SENTENÇA Nº 528 /2022
Processo nº 1209 / 2022
TÓPICOS
Serviço: Veículos automóveis novos
Tipo de problema: Outras questões relacionadas com contratos e vendas
Direito aplicável: artigos 798º e ss., em conjugação com os artigos 562º e ss, todos do C.C; artigo 799º e n.o 1 do artigo 344º C.C; artigo 342º, n.º 1 do C.C
Pedido do Consumidor: Reembolso da quantia em falta referente ao Acerto de Quilometragem, no valor de 1.584,36€.
SENTENÇA Nº 528 /2022
Requerente:
Requerida:
SUMÁRIO:
I – Como é sabido, e vem legalmente plasmado nos artigos 798o e ss., em conjugação com os artigos 562o e ss, todos do C.C., constituem pressupostos da responsabilidade civil contratual o facto ilícito/ incumprimento da obrigação contratual, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a par da culpa.
II – À exceção do que sucede na mencionada presunção de culpa do devedor – artigo 799o e n.o 1 do artigo 344o C.C. –, nos restantes pressupostos, tal prova, de acordo com os princípios da repartição do ónus da prova, cabem à Requerente/ Consumidor, nos termos do artigo 342o, n.o 1 do C.C.
1. Relatório
1.1. O Requerente pretendendo condenação da Requerida no pagamento de
€1.584,36 (mil quinhentos e oitenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) vem em suma alegar na sua reclamação inicial que em Dezembro de 2016 celebrou um contrato e aluguer operacional de veículo para um veículo ligeiro de passageiros com a Requerida, com inicio a 16 de Dezembro estando prevista uma duração máxima de 60 meses, 75.000 Km ou perda total por acidente, com a data limite de restituição do veículo fiada em 15 de Dezembro de 2021, data em que procedeu à restituição do veículo com pouco menos de 30.000 Km, o que implica, atenta a quilometragem máxima contratualizada um acerto a restituir no valor ora reclamado, baseando-se para tal no contratualizado pelas partes na sua cláusula 13
1.2. Citada, a Requerida contestou, impugnando os factos constantes da reclamação inicial, mais alegando que apesar de ambas as partes partirem da mesma base factual, a verdade é que, e ao contrário do alegado pelo Reclamante, o cálculo do valor de desvio de quilómetros por defeito a ser devolvido ao locatário tem de ter por base o número de quilómetros não percorridos ou seja, computando-se a este título como base de cálculo o valor de
€0,04580 e não o valor de €0,0916, perfazendo o valor já restituído de €1.584,39
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A audiência de Arbitragem realizou-se na presença de ambas as partes, nos termos do disposto na primeira parte do n.o 3 do artigo 35o da L.A.V., com a redação que lhe veio a ser conferida pela Lei n.o 63/2011 de 14/12.
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Fixa-se como valor da causa: €1.584,36 (mil quinhentos e oitenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos)
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2. Objeto de Litígio
A presente querela, qualificando-se, perante o exposto pedido, por um lado como uma ação declarativa de condenação, delimitando-se como questões, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) e c) do n.o 3 do artigo 10o do
C.P.C. em conjugação com o n.o 1 do artigo 342o do C.C. saber se deve a Reclamada restituir ao Reclamante a quantia de €1.584,36
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3. Fundamentação
3.1. Dos Factos
3.1.1. Dos Factos Provados
Resultam provados os seguintes factos, com interesse para a demanda arbitral:
1. Reclamante e Reclamada celebraram um contrato de aluguer operacional de veículos sob o n.o 48766098 subordinado a Condições Gerais e Condições Particulares conhecidas e comunicadas ao reclamante
2. Entre as partes ficou convencionado que o Reclamado ----. daria de aluguer ao locatário/Reclamante, um veículo automóvel, de marca Seat, modelo Ateca 1.6 Tdi Style, com matrícula ----
3. O contrato de aluguer operacional de veículos foi celebrado pelo prazo de 60 (Sessenta) meses, tendo início em dezembro de 2016 e o seu final em dezembro de 2021.
