina submete à mesma disciplina as cláusulas exoneratórias e as cláusulas limitativas. Destaca-se, porém, pela sua originalidade, a tese de Xxxxxx Xxxxxx que retira daquele preceito legal soluções diferentes consoante esteja em causa a limitação ou a exclusão da responsabilidade do devedor, considerando apenas vedada uma renúncia total dos direitos a que se refere a norma e, já não, uma renúncia meramente parcial. Cfr. Telles, Xxxxxxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações…, pp. 424 e 425.
Retomando o que acima se vinha dizendo, relativamente às possíveis modalidades de cláusulas de exoneração e limitação da responsabilidade, obedecerá a vertente exposição ao agrupamento e sistematização a que recorre Xxxxx Xxxxxxxx, por se nos apresentar mais completo e rigoroso e na medida em que seria impraticável a sua apresentação da perspectiva de todos os autores, tendo em conta a incontrovérsia do espaço que assumem tais cláusulas, bem como do âmbito que lhes é atribuído e das espécies que lhe são subsumidas. E repare-se, desde já, que, como assevera Xxx Xxxxx, apesar de ser teoricamente possível a formulação de critérios formalmente rigorosos, a prática contratual tem sido demonstrativa de que aquelas cláusulas têm, frequentemente, âmbitos complexos que justificariam a sua inserção em mais do que um grupo.70 É, também, a conclusão a que chegaremos a partir da ilustração desta questão com alguma jurisprudência.
Destarte, ainda que algumas delas visem apenas indirectamente a exoneração ou limitação da responsabilidade do devedor, somente se enunciarão, na perspectiva de Xxxxx Xxxxxxxx, as modalidades mais significativas das cláusulas cujo estudo é preocupação central do nosso trabalho.71
Assim, poderão estar em causa convenções limitativas e de exclusão da responsabilidade por actos próprios do devedor ou por actos dos seus auxiliares ou representantes. Nos termos das alíneas c) e d) do art.º 18º da LCCG, estão ambas sujeitas ao mesmo regime, circunscrevendo-se a sua proibição aos casos de dolo e culpa grave.72 A título de exemplo da segunda modalidade de cláusulas enunciadas, ainda que inserta num contrato negociado, tome-se a cláusula constante de um contrato-promessa que eximia uma empresa do ramo imobiliário de responsabilidade por incumprimentos das empreiteiras, consideradas, no caso sub judice, suas “auxiliares”.73
Não obstante, a categoria mais difundida de cláusulas limitativas reporta-se àquela que, nas palavras daquele insigne civilista, “se destina a restringir a extensão da responsabilidade (…) [a] certos danos (limitando a obrigação de indemnização aos danos directos, ou aos danos emergentes, por ex.), ou até uma determinada quantia, que actua
70 Prata, Xxx, Cláusulas de Exclusão e Limitação…, p. 31.
71 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 103 e ss.
72 No que concerne aos contratos negociados, sujeitos ao regime comum, vigora uma solução jurídica diferente consoante estejam em causa actos próprios do devedor ou actos dos seus representantes legais ou auxiliares, valendo, nestes casos, o art.º 809º e o n.º2 do art.º 800º respectivamente (vide infra, ponto 3.3.2). 73 Ac. do TRL de 14/01/2010 (processo n.º 1484/07.1TVLSB.L1-2), disponível em xxx.xxxx.xx.
assim como limite máximo da indemnização”.74 E, na verdade, são estas cláusulas sobre as quais mais se tem debruçado a nossa jurisprudência por serem, de facto, aquelas que melhor salvaguardam os predisponentes dos contratos de adesão, de responderem por avultados danos. Repare-se na cláusula que procedia ao afastamento da responsabilidade do devedor por “danos futuros, lucros cessantes, perdas de mercados, perda de utilização do conteúdo da mercadoria, perda de oportunidade negocial, ou outras perdas indirectas que resultem de atraso ou entrega mal efectuada ou extravio da mercadoria” declarada nula pelo Acórdão do TRL de Julho de 2008.75 Ou, ainda, na norma constante do n.º3 do art.º 53º do Anexo I do Decreto-Lei n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, na parte em que não permitia, em caso algum, que fossem ressarcidos os lucros cessantes sofridos pelos utentes dos CTT, cuja apreciação, pelo TC, determinou a sua inconstitucionalidade.76
Ainda assim, especialmente difundidas são as cláusulas que estabelecem um determinado plafond e que consistem, normalmente, na estipulação de uma soma pecuniária, obtendo-se, desta forma, a limitação da indemnização, ainda que esta seja possível por outras vias, designadamente através da previsão de uma percentagem de danos77 ou, mesmo, mediante a estipulação de um limite máximo da indemnização.7879
Outras cláusulas comummente insertas em contratos de adesão, são as que restringem a responsabilidade do predisponente aos casos de dolo ou culpa grave como a que suscitou a averiguação da sua validade num Acórdão do TRL de Maio de 2007.80 Desta maneira, a responsabilidade do devedor é limitada por meio da restrição dos seus fundamentos ou pressupostos, o que se manifesta, máxime, no uso recorrente de cláusulas de exclusão por culpa leve. Mas, Xxxxx Xxxxxxx aponta, ainda, a possibilidade de tal
74 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 104 e 105.
75 Ac. do TRL de 17/07/2008 (processo n.º 5634/2008-7), disponível em xxx.xxxx.xx.
76 Ac. do TC de 3/05/1990 (processo n.º 340/87), disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
77 De que é exemplo uma cláusula constante de um contrato de seguro desportivo que estipula que “se o grau de invalidez permanente for inferior a 10%, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização”, cuja validade foi discutida no Ac. do TRC de 14/04/2015 (processo n.º 815/11.4TBCBR.C1), disponível em xxx.xxxx.xx.
78 Reparem-se nas cláusulas discutidas no Ac. do STJ de 27/04/99 (processo n.º 258/99), in BMJ n.º 486, pp. 291 e ss., reportando-se à cláusula conhecida na gíria por “cláusula Kodak” e, muito recentemente, no Ac. do TRL de 5/02/2015 (processo n.º 8/13.6TCFUN.L1-2), disponível em xxx.xxxx.xx.
79 Não se confunda, todavia, esta cláusula com a cláusula penal que corresponde à convenção através da qual as partes estipulam uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação.
80 Ac. do TRL de 8/05/2007 (processo n.º 2047/2006-7), disponível em xxx.xxxx.xx. A cláusula em causa excluía a responsabilidade da empresa pelos danos que lhe fossem imputados a título de culpa leve, declarada nula por violação da alínea a) do art.º 18º da LCCG.
restrição assentar, quer na ilicitude do próprio facto através, por exemplo, da identificação dos comportamentos susceptíveis de desencadear a pretensão indemnizatória ou, mesmo, mediante a certificação fictícia da regularidade da prestação; quer na relação causal entre o facto e o dano, exigindo, o predisponente, designadamente, um nexo imediato e directo ou uma causalidade única, por meio da qualificação de determinados eventos como liberatórios.81
Não raras vezes, deparamo-nos, igualmente, com cláusulas contratuais gerais declinadoras da responsabilidade da empresa na ocorrência de certos acontecimentos que são, por si, equiparados a casos de “força maior”. A sua discussão é, aliás, frequente na jurisprudência. Vejam-se, as cláusulas, objecto de apreciação pelo TRL, que excluíam o dever de indemnizar, “quando os prejuízos resultantes forem causados por greves, tumultos, assaltos ou incêndios” ou, numa decisão mais recente, “por quaisquer danos (…) provocados por casos fortuitos ou de força maior”, a primeira constante dos recibos entregues aos clientes de uma lavandaria e a segunda, inserta num contrato de locação financeira.82 Xxxxx Xxxxxxxx faz depender a validade desta modalidade de cláusulas, por um lado, da determinação e precisão dos acontecimentos equiparados aos referidos casos de “força maior” e, por outro, do facto de, os mesmos, escaparem ao controlo do devedor não lhe sendo, portanto, imputáveis, sob pena, como sublinha aquele autor, de se cair no domínio de um venire contra factum proprium.83
Refira-se apenas, e para terminar, que surgem, amiúde, outro tipo de cláusulas que só de forma mediata originam uma limitação ou exclusão da responsabilidade, pelo que não serão objecto de uma análise exaustiva na presente dissertação. Reportamo-nos àquelas que introduzem uma inversão do ónus probandi; às que procedem à redução dos prazos legais de prescrição e caducidade ou, ainda, às que impõem uma limitação da garantia patrimonial, circunscrevendo a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens.
81 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 30.
82 Acs. do TRL de 8/05/1995 (processo n.º 0093871) e de 15/01/2009 (processo n.º 9574/2008-8), o primeiro disponível na CJ, tomo III, p. 137 e o segundo, em xxx.xxxx.xx.
83 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 109.
A lei vigente em matéria de contratos de adesão caracteriza-se, como já tivemos, aliás, oportunidade de enfatizar aquando da apreciação do regime instituído pelo Decreto- Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pela minudência regulamentadora inerente à enumeração das normas de proibição. Encontram-se, tais normas, dispersas por quatro grupos que envolvem os mais variados domínios da disciplina negocial, tendo como base, quer o modo, quer o âmbito pessoal da proibição.
Quanto ao modo, vimos, ainda, que os art.º 18º e 21º consagram proibições absolutas, contrapondo-se-lhes, nos art.º 19º e 22º, aquelas que se designam por relativas.8485 Por sua vez, no que respeita ao âmbito pessoal, denotámos que os art.º 21º e 22º vigoram, somente, nas relações com consumidores finais, impondo uma maior severidade de regime (art.º 20º), ao passo que os art.º 18º e 19º, sendo de alcance geral, valem tanto para este tipo de relações como para relações entre empresários e entidades equiparadas (art.º 17º).86
Note-se, ademais, que a previsão pormenorizada dos concretos limites balizadores do conteúdo das cláusulas contratuais gerais não tem como único destinatário o órgão judicante, ainda que lhe simplifique a sua função de controlo. Ela possui, simultaneamente, como salienta Xxxxx Xxxxxxx, um intuito “didáctico”, dirigindo-se, também, aos predisponentes de cláusulas contratuais gerais que, naquelas disposições, encontram os limites inultrapassáveis da modelação do conteúdo contratual que, em proveito próprio, poderão inserir nos contratos de adesão.87
Foi, pois, no seio do art.º 18º, mormente nas suas alíneas a), b), c) e d) que o legislador consagrou o regime das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil quando inseridas em contratos de adesão, ainda que o conteúdo de outras disposições
84 Sobre a distinção entre proibições absolutas e relativas, vide supra, ponto 2.3.
85 São, recorrentemente denominadas pela doutrina como listas negras e listas cinzentas, respectivamente, os róis das cláusulas absolutamente proibidas e relativamente proibidas.
