A NOVA LEI DO CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES.
A NOVA LEI DO CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES.
por Xxxx xx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx(*)
Na sessão do dia 13.01.98, o Senado Federal aprovou, por 51 votos a favor e 23 contra, o Projeto de Lei concebido pelo Ministério do Trabalho dispondo sobre o contrato de trabalho por prazo determinado. O Projeto, que contou com o indispensável suporte técnico da Comissão Permanente de Direito Social, sofreu alterações no curso do processo legislativo. Com a sanção presidencial, espera-se que a Lei nº 9.601, de 21.01.98, produza os efeitos transformadores tão propalados pelo Ministério do Trabalho.
De antemão, reconhecemos ser tarefa “implexa e per difícil” (Xxxxxxxx Xxxxxx) acomodar num texto normativo comandos resolutivos de questões sociais tão delicadas. Precisamente por isso, avulta em importância a estruturação de um modelo orgânico de relações do trabalho. Há que se conceber um sistema completo e não medidas tópicas, com discurso gradiloqüente. Repete-se, agora, o mesmo equívoco antes incorrido, quando se apregoou o “contrato coletivo de trabalho” como verdadeiro “santos óleos”, capazes de redesenhar e infundir novo espírito, só por si, às relações de trabalho no Brasil.
Daí reiterarmos a crítica quanto à concepção nanica: jamais haverá um modelo arejado de relações de trabalho enquanto não se (I) reformular profundamente a estrutura sindical mussoliniana,
(II) redefinir o grau de intervenção estatal nas condições de trabalho,
(III) delinear os limites procedimentais da negociação coletiva e (IV) aprimorar a lei de greve - destes quatro elementos fundamentais, o único que se encontra em bom estágio de desenvolvimento.
Enquanto esses quadrantes restarem intocados, concomitantemente, pela reformulação que se pretenda fazer na relações de trabalho no Brasil, estar-se-á contrariando o ensinamento de São Mateus, in verbis:
(*)Advogado especializado em Direito do Trabalho, autor de vários livros jurídicos, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Ex-Secretário Nacional do Trabalho no Ministério do Trabalho e da Previdência Social, tendo sido Presidente da Comissão de Modernização da Legislação do Trabalho e Coordenador Nacional do Subgrupo nº 11 do MERCOSUL (Relações trabalhistas, emprego e Previdência Social).
“Ninguém costura remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo novo tiraria a consistência do tecido, e o rasgão ficaria maior que o remendo. Tampouco se põe vinho novo em odres velhos, porque estes se romperiam e se perderiam tanto os odres quanto o vinho. O vinho novo se põe em odres novos, porque assim ambos se conservam” (Xxxxxx, 9, 16-17).
Na norma em comento, a ousadia ficou por conta da promessa de gerar postos de trabalho pela estreita via dos contratos a termo, edificados sobre o diálogo social, num cenário de crise econômica. Ora, nunca o desemprego foi tão percebido pela sociedade. As pesquisas de opinião renitem em escarnar tal desassossego. Os próprios economistas, tão afeitos ao reducionismo da majestade da lei a mero instrumento de política de curto prazo, concordam que o fim colimado é de difícil consecução, podendo volatizar ainda mais o emprego.
É verdade que a lei fixa multas contra o empregador que atentar contra esse propósito. O problema é a inspeção do trabalho atuar... O Ministro do Trabalho em exercício assume o compromisso público: “a fiscalização das empresas vai ser mais intensa. Em um primeiro momento, o papel do Ministério do Trabalho terá um caráter mais pedagógico, para explicar às empresas as novas regras e evitar abusos” (“O Globo” de 15.01.98, pág. 28). Já o ex-titular da Pasta e atual integrante do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxxx, afirma, com conhecimento de causa: “O Ministério do Trabalho não fiscaliza nem o trabalho infantil, um problema grave no país, e vai querer agora assumir mais essa tarefa?”. E conclui: “Se o Governo está contando que a Justiça do Trabalho vai resolver esse imbróglio está completamente enganado. Sejamos práticos, a lei não vai resolver o problema do desemprego. Nenhuma lei pode fazer isso” (“O Globo” cit.).
Ademais da ação fiscal, a Lei nº 9.601/98 não imputa ao Estado a obrigação de aferir e tornar público o número de empregos a termo gerados pela providência inaugurada. E fazê-lo sem misturar o emprego permanente com esse trabalho transitório. Dados para tanto não lhe faltam. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, mensalmente fornecido pelos empregadores ao MTb, tem exatamente a finalidade de aferir, entre outras coisas, a rotatividade da mão de obra e de ser um sensor do nível de desemprego, permanentemente atualizado.
Com essa crítica de fundo à lei, mais voltada para a falta de arrojo de fazer uma reforma sistêmica e de profundidade, adiantamos, sumariamente, impressões iniciais sobre a lei promulgada nesta semana.
Virtudes. A principal virtude da Lei nº 9.601/98 está no prestígio que dispensa à negociação coletiva (art. 1º, caput). Está plenamente cônsona com a diretriz constitucional de impulsionamento do diálogo entre os interlocutores sociais e, portanto, de prevalência da disciplina autônoma das relações de trabalho (art. 7º, XXVI, da CF) sobre o regramento estatal das condições de trabalho.
Nesse contexto, constata-se a flexibilização dos seguintes dispositivos legais:
- 433, § 2º, da CLT - limita hipóteses de contratação a prazo (art. 1º);
- 479/480 da CLT - indenização na rescisão antecipada (art. 1º, § 1º,I)
- 451 da CLT - limita a uma única prorrogação (art. 1º, § 2º);
- 59 da CLT - regime de compensação semanal (art. 6º);
- Diversas normas - fixam recolhimentos para o Sistema “S” (art. 2º, I);
- Lei 8.036/90 – depósito e movimentação do FGTS (art. 2º, II).
Para motivar o exercício da negociação coletiva, o Estado oferece contrapartidas aos atores sociais: geração de emprego a prazo para os trabalhadores e redução para o empregador de 50% da contribuição para o sistema “S” pelo prazo de 18 meses (art. 2º, I).
O chamado “banco de horas”, modalidade de compensação do trabalho suplementar com folgas em período mais dilargado de tempo, tem se revelado uma prática recente, brotada do diálogo coletivo e admitida jurisprudencialmente. A nova lei dá o emolduramento normativo ao “banco de horas” (art. 6º), embora limitando-o, equivocadamente, ao lapso máximo de 4 meses (no projeto de lei, o limite era anual).
Críticas. Além de tópica e fragmentada, a reforma direciona as contratações a prazo para “admissões que representem acréscimo no número de empregados” (art. 1º, in fine). Este texto coincide com o propósito governamental de estimular o aumento do nível de emprego. No entretanto, o art. 5º suscita dúvida se esse acréscimo se dá no número absoluto ou relativo de empregados. O art. 1º refere-se ao quantitativo atual. Mas o art. 5º encerra outra ordem de idéias ao referir: “As empresas que, a partir da data de publicação
desta lei, aumentarem seu quadro de pessoal em relação à média mensal do número de empregos no período...”. Em se tratando de média semestral, a aferição do aumento de empregos é feita pelo número relativo de empregados. Aí está a brecha para o turn over da mão de obra permanente e reposição parcial, na proporção da negociação coletiva e da lei (art. 3º), por empregados a tempo certo. A regulamentação a ser baixada pelo Executivo deve dirimir esta desarmonia, aflorante dos textos citados, interpretados sistematicamente, assim como especificar as providências a cargo da fiscalização do trabalho para coibir a precarização de empregos permanentes e informar os resultados do experimento sobre o nível de emprego permanente e transitório, caso a intenção governamental seja realmente a de fomentar postos de trabalho.
Possíveis inconstitucionalidades. Xxxxx as lei da presunção de constitucionalidade. Há, contudo, disposições da norma recém promulgada passíveis de fundado questionamento pela via do controle concentrado ou difuso de constitucionalidade da lei. Existe plena possibilidade jurídica de prosperar o ataque judicial aos seguintes pontos:
- Monopólio sindical na negociação (art. 8º, VI, da CF): O § 3º do art. 1º atrita-se com a regra da obrigatoriedade de participação do sindicato na negociação coletiva ao excluí-los do entendimento direto nas empresas com menos de 20 empregados e nas que têm mais de 20, porém sem sindicato de base na “localidade”. Ocorre que a estrutura sindical vigente, com seu feitio mussoliniano, confere representatividade à Federação ou, na falta desta, à Confederação quando inexistir sindicato de base. Ao recusar-lhes capacidade negocial, a norma incorre em flagrante intromissão na organização sindical, vedada pelo art. 8º, I, da Constituição. Bem aconselhado, o Presidente da República expungiu da norma o dispositivo inconstitucional, vetando-o .