4. Ficou ainda contratualmente estipulado entre as Partes a contratação de
75.000 quilómetros, tendo por contrapartida o pagamento de uma renda mensal que se cifrava na quantia de € 381,84 já com IVA incluído,
5. Quando o Reclamante procedeu em 15.12.2021 à entrega da viatura ao locador, a viatura apresentava em odómetro 29276 quilómetros
6. A Cláusula 17 das Condições Gerais do Contrato celebrado entre as partes estipula:
7. 7. A Requerida procedeu à entrega ao Requerente de €1.584,39 a título de desvio de quilómetros.
3.1.2. Dos Factos não Provados
Não resultam não provados quaisquer factos na demanda arbitral:
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3.2. Motivação
A fixação da matéria dada como provada resultou da ponderação conjugada das declarações de parte do Reclamante e prova documental junta aos autos, corroborada pela inquirição das testemunhas arroladas pela requerida sendo certo que quanto à matéria factual existe acordo das partes porquanto a presente demanda assenta na interpretação da cláusula contratual geral e não na demais matéria factual que circunscreve a demanda
Tanto que em sede de declarações de parte o Requerente reitera o teor da reclamação inicial e as Testemunhas da Requerida 1) Administrativo,
Requerida há cerca de 4 anos e meio, nestas funções há cerca de 3 anos e meio procedeu à explicação do apuramento dos valore finais troca de e-mails com o Requerente e 2) ----, Jurista, Requerida, acaba por proceder à explicação das cláusulas contratuais
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3.3. Do Direito
Ora, resulta pois da relação material controvertida apresentada pelo Requerente que os factos em causa se cingem no âmbito do identificado quadro contratual, mais concretamente, ao nível das obrigações da relação inerente ao contrato misto de locação e prestação de serviços, vulgarmente denominado de rentig ou locação operacional, contrato atípico desenhado pelos seus outorgantes com recurso à utilização do estruturante princípio da liberdade contratual (entre nós consagrado no artigo 405.o do Código Civil.
No caso da locação operacional, não saímos do âmbito do contrato de locação (artigo 1022.o do Código Civil - “contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”), sendo que a prestação de serviços de conservação e manutenção ficam por conta do locador.
Assim, e desde logo, no final da locação operacional não se prevê a transferência da propriedade para o/a locatário/a (ou o bem é devolvido à locadora, ou o contrato é prorrogado ou o/a locatário/a compra o bem pelo valor do mercado), o bem faz parte do património da locadora (que assume as suas despesas de conservação e manutenção) como ativo fixo tangível, sendo que as rendas/alugueres são contabilizados pela locadora como gastos. Aqui, o risco de perecimento da coisa corre por conta do/a locadora.
A locação operacional é também conhecida como renting, afirmando (no
mais completo estudo sobre esta tipologia contratual feito em Portugal), que se trata de um “contrato atípico e misto, em que a finalidade económico-social essencial do contrato é a “cedência operacional” do uso de um bem móvel, em regra um automóvel ou um bem de equipamento. Identificamos ainda uma finalidade acessória como sendo o “financiamento da disponibilidade” do bem locado e uma finalidade eventual de “aquisição da propriedade”, findo o período contratual.
O contrato de renting configura, destarte, um negócio pelo qual o locador, assume, por norma, as obrigações de manutenção, reparação e substituição do bem, ainda que seja através do recurso à subcontratação, para a execução das mesmas, tornando este tipo contratual, numa espécie bastante atrativa, sobretudo no mercado dos bens com rápida obsolescência técnica, porquanto o locatário fica desonerado dos riscos inerentes à propriedade dos bens. É ainda assinalável o tratamento fiscal favorável de que o contrato de renting goza neste momento, mormente no âmbito empresarial, em que é possível a dedutibilidade da quantia paga a título de aluguer, quando o bem objeto do contrato é utilizado para o desenvolvimento de uma atividade profissional, bem como o tratamento contabilístico se traduz na inserção dos montantes pagos como gastos de
exercício, evitando a sua contabilização como um ativo, com os riscos que são inerentes a tal escrituração”.
É, pois, inelutável afirmar que a responsabilidade, a existir, se enquadra no instituto da responsabilidade civil contratual.
A responsabilidade civil contratual pressupõe a existência de um contrato e assenta no princípio fundamental da presunção de culpa do devedor, segundo o qual incumbe a este provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, nos termos do disposto nos artigos 799o, n.o1 e 342o, n.o2 ambos do C.C., sob pena de recair sobre si a respetiva presunção de culpa.
