A DESONERAÇÃO FINANCEIRA PREVIDENCIÁRIA PELO INCENTIVO À REALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
XXXXX XXXXXXXX XXXXX
A DESONERAÇÃO FINANCEIRA PREVIDENCIÁRIA PELO INCENTIVO À REALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
MARÍLIA 2021
A DESONERAÇÃO FINANCEIRA PREVIDENCIÁRIA PELO INCENTIVO À REALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Direito da Universidade de Marília como requisito para obtenção do título de Doutor em Direito sob orientação da Prof.ª Dra. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e coorientação do Prof. Dr. Xxxxxxxxx Aparecido Dias.
MARÍLIA 2021
Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx
A Desoneração Financeira Previdenciária pelo Incentivo à Realização do Contrato de Trabalho da Pessoa com Deficiência / Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx – Marília: UNIMAR, 2021.
168f.
Tese (Doutorado em Direito – Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social) – Universidade de Marília, Marília, 2021.
Orientação: Profa. Dra. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx; Coorientação: Prof. Dr.
Xxxxxxxxx Aparecido Dias.
1.Desoneração Financeira
2. Dignidade da Pessoa Humana
3. Justiça Social 4. Seguridade Social I. Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx
CDD – 341.67
A DESONERAÇÃO FINANCEIRA PREVIDENCIÁRIA PELO INCENTIVO À REALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob orientação da Prof.ª Dra. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e coorientação do Prof. Dr. Xxxxxxxxx Aparecido Dias.
Aprovado pela Banca Examinadora em / / _. Membros da Banca Examinadora:
Prof.ª Dra. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx
Orientadora
Prof. Dr. Xxxxxxxxx Aparecido Dias
Coorientador
Prof. Dr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxx
Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxx de Xxxxxxxx Xxxx
Prof.ª Dra. Xxxxx Xxxxxx
Prof. Dr. Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxxxx
Dedico este trabalho ao Grande Arquiteto do Universo, SER essencial em minha vida, meu Guia, socorro presente na hora da angústia; à minha família e amigos, pelas horas roubadas de seu convívio, e que generosamente suportaram comigo todas as dificuldades e transtornos que a construção de uma grande obra exige. Dedico também aos meus pais, Xxxxxxxxx (in memoriam) e Antônia, que me ensinaram a persistir sempre; também ao ilustre e nobre amigo Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx pelas valiosas sugestões apresentadas para realização deste trabalho.
Gratulações ao Curso de Doutorado em Direito da UNIMAR, е a todos os professores, colegas e funcionários da instituição com os quais convivi nesses espaços acadêmicos ao longo desses anos. А vivência em produção compartilhada na comunhão com os amigos nesse lugar foi uma das melhores experiências da minha formação acadêmica. Registro ainda gratidão especial à Orientadora, Prof.ª Dra. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e ao Coorientador Prof. Dr. Xxxxxxxxx Aparecido Xxxx, pelas disposições valiosas, habilidades ímpares e apoio significativo que me foram conferidos durante estes três anos – minha humilde gratidão.
“Todos têm direito de se enganar nas suas opiniões. Mas ninguém tem o direito de se enganar nos fatos.”
Xxxxxxx Xxxxxx
INCENTIVO À REALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Resumo: O presente trabalho pretende avaliar e apresentar uma proposta relativa à desoneração financeira previdenciária pelo incentivo da celebração do contrato de trabalho da pessoa com deficiência, estimulando a dignidade humana e a função social do trabalho. Tem- se como objetivo analisar os fatores que dificultam e contribuem na inserção de pessoas com deficiências no mercado de trabalho, assim como as ações previdenciárias que interferem no combate à exclusão e seus benefícios regidos pela lei a esse grupo de empregados. Além disso, buscar-se-á refletir a respeito dos valores da dignidade humana resultantes do traço distintivo do ser humano e da sociedade, que mesmo depois de séculos, ainda conta com uma visão preconceituosa e inepta. Enseja-se, ainda, incentivar as empresas a contratar pessoas com deficiência com a implementação da desoneração financeira previdenciária. Para tanto, procurou-se identificar a evolução das denominações utilizadas para aquelas, os modelos de conceito de deficiência, a definição legal de pessoa com deficiência e a evolução no tratamento dado a elas em diversas fases históricas, bem como elencar mecanismos que auxiliam na sua inserção no mercado de trabalho atualmente. Foram utilizados os métodos de pesquisa bibliográfico e documental relativos à temática abordada, por meio de consulta em doutrinas, teses e artigos científicos, além de sítios virtuais de repartições públicas e correlatos que dispunham de dados essenciais à consecução dos objetivos da presente pesquisa. Utilizou- se ainda o método de abordagem analítico-dedutivo, ao explorar documentos e textos jurídicos, e o método indutivo, coletando dados específicos e concatenando as informações colhidas, que servem como base e confirmação das conclusões trazidas neste trabalho. Conclui-se, pois, que não somente é perfeitamente possível haver regulação estatal para fomentar a contratação de pessoas com deficiência, como é altamente recomendável sob o ponto de vista da justiça social, pois os benefícios são partilhados em diversos setores: o Estado se desonera em relação à previdência social (com relação à parcela de benefícios que deixarão de ser concedidos), a empresa reduz a tributação que incide sobre o INSS Patronal, e a relação público-privada efetiva os mandamentos constitucionais, primando pela dignidade da pessoa humana ao garantir ocupação profissional àqueles que, por vezes, estão alheios à sociedade pela limitação especial que se lhes apresenta.
Palavras-chave: Desoneração Financeira. Dignidade da Pessoa Humana. Justiça Social. Seguridade Social.
PERFORM THE CONTRACT OF WORK OF THE PERSONS WITH DISABILITIES
Abstract: The present work intends to evaluate and present a proposal related to social security financial relief by encouraging the signing of the employment contract of the person with disabilities, stimulating human dignity and the social function of work. It aims to analyze the factors that hinder and contribute to the insertion of people with disabilities in the labor market, as well as the social security actions that interfere in the fight against exclusion and its benefits governed by the law to this group of employees. In addition, we will seek to reflect on the values of human dignity resulting from the distinctive feature of human beings and society, which, even after centuries, still has a prejudiced and inept view. It is also intended to encourage companies to hire people with disabilities with the implementation of social security financial relief. To this end, we sought to identify the evolution of the denominations used for those, the concept models of disability, the legal definition of people with disabilities and the evolution in the treatment given to them in different historical phases, as well as to list mechanisms that help in their insertion in the job market today. Bibliographic and documentary research methods related to the topic addressed were used, through consultation on doctrines, theses and scientific articles, in addition to virtual websites of public departments and correlates that had essential data to achieve the objectives of this research. We also used the analytical-deductive approach method, when exploring legal documents and texts, and the inductive method, collecting specific data and concatenating the collected information, which serve as a basis and confirmation of the conclusions brought in this work. It is concluded, therefore, that not only is it perfectly possible to have state regulation to encourage the hiring of people with disabilities, but it is highly recommended from the point of view of social justice, as the benefits are shared in several sectors: the State is exempt in relation to social security (in relation to the portion of benefits that will no longer be granted), the company reduces the taxation levied on the Employer's Social Security, and the public- private relationship enforces the constitutional mandates, giving priority to the dignity of the human person in guaranteeing professional occupation to those who, at times, are alien to society due to the special limitation presented to them.
Keywords: Financial relief. Dignity of human person. Social justice. Social Security.
REALIZAR EL CONTRATO DE TRABAJO DE LAS PERSONAS CON DISCAPACIDAD
Resumen: El presente trabajo pretende evaluar y presentar una propuesta relacionada con el alivio económico de la seguridad social mediante el fomento de la firma del contrato de trabajo de la persona con discapacidad, estimulando la dignidad humana y la función social del trabajo. Tiene como objetivo analizar los factores que dificultan y contribuyen a la inserción de las personas con discapacidad en el mercado laboral, así como las acciones previsionales que interfieren en la lucha contra la exclusión y sus beneficios regulados por la ley a este colectivo de empleados. Además, buscaremos reflexionar sobre los valores de la dignidad humana derivados del rasgo distintivo del ser humano y la sociedad, que, incluso después de siglos, sigue teniendo una mirada prejuiciosa e inepta. También está destinado a alentar a las empresas a contratar personas con discapacidad con la implementación de la ayuda financiera de la seguridad social. Para ello, se buscó identificar la evolución de las denominaciones utilizadas para aquellos, los modelos conceptuales de discapacidad, la definición legal de personas con discapacidad y la evolución en el tratamiento que se les da en las diferentes etapas históricas, así como enumerar los mecanismos que ayudan en su inserción en el mercado laboral hoy. Se utilizaron métodos de investigación bibliográfica y documental relacionados con el tema abordado, mediante consulta sobre doctrinas, tesis y artículos científicos, además de sitios web virtuales de departamentos públicos y correlativos que contaban con datos imprescindibles para lograr los objetivos de esta investigación. También utilizamos el método de enfoque analítico-deductivo, al explorar documentos y textos legales, y el método inductivo, recolectando datos específicos y concatenando la información recolectada, que sirven de base y confirmación de las conclusiones traídas en este trabajo. Se concluye, por tanto, que no solo es perfectamente posible contar con regulación estatal para incentivar la contratación de personas con discapacidad, sino que es muy recomendable desde el punto de vista de la justicia social, ya que los beneficios se reparten en varios sectores: el Estado está exento en relación a la seguridad social (en relación a la porción de beneficios que dejarán de otorgarse), la empresa reduce la tributación que recae sobre la Seguridad Social Patronal, y la relación público-privada hace cumplir los mandatos constitucionales, dando prioridad a la dignidad de la persona humana al garantizar ocupación profesional a quienes, en ocasiones, resultan ajenos a la sociedad por la especial limitación que les presenta.
Palabras clave: Ayuda financiera. Dignidad de la persona humana. Justicia social. Seguridad Social.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas AISS - Associação Internacional de Seguridade Social
ANFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAPS - Centro de Atenção Psicossocial CEI - Cadastro Específico do INSS CEME - Central de Medicamentos
CF - Constituição Federal
CIDE - Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico
CIDID - Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CORDE - Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CPP - Contribuição Patronal Previdenciária
CPRB - Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta
DATAPREV - Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social DC - Distrito de Colúmbia
DF - Distrito Federal
DSR - Descanso Semanal Remunerado
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente EM - Exposição de Motivos
EPCD – Estatuto da Pessoa com Deficiência FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FINAME - Financiamento de Máquinas e Equipamentos FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos
FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor IAP - Instituto de Aposentadoria e Pensões
IBDD – Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados ITS BRASIL – Instituto de Tecnologia Social LBA - Legião Brasileira de Assistência LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia
MDIC - Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços MP - Ministério Público
MPT - Ministério Público do Trabalho MPV - Medida Provisória
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego OIT - Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG - Organizações não governamentais ONU - Organização das Nações Unidas
OSCIP - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público PASEP - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PBM - Plano Brasil Maior
PCD - Pessoa com Deficiência ou Pessoas com Deficiência PEC - Proposta de Emenda à Constituição
PIS - Programa de Integração Social
PREVIC - Superintendência Nacional da Previdência Complementar PL - Projeto de Lei
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira RAIS - Relação Anual de Informações Sociais
RCPS - Regulamento de Custeio da Previdência Social RGPS - Regime Geral de Previdência Social
RN - Rio Grande do Norte
RPC - Regime de Previdência Complementar RPPS - Regime Próprio de Previdência Social SAT - Seguro Acidente do Trabalho
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SECIS - Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte SESC - Serviço Social do Comércio
SESI - Serviço Social da Indústria SEST - Serviço Social do Transporte
SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SP - São Paulo
STJ - Superior Tribunal de Justiça
SUDS - Sistema Único Descentralizado de Saúde SUS - Sistema Único de Saúde
TAC - Termo de Ajustamento de Conduta TI - Tecnologia da Informação
TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação
UNESP - Universidade Estadual Paulista ―Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx‖ WHO - World Health Organization
LISTA DE TABELAS
1. TABELA 1 – Relatório analítico de folha de pagamento da empresa A. 131
2. TABELA 2 – Relatório analítico de folha de pagamento da empresa B 132
3. TABELA 3 – Relatório analítico de folha de pagamento da empresa C 132
4. TABELA 4 – Dedução INSS Patronal x PCD. 133
SUMÁRIO
1 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: MODELOS E CLASSIFICAÇÃO 22
1.1 CONCEITO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA 22
1.2 DOS MODELOS E CARACTERÍSTICAS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 31
1.3 DEFINIÇÃO LEGAL E DOUTRINÁRIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 40
1.4 INCLUSÃO PROFISSIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 47
2 A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E A EMPRESA: AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 59
2.1. A ORDEM ECONÔMICA DO BRASIL DEFRONTE AOS DITAMES DA JUSTIÇA SOCIAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 59
2.2 A EMPRESA E SUA FUNÇÃO SOCIAL E SOLIDÁRIA 67
2.3 POLÍTICA NACIONAL PARA A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 86
2.4 ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, LEI DE COTAS E SUAS RELAÇÕES COM O CONTRATO DE TRABALHO 92
3 A DESONERAÇÃO FINANCEIRA PREVIDENCIÁRIA E O PAPEL DO ESTADO COMO FACILITADOR DE JUSTIÇA SOCIAL 99
3.1 A SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 99
3.2 A PREVIDENCIA SOCIAL 106
3.3 INCENTIVO FISCAL E TRIBUTÁRIO ÀS EMPRESAS 111
3.4 O ESTADO COMO FONTE DE INCENTIVO PARA A DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO 120
3.5 DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO COMO VIÉS NA INCLUSÃO
DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO ÂMBITO LABORAL BRASILEIRO 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS 137
REFERÊNCIAS 142
APÊNDICE A – Questionário Qualitativo Empresarial 156
APÊNDICE B – Projeto de Lei – Aplicação de Fomentos à Desoneração Fiscal e Tributária no Âmbito do Emprego Apoiado 158
INTRODUÇÃO
O trabalho em pauta se propõe a avaliar e apresentar proposta relativa à desoneração financeira previdenciária pelo incentivo da celebração do contrato de trabalho da pessoa com deficiência, estimulando a dignidade humana e a função social do trabalho, gerando o sentimento de solidariedade entre as partes.
Desse modo, tem-se o direito, nesta vertente, como regulação pública econômica, no que visa estruturar o funcionamento e a organização da atividade produtiva, definindo-se como complexo o regime e a política econômica do Estado, sendo essa regulação fenômeno recente, associado à passagem do Estado Liberal ao Estado Social intervencionista. Para conseguir estender o direito a toda a população, inclusive a parte mais carente de inclusão social, como as pessoas com deficiência, precisa-se de uma ação mais incisiva do Estado, com políticas voltadas para tal finalidade.
A Constituição Federal, inicialmente no artigo 1º, IV, o qual tem extensão ao artigo 170, aponta os princípios a serem observados pela ordem econômica que merecem destaque: a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca pelo pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, que serão pontuados neste trabalho.
Todos esses princípios elencados emanam do caráter humanístico da Carta Magna de 1988, traduzindo na norma jurídica os anseios por um País mais justo e igualitário. Todavia, inúmeros desafios são colocados à frente do gestor público, tais como o seguinte: de um norte busca-se realizar justiça social ao conceder amparo do Estado às pessoas com deficiência – garantindo-lhes alguma renda a título de benefício previdenciário, por exemplo –; por outro lado, amparar a todos os que se enquadram nessa condição indistintamente torna-se exacerbadamente oneroso aos cofres públicos, prejudicando o equilíbrio necessário ao Orçamento Público Federal. Verifica-se, então, uma limitação indireta desses direitos garantidos pela Constituição Federal.
Assim, diante dessa e de outras celeumas, torna-se complexo e penoso atingir os objetivos e princípios cravados na Constituição da República, especialmente quando envolvem o sistema econômico como um todo, tornando-se evidente o abismo existente entre a norma escrita e aquilo que efetivamente acontece no campo social.
No entanto, a despeito das dificuldades encontradas, soluções devem ser pensadas para, senão suplantar, ao menos atenuar o distanciamento dos anseios da nação para com a sua realidade, haja vista que essas questões envolvem milhões de vidas que, acima de tudo, são também cidadãos-contribuintes para manutenção do erário público.
A par disso, nota-se que, embora a normatização a respeito do emprego à pessoa com deficiência tenha evoluído paulatinamente, ainda há muito o que ser melhorado, em virtude de que quase 24% da população brasileira é de pessoas com deficiência – o que implica cerca de 45 milhões de pessoas, mas apenas 403,2 mil delas trabalham formalmente, ou seja, 1% conforme Censo IBGE (2010)1, sendo assim, não restam dúvidas de que o direito de emprego e renda dessa população precisa de um impulso, com a finalidade da promoção da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
Aduz-se que essa pequena parcela obtém renda para lhe prover a subsistência, todavia a maioria esmagadora das pessoas com deficiência depende de benefícios assistenciais para subsistir (quando se fala na porção mais pobre dessa população), e outros tantos sequer obtêm acesso a essa fonte de renda, visto muitas vezes pela desinformação, e/ou das intransigências do Estado para tal concessão previdenciária cujo deferimento, muitas vezes, o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS procura cercear quando requerido de forma administrativa.
O Estado como interventor na causa social busca por meio de medidas fortalecer a economia, como a implementação do Plano Brasil Maior em 2011, no intuito da geração de incentivos para diversos setores econômicos; a desoneração da folha de pagamento de alguns setores da economia, alvo de muitos debates até em 2020, para que a economia mantenha-se aquecida e proporcionando a garantia do emprego e renda e mais recentemente com a pandemia mundial do novo coronavírus o Estado possui papel fundamental para essa manutenção.
A desoneração da folha de pagamento subtrai o recolhimento da contribuição previdenciária patronal ao INSS sobre a folha de pagamento, calculando um percentual específico sobre a receita bruta mensal das empresas que se enquadram no Plano Brasil Maior.
1 Censo Demográfico. IBGE. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx/00/xx_0000
_religiao_deficiencia.pdf.Xxxxxx em: 17 fev. 2018.
Desse modo, fomentar a empregabilidade de pessoas com deficiência não só é uma forma de redução das desigualdades sociais (artigo 3º, III, CF/1988) ao incluí-las no seio social, como também traz efeito positivo direto ao fisco: inúmeros benefícios da previdência social deixarão de ser concedidos, principalmente no que tange aos profissionais reabilitados, e com a inclusão da outra parte proporciona a garantia do próprio sustento e proporcionando o giro da engrenagem da economia do País, principalmente em tempos de recessão devido à pandemia mundial do novo coronavírus. Mesmo considerando-se que a sociedade atual caminha para um paradigma de justiça social baseada na igualdade e na inclusão, a adequação das empresas por meio da ação de seus gestores ainda enfrenta inúmeros desafios na busca desses novos valores, inclusive no que diz respeito à contratação de PCD.
Consequentemente, algum estímulo deve ser dado ao setor privado, gerador de empregos, para que se torne interessante e atrativa a contratação de pessoas com deficiência, uma vez que apenas produzir leis determinando a contratação dessas pessoas não é suficiente para alterar o panorama social em que elas atualmente se encontram. A própria iniciativa privada deve, além disso, se pautar nos princípios de uma governança sustentável, de forma a promover a realização de uma existência digna para todos os funcionários de seu quadro, bem como de uma sociedade mais justa.
Em primazia cumpre registrar que o tema da presente tese comporta várias abordagens, tais como: reformatação da diversidade e inclusão social; reformatação das políticas públicas de incentivos a contratação de pessoas com deficiência; o sistema fiscal e tributário e sua vinculação com a justiça social; os reflexos da pandemia do novo coronavírus na garantia do emprego às pessoas com deficiência; sustentabilidade das empresas e sua relação com o cumprimento da Lei de Cotas, pois apresenta vários vieses, o que dificultaria que a realização do trabalho se propusesse a tal desafio e não se conseguiria uma coesão necessária em um trabalho stricto sensu cujo foco principal é a inclusão da pessoa com deficiência no âmbito laboral por meio de estímulos como a desoneração da folha de pagamento, buscando caracterizar a solidariedade social como fonte do direito e argumentar que as intenções e políticas públicas constituem-se em ações que direcionam o Estado quanto a garantir todos os direitos elencados na Carta Magna de 1988, principalmente no que tange à dignidade da pessoa humana.
O trabalho em tela enseja a provocação em várias nuanças, com início nos modelos e características das pessoas com deficiência até a apresentação de incentivos do Estado para a contribuição da justiça social, entre os quais apresentar-se-ão: breve entendimento da ordem econômica do Brasil e sua relação com a justiça social; a empresa e sua função social e
solidária; a Lei de Cotas e sua relação com o contrato de trabalho; a previdência social; a Seguridade Social na Constituição de 1988 e os incentivos fiscal e tributário às empresas, tais como a desoneração da folha de pagamento, vinculados às valiosas sugestões, apresentadas por vários professores que na realidade se mostraram importantes, porém sem a condição de efetivo acolhimento, pelo possível distanciamento que poderiam gerar do objeto principal e foco do tema, que na realidade se afastaria do enfoque - objetivo principal em que se estabeleceu a essência da tese.
Porém se fez necessário fazer recortes e apontamentos para melhor desenvolvimento da tese, de forma que outra alternativa não restou senão a conditio sine qua non de se fazer escolha pela abordagem previdenciária, objeto essencial para manutenção da tese, em que se busca com a desoneração da folha de pagamento, por consequência, o aumento da inserção no mercado de trabalho da pessoa com deficiência, garantindo os direitos básicos conforme a Carta Magna de 1988.
Mostra-se que uma ferramenta posta à disposição do poder público e que é perfeitamente aplicável ao caso é a concessão de incentivos fiscais, seja por meio de programas ou promoções que incentivem as empresas a celebrarem contratos de trabalho com pessoas com deficiência.
Nesse ponto, encontra-se a presente pesquisa, a qual busca não só abordar a possibilidade jurídica da concessão de incentivos fiscais a empresas privadas objetivando a contratação de pessoas com deficiência e a consequente desoneração da previdência social, mas também, na medida das possibilidades científicas, mensurar o quanto esse mecanismo pode ser benéfico para os cofres públicos, para as empresas e para as pessoas referidas.
Observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro oferece vários direitos às pessoas com deficiência, entre os quais destaca-se o direito ao trabalho. O incentivo ao trabalho à pessoa com deficiência é assegurado pelo Estado e pela sociedade, garantindo iguais oportunidades, com a disponibilização de ambientes acessíveis, proporcionando uma vida digna as pessoas com deficiência.
Nota-se que a legislação brasileira no que tange ao sistema de cotas, que ordena a contratação de pessoas com deficiência, está congruente com os diplomas internacionais globais e regionais, bem como em conformidade com os dispositivos e princípios constitucionais.
A inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho deve ser preceituada não apenas com o cumprimento da cota, mas sob a óptica da dignidade da pessoa humana. Toda a
sociedade deve respeitar a pessoa com deficiência e suas condições pessoais, dando-lhes as mesmas oportunidades dadas as pessoas sem deficiência.
Tem-se como objetivo analisar os fatores que dificultam e contribuem na inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, assim como as práticas previdenciárias que interferem no combate à exclusão e seus benefícios regidos pela lei a esse grupo de empregados, além de explorar os direitos relativos à dignidade da pessoa humana e a função social que o trabalho exerce e apresentar um Projeto de Lei que possibilita o alcance da empregabilidade as pessoas com deficiência.
Além disso, buscar-se-á refletir a respeito dos valores da dignidade humana resultantes do traço distintivo do ser humano e da sociedade, que mesmo depois de séculos ainda protagoniza uma visão de prejulgamento, baseada em classes sociais, raças e gêneros, em dissonância aos avanços sociais conquistados com o decorrer dos anos.
Visa-se, ainda, incentivar as empresas a contratar portadores de deficiência e limitações e destacar a função social de que o trabalho dispõe na integridade da pessoa humana.
Dentre os objetivos específicos, destacam-se:
• - Averiguar os efeitos da desoneração previdenciária, bem como seus benefícios para os setores da economia brasileira.
• - Identificar os desafios que impedem a contratação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
• - Diferenciar os conceitos de portador de deficiência e limitações especiais e observar o número de pessoas no Brasil que possuem algum tipo de deficiência.
• - Identificar e, dentro das possibilidades existentes, mensurar a relação entre desoneração previdenciária e contratação das pessoas com deficiência, a ser fomentada por incentivo fiscal concedido aos empregadores.
• - Fomentar o contrato de trabalho como reconhecimento dos direitos relativos à dignidade humana e sua função social.
A aspiração pela exploração de citações referentes às teses elaboradas por uma determinada comunidade científica com o intuito de averiguar as propriedades de seu campo específico de conhecimento justifica-se por considerá-las responsáveis pelas reações da pesquisa que poderão ser apresentadas nas próximas gerações de pesquisadores, além de se tipificar o último nível de pesquisa acadêmica.
Ao estudar a literatura de uma especialidade científica é precípuo considerar vários quesitos em relação ao seu estágio de desenvolvimento no mundo, e no Brasil emergente e interdisciplinar ou já assentado levanto como tema deste trabalho a seguinte indagação: É possível a desoneração financeira previdenciária pelo incentivo à realização do contrato de trabalho de pessoas com deficiência, estimulando a dignidade humana e a função social do trabalho?
Dentro desse panorama mais amplo que caracteriza o problema deste trabalho inserem-se outras questões, tais como:
• Qual é a função da empresa e suas inferências na execução de ações exclusivas à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho?
• Qual é o papel do Estado na inclusão social das pessoas com deficiência?
• Há possibilidade de termos uma legislação mais abrangente e eficaz no quesito desoneração financeira previdenciária?
• É possível a empresa optar pela inclusão social sem precisar ser responsabilizada legalmente?
• A Lei de Cotas, na prática, é eficaz?
Nesta situação, dentre os métodos utilizados para que sejam levantados os dados fundamentais para elaboração deste trabalho, destacam-se a princípio as bases lógico- investigatórias, em que se buscou identificar a evolução das denominações empregadas para as pessoas com deficiência, os modelos de conceito de deficiência, a definição legal de pessoa com deficiência e a evolução no tratamento dado a elas em diversas fases históricas. Foram realizadas consultas em materiais bibliográficos e documentais relativos à temática abordada, tais como doutrinas, teses e artigos científicos, além de sítios virtuais de repartições públicas e correlatos que dispusessem de dados essenciais à consecução dos objetivos do presente trabalho. Utilizou-se também o método comparativo sincrônico, contrastando os ordenamentos jurídicos contemporâneos de diplomas internacionais nos planos global e regional, e ainda no ordenamento interno brasileiro, a fim de identificar pontos relevantes de proteção destinada às pessoas com deficiência. Utiliza-se ainda o método analítico-sintético, ao explorar documentos e textos jurídicos objetivando o entendimento global, e o método de abordagem foi o indutivo, coletando dados específicos e concatenando as informações colhidas, que serviram como base e confirmação das conclusões trazidas neste trabalho.
Justifica-se que as teses e dissertações são defendidas no ambiente universitário para a obtenção dos graus de doutor e mestre, respectivamente, e se constituem numa das formas de
produção científica acadêmica. E justificável explorar as referências bibliográficas citadas nessas publicações, no entendimento de que se pudesse encontrar indícios para se verificar o progresso das pesquisas realizadas, o comportamento dos autores e o embasamento teórico utilizado para subsidiar novos trabalhos e projetos do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR.
Os elementos textuais desta tese se desenvolveram e estão elencados em introdução, três capítulos e considerações finais.
Nessa linha de pesquisa, no capítulo primeiro se apresentarão o conceito, modelos, classificação e características das pessoas com deficiências, as evoluções no discorrer dos anos, as nomenclaturas utilizadas no Brasil, em demais países e a definição legal e doutrinária da pessoa com deficiência.
Também, serão abordados juntamente com o tema, as discriminações por parte da sociedade, um estudo dos níveis e graus de deficiência, a forma de inserção na sociedade e no âmbito laboral respeitando os direitos e princípios elencados na carta magna de 1988 e demais instrumentos jurídicos internacionais das pessoas com deficiência.
No capítulo segundo serão apresentadas, de forma sucinta, a ordem econômica do Brasil, a relação entre o Estado e a Empresa e as políticas de inclusão social da pessoa com deficiência.
Na referida seção se analisam também os ditames da justiça social e da dignidade da pessoa humana conforme a Carta Magna de 1988. Apresentar-se-ão também a função social e solidária da empresa, as políticas adotadas pelo Estado para a integração da pessoa com deficiência na sociedade e se discorrerá sobre a Lei de Cotas e sua relação com o contrato de trabalho.
No terceiro e último capítulo se analisarão as possíveis formas da desoneração financeira previdenciária e a importância de o Estado ser um facilitador de justiça social.
Nessa senda, será exposto em síntese o histórico da previdência social do Brasil, a seguridade social na Constituição Federal de 1988 e os incentivos fiscais e tributários oferecidos às empresas para a promoção da economia e da justiça social. Mostrar-se-ão, também, as medidas para a realização da desoneração da folha de pagamento e sua concepção para a promoção da inclusão da pessoa com deficiência no âmbito laboral.
Por fim, serão apresentadas respostas acerca das discussões delineadas no decorrer deste trabalho cientifico, concatenando ideias de grandes autores com o propósito deste estudo, que é o incentivo ao Emprego Apoiado, visto que, com a obtenção de êxito em países como os Estados Unidos, apresenta-se a redução da contribuição previdenciária patronal por
parte das empresas lotadas nos regimes tributários pelo Lucro Real e Xxxxx Xxxxxxxxx, de acordo com a quantidade de contratação da pessoa com deficiência (tabela 4) e disposto no apêndice B, em forma de projeto de lei a ser apresentado ao Congresso Nacional Brasileiro.
1 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: MODELOS E CLASSIFICAÇÃO
No Brasil, nota-se que para a efetivação dos direitos sociais, exige-se mais que instrumentos legais, mas, sim, uma ação positiva para efetivá-los, com a finalidade de proteger o indivíduo do abandono do Estado. O Estado democrático de direito está alicerçado na justiça social, entretanto, na prática demonstra o grande abismo de desigualdade existente em nossa sociedade. Para melhor entender, passa-se a tornar mais evidente a pessoa com deficiência, sendo esta a principal personagem deste trabalho.
1.1 CONCEITO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A evolução, com o passar do tempo, do termo ―pessoa com deficiência‖ é resultado de várias mudanças vividas pela sociedade, como a cultura e outras conquistas alcançadas devido à oferta de informações que atualmente chega mais rápido a todos, garantindo alguns direitos que outrora não existiam.
É de suma importância a identificação do indivíduo que possui algum tipo de deficiência, não sendo ―uma tarefa fácil, mas necessária quando se tem a pretensão de questionar as políticas sociais existentes para atender suas necessidades‖2.
O pensamento de que a pessoa com deficiência é a que detém alguma limitação física ou mental deve ser rejeitada, pois poderia integrar toda a população. Afora inúmeras limitações transitórias, com o avanço da idade, todas as pessoas certamente teriam alguma restrição física ou mental3.
Realiza-se um estudo, a princípio, dos modelos de classificação do termo ―deficiência‖ usados no cotidiano mundial, seguido das várias definições oferecidas por alguns autores, em especial de uma definição para o presente estudo, e apresenta-se também a definição legal.
A história sobre o desenvolvimento de estudos sobre os modelos de pessoas com deficiência inicia-se a partir da segunda metade do século XX, após as calamitosas consequências da Segunda Guerra Mundial para a população mundial, principalmente para os soldados sobreviventes, ―que passaram a conviver com mutilações e deficiências de toda sorte, os direitos humanos passaram a fundamentar uma série de documentos internacionais como instrumento de proteção e efetivação de direitos fundamentais‖4.
Ao expor sobre o tema, Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx relatam que:
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo, aprovados em 2007, representam o principal tratado acerca da temática em tela, compilando os documentos internacionais que a precederam e operando significativas modificações no conceito de pessoa com deficiência e consolidando princípios que revelam a preocupação da comunidade internacional com a igualdade material e a não- discriminação desses sujeitos. Com efeito, a Convenção em comento consagrou como princípios gerais norteadores dos direitos humanos das pessoas com deficiência o respeito à dignidade, a participação e inclusão na sociedade, respeito pela diferença e aceitação dessas pessoas, igualdade de oportunidades, igualdade entre o homem e a mulher e desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência. 5
2 XXXXXX, Xxxxx X. Fortunato. A pessoa com deficiência e o direito ao trabalho. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. p.36 Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/0000/0/Xxxxx%00Xxxxx%00Xxxxxxxxx%00Xxxxxx.xxx. Acesso em: 20 nov. 2018.
3 XXXXXX, Xxxxx X. Fortunato. A pessoa com deficiência e o direito ao trabalho. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. p.36 Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/0000/0/Xxxxx%00Xxxxx%00Xxxxxxxxx%00Xxxxxx.xxx. Acesso em: 20 nov. 2018..
4 XXXXXX, Xxxxxx X. X.; XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx X. Evolução Histórica dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Questões Associadas no Brasil. Id on Line Rev. Mult. Psic. X.00, X. 00, Xxxxxxx/0000, x.00 - XXXX 1981-1179. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxx/0000. Acesso em: 04 nov. 2020.
5 Xxxxxx, x.00.
Em relação ao crescimento e a evolução histórica dos direitos humanos das pessoas com deficiência, tanto na esfera nacional e internacional, constata-se que a evolução parte do princípio da consagração de direitos obtidos com o ordenamento jurídico brasileiro e vigorosamente influenciadas pelos valores culturais, religiosos, sociais e pelo contexto atitudinal predominantes em cada período histórico analisado.6
Ainda tratando sobre a história da construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, Piovesan apresenta que:
Compreende quatro fases: a) uma fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava impureza, pecado, ou mesmo, castigo divino; b) uma fase marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; c) uma terceira fase orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma
―doença a ser curada‖, sendo o foco centrado no indivíduo ―portador da enfermidade‖; e d) finalmente uma quarta fase orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos. Isto é, nessa quarta fase, o problema passa a ser a relação do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva.7
No passado, a intolerância com as pessoas com algum tipo de deficiência era maior, a sociedade discriminava em todos os aspectos e tinha como visão que todas as pessoas com deficiência era concebida de um castigo divino, tendo essa concepção marcada da Antiguidade Clássica e perdurou até a Alta Idade Média.
Salienta-se que durante a Idade Média, com o crescimento do Cristianismo e da Igreja Católica, o aniquilamento das pessoas com deficiência aos poucos foi modificado, ―com a introdução da ideia de que esses indivíduos eram filhos de Deus, não devendo assim ser sacrificados. Todavia, esses indivíduos continuaram a integrar um contexto geral de invisibilidade e exclusão social‖. O final do século XVIII e início do século XIX foram marcados pela concepção assistencialista, época em que as pessoas com deficiência deveriam ser aceitas na sociedade, contudo não eram vistas como sujeitos de direitos, mas sim como
6 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 13º edição, rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2013, p.283.
7 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 13º edição, rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2013, p.289-290.
―objeto de ações assistenciais‖, tais como o advento do abrigo, alimentação e atividades ocupacionais.8
Notadamente, foi a partir do início do século XX que a sociedade começou a se envolver positivamente com foco na integração das pessoas com deficiência como sujeito de direitos. Paulatinamente, as políticas de inclusão social foi sendo concebida, persuadida, por alguns fatores: ―filosofia social de valorização da pessoa humana, engajamento da sociedade civil na busca do bem-estar comum motivada pelo progresso técnico e científico e, fundamentalmente, em razão das ações destruidoras ocasionadas pelas duas Grandes Guerras Mundiais‖9.
Nota-se que no transcorrer dos anos, algumas expressões cresceram através de críticas, como anormal, aleijado, cego, impedido, surdo-mudo, entre outras, oriundas de análise da doutrina e da legislação.10
No dicionário Houaiss11, o termo ―deficiência‖ significa a perda de quantidade ou qualidade, falta, carência, perda de valor, falha ou franqueza. Também é sinônimo de imperfeição.
Já o vocábulo ―excepcional‖ pode identificar-se como um conceito denotativo positivo. São citados ―excelente‖, ―incomum‖, ―extraordinário‖. O sentido conotativo de
―excepcional‖ utilizado, contudo, é negativo.
No que tange à legislação estrangeira, opera-se de terminologia específica, cujas traduções também revelam o despreparo no tratamento dado pelo legislador. Cita-se como exemplo a Alemanha, que opera a denominação behinderunge; a Argentina, que utiliza a terminologia descapacitados; os Estados Unidos, que usam as expressões persons with disabilities ou handicapped persons; a Espanha, que vale-se das denominações discapacitados, minusválidos ou inválidos; a França, que usa handicapés; a Itália que
8 XXXXXX, Xxxxxx X. X.; XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx X. Evolução Histórica dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Questões Associadas no Brasil. Id on Line Rev. Mult. Psic. X.00, X. 00, Xxxxxxx/0000, x.00 - XXXX 1981-1179. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxx/0000. Acesso em: 04 nov. 2020.
9 LEITE, Flávia P. Almeida. A convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência: amplitude conceitual a busca por um modelo social. Revista de Direito Brasileira, v. 3, jul. 2012, p.31.
10 XXXXXX, Xxxxx X. Fortunato. A pessoa com deficiência e o direito ao trabalho. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. p.36 Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/0000/0/Xxxxx%00Xxxxx%00Xxxxxxxxx%00Xxxxxx.xxx. Acesso em: 20 nov. 2018.
11 XXXXXXX, Xxxxxxx. Novo dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. Disponível em: xxxx://xxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxx.xxxx?xxxxxxxxxxxxxx%XXxxxx&xxxxxxx. Acesso em: 13 abr. 2019.
denomina disabili; Portugal que emprega diminuídos ou pessoas deficientes e a Província de Quebec, que faz uso das terminologias personne handicapée ou handicapé12.
Sustenta-se que ainda em tempos modernos, há a discussão de qual seria a mais sensata e justa terminologia a ser utilizada, excluindo termos pejorativos e discriminatórios, sendo as mais comuns: ―pessoas portadoras de deficiência‖, ―pessoas portadoras de necessidades especiais‖, ―pessoas com necessidades especiais‖, ―pessoa especial‖ e ―pessoa com deficiência‖. Xxxxxxx pontua que ―todas elas demonstram uma transformação de tratamento que vai da invalidez e incapacidade à tentativa de nominar a característica peculiar da pessoa, sem estigmatizá-la‖.13
O termo ―deficiência‖, apresentado no Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999, é
―toda perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano‖.14
Salienta-se que o conceito de deficiência vem se adequando conforme as inovações na área da saúde e a maneira de relacionamento na sociedade com as pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. Nessa época, a abordagem da deficiência evoluiu do modelo médico ―que considerava somente a patologia física e o sintoma associado que dava origem a uma incapacidade‖ para um sistema como a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, divulgada pela Organização Mundial da Saúde - OMS (World Health Organization - WHO) em 2001, que explica ―a incapacidade como um resultado tanto da limitação das funções e estruturas do corpo quanto da influência de fatores sociais e ambientais sobre essa limitação‖, conforme IBGE15.
Ademais, o Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999, em seu artigo 3º, também conceitua de maneira diferente as expressões ―deficiência‖, ―deficiência permanente‖ e
12 XXXXXX, Xxxxx X. Fortunato. A pessoa com deficiência e o direito ao trabalho. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. p.33. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/0000/0/Xxxxx%00Xxxxx%00Xxxxxxxxx%00Xxxxxx.xxx. Acesso em: 20 nov. 2018.
13 XXXXXXX, Xxxxxxx X. Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. 2006. Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. p.270. Disponível em: xxxx://xxxxxx.x0xx.xxxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxx/0000/0000/0/XXXX_XXXXXX_X_XXXXXXXX.XXX. Acesso em: 25 jan. 2019.
14 BRASIL. Decreto n. 3.298 de 20 de dezembro 1999. Disponível em: http:
//xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxx/X0000.xxx. Acesso em: 25 jan. 2019.
15 BRASIL. Deficiência. IBGE Censo Demográfico 2013. Disponível em: xxxxx://xx0.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/00000000xxxxxxxxx.xxxx. Acesso em: 19 fev. 2018.
―incapacidade‖, estabelecendo a peculiaridade de matéria entre os muitos conceitos, conforme Xxxxxxxx Xxxxxxx Costa16.
Mister salientar que a terminologia ―portador de deficiência‖ adotada pela Carta Magna de 1988, é importante apresentar que essa terminologia era fundamentada no modelo médico da deficiência, que percebia a pessoa e não o tipo de deficiência, e que essa população deveria se adaptar a sociedade.
Nessa linha, Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx avaliam que:
Com o advento da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 (nove) de julho de 2008, entrando em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 (trinta e um) de agosto de 2008, houve uma evolução do conceito/terminologia considerado para se referir às pessoas com deficiência. Com efeito, como a convenção em tela foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro seguindo o rito previsto no art. 5º, § 3º, o qual preceitua que ―Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais‖, a referida convenção goza do status de emenda constitucional, sendo atualmente o único tratado internacional sobre direitos humanos aprovados nesses moldes.
17
O termo ―portadora‖ realça o ―portador‖, como se fosse possível deixar de ter a deficiência, após estudos elencados sobre o assunto, a expressão utilizada pela Organização das Nações Unidas é ―pessoas com deficiência‖ – persons with disabilities, conforme consta da Standard Rules e da Convenção da ONU de 2006.18
Nessa direção, a internalização da Convenção Internacional Sobre o Direito das Pessoas com Deficiência no ordenamento jurídico brasileiro fundamentou uma modernização constitucional do conceito de pessoa portadora de deficiência para pessoa com deficiência, termo este que se encontra na legislação infraconstitucional a partir de 2009.
Confrontando o modelo médico da deficiência e o modelo dos direitos humanos, Xxxxx dispõe que:
O modelo de direitos humanos (ou modelo social) vê a pessoa com deficiência como ser humano, utilizando o dado médico apenas para definir suas necessidades. A principal característica desse modelo é sua abordagem de ―gozo dos direitos sem discriminação‖. Este princípio de
16 XXXXX, X. Pereira. A inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho. Xxx.xxx.xx. 2012.
p.3. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xx/. Acesso em: 19 fev. 2018.
17 XXXXXX, Xxxxxx X. X.; XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx X. Evolução Histórica dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Questões Associadas no Brasil. Id on Line Rev. Mult. Psic. X.00, X. 00, Xxxxxxx/0000, x.00 - XXXX 1981-1179. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxx/0000. Acesso em: 04 nov. 2020.
18 XXXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxx. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.250.
antidiscriminação acarreta a reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para que seja assegurada a igualdade material, consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano. Assim, não se trata mais de exigir da pessoa com deficiência que esta se adapte, mas sim de exigir, com base na dignidade humana, que a sociedade trate seus diferentes de modo a assegurar a igualdade material, eliminando as barreiras à sua plena inclusão.19
Destarte, o artigo 3º do Decreto nº 3.298/9920, define e identifica os tipos de deficiência no âmbito nacional sendo toda perda ou anormalidade da estrutura psicológica, fisiológica ou anatômica que possa dificultar o desempenho dessa pessoa.
A expressão ―PCD‖ foi adotada a partir da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações Unidas, em 2006; desde então, doutrinou-se que, ao se referir a essas pessoas se deve utilizar tal expressão, referindo-se às pessoas que possuem limitações permanentes (pessoas com deficiência visual, auditiva, física ou intelectual).
De acordo com o Estatuto Brasileiro da Pessoa com Deficiência, a definição de um conceito para as pessoas com deficiência, estão elencados nos artigos 2 e 321 que praticamente corrobora com as definições expostas no Decreto nº 3.208/99.
Sobre a primazia de interdependência das pessoas com deficiência em relação a pobreza, Xxxxxx e Leite pontua que:
[...] reitere-se: as principais desvantagens advindas da deficiência se traduzem nos enormes obstáculos enfrentados por pessoas com limitações funcionais para a realização de direitos considerados essenciais no desenvolvimento da personalidade, como o direito à liberdade, à educação, à saúde, ao emprego, etc. E, como consequência da inacessibilidade a direitos essenciais, as pessoas com deficiência acabam não usufruindo de bens e valores necessários a uma vida digna. Por isso, as pessoas com alguma
19 XXXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxx. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.251.
20 I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. BRASIL. Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: http:
//xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxx/X0000.xxx. Acesso em 25 jan. 2019.
21 Artigo 2. Pessoas com deficiência incluem aquelas que sofrem de deficiências físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais em longo prazo que, em interação com várias barreiras, podem dificultar sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais.
Artigo 3. Para o reconhecimento dos direitos estabelecidos nesta Lei, serão consideradas deficiências aquelas que causem prejuízo às funções ou estrutura do corpo relacionado às habilidades comunicativas, mentais, intelectuais, sensoriais ou motoras. BRASIL. Estatuto da pessoa com deficiência. Brasília: Secretaria de Edição e Publicações. Coordenação de Edições Técnicas. 2013, p.2.
atipicidade funcional são mais pobres se comparadas ao restante da população.
Para ser mais exato, é possível dizer que deficiência e pobreza se alimentam mutuamente. Em rápida síntese, se uma pessoa com deficiência tem menos acesso à educação formal, isso significa menos oportunidades de emprego, que resulta em menos renda, cujas consequências são menos recursos materiais necessários ao próprio sustento. O inverso também é verdadeiro, uma vez que ser economicamente pobre importa maior deficiência, na medida em que alguém que disponha de menos recursos materiais, e que tenha alguma limitação funcional, certamente terá mais dificuldades para superar as barreiras existentes no cotidiano que impedem o exercício dos direitos fundamentais.22
Nessa direção, ao pensar em soluções para o confronto dos quadros de pobreza e de falta de acesso a uma vida digna, para as pessoas com deficiência, é primordial estudar mais a fundo o processo, com a intenção de igualar ou diminuir a privação de direitos legais enfrentada por essa parte da população. ―Para tanto, verifica-se inicialmente a necessidade de regulamentação desses direitos como forma de instrumentalizar a viabilidade desse propósito, concebendo sua proteção a partir de uma perspectiva de direitos humanos‖ 23.
Xxxxxxxxx, ao discorrer sobre o tema, insere que:
Como é possível certificar, as regulamentações mais modernas partem da premissa de que a proteção dos direitos da pessoa com deficiência deve ser compreendida como uma questão de direitos humanos. As pessoas com deficiência devem ser consideradas sujeitos de direito, e à legislação cabe formular instrumentos que permitam a consecução dessa finalidade.
Quando a deficiência é vista como resultado de fatores extrínsecos e a legislação vem em socorro para instrumentalizar o afastamento desses obstáculos, a promoção da igualdade material e da universalização dos direitos fundamentais torna-se mais tangível; ou seja, busca-se conceder às pessoas com deficiência os mesmos direitos que são a todos garantidos indistintamente, visto que somente assim é possível pensar no efetivo acesso a uma vida digna.24
Advém que, o objetivo dos instrumentos normativos não é conceder direitos diferenciados à pessoa com deficiência em relação às demais, mas sim propiciar a elas o mesmo acesso aos direitos que toda a população é contemplada. ―É dizer que a pessoa com deficiência deve usufruir dos direitos humanos reconhecidos a todos os outros indivíduos, pelo simples fato de ser pessoa, tão somente por fazer parte da coletividade humana‖. Logo o tratamento dado busca a equidade quanto aos direitos humanos, não diferenciando por
22 XXXXXX, Xxxxxxxx X.; XXXXX, Glauber S. Pessoas com deficiência: a proteção jurídica da pessoa com deficiência como uma questão de direitos humanos. In: Direito à diversidade. São Paulo: Atlas, 2015, p.104.
23 NASPOLINI, Xxxxxxx X. A proteção aos Direitos da Pessoa com Deficiência. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, v. V, n. 01, p. 229-251, dez. 2017, p.235.
24 Ibidem, p.238.
pertencer a certo grupo social ou minoria, mas concretizando a promoção dos direitos tradicionais assegurados ao restante da população e já positivados, fruto de ―um processo histórico de luta e de conquistas sociais‖.25
Com a efetivação de direitos já elencados anteriormente, pode-se dizer que é perfeitamente possível a redução do índice de pobreza e de exclusão por parte das pessoas com deficiência e que ações positivas e concretas advindas do Estado e sociedade possa corroborar para com uma sociedade mais justa e solidaria. ―A outorga de autonomia para a realização de escolhas, o acesso à educação, à saúde e ao trabalho e o afastamento dos obstáculos de cunho estrutural materializam um ponto de partida para essa parcela da população‖. 26
Ainda nesse contexto, Naspolini enfatiza que:
O pleno acesso a direitos fundamentais, ao mesmo tempo que configura um dos objetivos do Estado, constitui um de seus fundamentos, um de seus pilares de sustentação. Nesse sentido, é imprescindível a atuação estatal em todas as frentes possíveis, iniciando pela regulamentação da matéria e assunção de compromissos internos e internacionais, passando pela elaboração e execução de políticas públicas e culminando na invocação do Judiciário, caso se mostre necessário o cumprimento coercitivo dessas medidas.
O oferecimento de uma proteção jurídica pautada nos direitos humanos é o ponto de partida possível para a efetivação do acesso das pessoas com deficiência aos direitos fundamentais usufruídos pelas demais pessoas. Somente na ampla concretização desses direitos será inaugurado um processo de reversão dos quadros de pobreza e exclusão a que ainda se encontra submetida grande parcela dessas pessoas, permitindo-se assim a plenitude de acesso a uma vida digna.27
Ao direcionar para a gravidade de cada deficiência, pode-se ressaltar que a investigação dos graus de cada deficiência permite conhecer a parcela da população com deficiência grave, que se constitui no principal alvo dessas políticas públicas. São consideradas com deficiência severa visual, auditiva e motora as pessoas que declararam ter grande dificuldade ou que não conseguiam ver, ouvir ou se locomover de modo algum, e aquelas que declararam tê-la de forma mental ou intelectual.
Conforme os dados da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS – do ano de 2018, registra-se que 486,7 mil pessoas com deficiência trabalham formalmente, sendo que a
25 XXXXXXX, Xxxxxx X. Pessoas com deficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas.
São Paulo: Saraiva, 2013, p.90.
26 NASPOLINI, Xxxxxxx X. A proteção aos Direitos da Pessoa com Deficiência. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, v. V, n. 01, p. 229-251, dez. 2017, p.235.
27 NASPOLINI, Xxxxxxx X. A proteção aos Direitos da Pessoa com Deficiência. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, v. V, n. 01, p. 229-251, dez. 2017, p.250.
Lei Federal nº 8.213 de 24 de julho de 199128 foi criada para garantir às pessoas com deficiência que sejam beneficiárias do Programa de Reabilitação Profissional pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a possibilidade de executarem alguma atividade laboral, oportunizando a dignidade da pessoa humana.
1.2 DOS MODELOS E CARACTERÍSTICAS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A Lei nº 8.213 de 24 de julho de 199129, comumente conhecida como Lei de Cotas, estabelece a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Sendo a pessoa enquadrada como PCD (Pessoa com deficiência) aquela que evidencia, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, e para quem essas incapacidades alterem o desempenho nas atividades laborais.
No Brasil, a fiscalização para o cumprimento da legislação sobre pessoas com deficiência fica a cargo do Ministério Público do Trabalho (MPT), que orienta e aplica em casos específicos auto de infração e multa às empresas que desrespeitam ou não cumprem os ditames da Lei de Cotas. Notadamente, o MPT, ao encontrar irregularidades nas empresas, pode celebrar, a princípio, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual essas empresas se comprometem com metas e prazos para o fiel cumprimento da Lei de Cotas; caso negativo, as empresas podem ser foco até de ações civis públicas, com a finalidade de assegurar os direitos das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho.
De acordo com a Lei de Cotas, as pessoas submetidas ao processo de reabilitação profissional desenvolvido ou homologado pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), sendo capacitadas, fazem parte legal da contagem da base de cálculo de cota das empresas.
Já com relação a necessidades especiais, Xxxxxxxx nos ensina que:
É a carência ou deficiência de uma ou mais capacidades; condição de todos os seres humanos, que, em alguns, causa uma sensação de fadiga e sofrimento particularmente intensa, a ponto de o corpo social promulgar leis para a sua integração, mas, ao mesmo tempo, preferir esconder ou favorecer o desaparecimento do sujeito difícil de integrar. As necessidades especiais são incapacidades do portador de realizar as atividades próprias do seu nível de desenvolvimento. Podem ser deficiências físicas ou mentais, também
28 BRASIL. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/XXXX/X0000xxxx.xxx. Acesso em: 22 dez. 2018.
29 BRASIL. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/XXXX/X0000xxxx.xxx. Acesso em: 22 dez. 2018.
conhecidas como atrasos de aprendizagem. Há uma crescente consciência sobre as dificuldades das pessoas portadoras de necessidades especiais, havendo cada vez mais ferramentas para ajudá-las a suprir numerosas carências; ao mesmo tempo, há também uma clara censura na mídia sobre as temáticas da deficiência: ela afeta milhões de pessoas, mas tem pouco espaço nos meios de comunicação.30
As limitações tanto para uma pessoa que nasce com uma deficiência ou quando adulta sofre um acidente, deixando-a incapaz, são mais sociais do que pessoais (fisiológicas), isso em relação à atitude da sociedade versus a condição da pessoa com deficiência. ―É a sociedade, na maior parte das vezes, que definirá a deficiência como uma incapacidade, e é o indivíduo que sofrerá as consequências de tal definição‖, conforme Buscaglia.31
Sixxx xeciona que:
Na assistência à pessoa portadora de necessidades especiais, através dos tempos, podemos reconhecer os diversos métodos de trabalho, os objetivos dos programas estabelecidos e os procedimentos adotados para levá-la a sair da situação de dependência. 32
O processo de reabilitação profissional ocorre posteriormente à avaliação do benefício por incapacidade realizado pelo perito médico, que atesta o potencial laborativo da pessoa, com o objetivo principal de definir a real necessidade de retorno ao trabalho, sendo certificados e garantidos todos os direitos legais.
Percebe-se que não existe uma definição única de deficiência, pois cada localidade geográfica possui seu entendimento legal e que existem várias maneiras de interpretar e conceituar deficiência, que serão conhecidas posteriormente.
No contexto internacional, há quatro principais modelos de deficiência: caritativo, médico, social e o baseado em direitos.
Segundo Laxxxx, o modelo caritativo pode ser apresentado como ter uma visão da pessoa com deficiência sendo uma vítima da sua incapacidade. ―A deficiência é vista como um déficit. Estas pessoas não seriam capazes, por esse modelo, de levar uma vida independente‖. Nessa situação, entende-se que essas pessoas passam por um constrangimento
30 BEXXXXXX, Xxxxx. Portadores de necessidades especiais: a definição em 3 pontos. Zenit. 2013. Disponível em: xxxxx://xx.xxxxx.xxx/. Acesso em: 19 dez. 2018.
31 BUXXXXXXX, X. X. Xs deficientes e seus pais. Tradução: Raxxxx Xxxxxx. 0 ed. Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 20.
32 SIXXX, X. X. X Epopeia Ignorada - A pessoa deficiente na História do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: Cedas, 1986, p. 310.
e sofrimento muito grande e que na realidade elas precisam de serviços especiais, pois são diferentes. ―Elxx xrecisam de ajuda, simpatia e caridade‖. 33
Quanto ao modelo médico, Laxxxx xxpõe que muitos tratam como modelo individual e tem como abordagem em que as pessoas com deficiência têm problemas físicos e que precisam ser curados. ―O objetivo dessa abordagem é normalizar tais pessoas. A questão da deficiência é limitada ao plano individual, e é o indivíduo que precisa ser mudado, não a sociedade ou o meio em que ele vive‖. Quanto as suas necessidades, o termo especial é adotado quanto aos serviços necessários a essa pessoa, escolas e professores de educação especial. 34
Segundo Wexxxxx, ao comentar sobre o modelo médico, enfatiza que:
As únicas causas da baixa participação na sociedade e da exclusão das PCD são suas deficiências e suas limitações; excluindo-as, estaria superado o problema de inclusão social, vez que ―desapareceria‖ o preconceito da sociedade para com aquele indivíduo. Assim, a sociedade ―estaria isenta de qualquer responsabilidade por atos e processos de discriminação, e por combatê-los e desconstruí-los.35
A ideia inicial do modelo médico é de origem biológica, delegando a ―deficiência a um problema adquirido ou nato do indivíduo e que deve ser combatido e curado pelas Ciências médicas‖. Atribui-se particularizar as ―deficiências para a elaboração de métodos específicos para a cura ou para a obtenção de melhores resultados, de acordo com as deficiências de cada indivíduo‖. Esse modelo particularizava a deficiência, com a sensação de que a deficiência surgia com um ―déficit, relegando-a a uma condição de vítima e merecedora de assistência social‖36.
Em particular no Brasil, o modelo médico esteve em vigência até o início dos anos 90, em que as políticas públicas direcionadas para as pessoas com deficiência perseguiam a cura ou um tratamento especializado para a ―doença‖. Além disso, o caráter médico, faz com que propaga a relevância da educação para pessoas com deficiência como fórmula de inclusão social na sociedade brasileira.
33 LAXXXX, Xxxxx X. Xortunato. A pessoa com deficiência e o direito ao trabalho. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. p.37. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/0000/0/Xxxxx%00Xxxxx%00Xxxxxxxxx%00Xxxxxx.xxx. Acesso em: 20 nov. 2018.
34 Ibxxxx, p.37.
35 WEXXXXX, X. Xanual da Mídia Legal: comunicadores pela saúde. Rio de Janeiro: WVA Editora, 2004, p.17.
36 GOXXXXXX, Xxxxx X. Xodelos Teóricos e Investigación em el Ámbito de la Discapacidad. Hacia la Incorporación Personal. Docencia e investigación, v. 31, n. 16, ene./dic. 2006, p.27.
No Brasil, mais precisamente na década de 30, foi marcado pelo ―início das preocupações governamentais com a educação inclusiva, fomentando a criação de escolas junto a hospitais especializados, voltados, exclusivamente, ao aluno com deficiência‖. As intervenções governamentais ―consistiam em auxílios técnicos, como o auxílio do Estado de São Paulo ao Instituto Padre Chico e na colaboração a fundações privadas‖.37
Nessa linha, Lemos e Silva indagam que:
O caráter assistencialista marcou políticas públicas e dispositivos normativos sobre a pessoa com deficiência no Brasil até o Século XXI, e, embora em menor grau, ainda são visíveis nos dias atuais. Os principais objetivos buscados pela legislação eram uma aceitação ou integração da pessoa com deficiência pela sociedade, consubstanciada, exemplificativamente, na imposição de cotas em concursos públicos e empresas, como um meio de se tentar equiparar as condições das PCD com as demais pessoas, e de prover- lhes dignidade através do exercício de atividade remunerada.38
O modelo médico-científico está sendo, aos poucos, superado pela sociedade mundial, visto que já foi superado pela legislação internacional, e, no estado brasileiro, pela reafirmação da Convenção de Nova York, e mais recente, pelo advento da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), em 6 de julho de 2015.
Esta norma, a princípio, ―supera o paradigma de aceitação‖, ao ser nomeada ―Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência‖, corroborando com o fim do pensamento visto anteriormente e que possibilitou no tratamento da deficiência já em seus primórdios como um
‖conceito social em desenvolvimento, que une características físicas a barreiras (sociais, físicas, arquitetônicas e outras), que, em conjunto, excluem a pessoa com deficiência da sociedade e impedem o pleno exercício da cidadania e da igualdade‖. 39
Já o modelo social na visão de Laxxxx xnsina que ―vê a deficiência como um resultado do modo como a sociedade está organizada‖. Nessa perspectiva nota-se que se a sociedade estiver mal ordenada, a pessoa com deficiência poderá sofrer com discriminações e enfrentará
―barreiras de acessibilidade, institucional e atitudinais que impedirão a sua participação
37 ROGALSKI, Solange M. Histórico do Surgimento da Educação Especial. Revista de Educação do IDEAU, v. 0, x. 00, 0000, x.00.
00 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.38.
39 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.38.
efetiva na sociedade e a sua independência. Em resumo, ela não depende apenas do indivíduo, mas de toda a sociedade‖. 40
Conforme Laraia, o último modelo é semelhante ao social e entende-se que:
O modelo baseado em direitos, a sociedade precisa mudar para garantir que todos, inclusive as pessoas com deficiência, tenham oportunidades iguais. A legislação e as políticas públicas proporcionarão essa mudança. O modelo baseado em direitos tem fundamento nos direitos humanos que todos podem reivindicar. Os dois elementos principais desse modelo são o empoderamento, assim entendido como a participação das pessoas com deficiência, e a responsabilidade das instituições públicas em implementar seus direitos. 41
Ressalta-se que foram estudados vários modelos de pessoas com deficiência no decorrer de décadas e que muitos autores contribuíram e continuam contribuindo para uma visão assertiva quanto aos modelos apresentados e que todos de uma forma e ou de outra possa fortalecer os preceitos da dignidade humana, pois apesar das lutas no decorrer dos anos, estão longe de se esgotarem as discussões e comportamentos em relação a essa classe da sociedade que precisa de ações mais efetiva tanto da esfera governamental e também dos cidadãos para gerar oportunidades para a inclusão dessas pessoas na sociedade e principalmente no mercado de trabalho, possibilitando uma vida digna e humana e favorecendo o crescimento da economia do País.
Nessa linha, Lemos e Silva apresentam que com as alterações nos modelos isolacionista, médico e social, respectivamente, implantou-se uma nova referência que deve ser seguido pela sociedade e pelo poder público, ―tendo como norte axiológico a concretização da igualdade entre as pessoas e a efetivação da dignidade das pessoas com deficiência‖. Nota-se que o ―modelo social propõe um giro Copérnico na abordagem à PCD, deslocando a deficiência para a sociedade‖ estimulando e desafiando o Estado e a sociedade, com intuito de superar e excluir as barreiras existentes para que as pessoas com deficiência possam exercer o livre exercício da cidadania.42
O Modelo da Prescindência fez parte da sociedade desde a antiguidade clássica até o início do século XX.
40 LAXXXX, Xxxxx X. Xortunato. A pessoa com deficiência e o direito ao trabalho. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009. p.37. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/0000/0/Xxxxx%00Xxxxx%00Xxxxxxxxx%00Xxxxxx.xxx. Acesso em: 20 nov. 2018.
41 Ibidem, p.37.
42 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.37.
Esse modelo partia de concepções de cunho religioso, atrelando as causas da deficiência à ―ira dos deuses‖, o que configuraria uma punição à pessoa com deficiência, ou até mesmo a seus pais. As pessoas com deficiência, segundo esse modelo, seriam absolutamente inúteis à sociedade, visto que em nada poderiam contribuir para o desenvolvimento da coletividade. À sociedade era dado, portanto, ―prescindir‖ dessas pessoas, verbo que acaba por conferir nome a essa abordagem. Nesse sentido, esse modelo propunha soluções baseadas na exclusão das pessoas com deficiência, seja através de práticas eugênicas, a exemplo do infanticídio na antiguidade clássica, ou através do isolamento ou marginalização.43
Vale ressaltar, que neste modelo havia um alto grau de preconceito perante as pessoas com deficiência. Ou seja, para elas restava apenas a segregação, não se possibilitando qualquer meio de inserção no convívio em sociedade, sendo que ações de inclusão eram escassas e a pessoa com deficiência sofria com tratamentos cruéis e desumanos e que a sociedade ministrava de forma pacifica as dores desses indivíduos.
Todavia, a Convenção de Nova York, de 2007, interferiu legalmente em diversos países que adaptaram seus instrumentos jurídicos à nova abordagem proposta pela ONU. Contudo, no estado brasileiro, este empenho legislativo derivou com a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPCD), Lei 13.146/15, entrando em vigor 7 (sete) anos após a internalização da Convenção no ordenamento jurídico pátrio, por intermédio do Decreto Legislativo nº 186/2008.
Lexxx x Sixxx, ao lecionarem sobre o EPCD:
O EPCD é claro ao definir a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos a longo prazo, que em interação com uma ou mais barreiras, obstrua sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Como reflexo deste paradigma, o Estatuto alterou o regime de capacidade civil até então vigente, estabeleceu direito à reabilitação e reforçou o direito ao emprego e estímulo ao empreendedorismo como meio de inclusão social e superação das barreiras. Apesar do inegável avanço no modelo legal, a Convenção, no Direito Internacional, e o EPCD, no ordenamento jurídico interno, tratam as pessoas com deficiência sem quaisquer distinções, abordando suas particularidades em um mesmo contexto, olvidando desafios pessoais e necessidades específicas.44
Nesse prisma, o modelo médico de abordagem à pessoa com deficiência é constituído no binômio fisiologia/patologia, visando a busca e compreensão de aspectos desencadeadores da deficiência e pesquisando tratamentos com a finalidade da sua cura total ou eliminação.
―Tratava-se de um modelo de cunho tutelar e assistencialista, que buscava uma aceitação da
43 NASPOLINI, Luxxxxx X. A proteção aos Direitos da Pessoa com Deficiência. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, v. V, n. 01, p. 229-251, dez. 2017, p.231.
44 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.37.
sociedade, ao passo que colocava seus principais destinatários como meros coadjuvantes na elaboração de políticas públicas a elas voltadas‖ 45.
As pessoas com deficiência – até então tratadas como ―pessoas com necessidades especiais‖, ―pessoas especiais‖ ou ―pessoas portadoras de deficiência‖ – eram expostas como pessoas com impedimentos físicos, mentais, intelectuais e/ou sensoriais que, de maneira geral, encontram-se dificuldades para realizar sua participação na sociedade e dificultando o acesso a direitos em igualdade de condições com os demais indivíduos.
Esse conceito coletivo de deficiência foi cunhado na primeira metade do século XX, em substituição às descrições setoriais como ―aleijados‖,
―surdos‖ ou ―loucos‖. A deficiência, segundo o modelo médico, é expressão de uma limitação corporal do indivíduo para interagir socialmente.46
Mister salientar, que o modelo médico corrobora que a deficiência deve ser enfrentada com tratamentos próprios, diretos, estimulando os estudos e pesquisas sobre o assunto. Algumas ferramentas tecnológicas para o auxílio às pessoas com deficiência, intituladas como revolucionários nos dias atuais, foram concebidas pelo modelo médico, a partir da década de 60.
A partir do início do novo modelo e a percepção de superação do paradigma médico- assistencialista passa-se a ter um ambiente de superação do conceito de deficiência como uma
―tragédia‖ ou uma ―doença‖, e a humilhação e a desonra que traz à pessoa. O novo modelo concede a deficiência para a sociedade e desperta o discernimento da diferenciação, portando- se em referência ao conceito anterior de deficiência com características individuais comuns, excluindo a superação da ideia de dependência da pessoa com deficiência.
Discorrendo sobre o tema, Lexxx x Sixxx xxpõe que:
Os modelos de tratamento conferidos às pessoas com deficiência são definidos pela doutrina, em geral, como o modelo de prescindência, o modelo médico (ou de reabilitação) e o modelo social. A alteração desses modelos leva, também, a uma mudança de paradigmas na abordagem sócio jurídica das pessoas com deficiência, que são, respectivamente, os paradigmas da exclusão, da integração (ou da adaptação social) e da inclusão. O primeiro modelo considerava que as causas que originam a deficiência são de cunho religioso ou, de certo modo, divinas, considerando as pessoas que nasceram com alguma deficiência inúteis, por não contribuírem com a sociedade e merecedoras de ostracismo ou, até mesmo, da morte, por serem um lembrete constante da punição divina à pessoa ou a seus familiares. Este modelo, utilizado fortemente até o início do século XX, pode ser exemplificado com o estabelecimento do jure pátrio, pela Lei das
45 Ibidem, p.37.
46 BAXXX, X. X. xa S.; GUXXXXX, X.; ALXXX, E. D. Modelo social: uma nova abordagem para o tema deficiência. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 18, 2010, p.12.
XII Tábuas que estabelecia que ―o filho nascido monstruoso seja morto imediatamente‖. 47
Como já citado anteriormente, o modelo médico (ou de reabilitação) surgiu no final da Primeira Guerra Mundial, pois os milhares de feridos necessitavam de cuidados especiais. Foi implantado a ideia de que as causas que dão origem à deficiência são científicas e, dessa maneira, carecem de ser estudadas para melhor compreensão e, por vezes, chegar até a cura. Com o advento de pesquisas e estudos científicos, nota-se que as pessoas não são mais consideradas como inúteis, frágeis, e a busca é pela inserção na sociedade através dos meios de aceitação social e tentativas de reabilitação.
Em consonância ―o paradigma de exclusão dá lugar ao paradigma de integração, em que a sociedade ―aceitava‖ a existência e a convivência com pessoas diferentes, desde que estas se adaptassem às regras comuns e ao cotidiano da sociedade‖ 48. Passa-se a serem vistas igualmente sob o olhar formal, sem houver justificativas para um tratamento desigual, corroborando com o mínimo de bom censo para essa classe de pessoas que merecem todo o respeito e que possa compartilhar de direitos básicos elencados na Carta Magna de 1988 e outros instrumentos jurídicos internacionais.
Na visão de Lexxx x Sixxx,
Trata-se, inegavelmente, de uma evolução no tratamento das pessoas com deficiência. Não mais se falava em expurgá-las do convívio social, mas as
―aceitavam‖ como partes integrantes da sociedade. A evolução dos estudos médicos sobre reabilitação física, desenvolvimento de medicamentos, intervenções cirúrgicas e genéticas são contribuições importantes que, até hoje, se fazem presentes e devem ser fomentadas no acompanhamento da pessoa com deficiência. 49
Na década de 60, mais precisamente no Reino Unido, surge o modelo social como uma resposta às abordagens médicas tratadas no modelo anterior, estipulando que a deficiência não deve ser observada como um ―problema individual‖, e sim como uma questão social, e que toda a sociedade deve estar preparada para o acolhimento das pessoas com deficiência de acordo com suas limitações, trazendo essa responsabilidade a sociedade, ou seja, deverá assumir com o ônus de superá-las.
Lexxx, nos ensina que o ponto de egresso teórico do modelo social é de que a
―deficiência é uma experiência resultante da interação entre características corporais do
47 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.38.
48 Ibidem, p.38.
49 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.39.
indivíduo e as condições da sociedade em que ela vive‖, ou seja, da conjunção de limitações impostas na estrutura física com ―algum tipo de perda ou redução de funcionalidade (‗lesão‘) a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal‖.50
Notadamente, o conceito do modelo social evidencia o termo ―inclusão‖, instituindo na sociedade o termo ―aceitá-los‖, e consequentemente, as pessoas com deficiência possam ser vistas igualmente em direitos e obrigações idem a qualquer outro sujeito da sociedade. Salienta-se que esse ―paradigma de inclusão‖, estabelecido pelo conceito inclusivo de direitos humanos, os olha como cidadãos aptos a terem uma vida digna com total independência e pleno desenvolvimento de suas capacidades individuais.
Sob a ótica de Lemos e Sixxx,
Esse modelo justifica ações afirmativas, como políticas de cotas no trabalho, temas como educação inclusiva, supressão de barreiras físicas e arquitetônicas, possibilitando o exercício de direitos fundamentais básicos de qualquer cidadão, dentre outras. Adota-se o conceito material de isonomia, em substituição à igualdade formal, aplicada sob o modelo médico/reabilitador. Os princípios da dignidade humana, da igualdade material e da solidariedade são norteadores no paradigma inclusivo que fundamenta axiologicamente os textos normativos sobre pessoa com deficiência após a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em vigência desde 2008. A necessária inclusão das pessoas com deficiência à sociedade envolve questões de identidade dos cidadãos, solidariedade, autonomia e dignidade humana. A ordem jurídica, como conjunto de normas eticamente impregnadas, deve conter mecanismos para a promoção da coexistência, com igualdade de direitos entre todos os indivíduos, fomentando uma inclusão com sensibilidade para as diferenças. Deverá haver um equilíbrio entre o necessário reconhecimento das pessoas com deficiência, como um grupo social, ao passo que não deverão ser tratados à margem da sociedade, sendo igualmente cidadãos, partes integrantes de toda a sociedade e sujeitos de direitos e obrigações como qualquer outra pessoa.51
Com a inserção na sociedade desse novo modelo, passa-se a ter uma nova visão na prática, pois simplesmente com a ―eliminação de barreiras ou concessão de oportunidades diferenciadas para o exercício do direito à educação ou ao trabalho são suficientes para o desenvolvimento integral das capacidades da pessoa com deficiência‖, ao torna-las independente, o Estado precisa estimular com ações assertivas de inclusão social e profissional. Pois nada adianta, com atitudes isoladas, ―pouco ou em nada, contribuirão para a concretização dos direitos da pessoa com deficiência, sendo necessária a adoção em conjunto
50 LEXXX, Xxxxxx. D. D. Direito ao trabalho como elemento de inclusão social da pessoa com deficiência: Análise da Lei no 13.146/2015. Revista de informação legislativa, Brasília, 54 n. 214 abr./jun. 2017, p.54.
51 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.40.
de outros parâmetros que discutam a vulnerabilidade desse grupo em situação ainda em desvantagem‖.52
Não obstante, Lexxx x Sixxx xo comentar sobre os dois modelos, enfatizam que:
Busca-se, então, uma aplicação concomitante do modelo médico com o modelo social, relativizando-se o lema ―os limites são sociais e não do indivíduo‖, defendendo-se que os cuidados médicos, psicoterápicos e farmacêuticos são indispensáveis para a plena vida em sociedade daquelas pessoas com deficiência mais debilitante, e as políticas públicas não devem buscar somente as pessoas independentes, mas ―criar condições para que o cuidar seja exercido‖. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assume, em seu preâmbulo, a premência em reconhecer a diversidade das pessoas com deficiência, sendo ilegítimo tratá-las de igual forma, como se houvesse somente um tipo de deficiência ou as dificuldades e limitações sofridas fossem as mesmas para todos. 53
Salienta-se que indiferentemente do modelo ou forma de descrição, os direitos das pessoas com deficiência estão elencados na Carta Magna de 1988 e nos principais regulamentos jurídicos internacionais, advém que, ao respeitá-los, o Estado estará possibilitando os direitos como de justiça social e dignidade da pessoa humana.
1.3 DEFINIÇÃO LEGAL E DOUTRINÁRIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A definição legal do conceito de pessoa com deficiência foi elaborada a partir de diversos instrumentos internacionais e nacionais.
A Resolução nº 2.542/75 da ONU, que estabeleceu a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, com a intenção de elevar o nível de vida e trabalho digno, garantindo o direito de crescimento, desenvolvimento econômico e social, define pessoa com deficiência como sendo ―aquele indivíduo que, devido a seus ‗déficits‘ físicos ou mentais, não está em pleno gozo da capacidade de satisfazer, por si mesmo, de forma total ou parcial, suas necessidades vitais e sociais, como faria um ser normal‖.54
A OMS, em 1980, elaborou um sistema de Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), que conceitua deficiência como sendo
52 Ibidem, p.40.
53 Ibidem.
54 LEXXX, Xxxxxx Xxxxx; SIXXX, Xxxxxx X. Xurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.40.
―qualquer perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica‖.55
A Convenção n. 159, elaborada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 20 de junho de 1983, define pessoas com deficiência em seu artigo 1º especificamente sendo
―todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada".56
A Convenção da Guatemala57, com intuito de eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência, assinada em 1999, ratificada pelo Poder Legislativo brasileiro e promulgada pelo Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 200158, dispõe que deficiência ―significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social‖.
A Convenção da ONU denominada Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em dezembro de 2006, regulamentada pela Lei nº 13.146 de 06 de julho de 201559, define pessoas com deficiência como sendo ―aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas‖.
Advém que o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi instituído para regulamentar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), que defende o gozo da capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, em todos os aspectos da vida.
Trata-se de um instrumento legal que garante benefícios e medidas para maior igualdade e inclusão na sociedade da pessoa com deficiência. Entre inúmeros comandos que
55 OMS. Pessoa com Deficiência. 2020. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xx.xxx.xx/xxxxxx-x-xxxxxxxxxx/00- a%C3%A7%C3%B5es/pessoa-com-defici%C3%AAncia/54-pessoa-com-defici%C3%AAncia.html. Acesso em: 10 ago. 2020.
56 OIT - C159 - Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. 2020. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXXX_000000/xxxx--xx/xxxxx.xxx. Acesso em: 20 ago. 2020.
57 Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. 1999. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxx s/A-65.htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
58 BRASIL. Decreto nº 3.956 de 08 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. 2001. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxx/0000/X0000.xxx. Acesso em: 10 ago. 2020.
59 BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2001. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000- 2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
representam um avanço para a proteção da pessoa com deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência trata-se ―[...] indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis‖60. Stxxxx, um dos especialistas mais avançados do mundo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência expõe que:
―Em verdade, este importante Estatuto, pela amplitude do alcance de suas normas, traduz uma verdadeira conquista social,‖ contudo, teremos que abordar os impactos por ela trazidos. Por se tratar de lei de recente implementação, sabemos muito pouco do seu real impacto, sendo assim, tentaremos elucidar suas principais inovações, sua aplicação, e as mudanças em nosso ordenamento trazidas por ela.61
Sustenta-se que com a implementação da Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015, denominado Estatuto da Pessoa com Deficiência em janeiro de 2016, houve significativas mudanças na definição do que seria uma pessoa com deficiência e suas distinções. Essas definições se fazem extremamente necessárias, pois para seguirmos nossos estudos acerca do instituto da incapacidade no direito civil, precisamos desde logo delimitá-las. É fundamental entender o alcance desta expressão dentro dos termos do artigo 2º da nova Lei62, possibilitando o entendimento de forma clara e sucinta que todas as pessoas com deficiência possui os mesmos direitos em igualdade e condições com as demais pessoas da sociedade brasileira.
Arxxxx xustenta que:
60 STXXXX, Xxxxx. Estatuto da Pessoa com Deficiência e Sistema de Incapacidade Civil. Revista Jus Navegandi, Teresina, ano 20, n.4411, jul. 2015, p. 2. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000/x-xxxxxxxx- da-pessoa-com-deficiencia-e-sistema-juridico-brasileiro-de-incapacidade-civil. Acesso em: 10 jan. 2019.
61 Ibidem, p. 2.
62 Artigo 2º - Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1° A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I - Os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - Os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - A limitação no desempenho de atividades; e IV - A restrição de participação.
§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.
BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2001. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000- 2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
O que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de relacionar-se, de integrar-se na sociedade. O grau de dificuldade para integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.63
Mexx xonceitua pessoas com deficiência como sendo indivíduos com certos pontos de limitação, podendo ser ―física, mental ou sensorial, associados ou não que demandam ações compensatórias por parte dos próprios portadores, do Estado e da sociedade, capazes de reduzir ou eliminar tais limitações, viabilizando a integração social dos mesmos‖. 64
Alxxx00 xonsidera pessoa com deficiência aquela ―incapaz de se desenvolver integralmente ou parcialmente, e de atender às exigências de uma vida normal, por si mesma, em virtude de diminuição, congênita ou não, de suas faculdades físicas ou mentais‖.
Percebe-se que vários autores expressam na doutrina suas considerações sobre o que consideram pessoa com deficiência e que todas se originam no ponto central de implementar a integração social na sociedade.
Historicamente em nosso ordenamento, a capacidade civil é entendida como a possibilidade que as pessoas naturais possuem para regerem os atos da vida civil. E no que tange à capacidade ou incapacidade da pessoa com deficiência, Rodrigues66 explica que nem todas as pessoas possuem essa capacidade plena, uma vez que, por motivos de idade, doença, entre outros, algumas pessoas não possuem aptidão para regerem sozinhas todos os atos da vida civil, sendo consideradas plena ou relativamente incapazes.
Ainda, Xxxxxxxxx entende que a intenção do legislador com a teoria das incapacidades era proteger o incapaz, submetendo-o a um regime privilegiado, tendo em vista que o incapaz não possui discernimento para decidir ou deliberar sobre seu próprio direito.67
Leciona o douto doutrinador Xxxxxxxxx:
Com efeito, através de medidas várias, o legislador estabelece um sistema de proteção para os incapazes. E a jurisprudência, inspirada no sentido moral da regra e no anseio de proteger, dentro das normas de justiça, os incapazes,
63 XXXXXX, Xxxx X. Xxxxx. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4 ed., Rev., ampl. e atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011, p. 23. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxx_xxxxx0.xxx. Acesso em: 22 nov. 2018.
64 XXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr. 2004, p. 52-53.
65 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Deficiente físico: novas dimensões da proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr. 1992, p. 44.
66 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito Civil, Parte Geral. Editora saraiva, 2007. v.1, p. 39-40.
67 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito Civil, Parte Geral. Editora saraiva, 2007. v.1, p. 39-40.
tem estendido ou restringido tal proteção, de acordo com as imposições no caso concreto.68
Assim sendo, nas palavras de Xxxxxxxxx, ―mister se faz distinguir a capacidade de direito, ou seja, a de ser titular de direitos, da capacidade de exercício, isto é, a de pessoalmente atuar na órbita do direito‖.69
A nova lei, em seu artigo 6º, traz que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa e, segundo Stolze70, esta não deve mais ser considerada incapaz.
As pessoas com deficiência sempre foram reconhecidas como incapazes, ou seja, possuíam capacidade jurídica, entretanto, não possuíam a capacidade de fato, sendo necessária a intervenção de outras pessoas para que aquelas possam praticar os atos da vida civil. Dessa maneira, a pessoa com deficiência sofria certa discriminação em razão de sua condição.
Nesse contexto, a Lei n° 13.146 de 06 de julho de 2015 veio para dar às pessoas com deficiência o mesmo tratamento das demais pessoas. O capítulo III do Título I da referida lei vem intitulado ―Da Igualdade e da Não Discriminação‖, fortalecendo ainda mais a ideia de paridade de tratamento a todas as pessoas.
É mister salientar que o arcabouço de normas instituídas sobre o tema faz um paralelo com o pensamento do direito, de um lado o Estado e de outro o ordenamento jurídico. Contudo, a positividade jurídica concreta, para a efetivação das políticas públicas como pensamento do direito, é uma ferramenta para levar o indivíduo a entender a necessidade da participação conjunta e sua cooperação para positivar os direitos da pessoa com deficiência,
―uma vez que para se efetivar, o pensamento do direito, ou seja, o arcabouço de instituições historicamente determinadas é mister, de antemão considerar a relação com o outro‖.71 Ainda nessa linha, Xxxxx apresenta:
À dimensão política do direito, um caráter fundamentalmente moral, que opera de maneira objetiva, pois que, sociedade civil, Estado e na sua esteira, o ordenamento jurídico, determinam suas possibilidades de efetivação através do sentimento mútuo de comunidade compartilhado pelos membros da própria.72
68 Ibidem, p.40.
69 Ibidem, p.39.
70 XXXXXX, Xxxxx. Estatuto da Pessoa com Deficiência e Sistema de Incapacidade Civil. Revista Jus Navegandi, Teresina, ano 20, n.4411, jul. 2015, p. 2. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000/x-xxxxxxxx- da-pessoa-com-deficiencia-e-sistema-juridico-brasileiro-de-incapacidade-civil. Acesso em: 10 jan. 2019.
71 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio: Volume 3, a Filosofia do Espírito. Tradução: Xxxxx Xxxxxxx. São Paulo: Xxxxxx, 0000, x. 000.
00 XXXXX, Xxxxx Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução: Xxxxxxx Xxxxxxxx. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 329.
Mister salientar que a carta magna de 1988 foi pioneira ao abordar os direitos das pessoas com deficiência, estabelecendo vedação à discriminação e o comando de igualdade nos critérios de admissão do trabalhador PCD (art. 7º, XXXI)73, bem como a promoção da integração à vida comunitária, habilitação e reabilitação (art. 203, IV) e também o direito a acessibilidade a logradouros, edifícios de uso público e transportes coletivos (art. 227, §2º e 244).
Nessa direção, Xxxxx e Xxxxx apresentam que:
A edição da Lei 13.146/15 trouxe inovações formais e, sobretudo, materiais na abordagem à pessoa com deficiência, modificando a nomenclatura, até então utilizada ―pessoa portadora de deficiência‖, para pessoa com deficiência, em consonância com a atual legislação internacional e os conceitos hodiernos; e, mais importante, uma mudança comportamental, não mais se devendo buscar a ―integração‖ da pessoa com deficiência, consoante exposto no art. 203, IV da CRFB/88, e sim para um conceito de inclusão que pressupõe a igualdade e a promoção da dignidade e da cidadania do indivíduo com deficiência. A mudança de paradigmas iniciada pela ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, através do Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, e consolidada com a Lei 13.146/15, enquadrando-se no conceito de bloco de constitucionalidade dada a aplicação do art. 5º, §2º, da CRFB/886, se deu no sentido de reconhecer a dignidade de todos e fortalecer a isonomia fática das pessoas com deficiência sem descuidar do fortalecimento da cidadania delas.74
A Convenção da Pessoa com Deficiência se alicerça nos princípios ―in dubio pro capacitas‖ e da ―intervenção mínima‖, e apresenta, dentre outras substituições, a ―alteração da antiga nomenclatura pessoa portadora de deficiência para pessoa com deficiência‖, bem como apresenta a condecoração da deficiência nas pessoas em conformidade a vários estudos de
―conceito em evolução, a necessidade da superação de barreiras sociais, e o reconhecimento da diversidade das pessoas com deficiência como temas primordiais na elaboração de qualquer política que preveja a inclusão social da PCD‖.75
Ao reforçar os preceitos básicos da Convenção da Pessoa com Deficiência, Xxxxx e Xxxxx estabelecem que:
Um importante paradigma reforçado pelo modelo social é a superação do antigo conceito de dependência da pessoa com deficiência. Ao deslocar a deficiência para a sociedade e voltar as atenções ao indivíduo tem-se que todos os seres humanos são interdependentes e, por isso, não há que se tratar eventuais cuidados especiais a algumas pessoas sob um viés preconceituoso, mas, tão somente, um aspecto de sua característica pessoal. As diferenças
73 XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.
74 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. Gurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.39.
75 XXXXXXX, Xxxxxxxx X. O Direito protetivo no Brasil após a convenção sobre a proteção da pessoa com deficiência: impactos do novo CPC e do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Xxxxxxxxxxx.xxx, 2015. Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx/x-xxxxxxx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxx/. Acesso em: 06 nov. 2020.
entre as pessoas não são mais qualitativas – entre pessoas com ou sem deficiência – e sim quantitativas, com relação as quais e em qual medida cada indivíduo se faz dependente de outros. [...]
A dor e o desafio interno da deficiência podem ser tão sacrificantes que as barreiras externas são dificuldades secundárias. É premente pensar a deficiência sob seu conceito objetivo e científico, explorando o modelo médico-científico de tratamento, a interpretação individual da deficiência e, por último, a influência do contexto social sobre a deficiência, com a necessária inclusão do deficiente à sociedade, eliminando-se quaisquer barreiras, tangíveis e intangíveis, ao pleno desenvolvimento de suas capacidades individuais, sem que seja perdido de vista o fato de que a inclusão eficiente dar-se-á com a conjugação da eliminação de barreiras existentes (arquitetônicas, preconceituosas, etc) e com a necessária aceitação da pessoa com deficiência às suas limitações e/ou necessidades.76
Na busca pela definição legal e doutrinária do conceito de pessoas com deficiência, Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx afirmam que:
A importância desse novo conceito está, inicialmente, no fato de que este afastou os conceitos anteriores até então predominantes na Sociedade Internacional e na própria Constituição Brasileira de 1988. Assim, termos como ―incapazes‖, ―inválidos‖, ―portadores de deficiência‖, ―portadores de necessidades especiais‖, ―retardados mentais‖, dentre outros que apresentavam conotação pejorativa e buscavam colocar a deficiência como característica inerente ao indivíduo e por tanto excluíam da sociedade a responsabilidade que lhe caberia no contexto da deficiência, foram transformados no conceito ―pessoa com deficiência‖, o qual busca centrar o foco na pessoa e não na deficiência, buscando ainda afastar conotações discriminatórias. Nesse diapasão, ao deslocar o foco da deficiência para a pessoa, esta passa a ser enxergada como sujeito ativo de direitos, titular de garantias fundamentais e não apenas como objeto de tais direitos. 77
De maneira geral, a Convenção deve ser interpretada e fundamentada em conjunto com os artigos. 1º, III, e art. 5º da carta magna de 1988, os quais determinam os princípios da dignidade humana e o direito à igualdade à categoria de núcleo inderrogável a nortear o ordenamento jurídico brasileiro vital para a concretização dos direitos da pessoa com deficiência.
Dessa maneira, a Convenção apresenta uma série de instrumentos que tendem tutelar a igualdade e a não discriminação de forma bastante abrangente, conforme apresenta-se no
76 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. Gurgel. Evolução e crise do modelo legal da pessoa com deficiência. Revista de Direito & Desenvolvimento da UNICATÓLICA; v. 1, n. 1, Jul - Dez; 2018, p.39-41.
77 XXXXXX, Xxxxxx X. X.; XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx X. Evolução Histórica dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Questões Associadas no Brasil. Id on Line Rev. Mult. Psic. V.14, N. 52, Outubro/2020, p.144-145
- ISSN 1981-1179. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx/xxxxxxx/xxxx/0000. Acesso em: 04 nov. 2020.
artigo 478 que dispõe sobre o comprometimento dos entes da Federação com a busca de todos os direitos do ser humano.
Encontram-se longe de se esgotarem as discussões acerca de tais mudanças, e diversos questionamentos ainda surgirão, cabendo certo cuidado e atenção do Judiciário ao tratar das pessoas com deficiências e transtornos mentais, principalmente no que tange ao momento e à possibilidade ou não da instituição de curador para pessoa capaz.
Dessa forma, apresentam-se a seguir algumas políticas de inclusão social da pessoa com deficiência sob responsabilidade do Estado e Empresa e breve compreensão da Ordem Econômica do Brasil e seus fundamentos, visando ao entendimento do grau de atuação do Estado na economia.
1.4 INCLUSÃO PROFISSIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
78 Artigo 4 - Obrigações gerais 1. Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:
1. Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência; c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência; d) Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com a presente Convenção; e) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada; f) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes; [...]
Artigo 5 Igualdade e não discriminação 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. 2. Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. [...]
Artigo 12. Reconhecimento igual perante a lei 1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. [...] 5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens.
CONVENÇÃO de Nova York sobre os direitos das pessoas com deficiência, 2006. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxx/xxxxxxxxx_xxxxxxxx_xxxxxxx_xxx_xxxxxxxxxxx.xxx. Acesso em: 07 nov. 2020.
Em tempos modernos, no mundo organizacional, nota-se um crescente requisito para que as empresas limitem seus atos a concepções e políticas socialmente conscientes. Dessa forma, pode-se afirmar que os direitos e deveres dos cidadãos vêm sendo analisados e observados sob um novo contexto, ―o da igualdade e equidade, direcionando, por conseguinte, os responsáveis das empresas a realizarem uma reflexão sobre diversos pontos os quais salienta-se a inclusão da pessoa com deficiência no âmbito de trabalho‖.79
Dessa maneira, esse cenário sugere que as organizações, por intermédio de seus gestores, adotem novas condutas, com base nas quais sua missão e valores precisam estar em consignação constante com os valores sociais exigidos no momento atual em que a sociedade enfrenta uma pandemia. ―Consideravelmente esse contexto traz consigo inúmeros desafios para as empresas, das quais destaca-se a necessidade de desenvolver uma prática eficaz para o processo de inclusão das pessoas com deficiência no seu âmbito de trabalho‖80.
Nessa linha, o IBDD - Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, expõe que ―o instante mais complexo dessa tarefa é quanto ao processo decisório da organização em desempenhar ações de responsabilidade social que sejam transformadoras e que englobam todos os pontos que convergem para essa inclusão‖.81
Em termos legais, atualmente há bons instrumentos voltados para a inclusão social das pessoas com deficiência tanto na sociedade em geral como especificamente no âmbito laboral, que serão apresentados nos próximos capítulos. Todavia, além do amparo legal, é preciso um esforço contínuo desde o Estado, as Empresas e até os cidadãos comuns para que de fato a inclusão seja satisfatória, atendendo os preceitos constitucionais da Carta Magna de 1988.
O papel das empresas nesse cenário é de suma importância, visto que elas precisam conhecer a capacidade das pessoas com deficiência e o quanto elas podem vir a acrescentar no âmbito laboral, e que possam facilitar a superação dos desafios que essas pessoas com deficiência encontram, desenvolvendo-as e possibilitando a realização de uma vida digna com justiça social por meio do trabalho.
No que tange à capacidade e ao direito da liberdade individual, nota-se que se consagrou em texto constitucional por meio do princípio da autonomia. Xxxxxxx e Xxxxxxxx ensinam que:
79 XXXXXXX, X.X.; XXXXX, N.R. Contratação de Pessoas com Deficiência nas Empresas na Perspectiva dos Profissionais de Recursos Humanos. Rev. Bras. Ed. Esp., Xxxxxxx, v.23, n.3. jul./set. 2017, p.345.
80 XXXXXXXX-XXXXXXX, X. Nivalda de. Inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência: um estudo de caso. Revista de Administração Contemporânea, v. 13, edição especial, jun. 2009, p. 121.
81 IOB. Trabalho e previdência, inserção de pessoas com deficiência do mercado de trabalho. 4. ed. São Paulo: 2008, p. 5.
A ordem jurídico-normativa passou a proteger a vontade do sujeito diminuindo o aspecto intervencionista nas relações privadas. A autonomia é um princípio de grande importância enquanto se estuda o instituto da capacidade civil no que tange às pessoas com deficiência. Isso ocorre porque tal princípio é tido como sinônimo de autodeterminação do indivíduo, a qual, caso restrita, deve derivar da força da lei e jamais ser presumida.82
Conforme essa lógica, pode-se dizer que ―a autonomia privada é essencial para a manutenção de um sistema jurídico apoiado em liberdades democráticas‖83.
Nota-se que também é possível inferir que a autonomia privada traduz as projeções dos direitos subjetivos disponíveis ao indivíduo. Nessa feita, Xxxxxxxxx expõe que:
Contudo é importante perceber que existem distinções conceituais quanto a autonomia da vontade e a autonomia privada, cabendo lembrar também que tais conceitos só se perfazem de sentido enquanto considerarmos o ser humano como ser social. Dessa forma, quanto à autonomia da vontade pode- se dizer que é aquela que representa a manifestação de vontade do indivíduo perante o Direito, enquanto a autonomia privada é o espaço lícito para a ação dos sujeitos no exercício de determinado ordenamento jurídico. [...] A autonomia privada teve sua origem na esfera patrimonial, estando fortemente atrelada ao conceito de propriedade e foi nesse sentido que se moldaram também os entendimentos acerca das noções de personalidade e capacidade durante muito tempo. O ordenamento jurídico brasileiro, em especial no tocante ao campo privado, foi influenciado por evidentes raízes do Direito Romano e do liberalismo econômico, o que resultou na apreciação de conceitos como o instituto da capacidade de forma estritamente patrimonialista, voltada para situações que objetivam a circulação de riquezas, e em tempo algum visando situações jurídicas existenciais dos indivíduos capazes.84
Sustenta-se que as garantias e liberdades individuais, aliadas aos princípios fundamentais de autonomia e dignidade humana, originam o conjunto de regras no ordenamento brasileiro que visam proteger a individualidade e pluralidade humanas, sob a égide da Carta Magna de 1988. Sendo assim, faz-se necessário dizer que a promoção a associação da autonomia privada ao ideal de dignidade da pessoa humana deixa claro que a pessoa com deficiência pode exercitar suas escolhas e desejos e que a função social do trabalho vem de encontro com o seu direito.
Nessa direção, Tartuce aponta que:
82 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx xx; XXXXXXXX, Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Desvendando o conteúdo da capacidade civil a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Pensar, Fortaleza, v. 21, n. 2, p. 572. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxxxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxx/0000. Acesso em: 1 out. 2020.
83 XXXXXX, Xxxxxx X. X. xxx. Apontamentos jusfilosóficos da autonomia nas relações negociais privadas. Belo Horizonte, 2011. p. 13. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/_xxx/xxxxxxx/Xxxxxxxxxxxx%00xxxxxxxx%X0%X0xxxxx%0000_00_0000.xxx. Acesso em: 1 out. 2020.
84 XXXXXXXXX, Xxxxxx X. Incapacidade, curatela e autonomia privada: estudos no marco democrático de Direito. Belo Horizonte. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica, Belo Horizonte, 2007, p. 165-167.
A mudança no sistema das incapacidades no direito civil como um grande avanço em termos de inclusão e solidariedade, contudo também afirma que algumas dessas inovações acabaram por desprestigiar certas proteções que anteriormente existiam ao negligenciar, por exemplo, a situação dos psicopatas no caso concreto, uma vez que a partir de agora tais indivíduos não podem mais ser classificados como absolutamente incapazes, podendo ser enquadrados como relativamente incapazes para o sistema civil brasileiro diante de grande esforço doutrinário para situá-los na hipótese do inc. III, art. 4º do CC/02.85
Todavia, ao analisar-se a literalidade das leis, fica nítido que não se pode apenas observá-las, mas também se deve ―prezar pela compreensão do seu conteúdo para que haja, de fato, um impacto social‖.86 Em consonância, ―é preciso apreender a necessidade das leis para que efetivamente seja alcançado um patamar de igualdade‖.87 Xxxxx e Xxxxxxxx contribuem ao dizerem que ―o entendimento dos contextos de determinados grupos de pessoas que sofrem diariamente violações em seus direitos é o que tornará possível a real proteção dos mesmos‖.
Nota-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência é um símbolo da busca por
―igualdade material e justiça social‖, sob a proteção dos direitos humanos e preceitos contidos na Carta Magna de 1988, ―tornando o atual desafio da sociedade brasileira a concretização do princípio da isonomia, fortificando as conquistas já alcançadas ao longo da história da legislação do País‖.88
Faz-se mister salientar que o tema inclusão social, contudo, tem sido nos últimos anos palco de muitos debates e estudos sob as mais variadas óticas, em busca de justiça social,
―geralmente contraposto à noção da exclusão social e entendido como um direito, só falamos em inclusão porque identificamos situações como sendo de exclusão e, mais do que isso porque a exclusão é definida como algo desvantajoso, algo que fere a dignidade humana‖.89
Ao se praticar a inclusão social, deve-se percebê-la como sendo parte de uma realização satisfatória, em que as pessoas com deficiência se envolvam na sociedade, na
85 TARTUCE, Xxxxxx. Alterações do Código Civil pela Lei 13.146/2015: Repercussões para o Direito de Família e confrontações com o Novo CPC. Primeira parte. 2015, p. 37. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxxxxxxxx-xxx-00000-0000. Acesso em: 3 out. 2020.
86 XXXXX, Xxx X. X.; XXXXXXXX, Lígia Z. de. Além da Convenção de Nova York: Além do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista de Derechos Humanos y Estudios Sociales, v. 15, ano VIII. 2016, p. 28. Disponível em:
xxxx://xxx.xxxxxxx.xxxxx.xx/Xxxxxxxxx/Xxxxxxx%00XXXXXX/X%X0%XXxxxx%0000/Xxxxxx00-00.xxx. Acesso em: 3 out. 2020.
87 Ibidem, p. 29.
88 XXXXXXX, Xxxxxxxx X; XXXXX, Xxxxxxx X. xx. Isonomia material e a criação da Lei Brasileira de Inclusão das pessoas com deficiência: uma análise a partir da Constituição de 1988. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça, UEMS, v. 5, n. 1, dezembro. 2017, p. 105. Disponível em:
xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxx.xxx/XXXXX/xxxxxxx/xxxx/0000/0000. Acesso em: 3 out. 2020.
89 XXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paullus, 2006, p. 57.
economia e na política do Estado democrático de direito. Ao comentar sobre tal, Xxxxxxx explica que:
[...] define-se o processo de inclusão social a forma pela qual a sociedade se dispõe para poder inserir em seus métodos sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, ao mesmo tempo estas apropriar-se de suas funções na sociedade. A inclusão social estabelece, então, um processo bilateral no qual os indivíduos, ainda exclusos, e a sociedade procuram uma parceria, proporcionar questões, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.90
Seguindo esses preceitos, Xxxxxxxxxxx e Maranhão ensinam que:
[...] A evolução histórica do processo de inclusão social está interligada à luta pelos direitos humanos, tendo em vista que um dos seus princípios fundamentais é a procura pela igualdade de direitos entre todos os indivíduos sem nenhuma dessemelhança. Contudo, os sujeitos com deficiência precisam ser compreendidos como indivíduos capazes às ações laborativas perante, a programas de habilitação, reabilitação e inclusão social. Portanto, a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho fortaleceu-se após a constituição de leis que preconizavam a inclusão das mesmas no meio social, isto é, no mercado de trabalho. [...] Vale ressaltar que para a contração de PCD precisa cumprir os fatores de eficácia e capacidade profissional, e não apenas ser produzida pelo o favorecimento ou apenas para efeitos de cumprimento da lei.91
Não obstante, os gestores das empresas precisam se adaptar a essa nova realidade para que possam realizar uma governança sustentável. ―Dessa forma, a inclusão profissional desses trabalhadores deve ser observada sob o mesmo ponto de vista da sustentabilidade, qualidade e excelência, princípios que conduzem a administração empresarial‖ (SKAF; MATTOS; BARA, 2007, p. 5).92
Sendo assim, acredita-se que em circunstâncias de garantia de acesso ao âmbito laboral das pessoas com deficiência, as empresas devem propor o mesmo processo de seleção a todos os profissionais, tendo tratamento idêntico ao das demais pessoas que não têm deficiência, assegurando uma inclusão adequada e garantindo seus direitos com a conservação da qualidade de vida. Todavia, não se trata apenas de admitir pessoas com deficiência, também é preciso desenvolvê-las, com treinamentos e capacitações, a fim de propiciar habilidades esperadas à função que ocupam, objetivando o desenvolvimento de seus talentos e ajudando a mantê-las na empresa, atendendo aos fatores de desempenho determinados pela
90 SASSAKI, Xxxxx X. Educação Profissional: Desenvolvendo Habilidades e Competências. Anais do III Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores. Brasília, 2006, p. 14.
91 VASCONCELOS, Xxxxxxxx X.; MARANHÃO, Xxxxxxx L. G. Os Desafios das Empresas em Contratar Pessoas com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.14, n.51, jul. 2020, p. 757.
92 SKAF, P.; XXXXXX, X.; XXXX, X. Guia dos direitos das pessoas com deficiência. 2.ed. São Paulo: OAB-SP, 2007, p. 5.
organização. Na visão de Xxxxxxx e Haber93 ―a organização que contrata funcionários com deficiência deve possuir um projeto estruturado de adaptação da sua estrutura física, recrutamento, seleção, contratação e desenvolvimento de pessoas‖.
Dessa maneira, sustenta-se que é fundamental haver uma consciência ampla da diversidade humana, um meio social inclusivo como forma de construir uma sociedade mais justa e solidária, contribuindo para o atendimento às necessidades dessas pessoas, independente das particularidades de cada uma delas, com a intenção de gerar as circunstâncias necessárias a uma sociedade que propicia a cada cidadão o atingimento de sua plenitude, corroborando com a justiça social.
A realização profissional das pessoas com deficiência traz inúmeros benefícios a elas e à sociedade como um todo. Nessa direção, Xxxxxxxx-Xxxxxxx apresenta que:
Quando a pessoa com deficiência sente-se feliz com os pontos ligados à qualidade de vida no âmbito do trabalho, envolvendo circunstâncias de trabalho, remuneração, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, direitos, integração social, desenvolvimento e possiblidade de uso de suas capacidades, possibilidade de crescimento e relevância do trabalho, ela tem a tendência a possuir níveis mais altos no que se refere ao comprometimento organizacional, ao passo que a insatisfação da mesma com tais pontos propende a resultar em um maior comprometimento instrumental, isto é, ela permanece na organização por motivo de necessidade, pois precisa do emprego.94
Contudo, de modo geral, muitas vezes por falta de conhecimento, os gestores das empresas tratam da inclusão de pessoas com deficiência de forma preconceituosa, buscando-a somente como obrigação legal e não proporcionando seu crescimento profissional adequado, podendo frustrar essas pessoas. Mesmo que elas tenham competência para determinada função, muitas vezes a falta de comunicação eficaz faz com que desanimem e pode, consequentemente, gerar a sua demissão. Sobre o enunciado, Xxxxxxxxxxx e Maranhão explicam que:
Dessa maneira, mesmo que a inclusão de pessoas com deficiência seja considerada prioritária em programas de diversidade, as ações estão longe da realidade existente, tendo em vista que há tamanha resistência no que tange a contratação dessas pessoas. Portanto, pode-se dizer que uma organização inclusiva é aquela que se baseia considerando a tamanha diversidade de seus funcionários e, além de considerar as distinções individuais de cada um, promovendo a inserção através de transformações tanto físicas quanto processuais, formando um âmbito inclusivo e diferenciado. Pode-se afirmar
93 XXXXXXX, Xxxxxx; HABER, Jaques. Cotas: como vencer os desafios da contratação de pessoas com deficiência. São Paulo: I. Social, 2009, p. 23.
94 CARVALHO-FREITAS, M. Nivalda de. Inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência: um estudo de caso. Revista de Administração Contemporânea, v. 13, edição especial, jun. 2009, p. 129.
que a legislação brasileira estabelece que as empresas contratem pessoas com deficiências (PCD), cumprindo a uma cota mínima. Dessa forma, ainda que esta lei estar em atividade há mais de duas décadas, ela ainda é considerada desconhecida por diversas empresas.95
Sendo assim, o setor de Recursos Humanos tem um papel fundamental na contratação das pessoas com deficiência, desde o processo seletivo até o seu desenvolvimento profissional, instituindo normas e colocando em prática ações voltadas para a inclusão profissional do PCD, garantindo a este os mesmos direitos e deveres dos demais profissionais existentes na empresa, contribuindo assim para uma sociedade mais justa e igualitária com desenvolvimento sustentável.
Ao comentar sobre o processo de seleção das empresas, Xxxxxxxx-Xxxxxxx ensina que:
No momento da contratação todas as particularidades devem ser analisadas e desenvolvidas, para que não ocorra a chance de esta inclusão tornar-se uma exclusão e passar a ser causador de constrangimento e decepção para as PCD‘s, pois o intuito está muito longe disso, é necessário saber um pouco da história, da vida de cada PCD, entender suas deficiências, quais seus limites e impasse causados por eles, como vivem, esses dados serão bastante úteis para a elaboração do projeto, desenvolvimento dos treinamentos, esclarecimentos e conscientização de todos na empresa.96
Atesta-se que há muitas divergências sobre o tema processo seletivo de uma pessoa com deficiência. Carreira97 expõe que ―o processo precisa ser igual ao de um indivíduo sem deficiência‖; já na visão de Nambu98 corrobora ao dizer ―que deve ser realizado [sic] uma adaptação tanto no processo como na instituição, considerando padrão da inclusão, e procurando sempre o perfil que melhor irá se adequar à vaga a ser preenchida‖. Nambu apresenta que:
Entende-se que a adaptação da estrutura física do âmbito deve ser realizada antes da contratação, as empresas deveriam tem uma preocupação em como seria útil uma arquitetura direcionada para acolher as PCD‘s levando em conta que é comum as empresas receberem além dos funcionários com deficiências, clientes, parceiros, visitantes que possam vir a possuir alguma deficiência, essas transformações custam um valor mais alto que um projeto
95 VASCONCELOS, Xxxxxxxx X.; MARANHÃO, Xxxxxxx L. G. Os Desafios das Empresas em Contratar Pessoas com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.14, n.51, jul. 2020, p. 759.
96 XXXXXXXX-XXXXXXX, X. Nivalda de. Inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência: um estudo de caso. Revista de Administração Contemporânea, v. 13, edição especial, jun. 2009, p. 133.
97 CARREIRA, D. A integração da pessoa deficiente no mercado de trabalho. In: MANTOAN, M. T. E. (Org.). A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memonn, 1997, p. 95.
98 XXXXX, Xxxx Xxxxx. Construindo um mercado de trabalho inclusivo: guia prático para profissionais de recursos humanos. Revisão de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: SORRI-BRASIL; Brasília: CORDE, 2003, p. 55.
desempenhado já com esse objetivo de acolher a todos do modo mais adequado.99
Quanto à integração do profissional, Xxxxxxxxxxx e Maranhão relatam que:
[...] O processo que ocorre após a contratação da pessoa do indivíduo com deficiência, é fundamental refletir em como será a integração desses funcionários à equipe e à rotina de trabalho do mesmo. Portanto, é preciso um acompanhamento e orientação de empregadores e colaboradores de trabalho procurando a eliminação de estereótipos e discriminação. A organização precisa desempenhar uma cultura de igualdade e respeito no qual é essencial para uma organização mais inclusiva.100
Corroborando com a inclusão profissional das pessoas com deficiência, é nítido que explanam que as empresas não devem somente seguir a Lei de Cotas, devem agir conforme sua função social e ―como uma determinação ou execução obrigatória, contudo como uma ocasião favorável de inclusão social, uma vez que a organização passa a apropriar-se de sua função de instituição responsável socialmente diante da comunidade‖.101
Nessa linha, surgem diversos fatores negativos que contribuem com a inserção do PCD no mercado de trabalho, fugindo da ótica da inclusão social e responsabilidade social do Estado e cidadãos para com essa classe de profissionais que em sua grande maioria precisa apenas de uma oportunidade para mostrarem que são capazes de entregar a mesma produção dos demais profissionais e consequentemente traria um ganho enorme para essa pessoa e também para a organização, e que esta por sua vez, precisa estar preparada para receber e desenvolver esse ser humano que possui limitações tanto quanto os demais profissionais.
Sobre o papel do gestor para com a pessoa com deficiência no âmbito laboral, leciona Xxxxxxxx-Xxxxxxx:
O gestor tão somente contrata este para o cumprimento da legislação de cotas ou como também para conseguir mão de obra mais barata ou até mesmo deixar de contratar para esquivar-se de custos com adaptações e por acreditar que o portador de deficiência seja incapaz.102
99 XXXXX, Xxxx Xxxxx. Construindo um mercado de trabalho inclusivo: guia prático para profissionais de recursos humanos. Revisão de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: SORRI-BRASIL; Brasília: CORDE, 2003, p.56.
100 VASCONCELOS, Flaviane S.; MARANHÃO, Xxxxxxx L. G. Os Desafios das Empresas em Contratar Pessoas com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.14, n.51, jul. 2020, p. 760.
101 XXXXX, X.X.; XXXXX, F.T.T.; XXXXXX, C.E.C. Os desafios na inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho: estudo de caso em uma multinacional. [S. l.], Inclusão Social, v. 4, n. 1. 2010, p. 28.
102 XXXXXXXX-XXXXXXX, X. Nivalda de. Inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência: um estudo de caso. Revista de Administração Contemporânea, v. 13, edição especial, jun. 2009, p. 135.
Segundo Xxxxxxxxxx000, entre diversos problemas na visão do gestor de uma determinada organização ―estão os acréscimos de gastos para adaptação a organização ao novo colaborador. A necessidade de treinamento específico a este trabalhador e o risco de perder certificações a partir da suposta despreparação do indivíduo portador de deficiência‖.
Não obstante, diversas empresas alegam que para contratar o percentual de profissionais PCD exigido pela legislação, teriam ―que demitir a mesma quantidade de colaboradores não deficientes‖, bastando que ―na rotatividade normal da empresa ela vá preenchendo essas vagas com os profissionais deficientes, sem que não haja a necessidade de demissões forçadas‖.104
Nesse cenário, surge a necessidade de concepção dos benefícios que a contratação do profissional com deficiência pode propiciar para a empresa e consequentemente para a sociedade, sem que haja o termo de obrigação legal e sim como uma inclusão social solidária. Ao tratar sobre o tema, Xxxxxxxxxxx e Maranhão relatam que:
Nesse sentido, com a criação da lei de cotas abriu-se as portas para as oportunidades para os portadores de deficiência, tendo em vista que viviam exclusos do mercado de trabalho e isolados do meio, desse modo essa legislação foi recebida ao mesmo tempo com entusiasmo e com bastante preocupação. Pode-se dizer com entusiasmo, visto que as pessoas com deficiência poderiam ter trabalho com dignidade. Já no que se refere ao lado preocupante da situação, afirma-se que as organizações seriam punidas no caso de não oferecessem as vagas que estabelecem a lei. Observa-se que lentamente a sociedade está se adaptando, no entanto, há muita coisa a ser feita para que o país se torne completamente inclusivo, o fundamental é que as primeiras etapas já foram dadas.105
Salienta-se que muitas providências estão sendo tomadas por meio da legislação, porém há necessidade de se continuar a luta para a inclusão ter êxito. É fundamental no cotidiano empresarial, quanto à concepção de desempenho profissional, a análise por meio das avaliações de desempenho e que os profissionais deficientes possam ser avaliados da mesma forma que os demais profissionais, proporcionando os mesmos direitos a todos.
No intuito de engajamento sobre a inclusão social, Xxxxxxxxxx expõe que o programa
deverá:
Ser realmente analisado de forma permanente, ou seja, devem ser observadas de modo periódico as fontes no que se refere ao recrutamento, os sistemas de
103 XXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paullus, 2006, p. 57.
104 XXXXXXXX, Xxxx X. A Pessoa Portadora de Deficiência. 2001, p. 119. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx. Acesso em: 3 out. 2020.
105 VASCONCELOS, Xxxxxxxx X.; MARANHÃO, Xxxxxxx L. G. Os Desafios das Empresas em Contratar Pessoas com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.14, n.51, jul. 2020, p. 761.
seleção e treinamento e as práticas de sensibilização e integração, objetivando melhorar de modo contínuo o programa.106
Salienta-se a responsabilidade das empresas quanto ao gerenciamento das adversidades que surgem no dia a dia no âmbito profissional e que os gestores devem estar preparados e conscientes da relevância desse programa de inclusão das pessoas com deficiência. Da mesma forma, todos os profissionais precisam estar preparados para acolher os novos colegas, e a comunicação tem um papel fundamental na acolhida e consequentemente na rotina diária no âmbito laboral.
Nota-se que no Brasil faltam muitas ações assertivas para que as empresas possam atingir a meta de inclusão social das pessoas com deficiência, pois, conforme um estudo realizado por Xxxxxxxxxxx e Maranhão, mostra-se que:
A relevância da lei de Cotas é observada em 50% dos artigos, todos revelam que, se não existisse a imposição legal de contratação das pessoas com deficiência, estas pessoas estariam fora do mercado de trabalho. No entanto, ainda que não haja um ponto de vista da significância social do trabalho na formação da cidadania da pessoa com deficiência, a lei é fundamental para introdução desta convivência e, a partir dela, entender a força do trabalho e da competência laboral das pessoas com deficiência, considerando aceitação cada vez maior por meio da convivência com a diversidade. Desse modo, é preciso que os gestores direcionarem um olhar distinto e estratégico para incluir de modo mais amplo as PCDs, dando-lhes chances de desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas capacidades como um trabalhador comum, e não como alguém sem qualquer aptidão.107
Sustenta-se que a inclusão de pessoas com deficiência no âmbito laboral precisa da concepção de crescimento para a organização, seus profissionais e a sociedade. Todavia, a aprendizagem, o relacionamento e a exposição de conviver com essas pessoas pode trazer benefício sem igual, fortalecendo os laços de uma vida digna e justiça social, contribuindo para uma sociedade solidária e que, mesmo diante de diversos empecilhos profissionais oriundos da pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19)108, possa se fortalecer e corroborar a dignidade da pessoa humana.
Assevera-se que a pessoa com deficiência precisa ter a capacidade de ultrapassar vários obstáculos, sejam físicos, programáticos, atitudinais ou culturais para se inserir no âmbito laboral. Para tanto, a Lei de Cotas é essencial para implementar o acesso da pessoa
106 XXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paullus, 2006, p. 57.
107 VASCONCELOS, Xxxxxxxx X.; MARANHÃO, Xxxxxxx L. G. Os Desafios das Empresas em Contratar Pessoas com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.14, n.51, jul. 2020, p. 770.
108 COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves. BRASIL. Ministério da Saúde. 2020. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx-x-xxxxxx. Acesso em: 22 ago. 2020.
com deficiência ao mercado de trabalho, porém não garante a sua real inclusão. Sendo assim, é obvio que ações precisam ser tomadas e que o projeto do emprego apoiado, por meio de redução da carga tributária, é um viés para a objetivação da inclusão profissional das pessoas com deficiência, o que será apresentado mais detalhadamente no terceiro capítulo deste trabalho.
Nota-se que somente por meio de ações e políticas de inclusão eficazes haverá a tão sonhada mudança social. Nessa direção, Xxxxxxxxxxx e Maranhão sustentam que:
Compreende-se que o desenvolvimento de políticas públicas para as pessoas com deficiência é considerado impulsivo de mudança social. No entanto, a inserção das pessoas com deficiência no cenário do trabalho vem sendo considerado essencial nesse processo e já carrega atualmente reflexos na convivência social, num processo que conduz ao resgate da cidadania e respeito pelos direitos de todos os indivíduos. Portanto, para que o processo de inclusão realmente aconteça é indispensável que o meio social propicie circunstâncias para que as pessoas com deficiência pratiquem a sua cidadania, com direitos a serem mantidos e deveres a serem cumpridos, e assim as pessoas com deficiência possam buscar maior autonomia, independência com intuito de conseguir atuação ativa na sociedade. 109
Quanto ao entendimento das dificuldades encontradas pelas empresas no que tange a contratação das pessoas com deficiência, Ferigato relata que:
De maneira geral, a pesquisa revelou que a reação das empresas quando notificadas busca, basicamente, justificar o descumprimento da Lei nº 8.213/91. Suas reivindicações estão relacionadas às peculiaridades dos ramos de atividade. Alguns afirmam que suas atividades são caracterizadas por altos graus de risco e perigo. Assim, defendem a exclusão das posições que consideram inadequadas para pessoas com deficiência do cálculo da cota, restringindo-as a atividades de natureza administrativa ou de manutenção de papel. Essa situação foi percebida em empresas dos setores industrial, construção civil e saúde. Existem empresas que elevam os padrões de qualificação profissional e de experiência para preencher as vagas oferecidas e restringem as possibilidades de possíveis candidatos com as habilidades necessárias para preencher essas vagas. Há também tentativas de classificar, como pessoas com deficiência, funcionários que já pertencem aos funcionários da empresa.110
Observa-se as dificuldades existentes no cotidiano laboral como viés a contratação da pessoa com deficiência. Somente através de ações sérias e com comprometimento de ambas
109 VASCONCELOS, Xxxxxxxx X.; MARANHÃO, Xxxxxxx L. G. Os Desafios das Empresas em Contratar Pessoas com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.14, n.51, jul. 2020, p. 771.
110 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Gestão inclusiva da Pessoa com Deficiência no ambiente de trabalho. RECIMA21 - REVISTA CIENTÍFICA MULTIDISCIPLINAR - ISSN 2675-6218, 1(1), 5-31 v.1, n.1, 2020, p.9-10. Disponível
em: xxxxx://xxx.xxx/00.00000/xxxxxx00.x0x0.0. Acesso em: 10 nov. 2020.
as partes (Estado e Empresa) possa corroborar com a diminuição da exclusão dessa classe de pessoas já penalizadas corriqueiramente e que intervenções precisam surgir e ser implantadas para satisfazer os preceitos legais e cultivar uma vida digna aos profissionais PCDs.
Dessa forma, apresentam-se a seguir algumas políticas de inclusão social da pessoa com deficiência sob responsabilidade do Estado e Empresa e uma breve compreensão da ordem econômica do Brasil e seus fundamentos, visando ao entendimento do grau de atuação do Estado na economia.
2 A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E A EMPRESA: AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Ao falar de ordem econômica, políticas adotadas pelo Estado com a finalidade de garantir direitos como a justiça social, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a inclusão das pessoas com deficiência em seu meio, entende-se a equidade e déficit igualitário ensinada por Xxxxxxxxxxx000, com sua clareza conceitual abordada sobre o tema: ―Portanto, não é em relações dessa espécie que se manifesta a justiça ou injustiça dos cidadãos‖, mostra-se o papel do Estado de Direito na vida da sociedade. ―Pois como vimos, ela se relaciona com a lei e se verifica entre pessoas naturalmente sujeitas à lei, e estas, como também vimos, têm partes iguais em governar e ser governadas‖ 112. Ao relacionar o Estado e a empresa com a justiça social, fundamentada pela Carta Magna de 1988, apresentam-se, a seguir, os principais temas para melhor entendimento.
A ordem econômica pode ser entendida por um conjunto de normas positivas ou não, jurídicas ou não que direcionam o comportamento da economia. Rege sobre os fundamentos básicos a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, buscando a dignidade da pessoa humana e a justiça social.
A ordem econômica no texto constitucional de 1988 expressa a preferência sobre a escolha ―valorativa e ideológica por certo modelo de tratamento da política econômica, pela presença de princípios programáticos, direitos fundamentais econômicos e a organização da
111 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991, p. 90-91.
112 Ibidem, p.91.
ação estatal na economia‖.113 Sendo entendida como o instrumento fundamental de organização do Estado de Direito, a Carta Magna de 1988 expressa bem o sentimento de justiça social e regulamenta os ditames da ordem econômica.
Segundo Xxxxxx, apresenta que:
O texto constitucional demonstra que o estabelecimento de um regime de mercado orientado pelo liberalismo, mas com evidente intervenção estatal para o fim de coibir abusos e preservar a livre concorrência, expressa que a liberdade econômica somente se legitima quando pautada nos ditames da justiça social e valores do trabalho humano, sem qualquer tipo de discriminação, consoante preceituam os artigos 3º e 170 da Constituição Federal. 114
As garantias e os direitos fundamentais de todos como a igualdade social e a dignidade da pessoa humana, principalmente das pessoas com deficiência, é efetivo pela inclusão no meio social, dando o direito a adentrar ao mercado de trabalho, satisfazendo seus desejos e vontade pessoal, agregando valor e aumentando sua perspectiva para uma vida digna.
Constata-se que o artigo 170 da CF dispõe que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e que possui por finalidade assegurar a todos existência digna.
O artigo 170 da CF, é uns dos mais ricos no que tange a justiça social, insere que a ordem econômica do Brasil será pautada na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa, com o único propósito de assegurar a todos os cidadãos brasileiros a existência humana com dignidade, e traz consigo os princípios primordiais que entende o necessário para a sua concretização.
Nesse contexto, Moraes115 relata que ―o artigo 170 estabeleceu a finalidade à ordem constitucional: garantia de existência digna, conforme os ditames da justiça social‖, como bem demonstrado, o que ―é a única forma de efetivação dos ditames da justiça social apresentado no caput do artigo‖ mencionado anteriormente.
Nessa mesma linha, Sarlet, Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx trazem as seguintes disposições:
[...] o art. 170, que explicita a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica, vinculando esta última à garantia de uma existência digna para todos, conformada aos ditames da justiça social, de tal sorte que se pode afirmar que a dignidade da pessoa
000 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Preâmbulo da Constituição & a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 2003, p. 217.
114 Ibidem, p. 217.
115 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx. Direito Constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2017, p. 599.
humana é também o fundamento e o fim da ordem econômica na Constituição.116
Numa análise simples, pode-se sustentar que a valorização do trabalho humano é pressuposto básico primordial para a concretização da dignidade da pessoa humana, como já demonstrado pelos autores acima mencionados, contudo deve-se promover por todos os meios a concretização desses valores sociais mediante ações do Estado e da sociedade, com o objetivo de garantir a plena efetividade da justiça social determinada pelo artigo 170, da CF.
Com o propósito de junção dos princípios do artigo 170, Xxxxx, a partir de um estudo sobre o capitalismo e sua integração com a Carta Magna de 1988, ressalta que:
O Estado democrático de direito traz em si uma unidade de sentido que permeia toda a Constituição e orienta a compreensão dos demais princípios: a dignidade da pessoa humana, como conceito que consagra simultaneamente a autonomia privada e a autonomia pública. Logo, muito mais importante do que discutir qual é o grau de capitalismo adotado pela Constituição é saber que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, tal como acentua o próprio caput do art. 170.117
Ressalta-se a primazia do princípio que estabelece a propriedade com foco na função social que deve ser interpretada à luz da valorização do trabalho humano, voltando-se a buscar sempre a efetivação dos direitos inerentes a todos os cidadãos, direitos esses elencados na Carta Magna de 1988 e fundamentais para se aproximar do que pretende o plano nacional do trabalho decente.
A redução das desigualdades como princípio constitucional, inicialmente no artigo 3º, III, e posteriormente no artigo 170, VII, concerne ao objetivo principal da ordem econômica, objetivando a busca por uma vida digna com valores que serão apresentados neste trabalho.118 Conforme Xxxxxxxx000 nos ensina, nos estudos da ciência jurídica, efetuar definições é encargo difícil, cuja consequência se mostra de forma pontual e muitas vezes subjetiva, sendo que ―apresenta-se como elemento importante na compreensão dos institutos jurídicos na medida em que caminha em direção à eliminação de ambiguidades, dúvidas ou omissões,
além de conferir maior segurança jurídica e facilitar o estudo do instituto‖.
116 XXXXXX, Xxxx X.; XXXXXXXX, Xxxx X.; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2017, p. 637.
117 XXXXX, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Empresa e Propriedade – Função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.278.
118 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
119 XXXXXXXX, Xxxxx. Lógica jurídica. Tradução: Xxxxxxxx X. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 69-
70. Título original Logique juridique.
Sustentado na ordem econômica da Constituição de 1988, o direito a uma existência digna, regrado pela justiça social, Grau leciona quanto à dignidade humana:
[...] assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização desse programa
– dessa política pública maior – tanto o setor público quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição.120
Xxxx ainda destaca:
Do que seja justiça social temos a ideia, que fatalmente, no entanto, sofreria reduções – e ampliações – nesta e naquela consciência, quando enunciada em qualificações verbais. É que justiça social é expressão que, no contexto constitucional, não designa meramente uma espécie de justiça, porém um seu dado ideológico. O termo ―social‖, na expressão, como averbei em outra oportunidade, não é adjetivo que qualifique uma forma ou modalidade de justiça, mas que nela se compõe como substantivo que a integra. Não há como fugir, assim, à necessidade de discernirmos sentido próprio na expressão, naturalmente distinto daquele que alcançamos mediante a adição dos sentidos, isolados, dos vocábulos que a compõe.121
Justiça social parte do pressuposto básico de superação das injustiças. No transcorrer do tempo, decorre de cuidados, quanto à repartição do produto econômico, por razões micro e também macroeconômicas: ―as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista‖.122
Faz-se mister salientar que a preocupação com a inclusão social dos que se encontram em desvantagem, ou seja, as pessoas com deficiência, pode ser compreendida ao considerar que o objetivo maior da humanidade é conseguir a dignidade da pessoa humana.
Nessa direção, idealiza-se que Estado e a pessoa humana prosperem juntos no objetivo de alcançar uma convivência social direcionado no conseguimento eficaz da dignidade do ser humano. Sarlet123, ao falar nesse princípio faz referência a limite e tarefa estatais:
120 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. rev. e atual. Malheiros Editores: São Paulo, 2010. p. 177.
121 Ibidem, p. 204.
122 Ibidem.
123 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.108.
É justamente nesse sentido que assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais. Na condição de limite da atividade dos poderes públicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado (considerado o elemento fixo e imutável da dignidade).
Fatores sociais cada vez mais crescentes, principalmente oriundos de fundamentos legais, passam a serem vistos de formas diferentes e que as exigências aumentam a favor da proteção das pessoas. Nessa senda, Xxxxxx explica que:
Essa exigência de passar da hipótese racional para a análise da sociedade real e de sua história vale com maior razão hoje, quando as exigências, provenientes de baixo em favor de uma maior proteção de indivíduos e de grupos (e se trata de exigências que vão bem além da liberdade em relação a e da liberdade de) aumentaram enormemente e continuam a aumentar; [...] O fato mesmo de que a lista desses direitos esteja em contínua ampliação não só demonstra que o ponto de partida do hipotético estado de natureza perdeu toda plausibilidade, mas nos deveria tornar conscientes de que o mundo das relações sociais de onde essas exigências derivam é muito mais complexo, e de que, para a vida e para a sobrevivência dos homens, nessa nova sociedade, não bastam os chamados direitos fundamentais, como os direitos à vida, à liberdade e à propriedade.124
Não obstante, os preceitos legais disponíveis na Carta Magna de 1988 direciona o Estado e sociedade a garantir os direitos fundamentais da pessoa com deficiência de forma que seja ofertada todas as possibilidades para sua inclusão e desenvolvimento pessoal para alcançar seus objetivos pessoais e familiar, objetivando uma vida digna e corroborando com a justiça social.
Mesmo em tempos pandêmicos, em que milhões de cidadãos brasileiros estão desempregados, acarreta ao Estado Brasileiro a arcar com promoção de políticas sociais e inclusivas com objetivo de amenizar e dar apoio a concretização dos direitos fundamentais como saúde, alimentação, educação, renda entre outros abordados nos artigos 5º e 17 inerentes à proteção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Diante desse cenário, muitas empresas estão fechando as portas e contribuindo com o desemprego vivido no Brasil. Medidas para estimular a economia precisam ser ofertadas e efetivadas por parte do Estado, objetivando o giro da economia e a volta do emprego a milhares de cidadãos inclusive das pessoas com deficiência que também foram afetadas.
Sarlet leciona que:
124 XXXXXX, Xxxxxxxx. A era dos direitos. Tradução: de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.89.
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.125
No Brasil, nos termos do artigo 1º da Constituição Federal, inciso III, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, assim como finalidade da Ordem Econômica, conforme artigo 170, caput. A Constituição Federal garante a efetiva democracia, bem como a dignidade da pessoa humana, asseverada por meio da soberania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.126
Conforme Xxxxxxx x Xxxxx mencionam:
Dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida: compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa pelo qual se faz merecedor do conceito público; em sentido jurídico, também se estende como a dignidade a distinção ou a honraria conferida a uma pessoa, consistente em cargo ou título de alta graduação; no Direito Canônico, indica-se o benefício ou prerrogativa de um cargo eclesiástico.127
Comparato revela que a ―dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado‖. Mostra-se que também deriva do fato de que, ―por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita‖.128
Nota-se que o processo de exclusão social de pessoas com deficiência caminhou junto à socialização do ser humano. A estrutura das sociedades, desde seu início, sempre inabilitou os indivíduos com deficiência, ―marginalizando-os e privando-os de liberdade‖. Eram tratados
―sem respeito, sem atendimento, sem direitos, alvo de atitudes preconceituosas e ações impiedosas‖, nas sábias palavras de Xxxxxx.129
125 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
126 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
127 XXXXX, Xxxxxxx x. Vocabulário Jurídico. São Paulo: Forense, 1967. v.2, p. 526.
128 COMPARATO, Xxxxx Xxxxxx. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 34.
129 XXXXXX, Xxxxx X. Cazzaniga. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social. São Paulo Perspec. [online]. v.14, n.2. ISSN 0102-8839. 2000, p. 51-56.
Com a globalização, surgiram novas exigências do mercado, em que ―um trabalhador dispensado por baixa qualificação vê-se impossibilitado de retornar ao sistema, até mesmo pela incapacidade de adequar-se, e acaba por engordar o chamado desemprego estrutural‖.130 Daí surge a importância da nova ordem jurídica, que devido à ausência do Estado, deverá desenvolver-se de ferramentas capazes de devolver o emprego aos trabalhadores com baixa qualificação, entre os quais se encontram as pessoas com deficiência, corroborando com a justiça social.
A proteção dos direitos fundamentais, entre eles a dignidade humana, é papel de suma importância do Estado, que mune a promoção de uma sociedade justa e solidária, alavancando a economia e assumindo sua responsabilidade com o futuro da humanidade, garantindo a justiça social, por meio de ações que visam a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Percebe-se que a Carta Magna de 1988131 apregoa, em seu artigo 5º, XXIII, que ―a propriedade atenderá a sua função social‖. Além disso, o Código Civil Brasileiro impõe como norma de ordem pública, em seu artigo 421132, que ―a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato e da propriedade‖.
Nessa linha, pode-se dizer que o termo função social é abrangedor, dilatado, estruturado pelo constituinte para ter margem de interpretação maior pelo empregador do direito, nas discussões da finalidade do espaço social do contrato, sendo esse individual ou particular. Xxxxxxxxx expressa que:
O princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de esclarecer um aparato preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho, a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.133
Mostra-se que o Direito e a Economia dispõem de uma interdisciplinaridade, disponibilizando ferramentas eficazes para o avanço da justiça social, prevalecendo o contrato
130 XXXXXXX, X. X., & XXXXXXXX, X. X. As mudanças contemporâneas no mundo do trabalho e o princípio da valorização do trabalho humano. SCIENTIA IURIS, Londrina, v.18, n.2. DOI: 10.5433/2178- 8189.2014v18n2p189. 2014, p.199.
131 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
132 BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e legislação civil em vigor. Editora Saraiva. 38º Edição. 2020.
133 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxx. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução: Wagner D. Giglio. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000, p. 83.
como um meio jurídico de circulação de mercadorias e riquezas, regido pelo princípio da demanda pelo equilíbrio econômico, a livre iniciativa e da segurança jurídica. Nessa direção, Xxxxxxx relata que:
Assim como a função social do contrato não pode anular a sua função econômica, deve ela ser estudada e empregada sob o prisma da economicidade, atuando quando estritamente necessário, dentro dos limites de razoabilidade e proporcionalidade com relação ao caso concreto, sempre se levando em consideração os potenciais efeitos econômicos da solução jurídica eleita.134
Estampada na Constituição Federal de 1988135, em seu artigo1º, III, emerge a dignidade da pessoa humana como acolhedora, tendo o Estado a responsabilidade de satisfazer toda a sociedade como uma vida digna, honrosa e pacífica.
Morais136, sobre os direitos sociais como direitos fundamentais do ser humano, discerne que as relações laborais difere de justiça social, tendo a ―necessidade de uma intervenção estatal para que a justiça social seja efetivada com a pessoa com deficiência pela baixa expectativa em relação à função no mercado de trabalho que a sociedade atribui a essas pessoas‖.
Todavia, à luz do Direito, o contrato individual do trabalho visa à proteção da parte hipossuficiente da relação de emprego, ou seja, o trabalhador, cujo objetivo maior é sua função social, garantindo uma vida melhor para o trabalhador e sua família, corroborando com os preceitos legais da Carta Magna de 1988, tendo as empresas um papel importantíssimo para a sua manutenção.
Ao buscar-se a justiça social no trabalho, nitidamente está conectado ao artigo 170 da Carta Magna de 1988, sendo que para a ―concretização do princípio da dignidade da pessoa humana só é possível pela conjugação de suas duas dimensões: individual e social. O grande problema não é auferi-las do ordenamento jurídico pátrio, mas sim efetivá-las‖.137 Ainda, segunda a autora:
O discurso neoliberal em voga nos dias atuais propugna, propositalmente, o abandono da concepção social da dignidade da pessoa humana, restringindo-
134 XXXXXXX, Xxxxxxx X. Marques da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do código civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 186.
135 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
136 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. O mercado de trabalho e a pessoa com deficiência intelectual: Entraves e Oportunidades. Revista Espacios. v. 38, n. 12, 2017, p. 26. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/x00x00x00/x00x00x00x00.xxx. Acesso em: 6 mar. 2019.
137 XXXXXXXX, Xxxxx X. Moreira. O direito do trabalho como instrumento de efetivação da dignidade social da pessoa humana no capitalismo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 49, n. 79. 2009, p.150.
a a uma concepção individualista de mera proteção aos direitos de liberdade. O princípio da igualdade é olvidado, sob a falácia de que os homens já alcançaram o patamar de igualdade substancial possível, sendo bastante a igualdade meramente formal. Propõem os neoliberais a supressão dos direitos especiais garantidos a determinados grupos sociais, ao argumento de que o tratamento diferenciado constitui ―tratamento privilegiado‖ e, portanto, injustificado. Nesse cenário, afirma-se o Direito do Trabalho como o meio mais eficaz de consolidação da dignidade social da pessoa humana no capitalismo.138
Nessa linha, percebe-se que a existência digna da pessoa humana está ligada à valorização do trabalho, sendo que não se obtém a satisfação plena da dignidade da pessoa humana quando o trabalho não possibilita as necessidades básicas elencadas na Carta Magna de 1988. Nota-se que a ausência de trabalho digno afeta não apenas a pessoa diretamente ligada, mas também o seu grupo familiar e social.
Miráglia ensina que:
O Direito do Trabalho deve refletir a realidade social de determinada época, pois só assim se edifica como ferramenta de consolidação da justiça social. Desse modo, o ramo jus trabalhista deve descentralizar-se, com o intuito de abranger o maior número possível de trabalhadores excluídos, incorporando as novas técnicas e formas de contratação de mão-de-obra, possibilitando- lhes, assim, o usufruto real de seu manto protetivo. O Brasil precisa, na atual conjuntura, estabelecer mecanismos que de fato garantam a generalização do ramo jurídico trabalhista e a materialização dos seus princípios e fundamentos, pois só assim se alcança a plena democracia. Isso porque não há que se falar em Estado Democrático sem um sistema econômico-social valorizador do trabalho e do próprio trabalhador.139
O desenvolvimento econômico, político e social deve progredir juntamente com o direito, e nitidamente percebe-se que a dignidade social da pessoa humana está intrinsecamente ligada à generalização do Direito do Trabalho, tendo o Estado como regulador das políticas públicas de inclusão social, e as empresas e a sociedade em geral contribuem para que os direitos legais sejam alcançados, por meio de ações sociais e solidárias.
2.2 A EMPRESA E SUA FUNÇÃO SOCIAL E SOLIDÁRIA
138 Ibidem, p. 150.
139 Ibidem, p.160.
A Constituição Federal de 1988 instituiu valores humanos na ordem econômica nunca antes vistos, trazendo o papel do Estado e das empresas com a justiça social, por meio da valorização do trabalho humano e principalmente das classes menos favorecidas, como as pessoas com deficiência.
O artigo 170, da Carta Magna, dispõe como fundamento entre outros, a valorização do trabalho humano ao lado da livre iniciativa e visa garantir a todos a existência digna, nos ditames da justiça social, baseado nos princípios, dentre outros: função social da propriedade, defesa do meio ambiente e a busca do pleno emprego.
Nota-se que o trabalho dignifica a pessoa, por ele se alcança a independência, e que o Estado deve colocar à disposição regramentos capazes de assegurar direitos e garantias aos trabalhadores. Nos termos do artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, garantem-se direitos ao trabalhador visando a concretização da dignidade da pessoa humana e contemplando sua valorização.
Faz-se mister salientar que o trabalho alicerçado pelo o Estado passou a ser princípio da Ordem Social, consoante artigo 193 da Constituição Federal140, em que dispõe que ―a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais‖.
Com base na Carta Magna de 1988, o Brasil se sustenta sobre o valor social do trabalho, garantindo também nesse princípio o fundamento da ordem econômica e social. O valor moral do trabalho representa o seu grau de importância, seja para o crescimento individual, seja para o da coletividade.
Conforme esses anseios, Xxxxxxx expõe:
Dessa maneira, o trabalho ganha importância (social, econômica, política) e, por isso, precisa das garantias jurídicas necessárias. Nas sociedades democráticas, é possível a existência de tais garantias, na medida em que se elejam princípios os quais os cidadãos entendem como importantes para o seu desenvolvimento. [...].
O princípio da valorização do trabalho, agora elevado a status constitucional, determina que o desenvolvimento seja orientado nas duas perspectivas já explicadas: social e econômica. Pretende-se assim evitar os abusos cometidos no passado e buscar a construção de uma sociedade mais justa, fraterna, tal como é o objetivo das democráticas contemporâneas.141
140 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
141 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. A valorização do trabalho humano no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: SAFE, 2003, p. 71-72.
Para a concreta valorização do trabalho humano, sem olvidar do desenvolvimento econômico e social do País, é primordial que o Estado, por meio da efetivação de políticas públicas com resultados e as empresas, por meio da geração de oportunidades laborais a todos e principalmente às pessoas com deficiências, ao estimular sua dignidade, satisfaça suas necessidades individuais e coletivas e ao mesmo tempo, contribuindo para o progresso da nação.
Nessa direção, a manifestação do princípio do valor do trabalho humano na sua plenitude, é um ofício laborioso, como observa Xxxxxxxx ao indagar:
Como se valoriza o trabalho? Em primeiro momento, através da geração de mais postos de trabalho: que haja um melhor trabalho com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com a participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem discriminação; que seja melhor retribuído, com a efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos artigos 6º a 11 da C.F.; que haja uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano.142
Salienta-se que entre os pilares privilegiados pela Carta Magna de 1988 estão a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social, que se busca na ordem econômica, não se podendo deixar de citar os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, pilares na relação Estado e cidadão.
Prevista na Carta Magna de 1988143, em seu artigo 1º, inciso IV e artigo 170, caput, a livre iniciativa é considerada fundamento da ordem econômica. Elevada à condição de princípio fundamental, juntamente com valores sociais do trabalho. Nesse prisma, Silva144 ensina que a livre iniciativa significa ―liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas por ele‖.
Nota-se que a liberdade de iniciativa se manifesta, entre outros aspectos, pela livre concorrência, conceitos que se vinculam diretamente, complementando-se entre si, de tal forma que não há o que se falar em livre iniciativa se não existir a livre concorrência.
Bastos145, por sua vez, assevera que ―a livre concorrência é um dos alicerces da estrutura liberal da economia e tem muito que ver com a livre iniciativa. É dizer, só pode
142 OLIVEIRA, Lourival Xxxx. Da Inconstitucionalidade da Atividade Empresarial quando resulta na Desvalorização do Trabalho Humano. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx S. A. B.; XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx (Orgs.). Atividade Empresarial e mudança social. São Paulo: Arte & Ciência, Marília: Unimar, 2009, p. 86.
143 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
144 XXXXX, Xxxx Xxxxxx da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 760.
145 XXXXXX, Xxxxx X. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editor, 2002. p. 459.
existir a livre concorrência onde há livre iniciativa‖. Nessa linha, ―a livre concorrência é algo que se agrega à livre iniciativa, e que consiste na situação em que se encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência de seus rivais‖.
Com a liberdade de iniciativa, o homem consegue exercer seu direito de escolher livremente o seu trabalho, abrir seu próprio negócio em determinada atividade econômica. Consequentemente, esse ciclo faz com que o exercício da liberdade das escolhas individuais ou coletivas alcance a dignidade do homem, atendendo as finalidades da ordem econômica.
Grau enuncia:
Considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade sócio econômica), podemos descrever a liberdade como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – aí a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado – aí a acessibilidade.146
Ressalta-se que os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa devem ser tomados em conjunto e não de forma individualizada. Isso explica-se pela livre iniciativa somente possuir fundamento legal ao expressar o seu valor social, conforme a Carta Magna de 1988. Seguindo esses princípios, Grau leciona:
São fundamentos da República, isto é, do Brasil, entre outros, o valor social do trabalho e o valor social da livre iniciativa. A ordem econômica (mundo do ser) deve estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa – a Constituição consagra, aí, note-se, valorização do trabalho humano e livre iniciativa, simplesmente. A livre iniciativa, ademais, é tomada no quanto expressa de socialmente valioso; por isso não pode ser reduzida, meramente, à feição que assume como liberdade econômica, empresarial (isso é, da empresa, expressão do dinamismo dos bens de produção); pela mesma razão não se pode nela, livre iniciativa, visualizar tão-somente, apenas, uma afirmação do capitalismo. Assim, livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pelo capital, mas também pelo trabalho.147
Nota-se que a Carta Magna de 1988 é categórica ao afirmar que a livre iniciativa deve observância ao valor do trabalho humano, à pessoa em si, na medida em que os princípios são tomados em conjunto, conduzindo à função social na atividade econômica e à promoção da dignidade da pessoa humana.
Vê-se que a livre iniciativa não se legitima quando entendida de forma ilimitada, ou seja, sem respeitar os demais escopos constitucionais, como a proteção da pessoa com
146 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 203.
147 Ibidem, p. 14.
deficiência, podendo-se citar o direito de ir e vir, no que tange à acessibilidade, por cuja concretização o Estado é o principal responsável, garantindo às pessoas com deficiência a valorização do trabalho humano.
Para obtenção de resultados positivos, cabe ao Estado ―fiscalizar, estimular e planejar a atividade econômica de forma indireta‖, nos termos do artigo 174 da Carta Magna, o qual agirá sobre a economia, ―implantando políticas de incentivo para fomentar o desenvolvimento econômico e também social‖, da mesma forma, agirá diretamente, quando extraordinariamente houver a necessidade de ―atuação do Estado na economia (como empresário)‖, sob condição de comprovação que essa ―atuação servirá para resguardar a segurança nacional ou atender relevante interesse coletivo‖, consoante artigo 173 da Constituição Federal148.
Assevera-se que essa intervenção do Estado sobre a economia garante, entre outros, o exercício da livre concorrência na atividade econômica, objetivando e garantindo a dignidade da pessoa humana com a valorização do trabalho de forma justa e igualitária, sem desmerecer as pessoas com deficiência, inserindo-as na sociedade laboral.
A operacionalização adotada pela Carta Magna de 1988 busca promover a concepção de justiça em todas as suas vertentes, deixando o ser humano em destaque nas discussões jurídicas, prevalecendo os interesses sociais em confronto com os individuais, e devendo ser de forma harmônica.
O artigo 1228 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002149, regulamenta o direito da propriedade, ―que deve ser exercido em consonância com os fins econômicos, sociais e ambientais‖. Nota-se que mesmo estando presente na Carta Magna de 1988, o direito da propriedade somente emerge à obrigatoriedade de estar vinculado às suas ―finalidades econômicas, sociais e ambientais, ratificando, tardiamente, os fundamentos constitucionais da função social‖.150
No que tange ao princípio da função social, sua importância, incidência no direito comparado, Xxxxxx traduz nos seguintes termos:
Para se ter ideia da importância que esse princípio assumiu no mundo contemporâneo, basta se ter presente o que diz o art. 00-0 xx Xxxxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx — "a propriedade obriga" —, um configura, sem sombra de
148 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, jun./ago. 2002. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acesso em: 15 nov. 2018.
149 BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e legislação civil em vigor. Editora Saraiva. 38º Edição. 2020.
150 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 303.
dúvida, a mais radical contraposição ao dogma individualista que reputava sagrado o direito de propriedade e assegurava ao seu titular, em termos absolutos, o poder de usar, gozar e dispor dos seus bens —jus utendi, fruendi et abutendi —, sem nenhuma preocupação de caráter social. Não por acaso, foi a Constituição de Weimar a primeira a conter um bloco normativo especificamente destinado a regular a atividade econômica, no que veio a ser imitada por diversas cartas políticas que se lhe seguiram, como a nossa Constituição de 1934- Pois bem, em breve anotação a mencionado att. 14-2 da Lei Fundamental de Bonn, ressalta Xxxx Xxxxxxx que, por meio desse dispositivo, a União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Social Democrata (SPD) — os principais partidos políticos alemães —, "em função da doutrina social da Igreja e de uma visão 'marxista democrática', depois esbatida e até abandonada, estatuíram o credo comum do valor social da propriedade", um standard axiológico tão relevante que passou a integrar o texto das principais constituições do nosso tempo. No Brasil, esse princípio adquiriu cidadania constitucional com a já referida Carta Política de 1934, cujo art. 113, item 17, na linha da nossa tradição jurídica, continuou a assegurar o direito de propriedade, com a ressalva — e nisso consistiu a novidade — de que, doravante, ele não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo.151
Nessa direção, Xxxxxx complementa:
Sendo a função social da propriedade, como sabemos, um princípio jurídico e não uma regra de direito, a sua implementação insere-se no jogo concertado de complementações e restrições recíprocas em que consiste o processo de aplicação/concretização dessas pautas axiológicas — por natureza abertas, indeterminadas e plurissignificativas — enquanto mandatos de otimização. Essa qualificação, por conseguinte, remete-nos à ideia de que a função social da propriedade é um tipo de norma que não se implementa em termos absolutos e excludentes de outras — antes opera gradualmente e dentro do possível —, a depender tanto de condições fáticas, que são impostas pela realidade extra normativa, quanto de condições jurídicas, a serem determinadas pelos princípios e regras contrapostos.152
Ainda segundo Tepedino153, a função social da propriedade, todavia, não foi questão inédita na Carta Magna de 1988, sendo que na Constituição de 1946, o assunto já havia sido debatido, por motivos do regime assistencialista e de socialização europeu, mesmo o Estado intervindo na propriedade privada; porém, não surtiu os efeitos desejados de justiça social. A Constituição de 1967, de maneira secundária, também discorreu sobre o tema, mas sem eficácia.
A ordem econômica consolidada pela Carta Magna de 1988 alterou a forma da propriedade privada e imperiosamente da empresa, que além de objetivar o crescimento econômico e a obtenção de lucro, também começa a ser obrigada a pensar e colocar em
151 XXXXXX, Xxxxxx X. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009, p.1407.
152 Ibidem, p.1408.
153 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p.306-307.
pratica ações que visam o coletivo, contribuindo com a justiça social, com a finalidade de possibilitar uma vida digna e com qualidade melhor à população.
Dessa maneira, a empresa deve se pautar por valores éticos e morais, direcionados pelo Código Civil de 2002154, nos artigos 113 e 422, em que preceitua que os negócios jurídicos devem ser interpretados com base nas funções da boa-fé.
Nessa direção, em especial o artigo 421 do Código Civil155 expõe que ―a liberdade de contratar seja exercida em razão e nos limites da função social do contrato, prevalecendo assim, os valores da coletividade‖, garantindo a justiça social e corroborando com a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, trazendo uma concepção de vida melhor a essa classe da população menos favorecida.
Xxxxxx nos ensina que o direito, em todas as suas minúcias, alcança a sua finalidade social de maneira protetiva e repressiva, como descreve:
[...] o direito atinge sua finalidade, ou seja, protege os atos ilícitos por meio da emissão de mandados negativos (proibições) e também com sanções negativas, que é o direito como aparato coativo. A finalidade do ordenamento protetor-repressor é o uso cada vez mais frequente de técnicas de estímulo, e assim, quando nos damos conta desse novo fenômeno, aparece uma nova imagem: a do ordenamento jurídico como ordenamento com função promocional. O objetivo do ordenamento protetor-repressor é impedir, quanto possível, a realização de atos socialmente não desejados, enquanto no ordenamento promocional a finalidade é provocar a execução dos atos socialmente desejados.156
Constata-se que o ato de discriminar não é mais tolerável pela sociedade, tendo como natureza jurídica a Carta Magna de 1988157, no seu artigo 3º, que estimula a promoção do bem, sem preconceitos de origem e pela busca da redução das desigualdades sociais, restando sem dúvidas o grande papel das empresas com o ato de contratar e do Estado com o ato de estimular as contratações, e, ao mesmo tempo fiscalizá-las, para que os objetivos advindos da Carta Magna de 1988 sejam concretizados.
O auge dos objetivos do Estado conforme nossa constituinte, e com a finalidade da promoção da dignidade da pessoa humana, igualdade, cidadania e redução das desigualdades sociais, foi a instituição da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991158, popularmente conhecida
154 BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e legislação civil em vigor. Editora Saraiva. 38º Edição. 2020.
155 Ibidem.
156 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 104.
157 BRASIL. Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária.
6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
158 BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000xxxx.xxx. Acesso em: 17 ago. 2020.
como a Lei de Cotas, que no seu artigo 93, determina a contratação pelas empresas de pessoas com deficiência. Mesmo que em tempos modernos o objetivo não tenha obtido êxito, a ideia original foi ao encontro dos anseios da sociedade e, conforme apresenta-se neste trabalho adiante, o ordenamento jurídico precisa de mais incentivos à contratação das pessoas com deficiência.
Nota-se que a função social da empresa vai além da concepção individualista que perdurou por décadas e que, atualmente, as empresas prezam pelos interesses da coletividade, trazendo a sensação de justiça social.
Segundo Xxxxxxxx e Payão ensinam que:
A função social: visa compatibilizar os interesses individuais aos interesses coletivos, afinal, o Estado, de maneira isolada, não consegue atender a todas as demandas sociais. Logo, a função econômica, financeira e competitiva da empresa deve coadunar-se à função eminentemente social. Em contrapartida, o ambiente empresarial possui estrutura, capital e pessoal capacitado para o desenvolvimento de projetos bastante vantajosos para o coletivo, que estão além da sua função social, mas se coadunam perfeitamente com a ideia de solidariedade social.159
Portanto, mesmo em segmentos em que a competitividade empresarial é enorme, a busca insensata pelo lucro dificulta, para as organizações menores e sem estrutura adequada, a realização da função social, por exemplo a inclusão de pessoas com deficiência no meio laboral, visto que ela requer investimentos.
Sustenta-se que a função social da empresa deve estar relacionada ao meio da valorização do trabalho humano com o principal propósito de alcançar a justiça social, como determina o art. 170, da Constituição Federal.
Todavia, a terminologia função social no que se refere às atividades das empresas tem incidência em diversas legislações, tais como: nos artigos 116, parágrafo único160 e 154161 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976; artigo 47162 da Lei n.º 11.101, de 09 de fevereiro de
159 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; PAYÃO, Xxxxxxx Xxxxx. A função social e solidaria da empresa no âmbito das relações de trabalho. Revista Nomos UFC. 2016, p. 249.
160 Art. 116. [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
161 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. [...].
162 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico- financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. [...].
2005; e no artigo 421163 do Código Civil, regulamentos esses de incidência direta nas atividades das empresas.
É mister salientar que, embora na doutrina não haja consenso na definição do que é função social da empresa, Xxxxxx apresenta o conceito mais robusto de função social da empresa:
Cumpre sua função social a empresa que gera empregos, tributos e riqueza, contribui para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, adota práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeito aos direitos dos consumidores. Se sua atuação é consentânea com estes objetivos, e se desenvolve com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita, a empresa está cumprindo sua função social; isto é, os bens de produção reunidos pelo empresário na organização do estabelecimento empresarial estão tendo o emprego determinado pela Constituição Federal.164
Nota-se que ao se analisar a promoção da função social da empresa nas relações de trabalho, percebe-se sua estrita correlação, pois nas relações de trabalho estão intimamente ligadas as relações econômicas, sociais e culturais, as quais devem ser protegidas e promovidas por toda a sociedade.
Nessa perspectiva, as propriedades empresariais representadas pelas empresas devem submeter-se à função social que dispuseram ao constituinte originário, ―quando no exercício da atividade econômica produza seus bens de forma a prevalecer a livre concorrência, bem com que não haja abuso de posição mercadológica‖.165
Ao apresentar um paralelo entre as funções sociais da empresa e seus diversos aspectos, Xxxx Xxxxx e Bulhões Pedreira ensinam que:
O acionista controlador tem o dever legal de fazer com que a companhia, além de realizar seu objeto (que é explorar atividade de produção e venda de bens e serviços com o fim de obter resultados e distribuí-los aos acionistas), cumpra sua função social (art. 116, par. único). A companhia, como toda sociedade empresária e todo empresário individual, exerce a função de criar, expandir e dirigir empresa e prover o capital de risco de que necessite, e a empresa é instituição fundamental na organização econômica e social das economias de mercado. A função precípua da empresa é produzir bens econômicos, mas devido às suas características, desempenha funções tanto na produção quanto na circulação econômica e na repartição de renda, e de agente da poupança e do investimento. O princípio de que os direitos subjetivos com que a ordem jurídica organiza a economia social devem ser exercidos de modo compatível com a função social que desempenham seus titulares, ou com os institutos jurídicos, difundiu-se modernamente e entre
163 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
164 XXXXXX, Xxxxx U. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva. 2017, p. 85.
165 XXXXX, Xxxxx X. Importância Social da Empresa. Revista Unicuritiba. vol. 02, n°. 51, Curitiba. 2018, p. 387.
nós, informam o preceito constitucional sobre função social da propriedade diversas leis, como a LSA, e, mais recentemente, o preceito do Código Civil de que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato" (art. 421 ). Os direitos patrimoniais e a proteção jurídica das diversas modalidades de poder são instrumentos da organização social assegurados aos agentes para que possam desempenhar com eficiência seus papéis sociais, e não privilégios ou prerrogativas instituídas em benefícios dos sujeitos ativos; o exercício desses direitos e poderes somente é legítimo, portanto, enquanto ajustado à função social que os explica e justifica.166
Percebe-se que a função social da empresa surge na formação de como o acionista nela está vinculado, preceito básico para que seja possível a ocorrência da economia social, ocasionando aos profissionais a garantia da valorização do seu trabalho.
Nessa linha, a incidência da função social da empresa vai muito além, não apenas nos atos os quais a empresa aplica, mas também até a retirada dos sócios. Nas presunções do art.
1.077 do Código Civil, cabe aos sócios delimitarem seus contornos para compatibilizá-los com os princípios da preservação e da função social da empresa, aplicando-se, supletiva (art. 1.053, parágrafo único) ou analogicamente (art. 4º da LICC), o art. 137, § 3º, da Lei das Sociedades por Ações, para possibilitar a reconsideração da deliberação que autorizou a retirada do sócio dissidente.167
Corroborando, Xxxxxx e Xxxxx descrevem que:
[...] a função social deve ser estritamente observada, desde o início das atividades da empresa até a retirada dos sócios, com o objetivo de primar pelo cumprimento da função social da empresa, o que se justifica em razão da criação desse meio de alcance da valorização do trabalho humano como bem expõe o art. 1º, IV, e 170, ambos da Constituição Federal de 1988. O constituinte de 1988 elevou como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito o dever do Estado em dar integral cumprimento ao valor social do trabalho e da livre iniciativa e repete isso no art. 170, onde continua a afirmar que a no tocante a propriedade privada deve-se obedecer aos ditames da justiça social quanto na promoção da valorização do trabalho, com sua função social.168
Nessa direção, ao analisar a função social da empresa nas relações de trabalho, Xxxxxx e Xxxxx, ao fazer um direcionamento entre a função social da empresa e outros ramos do direito, tais como o direito do consumidor, direito concorrencial, bem como o direito do trabalho, comentam que:
166 XXXX XXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxx X. Direito das companhias. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009, v.1. p. 837.
167 XXXXXXX, Xxxx. Curso de Direito Comercial. 40. ed. rv., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense. 2017, p. 401.
168 XXXXXX, Xxxxxxx X.; XXXXX, Xxxx X. Função social das empresas nas relações de trabalho e o trabalho decente. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, v. 24, n. 9, set./dez. 2019, p. 191.
A importância da empresa, entretanto, não está apenas na disciplina especificada pelo novo Código Civil e nas formalidades previstas para o regular exercício da atividade empresarial. Na sociedade contemporânea, a figura da empresa, em especial, da grande empresa, extrapola os interesses exclusivamente privados, uma vez que concilia interesses aparentemente divergentes de investidores, administradores, empregados, consumidores, do mercado e do Estado. Ressalta-se que todos, em sua medida, são dignos de tutela pelo ordenamento jurídico. Assim, a disciplina da empresa está relacionada com os consumidores (direito do consumidor), com o bom funcionamento do mercado (direito concorrencial) e com os trabalhadores (direito do trabalho). Nesses ramos do direito, o conceito é formado com a interpretação das regras, pela doutrina e pela jurisprudência, tendo em vista o fim que se pretende atingir e os interesses a serem tutelados. Ademais, a própria Constituição Federal brasileira determina, em seu art. 170, que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, observando, entre outros, o princípio da função social da propriedade. De fato, a empresa representa um importante elemento na economia, que gera riquezas e está relacionada com o funcionamento do mercado e, em virtude disto, é relevante verificar a sua função social, isto é, o seu papel dentro da comunidade e a forma como está sendo usada. [...] Assim, a empresa que desempenha uma função social traz alguns ditames para a conduta de quem é seu titular, relevando o seu perfil institucional e demonstrando que não tem apenas uma relevância para o direito comercial e privado, mas para outros ramos do direito, em especial, para o direito econômico e o direito do desenvolvimento.169
Nitidamente a função social da empresa nas relações de trabalho possui como princípio básico a obediência da existência da dignidade do trabalhador em suas atividades, e nesse contexto figura a pessoa com deficiência, que deverá aplicar medidas e ações voltadas de acordo com suas capacidades individuais, sendo respeitados os seus limites. Mesmo com a pressão da economia quanto à inibição da ocorrência da função social da empresa nas relações de trabalho, não é essa a interpretação dada e integrada pelos mandamentos constitucionais já expostos e que deverão ser cumpridos para poder atingir melhores resultados de inclusão social da pessoa com deficiência.
Contudo, a ―função social da empresa está ligada no sentido de que essas devem cumprir com seu dever social de promover o trabalho nas condições livre e primando pela sua valorização e, não como meio de aniquilar a liberdade da empresa‖.170
Xxxxx000, ao comentar sobre o entendimento da função social da empresa nas relações de trabalho, ressalta-se que ―para efeitos da função social da empresa, o que verdadeiramente
169 XXXXXX, Xxxxxxx X.; XXXXX, Xxxx X. Função social das empresas nas relações de trabalho e o trabalho decente. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, v. 24, n. 9, set./dez. 2019, p. 191
170 XXXXX, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Empresa e Propriedade – Função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 81.
171 XXXXX, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Empresa e Propriedade – Função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 281.
importa é a distribuição social dos benefícios econômicos, a fim de proporcionar a todos uma existência digna‖.
Não obstante nota-se que a empresa só alcançará sua função social quando obedecer aos preceitos de valorização do trabalho humano bem como com ações voltadas a assegurar o cumprimento da justiça social tão esperada pela sociedade e principalmente pelos menos favorecidos, por exemplo as pessoas com deficiência.
Boiteux172 afirma que ―a função social da propriedade, do contrato e da sociedade não depende apenas de norma jurídica, e também não pode ser completamente solucionada com a simples aplicação da lei‖, expondo ainda que, ―a função social da empresa deve cumprir com o que a sociedade espera dessa empresa quando do seu exercício‖.
Vale ressaltar, ainda, a importância do cumprimento pelas empresas nos ditames da responsabilidade social, que desempenham na sociedade uma função socioeconômica de muita relevância para que se efetive a paz social e solidariedade, sendo imperioso para o alcance da justiça social, uma vez que quando do cumprimento da responsabilidade social pelas empresas será garantido melhores condições sociais.173
Faz-se mister salientar que não restam dúvidas quanto à empresa, em suas relações, seja ela privada ou pública, dever submeter-se ―aos ditames da justiça social e aos preceitos estabelecidos pela própria função social intimamente esperada da empresa nas relações de trabalho, sob pena de violação direta do que se espera do papel da empresa e das suas relações‖.174
Sustenta-se que, em tempos pandêmicos pelo novo coronavírus (covid-19), a dificuldade para manter o negócio funcional está quase insustentável, pois mesmo com a intervenção do Estado com medidas protetivas ao emprego e renda aos cidadãos, muitas empresas estão fechando as portas, corroborando com o desemprego e contribuindo para as desigualdades sociais.
Aduz-se que em tempos anteriores, alguns pensamentos no sentido de que os fins justificavam os meios. Xxxxxxxxxxx explica que ―tudo era válido para se alcançar o poder e a riqueza e, ao valorizar apenas os interesses individuais, a ética foi preterida ante a vigência da lei do mais forte‖. Tal atitude ―tinha respaldo no exclusivo e desprezível egoísmo, porque a
172 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Função social dos contratos. Seminário Faculdade de Direito de Ribeirão Preto - SP. 19 de abril de 2018. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxxxx?xxXxXxxX0x0xX. Acesso em: 4 out. 2020. 173 XXXXX, Xxxxx X. Importância Social da Empresa. Revista Unicuritiba. vol. 02, n°. 51, Curitiba. 2018, p. 407.
174 XXXXXX, Xxxxxxx X.; XXXXX, Xxxx X. Função social das empresas nas relações de trabalho e o trabalho decente. Revista de Direito Brasileira. Florianópolis – SC, v. 24, n. 9, Set./Dez. 2019, p. 192.
pregação era de que agindo assim os interesses da coletividade seriam naturalmente satisfeitos‖.175
No passado, os seres humanos como sujeitos do direito, às vezes eram considerados como mercadorias, utilizadas para troca entre os indivíduos. Em correlato com a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, não se pode olvidar dessa hipótese, pois a justiça social e a solidariedade somente se concretizam com a realização das escolhas individuais e coletivas do indivíduo. Nessa linha, Pachukanis176 argumenta que ―a análise da forma do sujeito deriva diretamente da análise da forma da mercadoria‖. Xxxxxxxxxx ainda nos ensina que em uma sociedade capitalista as relações dos proprietários de mercadorias com os indivíduos são comparadas pelo valor:
Mas, se a mercadoria se manifesta como valor independentemente da vontade do sujeito que a produz, a realização do valor no processo de troca pressupõe um ato voluntário, consciente, por parte do possuidor da mercadoria (...) Dessa maneira, o vínculo social entre pessoas no processo de produção, reificado nos produtos do trabalho e que assume a forma de princípio elementar, requer para a sua realização uma relação particular entre as pessoas enquanto indivíduos que dispõem de produtos, como sujeitos
―cuja vontade reside nessas coisas‖ (...) Por isso, ao mesmo tempo que um produto do trabalho adquire propriedade de mercadoria e se torna portador de um valor, o homem adquire um valor de sujeito de direito e se torna portador de direitos.177
É no interior da relação jurídica que se realizam os atributos da pessoa ou sujeito de direito. A relação por meio da qual se trocam mercadorias funda-se do reconhecimento recíproco de vontades entre pessoas. Ao discorrer sobre a dureza nas relações privadas, corroborando com os atributos da pessoa humana, tais como a liberdade, igualdade e autonomia da vontade, Xxxx leciona que:
Liberdade, pois os compradores e vendedores de uma mercadoria, por exemplo, a força de trabalho, são movidos apenas por seu livre-arbítrio. Eles contratam como pessoas livres, dotadas dos mesmos direitos. O contrato é o resultado, em que suas vontades recebem uma expressão legal comum a ambas as partes. Igualdade, pois eles se relacionam um com o outro apenas
175 VASCONCELOS, Xxxxxx Xxxxxxx de. Empresa e ordem econômica: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2012, p.61. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/00x0x000000xx0000x0000x0x0000000.xxx. Acesso em: 17 set. 2018.
176 PACHUKANIS, E. B. Teoria geral do direito e marxismo. Tradução: Xxxxx Xxx xx Xxxxxxx. São Paulo: Boitempo, 2017, p.119.
177 Ibidem, p.120.
como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um dispõe apenas do que é seu.178
Nessa direção, em tempos modernos, deve se abandonar as ideias de que as pessoas são mercadorias, e que a troca seja justa, a inserção da pessoa com deficiência no âmbito laboral seja porque realmente dependa da sua capacidade laborativa e não somente para cumprir a legislação. Mostra-se o trabalho como uma das maneiras de se promover a dignidade da pessoa humana, regido pelo princípio da igualdade, constituído pela Carta Magna de 1988, e as pessoas com deficiência, inseridas nesse contexto social, encontram-se em dificuldades para a inclusão no mercado de trabalho. Nota-se que a positivação dos direitos e garantias é insuficiente para a realização da ética empresarial, isso porque ―a norma ética, por mais excelente que seja, não tem real vigor ou vigência [...], se não estiver viva na consciência dos homens, ou seja, se não corresponder a uma disposição individual e coletiva de viver eticamente‖.179
Xxxxxxx ensina que as efetivações dos direitos no sentido ético e social com objetivo de
―La proclamada eficácia da la economia moderna de mercado há tenido que compaginarse con su proprio sentido ético-social, de tal manera que sus exigências técnicas (sistémicas) puederian estar, en definitiva, al servicio del denominado ―mundo de la vida‖.180
Verifica-se que as atitudes justas e prudentes, ao longo dos anos, farão com que as empresas passem a agir de maneira sustentável e socialmente responsável, pois além de buscar o crescimento econômico, também agem com ações pautadas na moralidade, em observância às normas éticas.
Sobre a gestão baseada em valores morais, Nunes destaca:
Este tipo de gestor ‗moral‘, mantendo as preocupações quanto aos objetivos de ordem econômica, orienta a sua atuação, e as decisões empresariais subsequentes, segundo padrões éticos (e, obviamente, legais), como a equidade, a justiça e a não-discriminação. Pode afirmar-se, porém, que a principal questão para o administrador que tem preocupações desta natureza não é apenas detectar os empregados (incluindo quadros superiores) com comportamentos não-éticos. De facto, a supervisão do cumprimento de regras, ainda que necessária, não assegura uma conduta ética nos negócios. Então, a prioridade de todo o líder empresarial é concentrar-se não apenas naquilo que não deve ser feito, mas também, naquilo que é positivo para a empresa e para a sociedade. Isto é, uma postura ‗proactiva‘, no plano moral e
178 XXXX, Xxxx. O capital: crítica da economia política. Livro I. Tradução: Xxxxxx Xxxxxxx. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 251.
179 COMPARATO, Xxxxx Xxxxxx. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras. 0000, x. 000.
000 XXXXXXX, Xxxxx, Xxxxx de la Empresa. 7. ed. Madrid: Editorial Trotta. ISBN 84- 8164-013-1. 2005, p. 70.
econômico, influenciando ativamente o comportamento ético na empresa [...].181
A empresa alicerçada em princípios sociais deve se preocupar com a comunidade, qualidade de vida e de trabalho dos profissionais, com relações embasadas na moral182 e na ética183, trazendo a sensação de harmonia e consequentemente a satisfação dos clientes internos e externos. Passos leciona que uma empresa ética:
[…] é aquela que tem como base da sua missão o bem-estar do ser humano: quer seja seu cliente, seu empregado ou os membros da sociedade; também que ela deve contribuir para a transformação social em direção a uma sociedade mais inclusiva, honesta e democrática.184
De acordo com o artigo 3º da Carta Magna de 1988, a solidariedade social adentra no sistema jurídico como marca do Estado democrático de direito. Xxxxxxx ao comentar sobre o tema, explica que ―estimulando em cada indivíduo consciência perceptiva do ambiente social‖, que considera-se como ―um novo protótipo para o direito, no qual Estado e indivíduo assumem uma fusão, de caráter absolutamente democrático, visando incrementar direitos básicos destes, promoção de políticas de erradicação da pobreza e de redução das desigualdades‖185.
Xxxxxxxx, ao relacionar solidariedade e justiça, ensina que:
A justiça concebida deontologicamente exige, como sua outra face, a solidariedade. Não se trata, neste caso, de dois momentos que se complementam, mas de aspectos da mesma coisa. Toda moral autônoma tem que resolver, ao mesmo tempo, duas tarefas: ao reivindicar trato igual, e com ele um respeito equivalente pela dignidade de cada um, faz valer a inviolabilidade dos indivíduos na sociedade; e ao mesmo tempo em que exige a solidariedade por parte dos indivíduos, como membros de uma comunidade na qual são socializados, protege as relações intersubjetivas de reconhecimento recíproco. A justiça refere-se à igualdade da liberdade dos indivíduos que se determinam a si mesmos e que são insubstituíveis, enquanto a solidariedade refere-se ao bem, ou à felicidade dos companheiros irmanados em uma forma de vida intersubjetivamente compartilhada, e deste
181 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. A Ética Empresarial e os Fundos Socialmente Responsáveis. Porto: Vida Econômica. 2004, p. 72.
182 A palavra moral é de origem latina e vem de ―Xxxxxxx‖, que tem como significado tudo que é relativo aos costumes. Sendo uma construção social formada pelo conjunto dessas ações e comportamentos através do entendimento sobre quais são bons e quais são maus, visando criar normas que orientem as ações dos indivíduos pertencentes a um mesmo grupo (MENEZES, Xxxxx. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx-x- moral/. Acesso em 09 fev. 2021).
183 A palavra ética vem do grego ―Ethos‖, que significa jeito de ser, modo de ser e caráter, estudados os princípios fundamentais das ações e do comportamento humano (XXXXXXX, Xxxxx. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx-x-xxxxx/. Acesso em 09 fev. 2021).
184 XXXXXX, Xxxxxxx. Ética e responsabilidade social em empresas do varejo. Salvador: Atlas, 2005, p. 135.
185 XXXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Princípio da solidariedade: o paradigma ético do direito contemporâneo. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx. 2010, p. 109-151.
modo também à preservação da integridade dessa forma de vida. As normas não podem proteger um sem o outro, isto é, não podem proteger a igualdade de direitos e as liberdades dos indivíduos sem o bem do próximo e da comunidade a que eles pertencem.186
Os direitos fundamentais para a realização de uma vida digna e decente a todos, com oferta de oportunidade idêntica ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência, fazem com que o Estado se mobilize e apresenta instrumentos para a concretização de ações de solidariedade, garantindo seus direitos adquiridos por meio da Carta Magna e a Lei de Cotas.
De acordo com o dicionário Xxxxxxx a palavra ―solidariedade‖ significa:
1. Qualidade de solidário. 2. Laço ou vínculo recíproco de pessoas ou coisas independentes. 3. Adesão ou apoio a causa, empresa, princípio, etc, de outrem. 4. Sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade.
5. Relação de responsabilidade entre pessoas unidas por interesses comuns, de maneira que cada elemento do grupo se sinta na obrigação moral de apoiar o(s) outro(s). 6. Sentimento de quem é solidário. 7. Dependência recíproca. 8. Jur. Vínculo jurídico entre os credores (ou entre os devedores) duma mesma obrigação, cada um deles com direito (ou compromisso) ao total da dívida, de sorte que cada credor pode exigir (ou cada devedor é obrigado a pagar) integralmente a prestação objeto daquela obrigação.187
Em busca da satisfação social com inovação, Xxxxxxxxxxx explica que:
Na medida em que não há como tratar de inclusão social no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, sem adentrar ao tema ―políticas públicas‖, bem como buscar subsídios em disciplina diversa, como no Serviço Social, pois, no tocante a políticas públicas, muito embora esta se refira a programas de ações governamentais, é cediço que a participação de outros atores, como a sociedade civil e a empresa, tem um papel fundamental para o sucesso dessas ações, consolidando, assim, os escopos constitucionais da vigente ordem jurídica instituída com o advento da Constituição Federal de 1988. Já com relação à interdisciplinaridade do Direito com o Serviço Social tem sua importância na construção do conhecimento e na busca de inovação.188
Sobre a palavra ―solidariedade‖, Lôbo189 afirma que figura no meio jurídico na categoria ética e moral e possui significado de ―um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que impõe a cada pessoa deveres de cooperação,
186 XXXXXXXX, Xxxxxx. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid: Xxxxxx, 0000, p. 75-76.
187 XXXXXXXX, Xxxxxxx X. xx Xxxxxxx. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1999. p. 1879.
188 VASCONCELOS, Xxxxxx Xxxxxxx de. Empresa e ordem econômica: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2012, p.72. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/00x0x000000xx0000x0000x0x0000000.xxx. Acesso em: 17 set. 2018.
189 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 81.
assistência, xxxxxx, ajuda e cuidado em relação às outras‖. Essa solidariedade aumenta sua importância na ―medida em que permite a tomada de consciência da interdependência social‖. Salienta-se que a promoção da dignidade da pessoa humana, como antes demonstrado,
é um dos objetivos do Estado brasileiro, mas consoante a busca incessante pelo lucro, o aumento da competitividade mediante tecnologias de ponta pelas empresas dificulta a consciência social e medidas devem serem tomadas pelo Estado, intervindo e estimulando os sentimentos fraternos e solidários da comunidade empresarial.
Por conseguinte, Leal190 afirma que os direitos fundamentais não são somente responsabilidade do Estado, mas sim, que há uma ―reconformação‖ dos compromissos constitucionais, sendo que os direitos fundamentais devem ser compartilhados com finalidade de ―construção de uma sociedade efetivamente justa, solidária, fraterna e desenvolvida econômica e socialmente‖.
Todavia, a partir da introdução nas empresas de ações voltadas para uma gestão com foco na sustentabilidade, além dos elementos básicos para a configuração de justiça social através de ações de inclusão do PCD no âmbito laboral, surge um olhar diferenciado até antes não visto, sobre temas não muitos comuns no contexto empresarial até o momento, como: meio ambiente, inclusão social, abordagem econômica, desenvolvimento sustentável, crescimento verde, etc. A expressão ―governança corporativa‖ começou a ser utilizada no Brasil nos anos de 1990, sendo que, ―em 1995, foi fundada a organização pioneira no tema de governança, atualmente conhecida como IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), nome diferente da sua fundação em 1995, denominada à época Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração‖.191
Sustenta-se que o tema sobre governança em empresas privadas, ou governança corporativa, já é debatido, estudado e aplicado há vários anos, buscando garantir que empresas alcancem seus objetivos atuais e ao longo prazo. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa apresenta que:
Governança Corporativa são as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria
190 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Condições e possibilidades eficaciais dos direitos fundamentais sociais: os desafios do poder judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2009, p. 76.
191 XXXXXXX, Xxxx. A governança corporativa no Brasil. 2019, p. 1. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xx-xxxxxx. Acesso em: 5 out. 2020.
Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital.192
Segundo a Organização e Cooperação para o Desenvolvimento Econômico193, ao tratar sobre o assunto, a governança corporativa ―é objetivada a estimular as partes interessadas a empreender ótimos níveis econômicos de investimento, tanto de capital físico como também do humano‖.
Nessa direção, o Decreto nº 9.203194, de 22 de novembro de 2017, trata a governança pública como um ―conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade‖.
Ao avaliar sobre o tema, o Tribunal de Contas da União ressalta que:
A ideia de concretizar uma política de governança surgiu da percepção de que era necessária uma condução integrada e coerente das diversas iniciativas setoriais isoladas de aprimoramento da governança. Para dar sustentação e unidade à política, foram utilizadas recomendações da literatura especializada e de organizações internacionais, notadamente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que sintetizam as melhores práticas de governança. Tudo isso levando em consideração as principais fragilidades dos modelos de governança adotados no âmbito da administração pública federal.195
Nesse sentido, Oliveira196 expões que governança pode ser interpretada como o
―conjunto de regras, normas e práticas, sejam formais ou informais, que visam garantir que a entidade alcance de forma adequada os princípios fundamentais‖. Dentre seus princípios podemos destacar: ―transparência, prestação de contas (accountability), equidade, responsabilidade, entre outros, em sua relação com suas partes interessadas, ou stakeholders‖197. Nota-se que a visão da governança deve consolidar práticas e ações que
192 IBGC. Código das melhores práticas de governança coorporativa. 4ª Ed. 2009, p. 13. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxx.xx/Xxxxxxx/Xxxxxxxxxx.xxxx?XxxXxx00000. Acesso em: 5 out. 2020.
193 OECD - ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. G20/ OECD Principles of corporate governance. Paris: OECD, 2015, p. 1. Disponível em: xxxx://xxx.xxxx- xxxxxxxx.xxx/. Acesso em: 5 out. 2020.
194 BRASIL. Decreto nº 9.203 de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000-0000/0000/xxxxxxx/X0000.xxx. Acesso em: 5 out. 2020.
195 TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Entendendo a governança – Alinhamento Conceitual. 2014. Disponível em: xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx/. Acesso em: 5 out. 2020.
196 XXXXXXXX, Xxxxxx X. Governança do comitê paralímpico brasileiro após 18 anos da promulgação da lei xxxxxx xxxx. Fundação Xxxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro, FGV EBAPE, v. 1. 2019, p. 19. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00000/00000/XXXXX%00XXX%00-%00Xxx ael%20Conrado%20de%20Oliveira%20-%20Rio%20de%20Janeiro%202019.pdf. Acesso em: 5 out. 2020.
197 Xxxxxx, x.00.
possam auxiliar a empresa a alcançar suas metas com bons resultados e a ter a continuidade desejada.
Ao discorrer sobre o tema, Xxxxxx explica que a governança se refere a:
Padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico. [...] Não apenas os mecanismos tradicionais de agregação e articulação de interesses, tais como os partidos políticos e grupos de pressão, como também redes sociais informais (de fornecedores, famílias, gerentes), hierarquias e associações de diversos tipos.198
Ao tratar sobre governo nas governanças, Xxxxxxxxx nos ensina que:
Governança sem governo é governança sem poder, e governo sem poder raramente funciona. Muitos dos problemas internacionais e domésticos urgentes resultam do poder insuficiente dos Estados para estabelecer a ordem, realizar a infraestrutura, e prover serviços sociais mínimos. Atores privados podem assumir algum papel, mas não há substituto para o Estado.199
Nessa linha, pode-se ajuizar que a governança exerce o papel muito importante de uma
―ferramenta de processo e meio para produção de resultados mais eficazes, demonstrando a relação do governo com outros agentes para a entrega de serviços que muitas vezes o Estado não consegue entregar‖.200 Dessa maneira, o conceito mais abrangente sobre a governança, segundo a Comissão sobre Governança Global seria:
No plano global, a governança foi vista primeiramente como um conjunto de relações intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo organizações não governamentais (ONGs), movimentos civis, empresas multinacionais e mercados de capitais globais. Com estes interagem os meios de comunicação de massa, que exercem hoje enorme influência.201
Nessa senda, a participação da empresa é de suma importância na concretização das políticas do Estado voltadas para as pessoas com deficiência, sendo ela responsável pela contratação, desenvolvimento e manutenção desses profissionais, estabelecendo objetivos controlados com uma governança sustentável e consequentemente levando à promoção e ao
198 XXXXXX, Xxxxx X. X. Governabilidade, Governança e Democracia: Criação da Capacidade Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, volume 40, nº 3. 1997, p. 342.
199 XXXXXXXXX, Xxxx-Xxxxx. ―The Real New World Order‖. In: Foreign Affairs, 76, 5, September/October. 1997, p. 195.
200 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global. O Relatório da Comissão sobre Governança Global. Rio de Janeiro: Editora FGV. 1996 p. 2.
201 Ibidem, p. 2.
exercício da dignidade humana e igualdade social a todos os profissionais elencados na organização.
Sob esse enfoque postam-se, a seguir, ações nacionais tendentes a proporcionar a inclusão social das pessoas com deficiência, mais especificamente no âmbito laboral, foco deste trabalho.
2.3 POLÍTICA NACIONAL PARA A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Antes de aprofundar-se no tema políticas públicas, delimita-se o conceito de integração e inclusão social das pessoas com deficiência, pois em sua maioria, diversos autores utilizam os termos como sinônimos, sendo que não o são. Nota-se que a ideia de integração está direcionada com o ―modelo médico da deficiência‖, segundo o qual a pessoa com deficiência era concebida ―como doente‖ e precisava de ―tratamento especial para ser curada, tratada ou reabilitada para após ser inserida na sociedade‖, em outras palavras, ―a pessoa com deficiência precisava se adequar à sociedade‖. Xxxxxxx apresenta que:
A integração tinha e tem o mérito de inserir a pessoa com deficiência na sociedade, sim, mas desde que ela esteja de alguma forma capacitada a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus aliados (a família, a instituição especializada e algumas pessoas da comunidade que abracem a causa da inserção social), sendo que estes tentam torná-la mais aceitável no seio da sociedade. Isto reflete o ainda vigente modelo médico da deficiência.202
Externa-se que o tema, políticas públicas, fundamentado no artigo 3º da Carta Magna de 1988, no qual preceitua a objetivação do Estado na implementação de uma sociedade livre, justa e solidária e que suas ações positivem serviços a sociedade de maneira sustentável, corroborando com a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e possibilitando-as dignidade da pessoa humana.
Xxxx, sobre o papel do Estado, preceitua que:
Neste contexto, o serviço público assume um aspecto instrumental, no sentido que se presta como meio hábil à realização dos fins da comunidade, demarcados pelos objetivos, finalidades, valores e princípios da Carta
202 SASSAKI, Xxxxx Xxxxxx. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8. Ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010, p. 33.
Política e mesmo de todo o sistema normativo, vinculando tanto Estado, Mercado como Sociedade a tais misteres.203
Assevera-se que, conforme a Carta Magna de 1988, o Estado é o principal responsável pelas ações públicas, sendo primordial o apoio à realização dessas obras, à empresa e a toda a sociedade, garantindo direitos e satisfação às pessoas com deficiência, para quem em muitos casos, uma simples calçada defronte a um comércio com sinalização horizontal facilita a locomoção, como no caso de uma pessoa com cegueira parcial ou total.
Antes de adentrar ao tema inclusão das pessoas com deficiência, cabe apresentar que a Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989204 instituiu normas sobre os direitos da pessoa com deficiência, criando a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, com a finalidade de tutelar os interesses dessa classe de pessoas, assegurando direitos individuais e sociais e promovendo ―programas especiais de desenvolvimento, prevenção de acidentes, atendimento domiciliar‖, entre outros, visto que são direitos básicos a todos os cidadãos.
Ao comentar sobre a segregação das pessoas com deficiência, tratamento dado às pessoas com deficiência grave ou severa, inseridos na Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989, Xxxxxxx expõe que esses conceitos são equivocados e possuem entendimentos ultrapassados, pois essas pessoas poderão ser competitivas, dependendo de cada caso a avaliar. Expressa Sassaki:
Já superamos a fase em que nós, especialistas em reabilitação profissional, acreditávamos que somente as pessoas com deficiência ‗leve‘ ou ‗moderada‘ poderiam entrar no mercado de trabalho competitivo e encaminhávamos as pessoas com deficiência ‗grave‘ ou ‗severa‘ para trabalhos ‗alternativos‘, tanto na forma de cooperativas sociais como na de oficinas protegidas de trabalho. Esta fase teve seu ápice nas décadas de 60 e 70. É, pois, decepcionante ver que um decreto assinado em 1999 ainda traga um entendimento descartado já na década de 80, quando novas práticas e novas descobertas foram encorajadas pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes, comemorado em 1981 sob a liderança da Organização das Nações Unidas (ONU). Nos últimos 20 anos, foram desenvolvidas experiências e tecnologias suficientes para colocarmos pessoas com deficiência ‗leve, moderada, grave ou severa‘ no mercado de trabalho competitivo. Mas, é também verdade que ainda existem pessoas com
203 XXXX, Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficaciais dos direitos fundamentais sociais: os desafios do poder judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2009, p. 271.
204 BRASIL. Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx. Acesso em: 17 set. 2020.
deficiência que não conseguem trabalhos competitivos, independentemente de a deficiência ser ‗leve, moderada, grave ou severa‘.205
Todavia, a visão assistencialista mantida no regramento em análise prejudica a inserção das pessoas com deficiência no meio laboral, portanto, não se considerou o avanço tecnológico e científico, apenas generalizou-se as pessoas com deficiência, não valorizando a diversidade e a dignidade dessas pessoas. O decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999206, que regulamenta a Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989, seguiu a mesma linha, não apresentando resultados positivos quanto a sua finalidade, mantendo a função assistencialista às pessoas com deficiência.
Em contrapartida, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, instituído pela Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990207, em seu artigo 66, menciona sobre a obrigação da sociedade (Estado e Cidadãos) com a finalidade de proteger o trabalho do adolescente deficiente, de forma assertiva, uma vez que, ―duplas são as peculiaridades do adolescente portador de deficiência‖, as quais incutem necessidade mais acentuada de proteção, ―para que se lhe possibilite a integração adequada na sociedade, afastando-o da política de caridade meramente assistencial, que o impelirá inexoravelmente à marginalidade‖.208
Todavia, novos conceitos foram exigidos, reinventando práticas para os atendimentos e, principalmente, assegurando o pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes na sociedade brasileira. O referido estatuto (ECA) estabelece os direitos e deveres desses cidadãos, tendo sido fundamentado com base no artigo 227 da Carta Magna de 1988, que apresenta:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.209
205 SASSAKI, Xxxxx Xxxxxx. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010, p. 20-23.
206 BRASIL. Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: http: /xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/ decreto/D3298.htm. Acesso em 25 jan. 2019.
207 BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http: //xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx. Acesso em: 13 ago. 2020.
208 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. 2006, p. 271. Disponível em: xxxx://xxxxxx.x0xx.xxxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxx/0000/0000/0/XXXX_XXXXXX_X_XXXXXXXX.XXX. Acesso em: 25 jan. 2019.
209 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
Nessa linha, tomando como exemplo a história da educação inclusiva no Brasil foi
―marcada por uma combinação de práticas assistencialistas e educacionais, em que parcela da população se viu relegada a atitudes isoladas, ofertas de serviços prestados por instituições públicas, privadas e filantrópicas‖.210
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, a educação é reconhecida como um direito de todos e, como um dos princípios para o ensino, passa a garantir o acesso das pessoas com deficiência ao atendimento educacional especializado. Na mesma década, mais precisamente no ano de 1994, foi realizada a Conferência Mundial de Educação Especial em Salamanca, dois anos depois foi promulgada a Declaração de Salamanca, ―que aborda princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, um marco internacional na luta pela garantia dos direitos das pessoas com deficiência‖.211
Sustenta-se que a declaração influencia e afirma o compromisso da educação para todos, ―reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino‖.212
Vale ressaltar que a Declaração de Salamanca é demarcada por ser uma luta pela garantia dos direitos do PCD. A Declaração de Salamanca aborda os princípios e práticas nas áreas das necessidades de cada aluno, influenciando a Política Pública de Educação Inclusiva e afirmando o compromisso da educação para todos. Ela se tornou um marco de suma importância na luta em defesa das escolas inclusivas tendo, como norteador, o direito à educação, que também está lavrado na Constituição Federal de 1988 e reitera que as crianças e adolescentes que fazem parte do público demandante do AEE (Atendimento Educacional Especializado) devem ter acesso às escolas de ensino regular, integrando uma metodologia voltada para essas pessoas, capaz de atender às suas necessidades, respeitando suas limitações e potencialidades e contribuindo para um futuro melhor, com o mínimo de qualidade de vida e positivando o acesso ao profissionalismo.
O ano de 2008 foi marcado pelo lançamento da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva após um crescimento significativo nas matrículas da educação especial nas classes comuns do ensino regular no Brasil.
210 LIMA, M. T.; XXXXX, A. K. S. A Educação Inclusiva como Objeto de Intervenção do Assistente Social. Revista INCLUDERE / CAADIS. V. 3. 2017, p. 185. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxx/xxxxx/xxxx/000. Acesso em: 5 out. 2020.
211 LIMA, M. T.; XXXXX, A. K. S. A Educação Inclusiva como Objeto de Intervenção do Assistente Social. Revista INCLUDERE / CAADIS. V. 3. 2017, p. 186. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxx/xxxxx/xxxx/000. Acesso em: 5 out. 2020.
212 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Salamanca – Espanha. 1994, p. 1.
Essa política é respaldada pela resolução que dispõe sobre o AEE, tendo sido implementada pelo Ministério da Educação, que inclui programas de implementação de salas de recursos multifuncionais, adequação de prédios escolares para acessibilidade, além da implementação do Programa Educação Inclusa: Direito à Diversidade.213
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação Inclusiva não reformula as práticas educacionais ―de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum, mas mantendo a responsabilidade da educação desses alunos exclusivamente no âmbito da educação especial‖.214
Nessa toante, a Resolução nº 4, de 02 de outubro de 2009, emitida pelo Ministério da Educação estabelece as diretrizes operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica, considerada uma modalidade de Educação Especial. O AEE, no seu artigo 1º, salienta que ―as crianças e adolescentes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, devem ser matriculados nas classes comuns de ensino regular, e o AEE deve ofertar salas de recursos multifuncionais‖.215 A função do AEE é ―complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem‖.216
Após breve apresentação de políticas inclusivas na educação, passa-se a salientar sobre outro ponto que merece muita atenção, sendo as políticas públicas de integração entre casa e trabalho às pessoas com deficiência, dentre as quais citam-se: transporte, comunicação, sinalização coerente e dentro das organizações, deverá haver condições igualitárias para o desenvolvimento das atividades laborais, trazendo o tema direito à acessibilidade no contexto da inclusão social no âmbito laboral, e que as políticas públicas tenham resultados eficazes.
213 MEC/SECADI. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2014, p. 03. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxx.xxx?xxxxxxxxxx_xxxxxx&xxxxxxxxxxxxx&xxxxxx
16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-5122014&Itemid=30192. Acesso em: 5 out. 2020.
214 MEC/SECADI. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2014, p. 03. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxx.xxx?xxxxxxxxxx_xxxxxx&xxxxxxxxxxxxx&xxxxxx
16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-5122014&Itemid=30192. Acesso em: 5 out. 2020.
215 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. 2009. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxx000_00.xxx. Acesso em: 5 out. 2020.
216 Ibidem.
O programa nacional de acessibilidade foi instituído pela Lei nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000217, garantindo o cumprimento aos termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 ―de que todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção‖. A Carta Magna de 1988 também foi aproveitada, ―como se verifica no artigo 227, parágrafo primeiro, inciso II; parágrafo segundo e artigo 244 que tratam do acesso a bens e serviços; com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos‖, sendo mister salientar ―a necessidade de criação de lei para o fim de normatizar sobre a construção de logradouros, edifícios e meios de transporte que proporcionem o acesso adequado às pessoas com deficiência‖.218
A regulamentação da Lei nº 10.098 de 19, de dezembro de 2000, foi regido pelo decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004219, estabelecendo a promoção de acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, como construção, reforma e ampliação de edificações públicas e de uso coletivo, atendendo às regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
As garantias elencadas no regramento jurídico brasileiro sobre o direito a acessibilidade, na teoria, são autossuficientes, mas na prática, precisam melhorar muito para que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito de ir e vir, tenham direito ao trabalho digno e medidas de acessibilidade arquitetônica precisam serem implantadas, tanto pelo Estado como também pela sociedade privada.
Nessa direção, Xxxxxxxxxxx relata que:
Muitas empresas atentam para a necessidade de adaptações específicas de acessibilidade, mas considerando que a maioria das pessoas, entre elas, aquelas com deficiência, não moram nos grandes centros, é correto afirmar que a acessibilidade ainda está distante de sua plena concretização, muito embora haja previsão expressa na Constituição Federal em seu artigo 182, no sentido de que a política de desenvolvimento urbano tem por escopo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, com garantia do bem estar da população, além da função social da propriedade; há ainda a necessidade
217 BRASIL. Lei nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X00000.xxx. Acesso em: 17 dez. 2018. 218 VASCONCELOS, Xxxxxx Xxxxxxx de. Empresa e ordem econômica: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2012, p.84. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/00x0x000000xx0000x0000x0x0000000.xxx. Acesso em: 17 set. 2018.
219 BRASIL. Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_Xxx0000-0000/0000/Xxxxxxx/X0000.xxx. Acesso em: 17 dez. 2018.
de se voltar para a concretude do direito ao acesso facilitado para as pessoas com deficiência.220
Todavia, a eficácia das garantias constitucionais sobre o tema não é somente do Estado, cabendo observar que a sociedade privada também é corresponsável, e que os direitos fundamentais elencados na Carta Magna de 1988, tais como a locomoção, acesso ao trabalho, o respeito, oportunidades idênticas fazem com que a pessoa com deficiência possa viver harmoniosamente e com dignidade humana.
2.4 ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, LEI DE COTAS E SUAS RELAÇÕES COM O CONTRATO DE TRABALHO
Em 06 de julho de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.146221, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, denominado Estatuto da Pessoa com Deficiência. Publicada em 07 de julho, com a vacatio legis de 180 dias, a lei entrou em vigor no dia 04 de janeiro de 2016, sendo um marco na história contemporânea brasileira, mas com algumas ressalvas, pois na prática ainda se precisa que o Estado fiscalize mais e conceda mais incentivos à contratação das pessoas com deficiência e por outro lado, as empresas precisam cumprir suas obrigações legais.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi instituído para regulamentar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), garantindo que tais pessoas gozem de capacidade legal em igualdade de condições laborais com as demais pessoas, proporcionando uma vida digna e preservando a justiça social.
A Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015, ao buscar garantir os direitos e liberdades fundamentais à pessoa com deficiência, tem por natureza, sobretudo, a inclusão social dessas pessoas na sociedade. 222
220 VASCONCELOS, Xxxxxx Xxxxxxx de. Empresa e ordem econômica: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2012, p.85. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/00x0x000000xx0000x0000x0x0000000.xxx. Acesso em: 17 set. 2018.
221 BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2001. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000-0000/0000/xxx/x00000.xxx. Acesso em: 10 ago. 2020.
222 Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Trata-se de um conjunto de leis que garantem benefícios e medidas para maior igualdade e de inclusão na sociedade da pessoa com deficiência. Já segundo o disposto no artigo 2º da Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015, sobre a pessoa com deficiência aquela que possui algum tipo de limitações ou impedimento para realizar determinada tarefa ou deslocamento. 223
Segundo Xxxxxx e Rosenvald224, direito à inclusão social das pessoas com deficiência é um dos principais objetivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência, sendo inaugurado no ordenamento jurídico brasileiro um microssistema que projeta seus efeitos para os diversos campos do Direito, estimulando o debate entre os diversos ramos do conhecimento, como o Direito do Trabalho, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Previdenciário, Direito Eleitoral, entre outros.
Após breve exposição do Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Lei de Cotas, passa- se a enunciar a definição do contrato individual de trabalho, que se encontra na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT225, em seu artigo 442: ―é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego‖. Após a celebração do contrato de trabalho, passa-se a ter um vínculo empregatício, ou seja, a relação entre ambas as partes, definida por meio de um contrato de trabalho, com a especificação de: tipo de contrato (experiência, determinado ou indeterminado) data de início da prestação de serviço, forma (presencial, tele trabalho, home office), cargo, função, salário, turno, tipo (mensalista, horista, comissionado intermitente) entre outros aspectos relevantes que possam garantir os direitos e deveres de ambas as partes.
Nessa direção, há várias formas de contrato de trabalho que podem inserir no meio laboral a pessoa com deficiência, garantindo o direito da igualdade, como leciona Kelsen:
A igualdade dos direitos na ordenação jurídica garantida pela Constituição, não significa que estes devem ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria um absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo,
223 Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2001. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000-0000/0000/xxx/x00000.xxx. Acesso em: 10 ago. 2020.
224 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: parte geral e LINDB, volume
1. 14 ed. rev., ampl. e atual. Xxxxxxxx: JusPodivm, 2016, p. 334.
225 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.226
Nessa linha, foi instituída a Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991227, popularmente conhecida como Lei das Cotas de Deficientes, visando garantir os direitos conforme regrado na Carta Magna de 1988 de mais de 23% da população de pessoas com deficiência do Brasil228.
Conforme a Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991229, as empresas que possuem 100 ou mais profissionais devem reservar vagas a pessoas com deficiência numa faixa que varia de
―2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas‖ conforme consta no artigo 93.
A partir da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991, estima-se que houve um aumento na participação de pessoas com deficiências no mercado de trabalho, contudo, essa participação ainda é pequena. Vale ressaltar ainda que, na busca pela diminuição dos tratamentos discriminatórios às pessoas com deficiência no meio laboral, a Carta Magna de 1988230, no artigo 7º, inciso XXXI, garante a proibição de desigualdade salarial quanto ao trabalhador portador de deficiência, ―XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência‖.
Para garantir que as empresas cumpram o enunciado da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991, o Estado percebe a necessidade de normatizar as penalidades; e em 2003, o Estado instituiu a portaria nº 1.199 de 28 de outubro de 2003231 do Ministério do Trabalho, em
226 XXXXXX, Xxxx. Teoria pura do direito. Tradução: Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 99.
227 BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000xxxx.xxx. Acesso em: 17 ago. 2020.
228 Censo Demográfico. IBGE. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx/00/ cd_2010_religiao_deficiencia.pdf. Acesso em: 17 fev. 2018.
229 Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados 2%;
II - de 201 a 500 3%;
III - de 501 a 1.000 4 %;
IV - de 1.001 em diante. 5%.
§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.
230 BRASIL. Constituição Federal 1988, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
231 BRASIL. Portaria nº 1.199, de 28 de outubro de 2003. Aprova normas para a imposição da multa administrativa variável prevista no art. 133 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, pela infração ao art. 93 da
tempos atuais Ministério da Economia, que define o percentual das multas pelo descumprimento das cotas destinadas às pessoas com deficiência pelas empresas, conforme seu artigo 2º232, que delimita as penalidades de acordo com a quantidade de profissionais que deixaram de ser contratados pelas empresas.
Com a reforma trabalhista de 2017, não foi alterada a sistemática das cotas para as empresas sobre a contratação das pessoas com deficiência. Mister salientar que o relator da reforma, Xxxxxxx Xxxxxxx, deputado federal pelo PSDB/RN, alterou alguns pontos do projeto original após se reunir com os deputados Xxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx do PSDB em Brasília. A deputada Xxxx Xxxxxxxx afirmou que existia uma forte pressão de muitos setores empresariais para que essa lei fosse flexibilizada, garantindo que:
Muitos empregadores alegam que não conseguem cumprir a cota. Mas se a empresa adotar uma postura inclusiva, mudando a mentalidade de seus gestores, não encontra dificuldades no cumprimento da Lei. Hoje, em todos os setores, temos exemplos de empresas que não só cumprem, como ultrapassam o mínimo necessário de funcionários com deficiência.233
Vale ressaltar que, mesmo que de maneira subjetiva, pode-se concluir que não basta ter uma normatização de ponta, pois é necessário que haja um comprometimento do Estado e da sociedade. Pauta-se de vontade política e engajamento da sociedade sobre o tema, não apenas fiscalizando e aplicando penalidades às empresas, para que se possam conseguir resultados eficazes. Nessa direção, Xxxxx afirma que:
mesma Lei, que determina às empresas o preenchimento de cargos com pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx-x-0-000-xx-00-00- 2003.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
232 Art. 2. A multa por infração ao disposto no art. 93 da Lei nº 8.213, de julho de 1991, será calculada na seguinte proporção:
I – para empresas com cem a duzentos empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência habilitados ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de zero a vinte por cento;
II – para empresas com duzentos e um a quinhentos empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência habilitados ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de vinte a trinta por cento;
III – para empresas com quinhentos e um a mil empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência habilitados ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de trinta a quarenta por cento;
IV – para empresas com mais de mil empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência habilitados ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de quarenta a cinquenta por cento.
§ 1° O valor mínimo legal a que se referem os incisos I a IV deste artigo é o previsto no artigo 133, da Lei nº 8.213/91.
§ 2° O valor resultante da aplicação dos parâmetros previstos neste artigo não poderá ultrapassar o máximo estabelecido no artigo 133 da Lei nº 8.213, de 1991.
233 XXXXXXXX, Xxxx. 2017. Lei de cotas não será alterada com a reforma trabalhista. Deputada Federal Mara Gabrilli. Disponível em: https//xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx-xxx-xxxxxxxxxxxxx-xxx-xxxxxxxxxxx/. Acesso em: 20 fev. 2018.
Toda e qualquer ação afirmativa deve ter como fim o seu próprio esgotamento em decorrência do avanço social. No entanto, para o presente assunto isto está longe de ocorrer e ficará postergado quanto mais atrasado for o efetivo debate e interação social sobre a questão. [...] As grandes empresas tem condições de se adequar para o recebimento do deficiente, bem como são capazes de montar centros de capacitação para profissionais com deficiência, visando superar os gargalos de mercado. Igualmente o poder público tem condições e deve fomentar a alocação dos deficientes na área pública e privada, inclusive com oferecimento de subsídios e financiamentos com juros módicos à iniciativa privada que queira se adaptar e capacitar mão de obra.234
Corroborando com as ações afirmativa que possibilitem o avanço de políticas inclusivas que possibilitem o desenvolvimento das pessoas com deficiência e garantindo seus direitos fundamentais, o antigo Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil definiu da seguinte forma a ação afirmativa:
As ações afirmativas são medidas que visam à implantação de providências obrigatórias ou facultativas, oriundas de órgãos públicos ou privados, cuja finalidade é promover a inclusão de grupos notoriamente discriminados, possibilitando-lhes o acesso aos espaços sociais e a fruição de direitos fundamentais, com vistas à realização da efetiva igualdade constitucional. Podem, portanto, decorrer da lei que institua cotas ou que promova incentivos fiscais, descontos de tarifas [representando] um corte de observação da realidade que incide na maioria desvalida, mas [que] observa as peculiaridades das minorias que a compõem, tendo em vista a insuficiência das ações genéricas em si mesmas.235
Sustenta-se que conforme a legislação vigente, visando as garantias igualitárias de direitos à pessoa com deficiência, nota-se que há um tom de assistencialismo segregado. Montal elucida que embora o Brasil possui uma ―legislação primorosa, considerada uma das melhores e mais completas de todo o mundo no que concerne à inclusão social da pessoa com deficiência, a nossa realidade está longe de ser um reflexo da normativa constitucional e legal‖. Percebe-se que é imprescindível houver uma conscientização de todos para que ―sejam expungidos a discriminação e o preconceito arraigados em nossa sociedade, para conviver, aceitar e respeitar as diferenças‖. Toda a população, deveria ter a primazia de compreender que todos somos seres humanos com sentimentos, anseios, angústias, limitações e com os mesmos direitos.236
234 XXXXX, Xxxx X. X. Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI, CF). Xxx.xxx.xx. 2014. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000/xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxx-x-xxxxxxx-x-xxxxxxxxx-xx- admissao-do-trabalhador-portador-de-deficiencia-art-7-xxxi- f#:~:text=O%20inciso%20XXXI%20do%20artigo, do%20trabalhador%20portador%20de%20defici%C3%AAncia. Acesso em: 14 ago. 2020.
235 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Brasília: MTE/SIT/DEFIT. 2007, p. 15.
000 XXXXXX, Xxxxx M. Xxxxxxx. O trabalho como direito humano da pessoa com deficiência. Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas. 2010, p. 167-168.
Segundo Sassaki237, define-se que, sobre as políticas implementadas pelo o Estado por meio de normatizações como mecanismo de acesso ao trabalho em conjunto com a iniciativa privada, constata-se que ―é um sistema mal sucedido‖, sendo que ―alguns países a revogaram, optando por legislações antidiscriminatórias‖ que se encontram positivadas na ―tutela da igualdade de oportunidades e acessibilidade, como registrado na Conferência Internacional sobre Vida Independente, realizada em Washington, DC (Distrito de Colúmbia), em 1999‖. Xxxxxxx ainda destaca:
O sistema de cotas tem sido há muito tempo um elemento das políticas de emprego em certos países da Europa, Ásia e, em menor grau, da África, variando desde aquele que requer apenas uma pequena porcentagem de funcionários de governo (por exemplo, 2%) até sistemas sofisticados que cobrem forças de trabalho públicas e particulares e exigem vários níveis de multa em caso de descumprimento. Embora eles variem bastante quanto ao cumprimento, monitoramento e cobertura, nenhum sistema de cotas é considerado bem-sucedido em atingir o seu objetivo original: aumentar os níveis de contratação de pessoas com deficiência. Foi observado com ironia que, em alguns países, o fluxo de dinheiro do sistema de cotas poderia ser rastreado a partir das multas pelo descumprimento, pagas por empresas particulares, dinheiro esse que então percorre o sistema e termina chegando às portas das oficinas protegidas de trabalho: o mercado aberto subsidiando a força de trabalho segregado e mal remunerado. Ficou claro, após os debates, que nenhum país estava pretendendo adotar o sistema de cotas e que, ao mesmo tempo, alguns países que já adotavam este sistema estão agora elaborando uma legislação [antidiscriminatória] baseada em direitos para enfrentar a questão do emprego e das medidas de acessibilidade.238
Entende-se esse regramento com reservas de vagas no mercado de trabalho como não sendo um mecanismo legal suficiente para a consumação dos direitos das pessoas com deficiência, porque há em contrapartida outros problemas como a discriminação, acessibilidade, programas de desenvolvimento profissional igualitário, acessibilidade, entre outros meios. ―Tanto é verdade que muitos países que adotaram o sistema de cotas, o revogaram ante a sua ineficácia, como ocorreu com os Estados Unidos (em 1990), Canadá (em 1994), Xxx-Xxxxxxxx (xx 0000), Xxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxxx, Xxxxxx, Xxxxxxxxx, Xxxxxxxxx e Portugal‖.239
Muitas empresas encontram dificuldades nas adaptações para receber de forma digna os profissionais ―PCD‖, pois numa visão geral, ao instituir as normatizações, o Estado não se aparelhou, possibilitando um descontentamento por parte das empresas, sendo a iniciativa
237 SASSAKI, Xxxxx Xxxxxx. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010, p. 84.
238 SASSAKI, Xxxxx Xxxxxx. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010, p.87-88.
239 Ibidem, p. 88.