86 É, concomitantemente, abrangido o exercício de profissões liberais que “embora não pressupondo uma caracterizada estrutura empresarial, também efectuam contratos no decurso da sua actuação”. Cfr. Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação…, p. 38.
87 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 9. O autor adverte, ainda, para a vantagem que se retira da previsão das proibições de propiciar às associações representativas de interesses e, particularmente, às associações de defesa do consumidor, as coordenadas quanto ao âmbito daquelas, em estímulo indirecto ao exercício efectivo da acção inibitória.
se possa repercutir no regime da responsabilidade como, v.g, a alínea b) do art.º 19º, a alínea d) do art.º 21º e a alínea g) do art.º 22º, com a decorrente sobreposição e dispersão de regimes. Assim, torna-se indispensável compreender a exacta configuração do espaço normativo de cada preceito, impondo-se a sua análise interpretativa e inerente enquadramento sistemático.
Embora incidindo as primeiras quatro alíneas do art.º 18º, cujo estudo ocupará grande parte do nosso trabalho, sobre o mesmo tipo de cláusulas (exoneratórias e limitativas da responsabilidade), a sua distinção assenta, desde logo, na função da natureza da responsabilidade civil. Deste modo, as alíneas a) e b) vigoram quanto à responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, enquanto as alíneas c) e d), valem para a responsabilidade contratual.
Repare-se que, para as questões cujo regime se visa naquelas disposições, é possível encontrar solução no Direito comum, designadamente nos art.º 81º, nº1; 280º; 294º; 340º, nº2; 504º, nº3; 800º, nº2 e 809º, todos do CC. Com efeito, e ainda que focando as necessidades particulares da disciplina jurídica das cláusulas exoneratórias e limitativas nos contratos de adesão, far-se-á o seu confronto com o regime geral, sempre que se mostre necessário e ajustado à compreensão da ratio da consagração de soluções especiais naquele contexto.
Se são facilmente configuráveis as cláusulas exoneratórias e limitativas no domínio contratual, o mesmo não se passa, pelo menos de forma imediata, com as convenções tendentes a afastar a responsabilidade extracontratual do devedor.
Ainda que haja quem considere logicamente impossíveis tais convenções, a verdade é que elas são perfeitamente concebíveis, por exemplo, com o intuito de regulação de alguns domínios da vida social, designadamente as relações de vizinhança e de proximidade. E, não obstante, neste âmbito, ser improvável o recurso a cláusulas contratuais gerais, na prática, esta problemática, atinente ao afastamento da
responsabilidade extracontratual, também é susceptível de contender com os contratos de adesão. De facto, não será de estranhar que, em proveito próprio, o predisponente de um contrato deste tipo afaste a sua eventual responsabilidade pela violação de um dever geral de abstenção que, por vezes, decorre, mesmo, em simultâneo com o incumprimento de uma obrigação.
Assim sendo, e ainda que a convenção de exoneração ou limitação da responsabilidade delitual se encontre inserta num contrato, nestes casos, de adesão, tal circunstância não lhe retira a natureza extracontratual.88 A responsabilidade extracontratual ficará, nesta medida, previamente regulada por contrato. Por conseguinte, não consubstanciam uma forma daquelas convenções as simples declarações unilaterais ou a vulgar afixação de “avisos” ou “cartazes” a declinar a responsabilidade por não haver uma aceitação da outra parte.89
Ora, se de facto é possível que o predisponente recorra a convenções de irresponsabilidade extracontratual com o propósito de afastar ou regular a responsabilidade em que possa vir a incorrer, resta-nos averiguar em que termos e sob que limites o poderá fazer de iure.
A LCCG, no rol da lista negra aplicável qualquer que seja o estatuto pessoal do aderente, consagrou a absoluta proibição da exclusão e limitação da responsabilidade que promane de danos causados a determinados bens pessoais (alínea a) do art.º 18º) ou de danos patrimoniais extracontratuais (alínea b) do art.º 18º), independentemente do grau de culpa do lesante, recortando, nesta medida, o âmbito de aplicação das duas alíneas em função da natureza dos danos indemnizáveis.90
No que respeita à alínea a), a solução de proibição absoluta das cláusulas contratuais gerais que “excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a
88 Sublinhe-se que, como assevera Xxxxx Xxxxxxxx, a responsabilidade “é contratual ou extracontratual consoante a sua fonte resida na violação de obrigações emergentes de um contrato ou antes na violação de um dever geral de abstenção”. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 396
89 Ainda que irrelevantes do ponto de vista da exclusão da responsabilidade, Xxxxx Xxxxxxxx não lhes retira toda a eficácia. Entende, o autor, que tais declarações poderão sempre valer como cumprimento de um dever de advertência ou de prevenção de um especial perigo, o que não desobriga a empresa das necessárias medidas de segurança que deve tomar. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas do Conteúdo Contratual, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, 1ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2002, pp. 286 e 287.
90 Antunes, Xxx Xxxxxx Xxxxxx, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais: decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, 1ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 263.
responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas”91, resultaria já do regime geral, na medida em que, uma convenção exoneratória reportada a este tipo de danos, afectando estes domínios da personalidade, seria, logicamente, atentatória da ordem pública.92
Prevê, desde logo, a nossa Lei Fundamental, nos seus art.º 24º e 25º, a inviolabilidade da vida humana e da integridade moral e física das pessoas. O próprio CC consagra a protecção contra ofensa ilícita à personalidade física e moral no inerente art.º 70º, cominando expressamente com nulidade, nos termos do art.º 81º, toda a limitação voluntária ao exercício de direitos de personalidade, quando contrária aos princípios da ordem pública, a qual, de acordo com o número seguinte, quando legal, será sempre revogável.
Nas palavras de Xxxxx Xxxxxxx, a protecção acrescida da alínea a) circunscreve-se “ao núcleo mais inviolável da esfera pessoal”93, sendo, desta maneira, legítima a especial preocupação do legislador, a par do facto de estarmos perante os bens da pessoa mais susceptíveis de afectação pela incorporação de cláusulas de irresponsabilidade em contratos de adesão.94
Não obstante, nem todos os aspectos da personalidade previstos no art.º 70º e ss. do CC são abrangidos por aquele preceito. Subsiste, portanto, a validade das convenções de exclusão e limitação da responsabilidade extracontratual, dentro dos limites em que estas são consideradas válidas, que respeitam à compressão, por exemplo, do direito à identidade pessoal, ao sigilo de correspondência e à reserva sobre a intimidade da vida privada95, ainda que tais direitos possam ser compreendidos na proibição, na medida em que a sua afectação convoque uma ofensa à integridade moral.
91 A disposição da Directiva ficou aquém da solução vigente na LCCG, prevendo, na alínea a) do n.º 1 do respectivo Anexo, a proibição da exclusão ou limitação da responsabilidade do profissional em caso de morte de um consumidor ou danos corporais que tenha sofrido em resultado de um acto ou omissão desse profissional.
92 Neste sentido, Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, A Limitação Convencional…, p. 22 e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx,
Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 409.
93 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, pp. 15 e 16.
94 Autonomizou-se o direito à protecção da saúde daquele que tem por objecto a integridade física, em consonância com a CRP, pelo que, entende a doutrina que tal só poderá significar que a alínea em análise contempla a integridade física lato sensu, que integra não apenas a saúde física, mas também a saúde mental. Prata, Ana, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais: anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, Almedina, 2010, p. 364 e Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 15.
95 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 16.
E não obstante a solução legal poder ter ido mais longe, determinando a invalidade das convenções exoneratórias respeitantes a todos os danos pessoais quando insertas em contratos de adesão, sempre se dirá que, a validade daquelas que respeitem a aspectos da personalidade fora do âmbito de aplicação da alínea a), ficará dependente, em todo o caso, da sua circunscrição aos limites da culpa leve, por um lado, e da conformidade com os princípios da ordem pública e dos bons costumes, por outro.
De outra parte, estatui a alínea b) do art.º 18º a absoluta proibição das cláusulas contratuais gerais que “excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros”.
Esta solução, ao contrário do que se verificava na alínea precedente, não se confirma quando estão em causa contratos negociados. Quanto a estes, serão de admitir cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade extracontratual, quando apenas se reportem a condutas levemente culposas - e já não, nos casos de dolo ou culpa grave - e quando não ultrapassem os limites da ordem pública e dos bons costumes96, sendo a validade de princípio destas cláusulas, ademais, atestada pela relevância do consentimento do lesado como descaracterizador da ilicitude, nos termos do art.º 340º do CC.97
Todavia, não nos merece censura a prudência do legislador na previsão de um regime especialmente restritivo para os contratos de adesão, na medida em que aquele que renuncia total ou parcialmente ao seu direito, o aderente, actua com um défice de autonomia.98
96 Refira-se o caso do Ac. do STJ de 28/03/1995 (processo n.º 086288), disponível em xxx.xxxx.xx. Não era aplicável a LCCG, por na altura da celebração do contrato de seguro ainda não estar em vigor, no entanto, a cláusula de irresponsabilidade aí inserida relativa a danos patrimoniais extracontratuais foi declarada nula tendo em conta, designadamente, os limites impostos pela ordem pública e bons costumes (280º do CC) e a regra geral da boa fé (227º e 762º, n.º2 do CC).
97 Cfr. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 409; Xxxxxx, Xxxxxxx, Das Obrigações em geral, p. 916 e Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, A Limitação Convencional…, pp. 20 e ss. Em sentido divergente, sustentando a aplicabilidade à responsabilidade extracontratual do art.º 809º do CC, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, Lisboa, 1980, p. 425, in: Monteiro, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 406.