Como é sabido, e vem legalmente plasmado nos artigos 798o e ss., em conjugação com os artigos 562o e ss, todos do C.C., constituem pressupostos da responsabilidade civil contratual o facto ilícito/ incumprimento da obrigação contratual, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a par da culpa.
À exceção do que sucede na mencionada presunção de culpa do devedor – artigo 799o e n.o 1 do artigo 344o C.C. –, nos restantes pressupostos, tal prova, de acordo com os princípios da repartição do ónus da prova, cabem ao Requerente/ Consumidor, nos termos do artigo 342o, n.o 1 do C.C.
Trata-se da aplicação do princípio “actor incumbit probatio; reus in exipiendo fit actor”. Ou seja, o ónus da prova recai, assim, sobre todos os intervenientes processuais, devendo o Demandante provar os factos constitutivos do direito que alega ter, sendo que o Demandando terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca.
Não se trata de repartir o encargo da prova em atenção à qualidade do facto probando mas à posição na lide daquele que o invoca, sempre ressalvando (e no que ora releva) o citado disposto no n.o 1 do artigo 344.o da lei civil. (cf. Prof. Xxx Xxxxx, “Provas”, BMJ 112- 269/270).
Perante a matéria dada como provada e não provada na presente demanda arbitral não se poderá afirmar qualquer incumprimento contratual (gerador de obrigação indemnizatória) por banda da Requerida.
Efetivamente, a cláusula 13.7 dispõe no seu proémio que “Na data de cessação das Condições Particulares, qualquer que seja a causa, serão calculados os quilómetros percorridos e creditados ao Cliente os quilómetros não percorridos face ao número de quilómetros contratados (ainda que decorrentes de alteração contratual), nos seguintes termos, sendo sempre considerados percorridos 75% dos quilómetros contratados.
Ora, no caso em apreço, nos termos do proémio da cláusula 13.7, consideram- se percorridos sempre 75% dos quilómetros contratados, ou seja, 56250km (75000 * 0,75%).
Nesta medida, atendendo à quilometragem contratada de 75000km, havia que devolver um cômputo de quilómetros não percorridos pelo Reclamante que se cifrava em 18750km (75000km – 56250km).
Ademais, como no caso concreto o desvio de quilómetros por defeito foi até 25% (recorde-se que 75% são sempre considerados percorridos), aplica-se a cláusula
13.7 b) das Condições Gerais do Contrato dispõe que: “(b) Desvio de quilómetros até 25%, o reembolsará o preço do quilómetro adicional indicado
no Contrato de Locação para o quilómetro não percorrido, acrescido de uma bonificação de 50%”.
Assim, no caso concreto, o cálculo do valor de desvio de quilómetros por defeito a ser devolvido ao locatário tem de ter por base o número de quilómetros não percorridos, ou seja, computando-se a este título como base de cálculo o valor de 0,04580 euros e não o valor de 0,0916 euros.
Pelo que, a conta que deve ser efetuada é a seguinte:
a) Quilómetros não percorridos a considerar: 25% de 75000 = 18750
b) Valor do quilómetro adicional: 0,04580 euros
c) Bonificação: 50% (1,5x)
d) IVA: 23% (1,23x)
e) Valor a restituir ao locatário: 18750 * 0,04580 euros * 1,5 * 1,23 = 1.584,39 euros f) Valor já restituído: 1.584,39 euros
g) Quantia em falta: 1.584,39 - 1.584,39 = 0.
Sendo omissos os presentes autos de qualquer elemento probatório que permita a este Tribunal Arbitral afirmar o cumprimento defeituoso das obrigações contratualizadas entre as partes pela Requerida.
Pelo que, não logrou o Requerente fazer prova de que a Requerida houvesse incorrido em qualquer cumprimento defeituoso das suas obrigações contratuais, decaindo, desse modo, a imputação de qualquer responsabilidade à Requerida, tornando-se desnecessária qualquer consideração posterior.
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4. Do Dispositivo
Nestes termos, com base nos fundamentos expostos, julga-se a ação totalmente improcedente, absolvendo a Requerida do pedido.
Notifique-se Lisboa, 30/12/2022
A Xxxx-Xxxxxxx, (Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx)