CONTRATO DE SHOPPING CENTER
XXXXXXXX XX XXXXXXXX XXXXXX
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx
Professor Assistente de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Juiz Federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
I. Introdução à Dogmática dos Contratos Contemporâneos
Na realidade atual dos sistemas político-econômicos dos países, especialmente daqueles denominados capitalistas, mostra-se fundamental analisar os elementos dos institutos jurídicos que se relacionam à circula- ção da riqueza, especialmente em quadrante histórico de desafiantes crises e transformações políticas, econômicas, sociais, religiosas, morais e mesmo familiares. Tal análise não pode ser realizada sem a atenção voltada para o elemento teleológico dos próprios institutos, nunca deixando de observar que, por mais que os teóricos pretendam dissimular os verdadeiros funda- mentos acerca da vida humana na realidade cósmica, nunca será demais lembrar que todas as nossas ações, arriscadas ou cautelosas, ao menos em tese, se dirigem a propiciar melhor qualidade de vida para aqueles que compartilham a existência no planeta Terra, e têm como destinatário final a pessoa humana, não somente integrante da presente geração, mas também das vindouras. Sob tal prisma se encaixa a visão contemporânea a respeito dos contratos que envolvem o uso, a fruição, e mesmo a disposição de bens de uso, bens de consumo, e bens de produção.1
Assim, cumpre ressaltar que, ao lado da propriedade - especialmente imobiliária, o contrato recebeu acentuado destaque nas codificações dos paí- ses ocidentais filiadas à família do direito continental (ou civil law), alicerça- do nos princípios e valores que se reconheceram prevalentes em determinada
1 A respeito do tema, em sede do enfoque dos vários conteúdos do direito de propriedade, importante lembrar as lições de Xxxxxxx Xxxxxxx XXXX: “... o fato incontroverso é que hodiernamente não se pode admitir a mesmeidade do conteúdo do direito de propriedade nos bens de uso, nos bens de consumo e nos bens de produção.”(Campo e cidade no ordenamento jurídico brasileiro. Texto que serviu de base à conferência no evento comemorativo dos setecentos anos da Università Degli Studi di Macerata, na Itália, em 9 de maio de 1991). Rio de Janeiro: Gráfica Riex Editora, [s.d.], p. 17).
época histórica. Um dos principais postulados foi o da não-intervenção do Estado na economia interna das relações contratuais, somente sendo chamado o Poder Público, na sua função jurisdicional, no caso de descumprimento de certas cláusulas e obrigações, em nítido reconhecimento que a liberdade e a autonomia contratuais eram dotadas de quase completo absolutismo, resguardando o interesse das pessoas “livres”. No caso do Direito Civil brasileiro, as influências históricas e políticas da Europa continental foram sentidas com bastante intensidade, sendo importante destacar que muitas vezes institutos foram trazidos para o território normativo brasileiro sem a devida e necessária adaptação à realidade existente no país. O período de elaboração do projeto do Código Civil brasileiro, que remonta desde o final do século XIX até sua efetiva aprovação, em 1916, é marcado por uma eco- nomia “essencialmente agrária, dominada pelos latifúndios rurais e pelo predomínio, no campo filosófico, do pensamento liberal, da concepção de propriedade como expressão e extensão da personalidade e da liberdade do homem”.2 De acordo com as concepções da ideologia liberal, tal como vigente à época, sobressaíam duas importantes figuras no cenário jurídico civilista: aquelas relativas ao proprietário e ao contratante. É curioso obser- var como os proprietários mereciam detido e peculiar tratamento por parte da legislação civilista codificada, daí a prevalência de certos princípios e características do patrimonialismo, do absolutismo e da liberdade irrestrita, rigorosamente cumpridos em atenção aos valores e dogmas introduzidos pela classe política e econômica dominante numa economia eminentemente voltada para o campo.
Normalmente, sob o argumento da existência de um suposto equilíbrio entre os contratantes, alguns deles – especial e principalmente relacionados à condição de proprietários de bens imóveis – mereciam maior tutela do ordenamento legal do que outros, ou seja, recebiam maior proteção do que os “contratantes-não proprietários”. Tal observação não escapou da atenção de Xxxxxxx XXXXXXXX: “0 legislador, refletindo o momento histórico em que estava inserido, privilegiou o ‘contratante-proprietário’ em relação ao ‘contratante-não proprietário’. A preocupação maior era a salvaguarda do patrimônio, cujo exercício contratualmente se transfere”. 3 Diante de tais circunstâncias, e em coerência com os princípios e valores que buscou
2 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 139.
3 Idem, p. 139.
tutelar, o Código Civil de 1916 modelou o contrato de locação de coisas com reconhecimento da nítida proeminência do locador sobre o locatário, pressupondo, assim, que como titular de direito real sobre o bem locado – normalmente, como proprietário, ou equiparado a tal, como o enfiteuta -, o locador merecia ser tutelado de maneira mais ampla do que o locatário. Restava, desse modo, evidenciada a preocupação maior com o “contratan- te-proprietário”, comparativamente ao outro estipulante.
No que pertine aos imóveis urbanos, pouco tempo após o início de vigência do Código Civil de 1916, e especialmente em decorrência das mudanças operadas no cenário econômico mundial, produtores de conseqüên- cias imediatas sentidas no Brasil, e de acontecimentos políticos e sociais em nível internacional, reconheceu-se a necessidade da intervenção estatal em vários institutos relativos à aquisição e utilização dos bens imóveis, como se costuma exemplificar no caso do contrato de locação de imóveis urbanos, através de sucessivas leis especiais, inicialmente tidas como temporárias e extravagantes.4
De acordo com fatores econômicos e sociais, a legislação especial sobre locação predial atuava ora de forma liberalizante em virtude da necessidade de dar maior atenção aos interesses do locador, ora de forma intervencionista, quando se buscava atender aos interesses do locatário, nas questões relativas a conflitos eternos entre situações proprietárias e situações não-proprietárias. Como observa Nagib SLAIBI FILHO, “a legislação do inquilinato está estreitamente vinculada às políticas que têm sido adotadas pelos diversos governos, de variados matizes ideológi- cos, que tivemos desde a promulgação do Código Civil de 1916”.5 Logo, em matéria de legislação sobre locação de imóvel urbano, verifica-se a necessidade de se alcançar equilíbrio entre os vários interesses em jogo, daí os exemplos da Lei nº 6.649/79, mais protetiva ao inquilino, e da Lei nº 8.245/91, menos intervencionista, mas também adotando medidas de proteção ao locatário. É digna de destaque a advertência a respeito da possibilidade da legislação ser demasiadamente intervencionista, gerando a repulsa do mercado, ora por meio da inutilidade das regras com a sua
4 Para uma análise mais detalhada sobre a evolução histórica da legislação em matéria de locação de imóveis urbanos, remeto o leitor ao emérito Xxxxxx XXXXXXXXX. Direito Civil, v. 3, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 229 e ss.
5 SLAIBI FILHO, Xxxxx. Comentários à Nova Lei do Inquilinato. 9. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1996, p. 14.
conseqüente inoperância, ora através da retração e diminuição do número de imóveis para locação, agravando os setores habitacional e comercial, dois dos grandes causadores de litígios na pós-modernidade.
A função social da propriedade rompe seus limites dogmáticos e for- mais do campo dos direitos reais para ser reconhecida em outros segmentos do Direito Civil, especialmente nos contratos, legitimando a intervenção do Estado quer através de normas jurídicas, quer por meio de comandos administrativos6. O que se verifica nas avenças relacionadas à transferência de parcela das faculdades dominiais representa o aproveitamento econô- mico da coisa de modo a atender interesses especialmente relacionados ao “contratante-não proprietário”. Em termos gerais, a intervenção estatal na ordem econômica, voltada aos interesses particulares, se expressa sob dois aspectos importantes: a) pela restrição, nos contratos, da autonomia da vontade que, portanto, deixa de ser dogma e princípio absoluto, atra- vés do estabelecimento de um núcleo mínimo imodificável, como, por exemplo, em matéria de locação residencial, a imposição de limitações à retomada do imóvel, ou, como no caso de locação não-residencial, por meio da atribuição de algumas conseqüências a determinada conduta, com a previsão acerca do direito à renovação compulsória; b) pelo controle estatal, via função jurisdicional, quanto ao cumprimento e observância de tais limitações e conseqüências, com a imposição e aplicação de sanções ao infrator contratual.
A partir da Constituição Federal de 1988, houve mudança da tábua de valores reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo ruir determinados dogmas e princípios considerados inabaláveis, e a própria summa divisio entre direito público e direito privado. E, em cumprimento ao texto constitucional de 1988, algumas leis foram editadas e devem ser interpretadas em conformidade com os novos postulados constitucionais, imbuídos de solidarismo, humanismo e existencialismo, a prestigiar as
6 Merece transcrição a séria e atual advertência de Xxxxx Xxxxxx XXXXXXXX a respeito do não-cum- primento da função social da propriedade imobiliária: “A apropriação do solo, seja urbano, seja rural, para fins meramente especulativos, acaba por gerar um quadro de instabilidade social, violência, crimi- nalidade e poluição, além de contribuir decisivamente para a concentração de riqueza e distribuição da miséria. Enfrentar esse abuso do direito de propriedade, violador de sua função social, é imprescindível para colocar o direito rente à vida, a serviço do homem e de suas necessidades vitais, contribuindo para a criação de uma sociedade justa e solidária como preconiza o texto constitucional.” (“Função social da propriedade”. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx (coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 399).
situações existenciais em detrimento das situações patrimoniais sem fun- cionalidade social.
Dentro dessa perspectiva, sobreveio a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, objetivando compatibilizar valores constitucionalmente tutelados atinentes à habitação e moradia (na locação de imóveis residenciais), ao fundo empresarial (na locação de imóveis não-residenciais) e à autonomia contratual.7 Há, hodiernamente, o reconhecimento de que o contrato também possui função social que precisa ser cumprida, não havendo, pois, dissociação da noção da função social da propriedade (em suas várias espécies) aos vários negócios que contemplem aspectos dessa mesma propriedade. Xxxxxxx XX- XXXXXX bem observou tal peculiaridade: “opção legislativa de disciplinar o contrato de locação tendo em conta o seu aspecto funcional, reunindo sob o mesmo estatuto apenas as espécies locatícias que regulam interesses considerados dignos de tutela diferenciada pelo sistema constitucional, como a moradia, o fundo de comércio, a empresa como instituição social geradora de empregos”.8
O shopping center representa novo instrumento da atividade econô- mica, típico dos países de feição econômica capitalista, utilizado na área de fornecimento de produtos e serviços, em uma sociedade de massa, integrada por uma coletividade ávida à prática do consumo, insuflada a tanto por meio do crescimento dos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, da propaganda. Cuida-se de fenômeno econômico-social da pós-modernidade, originado nos Estados Unidos da América nos idos da década de 1950, que se espalha por outros países, inclusive o Brasil, nos anos seguintes. Daí a observação de Sílvio de Salvo VENOSA no sentido de que “os centros de compras (...), hoje vão colocando-se como molas mestras do comércio, em todos os países, à medida que desenvolvem seu capital e dão oportunidade à economia privada (...), se transformam em centros de convivência”.9 Numa tradução literal da expressão inglesa, shopping center pode ser considerado na língua portuguesa como “centro de compras”, mas no seu desenvolvi- mento acabou por se transformar em centro de convivência, com ofertas de lazer, divertimentos e serviços dos mais variados, e não apenas de produtos para venda pelos comerciantes. Daí o motivo pelo qual a expressão inglesa
7 Tal colocação foi feita por Xxxxxxx XXXXXXXX, numa análise do tema envolvendo algumas impressões sobre os artigos 1 a 26, da Lei nº 8.245/91 (Temas de direito civil, p. 137).
8 Idem, p. 142.
9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Nova Lei Inquilinato Comentada. São Paulo: Atlas, 1992, p. 195.
foi aceita no vocabulário da língua portuguesa, e hoje consta formal e ex- pressamente na legislação brasileira.10
Na sua origem norte-americana, os shopping centers (ou centros de compras comerciais) eram espaços a céu aberto, com a facilidade de oferecerem estacionamento para veículos e visavam à clientela, em regra, dos consumidores dos bairros dos subúrbios, daí sua localização comum ser fora dos centros urbanos. No Brasil, o fenômeno se repetiu basicamente com tais características, mas acabou também ocorrendo nas áreas de gran- de índice de urbanização, inclusive em bairros com alta taxa de ocupação populacional, normalmente em virtude do melhor poder aquisitivo do público-alvo.
Comparativamente aos estabelecimentos comerciais ou de serviços conhecidos como lojas tradicionais que abrem portas para a via pública, os shopping centers oferecerem “maior segurança, melhor estacionamento, lojas sempre agradáveis, ‘avenidas’ largas e arejadas, ar condicionado tanto no interior das lojas quanto no mall, áreas de lazer para crianças e adultos, restaurantes, lanchonetes, enfim, as pessoas vão em busca de um programa de fim de tarde, ou de fim de semana, às vezes apenas passear ou encontrar os amigos, para não falar no glamour de estarem num ambiente sofisticado e bonito”.11 Tal é a importância do fenômeno que, dependendo de alguns fatores, é perfeitamente possível o fechamento de estabelecimentos tradicionais localizados nas vias públicas, diante da maior atratividade e segurança do consumo no shopping center.
De acordo com a entidade norte-americana que congrega os sho- pping centers, pode-se conceituar shopping center, sob o ponto de vista econômico, como “um grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construídos em terreno planejado e desenvolvido. (...) deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e o tipo de lojas existentes relacionados diretamente com a área de influ- ência comercial a que esta unidade serve. (...), também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes no projeto”.12 Nas palavras de Nardim Darcy LEMKE, shopping center pode ser considerado
10 Veja-se, por oportuno, o emprego da expressão nos artigos 52, § 2º, e 54, caput e § 1º, da Lei nº 8.245/91.
11 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Shopping Center. Blumenau: Acadêmica Publicações, 1999, p. 26.
12 XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Shopping center, uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 1.
como “um local planejado para os consumidores irem às compras e terem lazer, com maior segurança, sem as usuais dificuldades de estacionamen- to, e poderem contar com amplo espectro de lojas comerciais e de lojas prestadoras de serviços, de atividades diversificadas, muitas voltadas para o lazer e as diversões, organizadas de tal modo que haja uma convivência pacífica entre os lojistas, sem concorrência predatória, cobrindo grande número de necessidades humanas e contando com uma administração única e centralizada, que xxxxxxxx e melhore o tenant mix, sempre atualizando sua atuação no proveito recíproco de empreendedor e lojistas”.13
A partir de tais conceitos, alguns aspectos podem ser destacados, o que será feito por ocasião da referência às características do shopping cen- ter. No entanto, pode-se indicar uma diferença entre uma loja de shopping center e outra, concebida tradicionalmente. No shopping center, como regra, nenhuma loja deve abrir portas diretamente para a via pública, mas para o mall, com o objetivo de fazer com que as pessoas entrem no shopping e obrigatoriamente tenham que percorrer as diversas lojas lá existentes. Daí a razão e a importância da distribuição planejada e conseqüente alocação das lojas, fazendo com que os lojistas tenham que se submeter à organização e à administração do empreendedor do shopping.
Mister se faz então destacar algumas características do empreendi- mento do shopping center: a) há importante e necessário planejamento do empreendimento, o que permitirá alcançar o êxito pretendido no maior apelo à presença dos consumidores de serviços e produtos nos centros comerciais e de serviços, não sendo possível que qualquer um dos lojistas interfira na organização global do empreendimento; b) o estabelecimento, pelo empreendedor, do tenant mix, a saber, a “disposição estratégica das lojas, de acordo com o gênero de produtos oferecidos, bem como as escadas rolantes, os banheiros, os serviços de apoio, de modo a assegurar uma má- xima utilização da estrutura organizacional e do potencial econômico, em benefício de toda a comunidade de lojistas”,14 como conseqüência do pró- prio planejamento do empreendimento; c) divisão dos espaços localizados no interior do shopping center entre lojas-âncora ou magnéticas - as mais importantes e conhecidas, para permitir a atração do público-consumidor, em geral formando a clientela comum, representadas por grandes magazines
13 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 33.
14 XXXXXXXX, Xxxxxxx, op. cit., p. 144.
ou supermercados, lojas de departamento, em geral – e as lojas-satélite – aquelas que oferecem produtos e/ou serviços específicos e variados, não sendo tão conhecidas do público em geral – e os centros de lazer – como restaurantes, lanchonetes, bares, cinemas, teatros, pequenos parques de diversão; d) a submissão dos lojistas a normas contratuais padronizadas, permitindo equilíbrio de oferta sem concorrência predatória, e o aprovei- tamento racional dos espaços comuns – como benefícios de elevadores, escadas rolantes, estacionamento, por exemplo –, e a otimização do lucro nas atividades desenvolvidas no interior do shopping center. Diante de tais características, em termos de planejamento estratégico do shopping center, é normalmente reservado para a única loja-âncora daquele empreendimen- to o espaço dos fundos da construção, com o intuito de fazer com que os clientes tenham necessariamente que passar em frente das lojas-satélites, ao passo que na hipótese de haver duas lojas-âncoras cada uma deve ficar em extremidade oposta, ligadas por uma “alameda”, em havendo apenas um piso, ou localizadas em andares diferentes, quando há mais de um pa- vimento da construção.
A finalidade do shopping center é “congregar e juntar, num mesmo local, de preferência fora dos centros urbanos, para facilitar a movimenta- ção, o maior número possível de diferentes ramos do comércio, atividades empresariais, prestação de serviços para que o consumidor sinta-se, não só seguro em relação aos produtos a serem adquiridos, mas, igualmente, estimulado a adquirir o maior número de produtos”.15 Há, nesse particular, uma atividade de empreendimento que resulta de planejamento estratégico, proporcionando maiores benefícios aos consumidores em geral comparati- vamente ao comércio tradicionalmente desenvolvido fora de tais ambientes, mas que recebe contraprestação por tais benefícios, daí o valor dos produtos e serviços normalmente incluir um plus comparativamente aos preços cobra- dos por outros lojistas, não ocupantes de espaços em shopping center. Dentro dos fenômenos da vida contemporânea, principalmente relacionados aos grandes problemas sociais como a criminalidade crescente e a conseqüente insegurança social, o shopping center se apresenta como um lugar dotado de maiores vantagens e benefícios, inclusive nessa área, proporcionando um sentimento de melhor segurança e, conseqüentemente, maior bem-estar. Tal
15 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx do Rego, A Nova Lei do Inquilinato. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 110.