98 Neste sentido, Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Contratos de Adesão: o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ROA, ano 46 (1986), p. 759. Disponível em: xxxx://xxx.xx.xx/xxx/%0X0x000000-0xxx-0x00-0000-000x000xx0x0%0X.xxx; Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: DL n.º 446/85 – anotado: recolha jurisprudencial, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 200.
Ainda assim, suscita-nos alguma perplexidade a restrição do âmbito de aplicação da alínea vertente apenas à responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, ficando, desta feita, afastados, ainda no seio da responsabilidade extracontratual, os danos não patrimoniais. Xxxxx Xxxxxxx crê que tal opção reconduziu-se ao facto de os danos com essa natureza que assumem maior relevo se encontrarem já contemplados na alínea a)99 e, além do mais, as cláusulas de irresponsabilidade que não procedam à distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, ficarão sempre sujeitas à total nulidade, sem possibilidade de redução do seu conteúdo a esta última espécie de danos.100 Portanto, parece ter, esta exclusão dos danos não patrimoniais, diminuto alcance prático.
Não parece, todavia, muito concebível que o predisponente recorra a uma cláusula que exclua ou limite somente a sua responsabilidade extracontratual, pelo que, e ainda que tal possa ser mais frequente em contratos negociados, mormente estando em causa relações de vizinhança ou de proximidade, como já vimos supra, serão mais vulgares as hipóteses em que o mesmo facto preenche quer os pressupostos da tutela contratual, quer os pressupostos da tutela aquiliana. Em face da proibição estatuída na alínea b), não poderá, o utilizador da cláusula, valer-se de uma cláusula exoneratória de responsabilidade extracontratual, no caso de estar em causa um concurso de fundamentos da pretensão indemnizatória.
3.3.1.1 A questão na jurisprudência
Ante uma minuciosa análise jurisprudencial, constatou-se que a violação das alíneas a) e b) do art.º 18º, mediante a estipulação de convenções de exclusão e limitação de responsabilidade extracontratual, não é, de todo, destituída de relevância na prática
99 Atente-se no caso do Ac. do STJ de 30/03/89 (processo n.º 76324), BMJ n.º 385. De um contrato de seguro (do ramo construção civil) resultava uma cláusula que excluía a responsabilidade da seguradora pelos “prejuízos ou danos morais” decorrentes do uso de explosivos. Tal cláusula só poderia ser nula à luz da alínea a) do art.º 18º da LCCG (e já não por via da alínea b)), no entanto, não era aplicável este diploma legal visto que a celebração do referido contrato se deu antes da sua entrada em vigor. Concordando-se, embora, com a decisão do douto aresto, não subscrevemos a sua fundamentação que assentou na aplicabilidade do art.º 809º do CC.
100 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 17. Discordamos, no entanto, de Xxx Xxxxx que, referindo-se a estes casos, é da opinião de que enquanto cláusula genérica, ela não poderá ser considerada proibida, entendendo que, a verificar-se que os danos são (apenas ou também) não patrimoniais, parece que ela terá de ser válida total ou parcialmente. Xxxxx, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 368. Sobre estas questões, vide infra, ponto 3.3.4.2.
contratual, facto que tem levado os nossos tribunais a debruçarem-se, recorrentemente, sobre a problemática.
Atente-se na cláusula, objecto de discussão no já referido Acórdão do TRL de Maio de 2007101 aposta num acordo pelo qual uma empresa, perante um “concorrente” que se vinculou a estar disponível para determinadas actividades realizadas no âmbito de um programa televisivo, se obrigou a prestar-lhe uma determinada compensação monetária, que desresponsabilizava a primeira por qualquer perda, dano moral, físico, material ou outra lesão relacionados com o concorrente ou terceiros, causados ou sofridos no âmbito da sua participação no programa, ainda que excepcionando os casos de xxxx ou culpa grave. Repare-se, outrossim, na cláusula que, no âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual, legalmente imputável ao segurado, por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, em consequência do lançamento de fogo-de-artifício, excluía os danos causados em consequência de acto negligente no seu lançamento, tendo sido alvo de apreciação no Acórdão do TRC de Janeiro de 2006.102 Ambas as decisões sustentaram a nulidade das cláusulas sub judice numa clara violação das alíneas a) e b) do art.º 18 da LCCG.
Conclui-se, do mesmo modo, que a alínea b), em grande parte dos casos ao lado da alínea precedente, verifica-se de ampla aplicação especialmente nos contratos de seguro. O aludido Xxxxxxx do TRC de 2008 sublinhou, mesmo, relativamente àquelas alíneas, o intuito da lei em restringir a liberdade contratual das seguradoras de modo a impedi-las de imporem as cláusulas que lhes aprouverem e proteger o tomador do seguro enquanto consumidor.
Em abono da eleição dos contratos de seguro como campo mais propício, pelo menos na prática, para a inserção de cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade extracontratual, atente-se nos Acórdãos do TRP de 31 de Janeiro de 2012 e no ulterior Acórdão do TRC de 30 de Junho de 2015.103 Em causa estão, em ambos, contratos de seguro de responsabilidade civil (do ramo construção civil), tendo sido declaradas nulas as cláusulas que excluíam a cobertura por danos resultantes da violação ou não cumprimento
101 Ac. do TRL de 8/05/2007 (processo n.º 2047/2006-7), disponível em xxx.xxxx.xx
102 Ac. do TRC de 23/01/2008 (processo n.º 52/00.3GAPNC.C2), disponível em xxx.xxxx.xx.
103 Ac. do TRP de 31/01/2012 (processo n.º 8728/09.3TBVNG.P1) e Ac. do TRC de 30/06/2015 (processo n.º 20/10.7TBPPS.C1), disponíveis em xxx.xxxx.xx.
das normas legais ou regulamentares, dos usos próprios da actividade ou da não adopção das medidas de segurança aconselháveis.
Todavia, do estatuído nas mencionadas alíneas, nem sempre se poderá concluir pela absoluta proibição das exclusões consignadas nas condições gerais e especiais de apólices de diversos contratos de seguro. Haverá, portanto, que distinguir as cláusulas de exclusão da responsabilidade daquelas que visam a delimitação do objecto de contrato.104 É precisamente nos referidos termos que a cláusula inserida num contrato de seguro automóvel, que exclui a responsabilidade da seguradora pelos danos decorrentes de acidentes desportivos, é considerada plenamente válida.105 Assim, apenas será tida como absolutamente proibida a cláusula determinante de uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desvirtue o objecto do contrato, máxime naquelas hipóteses em que o contrato de seguro se quede praticamente sem objecto.106
O regime comum da responsabilidade civil contratual, em matéria de cláusulas contratuais gerais, encontra-se consagrado nas alíneas c) e d) do artigo 18º da LCCG, dispondo, estas previsões legais, que não poderá ser afastada ou atenuada a responsabilidade do predisponente emergente do não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, por acto próprio ou por actos dos seus representantes ou auxiliares em caso de dolo ou culpa grave.
Com efeito, para além de ter sujeitado a exoneração e a limitação da responsabilidade ao mesmo regime, o legislador incluiu no alcance da interdição, quer as cláusulas que o façam de modo directo, quer as que o prevejam de modo indirecto. Parece, portanto, que, desde que de determinada cláusula se retire o intuito de o seu utilizador suprimir ou restringir o direito à indemnização do aderente, qualquer que seja a forma
104 Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e Cláusulas de Limitação ou de Exclusão da Responsabilidade no Contrato de Seguro, in Scientia Iuridica – Tomo LV, n.º 306, 2006, p. 258.
105 Ac. do STJ de 15/04/2015 (processo n.º 235/11.0TBFVN.C1.S1), disponível em xxx.xxxx.xx.
106 Xxxxxx Xxxxxxxx ilustra estes casos com o exemplo de um contrato de seguro de incêndio em que se prevê a exclusão de cobertura das usuais causas de incêndio (curto-circuito, raio, rebentamento de bombas e foguetes, etc). Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais…, p. 260.
como o faz e onde quer que a insira no conjunto das outras cláusulas, ela será absolutamente proibida. E, ainda que não seja feita, expressamente, nenhuma restrição de âmbito subjectivo, parece-nos que, acompanhando Xxxxx Xxxxxx, a ratio das mencionadas alíneas só poderá ter tido em vista a protecção do aderente, razão pela qual, no seu alcance, apenas estarão contidas as cláusulas favorecedoras do predisponente do contrato de adesão.107
Nos termos descritos, se tanto a alínea c), referente aos casos de exclusão e limitação da responsabilidade do próprio emitente da cláusula, como a alínea d), esta aplicável quando estão em causa actos dos auxiliares ou representantes daquele, são submetidas à mesma disciplina legal quando as cláusulas são inseridas no conteúdo de um contrato de adesão, o mesmo não sucederá na hipótese de elas serem apostas num contrato negociado. Neste quadro vigorará o regime comum do CC.
Assim, e ainda que se tenha optado pela análise conjunta, no vertente capítulo, de uma e outra alínea, por motivos de convergência de regime no âmbito dos contratos de adesão, encetaremos a exposição com as questões essenciais levantadas no seio da alínea c).
Desde já se avance que a solução legal aí vertida é, em nossa opinião, um factor importante a ter em consideração aquando de uma tomada de posição acerca do regime comum, consagrado no art.º 809º do CC. Contudo, a posição mais peremptória na doutrina aponta no sentido da inadmissibilidade das cláusulas de exclusão de responsabilidade, em clara dissonância com a maior permissividade da disciplina aplicável às cláusulas contratuais gerais, na medida em que esta ressalva da interdição os casos de culpa leve.
Assim, fundamentando a sua postura a favor da total proibição de qualquer cláusula de irresponsabilidade, Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx creem que a renúncia antecipada ao direito à indemnização “desfiguraria, de um modo geral, o sentido jurídico da obrigação, transformando-a, em certos casos, numa simples obrigação natural”, apontando, mesmo, para o perigo da validade da cláusula exoneratória da responsabilidade do devedor por culpa leve, nomeadamente nos sectores onde proliferam os contratos de adesão.108
107 Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx, Exclusão e Limitação da Responsabilidade em Contratos de Adesão, in Sub Judice n.º 39, Abril-Junho, 2007, p. 29.
108 Lima, Pires de e Xxxxxx, Antunes, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 73.
Também Xxx Xxxxx, na mesma linha, entende que a alínea c) do art.º 18º da LCCG constitui “uma inevitável incongruência no regime da lei portuguesa”.109 Na orientação desta autora, o dever de indemnizar surge como consequência necessária do carácter imperativo do dever assumido, pelo que a proibição do art.º 809º impor-se-á qualquer que seja a gravidade da culpa, encontrando, igualmente, a sua justificação na natureza jurídica da obrigação.110
E, ainda que os elementos interpretativos literal e histórico111 estejam, pelo menos aparentemente, do lado da tese enunciada, julgamos, na xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, que aquela interpretação do art.º 809º fica necessariamente posta em causa com a promulgação do Decreto-Lei n.º 446/85 que permite a irresponsabilização por culpa leve. Ora, a tese que assenta na total proibição das cláusulas objecto do nosso trabalho, “atentas a articulação sistemática e a conexão de sentido entre essa normação e a disciplina comum, constituiria, sem dúvida alguma, uma intolerável incoerência normativa, que o sistema não comporta”.112
Por outro lado, em abono da admissibilidade das cláusulas de irresponsabilidade do devedor por culpa leve, sustenta Xxxxx Xxxxxxxx que, mesmo as totalmente exoneratórias, não afectam a exigibilidade do direito de crédito, não transformando a obrigação civil em simples obrigação natural. De facto, o credor não se queda impedido de resolver o contrato, nos termos do art.º 801º, de exigir o cumprimento da obrigação (podendo, até, requerer, em determinadas circunstâncias, o decretamento de uma sanção pecuniária compulsória, em consonância com o art.º 829º-A), de promover a execução específica, assim como de socorrer-se da excepção de não cumprimento do contrato (art.º 424º) ou do direito de retenção (art.º 754 º). Por sua vez, as cláusulas limitativas nem sequer colocam o problema da supressão do direito à indemnização, não desfigurando o sentido jurídico da obrigação que o artigo em análise pretende preservar. De igual modo, ainda no tocante às cláusulas de limitação, Xxxxx Xxxxxxxx invoca o facto de ser a própria lei a permitir a fixação convencional do montante da indemnização, de que é exemplo o art.º 810º que prevê a cláusula penal.113
109 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 369.
110 Prata, Xxx, Cláusulas de Exclusão e Limitação…, pp. 572 e ss.
111 No confronto entre os textos constantes do Anteprojecto de Vaz Serra e a versão final da norma.
112 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, pp. 23 e 24.
113 Xxx Xxxxx rebate este argumento, advogando a insubsistência da analogia entre a cláusula limitativa e a cláusula penal. Porém, Xxxxx Xxxxxxxx assevera que a “diferente natureza de uma e outra figura não obsta a
Além do mais, para aquele autor, com a interpretação restritiva do art.º 809º, perfeitamente conforme à sua ratio legis, não se coadunam eventuais objecções de índole moral, as quais se reconduzem, apenas, às hipóteses de culpa grave.114115
Xxxxxx Xxxxxx, por seu turno, ainda que concluindo por uma diversidade de regimes para as cláusulas exoneratórias e para as cláusulas limitativas e fazendo corresponder às primeiras a sanção jurídica da nulidade, considera que a mera renúncia parcial dos direitos a que se refere o art.º 809º não retira o valor coercitivo ao vínculo obrigacional pelo que, apoiando a sua argumentação em lugares paralelos no CC, confere validade às cláusulas que limitam a responsabilidade do devedor, desde que elas não abranjam as hipóteses de dolo ou culpa grave.116
Refira-se, ainda, embora atribuindo ao texto da lei o sentido de que as cláusulas de irresponsabilidade serão sempre nulas, a atitude de Xxxxxx Xxxxx perante tal orientação legal. Entende, o autor, que, ante a inegável utilidade e vantagens de tais cláusulas na práxis contratual, “o legislador levou a protecção do credor a um exagero só explicável por razões puramente teóricas, com total inatenção às necessidades reais da vida prática”.117
Assim sendo, afigurando-se-nos uma interpretação restritiva do art.º 809º como o entendimento mais consistente com a unidade sistemática do direito e, acolhendo os argumentos em seu abono, não acompanhamos Xxx Xxxxx quando conclui pela desaplicação da alínea c) do artigo 18º da LCCG, tendo em vista o princípio especial do art.º 37º do mesmo diploma, nos termos do qual vigorará o regime geral estatuído para os
que ambas coincidam, por vezes, nos seus resultados práticos”. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 172. No mesmo sentido, Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra Editora, 2005, p. 601. Tal facto é, aliás, confirmado pelo Ac. do STJ de 27/04/1999 (processo n.º 258/99), in BMJ n.º 486, que refere que “não constitui cláusula penal a disposição contratual geral que fixa um quantum indemnizatório simbólico ou quase simbólico e que constitua um modo, contrário aos fins da cláusula penal, de limitar de facto a responsabilidade do devedor”.
114 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 187 e ss.
115 Em nota de actualização ao seu estudo, Xxxxx Xxxxxxxx aponta, igualmente, o art.º 18º, xxxxxxx x) e d) como um alicerce importante, de ordem sistemática, para a sua interpretação do art.º 809º do CC. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, p. 386-g. Xxxxx Xxxxxxxx, em harmonia com este argumento, convoca os ensinamentos da teoria da interpretação criativa de Xxxxxxx, defendendo que uma interpretação sistemática do art.º 809º, determinará a sua aplicação apenas aos casos de dolo ou culpa grave. Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx ao Contrato. Cláusulas de Exclusão e de Limitação da Responsabilidade do Dever de Indemnizar. Cláusulas Penais., Coimbra, Almedina, 2005, p. 29. Também Xxxxx xx Xxxxx, na mesma linha de entendimento apela à sábia advertência de Xxxxxxx, para quem “entender uma lei (…) não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo”. Xxxxx, Xxxxx Xxxxx de, O problema da inadmissibilidade das cláusulas limitativas e exoneratórias da responsabilidade civil em face do artigo 809.º do Código Civil, in O Direito, Ano 141.º, II, 2009, p. 405.
116 Telles, Xxxxxxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações…, pp. 421 e 432.
117 Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, A Limitação Convencional…, p. 9.
contratos negociados, mais zelador, de acordo com o pensamento da autora, dos interesses do credor/aderente.118
Cremos, com efeito, que o legislador veio reforçar, na lei que vigora para os contratos de adesão, a validade de princípio das cláusulas exoneratórias por culpa leve naquela alínea, em consonância com a concepção dos autores que empreendem uma interpretação restritiva do art.º 809º. De outro modo, entraria o ordenamento jurídico em flagrante contradição, dispondo, as partes, de maior liberdade nos contratos de adesão.
Todavia, poderia, talvez, em nossa humilde opinião, ter ido mais longe o legislador, consagrando a total inadmissibilidade das cláusulas exoneratórias, independentemente do grau de culpa, quando inseridas em contratos de adesão, pelo menos sempre que estivesse em causa a sua celebração com consumidores. É, de facto, em relação a este tipo de contratos que “as necessidades de tutela do aderente justificam um maior cerceamento da autonomia privada”119, pelo que, atenta a natureza unilateral da origem da cláusula nos contratos de adesão, uma opção mais restritiva ficaria, porventura, fundamentada. É que, no fundo, se a mens legis assenta em imperativos constitucionais de combate aos abusos de poder económico e de defesa do consumidor que serviram de base à previsão de uma disciplina jurídica refreadora da liberdade contratual das partes, justificar-se-ia, eventualmente, um regime diferenciado daquele que vale para os contratos negociados e que não “impusesse” ao contraente mais fraco económica e socialmente ter de suportar, ainda que apenas numa pequena franja de casos, a ausência de reparação. E, na verdade, não raras vezes, a liberdade contratual não só se encontra reduzida apenas ao acto de contratar, como casos há em que ela pura e simplesmente não chega a existir, mormente se o bem ou serviço são indispensáveis e essenciais ou se a empresa desfruta de uma posição monopolista de mercado.120 Assim, e ainda que os resultados, de um ponto de vista prático, possam não ser consideravelmente diferentes, julgamos coadunar-se melhor com o espírito da lei uma solução mais exigente para o predisponente, por um lado, e, por outro, mais
118 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 370.
119 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Contratos de Adesão: o Regime Jurídico…, pp. 758 e 759.
120 Em 1985, antes da promulgação da LCCG, Xxxxx Xxxxxxxx pronunciou-se pela compreensão de que a eventual previsão de um regime para os contratos de adesão, enveredasse pela total proibição de cláusulas exoneratórias. Considerava que “a alternativa a estabelecer, relativamente a cláusulas de irresponsabilidade em contratos de adesão, se deve situar entre uma atitude de pura e simples inadmissibilidade ou, numa perspectiva menos rígida, admiti-las para os casos de culpa leve”, embora acrescentando, mais à frente, que a primeira solução seria melhor garante dos interesses do consumidor. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 384 e 385.
protectora dos interesses do consumidor, em harmonia com a tendência europeia de reforço dos seus direitos.
Importa, igualmente, no contexto da presente análise em torno da alínea c), tomar em consideração a alínea b) da lista indicativa de cláusulas consideradas abusivas, que o legislador comunitário anexou à Directiva 93/13/CEE, nos termos da qual são tidas como abusivas as cláusulas que têm como objectivo ou como efeito “excluir ou limitar de forma inadequada os direitos legais do consumidor em relação ao profissional ou a uma outra parte em caso de não execução total ou parcial ou de execução defeituosa pelo profissional de qualquer das obrigações contratuais (…)”.
Desde logo se evidencia, do conteúdo da norma transcrita, que a Directiva prevê uma proibição geral não circunscrita aos casos de dolo ou culpa grave, diferentemente do caminho percorrido pela lei portuguesa, proibindo, apenas, a exclusão ou limitação dos direitos do consumidor de “forma inadequada”. Tal circunstância suscitou, como seria expectável, duas posturas antagónicas na doutrina. Por um lado, Xxxxx Xxxxxx é da opinião de que a alínea c) do art.º 18º da LCCG se situa dentro do espírito de protecção da Directiva, crendo que “não se verificará um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes, em detrimento do consumidor, visto apenas estarem contempladas situações em que existe uma culpa diminuta, em que a exoneração não é atentatória dos limites da boa fé”.121 Em total discordância, Xxx Xxxxx refuta os argumentos daquela autora, concluindo que a nossa lei não respeitou o conteúdo mínimo da Directiva. Assim, na sua concepção, um incumprimento levemente culposo poderá perfeitamente conduzir a uma assimetria das posições jurídicas das partes, para além de que considera, no mínimo, discutível, a justificação de que parte Xxxxx Xxxxxx quando afirma que a exoneração do devedor, se o não cumprimento tiver sido levemente culposo, não viola a boa fé. 122
Por nossa parte, e ainda que mantendo a postura que assumimos supra, relativamente à opção do legislador pela admissibilidade das cláusulas exoneratórias da responsabilidade por culpa leve, cremos que, salvo melhor opinião, a solução da lei se poderá harmonizar com a alusão à “forma adequada” a que a letra da alínea b) do anexo da Directiva faz referência.
121 Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx, Exclusão e Limitação da Responsabilidade…, p. 36.
122 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 379.
Xxxxxxxxxx se torna, além do mais, indagar do espaço normativo ocupado pela alínea cujo estudo vem preenchendo estas linhas, delimitando o seu enquadramento sistemático no confronto com outras proibições constantes das listas da LCCG.
Dispõe a alínea d) do art.º 21º, aplicável apenas aos contratos celebrados com consumidores finais, que são em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que “excluam os deveres que recaem sobre o predisponente em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias predeterminadas”. Referindo-se a este preceito, Xxxxx Xxxxxxx entende que o tratamento diferenciado das cláusulas de irresponsabilidade por vício da prestação “se ficou a dever à consciência de que, neste âmbito restrito, emergem riscos peculiares que aconselham a adopção de novos critérios valorativos e, consequentemente, de uma solução diferenciada”.123 Na sua tese, a primordial preocupação que esteve na base desta norma foi a do restabelecimento do sinalagma inicial, através da imposição do dever de rectificar a prestação defeituosa, independentemente da culpa, assegurando-se uma compensação integral dos danos causados pelo incumprimento. Desta feita, não pode ser excluído o direito do consumidor, em face dos vícios da prestação, de exigir, quer a sua reparação, quer a renovação do seu cumprimento, ou seja, a substituição. Daqui se conclui que, no domínio das hipóteses de cumprimento defeituoso e quando estiver em causa um contrato celebrado com consumidores, está vedado ao predisponente valer-se de uma cláusula que exclua ou limite a sua responsabilidade, ainda que por culpa leve. Surge, portanto, esta norma, como uma excepção à alínea c) do art.º 18º.124
Há, ademais, que ter em conta o conteúdo da alínea g) do art.º 22º, na parte em que estatui a proibição das cláusulas contratuais gerais que “afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso”. Xxxxx Xxxxxxx empreende uma delimitação negativa desta norma, subtraindo ao seu alcance as matérias respeitantes às consequências indemnizatórias de tal forma de incumprimento, reguladas na alínea c) do art.º 18º e as
123 No entanto, o autor referia-se, apenas, à cláusula de limitação da responsabilidade, que era o único tipo de cláusula interditada pela anterior alínea c) do art.º 22º, antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto. Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 61.
124 Note-se que a excepção contida na alínea d) do art.º 21º é corroborada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (LDC) e pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (relativo à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas). Estes diplomas consagram a imperatividade dos direitos por eles conferidos, que são, fundamentalmente, direitos de reparação e indemnização de danos, em virtude do cumprimento defeituoso da prestação ou, nos termos mais abrangentes deste último, de desconformidade da prestação com o contrato.
atinentes à responsabilidade por vícios da prestação, contidas na alínea d) do art.º 21º.125 O autor e, na sua esteira, Xxxxx Xxxxxx, entendem que estas “regras relativas ao cumprimento defeituoso” serão as que, na ausência, na parte geral do direito das obrigações, de normas especificamente relativas a esta forma de incumprimento, em certos tipos legais de contratos, regulam os vícios da prestação. Note-se, contudo, que, no quadro de contratos celebrados com consumidores126, as regras respeitantes ao cumprimento defeituoso são imperativas e, na medida em que, só relativamente a disposições supletivas fará sentido sondar a legitimidade da sua derrogação por cláusulas contratuais gerais, parece que a alínea g) do art.º 21º terá uma margem de aplicação muito diminuta ou, mesmo, inexistente.127
A par da proibição das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade do predisponente por actos próprios, vertida na alínea c), o art.º 18º interditou, igualmente, e em termos idênticos, na sua alínea d), o mesmo tipo de cláusulas quanto à responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares.
Hodiernamente, os utilizadores de cláusulas contratuais gerais e de cláusulas não negociadas insertas em contratos individualizados são, tipicamente, profissionais organizados em termos empresariais que, no funcionamento da sua actividade, recorrem, inevitavelmente, aos serviços de agentes ou auxiliares. Assim, não fora a mencionada previsão e a alínea precedente ficaria praticamente despejada de efeito útil, na medida em que, como asseveram Almeida Costa e Menezes Cordeiro, a responsabilização exclusiva daqueles “esvaziaria, não raro, de conteúdo efectivo o ressarcimento dos danos”.128
Xxx Xxxxx considera que a previsão da alínea em análise configura a confirmação do art.º 800º, n.º2 do CC que vale para contratos negociados, sendo do entendimento de que, também no seio destes, valem os limites do dolo ou culpa grave por representarem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.129 E, nos mesmos moldes, se enquadra a perspectiva da Xxxxxx Xxxxxx que pugna, aliás, pela aplicação do regime fixado
125 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 83.
126 Como os contratos que se regem pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
127 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, pp. 83-85 e Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx,
Exclusão e Limitação da Responsabilidade…, p. 32.
128 Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação…, p. 43.
129 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 386.
nas alíneas c) e d), que toma como “doutrina geral”, mesmo fora do âmbito dos contratos de adesão.130
Diferentemente, Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx defendem a admissibilidade, ressalvados os casos em que haja violação de disposições de ordem pública (art.º 800º, n.º2, in fine), da exclusão da responsabilidade por acordo das partes, inclusivamente nas hipóteses de actuação dolosa dos representantes ou auxiliares.131 E parece, a sua posição, ter o acolhimento de Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx e Menezes Cordeiro, que apontam a alínea d) do art.º 18º como uma “excepção aos artigos 800º, n.º2 e 809º, in fine do CC”132, que alberga “uma disciplina especial mais restritiva”133 do que a estabelecida naquelas normas.
Xxxxx Xxxxxxxx, por sua vez, rejeita a tese supra descrita, porquanto, na esmagadora maioria dos casos, no contexto da moderna vida económica, quem cumpre a obrigação são os auxiliares do devedor, pelo que, “admitir-se a validade daquela cláusula mesmo em caso de dolo dos auxiliares implicaria, de facto, uma exoneração completa do devedor”.134 Ora, sustentar tal teoria significaria vedar ao credor o poder de exigir qualquer indemnização do devedor, ainda que as pessoas por si utilizadas para o cumprimento da prestação actuem dolosamente. Nem poderá, de outro modo, exigi-la dos auxiliares que não são parte da relação contratual, a não ser, sendo caso disso, por via extracontratual. A posição do civilista funda-se, portanto, na diferença de regimes para os auxiliares dependentes do devedor, por um lado, e para os auxiliares independentes, por outro. Assim, a disciplina da cláusula de exclusão da responsabilidade por actos dos primeiros, que se integram “no círculo de actividade do devedor, na sua empresa ou organização”, ficará sujeita ao regime do art.º 809º e, o art.º 800º, n.º2 abrangerá, apenas, os actos de auxiliares autónomos, pelos quais o devedor seria responsável, nos termos do n.º1 deste preceito, não fora a cláusula de exclusão da sua responsabilidade.135
Não obstante, estas questões não se colocam da mesma maneira para os contratos de adesão posto que, entre a alínea d) e a sua precedente, vigora uma total identidade de
130 Telles, Xxxxxxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações…, pp. 434 e 435.
131 Lima, Pires de e Xxxxxx, Antunes, Código Civil Anotado, p. 58.
132 Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação…, p. 43.
133 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 34.
134 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 274 e 275.
135 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 257-301.
regimes, de tal maneira que xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, a possibilidade de agregação de ambas numa única disposição.136
Por último, sublinhe-se que, o círculo de pessoas cujos actos são susceptíveis de responsabilizar o predisponente corresponde, para a generalidade da doutrina, ao do regime geral fixado no art.º 800º do CC, incluindo representantes e auxiliares, no sentido definido pelo n.º1 deste preceito, ou seja, “as pessoas que ele utilize para o cumprimento da obrigação”.137
3.3.2.1 A questão na jurisprudência
Na jurisprudência testemunha-se uma profusa contaminação dos contratos de adesão com a aposição de cláusulas abusivas, em clara indiferença, por parte dos seus utilizadores, ao intuito didáctico que o legislador visou com a consagração da nulidade das cláusulas exoneratórias e limitativas da responsabilidade contratual nas hipóteses de dolo e culpa grave do devedor.
Foi, designadamente no seio dos contratos de locação financeira que se verificou, de modo generalizado, a presença de cláusulas que estabelecem uma exclusão genérica e antecipada da responsabilidade do locador perante o locatário.138 E ainda que invocando, o predisponente, a sua irresponsabilidade pelos vícios do bem locado consignada no art.º 12º do regime jurídico do contrato de locação financeira139, têm entendido, os nossos Tribunais que, tais cláusulas, sugerem uma desresponsabilização da sua obrigação de conceder o gozo do bem para os fins a que se destina, nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º 9º do referido diploma, em incontestável contradição com o art.º 18º, alíneas c) e d) da LCCG, pois que, o carácter abrangente que lhes é atinente, pode incluir uma causa de
136 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 34.
137 Todavia, Xxxxx Xxxxxxx aponta uma ligeira diferença, pois enquanto o art.º 800º do CC se refere a representantes legais, a alínea d) do art.º 18º da LCCG alude, de modo genérico, a representantes, pelo que, entende que devem caber, naquela acepção, também as pessoas que assumem aquela qualidade por acto voluntário do representado. Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 34.
138 Cfr. os Acs.: do TRP de 20/10/2005 (processo n.º 0532993); de 3/11/2011 (processo n.º 1407/10.0TJPRT.P1); do TRL de 15/03/2012 (processo n.º 2994/08.9YXLSB.L1-2); de 20/02/2014 (processo n.º 2477/10.7YXLSB.L1-2); de 30/06/2015 (processo n.º 59/30/13.7TBALM.L1-1), todos disponíveis em xxx.xxxx.xx e o Ac. do STJ de 19/09/2006 (processo n.º 2616/06), in CJ, Ano XIV, Tomo III, 2006, p. 59.
139 Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, com as alterações do Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro.
incumprimento imputável ao locador ou aos seus representantes e auxiliares a título de dolo ou culpa grave.
Ao lado destas, surgem, amiúde, cláusulas deste tipo em modelos de adesão contratual relativos a contratos de transporte, quer desresponsabilizando a transportadora quanto a eventuais lucros cessantes140, quer limitando a sua responsabilidade a um determinado montante indemnizatório.141 Já teve, aliás, oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, o TC no Acórdão de 3/05/90142, julgando inconstitucional uma norma na parte em que não permitia, em caso algum, que fossem ressarcidos os lucros cessantes sofridos pelos utentes dos CTT, por violação do direito do consumidor à reparação dos danos, conferido pelo n.º1 do art.º 60º da CRP, considerando, aquele Tribunal, que “nos casos em que da falta de cumprimento, cumprimento defeituoso ou retardamento do cumprimento tão só resultem lucros cessantes (…), ver-se-á o utente (consumidor) desprovido da garantia jurídica de ressarcimento pela conduta inadimplente do devedor”. Todavia, num Acórdão posterior143, decidiu, o TC, diferentemente, concluindo, desta vez, que as disposições legais pelas quais se limitava a responsabilidade dos correios pelos danos decorrentes do extravio de correspondência não eram inconstitucionais, reputando que os quantitativos fixados ainda se revestiam de razoabilidade. Atente-se, porém, no voto de vencido do Conselheiro Xxxxx Xxxxxx, que passamos a citar: “o acto normativo (…) por que se limita o dever de indemnizar os danos decorrentes do não cumprimento imputável a título de dolo ou culpa grave colidiria com o princípio constitucional da protecção do consumidor, por distribuir de forma gravemente desequilibrada os riscos do contrato (…) o consumidor arriscar-se-ia a receber uma quantia inferior aos danos ou prejuízos por si sofridos, provocados por uma conduta intencional ou quase-intencional do fornecedor”.
Questões particulares suscitam, concomitantemente, os clausulados dos cartões de crédito e débito onde, com muita frequência, se preveem cláusulas de irresponsabilidade dos bancos “por qualquer incidente ou litígio que ocorra entre o titular do cartão e o
140 Ac. do TRL de 14/03/1996 (processo n.º 1107/95), in CJ, Ano XXI, Tomo II, 1996, p. 81, que declarou a nulidade de uma cláusula deste tipo.
141 Ac. do STJ de 24/05/2007 (processo n.º 07A972) e os Acs. do TRL de 14/12/2006 (processo n.º 10360/2006-6) e de 17/07/2008 (processo n.º 5634/2008-7), disponíveis em xxx.xxxx.xx, que procederam à declaração de nulidade de cláusulas limitativas do montante indemnizatório inseridas nas condições gerais de transporte.
142 Processo n.º 340/87. Ac. disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
143 Ac. do TC de 16/11/2004 (processo n.º 448/99), disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
estabelecimento”144 ou, mesmo, “pela não aceitação do cartão ou pelas deficiências de atendimento ou má qualidade dos bens e serviços obtidos por seu intermédio”.145 Nas decisões que se debruçaram sobre as cláusulas referidas, declarou-se a sua nulidade nos termos das alíneas c) e d) do art.º 18º, sustentando-se que o banco emissor dos cartões não pode alhear-se das relações entre o titular do cartão e o terceiro comerciante ou prestador de bens ou serviços, sob pena de se excluir a responsabilidade que lhe incumbe nos casos em que a sua actuação danosa lhe seja imputada a título de dolo ou culpa grave. Xxx Xxxxx criticou os fundamentos enunciados, deduzindo que, por um lado, usualmente, não há qualquer relação directa entre o banco e os comerciantes e, por outro, mesmo nos casos em tal relação exista, sempre será de duvidar que estes actuem como representantes ou auxiliares do banco, nos termos da alínea d).146 No mesmo sentido se orientou o aresto do STJ de 2/03/2010147 que considerou válida uma cláusula com teor semelhante às enunciadas, por julgar “como alheio à acção do banco emissor do cartão tudo o que, eventualmente, se passe de anormal no funcionamento das caixas automáticas”.
Note-se, contudo, que o problema das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade inseridas em contratos de adesão não são exclusivas dos contratos mencionados, ainda que os mesmos sejam, porventura, os que mais problemas suscitam, a este nível, na jurisprudência mais recente. No caminho que trilhámos em torno das decisões dos nossos tribunais, deparámo-nos com a aposição destas cláusulas nos mais variados tipos contratuais como, v.g., em contratos de fornecimento dos mais diversos bens e serviços148, em contratos de abertura de crédito149 ou em contratos de assistência técnica.150 Mais inesperada, quanto a nós, foi a sua inserção, inclusive, em recibos de lavandaria151 ou, mesmo, em formulários a que os concorrentes de um reality show deveriam aderir no âmbito da sua participação num concurso televisivo.152
144 Cláusula discutida no Ac. do STJ de 15/10/2009 (processo n.º 29368/03.STJL.SB.S1), disponível em xxx.xxxx.xx.
145 Objecto de discussão no Ac. do STJ de 15/05/2008 (processo n.º 08B357), disponível em xxx.xxxx.xx.
146 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 385.
147 Processo n.º 29371/03.5TJLSB.S1. Ac. disponível em xxx.xxxx.xx.
148 Por exemplo, o Ac. do STJ de 2/07/1991 (processo n.º 080715), a cuja publicação não se procedeu, constando, porém, em anexo, no manual de Sá, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, pp. 277 e ss. e de 6/05/1993 (processo n.º 83348), in BMJ n.º 427, p. 509.
149 Ac. do STJ de 13/11/2014 (processo n.º 2475/10.0YXLSB.L1.S1), disponível em xxx.xxxx.xx.
150 Ac. do TRL de 15/11/2007 (processo n.º 7466/2007-2), disponível em xxx.xxxx.xx.
151 Ac. do TRL de 27/06/95 (processo n.º 0093871), disponível em xxx.xxxx.xx.
152 Ac. do TRL de 8/05/2007 (processo n.º 2047/2006-7), disponível em xxx.xxxx.xx.
O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ao lado do vasto elenco de cláusulas proibidas, consagrou, no seu art.º 15º, a boa fé enquanto princípio geral de controlo de conteúdo das cláusulas contratuais gerais.153 Como afirma Xxxxxx Xxxxxx, tal princípio “constitui, só por si, um importante instrumento na defesa dos aderentes contra as cláusulas abusivas”.154 E se ele já resulta do n.º 2 do art.º 762º do CC, também a Directiva sublinha o seu papel essencial na celebração e execução dos contratos, definindo, no seu art.º 3º, as cláusulas abusivas como aquelas que contrariem as exigências da boa fé, dando origem a um desequilíbrio significativo, em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes.
Parece ter tido, o legislador da LCCG, o intuito de fazer passar, qualquer cláusula, pelo crivo da boa fé, o que, aliás, é reforçado pelo emprego da expressão “designadamente” nos arts.º 18º, 19º, 21º e 22º, cujas alíneas consagrou a título meramente exemplificativo.
Destarte, impõe-se uma leitura articulada entre as estatuições proibidas e a cláusula geral estatuída no art.º 15º, concretizada pelas linhas orientadoras do artigo seguinte, que se fundam na confiança e nos objectivos típicos das partes, o que tornará possível que uma cláusula que não integre, quer as listas cinzentas, quer as listas negras, seja, ainda assim, interditada por não se justificar perante o princípio da boa fé.
Por via do que ficou dito, podem, as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do predisponente e que não se situem no âmbito das proibições consignadas nas alíneas a) a d) do art.º 18º, ser, todavia, consideradas nulas nos termos da disposição ora em análise. Pense-se, desde logo, nas cláusulas exoneratórias ou limitativas de eficácia restrita aos casos de culpa leve que são, por norma, válidas nos termos da alíneas c) e d).
No que atine a estas cláusulas, há que ter em conta, com efeito, o objectivo que as partes visam atingir negocialmente, como prescreve a alínea b) do art.º 16º. Xxxxx Xxxxxxx, baseando-se na experiência judicial alemã, aponta os contratos que implicam o ingresso, na
153 Para maiores desenvolvimentos sobre a boa fé nos contratos de adesão, cfr. Ascensão, Xxxx xx Xxxxxxxx,
Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé, pp. 587 e ss.
154 Telles, Inocêncio Galvão, Das Condições Gerais dos Contratos e da Directiva…, p. 303.
esfera do devedor, de bens pertencentes ao credor como o domínio preferencial de actuação deste critério limitativo, designadamente o contrato de transporte, de depósito, determinadas modalidades de empreitada e certos contratos de prestação de serviços. Aduz, aquele autor, que “a exigência de uma conduta adequada à salvaguarda desses bens, quer na manutenção do seu estado, quer no processo da sua transformação ou reparação, assume um lugar central no conteúdo vinculativo desses contratos”.155 Parece, pois, que, nestes casos, uma cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade do predisponente teria de ter-se como inválida, ainda que restringida aos casos de culpa leve. Não se olvide, no entanto, que, quando a responsabilidade advenha de vícios da prestação, a respectiva nulidade resultaria já por via da alínea d) do art.º 21º.
Além do mais, há que atender aos efeitos da eventual validade de uma cláusula de exoneração por culpa leve. Aquele ilustre civilista menciona as hipóteses em que a recusa de qualquer indemnização deixaria o credor sem protecção acrescida por não ser possível o recurso a outro meio de tutela. Tal sucede, por exemplo, em alguns casos em que o mecanismo resolutório desacompanhado de uma indemnização complementar, não é suficientemente zelador dos interesses do aderente, mormente na eventualidade de avultarem danos emergentes.156
Por outro lado, o princípio da protecção da confiança estatuído na alínea a) do art.º 16º poderá, igualmente, obstar à validade de uma cláusula exoneratória ou limitativa da responsabilidade do predisponente por culpa leve, nomeadamente naquelas situações que motivam uma confiança acima do normal do aderente no efectivo cumprimento da obrigação. Tal poderá suceder, como elucida o autor cujo discurso temos vindo a seguir neste ponto, quer através de garantias assumidas ou resultantes do processo e circunstâncias negociais, quer por via do estatuto com que o predisponente surge no mercado.157
155 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 40. 156 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 41. 157 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 43.
Aqui chegados, temos por imperiosa a indagação acerca da sorte de determinada cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade, quer ela tenha sido validamente estipulada, quer ela infrinja as proibições estatuídas na LCCG, sem a qual as finalidades do nosso trabalho ficariam a meio caminho.
Aposta uma cláusula daquele tipo num contrato de adesão que se inclua nos limites legais da sua validade, os efeitos que lhe são inerentes dependerão, naturalmente, do escopo visado pelas partes com a sua estipulação, bem como da modalidade concreta por elas escolhida. Se em causa estiver uma cláusula limitativa do montante indemnizatório, o predisponente exonerar-se-á com a entrega da soma previamente fixada no contrato, inferior ao valor que vigoraria caso não existisse aquela cláusula. Na hipótese de ser convencionada a exclusão da responsabilidade do devedor, dentro dos casos em que ela é admitida, será a própria obrigação de indemnização que se quedará afastada. E note-se que, mais uma vez sublinhando o que ficou dito, uma cláusula que suprima ou limite a obrigação de indemnização não implica o prejuízo, pelo credor, do recurso a outros meios de tutela dos quais ele se possa valer perante uma situação de não cumprimento.
Xxxxx Xxxxxxxx convoca duas outras questões a que importa atender quando a exclusão ou limitação da responsabilidade do devedor, em sede contratual, é validamente estipulada. Por um lado, interessa determinar a posição de eventuais terceiros em face de uma cláusula deste tipo. Em princípio, ela só produzirá efeitos inter partes, pelo que a cláusula exoneratória não será oponível a terceiros que a ela não deram o seu consentimento e, como tal, não isenta o devedor/lesante da responsabilidade delitual que eventualmente lhe couber. Diferente será o caso de esses terceiros estarem abrangidos pelo círculo de protecção do contrato, hipótese em que podem recorrer ao regime da responsabilidade contratual, em caso de lesão, ainda que não figurem formalmente como partes no contrato. Parece que, aqui, poderá, o predisponente, afastar a sua
responsabilidade perante aqueles, dentro dos limites em que o possa fazer em face do aderente. Aos terceiros resta, nestas situações, apenas, a tutela extracontratual.158
Por outro lado, interessa averiguar se o facto de ter sido inserida validamente uma cláusula exoneratória ou limitativa da responsabilidade num contrato de adesão, permitirá que o aderente obtenha uma indemnização em sede extracontratual caso o comportamento do devedor seja gerador de um concurso de responsabilidades. Xxxxx Xxxxxxxx, em resposta a esta questão, crê tratar-se de um problema de interpretação da cláusula, pelo que importa determinar que danos estão abrangidos e qual a sua extensão.159
A LCCG determina expressamente a nulidade das cláusulas contratuais gerais violadoras do princípio da boa fé (arts.º 15º e 16º) ou proibidas nos termos dos arts.º 18º a 22º, no seu art.º 12º. Por xxx xx xxxxxxxx xx xxx.x 00x xxxxx diploma para o CC, são aplicáveis as disposições que valem para o regime comum, máxime em matéria de legitimidade, arguição, prazos e efeitos jurídicos. Todavia, como xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx, “também neste domínio se ligam às cláusulas contratuais gerais certos efeitos específicos”160, pelo que o legislador introduziu desvios ao regime comum da nulidade nos arts.º 13º e 14º.
Xxxxxx Xxxxx conclui, mesmo, que apenas a nulidade é conforme com a jurisprudência do TJUE, acrescentando que outras consequências legais só serão com ela consistentes “desde que o consumidor seja protegido ainda que não invoque o carácter abusivo da cláusula, seja porque ignorava os seus direitos, seja porque foi dissuadido de reclamá-los”. Sustentando-se nos processos Oceáno, Cofidis, Mostaza Claro e Pannon161, Ebers considera que só poderá ser garantida uma protecção efectiva do consumidor se ao
158 Tratam-se, aqui, dos contratos com eficácia de protecção para terceiros. Nestes, ao devedor incumbem deveres de protecção, não só perante o credor, mas, ainda, perante terceiros, o que se funda numa “relação qualificada de proximidade” tendo em conta o fim contratual e o princípio da boa fé. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 421 e 422.
159 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Cláusulas Limitativas e de Exclusão…, pp. 425 e ss.
160 Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação…, p. 33.
161 Disponíveis em www.xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx.
órgão jurisdicional nacional for reconhecida a faculdade de apreciar, ex officio, o carácter abusivo de uma cláusula.162
Porém, e na medida em que o regime da nulidade acarreta, indiscutivelmente, consigo a possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal, parece-nos surpreendente o aresto do nosso STJ de Outubro de 2004163 que, censuravelmente, considerou, ainda que invocada a nulidade de uma cláusula aposta num contrato de locação financeira, sobre ela não dever pronunciar-se porquanto não se colocaria, nesse momento, o problema do exercício do direito nela previsto. A cláusula sindicada previa que o locatário, em caso de resolução do contrato, ficava obrigado a restituir os veículos; a solver as rendas vencidas em dívida, acrescidas de juros de mora; e, ainda, a pagar uma indemnização de 20% do resultado da adição das rendas vincendas com o valor residual. O Tribunal não apreciou a cláusula com o argumento de os contratos que integram a causa de pedir não terem sido resolvidos, carecendo aquela, por consequência, de aplicação. Por um lado, cremos, na esteira de Xxx Xxxxx, que, submetida a juízo uma cláusula integrante de um contrato de adesão, devem, os tribunais, proceder à sua apreciação que, aliás, a lei lhes comete, mesmo quando não esteja em causa uma acção inibitória.164 No caso sub judice, poderia, na verdade, o direito previsto na cláusula mencionada ser exercido mais tarde, impondo-se, ao locatário, intentar uma nova acção com o propósito de ser decidida a validade ou nulidade da estipulação.
Em contrapartida, bem andaram outras decisões daquele Tribunal, mormente o Acórdão de 10 de Julho de 2008165, defendendo a possibilidade de conhecimento oficioso da nulidade em sede de recurso, ainda que não tenha sido a questão suscitada em primeira instância e, na mesma linha, os arestos do TRL de 18 de Junho de 2009 e do STJ de 18 de Setembro de 2014.166
Outros problemas se convocam quando submetida, determinada cláusula, ao sistema de controlo do conteúdo instituído, designadamente quando ela esteja redigida em
162 Xxxxx, Xxxxxx, Directive relative aux clauses contractuelles abusives (93/13), in Xxxx Xxxxxxx-Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxx-Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, Compendium CE de Droit de la consommation, 2008, pp. 454 e 455, disponível em: xxxx://xxx.xx-xxxxxxxx-xxx.xxx/xxxxxxxxxxxxx_xxxx0x_xx.xxx
163 Ac. do STJ de 28/10/2004 (processo n.º 02B3558), disponível em xxx.xxxx.xx.
164 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 310.
165 Ac. do STJ de 10/07/2008 (processo n.º 08B1846), disponível em xxx.xxxx.xx.
166 Ac. do TRL de 18/06/2009 (processo n.º 626/1998.L1-2) e Ac. do STJ de 18/09/2014 (processo n.º 2334/10.7TBGDM.P1.S1), disponíveis em xxx.xxxx.xx.
termos genéricos, não constando, da sua letra, qualquer alusão aos limites legais inultrapassáveis. Referimo-nos aos casos em que o predisponente não exclui ou limita a sua responsabilidade com a ressalva expressa das hipóteses de dolo ou culpa grave, antes estipulando cláusulas com excessiva amplitude que incluem todas as situações independentemente do grau de culpa considerado, em clara violação da previsão das alíneas c) e d) do art.º 18º.
De facto, a estipulação de cláusulas nos moldes descritos constitui prática recorrente nos contratos de adesão, circunstância corroborada pela jurisprudência, no seio da qual é possível verificar a regra da formulação, pelos predisponentes, de cláusulas de alcance geral, tanto limitativas como exoneratórias da sua responsabilidade, de que são exemplo, respectivamente, as cláusulas sindicadas no Acórdão do TRL de 17 de Julho de 2008 e no Acórdão de 30 de Junho de 2015, do mesmo Tribunal.167
Impõe-se, portanto, nesta sede, determinar se será ou não possível proceder-se a uma redução conservadora da validade da cláusula, isto é, reduzir-se o seu alcance com vista a salvá-la, aproveitando a parte que se afigura admissível nos termos da lei que estipula a validade da exclusão ou limitação da responsabilidade restringida às hipóteses de culpa leve.
Xxxxx Xxxxxxxx, ainda que chamando apenas a atenção para o problema, parece admitir, em certos casos, uma resposta afirmativa, sustentando a sua posição no art.º 239º do CC e acrescentando que tal evitaria, por parte do credor, um inadmissível venire contra factum proprium.168
Não obstante, cremos que, aceitar a redução de determinada cláusula, conformando-a com os limites admitidos pela LCCG, poderia dar lugar a insustentáveis dúvidas de aplicação, pelo que, concordamos com Menezes Cordeiro na medida em que aduz que “quando caia sob a alçada de uma proibição, ainda que relativa, a cláusula é toda nula, seguindo-se a aplicação do Direito supletivo que ela pretendera afastar, nos termos gerais”.169
Parece, pois, não colher o favor do espírito da lei uma orientação que permita, ao utilizador das cláusulas, recorrer a formulações de alcance demasiado lato, transpondo a
167 Acs. do TRL de 17/07/2008 (processo n.º 5634/2008-2) e de 30/06/2015 (processo n.º 59/30/13.7TBALM.L1-1), ambos disponíveis em xxx.xxxx.xx.
168 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Contratos de Adesão: o Regime Jurídico…, p. 760.
169 Cordeiro, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil…, p. 636.
fronteira do admissível por lei, exonerando-o da consequência da nulidade total da cláusula abusiva. Assim, subscrevemos o entendimento de Xxxxxx xx Xx x Xxxxx Xxxxxxx quando asseveram que a possibilidade da redução conservadora da validade da cláusula pelo juiz, excederia os “poderes que lhe são concedidos, de controlo puramente negativo”170, o que o tornaria, aliás, um “representante dos interesses do utilizador”.171
Na verdade, a tarefa do julgador deve cingir-se à declaração da validade ou invalidade da cláusula sub judice, no segundo caso com a consequente aplicação do direito dispositivo convocável, pelo que, se assim não fosse, o predisponente retiraria da solução legal um incentivo à exclusão e limitação da sua responsabilidade sem referência expressa ao grau de culpa, sabendo, previamente, que, com a redução da cláusula, manter-se-ia numa posição mais proveitosa do que a que resultaria da aplicação do direito supletivo. Como xxxxxxxx Xxxxxx xx Xx, tal admissibilidade, a ser tolerada, “iludiria a ordenação legal do efeito jurídico das proibições”.172
Também a jurisprudência tem ido de encontro à tese enunciada, declarando a nulidade total das cláusulas formuladas em moldes genéricos que não atendem ao grau de culpa em dissonância com as alíneas c) e d) do art.º 18º.173
Outra questão que se revela fundamental neste domínio é a de saber se o controlo incidental deverá recair sobre a cláusula em si mesma ou se, ao invés, se impõe uma apreciação ex post. Enveredar pela segunda alternativa, implicará considerar apenas nula a cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade quando o comportamento do devedor se situar no âmbito do dolo ou culpa grave. De resto, se o facto gerador da responsabilidade lhe for somente imputado a título de culpa leve, então a cláusula já será válida.
Orientarmo-nos no sentido de que o controlo incidental deve ter em conta, não a formulação da cláusula, mas antes, os resultados da sua aplicação à situação controvertida, poria em causa, desde logo, o intento central da lei de tutela dos interesses do contraente que se encontra numa posição económica e social mais ténue. Se for obrigado a esperar pelas vicissitudes do caso concreto, não poderá obter, de forma objectiva, a informação de que carece sobre os direitos e deveres que lhe advêm de determinado contrato. Tanto mais,
170 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, pp. 24 e 25.
171 Xx, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, pp. 264 e 265.
172 Xx, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, p. 265.
173 A título de exemplo, vejam-se os Acs. do TRP de 3/11/2011 (processo n.º 1407/10.0TJPRT.P1) e do STJ de 15/05/2008 (processo n.º 08B357), disponíveis em xxx.xxxx.xx.
como xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, é a letra do art.º 18º que se refere à própria cláusula e já não à “invocação que dela se faça dentro de um determinado quadro factual”.174
Por outro lado, um controlo de conteúdo ex post, assente num controlo de exercício, não se coaduna com a dimensão geral e abstracta subjacente à especificidade das cláusulas contratuais gerais que se destinam a uma multiplicidade de relações a constituir. Assim, as suas particularidades contrastam com uma apreciação individualizada que faz depender a nulidade de determinada cláusula das circunstâncias concretas do caso particular.
É, ademais, a referida dimensão que justifica a consagração, no art.º 25º da LCCG, de um controlo prévio e abstracto das cláusulas, independentemente da sua inserção efectiva em contratos singulares. De facto, na acção inibitória, a cláusula submetida a juízo pode ser interditada sem que o predisponente tenha feito dela um uso indevido no caso concreto, prejudicando-se, ainda assim, a possibilidade da sua utilização ou recomendação futura nos termos do n.º 1 do art.º 32º do mesmo diploma legal.
Resulta, de mais a mais, da jurisprudência, que os utilizadores destas cláusulas alegam a sua validade com base na qualificação da inerente conduta como negligência ligeira, com vista a obstar à declaração de nulidade da cláusula exoneratória ou limitativa da respectiva responsabilidade. Todavia, o argumento não tem convencido os nossos tribunais que têm abraçado a tese supra defendida.175
Atenda-se, ainda, para finalizar, a algumas especificidades que introduzem um desvio ao regime comum, consagradas, desde logo, pelo art.º 13º que põe nas mãos do aderente o poder de decidir do destino do contrato quando algumas das cláusulas estejam feridas de nulidade. Poderá, portanto, optar pela manutenção do contrato singular, o que implica a vigência, na parte afectada, das normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos. Esta previsão é aplaudida por Xxxxxxx Xxxxx e Menezes Cordeiro que concordam que a solução que vale para os contratos negociados, contida no art.º 289º do CC, se revela pouco satisfatória no âmbito das cláusulas contratuais gerais, já que “obrigado a restituir o que recebera, ou o seu valor, o aderente poderia ser conduzido, pelo próprio diploma destinado a defendê-lo, a situações
174 Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx, Responsabilidade e Garantia…, p. 27.
175 Vejam-se o já aludido Ac. do TRL de 17/07/2008 (processo n.º 5634/2008-7), disponível em xxx.xxxx.xx e o Ac. do STJ de 2/07/1991 (processo n.º 080715) em anexo, no manual de Sá, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva…, pp. 277 e ss.
gravosas”.176 Por conseguinte, aplicar-se-ão, em consequência da nulidade de uma cláusula exoneratória ou limitativa da responsabilidade do seu utilizador, as regras próprias em sede do não cumprimento do contrato, designadamente as concernentes à determinação do montante indemnizatório.
Do art.º 14º resulta, também, no caso de o aderente não optar pela manutenção do contrato ou, tendo-o feito, ela conduza a um desequilíbrio das prestações negociais gravemente atentatório dos princípios da boa fé, a aplicação do regime da redução do negócio jurídico que segue a disciplina comum prevista no art.º 292º do CC. Este instituto conduz à persistência do contrato, restrito à parte intocada pela nulidade, salvo nos casos em que se demonstre que não teria sido concluído sem a cláusula ou as cláusulas nulas. Como reconhece Xxx Xxxxx, desta disposição deriva a necessidade de acessoriedade das cláusulas nulas, pois, de outro modo, carecia de cabimento a aplicabilidade da redução. Bem assim, verificado o seu carácter essencial, achar-se-á, este regime, afastado, o que sucederá, igualmente, quando tal for devidamente invocado e provado.177
176 Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais: anotação…, p. 34.
177 Prata, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais…, p. 322.
Ao longo desta incursão na problemática da inserção das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade civil quando inseridas em contratos de adesão, procurou-se, em primeiro lugar, percorrer o caminho trilhado por estes contratos desde a sua génese, não descurando uma análise, ainda que breve, em face das soluções pelas quais enveredou o legislador, aflorando, naturalmente, os aspectos mais relevantes instituídos pela nossa LCCG e, no domínio comunitário, pela Directiva 93/13/CEE.
É, de facto, inegável o espaço ocupado pelos contratos de adesão numa realidade cada vez mais complexa, tratando-se, inquestionavelmente, de uma necessidade premente da vida económica e mercantil. Todavia, a homogeneização das relações contratuais, a dissipação da liberdade contratual e a estipulação unilateral de cláusulas abusivas surgem como o reverso da moeda.
Parece-nos, contudo, que, o legislador consagrou soluções francamente positivas e promissoras, numa intervenção tutelar que lhe incumbia, reclamada, aliás, pela desadequação da lei civil a determinadas especificidades que estão na base deste tipo contratual, designadamente a ausência de igualdade formal entre as partes, caracterizada pela posição ténue que ocupa o aderente das cláusulas contratuais gerais em relação ao seu predisponente.
Pois bem, as cláusulas exoneratórias e limitativas da responsabilidade civil consubstanciam o paradigma de cláusulas que, abusiva e dissimuladamente, surgem em contratos de adesão que, por sua vez, se afiguram como o primacial instrumento ao serviço da difusão daquelas, integrando, por consequência, o elenco das listas negras consagradas na nossa lei.
Assim, se as cláusulas de irresponsabilidade constituem, indubitavelmente, uma matéria indissociável dos problemas inerentes aos contratos de adesão e da tutela do consumidor, é também no seu seio que emergem as principais vantagens e inconvenientes daquelas. Com efeito, as sobreditas cláusulas possibilitam a celebração de contratos susceptíveis de motivar pesadas responsabilidades e que, eventualmente, não seriam celebrados não fosse a sua limitação ou exclusão antecipadamente convencionada. Ademais, tais cláusulas constituem um mecanismo imprescindível para as empresas, dando resposta a exigências de racionalização, celeridade e eficácia. No entanto, elas são, não
raras vezes, aceites por imposição de uma vontade mais forte que contrasta com a posição contratual enfraquecida do aderente, mormente quando este assume as vestes de mero consumidor. Não será difícil antever que, à partida, o sentimento de responsabilidade do devedor esmorece, na proporção em que ela é mais fortemente restringida.
Cabendo, portanto, ao legislador, a tarefa de sopesar os proveitos e inconvenientes das cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade, cremos que andou bem perante as soluções consagradas, quer no âmbito da responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual. E ainda que tenhamos posto a hipótese de consagração da total inadmissibilidade destas cláusulas quando inseridas em contratos de adesão, pelo menos sempre que estivesse em causa a sua celebração com consumidores, cuja premência de tutela justifica um maior refreamento da autonomia privada, julgamos que a boa fé, enquanto princípio geral de controlo de conteúdo das cláusulas contratuais gerais, contribuirá para a redução da franja de casos deixados a descoberto pelas interdições objecto do nosso estudo, constituindo, por si só, um instrumento determinante na defesa dos aderentes contra cláusulas abusivas.
E uma vez que estamos perante uma temática que não se apresenta, de modo nenhum, despicienda de relevância prática, o que se traduz, aliás, no largo volume de casos que têm requerido a intervenção dos nossos tribunais, resta-nos esperar que também os julgadores não excluam a sua responsabilidade de aplicadores do Direito e que, enquanto devedores da Justiça, norteiem as suas decisões pela boa fé. Quanto a nós, ainda que assumindo uma posição naturalmente mais ténue, conforme alguém disse um dia, como não podemos mudar o vento, resta-nos ajustar as velas do barco e, assim, chegar onde queremos.
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