- Quebra da isonomia (art. 5º, da CF): Não se trata de equiparação salarial, mas de discriminação no modo de contratação de empregados para realizarem um mesmo trabalho, alguns sem determinação de prazo e outros a termo fixo, sem razão específica que a justifique, como há no caso do trabalho temporário (Lei nº 6.019/74). Não haverá tratamento discriminatório quando subjacente à contratação existir uma razão peculiar. Tal é o caso do trainee, por exemplo.
- Recolhimento reduzido do FGTS (arts. 5º e 7º, III, da CF): A previsão de recolhimento mínimo de 2% do FGTS (art. 2º, II e parágrafo único) implica tratamento discriminatório em relação a um direito amplo, aplicado diferentemente a empregados tutelados pelo art. 7º da CF. Não é por outra razão que o FGTS é assegurado integralmente ao trabalhador temporário (Lei 6.019/74), ao empregado safrista, contratado por obra certa ou por experiência (art. 443 da CLT), símiles perfeitos do trabalhador a ser contratado pelo regime da nova lei.
- Limitação ao amplo exercício da negociação coletiva (arts. 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI, 8º, incisos I e VI, e 114, §§ 1º e 2º da CF) : A possibilidade de avença coletiva dos tipos de contrato a prazo, segundo a vontade dos atores sociais, está indevidamente condicionada à regularidade de situação do empregador junto à Previdência Social e o FGTS. O adimplemento patronal dos encargos sociais é res inter alios em relação à negociação coletiva. Incumbe ao Estado promover a execução dos devedores (art 5º, XXXV, LV e LVII, da CF), ao invés de limitar o exercício da autonomia privada coletiva para lograr um resultado que é fruto de sua inação. Isto atenta contra o princípio constitucional de valorização do diálogo social, pois, como se sabe, não há relação de causa e efeito entre negociação coletiva e encargos sociais para que aquela fique pendente destes.
Não vemos inconstitucionalidade em relação à alegada supressão do aviso prévio e da multa de 40% do FGTS. Na realidade, inocorre exclusão desses direitos para os trabalhadores contratados a prazo. Ocorreria se o contrato se subsumisse à hipótese do art. 481 da CLT. Mas não se trata disso. Na verdade, tais rubricas jamais foram devidas na expiração do contrato, na data aprazada. Ao celebrarem esse ajuste, as próprias partes avençaram sua duração. Logo, já estão pré-avisadas desde o início do vínculo, o qual se desfaz pelo simples decurso do tempo e não por culpa de uma das partes, fundamento da indenização.
Alguns highlights da nova lei. Seguindo a norma, destacamos:
a) O novo contrato a prazo só pode ser introduzido por negociação coletiva, requisito indispensável à validade do contrato nas modalidades que restarem ajustadas pelos interlocutores sociais. A negociação coletiva com o sindicato de trabalhadores da atividade preponderante da empresa não valida o contrato a prazo a ser celebrado com empregados vinculados a categorias diferenciadas ou profissionais de nível superior. As entidades sindicais representativas
destes devem subscrever o instrumento normativo para que o contrato a termo atenda à devida forma legal.
b) Outros tipos de contrato a prazo, não previstos no art. 443, § 2º, da CLT, mas dotados de disciplinamento próprio, refogem à sistemática da nova lei. Assim, o contrato de aprendizagem, o trabalho temporário, o contrato de técnico estrangeiro etc estão fora do âmbito de incidência de um regramento autônomo, pela via da negociação coletiva. As partes podem pactuar modalidades várias de contratação a tempo certo, sempre que e onde não disponha a lei. Cumpre não esquecer que o relacionamento jurídico de emprego sem determinação de tempo é a regra; a contratação a prazo, sua exceção, sempre expressa.
c) A contratação de trabalhadores por tempo pré-determinado tanto pode ocorrer na atividade-meio como na atividade-fim da empresa (“em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabelecimento” - art. 1º). Com essa expressa amplitude, a lei removeu a possibilidade de extensão aos contratos a prazo em atividade-fim do obstáculo jurisprudencial que o Enunciado nº 331, III, do TST opõe à não integração do trabalhador na empresa a que presta serviço.
d) Uma vez avençado coletivamente o contrato a prazo, é obrigatória a estipulação da indenização pela ruptura contratual ante tempus e da multa pela inobservância das cláusulas do próprio contrato para as duas partes. A impositividade desse conteúdo (“as partes estabelecerão...” - art. 1º, § 1º), se não atendida, pode levar à declaração de nulidade do instrumento coletivo, por provocação do Ministério Público do Trabalho, via ação anulatória.
e) Desde que observada a duração máxima de 2 anos, o contrato a prazo pode ser prorrogado mais de uma vez, caso a própria negociação não erija um número máximo de renovações. O art. 451 da CLT cede à pactuação coletiva, por expressa remissão do art. 1º, § 1º, I, da Lei nº 9.601/98; o art. 445, não.
f) As estabilidades provisórias adquiridas no curso do contrato a prazo não são frustratadas, mas garantidas durante sua vigência, isto é, sem extrapolamento do limite temporal do pacto. A garantia às estabilidades reside na impossibilidade jurídica de o contrato ser rescindido antecipadamente pela vontade exclusiva do empregador (art. 1º, § 4º), ainda que com o pagamento da indenização ajustada.
g) O limite de empregados a serem contratados pelo novo regime (art. 3º) pode ser estabelecido pelas próprias partes, desde que não exceda os percentuais cumulativos de 50% de contratáveis para empresas com menos de 50 trabalhadores; de 35% sobre a parcela entre 50 e 199 empregados; e de 20% sobre o contingente acima de 200 empregados.
h) A média é determinada pela incidência do percentual sobre o quantitativo de empregados do estabelecimento (unidade de produção) no período fixo de 6 meses antecedentes à data de publicação da lei.
i) Não se deve entender que o depósito do acordo ou convenção na DRT seja acompanhada da relação de empregados a serem admitidos por essa modalidade. Além de os empregados sequer terem sido escolhidos, a enunciação desses nomes deve ser feita apenas internamente, em quadro de avisos, para que sejam acompanhados os quantitativos assim admitidos, a duração do contrato etc. O que deve acompanhar o instrumento normativo depositado no MTb são os elementos de controle das condições de trabalho eventualmente não explicitadas no acordo ou convenção. É o caso de juntar ao acordo depositado a minuta padrão do contrato de trabalho por prazo determinado a ser celebrado com os empregados (art. 4º).
j) As reduções de encargos são condicionadas, cumulativamente, ao quantitativo de empregados e valor de folha de pagamento não caírem abaixo da média por estabelecimento (parâmetro favorável ao empregado) ou por empresa (parâmetro favorável ao empregador). Estes referenciais constam da lei de forma alternativa. Por isso, é recomendável que a negociação coletiva eleja um deles para evitar interpretações. Caso silente o acordo coletivo, aplicar-se-á o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.
k) Na sessão do Senado Federal em que o Projeto foi aprovado, vários Senadores questionaram a emenda de redação feita no art. 6º do projeto, que altera não só o texto, mas o conteúdo, do art. 59, § 2º, da CLT. A emenda que foi aprovada dispõe: “Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso...”. Originalmente, a redação era invertida: “convenção ou acordo coletivo”. A mudança objetivou permitir a estipulação do banco de horas mediante acordo individual, ainda que plúrimo, mas não o acordo coletivo. A jurisprudência dos Tribunais do Trabalho já admite que o acordo seja individual, desde que expresso.
O ajuste tácito é inadmitido. As oposições deverão impugnar esse artigo, sob o fundamento de que a emenda não se ateve à redação, mas afetou o próprio mérito do que foi votado na Câmara, para onde deveria retornar o projeto, antes da sanção (votação bicameral).
São as primeiras impressões a respeito da Lei nº 9.601/98.
Rio de Janeiro, 4 de março de 1998.
Xxxx xx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx.
Publicação: Suplemento Trabalhista LTr, nº 20/98, págs 87/90.