ponto merece ser destacado principalmente por eventuais danos relacionados às pessoas em função da má-prestação de serviços de segurança pelo empre- endimento, o que, em tese, pode ensejar a responsabilização civil objetiva do empreendedor, em alguns casos gerando obrigação solidária entre lojista e empreendedor. A respeito de tal ponto, merece destaque trecho do trabalho de Xxxxxxxx Xxxxxx do Xxxx XXXXXXXX, cuidando especificamente sobre furto de automóveis em estacionamento do shopping center: “...a idéia dos shopping centers está estreitamente ligada ao automóvel, eis que, sem eles, tornar-se-ia impossível a grande quantidade de compras, feitas pelos usuários, eis que se torna bastante difícil a verificação de casos onde as pessoas, após compras em grande quantidade nos centros comerciais, se utilizem de outros meios de locomoção para retorno a suas casas (ônibus, metrô etc.), a não ser um automóvel. O fato primordial para a apuração da responsabilidade dos shopping centers, em caso de furto ou dano em veículo, certamente será o de que, embora gratuito, sempre haverá res- ponsabilidade do shopping, tendo em vista ter o dever de vigilância pela contrapartida em oferecer ao seu usuário a proteção e guarda necessária, a verdadeira prestação de serviços, com o intuito de angariar e aumentar a sua clientela”.16
Costuma-se separar a organização do empreendimento do shopping center sob três aspectos,17 a saber: o econômico, o estrutural e o administra- tivo. Sob o aspecto econômico, o shopping center corresponde a um edifício dividido racionalmente em seus vários espaços, alguns de uso exclusivo, outros de uso comum, normalmente construção requintada, dotado de lojas atraentes e de bom gosto, atraindo a atenção do público consumidor, inclusive para atividades de entretenimento e lazer. Quanto ao estrutural, o shopping center é um centro de compras, previamente planejado, e em constante aperfeiçoamento, tecnicamente disposto em um mall, com corredores, avenidas, galerias, praças, ruas, que dão acesso às lojas e por onde circulam as pessoas, com um tenant mix ou seja, a distribuição dos espaços físicos dos estabelecimentos no interior do shopping, impedindo a concorrência predatória entre os lojistas e oferecendo um padrão de qualidade ao público consumidor, tudo isto submetido a uma convenção que contém normas ge-
16 Idem, p. 114.
17 Tal análise é apresentada por Xxxxxx Xxxxx XXXXX, no seu livro Shopping center, op. cit., p. 30 e ss.
rais aplicáveis a todos, lojistas e consumidores, a um Regimento Interno e a um estatuto da associação de lojistas, que visa a estabelecer os vínculos e efeitos jurídicos e econômicos entre empreendedor, lojistas e administrador. Finalmente, sob o prisma administrativo, é fundamental que o shopping center conte com um administrador, que pode ser o próprio empreendedor, com a missão e incumbência de “controlar, disciplinar, fiscalizar, manter, alterar e conservar as áreas comuns, o pessoal que trabalha para o em- preendedor, cuidar do material, da segurança, vigilância e iluminação das partes comuns, dentre outras atividades”.18
A respeito da natureza jurídica do shopping center, sob o prisma dos direitos reais existentes sobre o imóvel construído, são variadas as possibili- dades, como se verifica na prática de tais empreendimentos no Brasil. Assim, é importante observar se, em termos de direito real de propriedade, existe propriedade individual em favor de uma única pessoa, natural ou jurídica, ou se há situação condominial e, portanto, compropriedade titularizada por várias pessoas, naturais e/ou jurídicas. Não cabe, nos estreitos limites deste trabalho, analisar as várias nuances possíveis, mas sim uma breve referência acerca das questões mais complexas sobre o tema. Na eventualidade da organização do shopping center tomar a forma de condomínio, conhecido como condomínio comum, ordinário ou do Código Civil, é possível que os próprios comproprietários resolvam exercer atividades comerciais ou de prestação de serviços, com o estabelecimento de lojas próprias. Tal possi- bilidade gera uma certa instabilidade diante da regra prevista no artigo 623, inciso I, do Código Civil, que autoriza a cada condômino usar livremente a coisa de acordo com o seu destino. Contudo, em se tratando de shopping center, como o tipo de comércio ou de serviço obedece a um mix, essencial para o bom funcionamento do empreendimento e do sucesso da atividade empresarial, não pode o condômino alterá-lo sem o consentimento do em- preendedor e dos demais lojistas. Da mesma forma, o artigo 628, do Código Civil expressamente proíbe a alteração da coisa comum sem o consenso dos demais, o que permite a segurança dos outros condôminos quanto à inalterabilidade da destinação do ramo de comércio ou de serviço instalado por um dos condôminos no imóvel.
18 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 31.
Outra possibilidade quanto à natureza jurídica do shopping center se refere à circunstância de ele ter se constituído sob a forma de condomínio horizontal, regido, por conseguinte, pela Lei nº 4.591/64, por destinação do proprietário, ou por incorporação. Neste caso, cada condômino será pro- prietário individual de sua unidade autônoma, divisível, e condômino das partes comuns, como por exemplo quanto aos espaços do estacionamento, dos corredores, das escadas rolantes, das ruas, das galerias, das praças. Como se sabe, nos termos do sistema construído pela Lei nº 4.591/64, há combinação de traços de propriedade individual e exclusiva sobre as uni- dades independentes e autônomas, e de condomínio sobre as áreas comuns. Haverá um síndico do condomínio especial, sendo que o artigo 10, inciso III, da Lei nº 4.591/64, proíbe a qualquer um dos condôminos dar destinação da unidade a utilização diversa da finalidade do prédio. Em conformidade com a legislação em vigor, é obrigatória a formulação da convenção condominial que, observando os requisitos legais, terá força de lei entre as partes e seus sucessores e os que com eles contratam, inclusive o público-consumidor.
Outra natureza possível do shopping center, apontada na doutrina, é a da sua organização sob a forma de uma sociedade, civil ou comercial, ou sob a forma análoga, de consorciação (o consórcio ou a joint venture)19. É importante observar que, em nenhuma dessas modalidades de organi- zação do shopping center, há aplicação dos artigos 52, § 2º, e 54, da Lei nº 8.245/91, considerando que não haverá mera cessão de uso de espaço físico no local, mas sim haverá exploração dos negócios pelos próprios com- proprietários ou empresas consorciadas ou integradas. Exatamente diante das peculiaridades das várias possibilidades de organização do shopping center que a doutrina comentou: “Os centros comerciais precisam ser or- ganizados em forma de locação dos contratos firmados pelo empreendedor com os lojistas”.20 A vantagem do empreendedor ser o único proprietário do imóvel construído permite a observância das características apontadas, além de propiciar sua participação no faturamento bruto dos lojistas, o que não ocorrerá em outros casos de organização do shopping center.
De acordo com a natureza jurídica do shopping center, e conseqüen- temente do tipo de vínculo que se estabelece entre as pessoas que exploram
19 Para um aprofundamento sobre tal tema, remeto o leitor para a obra de Xxxxxx Xxxxx XXXXX, op. cit., p. 43 e ss.
20 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 45.
suas atividades no empreendimento, há duas formas de elaborar o documento básico que regulará as relações entre empreendedor e lojista: a) se a organi- zação se der sob a forma de condomínio, elaborarão a escritura pública de convenção condominial; b) em havendo um único proprietário, seja pessoa física ou jurídica, e, portanto, apenas um empreendedor, será elaborado o documento conhecido como normas gerais complementares.
III. Relações entre o Empreendedor e os Lojistas
A natureza jurídica dos contratos de cessão de uso de espaços em
shopping center.
Em não sendo adotado o modelo condominial em matéria de shopping center, surge a questão atinente à natureza jurídica dos contratos celebrados entre o empreendedor e os lojistas, especialmente relacionados à cessão de uso de espaços no interior da construção arquitetonicamente planejada para abrigar lojas de produtos e serviços, de acordo com estratégia traçada pelo empreendedor. Desde a década de 1980, no Direito brasileiro, há acirrada discussão doutrinária, com reflexos na jurisprudência anterior, a respeito da natureza jurídica do negócio jurídico estabelecido entre o lojista e o empreendedor. O grande ponto controverso se referia ao enquadramento de tal negócio jurídico como locação comercial (ou, numa terminologia mais atualizada, locação não-residencial) ou como outro tipo de contrato.
Podem-se, com efeito, apontar três principais correntes doutrinárias surgidas no Direito brasileiro sobre tal tema, ora defendendo a aplicação da renovação compulsória, ora negando tal possibilidade. O tema pode ser encarado, de acordo com as três posições defendidas, da seguinte forma:
i) trata-se de contrato de locação normal; ii) existe outra natureza que não a de contrato de locação desta avença; iii) cuida-se de locação sui generis com a presença de cláusulas atípicas, inseridas em razão das peculiaridades do próprio empreendimento realizado.
O saudoso Xxxxxxx XXXXX considerou tal negócio como contrato atípico, negando a aplicação do Decreto nº 24.150/34 aos contratos firma- dos entre empreendedor e lojistas quanto aos espaços por estes ocupados em shopping center. A argumentação a respeito da inadmissibilidade de se considerar tais contratos como sendo de locações comerciais se baseava no próprio conteúdo das obrigações assumidas pelo lojista. Para o famoso civilista, além das obrigações do lojista não serem a de um locatário, a
intenção dos contratantes não é ceder, uma a outra, a fruição de uma coisa em troca de uma remuneração em dinheiro: “É outro. Fundamentalmente tirar proveito da organização do empreendimento, isto é, obter ganhos, participando do sucesso comercial de cada unidade isolada”.21 Daí a conclusão de a motivação econômica do contrato em questão ser diversa de uma locação, o que significava dizer que o contrato é atípico. Xxxxxxx XXXXXX também defendeu a natureza atípica do contrato de shopping center, apontando que o empreendimento consistente no shopping center tem o seu próprio aviamento em virtude do conjunto de elementos que o compõem, como o capital investido e o pessoal que nele trabalha, chegando a chamá-lo de contrato de empreendimento.22
Xxxxx XXXXXXX, da mesma forma, considerou tal contrato atípico, por entender que o uso do espaço físico não era predominante, ou que se retirado do shopping, ele não continuaria o mesmo. Dizia ele: “A idéia predominante nas relações entre o empreendedor e os lojistas é a atividade comum organizada, que não pode prescindir dos serviços internos”.23 Tal jurista chegou a propor um anteprojeto de Lei, buscando tipificar tal contrato sob o nomem iuris de ‘comunidade empresarial vendedora’.”
O argumento mais importante para a corrente que considera atípico o contrato de shopping center entre empreendedor e lojistas se consubstancia no esforço conjunto de ambas as partes, conforme bem observou Nardim Xxxxx XXXXX,24 já que não haveria a simples cessão de uso e fruição de um espaço físico localizado no interior do shopping, mas sim a cessão de outros benefícios e vantagens. Daí a consideração a respeito da natureza jurídica deste contrato como quase um contrato de sociedade, com a peculiaridade de que o empreendedor tem um fundo de comércio próprio e, cada lojista, do mesmo modo, tem seu próprio fundo de comércio. Tal doutrina “não protege o lojista e nada tem de inocente ...”.25
Xxxxxxxxx Xxxx XXXXXXXX considera a relação entre empreendedor e lojistas como um contrato de sociedade em conta de participação atípico, já que o empreendedor tem interesse nos rendimentos obtidos pelos lojistas,
21 Apud LEMKE, Nardim Darcy, op. cit., p. 53.
22 Xxxx XXXXXXXX, Xxxxxxx, op. cit., p. 143.
23 BESSONE, Darcy. “O shopping center na lei do inquilinato”. Revista dos Tribunais, v. 680, p.29.
24 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 61.
25 Idem, p. 62.
havendo cláusula atípica, qual seja, a não-participação do empreendedor nos prejuízos sofridos pelo lojista. Justifica a res sperata como pagamento feito para a própria construção e a viabilidade futuras do shopping center, daí sua afirmação de que empreendedor e lojistas são sócios na construção, com os lojistas comprando do empreendedor seu espaço, e este participando dos resultados através do aluguel sobre o faturamento bruto. O autor reconhece que além do contrato de sociedade devem ser considerados outros contratos, como os de locação, de incorporação imobiliária, entre outros.26
Sucede que vários elementos integrantes e necessários para a confi- guração do contrato de sociedade não se verificam em relação às avenças celebradas entre empreendedor e lojistas. Constata-se que não há affectio societatis nas relações entre estes, demonstrando a falta de requisito essen- cial para a formação e subsistência de uma sociedade. Ademais, “não pode haver uma sociedade em que um dos sócios apenas participe de lucros e benesses, e não divida as angústias e prejuízos com o outro sócio”.27 ou seja, o empreendedor nunca participa dos prejuízos do lojista, tendo asse- gurado em seu favor aluguel mínimo, mesmo na eventualidade de prejuízo do lojista naquele período.
Xxxxx XXXXX considera “a relação como nitidamente locatícia, com algumas cláusulas atípicas, que não desfiguram a relação ex locato”,28 por considerar que a cessão do uso do espaço físico é predominante na relação contratual, sendo que os demais benefícios colocados à disposição do lojista são complementares ao contrato de locação, objetivando dar à locação do uso e gozo do espaço físico o melhor resultado possível, o que representa, para o empreendedor/locador, o maior aluguel possível. Nos shopping centers, “loca-se o uso de um espaço físico e a fruição das utilidades existentes no edifício que compõe o centro comercial (mix, partes comuns, estacionamento etc.), entre cujas utilidades se inclui a administração central, paga pelos locatários...”,29 não desfigurando o objetivo principal, qual seja, a cessão do espaço físico. Há cláusulas atípicas, não previstas no modelo
26 Apud LEMKE, Nardim Darcy, op. cit., p. 49-51.
27 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. “A locação de espaços em Shopping Centers e a Ação Renovatória”. In: Livro de Estudos Jurídicos, nº 1. XXXXXXXXXX, Xxxxx & XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx de (coord.). Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1991, p. 259.
28 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 63.
29 Idem, p. 67.
legal do contrato de locação não-residencial, desde que não sejam lesivas ao espírito da lei, à ordem pública e aos bons costumes. “Inexiste, no contrato de locação mantido pelo empreendedor com o lojista, qualquer possibilida- de de se falar em contrato complexo. Existem realmente várias cláusulas, algumas centrais e outras colaterais, mas estas não podem subsistir por si sós, desvinculadas da locação do espaço físico, enquanto as cláusulas que dizem respeito à cessão do espaço físico podem resistir isoladamente, como, verbi gratia, não há real necessidade de associação de lojistas, nem de fiscalização”.30
Realmente, as avenças relacionadas à fiscalização do movimento do lojista, ao fundo de contribuição para propaganda e promoções, que não são próprias de uma locação, não são essenciais nas relações jurídicas entre as pessoas que desempenham suas atividades econômicas no ramo de shopping center. “No caso dos shopping centers, há uma coligação de contratos com dependência unilateral (todos os contratos firmados dependem do contrato de locação). Os contratos se agregam, mas cada um permanece com sua individualidade própria, formando tão-somente uma unidade econômica. Caindo a locação, deixam de existir os demais, que restam sem objeto”.31 Mesmo no período anterior à edição da Lei nº 8.245/91, deveria o contrato-base ser o contrato de locação não-residencial, autorizando a re- novação compulsória com a presença dos requisitos necessários para tanto. Assim, aplicam-se as regras da locação nas relações entre empreendedor e lojistas, salvo aquelas que contrariem a maior liberdade e autonomia diante das particularidades do shopping e que com elas sejam incompatíveis, o que, no entanto, não torna atípica a locação de espaço em shopping center. A Lei nº 8.245/91, nesse particular, resolveu a controvérsia doutrinária, ao prever nos arts. 52, § 4º e 54 a aplicação de alguns institutos da locação predial nas relações entre empreendedor e lojista, especialmente no que toca ao direito à renovação do contrato de locação. No entanto, reconhecendo a especiali- dade de relação locatícia, o texto legislativo estabelece regra asseguradora da prevalência das condições livremente pactuadas, o que não desnatura a tipicidade do contrato de locação. Evidentemente que a própria atividade desenvolvida pelo empreendedor deverá ser considerada nas relações entre os contratantes, além das peculiaridades inerentes ao shopping center, pois do
30 Idem, p. 70.
31 Idem, p. 73.
contrário nada mais haverá do que uma reunião não-planejada e não-orga- nizada de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, de modo heterogêneo, o que contraria o fenômeno apontado.
Além da locação, alguns contratos normalmente serão celebrados entre o empreendedor e os lojistas, como a convenção que estabelece as normas gerais de funcionamento do shopping center, a que estão vincula- dos os atuais e futuros lojistas, o negócio jurídico de ingresso do lojista à associação dos lojistas para propaganda institucional do shopping center como um todo e, conseqüentemente, de divulgação das promoções gerais. Com base na doutrina de Xxxxxx XXXXX, “o estatuto básico e fundamen- tal das relações entre o empreendedor e os lojistas é o das Normas Gerais Complementares do Contrato de Locação, que fixa as linhas mestras das futuras relações entre as partes. A ele se somam o contrato de locação, o regimento interno do centro comercial, o fundo de promoções coletivas e a associação de lojistas”.32 As Normas Gerais de Funcionamento de todo o empreendimento estão contidas numa convenção – ou contrato-tipo - que estabelece as regras normativas de funcionamento de todo o empreendimen- to, vinculando todos os lojistas, os atuais e os que venham a ser naquele shopping center. Tais normas gerais contêm cláusulas comuns a todos os contratos, com a finalidade de uniformizá-las, de forma que as demais avenças, como o contrato de locação, o regimento interno, o fundo de promoções coletivas, a associação dos lojistas e a administração do centro comercial já estejam previamente delimitadas em suas cláusulas gerais, o que faz com que a redação dos demais contratos fique deveras facilitada.33 A função da convenção consistente nas Normas Gerais Complementares é permitir a efetiva implantação e aplicação da atividade do shopping center, assegurando a homogeneidade naquilo que é próprio do empreendimento, e a cooperação de todos para o êxito das atividades comuns, subordinando os
32 XXXXX, Nardim Darcy, op. cit., p. 47.
33 Visando propiciar uma idéia genérica sobre o conteúdo de tal convenção, veja o comentário de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx: “O empreendedor celebrará contrato com os lojistas, por instrumento particular, com cláusulas invariáveis pela incorporação dos direitos, deveres e restrições impostas nas normas gerais complementares, prevendo-se o pagamento de despesas como consumo e manutenção de ar condicio- nado, a filiação obrigatória à associação dos lojistas, a contribuição para as promoções coletivas, o dever de manter estoque de mercadorias, a salvaguarda do padrão de comércio dos demais lojistas, a obrigação de não lesar os outros lojistas e a clientela, a obrigação de permitir que o administrador do shopping ingresse em sua loja para fazer reparos nas instalações etc...” (Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 225/226).
diversos interesses individuais dos lojistas ao interesse geral e coletivo de todos, empreendedor e lojistas. Há, por certo, a verificação de que o poder de atração exercido pelo empreendimento se refletirá no êxito de todos os lojistas, individualmente considerados nas suas atividades próprias e, logi- camente, no sucesso do empreendedor. Nesta convenção, o empreendedor “organiza e planeja, para o local, de acordo com a sua conveniência, as atividades mais rentáveis, impondo ao lojista as suas condições pessoais”.34 O negócio jurídico, que resulta no estatuto da Associação dos Lojistas,
é normalmente elaborado pelo empreendedor, sujeitando todos os lojistas às regras ali previamente colocadas, e tem como função a divulgação e a promoção do shopping center, o estabelecimento e desenvolvimento de boas relações entre os lojistas, e entre estes e o empreendedor, o estabelecimento de troca de experiências, a iniciativa e efetiva organização de promoções e liquidações, em conjunto e nunca isoladamente, destinadas a incrementar as vendas, tutelando e amparando os interesses dos lojistas perante os órgãos públicos e outras entidades.35
Normalmente, antes da construção do shopping center, o futuro lojista e o empreendedor celebrarão um contrato, a título de direito de reserva de localização, consoante o qual o primeiro se obriga a pagar certa quantia periódica, durante o período da construção do prédio, permitindo que o empreendedor reúna recursos suficientes que permitam a realização da obra de construção, além de permitir a imediata organização e planejamento do shopping, quantia periódica paga até o término da obra. Tal avença tomou o nome de res sperata - coisa esperada -, e não se confunde com as luvas, porquanto estas se relacionam ao valor econômico do fundo de comércio, ou seja, o fundo constituído pelas atividades desenvolvidas pelo lojista e sua capacidade de captação de clientela naquele espaço onde será desen- volvida sua atividade. Acertada, pois, a posição de Xxxxxxx XXXXXXXX a respeito da distinção entre res sperata e as tradicionais luvas: a res sperata é a forma de “remunerar a atividade de organização e planejamento posta à disposição do conjunto de lojas, independentemente do fundo de comércio
34 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Delano do Rego, op. cit., p.110.
35 Idem, p. 110-111.
pertencente ao lojista e que se traduz nas luvas, hoje asseguradas pela Lei nº 8.245/91”.36 Tal contrato é perfeitamente legítimo e lícito em razão do planejamento a cargo do empreendedor, considerando a necessidade de as locações serem devidamente programadas, não apenas para atender às exi- gências e desejos do futuro público consumidor, diante da maior facilidade em escolher e adquirir produtos e serviços, como também para garantir a maior qualidade das ofertas, tudo desenvolvido num ambiente dotado de maior conforto e segurança. Daí a importância do tenant mix. Aponta-se que, na atividade de planejamento e organização do empreendimento, o empreendedor obrigatoriamente precisa realizar certas providências, como, por exemplo, proceder à análise do perfil do consumidor, resolver a respeito dos locais das lojas-âncoras e lojas-satélites, programar a distribuição equili- brada das lojas de modo a evitar concorrência maléfica, inserir as atividades de lazer e de serviços os mais variados e o estacionamento, sendo que será indispensável a observância rigorosa pelos lojistas do projeto elaborado pelo empreendedor, com planificação e estudos técnicos para o shopping.
IV. Contrato de Adesão Sujeito ao Código de Defesa do Consumidor Considerando os contornos dogmáticos dos contratos celebrados entre empreendedor e lojista, especialmente o elemento teleológico dos contratos em geral numa visão contemporânea, surge a seguinte questão: o contrato de locação entre lojista e empreendedor, como o mais importante daqueles que as partes podem celebrar nas atividades desenvolvidas no âmbito de
um shopping center, é contrato de adesão?
Inexiste dúvida acerca da circunstância de que o lojista se limita a apor a sua adesão aos vários contratos previamente elaborados pelo empre- endedor, especialmente em razão da necessidade de homogeneização das avenças e condições de desenvolvimento das inúmeras relações jurídicas que passam a existir no empreendimento. A despeito de alguma divergência original na doutrina, é certo que o contrato de xxxxxx não perde a sua natu- reza de negócio jurídico bilateral porquanto exige o concurso de vontades, não sendo resultado de vontade unilateral de apenas um dos estipulantes. “No caso dos shopping centers, as Normas Gerais Complementares são
36 XXXXXXXX, Xxxxxxx, op. cit., p. 145.
elaboradas exclusivamente pelo organizador e a elas deve aderir o lojista, por referência expressa feita no contrato de locação”.37
É importante observar que tal negócio jurídico (de adesão) é um con- trato, mas de natureza jurídica distinta dos contratos em geral, daí a razão pela qual merece ser tratado, inclusive na sua interpretação, de maneira diferente. O juiz deve exercer um controle mais rigoroso na interpretação de tais contratos, evitando as lesões, dentro de princípios contemporâneos de lealdade, boa-fé objetiva, do equilíbrio das prestações e da vulnerabi- lidade da parte contratual mais fraca.38 Assim, por exemplo, o juiz poderá temperar a aplicação de cláusulas excessivamente rigorosas ou draconianas; poderá considerar que determinadas cláusulas não foram suficientemente compreendidas por uma das partes (o aderente); poderá interpretar o contrato em desfavor do estipulante e em favor do aderente.
Apesar da importância do tema envolvendo o contrato de locação entre empreendedor e lojista e sua inserção como contrato de xxxxxx, normalmente a doutrina não enfrenta a matéria, passando ao largo a respeito de tal análise. Pode ser apontada a posição de Xxxxxx XXXXX, para quem “o contrato de locação firmado entre o lojista e o empreendedor de shopping center é um contrato de adesão, pois o locatário adere a contratos previamente preparados, cujo conteúdo não pode discutir, embora não seja forçado a contratar, nem haja um estado de oferta pública permanente. Presentes estão, nesse contrato, a contratualidade meramente formal, a determinação uniforme do conteúdo e a inesgotabilidade do esquema contratual, pois todos os contratos firmados com os diversos lojistas sempre têm o mesmo conteúdo e forma, sem que ao locatário seja dado discutir suas cláusulas, impostas em bloco. O livre consentimento é substituído pela adesão a cláu- sulas previamente elaboradas pelo empreendedor”.39
Assim, pode ser trazida à colação a noção conceitual contida no artigo
54, da Lei nº 8.078/90 – conhecida como o Código de Defesa do Consumidor
– consoante a qual o contrato de locação de uso e fruição de espaço físico
37 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 101.
38 Tais princípios, na moderna dogmática dos contratos, decorrem de princípios constitucionais que têm direção concreta às relações jurídicas privadas, como os princípios da solidariedade social com diminuição das desigualdades, da igualdade substancial (e não apenas formal), da dignidade da pessoa humana e da livre iniciativa imbuídos da função social.
39 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 108.
em shopping center é contrato cujas cláusulas foram estabelecidas unilate- ralmente pelo empreendedor, sem que o lojista possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo. Por óbvio que algumas cláusulas poderão ser incluídas, modificadas ou excluídas, mas desde que não altere substan- cialmente o conteúdo do contrato, em especial aquelas que se relacionam às atividades ínsitas e caracterizadoras do empreendimento do shopping center. A Convenção que estabelece as Normas Gerais Complementares ao contrato de locação representa, do mesmo modo, um contrato-standard, padronizado e, portanto, igual para todos os lojistas. O locatário, em shopping center, nunca terá posição igual à do locador/empreendedor, sendo questionável se o dono de lojas-âncoras poderia estar em igualdade de condições com o locador. Apesar de evidentemente as lojas-âncoras gozarem de maior poder econômico e, por conseqüência, de receberem tratamento diferenciado em relação aos demais lojistas, sua posição nunca poderá ser considerada igual à do empreendedor, pela simples circunstância de que quem organiza, planeja e administra o empreendimento é este último, daí também a adesão que o locatário, dono de uma loja-âncora, precisa realizar, submetendo-se às con- dições e cláusulas prefixadas pelo locador. Quanto ao lojista de loja-satélite, não há dúvida a respeito da absoluta desigualdade e desequilíbrio econômico relativamente ao empreendedor. Vale ressaltar que todos os lojistas, como regra, realizarão grandes investimentos, participando do empreendimento do shopping center desde antes de sua abertura, mediante o pagamento da res sperata, obrigando-se a aderir às cláusulas e condições que lhe são impostas pelo empreendedor, o que demonstra a relação contratual fundada na adesão ao previamente estabelecido.
