JOÃO MANUEL PIRES DA SILVA E ALMEIDA VELOSO
XXXX XXXXXX XXXXX XX XXXXX X XXXXXXX XXXXXX
Professor Auxiliar
(Contratado em Funções Públicas por Tempo Indeterminado) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
(Departamento de Estudos Portugueses e de Estudos Românicos, Secção de Linguística)
RELATÓRIO SOBRE A UNIDADE CURRICULAR DE
ESTRUTURAS FONOLÓGICAS E MORFOLÓGICAS DO PORTUGUÊS
(Apresentado à Faculdade de Letras da Universidade do Porto como requisito parcial para a obtenção do título de
Agregado em Linguística
– Decreto-Lei nº 239/2007,
19.06.2007,
DR, I Série, nº 116, artº 5º, alínea b),
artº 8º, nº 2, alínea b))
PORTO
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Fevereiro de 2010
ÍNDICE
Principais abreviaturas e convenções seguidas no texto 5
INTRODUÇÃO 7
PRIMEIRA PARTE: Considerações prévias acerca da unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português e do seu enquadramento geral
1. Breve apresentação da unidade curricular de Estruturas Fonológicas
e Morfológicas do Português 15
1.1. Inserção curricular da disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português
nos cursos de licenciatura da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 15
1.2. Identificação das principais áreas temáticas abordadas pela disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português 17
1.3. Motivação da escolha da disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português
para a elaboração deste relatório 18
1.4. Breves considerações sobre o ensino da linguística em licenciaturas
partilhadas com outras áreas 21
1.4.1. As disciplinas de linguística e o desenvolvimento de conhecimentos aprofundados sobre a estrutura da(s) língua(s) e de competências metodológicas
avançadas no domínio do raciocínio científico 25
1.4.2. As disciplinas de linguística e o desenvolvimento de competências
profissionalizantes no domínio do ensino de línguas 31
2. Enquadramento histórico: o ensino e a investigação em linguística
na Faculdade de Letras da Universidade do Porto 37
2 1. Licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas, de 1977 a 1987:
Fonética e Morfologia do Português (disciplina anual) 38
2.2. Licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas – Ramos Educacional, Científico
e de Tradução, de 1987 a 2002: Linguística Portuguesa I (disciplina anual) 42
2.3. Licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas, regime semestralizado, de 2003 a 2007: Linguística Portuguesa III, Linguística Portuguesa IV e Fonética,
Fonologia e Morfologia do Português (disciplinas semestrais) 43
2.4. Licenciaturas decorrentes do “Processo de Bolonha”, a partir de 2007 (Ciências da Linguagem; Línguas, Literaturas e Culturas; Estudos Portugueses e Lusófonos): Fonética, Fonologia e Morfologia e Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português 48
2.5. Cursos de pós-graduação 49
2.6. Considerações finais 52
SEGUNDA PARTE: Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português: Uma proposta desenvolvida de trabalho
3. Considerações preliminares sobre a proposta central deste relatório 59
3.1.Princípios gerais da proposta desenvolvida nos capítulos seguintes 59
3.2. Breve definição de partida dos diversos perfis de estudantes que frequentam a unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português em termos
de formação linguística prévia 61
3.3. Planeamento vs. concretização do projecto curricular
apresentado neste relatório 66
4. Objectivos da disciplina 67
5. Programa da disciplina 91
5.1. Justificação prévia 91
5.2. Proposta de programa para a unidade curricular (semestral) de Estruturas Fonológicas
e Morfológicas do Português 95
5.3. Considerações sobre o programa proposto para a unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português e algumas primeiras indicações metodológicas
Sobre a sua implementação em aula 103
6. Bibliografia 115
7. Planificação das aulas 137
7.1. Apresentação geral da planificação proposta 137
7.2. Distribuição das matérias a explorar pelas 15 semanas lectivas do semestre 141
7.3. Exemplos de exercícios para resolução nas aulas práticas e de temas
de desenvolvimento para estudo individual 155
7.4. Textos propostos para os trabalhos de leitura orientada/discussão nas sessões
de orientação tutorial 171
8. Métodos de trabalho a desenvolver na disciplina 177
9. Modelo de avaliação 181
9.1. Avaliação distribuída 182
9.2. Avaliação final 189
TERCEIRA PARTE: Observações finais
Observações finais 191
PRINCIPAIS ABREVIATURAS E CONVENÇÕES SEGUIDAS NO TEXTO
Abreviaturas
AFI | Alfabeto Fonético Internacional |
CLUP | Centro de Linguística da Universidade do Porto |
ECTS | European Credit Transfer and Accumulation System |
EFMP | Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português |
EPL | Estudos Portugueses e Lusófonos |
FCT | Fundação para a Ciência e a Tecnologia |
FFMP | Fonética, Fonologia e Morfologia do Português |
FLUP | Faculdade de Letras da Universidade do Porto |
FMP | Fonética e Morfologia do Português |
LLC | Línguas, Literaturas e Culturas |
LLM | Línguas e Literaturas Modernas |
OT | orientação tutorial |
SPE | The Sound Pattern of English (Xxxxxxx & Halle 1968) |
UC | unidade curricular |
UP | Universidade do Porto |
NB: Excluem-se desta chave as abreviaturas de uso mais corrente.
Convenções
Transcrição fonética e transcrição fonológica
As transcrições fonéticas serão sempre apresentadas entre parênteses rectos e recorrendo estritamente aos símbolos e convenções do Alfabético Fonético Internacional na versão publicada em International Phonetic Association. 1999. Handbook of the International Phonetic Association. A Guide to the Use of the International Phonetic Alphabet. Cambridge: Cambridge University Press.
As transcrições fonológicas, recorrendo aos mesmos símbolos, serão apresentadas entre barras oblíquas.
Nomes de línguas e de disciplinas científicas
Os nomes de línguas e de disciplinas científicas serão grafados com minúscula inicial.
Nomes de cursos e de unidades curriculares
Os nomes de cursos serão grafados em tipo redondo; os nomes de unidades curriculares serão escritos em itálico.
Referências bibliográficas
As referências correspondentes a cada capítulo serão indicadas no final desse capítulo, em secção não numerada à parte.
Quando, a respeito de uma referência bibliográfica, for indicada uma tradução, reedição ou reimpressão, esta indicação significa que a edição usada na preparação do trabalho foi a especificada, mesmo que, no corpo do texto e nas entradas da lista alfabética das referências bibliográficas, se refira geralmente a edição original, por uma questão de contextualização histórica da obra em causa.
INTRODUÇÃO
Este relatório destina-se a cumprir o requisito exigido pelo artigo 5º, alínea b), do Decreto-Lei nº 239/2007, de 19 de Junho, ou seja, é redigido e apresentado para discussão pública no âmbito das provas académicas para obtenção do título de agregado. No caso vertente, é apresentado à Universidade do Porto para obtenção do título de agregado em Linguística.
A unidade curricular sobre que incide o relatório é a disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português, incluída no plano curricular de diversos cursos de licenciatura oferecidos presentemente pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Sendo a sua discussão em provas públicas de agregação o desígnio formal deste documento, o relatório cumpre simultaneamente, do ponto de vista substancial, a função de contribuir para uma reflexão (auto)crítica: (i) sobre o trabalho docente desenvolvido pelo autor nesta e noutras disciplinas da sua área científica (dado que esta unidade curricular se insere num quadro institucional e histórico mais amplo no qual o autor tem participado há vários anos, colhendo dessa participação ensinamentos aplicados transversalmente na docência de várias disciplinas); e (ii) sobre o desenvolvimento futuro dessa experiência adquirida.
Por outras palavras: este relatório parte, de forma determinante, de trabalho efectivamente realizado e de experiência adquirida ao longo de vários anos lectivos; concomitantemente, com base numa reflexão acerca desse trabalho e dessa experiência, é sistematizada uma proposta de planeamento e execução de conteúdos, procedimentos e actividades inseridas na disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português.
O relatório divide-se em três partes, como passamos a explicar.
Na I Parte, que engloba os capítulos 1 e 2, reunimos um conjunto de reflexões gerais que, em grande medida, podem não ter a ver directamente com o planeamento concreto do trabalho a desenvolver na disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português. No capítulo 1, são tecidas considerações preliminares que integram esta disciplina nos correspondentes planos curriculares da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e que identificam os principais vectores temáticos trabalhados. Nesse capítulo, são ainda aprofundados alguns argumentos sobre o papel do ensino da linguística a estudantes inscritos em cursos superiores em que esta não é a única área científica, nem, necessariamente, a área científica predominante. Com efeito, pensamos que um correcto planeamento do ensino oferecido aos estudantes da disciplina (bem como aos estudantes de qualquer outra disciplina da área científica da linguística) só poderá ser bem sucedido se, à partida, houver uma consciência explícita e clara das razões pelas quais se opta pela manutenção desta área como um domínio científico integrado nos vários planos de estudo em que ela se encontra presente. No capítulo 2, é traçado um quadro sumário da inserção histórica desta disciplina (e da linguística em geral) no ensino e na investigação praticados na FLUP ao longo das várias fases da sua existência, por considerarmos que esse percurso poderá explicar, até certo ponto, não só o lugar reservado à linguística nos diversos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade, como também algumas características que consideramos distintivas desse ensino, tais como a abrangência, a pluralidade, a exigência e a profundidade das matérias e das áreas disciplinares contempladas.
Transparece das observações antecedentes – e tornar-se-á patente no desenvolvimento do relatório – que a análise que fazemos da articulação da disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português com outras unidades curriculares da Faculdade de Letras da Universidade do Porto não pode restringir-se de forma estanque à reflexão sobre a presença
das principais áreas contempladas pelo programa desta disciplina (a fonologia e a morfologia do português, num primeiro plano, e, a um segundo nível, a transcrição fonética, a fonética articulatória e a variação dialectal) na oferta formativa da Faculdade. Tal análise deve estender- se, de forma mais lata, a uma reflexão mais geral sobre a presença de outras áreas da linguística enquanto ciência no plano mais global do ensino e da investigação praticados nesta instituição. É este motivo que explica que a contextualização desenvolvida nos capítulos da I Parte enverede, em certos momentos, pelo campo de uma discussão mais alargada, nomeadamente acerca do estatuto reconhecido à linguística no tocante à formação dos estudantes de vários cursos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, indo tal discussão mais além dos limites mais estritos desta disciplina somente.
A II Parte do relatório (capítulos 3 a 9) constitui a proposta pormenorizada do trabalho a desenvolver no âmbito da unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português, em todas as suas vertentes e tendo sempre em mente as principais reflexões desenvolvidas na I Parte. Algumas considerações preliminares sobre a orientação geral e os fundamentos mais específicos dessa proposta são enunciadas no capítulo 3.
No capítulo 4, são explicitados e desenvolvidos os objectivos que se pretende que os estudantes da disciplina atinjam no final do semestre em resultado da sua participação activa nas aulas e nas restantes actividades previstas, do seu estudo individual e da sua prestação nos momentos de avaliação. A definição dos conteúdos programáticos a abordar, enumerados sob a forma tradicional de um programa universitário, é apresentada, justificada e analisada no capítulo 5. O capítulo 6 é reservado à apresentação crítica da bibliografia que acompanha o programa proposto no capítulo anterior. No capítulo seguinte (capítulo 7), procedemos a uma proposta de planificação das aulas e das actividades com que se pretende dar forma ao trabalho preconizado pelos objectivos e pelo programa apresentados nos capítulos 4 e 5. A descrição e a
discussão dos métodos de ensino e de trabalho a implementar nesta disciplina com vista à consecução de todos os objectivos propostos e ao estudo de todas as matérias contempladas pelo programa terão lugar no capítulo 8. Finalmente, no capítulo 9 procederemos a uma reflexão sobre as modalidades de avaliação a desenvolver nesta disciplina.
O relatório encerra com um capítulo abreviado de observações finais acerca das propostas formuladas nas diversas secções de texto, o qual constitui a III Parte do texto.
A divisão da II Parte do relatório pelos capítulos que a compõem corresponde a uma necessidade “material” de organização e de destrinça formal de todas as componentes académicas que lhes correspondem.
Como será salientado em diversos momentos, tais capítulos devem ser lidos de forma interligada. Por exemplo: a formulação do programa proposto no capítulo 5 decorre dos objectivos apresentados no capítulo 4 (sendo estes, por sua vez, largamente inspirados nas reflexões mais gerais encontradas na I Parte); a bibliografia proposta no capítulo 6 é escolhida por ter sido considerada a mais adequada a tais objectivos e a tal programa e por ser a que, em nosso entender, melhor se adeqúa às características e expectativas dos destinatários da disciplina e ao trabalho delineado principalmente nos capítulos 7 e 8.
Assim, este relatório deve ser visto, no seu todo, como a explicitação de um projecto formativo articulado, de nível avançado, destinado a estudantes universitários de linguística (mesmo que não necessariamente inscritos numa licenciatura em Ciências da Linguagem) e inserido no quadro epistemológico da linguística como ciência e na longa tradição de investigação e ensino nesta área no quadro científico-institucional da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Como tal, todas as escolhas e propostas aqui formuladas resultam de um esforço reflexivo aprofundado, crítico e contextualizado que tentou, nos diversos
momentos da elaboração deste documento, inter-relacionar todas as vertentes contempladas no planeamento e na execução de uma unidade curricular universitária pertencente ao domínio da área científica em que se insere.
PRIMEIRA PARTE
Considerações prévias acerca da unidade curricular de
ESTRUTURAS FONOLÓGICAS
E MORFOLÓGICAS DO PORTUGUÊS
e do seu enquadramento geral
1. Breve apresentação da unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português
1.1 – Inserção curricular da disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português nos cursos de licenciatura da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
A disciplina1 de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português (EFMP) é uma disciplina semestral que faz parte presentemente dos planos de estudos dos seguintes cursos de licenciatura oferecidos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), ocorrendo, nesses cursos, com a seguinte a seguinte integração curricular2:
- licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante de Português Língua Não Materna: corresponde a uma disciplina obrigatória do 2º ano – 2º semestre;
- licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos: corresponde a uma disciplina obrigatória do 2º ano – 2º semestre;
- licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas (perfis Português e Línguas Clássicas, Português e Língua Estrangeira e Português e Inglês): ocorre em alternativa à disciplina de Estruturas Sintácticas e Semânticas do Português II, no 3º ano – 2º semestre.
1 Ao longo do relatório, por razões meramente estilísticas e ainda que conheçamos a opção oficial consagrada pelo Glossário Académico da Universidade do Porto (disponível em xxxx://xxxxxxx.xx.xx/xx/XXX_XXXX.XXXX_XXXXXX?X_xxxxxxx000000, acedido em 6 de Abril de 2009), usaremos indistintamente as designações unidade curricular (a consagrada pelo referido Glossário), disciplina e (menos frequentemente) cadeira como sinónimas entre si.
2 Os planos de estudos destas licenciaturas, que especificam a inserção curricular de cada disciplina (determinando não só o semestre curricular a que as disciplinas pertencem mas também a área científica correspondente a cada uma, o número de horas e o tipo de aulas obrigatórias e a creditação de unidades ECTS), encontram-se regulados pelos seguintes diplomas legais:
- Licenciatura em Ciências da Linguagem: Deliberação nº 334/2007, Senado da Universidade do Porto, publicada no Diário da República, II Série, nº 39, 23.02.2007 (registo da Direcção-Geral do Ensino Superior nº R/B-Cr 164/2007);
- Licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos: Deliberação nº 1791-D/2007, Senado da Universidade do Porto, publicada no Diário da República, II Série, nº 173, 07.09.2007 (registo da Direcção-Geral do Ensino Superior nº R/B-AD-948/2007);
- Licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas: Deliberação nº 177/2007, Senado da Universidade do Porto, publicada no Diário da República, II Série, nº 26, 06.02.2007 (registo da Direcção-Geral do Ensino Superior nº R/B-Cr 49/2007).
A disciplina acolhe ainda estudantes de outros cursos que escolhem frequentá-la como disciplina opcional.
À disciplina de EFMP cabe, em todos os planos curriculares referidos, a ponderação de 6 créditos ECTS.
De acordo com os regulamentos dos cursos em que se insere esta disciplina, o trabalho exigido a cada estudante inscrito em EFMP perfaz um total de 162 horas3. No ano lectivo de 2009/2010, de acordo com a informação formal dirigida aos estudantes inscritos na cadeira através da plataforma electrónica SIGARRA da FLUP, espera-se que essas horas de trabalho se distribuam da seguinte forma4:
- Aulas: 56 horas;
- Exame final: 2 horas;
- Exercícios práticos orientados pelo professor: 50 horas;
- Estudo e pesquisa individual: 54 horas.
3 Cf. os diplomas legais citados na nota 2.
4 Cf. a informação disponibilizada na ficha de disciplina correspondente à edição de 2009/2010 desta unidade pela plataforma electrónica SIGARRA da FLUP: xxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_XXXXX.XxxxXxxx?X_XXX_XXXXXXXx0000/0000&X_XXX_XXXXXX
=CL005&P_PERIODO=2S (acedido em 11 de Setembro de 2009).
1.2 – Identificação das principais áreas temáticas abordadas pela disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português
Os dois capítulos centrais do programa de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português são, como decorre da designação oficial desta unidade curricular, a fonologia e a morfologia do português. Além destas duas áreas centrais, e por razões que serão mais amplamente discutidas no capítulo 5 do relatório, o programa desta disciplina concede ainda importância individualizada às áreas da transcrição fonética, da fonética articulatória e da variação dialectal do português.
Trata-se, portanto, de uma disciplina da área científica da linguística/linguística portuguesa, como tal reconhecida formalmente nos regulamentos legais que se aplicam aos cursos em que se insere5.
A disciplina, como se verá no seguimento destas notas, assume um carácter descritivo, focalizando-se na explicitação, explicação e discussão das principais propriedades fonológicas e morfológicas da gramática do português; tal esforço descritivo assentará nos pressupostos, princípios, conceitos e metodologias da linguística contemporânea.
5 Cf. os diplomas legais citados na nota 2.
1.3 – Motivação da escolha da disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português para a elaboração deste relatório
Existindo actualmente na FLUP uma licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante de Linguística, poder-se-ia esperar que a escolha de uma unidade curricular para a elaboração de um relatório analítico desta natureza recaísse sobre uma disciplina inserida no plano curricular desse curso. Uma primeira razão para tal expectativa poder-se-ia encontrar no facto de as disciplinas pertencentes ao plano curricular dessa licenciatura permitirem, em princípio, um maior aprofundamento de tópicos teóricos de linguística, porventura mais implicados na investigação científica desenvolvida pelos linguistas que exercem docência nessa licenciatura.
No plano curricular da licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante de Linguística, insere-se nomeadamente uma disciplina com notáveis afinidades temáticas com o programa de EFMP aqui proposto: Fonologia e Morfologia, disciplina obrigatória do 2º ano – 1º semestre do referido curso. Esta última disciplina, porém, apresenta diferenças fundamentais relativamente à disciplina de EFMP, atribuíveis às diferentes inserções curriculares que lhes cabem e, paralelamente, aos diferentes perfis de alunos6 que as frequentam7. Na verdade, EFMP é aqui apresentada como uma disciplina de descrição linguística do português: é uma unidade curricular frequentada essencialmente por estudantes oriundos de planos de estudos onde as disciplinas das áreas da literatura e da cultura são maioritárias e insere-se num curso que tem os estudos portugueses (nas suas várias dimensões, não esgotadas na língua portuguesa) como
6 Ao longo do relatório, por razões meramente estilísticas e ainda que conheçamos a opção oficial consagrada pelo Glossário Académico da Universidade do Porto (disponível em xxxx://xxxxxxx.xx.xx/xx/XXX_XXXX.XXXX_XXXXXX?X_xxxxxxx000000, acedido em 6 de Abril de 2009), poderemos esporadicamente utilizar o termo alunos (não consagrado pelo referido Glossário) para designar os estudantes inscritos numa dada unidade curricular ou curso.
7 A este nível, p. ex., parece-nos lícito supor que estudantes provenientes de uma licenciatura em Linguística, frequentando ou tendo frequentado outras disciplinas de linguística em número superior ao das frequentadas por estudantes dos cursos de Línguas, Literaturas e Culturas e de Estudos Portugueses e Lusófonos, manifestariam à partida uma maior inclinação e preparação para as áreas em estudo.
área central. Num sentido diferente desse, a referida disciplina de Fonologia e Morfologia, inserida numa licenciatura especializada em linguística, concentrar-se-á mais no estudo dos fundamentos e dos desenvolvimentos da fonologia e da morfologia enquanto ramos da linguística, sendo leccionável, pelo menos até certo ponto, de forma largamente independente de uma só língua e conduzindo, forçosamente, a um aprofundamento das questões teóricas e epistemológicas8 não comparável com o que se consegue (ou sequer pretende) alcançar em EFMP9.
O principal motivo que condicionou a nossa preferência por esta disciplina para a elaboração do presente relatório decorre precisamente dos aspectos implicados nestas observações preliminares. Reflectir sobre ensinar numa disciplina com este enquadramento curricular foi aqui assumido como um estímulo a todo o esforço reflexivo empreendido. Com
8 Entendemos por questões teóricas e epistemológicas – exemplificadas como aquelas com maior cabimento, em princípio, nas cadeiras do curso de Ciências da Linguagem e contrapostas às questões “descritivas” – as reflexões acerca de princípios e noções da linguística geral e teórica, largamente independentes da questão da descrição das propriedades estruturais da gramática de uma dada língua. São exemplos dessas questões a discussão em torno da dependência/independência das várias subdisciplinas e domínios de estudo (fonética e fonologia, fonologia e morfologia, linguística e ciências da cognição) ou da natureza lexical ou pós-lexical dos processos fonológicos. No nível de exigência e de complexidade que, em nossa opinião, devem ser respeitadas no ensino universitário – e que procurámos verter para o projecto de disciplina apresentado na II Parte –, consideramos impossível dividir de forma absoluta e definitiva essas duas vertentes ou modalidades de abordagem. A descrição (parcelar) da gramática do português desenvolvida num programa como o aqui apresentado e proposto tomará sempre como ponto de partida os principais avanços e pressupostos teóricos da linguística enquanto ciência. A diferença entre as duas abordagens (teórica vs. descritiva) traduz-se sobretudo, em nosso entender, na ponderação concedida a ambas: disciplinas que optem por um pendor mais teórico dedicarão mais tempo e mais atenção à exploração dessas questões por si próprias, servindo-se da gramática de uma ou mais línguas como exemplificação e comprovação das hipóteses teóricas, ao passo que disciplinas mais descritivas assumirão tais hipóteses como pontos de partida, concentrando-se, de forma mais focalizada, nas questões mais estruturais da(s) gramática(s) particular(es) trabalhada(s) em aula.
9 A diferença entre estas duas disciplinas enquadra-se assim na diferença entre disciplinas de pendor predominantemente teórico e disciplinas de pendor predominantemente descritivo a que foi feita referência na nota anterior. Nesta dicotomia, EFMP exemplificaria uma disciplina “descritiva” e Fonologia e Morfologia exemplificaria uma disciplina “teórica”.
Uma outra diferença relativamente aos objectivos e conteúdos das duas disciplinas relaciona-se com a presença da fonética nos respectivos programas. Uma vez que a disciplina de Fonologia e Morfologia da licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante de Linguística é frequentada por estudantes que, no semestre anterior, frequentaram a disciplina semestral de Fonética, na qual são aprofundados tópicos de fonética articulatória, acústica e perceptiva, se leva à prática o treino de técnicas básicas de fonética laboratorial e de transcrição fonética e se procede à exploração da questão da variação dialectal em português, estes assuntos não são contemplados (contrariamente ao que se passa com o programa de EFMP, destinado a estudantes sem essa formação curricular prévia) pelo programa de Fonologia e Morfologia. Este último torna-se assim mais disponível para a exploração teórica de tópicos ausentes do programa de EFMP e para um maior aprofundamento ou um diferente enquadramento dos tópicos partilhados pelas duas unidades curriculares.
efeito, se bem que ensinar linguística a estudantes de uma licenciatura em Linguística nos tivesse porventura permitido avançar em tópicos de maior complexidade teórica, tal opção não nos teria confrontado com a necessidade de uma interrogação tão profunda, como aquela que aqui pretendemos encetar, acerca da articulação desta área científica com outras e das necessárias adaptações que esta situação acarreta ao nível da definição de conteúdos, métodos de ensino e procedimentos de motivação dos estudantes.
Tal questionamento estará ainda presente na definição de opções e procedimentos que propomos no sentido da motivação dos estudantes para esta área científica, de acordo com o exposto nos capítulos da II Parte. A este propósito, desde já se afirma a valorização que este último aspecto assume como orientação geral das propostas desenvolvidas e defendidas no projecto curricular delineado no presente relatório.
1.4 – Breves considerações sobre o ensino da linguística em licenciaturas partilhadas com outras áreas
Como já foi referido, a Faculdade de Letras da Universidade do Porto oferece, desde o ano lectivo 2007/2008, uma licenciatura em Ciências da Linguagem, dividida em duas variantes (Linguística e Português Língua Não Materna)10. Esta licenciatura, especializada no estudo aprofundado das várias subdisciplinas que constituem a sua área científica central (a linguística), cria condições muito particulares ao ensino da linguística na FLUP. Uma dessas particularidades foi referida na secção anterior: a expectativa de que os seus estudantes se apresentem à partida mais motivados do que os estudantes de outras licenciaturas para o estudo de temas linguísticos, reforçada ainda pelo facto de tais estudantes frequentarem um número de disciplinas de linguística superior ao das disciplinas de linguística frequentadas por estudantes de outras licenciaturas. Em consequência, e conforme dissemos já, é legítimo também esperar que, no âmbito das disciplinas do curso de Ciências da Linguagem – Variante de Linguística, seja possível abordar temas mais complexos e tratá-los do ponto de vista teórico e descritivo de forma mais aprofundada do que a verificada nos restantes cursos de licenciatura. A par dessa situação, a linguística continua a ser parte integrante das componentes científicas em torno das quais se estruturam outras licenciaturas oferecidas pela FLUP, como se torna especialmente patente nas licenciaturas em que se integra a disciplina de EFMP: Línguas, Literaturas e Culturas, Ciências da Linguagem – Variante de Português Língua Não-
Materna e Estudos Portugueses e Lusófonos.
10 Cf. o diploma legal que cria este curso, citado na nota 2.
A presença de determinadas áreas científicas em cursos que não as têm como áreas únicas ou dominantes encontra um paralelo frequente em vários domínios do saber. A este propósito, lembramos a transversalidade de áreas “clássicas” do saber científico, como a matemática e a química, cuja presença curricular, nas suas diversas subdisciplinas, se verifica, naturalmente, nas licenciaturas em Matemática e em Química, mas que se verifica também noutras licenciaturas (Engenharia, Medicina, Física, Biologia, etc.), onde são entendidas como áreas do saber com um interesse instrumental indispensável para a aquisição dos conhecimentos específicos desses mesmos cursos.
São conhecidos exemplos de licenciaturas que, até determinada época histórica, oferecem formação central em duas ou mais áreas e que, em função de diversas causas, se cindem posteriormente em cursos subdivididos de acordo com essas ramificações. Brito (2001: 23), reflectindo acerca da possibilidade de criação de uma licenciatura em Linguística na Universidade do Porto ainda antes da criação da actual licenciatura em Ciências da Linguagem da FLUP, inventaria alguns destes exemplos:
“Na verdade, o progresso científico nalgumas áreas e o avanço de conhecimentos pode justificar, em determinados momentos históricos, a criação de cursos que em décadas anteriores podiam não ter razão de ser. Veja- se o caso das Ciências Físico-Químicas, hoje separadas em dois cursos distintos; outro exemplo: há algumas décadas existia um único curso, Histórico- Filosóficas: actualmente, estão disponíveis cursos de História, de Filosofia, de Ciências do Património.”
(Brito 2001: 23)
Como foi afirmado no início desta secção, a inauguração, na FLUP, do ensino especializado da linguística logo a partir do primeiro ciclo dos estudos universitários, adveniente da criação da licenciatura em Ciências da Linguagem, não implicou que esta área científica tivesse sido excluída dos planos curriculares de outras licenciaturas, nomeadamente daquelas que historicamente têm sido, desde os cursos de Filologia oferecidos no início do século XX pela mesma Faculdade (vd. cap. 2), cursos com uma presença importante desta área: os cursos que integram as áreas da linguística, da literatura e da cultura, com especial destaque para os cursos com uma componente forte de Português e associados de forma determinante (mas não exclusiva) a futuros perfis profissionais relacionados com o ensino de línguas (materna e/ou não-maternas)11.
O ensino da linguística integrado numa licenciatura como Ciências da Linguagem – Variante de Linguística ou numa das licenciaturas em que se insere a disciplina de EFMP responde, efectivamente, a particularidades diferentes, como já se afirmou. Destinando-se a públicos diferentes, com formações e expectativas diferenciadas, essas duas modalidades de ensino da linguística seguirão percursos distintos e adoptarão fórmulas diversas.
11 Cf. ainda as seguintes palavras de Xxxxx (2001), pondo em relevo aspectos bastante positivos, historicamente verificados, desta proximidade entre a linguística e outras áreas curriculares na estruturação tradicional de diversos planos de estudos em vigor em Portugal ao longo de diversas épocas: “Os planos de estudos dos cursos de Línguas e Literaturas Modernas com a componente de Português contemplam, desde há várias décadas, muitas […] áreas da Linguística […] Se compararmos os nossos planos de estudo com os de faculdades similares de muitos outros países, como a França, a Inglaterra, a Alemanha, por exemplo, damo-nos conta de que o papel da Linguística na formação dos estudantes das Faculdades de Letras portuguesas é até extremamente favorável; e não é por acaso que a comunidade linguística portuguesa, saída em grande parte desses cursos, é hoje relativamente numerosa e extremamente produtiva.” (Brito 2001: 22).
Dado que a disciplina de EFMP se insere precisamente, como já foi explicitado, em cursos em cujos planos curriculares a linguística acompanha outras áreas, deter-nos-emos agora sobre as especificidades implicadas nesta realidade.
Discutiremos assim aqueles que são, em nosso entender, os principais argumentos que justificam a inserção curricular desta disciplina (e, a um nível mais amplo, da área científica a que ela pertence) nos cursos de licenciatura em causa. De entre tais argumentos, realçamos, neste momento, os seguintes.
1) As licenciaturas em que EFMP se insere são licenciaturas que, mesmo não fazendo da linguística ou da linguística portuguesa a sua área nuclear, pretendem conferir aos seus estudantes conhecimentos aprofundados de língua portuguesa. Este objectivo não dispensa, naturalmente, uma exploração sólida, rigorosa e abrangente das estruturas da língua, baseada nos conhecimentos e nos métodos desenvolvidos pela linguística enquanto ciência, nem a familiarização dos estudantes com a bibliografia fundamental de linguística portuguesa nos seus diversos domínios de análise.
2) A linguística pode criar junto dos seus estudantes capacidades e competências ímpares a nível do pensamento analítico, o que lhe confere um lugar privilegiado no domínio do treino metodológico e intelectual.
3) Tendo as licenciaturas em que esta disciplina se insere a possibilidade de conferir aos seus estudantes habilitação para a docência de línguas (materna e/ou não-maternas) – ainda que esta componente “profissionalizante” não seja a única de tais cursos –, a área da linguística torna-se imprescindível enquanto domínio verdadeiramente único no tocante ao desenvolvimento da consciência explícita das propriedades e das estruturas da língua, absolutamente necessária ao exercício do ensino.
Desenvolveremos, de seguida, algumas breves considerações sobre estes três argumentos12.
1.4.1 – As disciplinas de linguística e o desenvolvimento de conhecimentos aprofundados sobre a estrutura da(s) língua(s) e de competências metodológicas avançadas no domínio do raciocínio científico
Relativamente ao papel das disciplinas de linguística enquanto fonte de conhecimentos aprofundados, de natureza científica, sobre as estruturas das línguas e, simultaneamente, enquanto fonte de treino metodológico de capacidades de raciocínio objectivo e analítico, conforme referido nos pontos 1) e 2) supra, voltamos a citar o texto de Xxxxx (2001) anteriormente mencionado. O excerto seguinte distingue, a este propósito, o papel informativo e o papel formativo das disciplinas de linguística.
12 Como afirmámos na Introdução, estas observações, em rigor, não se restringem unicamente à articulação de EFMP com as restantes unidades curriculares dos cursos em que se insere; pelos motivos aí invocados, esta discussão poderia situar-se, neste momento, num plano mais abrangente do que esse.
Por outro lado, não nos deteremos, neste relatório, sobre um tópico que, pelas implicações que encerra para a definição desta disciplina, poderíamos todavia aqui aprofundar: o do interesse de um estudo linguístico intimamente associado ao estudo literário. Textos como Xxxxxxx (1993) espelham esse entendimento, enfatizando que um conhecimento explícito aprofundado das estruturas da língua contribui de forma determinante para a capacidade de leitura dos textos literários (ao mesmo tempo que defendem que um conhecimento aprofundado dos usos literários permite um aprofundamento do conhecimento das estruturas linguísticas). Xxxxxxxxxxx, ao longo de todo o relatório, a ideia de que é possível estudar linguística, nas suas áreas descritivas “centrais” (como a fonologia e a morfologia), independentemente da aplicação de tal estudo a qualquer domínio (como, entre outros, o da análise literária). Tais aplicações deverão ser postas em evidência, em primeiro lugar, pelos respectivos especialistas, justamente em função do interesse e da necessidade que souberem reconhecer aos estudos linguísticos. Assim, ainda que aqui resida um possível argumento suplementar, que não desvalorizamos, em favor da presença da linguística em cursos de pendor “literário”, abdicamos de uma discussão desenvolvida do tópico, por considerarmos que ela cabe, em primeira instância e conforme dissemos, aos especialistas da área da literatura.
“Na verdade, a Linguística é um domínio do saber que abrange diversas áreas, que tentam responder a inúmeras e difíceis perguntas: o que são os sons de uma língua e como se organizam? O que é uma palavra e como é que em cada língua se formam palavras? O que é uma frase? O que é o significado de uma palavra e de uma frase? [………….] Mas outras questões não menos importantes se podem colocar: em que medida o que sabemos acerca do funcionamento das línguas é útil para o ensino da língua materna? E para o ensino de uma segunda língua? E de que modo os conhecimentos linguísticos influenciam a teoria e a prática da tradução?
[…………………………………………………..]
A presença nos planos de estudos dos cursos de Línguas e Literaturas Modernas de disciplinas de Linguística justifica-se assim pelo interesse das matérias que nelas podemos debater; mas, além desta preocupação informativa, a Linguística tem inequivocamente um papel formativo, pelas metodologias utilizadas, de observação de dados, de procura de regularidades, de formulação de generalizações e, quando possível, de hipóteses explicativas.”
(Brito 2001: 22)
Julgamos lícito identificar o “papel informativo” referido pela autora com o argumento acima encontrado em 1) (a linguística como fonte de conhecimento das estruturas de uma ou mais línguas – no caso de EFMP, como fonte de conhecimento acerca das componentes fonológica e morfológica da gramática do português) e o “papel formativo” com o argumento encontrado em 2) (o treino metodológico tornado possível pelo estudo da linguística).
Na concepção do projecto curricular apresentado na II Parte do relatório, foi nosso propósito salvaguardar esta dupla função do ensino da Linguística no âmbito da disciplina de EFMP. Tentámos, assim, propor uma unidade curricular que respeitasse a dimensão informativa, através de uma disciplina que se detivesse pormenorizadamente sobre aspectos fundamentais do português. Paralelamente, tentámos que, nesta disciplina, o “papel formativo” da linguística se tornasse evidente no tipo de actividades propostas no âmbito da unidade curricular em apreço. Assim, procurámos desenvolver nos estudantes o tipo de raciocínio implicado no treino intelectual e metodológico aqui referido: um raciocínio analítico e reflexivo, capaz de levar os alunos a observar dados com objectividade, a formular hipóteses, a testá-las e
discuti-las, a extrair regularidades, a formalizar propriedades, a explicitar processos, etc. Este tipo de competências é treinado de forma muito estruturada, por exemplo, em exercícios como a formulação de regras generativas, a reconstituição de formas subjacentes, a análise morfológica de palavras, a identificação e categorização de variantes de fonemas e de morfemas da língua, a análise silábica de palavras, a discussão da aplicação ou do bloqueio de certos princípios prosódicos em determinados constituintes fonológicos, a identificação de fenómenos fonéticos presentes em produções linguísticas concretas, a sistematização e categorização de fenómenos de variação linguística, a problematização de certas noções descritivas ou teóricas ou o confronto de interpretações diversas para os mesmos fenómenos gramaticais, para citar apenas aqueles em que o referido objectivo se torna mais relevante e de identificação mais imediata. No seu conjunto, estas “competências” – intensivamente trabalhadas ao longo do semestre – contribuirão para aumentar a consciência explícita dos estudantes acerca da sua língua, com especial destaque para os domínios da morfologia e da fonologia, naturalmente, e para desenvolver as suas capacidades analíticas e reflexivas, que pressuporão necessariamente o estabelecimento de hábitos de trabalho disciplinado e de rigor metodológico que poderão revelar-se porventura úteis também noutros domínios de estudo.
Em cursos como Línguas, Literaturas e Culturas e Estudos Portugueses e Lusófonos, bem como na variante de Português Língua Não Materna da licenciatura em Ciências da Linguagem, as duas funções referidas parecem-nos caber de forma muito determinante às disciplinas de linguística.
Relativamente à dimensão formativa das disciplinas de linguística nos moldes que acabamos de referir, invocaremos ainda alguns argumentos adicionais13:
- os propósitos explícitos de “cientificidade” assumidos inequivocamente por certos textos fundadores como, significativamente, o Cours de linguistique génerale, de Saussure (1916)14;
- o cruzamento da linguística com outras áreas científicas, como a sociologia, a neurologia, a psicologia, a fisiologia e a física, em disciplinas como a sociolinguística, a neurolinguística, a psicolinguística e a fonética, onde o recurso às metodologias quantitativas e às técnicas de tipo experimental, laboratorial e/ou instrumental são fundamentais para a obtenção de conhecimento;
- o posicionamento assumidamente “naturalista”, encontrado sobretudo (mas não exclusivamente) no campo da linguística generativa, segundo o qual a linguística se ocupa de um objecto do mundo “natural” (Xxxxxxx 1975: 9; 1978: 199; 1984: 16; 1986: 22, 46; 1988: 4;
Halle 1990: 65; Raposo 1992: 26; Pinker 1994: 18-19; Miguens 1997: 389, 394; 1999: 337;
Xxxxxxx & Xxxxxx 1993: 12-13);
- os domínios de aplicação da linguística nos campos da tecnologia, das perícias forenses, da clínica, da educação, da constituição de corpora automáticos, entre outros (cf., entre outros, Payrató (1998), Xxxxxxx (2001), Gee (2001), Xxxx (2001) e Xxxxxx, Xxxxxxxxxx, Xxx- Xxxxxxx & Xxxxxxxxx 2001), requerendo uma multiplicidade de modos de pensamento e de
13 Xxxxxxxxx, a este propósito, o epíteto de que a linguística gozou durante as primeiras décadas da segunda metade do século XX – “ciência-piloto das ciências humanas” (cf., p. ex., a epígrafe encontrada em Mounin 1968:
7) –, que vincava o carácter pretensamente singular deste campo disciplinar enquanto abordagem “científica”, aproximável dos modelos de raciocínio objectivo, racional, explícito e quantitativo típico das ciências “naturais” (Lakatos & Marconi 1991: 24, 81).
14 Este propósito “cientificizador” da linguística é encontrado logo no incipit da obra programática de Xxxxxxxx (1916): “La science qui s’est constituée autour des faits de langue a passé par trois phases successives avant de reconnaître son véritable et unique objet.” (Saussure 1916: 13; negrito nosso). Esta concepção é retomada noutras passagens da obra (cf., entre outras, Xxxxxxxx 1916: 14, 36).
Cf. ainda, para outras reflexões menos recentes acerca deste tema, os textos de Xxxxx (1940a; 1940b).
investigação que ultrapassam largamente os tradicionalmente usados nos chamados “estudos humanísticos”;
- a utilização, mais evidente em certos subdomínios, de técnicas de análise quantitativa e estatística de dados e resultados obtidos em trabalho experimental, empírico e/ou de campo (cf., a título de exemplo, as obras de Xxxxxxx (1967), Partee (1978), Hatch (1982), Xxxxx, Xxxxxxxx & Xxxxxx (1986), Xxxxxx-Xxxx & Xxxxxxx (2000), Baayen (2008), Xxxxxx (2008) e Gries (2009), que exploram a aplicação dos métodos quantiativos (matemáticos e estatísticos) à análise linguística).
Assim, reiteramos o ponto de vista anteriormente expresso segundo o qual as disciplinas da área científica da linguística cumprem, nos cursos em que se insere a unidade curricular de EFMP, um papel muito importante e mesmo único na familizarização dos estudantes – que contactam, no seu percurso académico, fundamentalmente as disciplinas da área humanística – com métodos de pensamento e metodologias de análise e de exposição de raciocínios que se aproximam, de certa forma, dos modos de raciocínio e de exposição rigorosa e quantificada de ideias perfilhados pelas ciências naturais, exactas e formais (adoptando a divisão clássica dos ramos do conhecimento que encontramos, p. ex., em Lakatos & Marconi 1991: 2415).
No planeamento da unidade curricular de EFMP que será apresentado na II Parte deste relatório, teremos esta particularidade em mente e assumimo-la mesmo como um dos objectivos a atingir no trabalho com os estudantes. Os seguintes excertos de Xxxxxx (2008) – que cita conhecidos cientistas que definem a ciência não só como um conjunto de
15 Segundo as autoras citadas, é possível estabelecer uma distinção epistemológica entre estas ciências assente nos diferentes métodos de estudo seguidos (Lakatos & Marconi 1991: 81).
conhecimentos racionalmente atingidos e armazenados mas, antes de mais, como uma forma de pensamento e de atitude permanente que permite uma constante reformulação do conhecimento a partir do espírito crítico, da fundamentação rigorosa e da análise racional e objectiva da realidade – ilustram, de forma que consideramos plenamente adequada, o tipo de atitude que pretendemos incutir nos estudantes que se aproximam dos tópicos explorados ao longo do semestre na cadeira em apreço.
“Science is not a body of facts. Science is a state of mind. It is a way of viewing the world, of facing reality square on but taking nothing on its face. It is about attacking a problem with the most manicured of claws and tearing it down into sensible, edible pieces.
Even more than the testimonials to the fun of science, I heard the earnest affidavit that science is not a body of facts, it is a way of thinking. I heard these lines so often they began to take on a bodily existence of their own.
«Many teachers who don’t have a deep appreciation of science present it as a set of facts,» said Xxxxx Xxxxxxxxx, a planetary scientist at Caltech. «What’s often missing is the idea of critical thinking, how you assess which ideas are reasonable and which are not.»”
(Angier 2008: 19)
“«Science is not a collection of rigid dogmas, and what we call scientific truth is constantly being revised, challenged and refined,» said Xxxxxxx Xxxx, a theoretical physicist at the University of Michigan. «It’s irritating to hear people who hold fundamentalist views accuse scientists of being the inflexible, rigid ones […] As a scientist, you know that any new discovery you’re lucky enough to uncover will raise more questions than you started with, and that you must always question what you thought was correct and remind yourself how little you know. Science is a very humble and humbling activity.”
(Angier 2008: 20)
“Scientists accept, quite staunchly, that there is a reality capable of being understood, and understood in ways that can be shared with and agreed upon by others. We call this «objective» reality if we like, as opposed to subjective reality, or opinion, of «whimsical set of predilections.» […]”
(Angier 2008: 22)
1.4.2 – As disciplinas de linguística e o desenvolvimento de competências profissionalizantes no domínio do ensino de línguas
Concluiremos estas reflexões acerca da contextualização da disciplina de EFMP na oferta formativa disponibilizada aos seus estudantes com algumas notas sobre a circunstância de estes mesmos estudantes poderem, fruto da sua qualificação universitária, vir a obter habilitações para a docência de línguas (vd. ponto 3) supra).
A transmissão e o desenvolvimento de um maior conhecimento explícito da língua – das suas estruturas e propriedades – constituem um objectivo de primeira importância inerente a essa docência. A título de exemplo do reconhecimento dessa importância, citamos as seguintes palavras de um documento orientador (ME-DEB 1997), que circunscreve a sua reflexão à questão específica do ensino da língua materna no ensino básico:
“Uma das componentes nucleares do ensino da língua materna diz respeito à capacidade de manipulação consciente do sistema linguístico, com vista à análise e descrição do conhecimento intuitivo que a criança possui da língua materna.”
(ME-DEB 1997: 43)
“[…] o conhecimento implícito precede sempre o conhecimento explícito e, ao iniciar a escolaridade básica, muito caminho há ainda a percorrer. À escola cabe estimular tal percurso.”
(ME-DEB 1997: 46-47)
O papel particular que cabe à linguística na preparação dos estudantes no tocante ao conhecimento explícito das estruturas das línguas que estes poderão vir a ensinar e a distinção que, neste particular, se deve estabelecer entre as disciplinas universitárias de linguística e as de outras áreas (nomeadamente de literatura) são postos em destaque por diversos autores. O trecho que passamos a transcrever, retirado da introdução a uma obra que explora
precisamente o diálogo entre a linguística e a formação de professores, é exemplo desse tipo de argumentação.
“Outra das linhas fundamentadoras do trabalho do grupo [de autores do livro de que é retirada a citação] é a defesa de um ensino científico da língua materna [em contexto de formação de professores de Português] que passa por duas vias: (1) a separação da formação dos professores pela área da língua (a cargo de professores do Departamento de Linguística) e pela área da Literatura (a cargo dos professores do Departamento de Literatura); (2) a explicitação dos processos de funcionamento gramatical da língua, em momento apropriado da aprendizagem […].”
(Xxxxxxx-Xxxxxxx 1992: 1)
Em sentido semelhante vão as seguintes palavras de Xxxxxxx (2001):
“O principal papel dessa formação científica básica [=a formação universitária de professores, em geral] […] é justamente reforçar a capacidade de actuação consciente. No caso do professor de língua, é assegurar a aquisição de conhecimentos e de uma capacidade de reflexão sobre a língua que ficam disponíveis para a construção individual de relações fecundas entre a teoria e a prática.”
(Fonseca 2001: 22)
No seu conjunto, os trechos que acabamos de citar contribuem para a consciência da importância de disciplinas como EFMP enquanto oportunidades únicas de desenvolvimento do conhecimento explícito da língua, indispensável a futuros professores de Português ou de outras línguas. Este aspecto parece-nos muito importante na medida em que: (i) reforça o entendimento do papel das disciplinas de linguística enquanto disciplinas informativas e formativas (no sentido de Brito (2001) – cf. citações supra); (ii) sublinha o interesse e a imprescindibilidade da sua presença nos planos curriculares aqui considerados; e (iii) fornece-nos pistas importantes para a reflexão e as propostas vertidas para este relatório.
Ao nível do aproveitamento da informação/formação trabalhada nesta disciplina tendo em vista, numa fase ulterior, um eventual desempenho docente dos estudantes, o objectivo principal não se reduzirá à exploração de conhecimentos, termos ou conceitos isolados. Nesta unidade curricular – como, pensamos, noutras da mesma área científica –, pretende-se sobretudo avivar nos estudantes a consciência explícita para as estruturas da língua e para a forma como a explicitação das respectivas regularidades constitui um desafio intelectual que se consolida progressivamente através do estudo atento dessas mesmas regularidades e de um contacto frequente com técnicas de análise linguística como as trabalhadas durante as aulas. Isto é: o que se pretende, mais de inculcar-se nos estudantes universitários de linguística um domínio mais ou menos automático de uma terminologia técnica destinada a ser posteriormente repetida de forma passiva ou acrítica quando tais estudantes se tornarem professores, é desenvolver neles a consciência da plasticidade das estruturas linguísticas, a capacidade de considerar os produtos linguísticos como objectos passíveis de manipulação, análise objectiva e reflexão activa e um conhecimento amplo da riqueza das abordagens de que essas estruturas podem ser alvo. Encontramos a ilustração e a sustentação deste ponto de vista nas passagens com que encerramos este capítulo. Concordando plenamente com a perspectiva da autora das citações seguintes, diremos que aquilo que se pretende fazer com os estudantes desta cadeira, a um nível evidentemente adaptado ao respectivo contexto e faixa etária, é, de certa forma, uma antecipação do trabalho que nesse sentido é preconizado nas palavras que passamos a transcrever e que põem em evidência justamente os aspectos que acabamos de focar.
“[…] [O domínio da metalinguagem gramatical] é tão importante que o seu ensino exige mesmo que seja muito bem dominado pelo professor, que, graças à sua experiência, deve ter a capacidade e o bom senso de só transmitir tais conhecimentos quando achar que chegou o bom momento. […]
[…………………….……]
A linguagem, como qualquer objecto da realidade, tem de ser objecto de conquista/construção e é nessa medida que poderíamos dizer que a criança, na sua escala, também é cientista e prepara dessa maneira a cultura científica […].”
(Pinto 1998: 36-37)
“Pergunto-me se está nas mãos de todos os professores, independentemente da sua formação, fazer sentir nos aprendentes o pulsar das peças que constituem a linguagem passando pelo necessário despertar de consciências linguísticas a vários níveis.
De facto, para que o aprendente sinta que pode ser jogador nesta especialidade, é necessário que ele se dê conta das peças de que dispõe, que conheça as regras, e que se lhe dê, também a nível da linguagem a possibilidade da experimentação.”
(Pinto 2009: 51)
“De facto, a linguagem [na teoria construtivista inspirada por Xxxxxx] […] toma o lugar de simbolização, mas ela própria, enquanto código, é também objecto de conhecimento, acabando por tornar-se objecto conhecido (“known”). A linguagem, por conseguinte, tanto contribui para desenvolver o conhecimento como faz parte do conhecimento a construir. Talvez resida neste “compromisso” a possibilidade da existência de um programa vivo que se ocupe do objecto-linguagem.
Não será importante despertar no aprendente interesse pelo modo como se processa essa parte do conhecimento que é a linguagem e pelo modo como ela é adquirida? Não será interessante observar como o aprendente considera a linguagem enquanto objecto a conhecer e como torna explícito esse processo?”
(Pinto 2009: 55)
“Cabe […] ao professor de língua portuguesa a tarefa de acompanhar o desenvolvimento da linguagem dos seus alunos tirando partido tanto de textos dos mais diversos tipos de forma e de conteúdo como das mais variadas situações de discurso oral. Além disso, terá de criar nos alunos uma atmosfera que os leve a distanciarem-se do material verbal (oral ou escrito) e a saberem olhá-lo, comentá-lo e trabalhá-lo, no respeitante à sua forma e ao seu conteúdo, de forma crítica e independente.”
(Pinto 2009: 86)
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2. Enquadramento histórico: o ensino e a investigação em linguística na Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Uma reflexão aprofundada sobre a unidade curricular de que aqui nos ocupamos não dispensa, pensamos, um olhar histórico sobre a presença das principais áreas temáticas contempladas pela disciplina em análise nos vários planos curriculares oferecidos pela FLUP ao longo das várias décadas de existência dos cursos de graduação e pós-graduação em que a linguística tem sido considerada uma área científica importante.
Em nosso entender, mais do que pelo mero interesse histórico ou pelo cumprimento de uma prática comum neste tipo de relatórios, este olhar sobre a evolução ao longo do tempo justifica-se por nos permitir reunir argumentos que serão úteis para uma discussão que nos permita indagar e saber porquê, como e com que objectivos se formou, se desenvolveu e se atingiu o actual ponto da presença da linguística e, concretamente, da fonologia e da morfologia nos vários cursos ministrados na FLUP. Tentar perceber quais foram, em vários momentos da história da FLUP, as razões para esses resultados poderá ainda levar-nos a divisar melhor algumas lacunas e alguns pontos a aperfeiçoar.
Para o relance histórico que se esboçará de seguida, deter-nos-emos com particular atenção sobre as estruturas curriculares dos cursos oferecidos pela FLUP a partir da criação, em 1977, da licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, nas suas diversas variantes (Despacho nº 231/77, Ministério da Educação e Investigação Científica: Diário da República, II Série, nº 239, 15.10.1977)16.
16 O ensino linguístico na FLUP é inaugurado, porém, ainda durante a vigência da “primeira” Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que funcionou entre os anos de 1919 e 1928 e que, nesse período, ofereceu as licenciaturas em Filologia Clássica, Filologia Românica e Filologia Germânica (FLUP 1989b: 9). Da estrutura curricular de tais cursos (comum aos mesmos cursos nas Faculdades de Letras das Universidades de Coimbra e de Lisboa) faziam parte disciplinas intituladas Gramática Comparada do Grego e do Latim (Filologia Clássica), Filologia Portuguesa e Gramática Comparada das Línguas Românicas (Filologia Românica) e Gramática Comparada das Línguas Germânicas (Filologia Germânica), a par de disciplinas “literárias” como História da Literatura Portuguesa e Literaturas Espanhola e Italiana, entre outras (cf.: Decreto nº 6087/1919, Diário do Governo, nº 181, 03.09.1919; e Decreto nº
2.1 – Licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas, de 1977 a 1987: Fonética e Morfologia do Português (disciplina anual)
O elenco de disciplinas do curso de Línguas e Literaturas Modernas (LLM) (bem como a lista das cadeiras da licenciatura em Línguas e Literaturas Clássicas, que nunca funcionou na FLUP) foi fixado, a nível nacional (ou seja, para todas as faculdades em que foram criadas, na mesma data, estas formações), pelo Decreto nº 53/78 do Ministério da Educação e Cultura (Diário da República, I Série, nº 124, 31.05.1978). É este diploma que determina que, para as variantes de LLM com a componente de Estudos Portugueses17, as cadeiras de linguística obrigatórias (anuais) fossem as seguintes:
4651, de 14.07.1918). Estas designações, bem como uma análise atenta do acervo bibliográfico que compunha a biblioteca dessa primeira Faculdade de Letras do Porto (cf. o catálogo completo em FLUP 1989a), fazem-nos concluir da conformação do ensino linguístico praticado nessa instituição (e então designado como “filológico” ou “glotológico” – cf.: Xxxxxxxxxxx 1917: 23; Xxxxx 1995: 20, 49; Xxxxxxxx x Xxxxx 2002) à tendência dominante, naquela época, neste campo disciplinar (Robins (1990: 180), entre outros), isto é, aos estudos histórico- comparatistas. A receptividade da primeira FLUP a essa tendência dominante – bem como ao florescimento dos estudos fonéticos identificável de forma muito clara a partir de finais do século XIX (cf.: Xxxxx 1948; Xxxxxxx 1985; Xxxxxxxxxxx 0000: 15-17, 20 e ss.; Xxxxxx 1990: 222 e ss.) –, está de acordo, de resto, com observações de autores como Xxxxxxx (s/d: 96, 102), Xxxxxx (1940: 69), Xxxxxx Xx. (1956: 47 e ss.), Cintra (1973: 7), Xxxxxxx
(1973: 15, 17), Xxxx (1977: 24 e ss.), Xxxxx (1995: 20, 49) ou Xxxxxx & Xxxxxxxxx-Xxxxx (2003), entre outros, que sublinham a forma como os estudos linguísticos desenvolvidos à época em Portugal se pautavam por uma grande consonância e actualidade relativamente às principais tendências teóricas europeias suas contemporâneas.
Conjugando estes dados com a verificação da amplidão e da variedade de temas contemplados pela biblioteca dessa primeira FLUP (cf. novamente o catálogo disponível em FLUP 1989a), podemos com bastante certeza datar da primeira Faculdade de Letras do Porto uma característica que, como veremos, merece ser realçada como uma marca distintiva da formação aqui praticada: a profusão e a profundidade dos conhecimentos contemplados, assim como a actualização dos mesmos e dos respectivos suportes bibliográficos.
Relativamente ao ensino linguístico professado, já na “segunda” Faculdade de Letras do Porto (referimo- nos ao período inaugurado com a restauração desta instituição em 1962 – 1989a: 5; 1989b: 5), durante o período de vigência das licenciaturas em Filologia Românica (reaberta em 1969/1970 – FLUP 1989b: 9) e em Filologia Germânica (reaberta em 1972/1973 – FLUP 1989b: 9) – ou seja, portanto, entre 1969 e 1977 –, não nos foi possível recolher documentação ou informação relevante em quantidade suficiente
17 De acordo com as listas de disciplinas fixadas pelos diplomas legais citados no texto, a presença da linguística nas variantes de LLM sem componente de Português reduz-se à disciplina anual de Introdução aos Estudos Linguísticos, leccionada no 1º ano. Esta é, dessa forma, a única disciplina obrigatória de linguística inserida nos referidos planos curriculares, que deixam contudo uma pequena margem para a frequência, a título opcional, de outras disciplinas desta área científica.
1º ano: Introdução aos Estudos Linguísticos 2º ano: Fonética e Morfologia do Português 3º ano: Sintaxe e Semântica do Português 4º ano: História da Língua Portuguesa.
Verifica-se, por conseguinte, a existência de uma disciplina especificamente devotada às áreas com representação no programa de EFMP: Fonética e Morfologia do Português, inserida no 2º ano curricular.
Olhando às designações destas disciplinas, verifica-se uma preocupação por contemplar todas as áreas centrais da linguística geral (Introdução aos Estudos Linguísticos), da linguística descritiva do português (Fonética e Morfologia do Português e Sintaxe e Semântica do Português) e da linguística histórica do português (História da Língua Portuguesa). Ainda atendendo às mesmas designações e ao facto de as variantes sem uma componente de Estudos Portugueses não terem, nas suas estruturas curriculares, o mesmo peso de disciplinas da área da linguística, conclui-se que o ensino da linguística se encontra então muito ligado ao ensino da linguística portuguesa (na perspectiva sincrónica e diacrónica)18.
Para uma amostra do que seria, neste enquadramento, o ensino das áreas hoje contempladas pelo programa de EFMP, consultámos o programa da disciplina de Fonética e Morfologia do Português que vigorou na FLUP no ano lectivo 1986/1987 (FLUP 1986: 50-53).
18 Este dado reflecte a observação encontrada na citação de Brito (2001: 22) transcrita na nota 11, na qual a autora refere a forte ligação, no contexto universitário português, entre o estudo (ensino e investigação) da linguística e o da língua portuguesa/linguística portuguesa.
Verificamos então que esse programa abrange três áreas distintas, enumeradas em secções separadas e sucessivas 19 : a fonética, nas suas principais ramificações (acústica, articulatória e perceptiva); a fonologia; e a morfologia.
No domínio da fonologia, são reservados pontos específicos do programa para a abordagem de questões epistemológicas como o “estatuto teórico” da fonologia (FLUP 1986: 50), bem como secções descritivas centradas na descrição da “fonologia do português à luz das várias teorias linguísticas” (FLUP 1986: 50). As teorias assim consideradas são três (FLUP 1986: 51): a “estruturalista-funcionalista”, a “distribucionalista” e a “generativista”. Torna-se relevante mencionar que é no âmbito do capítulo do programa reservado à descrição fonológica do português, e não no âmbito do capítulo mais teóricos do programa (“o estatuto teórico [da fonologia]”, FLUP 1986: 50), que têm lugar, de acordo com esta partição por correntes teóricas, as referências às unidades descritivas e aos conceitos teóricos da fonologia explicitamente considerados pelo programa, como sucede com a apresentação do fonema e do traço distintivo (nas secções reservadas à fonologia estruturalista e à fonologia distribucionalista – FLUP 1986: 51). No capítulo reservado à fonologia generativa do português, procede-se também a um inventário de noções teóricas desenvolvidas no âmbito desta corrente: universais, binarismo e regras fonológicas (FLUP 1986: 51).
O capítulo da morfologia obedece a uma orientação similar (FLUP 1986: 51-52): depois de uma secção introdutória reservada à “delimitação do […] objecto [da morfologia] e
19 Apesar de a designação desta disciplina não contemplar explicitamente o domínio da fonologia, é indubitável a presença desta área no trabalho desenvolvido na cadeira, como comprovado pela leitura atenta do programa (vd. nossas observações no corpo do texto). Sobre esta “anomalia terminológica”, igualmente verificada no contexto de outras instituições universitárias portuguesas, debruça-se Rio-Torto (1998: 10 e ss.). Das reflexões desta autora relativas à situação particular da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, transcrevemos as seguintes palavras, que nos parecem muito elucidativas das razões que terão levado à ausência da fonologia do intitulado oficial da disciplina: “A designação da disciplina [Fonética e Morfologia do Português] e a sua ordenação curricular não podem ser dissociadas do momento histórico em que ocorreu a sua génese. Mais do que eventuais reminiscências com a disciplina de “Fonética Geral”, inscrita em anteriores planos de curso, terá sido uma concepção lata e maximalista da Fonética, em que a Fonologia é presumivelmente entendida como uma Fonética Funcional, a que presidiu a esta denominação da cadeira.” (Rio-Torto 1998: 10).
[…] [à] sua automomia”, o programa propõe, em secções separadas do texto, a descrição dos processos flexionais e derivacionais do português “à luz das teorias linguísticas referidas [no capítulo da fonologia]” (FLUP 1986: 51): o estruturalismo e o generativismo.
A bibliografia (“obrigatória mínima”) que acompanha este programa (FLUP 1986: 52-
53) engloba sobretudo obras introdutórias dos vários domínios considerados, publicadas em diversas línguas e reflectindo a pluralidade teórica patente no próprio programa. Nesta bibliografia, podemos encontrar referências quer a obras de carácter teórico (como as obras “clássicas” de Troubetzkoy (1939) e xx Xxxxxxx & Halle 196820), quer a estudos descritivos da fonologia e/ou da morfologia do português (como, p. ex.: Xxxxxx Xx. 197021, 197122; Mateus 197523; Pardal 1977).
Podemos afirmar que este programa encerra características que merecem um especial realce neste momento da nossa análise:
- representa um compromisso interessante entre o pendor teórico e o pendor descritivo a que atrás fizemos referência, ao propor uma descrição do português xxxxx e explicitamente apoiada nos contributos e avanços da linguística enquanto ciência;
- trata-se de um programa muito abrangente, que trata com profundidade assuntos de natureza muito diversa e complexa (desde a fonética acústica e perceptiva até à análise morfológica);
- incorpora, quer na definição de conteúdos, quer nas indicações bibliográficas, tendências então consideradas as mais recentes no domínio da linguística moderna, sendo, por isso, um programa muito actualizado para os padrões da sua época. Essa integração faz-se de
20 O programa citado indica, para a obra de Xxxxxxx & Halle (1968), quer a edição americana original, quer a tradução francesa publicada pelas Editions du Seuil (Paris).
21 No programa analisado, é referida a edição de 1976. 22 No programa analisado, é referida a edição de 1978. 23 No programa analisado, é referida a edição de 1982.
forma eclética, não excluindo nenhuma abordagem, mas optando, antes, por familiarizar os estudantes com as visões, por vezes antagónicas, estruturalista e generativa.
2.2 – Licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas – Ramos Educacional, Científico e de Tradução, de 1987 a 2002: Linguística Portuguesa I (disciplina anual)
A reestruturação curricular destes cursos introduzida pela Portaria nº 850/87 do Ministério da Educação (Diário da República, I Série, nº 253, 03.11.1987), que criou os ramos “profissionalizantes” (Científico, Educacional e Tradução) destas licenciaturas, aboliu das designações das cadeiras de linguística a menção explícita às áreas obrigatoriamente versadas pelos respectivos programas. Assim, as variantes da licenciatura em LLM com a componente de Estudos Portugueses passam a oferecer as seguintes cadeiras anuais obrigatórias da área de linguística:
1º ano: Introdução aos Estudos Linguísticos
2º ano: Linguística Portuguesa I
3º ano: Linguística Portuguesa II
4º ano: História da Língua Portuguesa.
A mudança de designação introduzida por esta reestruturação curricular manteve, porém, a presença dos domínios contemplados pelo programa de FMP no 2º ano desta licenciatura: uma leitura dos programas da disciplina de Linguística Portuguesa I nas edições do Guia do Estudante de Línguas e Literaturas Modernas publicadas pela FLUP nos anos subsequentes
a esta reforma curricular mostra que esta disciplina manteve, ao longo de toda a sua existência, os conteúdos e as principais orientações que acima identificámos na análise do programa de Fonética e Morfologia do Português (FMP) do ano de 1986/1987.
2.3 – Licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas, regime semestralizado, de 2003 a 2007: Linguística Portuguesa III, Linguística Portuguesa IV e Fonética, Fonologia e Morfologia do Português (disciplinas semestrais)
Uma alteração importante à situação atrás descrita verificar-se-á, a partir do ano lectivo de 2002/2003, com a substituição da maior parte das disciplinas anuais por disciplinas semestrais.
Em resultado desta mudança, as variantes de LLM com a componente de Estudos Portugueses passaram a incluir as seguintes disciplinas obrigatórias de linguística:
1º ano – 1º semestre: Introdução aos Estudos Linguísticos I 1º ano – 2º semestre: Introdução aos Estudos Linguísticos II 2º ano – 1º semestre: Linguística Portuguesa I
2º ano – 2º semestre: Linguística Portuguesa II 3º ano – 1º semestre: Linguística Portuguesa III 3º ano – 2º semestre: Linguística Portuguesa IV
4º ano – 1º semestre: História da Língua Portuguesa I
4º ano – 2º semestre: História da Língua Portuguesa II.
A par desta mudança (que manteve inalterada a opção de erradicar das designações das disciplinas a menção às sub-áreas contempladas pelos respectivos programas), há a registar uma mudança importante relativamente à presença curricular dos domínios contemplados pela
disciplina de EFMP: a sua transferência para o 3º ano do curso. Com efeito, a fonética, a fonologia e a morfologia – que, desde as disciplinas anuais de FMP e Linguística Portuguesa I, eram os primeiros domínios de análise da linguística portuguesa com que os alunos tomavam contacto, no ano imediatamente posterior à frequência da cadeira de Introdução aos Estudos Linguísticos e antes do contacto com as áreas da sintaxe e da semântica – passam agora a ser ensinadas no 3º ano, nas disciplinas semestrais de Linguística Portuguesa III e Linguística Portuguesa IV, ocorrendo assim só depois do contacto com a sintaxe e a semântica do português (domínio explorado nas disciplinas semestrais de Linguística Portuguesa I e Linguística Portuguesa II)24.
Lendo atentamente os programas das disciplinas semestrais de Linguística Portuguesa III e Linguística Portuguesa IV que funcionaram no seu último ano de vigência (2006/2007 25 ), verificamos que eles afirmam uma continuidade importante com os de FMP e Linguística Portuguesa I (anual) no que toca às áreas contempladas (fonética, fonologia e morfologia do português) e à orientação teórica dominante. No tocante a uma possível comparação destes programas com os que acabamos de considerar seus “antecessores”, registamos actualizações bibliográficas importantes, nomeadamente através da inclusão de vários manuais universitários de introdução teórica à fonologia e à morfologia que incorporam avanços determinantes nestes
24 A plataforma electrónica SIGARRA da FLUP conserva ainda os programas destas disciplinas em funcionamento no último ano da respectiva vigência (2006/2007), cuja leitura comprova os dados referidos no texto:
- Linguística Portuguesa I: xxxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_XXXXX.XxxxXxxx?X_XXX_XXXXXXXx0000/0000&X_XXX_XXXXX O=FLUP0096&P_PERIODO=1S (acedido em 28.09.2009);
- Linguística Portuguesa II: xxxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_XXXXX.XxxxXxxx?X_XXX_XXXXXXXx0000/0000&X_XXX_XXXXX O=FLUP0097&P_PERIODO=2S (acedido em 28.09.2009);
-Linguística Portuguesa III: xxxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_XXXXX.XxxxXxxx?X_XXX_XXXXXXXx0000/0000&X_XXX_XXXXX O=FLUP0557&P_PERIODO=1S (acedido em 28.09.2009);
- Linguística Portuguesa IV: xxxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_XXXXX.XxxxXxxx?X_XXX_XXXXXXXx0000/0000&X_XXX_XXXXX O=FLUP0558&P_PERIODO=2S (acedido em 28.09.2009).
25 Cf. referências electrónicas na nota anterior.
domínios disciplinares (como, no caso da primeira área, os desenvolvimentos trazidos pelas abordagens não-lineares dos modelos post-SPE). Ilustra esta situação a presença, nos programas da disciplina de Linguística Portuguesa IV, de obras como, a título de exemplo, Xxxxxxx & Xxxxxxx (2005), Xxxxxxx & Xxxx-Xxxxxx (Eds., 2001), Xxxxx & Xxxxxx (1990), Xxxxxx (1990), Goldsmith (Ed., 1995), Xxxxxxx (1991) e Spencer & Xxxxxx (Eds., 1998).
A nível das principais orientações subjacentes à definição dos conteúdos programáticos destas disciplinas, identificamos, como já dissemos, uma continuidade importante com as disciplinas antecedentes. Com efeito, a análise destes programas revela que continuamos em presença de programas exaustivos e muito amplos, que não adoptam uma única perspectiva teórica sobre os tópicos versados: pelo contrário, optam por familiarizar os estudantes com visões alternativas das mesmas questões, o que se torna particularmente visível, a título de exemplo, no confronto entre a visão estruturalista e a visão generativista na abordagem às questões de fonologia do português.
Sucedendo a uma disciplina anual, as duas cadeiras semestrais de Linguística Portuguesa III e Linguística Portuguesa IV procederam a uma especialização em separado dos domínios tratados. De acordo com a versão dos programas vigentes no último ano de funcionamento destas duas disciplinas que acima citámos26, essa repartição processou-se do seguinte modo: os tópicos de fonética do português (fonética articulatória, fonética acústica e fonética perceptiva), transcrição fonética e variação dialectal ficaram associados à disciplina de Linguística Portuguesa III, ao passo que os tópicos de fonologia e morfologia ficaram reservados à disciplina de Linguística Portuguesa IV. A transição do plano fonético para o plano fonológico das línguas é tratada, todavia, ainda no âmbito da disciplina de Linguística Portuguesa III, cujo programa inclui, como último ponto, um capítulo dedicado aos “Aspectos elementares do sistema fonológico
26 Cf. novamente as referências electrónicas da nota 24.
do português” que contempla, entre outros, tópicos como a distinção entre o nível fonético e o nível fonológico, a descrição do inventário segmental do português, uma referência aos padrões fonotácticos básicos da língua, a apresentação de processos característicos do português (velarização, elevação e recuo/centralização das vogais átonas, p. ex.), a apresentação da noção de traço distintivo (cabendo obras como Xxxxxxxx, Fant & Halle (1951) na bibliografia da cadeira) e a familiarização dos estudantes com a matriz fonológica do português. Podemos dizer, portanto, que a exploração das questões fonéticas neste programa obedece já a uma orientação linguística – concordante com a própria designação da disciplina (Linguística Portuguesa III) –, como o atesta ainda a presença, na lista de bibliografia aconselhada, de descrições gramaticais e fonológicas da língua como Mateus & E. D’Andrade (2000), Xxxxxx (2002) e Xxxxxx et al. (2003).
A publicação da Deliberação nº 432/2004 da Reitoria da Universidade do Porto no Diário da República, II Série, nº 82, 06.04.2004, cria, entre outras, as variantes de Língua e Cultura Portuguesa (Ensino de Português Língua Estrangeira) e Português – Língua, Literatura e Cultura da licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas da FLUP, aprovando os respectivos planos de estudos 27 . Nesta nova variante do curso de LLM é então criada a disciplina semestral obrigatória de Fonética, Fonologia e Morfologia do Português (FFMP), integrada no 2º ano – 2º semestre do referido curso.
27 Estas duas variantes substituirão, a partir da sua criação, a variante original de Estudos Portugueses que integrava a mesma licenciatura desde a sua criação em 1977.
Esta disciplina apresenta duas características que consideramos aqui dignas de uma nota especial28:
- primeiro, realçamos a recuperação, no nome oficial da unidade curricular, da menção explícita às áreas disciplinares da linguística contempladas pelo programa (opção que havia sido banida pela reestruturação de 1987, quando as disciplinas de linguística portuguesa passaram a ser designadas, de forma não vinculativa às áreas disciplinares tratadas, como Linguística Portuguesa I e Linguística Portuguesa II), bem como a opção de se nomear explicitamente as três áreas disciplinares centrais e obrigatórias da cadeira: a fonética, a fonologia e a morfologia (contrariamente ao que ocorria com a designação Fonética e Morfologia do Português29);
- em segundo lugar, sublinhamos o facto de esta ser a primeira disciplina curricular que impôs a “compactação” 30 , num só semestre, dessas mesmas três áreas (repartidas, nas disciplinas que podemos considerar suas antecessoras – Fonética e Morfologia do Português (anual), Linguística Portuguesa I (anual) e Linguística Portuguesa III e Linguística Portuguesa IV (semestrais) –, por um ano lectivo inteiro).
Tendo em mente sobretudo o último ponto focado nos dois parágrafos precedentes – a concentração, num só semestre, de tópicos anteriormente repartidos por dois semestres sucessivos, pertencentes aos domínios da fonética, da fonologia e da morfologia do português
–, podemos considerar a disciplina semestral de FFMP integrada a partir de 2004/2005 nas variantes de Língua e Cultura Portuguesa (Ensino de Português Língua Estrangeira) e Português – Língua,
28 As considerações sobre o programa desta disciplina tomam por base a versão que vigorou no último ano lectivo em que a cadeira funcionou (2006/2007). Esta versão pode ser consultada em: xxxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_xxxxx.XxxxXxxx?X_XXX_XXXXXXxXXXX0000&X_XXX_XXXXXXXx 2006/2007&P_PERIODO=1S (acedido em 31.01.2010).
29 Vd. nota 19.
30 Nesta necessidade de se fazer corresponder a um só semestre um conjunto mais vasto de matérias anteriormente trabalhadas em dois semestres poderá encontrar-se a explicação da redução do peso de algumas áreas neste programa, como é o caso da fonética, de cujo estudo é retirada a componente de fonética acústica.
Literatura e Cultura da licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas como a antecessora mais directa e mais imediata da disciplina de EFMP sobre que versa o presente relatório.
Tal como nos programas anteriores de FMP, Linguística Portuguesa I (anual) e Linguística Portuguesa III e IV (semestrais), é claramente identificável, no programa de FFMP aqui em apreço, o ecletismo teórico referido a propósito da leitura dos programas dessas disciplinas, patente ao nível da menção explícita a várias correntes teóricas e à admissão, na lista bibliográfica que acompanha o programa, de obras provenientes de diversas escolas linguísticas.
2.4 – Licenciaturas decorrentes do “Processo de Bolonha”, a partir de 2007 (Ciências da Linguagem; Línguas, Literaturas e Culturas; Estudos Portugueses e Lusófonos): Fonética, Fonologia e Morfologia e Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português (disciplinas semestrais)
Em consequência do quadro legislativo e institucional imposto pelo Decreto-Lei nº 74/2006 do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Diário da República, I Série A, nº 60, 24.03.2006), a oferta curricular da FLUP sofreu, a partir do ano lectivo 2007/2008, alterações profundas.
A linguística – que, como vimos, era, desde as licenciaturas em Filologia oferecidas pela primeira FLUP, uma componente importante dos cursos que aliavam o ensino da língua e da literatura – passa, a partir desse ano, a ser objecto de uma licenciatura que lhe é inteiramente dedicada, a licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante de Linguística.
Nessa licenciatura, as áreas contempladas pelo programa de EFMP formam o objecto de unidades curriculares separadas, o que – e atendendo aos objectivos de uma licenciatura com uma especialização inicial em linguística – permite um tratamento mais aprofundado, mais teórico e mais independente do estudo descritivo de uma língua em concreto das questões aqui versadas: Fonética (1º ano – 2º semestre) e Fonologia e Morfologia (2º ano - 1º semestre), havendo
ainda lugar para uma disciplina de Sociolinguística (3º ano – 1º semestre) em que supostamente poderão ser tratados alguns tópicos de variação linguística a que se faz alusão, nas aulas de EFMP, no momento do semestre dedicado à variação dialectal do português.
Já nos cursos em que se insere a unidade curricular de EFMP – Ciências da Linguagem
– Variante Português Língua Não Materna; Línguas, Literaturas e Culturas (LLC); Estudos Portugueses e Lusófonos (EPL) –, esta disciplina é a única em que os estudantes tomam contacto com todos esses tópicos, o que obriga a uma selecção criteriosa dos temas a tratar – sendo dada preferência aos tópicos mais fundamentais e consensuais na descrição do português – e, paralelamente, a um menor aprofundamento das implicações teóricas dos pontos do programa, em favorecimento da vertente “descritiva” desta disciplina. Sobre o conteúdo e as orientações gerais do programa desta unidade curricular não nos deteremos neste momento, já que eles constituem precisamente o objecto central do relatório, sendo, por isso, aprofundadamente discutidos nos capítulos da II Parte.
2.5 – Cursos de pós-graduação
A resenha histórica esboçada neste capítulo do relatório concede uma especial importância aos cursos de licenciatura. No entanto, parece-nos relevante reservar algumas observações sobre a presença da fonologia e da morfologia em cursos de pós-graduação (especialização, mestrado e doutoramento) que a FLUP tem disponibilizado em diferentes momentos da sua existência.
A formação pós-graduada em linguística (ou com uma participação curricular determinante da linguística) na FLUP teve início com a entrada em funcionamento do Curso
de Mestrado em Linguística Portuguesa Descritiva no ano lectivo 1982/1983, a que se seguiu, em 1985/1986, o Curso de Mestrado em Ensino da Língua Portuguesa (Franco 2003: 15-16).
Estes primeiros cursos de nível pós-graduado com uma presença exclusiva ou central da linguística não incluíam, porém, nenhum seminário devotado a questões de fonética, fonologia ou morfologia31.
Tanto quanto nos foi dado saber, foi somente no Curso Integrado de Estudos Pós- Graduados em Linguística32, e no ano 2003/2004 (primeiro ano da sua vigência), que se criou pela primeira vez um seminário de Fonologia (com a duração de 30 horas) ao nível do ensino pós-graduado na FLUP.
Esse seminário manteve-se em funcionamento até ao ano lectivo 2005/2006. A partir de 2006/2007, o curso passou a oferecer dois seminários semestrais de Fonologia: Fonologia I, destinado a todos os estudantes do curso (das duas variantes), oferecido no primeiro semestre; Fonologia II, exclusivamente destinado ao estudantes da variante de Linguística Portuguesa Descritiva, funcionando do segundo semestre33.
A entrada em vigor das disposições legais relativas à implantação do “Processo de Bolonha” nas universidades portuguesas motivou a criação, na FLUP, de dois ciclos de estudos pós-graduados em Linguística: um, conducente ao grau de mestre (Deliberação nº 284/2007
31 Segundo informação pessoal de alguns estudantes da primeira edição do mestrado em Linguística, apesar da inexistência de tais seminários, a direcção do curso promoveu algumas conferências sobre temas de fonética e fonologia para as quais foram convidados linguistas de outras universidades portuguesas.
32 Este curso, cuja primeira edição funcionou no ano lectivo 2003/2004, foi criado pela Deliberação nº 1102/2003 da Comissão Permanente do Senado da Universidade do Porto (Diário da República, II Série, nº 175, 31.07.2003). O curso era constituído por um ano de formação curricular, findo o qual os estudantes com aproveitamento adquiriam um Diploma de Especialização. A esta formação inicial seguia-se um número variável de anos consoante os estudantes pretendessem obter o grau de mestre ou o de doutor em Linguística (havendo a possibilidade de transição imediata do primeiro ano (curricular) do curso para o nível de doutoramento ou de passagem do mestrado para o doutoramento durante a fase de preparação da tese de mestrado). O curso dividia- se em duas variantes: Linguística Portuguesa Descritiva e Linguística Aplicada ao Ensino do Português.
33 As observações de carácter histórico mencionadas nesta secção e relativas aos cursos de pós-graduação a partir de 2003/2004 baseiam-se sobretudo no arquivo pessoal do autor do relatório, que participou na leccionação e/ou na organização desses cursos.
do Senado da Universidade do Porto, Diário da República, II Série, nº 36, de 20.02.2007), e outro, conducente ao grau de doutor (Deliberação nº 354/2007 da Reitoria da Universidade do Porto, Diário da República, II Série, nº 41, de 27.02.2007). No curso de mestrado, está previsto o funcionamento de dois seminários semestrais de Fonologia (Fonologia I, no primeiro semestre; Fonologia II, no segundo34). Quanto ao curso de doutoramento, este encontra-se dividido em 4 seminários cujo intitulado não restringe de forma estrita os conteúdos disciplinares abordados (Seminários de Doutoramento em Linguística A, B, C e D); desde a sua criação, tem sido prática que os estudantes inscritos neste programa doutoral frequentem, como forma de creditação do Seminário de Doutoramento em Linguística D, o seminário de Fonologia II do curso de mestrado, sendo posteriormente sujeitos a uma avaliação mais aprofundada e mais exigente do que os estudantes de mestrado35.
A história do ensino pós-graduado em linguística no quadro da FLUP é, por outro lado, indissociável da história do Centro de Linguística da Universidade do Porto, uma unidade de investigação fundada em 1976 (Franco 2003: 7 e ss.) que, mantendo uma considerável autonomia funcional e financeira face à Faculdade, tem cumprido a missão de criar as melhores condições para o avanço científico da área em que se insere e, em simultâneo, tem assumido como atribuição fundamental “[…] o apoio à orientação de dissertações de doutoramento e de mestrado” (Franco 2003: 15). A este propósito, convém aqui lembrar que o acervo
34 Em alguns anos lectivos, a frequência dos seminários do curso pode vir a ser facultativa.
35 Ainda no quadro dos cursos de mestrado e doutoramento criados ao abrigo das mudanças introduzidas pelo “Processo de Bolonha”, deve ser feita uma referência a outros cursos de mestrado actualmente oferecidos pela FLUP em que a área da linguística detém algum peso curricular (embora tais cursos não prevejam a exploração de tópicos de fonologia ou de morfologia em seminários especificamente dedicados a estas áreas). Exemplificam esta situação os seguintes cursos de mestrado: Tradução e Serviços Linguísticos; Ensino do Português e Línguas Clássicas no 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário (sucede ao anterior Curso de Especialização em Ensino do Português); Ensino do Português no 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário e Língua Estrangeira no Ensino Básico e Ensino Secundário (sucede ao anterior Curso de Especialização em Ensino de Português e Língua Estrangeira); Ensino de Português Língua Segunda/Língua Estrangeira (sucede ao anterior Curso de Especialização em Ensino do Português Língua Estrangeira).
bibliográfico do CLUP conserva ainda hoje fundos bibliográficos autónomos constituídos por livros e revistas adquiridos propositadamente para edições identificadas dos primeiros cursos de mestrado acima referidos.
2.6 – Considerações finais
Ao longo deste capítulo, detivemo-nos sobre a presença da linguística – quer ao nível geral desta área no seu todo, quer ao nível mais específico da presença das subdisciplinas contempladas pelo programa de EFMP – nas várias dimensões da vida académica da FLUP ao longo da sua existência, privilegiando o ensino pré-graduado e a época posterior à criação da licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas (1977).
Como marcas do percurso histórico assim analisado, compete-nos salientar, neste momento de síntese, os seguintes aspectos:
- a linguística corresponde a uma área científica cultivada, a nível do ensino e da investigação, desde a fundação da própria Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1919, como demonstrado pela sua presença curricular nos vários planos de estudos disponibilizados desde então por esta instituição;
- em sintonia com a situação verificada em instituições congéneres externas à UP, a presença curricular da linguística na FLUP mostra-se articulada, durante a maior parte do período temporal em causa, com a presença da área da literatura e com o intuito da formação de professores, sendo contudo de notar um percurso paralelo de autonomização, como demonstrado pela criação de cursos de pós-graduação (já a partir da década de 1980) e de graduação (a partir de 2007) especificamente orientados para a linguística;
- uma outra ligação importante da linguística nesta instituição (como noutras) é a que a une à linguística portuguesa; com efeito, a maior parte do ensino e da investigação em linguística, conforme vimos nas considerações antecedentes, tem-se fundido em torno do ensino e da investigação em linguística portuguesa. Esta situação tem-se manifestado com particular evidência, p. ex., nas designações e nos conteúdos da diversas unidades curriculares de linguística – que fazem sistematicamente referência ao português como domínio de estudo
– e na quase ausência de disciplinas de linguística nos cursos de LLM ou LLC sem a componente de Português, bem como nos actuais cursos de Línguas e Relações Internacionais e de Línguas Aplicadas36;
- os motivos que identificámos nesta secção do relatório para a situação resumida nos pontos anteriores prendem-se, de acordo com a interpretação que propusemos, com o entendimento de que um conhecimento aprofundado da língua portuguesa, a nível universitário, exige obrigatoriamente uma fundamentação científica rigorosa, de que a linguística é uma área fulcral para a formação de professores de línguas e, finalmente, de que a linguística fornece aos seus estudantes competências avançadas no domínio do raciocínio científico;
- o ensino da linguística nesta instituição pauta-se, em todos os momentos para os quais recolhemos indícios minimamente documentados, por características que avaliamos positivamente e que configuram, em nosso entender, uma marca distintiva do ensino praticado na FLUP. São qualidades associadas a essas características a abrangência e a profundidade dos programas curriculares, a actualização dos conteúdos e das bibliografias, a definição do desenvolvimento do espírito crítico e da autonomia de trabalho dos estudantes como um
36 A este propósito, veja-se novamente a citação de Xxxxx (2001) na nota 11. Acerca dos cursos de licenciatura em Línguas e Relações Internacionais e Línguas Aplicadas, registaremos somente a ausência de disciplinas especificamente consagradas às áreas contempladas pela disciplina de EFMP.
objectivo importante a atingir e o ecletismo teórico assumido na delineação de conteúdos, orientações gerais e bibliografias das disciplinas.
Todas estas características – verificadas, como dissemos, ao longo das várias décadas sobre que nos debruçámos nesta secção – contribuíram para o estabelecimento de um contexto de fundo em que se situa a disciplina apresentada neste trabalho e que é indissociável de todas as propostas que apresentaremos e defenderemos na II Parte do relatório.
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SEGUNDA PARTE
Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português:
Uma proposta desenvolvida de trabalho
3. Considerações preliminares sobre a proposta central deste relatório
3.1 – Princípio gerais da proposta desenvolvida nos capítulos seguintes
Nesta segunda parte do presente relatório, procederemos à apresentação circunstanciada de uma proposta desenvolvida de trabalho universitário no âmbito da unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português.
A presente proposta parte das considerações de fundo desenvolvidas ao longo dos capítulos da I Parte e obedecerá sempre a alguns princípios orientadores de base, decorrentes dessas mesmas considerações e que aqui explicitamos:
- proporemos uma disciplina inserida numa longa e rica tradição académica, que consideramos identitária do trabalho desenvolvido há várias décadas na FLUP, assente no trabalho sério e rigoroso, na actualização dos conteúdos e das bibliografias, na profundidade e diversidade dos temas tratados e na abrangência de orientações teóricas, epistemológicas e metodológicas;
- assumiremos a motivação dos estudantes para a área da linguística como um desafio constante, que deverá estar subjacente a todas as propostas de trabalho aqui subscritas;
- não ignoraremos a inserção curricular desta disciplina em cursos vocacionados para a exploração mais abrangente de aspectos literários e culturais relacionados com a área genérica dos estudos portugueses, demandados por um número significativo de estudantes com pretensões ao acesso à profissão docente;
- assumiremos de forma muito clara uma dupla vertente relativamente ao papel desta disciplina na formação dos estudantes inscritos37:
37 Esta dupla vertente das disciplinas de linguística encontra-se fundamentada na secção 1.4.1 do relatório.
(i) – uma vertente informativa, consubstanciada no objectivo de transmitir aos estudantes um corpus consistente e amplo de conhecimentos rigorosos acerca dos aspectos fundamentais do português contemplados pelo programa (transcrição fonética, fonética articulatória, fonologia, morfologia e variação dialectal), solidamente ancorados na linguística enquanto ciência e procurando uma síntese entre as referências clássicas, os pressupostos fundamentais e os avanços mais recentes da linguística geral e da linguística portuguesa;
(ii) – uma vertente formativa, traduzida na familiarização prática dos estudantes com as principais técnicas de análise linguística e da sua explicitação; esta familiarização deverá contribuir de forma determinante para o treino de capacidades de raciocínio analítico e da escrita académica e para o desenvolvimento da atitude crítica característica do espírito científico que se pretende também incutir nos estudantes em resultado da sua experiência académica no âmbito desta cadeira.
Como foi afirmado em vários momentos, os vários capítulos desta II Parte devem ser lidos e avaliados de forma articulada, já que as considerações de cada qual se projectam nas propostas concretas de trabalho formuladas nos restantes, do mesmo modo como todas as propostas corporizadas nestes capítulos se inspiram no enquadramento geral que foi debatido nos capítulos da I Parte.
3.2 – Breve definição de partida dos diversos perfis de estudantes que frequentam a unidade curricular de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português em termos de formação linguística prévia
Um aspecto que não pode ser de forma alguma negligenciado na proposta de unidade curricular que aqui apresentamos encontra-se na identificação dos conhecimentos que se pressupõe que todos os estudantes possuam já nas primeiras semanas do semestre, em resultado da frequência prévia de outras unidades curriculares da área científica da linguística/linguística portuguesa.
Assim, e antes de detalharmos a nossa própria proposta curricular, procederemos a tal identificação.
Em resultado da integração curricular da disciplina de EFMP apresentada em 1.1, os estudantes que frequentam esta disciplina podem corresponder, em termos de conhecimentos prévios de linguística adquiridos no âmbito de outras disciplinas, aos seguintes perfis38:
- estudantes da licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante de Português Língua Não Materna. Frequentam a disciplina de EFMP, obrigatoriamente, no 2º ano – 2º semestre. Nos semestres anteriores, terão frequentado obrigatoriamente as seguintes disciplinas de linguística: Bases de Análise Gramatical (1º ano – 1º semestre); Introdução à Linguística (1º ano – 2º semestre); Estruturas Léxicas do Português (2º ano – 1º semestre); Estruturas Sintácticas e Semânticas do Português I (2º ano – 1º semestre). Ao mesmo tempo que frequentam a disciplina de EFMP (2º ano – 2º semestre), frequentam também Estruturas Sintácticas e Semânticas do Português II. Nos semestres seguintes, a formação destes estudantes em linguística será ainda completada pelas disciplinas de História da Língua Portuguesa e Pragmática (ambas no 3º ano – 1º semestre) e Análise do Discurso, Aquisição da Linguagem e Variedades do Português (3º ano – 2º semestre);
38 Cf. os documentos legais que regulam os cursos em que se insere esta unidade curricular citados na nota 2.
Os perfis mencionados neste ponto do relatório não contemplam, naturalmente, a situação dos estudantes de qualquer curso que escolhem frequentar as disciplinas mencionadas em regime opcional.
- estudantes da licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos. Frequentam a disciplina de EFMP, obrigatoriamente, no 2º ano – 2º semestre. Nos semestres anteriores, terão frequentado obrigatoriamente uma única disciplina de linguística: Introdução à Linguística (1º ano – 2º semestre). Durante o semestre em que frequentam as aulas de EFMP, os estudantes deste curso não frequentam qualquer outra unidade curricular desta área científica. Nos semestres seguintes, a formação em linguística destes estudantes será completada por uma única disciplina obrigatória: Estruturas Sintácticas e Semânticas do Português I (3º ano – 1º semestre). Nesse mesmo semestre, alguns dos estudantes poderão ainda optar por uma outra disciplina desta área científica, Variedades do Português, em alternativa a um nível de língua grega (Xxxxx XX). Também a nível opcional, nesse semestre final, os estudantes poderão frequentar a disciplina de Fonética ou a de Aquisição da Linguagem, em alternativa a outras disciplinas de outras áreas curriculares, como História do Teatro Português – De Garrett ao Teatro Contemporâneo ou Latim V;
- estudantes da licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas (planos que incluam a componente de Português). A disciplina de EFMP pode ser frequentada, em alternativa a Estruturas Sintácticas e Semânticas do Português II, no 3º ano – 2º semestre do curso. Antes desse semestre, as disciplinas obrigatórias de linguística encontradas nos respectivos planos de estudos são as seguintes: Bases de Análise Gramatical (1º ano – 1º semestre) e Introdução à Linguística (1º ano – 2º semestre). Opcionalmente, os estudantes poderão frequentar, no 2º ano
– 1º semestre, duas das seguintes (no máximo e sempre dentro de um leque de opções que inclui muitas disciplinas de outras áreas científicas): Estruturas Léxicas do Português, Estruturas Sintácticas e Semânticas do Português I, Lógica e Linguagem, Psicolinguística, Semântica Lexical ou Sintaxe I.
Assim, será possível encontrar nas aulas de EFMP estudantes com níveis de conhecimentos explícitos de linguística bastante diferenciados. Essa diferenciação permitir- nos-á identificar as seguintes situações extremas, entre as quais teremos de admitir a existência de graus intermédios bastante diversificados:
- num extremo dessa gama, encontraremos estudantes com níveis expectavelmente muito escassos de conhecimentos explícitos de linguística. Encontrar-se-ão nesta situação estudantes cuja única disciplina de linguística frequentada antes de EFMP terá sido a de Introdução à Linguística, um ano antes da frequência de EFMP. De acordo com a breve revisão curricular que acabamos de realizar, os estudantes de EFMP pertencentes ao curso de EPL corresponderão, na sua maioria, a esta situação;
- no extremo oposto, iremos encontrar estudantes supostamente com conhecimentos mais alargados nesta área, por terem frequentado um número bastante considerável de disciplinas de linguística antes de se inscreverem em EFMP. Os estudantes da licenciatura em Ciências da Linguagem – Variante Português Língua Não Materna e os estudantes da licenciatura em Línguas e Literaturas e Culturas que tenham escolhido frequentar uma ou duas disciplinas opcionais de linguística além das duas disciplinas desta área obrigatórias no 1º ano (Bases de Análise Gramatical e Introdução à Linguística) corresponderão melhor a esta descrição.
Em face do exposto, julgamos que a base mínima de conhecimentos prévios de linguística que se pode assumir como partilhada por todos os estudantes é, efectivamente, bastante exígua. Será lícito esperar, no entanto, que todos os estudantes inscritos nesta disciplina possuam, no início do semestre, conhecimentos minimamente comprováveis nos seguintes domínios e questões, seleccionando neste momento apenas os aspectos mais directamente relacionados com os conteúdos trabalhados em EFMP:
- situação epistemológica geral da linguística enquanto abordagem científica, objectiva e não-normativa de todos os fenómenos relacionados com a linguagem verbal humana e com as estruturas das línguas naturais;
- identificação genérica das principais propostas correspondentes às várias correntes teóricas da linguística contemporânea;
- identificação das principais famílias linguísticas e da situação do português no conjunto das línguas românicas;
- familiarização com conceitos teóricos e operatórios básicos da linguística, tais como, entre outros, gramática, sistema, signo, significante/significado, morfema, fonema, sintagma, lexema, par mínimo, universal linguístico;
- classificação articulatória tradicional das consoantes e das vogais do português;
- classificação morfossintáctica das palavras do português e identificação das principais funções sintácticas admitidas pela gramática desta língua;
- conhecimento genérico, activo e passivo, dos principais símbolos e convenções da transcrição fonética do português;
- conhecimento dos principais mecanismos flexionais e derivacionais verificados em português.
Naturalmente, a co-existência de perfis distintos no que diz respeito ao domínio prévio de conhecimentos explícitos de linguística impõe alguns condicionalismos ao trabalho a desenvolver nesta disciplina: se, por um lado, não podemos assumir como previamente dominados certos conhecimentos mais avançados do que aqueles que resumidamente acabamos de referir, teremos, por outro lado, de procurar formas mais individualizadas de trabalho junto dos estudantes com um nível mais alargado de conhecimentos prévios. Tais
modalidades partirão de pressupostos um pouco mais ambiciosos do que estes. Esta procura de um trabalho mais individualizado poderá traduzir-se, p. ex., na escolha de eventuais temas para trabalhos individuais (vd. 9.1), que poderão, no caso de tais estudantes, versar sobre questões mais complexas e assentes em pressupostos teóricos mais avançados.
Finalmente, um outro aspecto a ter em conta nesta contextualização dos estudantes prende-se não com a formação em linguística que antecede a sua participação nas actividades propostas no âmbito da disciplina de EFMP, mas com a que se seguirá a esta experiência curricular. Com efeito, também a este nível se nos apresentam perfis distintos: se, por um lado, alguns estudantes não poderão vir a frequentar, de futuro, outras unidades curriculares de linguística a nível da formação pré-graduada, por EFMP integrar o último semestre lectivo dos seus cursos (estão nesta situação os estudantes da licenciatura em LLC)39, outros poderão ainda vir a frequentar, obrigatória ou opcionalmente, outras disciplinas desta área. Para estes últimos, cremos que nos cabe um papel de motivação importante que, pondo em realce o estatuto privilegiado da linguística enquanto disciplina a quem competem as importantes dimensões formativa e informativa a que temos aludido, encoraje a escolha de disciplinas desta área científica sempre que essa opção venha a revelar-se curricularmente disponível. Transmitir o entusiasmo e a consciência da importância da linguística constituirá então um desígnio claramente assumido no âmbito desta motivação.
39 Junto dos estudantes abrangidos por esta situação, julgamos ser pertinente aproveitar esta circunstância para se efectuar um “balanço final”, explícito e sistematizado, que avalie o impacto das várias disciplinas de linguística frequentadas sobre a formação atingida no termo do percurso universitário destes finalistas.
3.3 – Planeamento vs. concretização do projecto curricular apresentado neste relatório
Antes de procedermos à inventariação dos objectivos da disciplina, sublinhamos um aspecto que se aplica à totalidade deste relatório: a planificação do trabalho aqui proposta no âmbito da disciplina de EFMP, como parece ajustado a um relatório desta natureza, parte de um cenário que poderíamos classificar como ideal. Tal cenário pressupõe, por parte dos estudantes, uma forte motivação para o estudo e para o trabalho, com um envolvimento discente muito significativo na parcela desse trabalho que consiste no trabalho individual de leitura da bibliografia, de estudo, de resolução de exercícios práticos, de elaboração de trabalhos e de participação activa nas aulas. Pressupõe-se ainda, da parte da instituição, a disponibilização das melhores condições de trabalho ao professor e aos estudantes da disciplina (a nível, p. ex., dos recursos bibliográficos e informáticos, da disponibilidade horária do professor para atendimentos individualizados, etc.).
Naturalmente, o cenário real em que as propostas de trabalho aqui delineadas ganharão forma diferirá, nuns anos mais do que noutros (em função de condicionalismos externos), da situação ideal em que aqui são contextualizadas tais propostas. Uma adaptação destas e do trabalho efectivamente concretizado às condições reais de trabalho deverá sempre resultar, em cada ano lectivo e em cada turma, de uma avaliação crítica da situação concreta posta à disposição do professor e dos estudantes.
4. Objectivos da disciplina
Planear o trabalho a desenvolver numa disciplina universitária pressupõe que os estudantes adquiram e desenvolvam um conjunto de conhecimentos e competências que se apresentam, assim, como os objectivos finais do trabalho efectuado no âmbito da cadeira durante o semestre.
A consecução de tais objectivos por parte dos estudantes é, de resto, um factor orientador muito importante para a definição dos conteúdos programáticos aqui propostos para a disciplina de EFMP, bem como para a escolha das obras contempladas pela bibliografia que acompanha o respectivo programa, devendo ser também uma variável a ter em conta em toda a actividade pedagógica desenvolvida pelo professor a nível do planeamento e execução das aulas, da preparação de actividades complementares, da elaboração das provas de avaliação e das propostas dos trabalhos sugeridos à turma.
Tais objectivos encontram-se enumerados nas secções seguintes do presente capítulo, onde os dividimos em duas categorias principais:
- numa primeira categoria, elencamos os conhecimentos e competências mais gerais, relacionadas com questões abrangentes, eventualmente aprofundando alguns aspectos que poderão ter sido introduzidos em disciplinas anteriormente oferecidas a estes estudantes (tais como, designadamente, as unidades curriculares de Bases de Análise Gramatical e/ou Introdução à Linguística). Estes objectivos, de acordo com a presente proposta, deverão ser plenamente atingidos, em princípio, por todos os estudantes com aproveitamento na disciplina;
- num segundo nível, incluímos os conhecimentos e competências de carácter mais específico; relativamente a este nível de objectivos, é esperado um aprofundamento rigoroso de aspectos mais especializados que constituirão, em princípio, assuntos nunca abordados
anteriormente pelos estudantes. Estes últimos objectivos, naturalmente, dada a dificuldade inerente à maior parte deles, serão atingidos em graus diferentes pelos diversos estudantes, em função dos seus interesses, das suas motivações iniciais e do esforço colocado no estudo e no trabalho para a disciplina, o que deverá por sua vez traduzir-se nas diferentes classificações a atribuir aos estudantes da turma.
Uma última ressalva deve ser feita ainda à conveniência de uma visão integrada de todos os objectivos aqui formulados: ainda que tais objectivos sejam de seguida apresentados sob a forma de um inventário de conhecimentos diversos, tais itens não são aqui concebidos como uma lista de conhecimentos avulsos e adquiridos de forma puramente cumulativa. Pelo contrário, procurar-se-á inculcar nos estudantes a consciência da inter-relação entre todos os tópicos contemplados ao longo do semestre, sendo reforçada ainda a ideia de que a aquisição dos conhecimentos presente nesta parte do relatório deve traduzir – e deve resultar de – uma permanente atitude activa e construtiva do estudante perante as matérias com as quais é posto em contacto no contexto da disciplina de EFMP.
OBJECTIVOS GERAIS
1 – DOMÍNIO DOS CONCEITOS BÁSICOS DE FONÉTICA, FONOLOGIA, MORFOLOGIA E DIALECTOLOGIA
1.1 – Conhecimentos elementares de fonética articulatória tradicional e transcrição fonética:
a) Descrição funcional geral das estruturas contidas no aparelho fonador;
b) Distinções articulatórias fundamentais:
b.1) Sons surdos e sonoros (funcionamento da glote); b.2) Sons orais e nasais (funcionamento do véu palatino);
b.3) Consoantes e vogais (obstrução oral à passagem do ar); b.4) Pontos e modos de articulação (consoantes);
b.5) A configuração vocálica (vogais);
c) Categorização tradicional dos sons da fala realizados em português com base em propriedades fonéticas articulatórias: consoantes, vogais e semivogais; sons surdos e sons sonoros; sons orais e sons xxxxxx; consoantes obstruintes e soantes; obstruintes oclusivas e fricativas; soantes nasais e líquidas; líquidas laterais e vibrantes; vibrantes simples e múltiplas; os diferentes pontos de articulação consonânticos (consoantes bilabiais, labiodentais, ápico- alveolares, predorso-alveolares, predorso-prepalatais, dorsopalatais, posdorso-velares e posdorso-uvulares); vogais orais e nasais; vogais altas (fechadas), médias-altas (semifechadas), médias-baixas (semiabertas) e baixas (abertas); vogais anteriores, centrais e recuadas; vogais arredondadas e não-arredondadas;
d) Principais símbolos e convenções do Alfabeto Fonético Internacional. Vantagens de um sistema de transcrição fonética universal sobre a transcrição ortográfica corrente.
1.2 – As unidades e conceitos centrais da fonologia e da morfologia:
a) o fonema; a distinção entre fonema, fone e alofone;
b) unidades fonológicas não-segmentais:
b.1) infrassegmentais: o traço distintivo; a noção de “autossegmento”; b.2) suprassegmentais: a sílaba e os constituintes silábicos;
b.3) propriedades suprassegmentais: o acento; a entoação;
b.4) unidades e propriedades não-segmentais verificadas noutras línguas: a mora;
o tom;
c) o morfema; a distinção entre morfema, morfe e alomorfe;
d) diversos tipos de morfema:
d.1) morfemas aditivos, reduplicativos, alternativos e subtractivos;
d.2) morfemas zero, morfemas vazios, morfemas etimológicos e morfemas
supérfluos;
d.3) morfemas cumulativos;
d.4) morfemas “cranberry” (hapax legomena); d.5) morfemas gramaticais vs. lexicais;
d.6) morfemas flexionais vs. derivacionais;
d.7) as noções de morfema e forma: formas livres, formas presas e formas dependentes; palavras morfologicamente simples (indecomponíveis) e complexas (decomponíveis);
e) raiz derivacional, radical flexional, marcador de classe, tema, afixos derivacionais e morfemas flexionais;
f) a palavra; diversos critérios para a delimitação de unidades diferentes – palavra morfológica, palavra morfossintáctica e palavra fonológica;
g) o clítico; palavras fonológicas e grupos clíticos;
h) o léxico: léxico e gramática; as representações lexicais; o léxico mental; as noções de lexema e forma citacional;
i) alomorfia, representação lexical e supletividade;
j) formas subjacentes, representações de superfície e realizações fonéticas;
k) economia linguística: economia estrutural e economia descritiva;
l) as diversas unidades contempladas nesta secção na sua relação com a dupla articulação da linguagem (Martinet).
1.3 – Processos fonológicos:
a) a noção de processo fonológico; processos fonológicos e adição, apagamento e modificação de segmentos;
b) processos fonológicos, derivação (fonológica) e regras fonológicas;
c) representações fonológicas teóricas: estrutura subjacente, representação lexical, estrutura de superfície;
d) a natureza lexical ou pós-lexical de certos processos e propriedades fonológicas;
e) processos assimilatórios e dissimilatórios: assimilação, dissimilação, metafonia, harmonização vocálica;
f) aplicação de regras e processos: a noção de classe natural;
g) motivações históricas (diacrónicas) de alguns processos fonológicos.
1.4 – Processos de formação de palavras:
a) flexão;
b) derivação:
b.1) derivação afixal – prefixação, infixação, sufixação, circunfixação e parassíntese;
b.2) derivação não-afixal – conversão, posverbalização;
c) composição: composição morfológica e composição morfossintáctica;
d) outros processos de enriquecimento lexical e formação de palavras: d.1) abreviação: acronímia, siglação e truncagem;
d.2) amálgama;
d .3) empréstimos.
1.5 – A divisão do léxico em classes com base nas propriedades morfossintácticas das palavras e morfemas:
a) as “partes do discurso” desde a gramática greco-latina;
b) categorias gramaticais na gramática tradicional;
c) categorias lexicais e categorias sintagmáticas;
d) classes abertas (nome, verbo, adjectivo, advérbio, interjeição) e classes fechadas (pronome, determinante, quantificador, preposição, conjunção) em português.
1.6 – Problematização da distinção tradicional entre derivação e flexão; a representação dos processos derivacionais e flexionais no léxico teórico da língua.
2 – DISTINÇÕES TEÓRICAS FUNDAMENTAIS E RELAÇÃO ENTRE OS DIVERSOS DOMÍNIOS DISCIPLINARES CONTEMPLADOS PELO PROGRAMA DE EFMP
2.1 – A distinção entre fonética e fonologia:
a) a perspectiva clássica de Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx;
b) a distinção entre contrastes distintivos (fonémicos) e não-distintivos (subfonémicos ou alofónicos);
c) algumas problematizações recentes: a fonologia de laboratório;
d) bases fonéticas da análise fonológica e implicações fonológicas da investigação fonética.
2.2 – As relações entre a fonologia e a morfologia:
a) a explicação de todos os factos morfológicos pela componente fonológica da gramática no quadro SPE (Chomksy & Xxxxx 1968);
b) fonologia e morfologia no quadro da fonologia lexical (Xxxxxxx, Xxxxxxxx) e da morfologia prosódica (XxXxxxxx);
c) a representação lexical; aspectos fonológicos lexicais e pós-lexicais;
d) alguns processos linguísticos que demonstram a inter-relação destes dois domínios: d.1) o acento;
d.2) fenómenos a que está sujeita a vogal temática verbal do português: metafonia; apagamento e harmonização vocálica;
d.3) alomorfia; d.4) supletividade;
d.5) a alternância fonológica;
e) problematização da necessidade de uma componente morfológica na arquitectura da gramática:
e.1) línguas não-flexionais; e.2) línguas isolantes;
e.3) a não-universalidade da distinção morfema/palavra.
3 – HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA
3.1 – As grandes correntes da História da Linguística do século XX: Estruturalismo vs.
Generativismo. Traços gerais da oposição;
3.2 – Marcos históricos da evolução do pensamento linguístico no século XX: Xxxxxxxx;
o Círculo Linguístico de Praga (Xxxxxxxx, Troubetzkoy, …); Xxxxxxxxxx e o “Estruturalismo Americano”;
Martinet;
Xxxxxxx e os diversos modelos teóricos da Gramática Generativa (modelo “standard”; Teoria dos Princípios e Parâmetros; Programa Minimalista);
a integração da pragmática no domínio da descrição linguística;
domínios de interdisciplinaridade – a sociolinguística, a psicolinguística, a neurolinguística;
a Teoria da Optimidade.
3.3 – O lugar da fonologia e da morfologia e da relação entre estes dois domínios nos principais autores do Estruturalismo e do Generativismo.
3.4 – Principais desenvolvimentos da fonologia generativa não-linear (“modelos post-SPE”): Fonologia Autossegmental, Fonologia Métrica e Fonologia Lexical.
3.5 – As principais descrições da fonologia e da morfologia do português europeu e do português do Brasil à luz destes quadros teóricos.
4 – A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
4.1 – A noção de variação linguística; a variação linguística enquanto característica intrínseca a todas as línguas naturais.
4.2 – Principais variáveis motivadoras da variação linguística: tempo, espaço e sociedade.
4.3 – A variação linguística verificada em diversos módulos linguísticos: variação lexical, morfossintáctica e fonético-fonológica.
4.4 – Tipos clássicos de variação linguística: diastrática, diafásica, diatópica e diacrónica:
4.4.1 – A sistematicidade da variação linguística e da sua relação com factores extralinguísticos.
4.5 – As noções de dialecto, sociolecto e idiolecto.
4.6 – Variação linguística e linguística descritiva, sociolinguística e dialectologia.
4.7 – Noções clássicas de dialectologia: linhas isoglossas (isoléxicas e isófonas); variação estratificada e variação estilística; variação vertical.
4.8 – Atitude normativa vs. atitude descritiva perante o fenómeno de variação linguística.
5 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS FONOLÓGICAS E MORFOLÓGICAS INDIVIDUALIZADORAS DO PORTUGUÊS EUROPEU CONTEMPORÂNEO
5.1 – Vocalismo tónico vs. vocalismo átono; a elevação e centralização/recuo das vogais átonas; o apagamento fonético das vogais átonas.
5.2 – Princípios gerais organizadores dos inventários consonântico e vocálico.
5.3 – Principais restrições fonotácticas do português; estruturas silábicas do português.
5.4 – O condicionamento morfológico do acento de palavra.
5.5 – Próclise, ênclise e mesóclise na combinação verbo-pronominal.
5.6 – Concordâncias de género e número no interior do sintagma nominal.
5.7 – Flexão casual no pronome pessoal: formas rectas e formas oblíquas.
6 – DOMÍNIO ACTIVO CORRECTO DAS SEGUINTES TÉCNICAS E METODOLOGIAS
6.1 – Transcrição fonética estreita e larga de trechos do português em diversas variedades dialectais, inclusive a partir de amostras orais, adoptando os símbolos e seguindo as principais convenções formais da International Phonetic Association;
6.2 – Identificação genérica da proveniência dialectal de falantes do português europeu (e, em traços muito gerais, de variedades não-europeias do português) a partir da identificação explícita de marcas dialectais associadas às diversas variedades;
6.3 – Classificação articulatória tradicional de todas as consoantes e vogais do português;
6.4 – Classificação de todas as consoantes e vogais do português de acordo com o sistema de traços binários de Xxxxxx (1975) inspirado em Chomksy & Halle (1968);
6.5 – Utilização adequada dos conceitos operatórios, da terminologia científica corrente e das principais técnicas de análise e descrição linguísticas em uso nos domínios da fonologia e da morfologia;
6.6 – Classificação e análise morfológica correcta das palavras e descrição adequada de todos os processos de formação e enriquecimento lexical.
7 – INTERIORIZAÇÃO DAS SEGUINTES ATITUDES PROCEDIMENTAIS, ÉTICAS E METODOLÓGICAS
7.1 – Adopção de uma perspectiva profissional, não judicativa e não valorativa, perante o fenómeno da variação linguística, nomeadamente em contexto de ensino-aprendizagem da língua materna, sabendo fomentar em futuros estudantes a consciência dessa variação e das implicações sociais da mesma;
7.2 – Xxxxx distinção entre a realização fónica e a representação gráfica da língua;
7.3 – Xxxxx distinção entre as representações lexicais teóricas e as correspondentes realizações fonéticas;
7.4 – Adopção de uma atitude de abertura crítica perante a co-existência de quadros teóricos alternativos, traduzida num esforço de compreensão dos argumentos emanados das diferentes interpretações disponíveis e do seu confronto com os dados linguísticos e com argumentações alternativas;
7.5 – Interiorização de todos os procedimentos éticos imprescindíveis à realização de estudos de campo ou similares;
7.6 – Xxxxxxx profissional das práticas de escrita científica correntes no campo dos estudos linguísticos: domínio das convenções formais e estilísticas correntes; uso e indicação correctos de todas as fontes utilizadas e citadas; domínio das principais técnicas de análise qualitativa e quantitativa dos dados; domínio correcto das técnicas de citação e paráfrase.
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS
1 – FONÉTICA DO PORTUGUÊS
1.1 – Classificação articulatória tradicional de todas as consoantes e vogais do português.
1.2 – Conhecimento activo e passivo de todos os símbolos e das principais convenções do Alfabeto Fonético Internacional utilizados na transcrição fonética do português.
1.3 – Problematização das noções de consoante e vogal e confronto das mesmas com as de contóide e vocóide.
1.4 – Problematização da inclusão das consoantes soantes na classe das consoantes; propriedades fonéticas e fonológicas que aproximam as consoantes soantes das vogais em várias línguas do mundo e no português.
2 – FONOLOGIA DO PORTUGUÊS
2.1 – O inventário segmental do português:
2.1.1 – Contrastes fonémicos e alofónicos em português europeu contemporâneo;
2.1.2 – A organização interna do inventário segmental do português;
2.1.2.1 – Consoantes: obstruintes e soantes:
2.1.2.1.1 – Oposições de vozeamento e de modo e ponto de articulação nas obstruintes do português: oclusivas e fricativas;
2.1.2.2 – Oposições de nasalidade, modo e ponto de articulação nas soantes do português: nasais e líquidas (laterais e vibrantes);
2.1.2.3 – Vogais: oposições de altura, abertura, posição longitudinal da língua e arredondamento labial;
2.1.2.4 – As semivogais:
2.1.2.4.1 – Características fonéticas;
2.1.2.4.2 – O estatuto prosódico das semivogais e ditongos:
a) as semivogais como realizações fonéticas de vogais teóricas;
b) ditongos crescentes e decrescentes:
c) a legitimação prosódica das semivogais dos ditongos decrescentes: núcleos ramificados ou codas preenchidas?;
d) as designações contóide/vocóide (de base fonética) e consoante/vogal (de base fonológica/fonotáctica); as semivogais como “consoantes” – comutabilidade com contóides em pares mínimos e ocorrência em margem de sílaba;
e) ditongos e hiatos – nível fonético e nível fonológico.
2.1.3 – Padrões distribucionais das consoantes e vogais do português.
2.1.3.1 – Distribuição livre e distribuição complementar das unidades fonológicas em português. Realizações alofónicas dos fonemas. A neutralização de algumas oposições distintivas em determinados contextos: fonemas e arquifonemas em português.
2.1.4 – Alguns casos problemáticos:
2.1.4.1 – O sistema das vibrantes em português;
2.1.4.2 – O estatuto fonológico da vibrante múltipla em português;
2.1.4.3 – O estatuto fonológico das vogais nasais em português;
2.1.4.4 – O estatuto fonológico das semivogais e ditongos em português;
2.1.4.5 – O estatuto fonológico do chevá em português;
2.1.4.6 – O problema da especificação dos segmentos fonológicos nas representações lexicais.
2.1.5 – Traços distintivos na organização interna do sistema segmental do português:
2.1.5.1 – A matriz fonológica de Mateus (1975). Redundância e subespecificação no interior da matriz fonológica;
2.1.5.2 – Classes naturais do português;
2.1.5.3 – Questões de subespecificação em português: traços, vogais e consoantes subespecificados em português;
2.1.5.4 – Organização hierárquica dos traços distintivos em português. Referência aos modelos de “Geometria de Traços”.
2.2 – Processos fonológicos em português. Descrição estrutural e formalização dos processos; discussão do carácter lexical ou pós-lexical destes processos; motivação histórica e aspectos diacrónicos de alguns destes processos:
2.2.1 – Velarização de /l/ em coda silábica;
2.2.2 – Fricatização das oclusivas sonoras;
2.2.3 – Especificação de /S/;
2.2.4 – Desvozeamento de sílabas finais átonas;
2.2.5 – Nasalização;
2.2.6 – Metátese;
2.2.7 – Elevação e centralização/recuo das vogais átonas:
2.2.7.1 – Excepções à aplicação das regras do vocalismo átono e o seu contributo para a delimitação da palavra.
2.2.8 – Apagamento das vogais átonas.
2.3 – Aspectos prosódicos do português:
2.3.1 – Regras fonotácticas do português;
2.3.1.1 – Estruturas silábicas do português:
2.3.1.1.1 – O ataque em português: ataques iniciais e não-iniciais; ataques vazios, simples e ramificados. O Princípio da Sonoridade e a Condição de Dissemelhança na construção dos ataques ramificados em português. Sequências consonânticas marcadas em português e a hipótese do “núcleo vazio” (Xxxxxx & X. D’Andrade 1998; 2000). Problematização do estatuto prosódico das combinações Obstruinte+Lateral em português;
2.3.1.1.2 – A rima em português. Extensão máxima da rima. Solidariedade interna da rima. Restrições fonotácticas partilhadas entre núcleo e coda:
2.3.1.1.2.1 – O núcleo em português:
a) núcleos não-ramificados;
b) a hipótese do núcleo ramificado (ditongos decrescentes);
c) a hipótese do núcleo vazio (perante sequências consonânticas em violação do Princípio da Sonoridade e/ou da Condição de Dissemelhança);
2.3.1.1.2.2 – A coda em português:
a) prevalência das sílabas abertas em português;
b) restrições quantitativas e qualitativas ao preenchimento da coda silábica em português; a actuação do Princípio da Dispersão da Sonoridade;
c) o esvaziamento da coda silábica como uma tendência histórica da fonologia do português;
d) a hipótese de codas ramificadas em português;
2.3.1.2 – Restrições fonotácticas verificadas nos limites esquerdo e direito da palavra em português e o seu contributo para uma melhor avaliação linguística do conceito de palavra.
2.3.2 – O acento de palavra em português
a) função culminativa e distintiva do acento em português; acento e periferia de palavra em português;
b) acento e propriedades morfológicas da palavra em português; acento nominal vs.
acento verbal;
c) acento e peso silábico em português: a inexistência de proparoxítonos com penúltima sílaba pesada;
d) acento e delimitação da palavra fonológica;
e) problematização da distinção entre acento principal, acento primário e acento secundário em português;
f) modelos rítmicos de atribuição de acento em português;
g) acento e redução do vocalismo átono.
2.3.3 – Unidades prosódicas; discussão da sua relevância para a descrição fonológica do português: sílaba (σ); pé (Σ); palavra fonológica (ω); grupo clítico (C); sintagma fonológico (φ); sintagma entoacional (I); enunciado (U):
2.3.3.1 – A palavra fonológica. Critérios para a sua delimitação. Fenómenos sensíveis à delimitação da palavra fonológica: elisão e iodização de chevá final; palavra fonológica e grupo clítico em português;
2.3.3.2 – Interacção prosódica fonologia-sintaxe e fonologia-pragmática: estruturação prosódica dos enunciados; marcas prosódicas associadas à desambiguação sintáctica e à marcação de foco em português;
2.3.3.3 – Ritmo silábico e ritmo acentual na oposição entre português europeu e português do Brasil.
3 – MORFOLOGIA DO PORTUGUÊS
3.1 – Estrutura interna das palavras em português:
a) raiz derivacional;
b) afixos derivacionais;
c) radical flexional;
d) marcadores temáticos e tema;
e) morfemas flexionais.
3.2 – Critérios para a identificação e delimitação da palavra em português:
3.2.1 – Atribuição de acento e palavra fonológica; outras marcas fonológicas associadas à identificação/delimitação da palavra fonológica;
3.2.2 – Categoria morfossintáctica, função sintáctica e palavra morfossintáctica;
3.2.3 – Marcas e processos flexionais e palavra morfológica;
3.2.4 – O caso particular dos advérbios em –mente e dos nomes formados com o sufixo z- avaliativo.
3.3 – Processos derivacionais em português:
3.3.1 – Derivação afixal:
a) prefixação;
b) sufixação;
c) diferenças entre processos prefixais e sufixais: selecção categorial e determinação da classe lexical das palavras derivadas; atribuição de acento e de género das palavras derivadas;
e) parassíntese;
f) problematização da hipótese de infixação na formação de palavras do português;
3.3.2 – Derivação não-afixal:
a) conversão;
b) formação de posverbais (problematização da designação “derivação regressiva”).
3.4 – Composição de palavras em português:
3.4.1 – Discussão das “palavras compostas” à luz das noções de palavra fonológica, palavra morfológica e palavra morfossintáctica. Os compostos morfossintácticos como a aglomeração, numa palavra morfossintáctica, de duas palavras fonológicas e morfológicas;
3.4.2 – Composição morfológica e composição morfossintáctica:
3.4.2.1 – Os compostos morfológicos e os “sufixos eruditos”. Problematização do estatuto destas palavras enquanto “compostos”.
3.5 – Outros processos de enriquecimento lexical:
3.5.1 – Processos de abreviação e de amálgama. Discussão do seu estatuto morfológico;
3.5.2 – Os empréstimos lexicais.
3.6 - Processos flexionais em português:
3.6.1 – Flexão verbal:
3.6.1.1 – As categorias flexionais do verbo em português: modo-tempo e número- pessoa;
3.6.1.2 – A vogal temática como marcador de classe. A divisão tradicional dos verbos do português em três conjugações em função da vogal temática. Problematização desta divisão: “conjugação produtiva” (“primeira conjugação”) vs. “conjugações históricas” (“segunda e terceira conjugações”); marcas formais que distinguem a primeira das segunda e terceira conjugações: pretérito imperfeito do indicativo (-va- vs. –ia-), presente do conjuntivo (-e- vs. –a-), particípio passado (-ado vs. -ido);
3.6.1.3 – Morfemas flexionais verbais em português;
3.6.1.4 – Supletividade do radical em português;
3.6.1.5 – Irregularidades da flexão verbal em português:
a) verbos defectivos; o caso particular dos impessoais e unipessoais;
b) “flexão abundante”;
3.6.1.6 – Fenómenos fonológicos a que está sujeita a vogal temática verbal do português:
a) apagamento;
b) metafonia;
c) harmonização vocálica; harmonização vocálica e abaixamento da última vogal do radical;
3.6.1.7 – Principais fenómenos de alomorfia registados na flexão verbal do português;
3.6.1.8 – A determinação da forma subjacente de alguns morfemas flexionais verbais do português; o caso particular da determinação da forma subjacente do morfema de segunda pessoa do plural;
3.6.1.9 – Interpretação fonológica dos processos de flexão verbal do português.
3.6.2– Flexão nominal em português:
3.6.2.1 – As categorias flexionais do português: flexão de número; problematização das categorias género e grau enquanto categorias flexionais nominais em português;
3.6.2.2 – O género como uma concordância formal dentro do sintagma nominal, independente da categoria biológica sexo e da terminação das palavras;
3.6.2.3 – Marcadores de classe na flexão nominal do português. Problematização da noção de “vogal temática” na flexão nominal do português;
3.6.2.4 – Morfemas flexionais nominais do português;
3.6.2.5 – Casos particulares:
3.6.2.5.1 – Nomes terminados em /l/;
3.6.2.5.2 – Nomes com singular terminado em –ão;
3.6.2.5.3 – Nomes formados com sufixo z-avaliativo.
3.6.3 – A flexão do pronome pessoal em português: formas rectas e formas oblíquas.
3.7 – Aspectos morfológicos das “palavras invariáveis” e das formas indecomponíveis do português: problematização da distinção palavra /morfema nas classes dos advérbios, conjunções e preposições:
3.7.1 – Estrutura interna e aspectos prosódicos dos advérbios em –mente.
3.8 – A divisão do léxico do português em categorias morfossintácticas. Classes abertas vs. classes fechadas. Estrutura interna e propriedades morfossintácticas e fonológicas dos itens das classes:
3.8.1 – Nome;
3.8.2 – Verbo;
3.8.3 – Adjectivo;
3.8.4 – Advérbio;
3.8.5 – Interjeição;
3.8.6 – Pronome;
3.8.7 – Determinante;
3.8.8 – Quantificador;
3.8.9 – Preposição;
3.8.10 – Conjunção.
3.9 – Exemplos de interacção fonologia/morfologia:
3.9.1 – Acento nominal e acento verbal em português;
3.9.2 – Alomorfia do morfema de plural nominal;
3.9.3 – Metafonia da vogal final de morfemas de pessoa-número e da vogal temática verbal;
3.9.4 – Harmonização vocálica e abaixamento da última vogal do radical na flexão verbal do português;
3.9.5 – Supletividade e opacidade fonológica na determinação da forma teórica de alguns morfemas flexionais do português;
3.9.6 – Alternâncias fonológicas de grau de abertura de /E/ e /O/ motivadas pela classe gramatical em que ocorrem dentro de raízes derivacionais partilhadas por verbo e nome (“harmonização vocálica).
3.10 – A noção de PALAVRA em português:
3.10.1 – Dificuldades inerentes à definição da palavra. Problematização do carácter universal desta unidade linguística;
3.10.2 – Palavra ortográfica, palavra morfológica, palavra morfossintáctica e palavra fonológica;
3.10.3 – Palavra gramatical e palavra lexical;
3.10.4 – Critérios para a delimitação da palavra morfossintáctica: comutabilidade com uma palavra não-composta; núcleo de categoria sintagmática com função sintáctica atribuída;
3.10.5 – Critérios para a delimitação da palavra fonológica: domínio de acento; domínio de processos/regras fonológicas (vocalismo átono, iodização/apagamento de chevá final, …);
3.10.6 – Critérios para a delimitação da palavra morfológica: domínio da aplicação de um processo flexional;
3.10.7 – Fenómenos e condições fonológicas sensíveis à palavra e pertinentes para a sua identificação/delimitação em português:
3.10.7.1 – Restrições fonotácticas particulares sensíveis ao limite (esquerdo ou direito) de palavra;
3.10.7.2 – Minimalidade;
3.10.7.3 – Acento e vocalismo átono.
4 - VARIAÇÃO DIALECTAL DO PORTUGUÊS
4.1 – A divisão dos dialectos do português segundo a proposta de Xxxxxx (1971)
a) Dialectos setentrionais;
b) Dialectos centro-meridionais;
c) Dialectos insulares;
d) Sub-áreas dialectais delimitadas: Baixo Minho e Douro Litoral; Beira Baixa e Alto Alentejo; Barlavento algarvio.
4.2 – As isoglossas contempladas por Xxxxxx (1971) e a problematização da sua pertinência para a divisão dialectal do português europeu contemporâneo.
4.3 – Algumas mudanças fonético-fonológicas em curso no português europeu.
4.4 – A integração morfológica e fonológica dos empréstimos lexicais em português.
4.5 – Principais marcas que distinguem os dialectos europeus dos dialectos não-europeus do português.
5. Programa da disciplina
5.1 – Justificação prévia
Nesta secção do relatório, procederemos à apresentação do programa proposto para a disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português.
Para a elaboração da presente proposta, foram tidos em conta os objectivos fixados para a unidade curricular em apreço, de acordo com o exposto no capítulo 4, bem como o seu enquadramento curricular (explorado em 1.1 e 3.2).
Por outro lado, sublinhamos que o programa que passamos a propor é indissociável da bibliografia que o completa (vd. cap. 6). Sem uma familiarização intensiva e profunda dos estudantes com a leitura crítica das obras contempladas por essa bibliografia, a compreensão cabal dos tópicos incluídos no programa, devidamente enquadrados nas diversas orientações teóricas contempladas, torna-se precária ou mesmo inatingível.
Finalmente, devemos referir que é do programa e da bibliografia que decorre principalmente o planeamento das actividades lectivas previstas para o semestre (vd. cap. 8), nestas incluídas as actividades propostas aos estudantes no contexto da sua avaliação escolar, conforme são apresentadas no capítulo 9.
Com estas observações gerais, é nosso objectivo sublinhar que, ao considerarmos o programa de uma disciplina universitária um documento-chave para o funcionamento das actividades planeadas para o semestre, não o encaramos, porém, como o único instrumento orientador desse trabalho previsto. Por outras palavras, defendemos que o programa deve ser perspectivado de forma conjugada com outros documentos orientadores, como a lista de objectivos da disciplina ou o planeamento das actividades do semestre, isto é, como uma parte central mas não exclusiva de um projecto curricular mais vasto e articulado. Assim, defendemos
que a completa avaliação do programa a seguir proposto só se torna possível, em nosso entender, em presença da sua conjugação permanente com os objectivos, a bibliografia e o planeamento com que tal programa deverá combinar-se.
No programa que passamos a apresentar, não evitámos tópicos mais complexos ou acerca dos quais co-existem entendimentos diferentes. Esta característica é encarada neste relatório como um desafio ao trabalho de professor e alunos. Subscrevemos aqui a ideia de que a formação universitária é, por natureza, complexa e exigente, sublinhando a necessidade de um esforço acrescido quando se trata do domínio de questões como as contempladas neste programa. De resto, esta necessidade é inequivocamente explicitada, com grande insistência, nas primeiras sessões lectivas do semestre.
Ainda a nível dos conteúdos contemplados pelo programa, julgamos necessário salvaguardar o seguinte: a intenção de actualização40 dos conteúdos programáticos não deve traduzir-se, de forma alguma, no apagamento de pontos de vista, orientações ou indicações bibliográficas consideradas “clássicas” nos domínios contemplados pelo programa. Pelo contrário: um dos vectores estruturantes do programa e da bibliografia aqui propostos
40 A actualização dos conteúdos trabalhados na disciplina contemplará também, em diferentes momentos e modalidades do trabalho efectuado, uma familiarização dos estudantes com os resultados da investigação desenvolvida no contexto da FLUP e do CLUP, sendo inevitável, neste contexto, a apresentação da investigação realizada ou conduzida pelo professor da disciplina. Através deste contacto dos estudantes com a pesquisa científica produzida pelos linguistas que são seus professores, pretende-se, além do alargamento dos conhecimentos dos estudantes e do fomento do seu contacto com o maior número possível de interpretações e quadros teóricos alternativos, levá-los a interiorizar de uma forma mais directa e, ao mesmo tempo, mais pessoal a natureza e a importância do trabalho científico. Esta vertente do trabalho desenvolvido no âmbito da disciplina constituirá uma das manifestações do esforço de motivação dos estudantes para a investigação e para a linguística que acima identificámos como um dos objectivos do trabalho a implementar.
identifica-se plenamente com a interiorização, pelos estudantes, dos pontos de vista clássicos nos principais domínios trabalhados. Assim, parte importante do trabalho a desenvolver consistirá na reflexão sobre os conceitos e as unidades que hoje constituem as noções basilares desses domínios e na familiarização com os textos fundamentais acerca desses mesmos pontos de vista41.
Com base em todas as considerações anteriormente formuladas, é subscrita a proposta de programa que passamos a explicitar de imediato.
41 Um exemplo que consideramos elucidativo deste aspecto encontra-se na exploração da diferença entre o plano fonético e o plano fonológico: embora esteja prevista, na abordagem a este tema, a leitura de textos mais recentes sobre o assunto, nomeadamente os capítulos dos manuais universitários de fonologia contemplados pelo programa da disciplina que se debruçam sobre esta distinção (p. ex., e entre outros: Xxxxxxx 0000: 1-34; Xxxxx & Yallop 1990: 1 e ss.; Carr 1993: 1-32; Xxxxxxx 1996: 1 e ss.; Xxxxxxxxxxx & Xxxxxx 1998: 19 e ss.), não será dispensado o contacto directo dos estudantes com os trechos da obra fundadora em que Xxxxxxxxxxx (1939) discute este assunto e lança as bases, que perduram até aos nossos dias, desta distinção epistemológica fundamental para o campo disciplinar em que se insere o trabalho desenvolvido em EFMP.
5.2 – Proposta de programa para a unidade curricular (semestral) de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português
0 - Pontos prévios.
0.1 – A inserção da disciplina de Estruturas Fonológicas e Morfológicas do Português na área científica da linguística.
0.2 – Pressupostos iniciais: o conhecimento da língua como o explicandum do linguista; subdivisões da linguística em diversos campos disciplinares; o carácter central da fonologia e da morfologia na definição deste programa.
0.3 – Unidades centrais no estudo da fonologia e da morfologia: fonema/segmento; traço distintivo; sílaba; morfema; palavra.
1 – Transcrição fonética do português.
1.1 – A necessidade de um sistema de transcrição fonética maximamente regular e de aplicação comum a todas as línguas do mundo.
1.2 – As insuficiências dos sistemas correntes de transcrição ortográfica.
1.3 – Os princípios de um sistema de transcrição fonética.
1.4 – Transcrição fonética estreita vs. transcrição fonética larga.
1.5 – O Alfabeto Fonético Internacional (AFI).
1.6 – Símbolos e convenções do AFI utilizados na transcrição fonética do português.
1.7 – Transcrição fonética das variedades dialectais do português.
2 – Fonética articulatória do português.
2.1 – O aparelho fonador e a produção dos sons da fala.
2.2 – Descrição e classificação articulatória tradicional dos sons do português.
3 – Variação dialectal em português.
3.1 – Norma e variação.
3.2 - A variação linguística como uma característica intrínseca às línguas naturais. Variação: Fenómeno periférico (circunscrito às realizações fonéticas) ou central (presente na própria gramática)?
3.3 – Normativismo vs. descritivismo perante a variação linguística.
3.4 – Linguística e variação linguística. A perspectiva particular da linguística histórica, da sociolinguística e da dialectologia.
3.5 – Factores históricos, sociais e geográficos na variação linguística.
3.6 – Tipologia clássica da variação linguística: variação diacrónica, diatópica, diafásica e diastrática.
3.7 – A variação linguística nos vários níveis da gramática: variação fonético-fonológica; variação lexical; variação morfossintáctica.
3.8 – Noções clássicas de sociolinguística e dialectologia: variação estilística vs. variação estratificada; variação vertical; dialecto, sociolecto e idiolecto;
3.9 – Variedades europeias e não-europeias do português contemporâneo.
3.10 – A divisão dialectal do português europeu contemporâneo de acordo com a proposta de Xxxxxx (1971).
3.11 – Variações em curso no português europeu contemporâneo.
4 – Aspectos segmentais da fonologia do português.
4.1 – Inventário segmental. A organização interna deste inventário.
4.1.1 – Oposições funcionais na organização do consonantismo do português: vozeamento; nasalidade; modo de articulação; ponto de articulação.
4.1.2 – Oposições funcionais na organização do vocalismo do português: altura; abertura; avanço/recuo; arredondamento labial.
4.1.3 – A distinção entre vocalismo tónico e vocalismo átono; vocalismo átono pré-tónico e pós-tónico (final e não final).
4.1.4 – Segmentos fonológicos admitidos no inventário teórico da língua e as suas realizações fonéticas e alofónicas.
4.2 – Padrões de distribuição dos segmentos consonânticos e vocálicos do português.
Fonemas e alofones. Neutralização de oposições distintivas e arquifonemas em português:
/L/, /N/, /R/, /S/ e arquifonemas vocálicos.
4.3 – A distinção entre vogais, consoantes e “semivogais” de um ponto de vista fonético e fonológico.
4.4 – Algumas questões problemáticas do inventário segmental do português.
4.4.1 – O estatuto fonológico das “vogais nasais”.
4.4.2 – O estatuto fonológico das semivogais e dos ditongos.
4.4.3 – O estatuto fonológico da vibrante múltipla.
4.4.4 - O estatuto fonológico do chevá.
4.5 – Processos fonológicos em português. Descrição estrutural, formalização e discussão do seu carácter lexical ou pós-lexical. Discussão da motivação diacrónica de alguns destes processos.
4.5.1 - Velarização de /l/ em coda silábica.
4.5.2 – Fricatização das oclusivas sonoras.
4.5.3 – Desvozeamento de sílabas finais átonas.
4.5.4 – Nasalização.
4.5.5 – Elevação e centralização/recuo das vogais átonas.
4.5.6 – Apagamento de vogais átonas.
4.5.7 – Especificação de /S/.
5 – Aspectos prosódicos da fonologia do português.
5.1 – Unidades suprassegmentais: sílaba, pé, palavra fonológica, grupo clítico, sintagma fonológico, sintagma entoacional, enunciado.
5.2 – Estruturas silábicas em português.
5.3 – Restrições fonotácticas e princípios prosódicos aplicados na constituição de:
5.3.1 – Ataques simples (iniciais e não-iniciais) e ramificados;
5.3.2 – Núcleos simples e ramificados;
5.3.3 – Codas finais e não-finais.
5.4 - O acento de palavra em português.
5.4.1 – Acento e periferia de palavra.
5.4.2 – Função culminativa e distintiva do acento de palavra em português.
5.4.3 – Acento e estrutura morfológica da palavra em português: regras de atribuição de acento em formas nominais e em formas verbais do português.
5.4.4 – Restrições quantitativas à atribuição de acento de palavra em português.
5.4.5 – Problematização da distinção entre acento principal, acento primário e acento secundário em português.
5.5 – Estrutura prosódica, estrutura sintáctica e estrutura informacional em português.
5.5.1 – Marcas prosódicas associadas à desambiguação sintáctica em português.
5.5.2 – Marcas prosódicas associadas à marcação de foco em português.
5.6 – Ritmo acentual e ritmo silábico no português europeu e no português do Brasil.
6 – Aspectos morfológicos do português.
6.1 – Tipos de morfema em português.
6.1.1 – Morfemas lexicais e morfemas gramaticais.
6.1.2 – Morfemas derivacionais e morfemas flexionais. A distinção entre processos derivacionais e processos flexionais e o seu lugar no léxico teórico da língua.
6.1.3 – Morfemas zero, morfemas cumulativos, morfemas vazios, morfemas etimológicos e hapax legomena na morfologia do português.
6.1.4 – As noções de morfema, morfe e alomorfe na descrição morfológica do português.
6.2 – Morfema, forma e palavra. Palavras plenas/vazias, palavras de conteúdo/funcionais, palavras lexicais/gramaticais.
6.2.1 – Critérios para a definição, identificação e delimitação dos diferentes tipos de palavra em português. Problematização da noção de palavra como unidade pertinente para a descrição linguística.
6.2.1.1 – Palavra morfológica.
6.2.1.2 – Palavra morfossintáctica.
6.2.1.3 – Palavra fonológica.