Outro ponto relevante, muitas vezes não discutido a contento pela doutrina e jurisprudência, se refere à seguinte questão: a locação celebrada entre lojista e empreendedor está disciplinada no Código de Defesa do Consumidor?40
Como foi apontado, a ideologia liberal prevalente no século XIX e início do século XX, em matéria de contratos, se fundamentava em determinados princípios e valores como o da liberdade de contratar, o da autonomia da vontade, sob o argumento de que os contratantes eram pes- soas dotadas de plenas condições de estabelecerem as regras do conteúdo
40 A respeito do tema, remeto o leitor para a obra de Xxxxxx Xxxxx XXXXX (Shopping Center, op.cit., capítulo VII, p. 115 e ss.).
interno da relação contratual, possuindo posições jurídicas de igualdade, o que, na prática, representava mera igualdade formal, sendo desconsideradas as vulnerabilidades e, conseqüentes desigualdades materiais. Com a evo- lução dos tempos, especialmente das próprias relações jurídicas privadas, comprovou-se o fracasso da noção absoluta, completa e exauriente daqueles princípios e valores - daí a adoção de determinadas políticas de ordem jurídi- ca, econômica e social, destacando-se a intervenção do Estado nas relações contratuais que ingressava na ordem econômica. No campo das relações de massa ou consumo, verificou-se a insuficiência do modelo codificado para reger tais relações, daí a própria noção dos contratos de adesão e de suas conseqüências que foi construída pela doutrina, atualmente constante do direito positivo brasileiro.
O Código de Defesa do Consumidor - a Lei nº 8.078/90 -, no parágrafo único do art. 2º equipara ao consumidor toda a coletividade das pessoas que haja intervindo nas relações de consumo, incluindo-se pessoas jurídicas41. Com base na concepção de Xxxxxxx Xxxx XXXXXXX, para quem o contrato deve ser entendido no contexto de sua função social, é importante buscar evitar o desequilíbrio de forças entre os contratantes. A autora aponta três tipos de vulnerabilidade: a) a técnica; b) a jurídica; c) a fática. “Todas elas são presumidas em relação ao consumidor não-profissional, mas não para o profissional, destacando-se que a vulnerabilidade jurídica do comerciante deve ser por ele próprio suprida mediante a consulta a profissionais especia- lizados”.42 Xxxxxx XXXXX, com base nos artigos 2º, parágrafo único e 17, ambos do Código de Defesa do Consumidor, defende a posição de aplicação mais ampla possível das normas e princípios constantes da legislação que tutela as relações de consumo: “Penso que a interpretação mais ampla é a que melhor se adapta à nossa lei. O CDC intencionalmente ampliou a
41 Relembre-se o conceito do consumidor, constante do caput do artigo 2º, da Lei nº 8.078/90: Consumi- dor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Fornecedor, nos termos do artigo 3º, caput, do texto legal, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
42 Apud LEMKE, Nardim Darcy, op. cit., p. 121. O autor sustenta que Xxxxxxx Xxxx XXXXXXX abandonou posição anterior, incluída entre os maximalistas, no sentido de que as normas do Código de Defesa do Consumidor fossem aplicadas a todas as relações de consumo, e que se referiam a todos os agentes do mercado, ora como fornecedores, ora como consumidores (op. cit., p. 120).
esfera de sua aplicação, definindo o consumidor de forma ampla e permi- tindo incluir, mais, pessoas que se encontrem em situação assemelhada”.43 Xxxxxx XXXXXXX considera que a resposta à indagação sobre a incidência da Lei nº 8.078/90 às relações locatícias depende do caso concre- to.44 No entanto, em se tratando de locação de espaço em shopping center, é inequívoco que existe relação de consumo entre lojista e empreendedor, sendo este último o fornecedor do espaço físico e o primeiro consumidor de tal produto. “Para a locação de imóveis residenciais, dúvidas não po- dem existir sobre tratar-se de relação de consumo, já que o locatário é o destinatário final da cessão de uso do imóvel, que não é utilizado na pro- dução”.45 Assim, com maior razão devem ser reconhecidos como aplicáveis os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação de espaço físico situado no interior da construção do shopping center, pois todos os contratos celebrados pelo lojista têm objetivo único e principal, qual seja, o de receber, usar e fruir de espaço físico localizado no shopping center. É certo que a Lei nº 8.245/91, por ser lei posterior à Lei nº 8.078/90, prevalece naquilo em que houver incompatibilidade, cabendo destacar ainda a necessidade de se preservar a estrutura organizacional do shopping center, o que exige a atribuição de maior gama de poderes em favor do empreendedor, não apenas no início do vínculo contratual, mas
também durante o desenvolvimento dos contratos.
As cláusulas excepcionais, que normalmente não são praticadas nas demais relações locatícias que não as vinculadas ao empreendimento do shopping center, se mostram razoáveis e justificadas diante da necessidade de se reconhecerem e atribuírem maiores poderes ao empreendedor. Contudo, tal não significa autorização para prática de manobras iníquas, lesivas aos interesses dos lojistas, daí a razão da própria fiscalização e efetivo controle sobre tais contratos, diante do reconhecimento de sofrerem a incidência do
43 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 121.
44 XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx. “Anotações à Lei do Inquilinato”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 10. Mas o autor reconhece que “a utilização do imóvel pelo locatário pode ser enquadrada no conceito de utilização de produto, nos moldes delineados pelo caput do art. 2º, e § 1º do art. 3º do CDC, sempre que ele utilizar a coisa como destinatário final, conceito que desde logo exclui as hipóteses nas quais o locatário subloca ou empresta o imóvel”.
45 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 122. Tal afirmação deve ser entendida no contexto do locador ser
pessoa que desenvolve, empresarialmente, atividade relacionada ao mercado imobiliário.
Código de Defesa do Consumidor. “É, para os efeitos legais, uma relação de consumo, em que o lojista é o consumidor final da locação, embora um consumidor final que poderá ser comerciante, e, sempre, um profissional, que utilizará o espaço físico para auferir lucros. O certo é que o lojista estará em condição de inferioridade nos contratos firmados com o empreendedor e precisa da proteção legal, sob pena de ser surpreendido por alguma medida violenta do locador”.46
V. Principais Cláusulas no Contrato entre Lojista e Empreendedor
Sem a pretensão de exaurir o tema, oportuno se faz proceder à análise dos principais pontos relacionados às cláusulas comumente estabelecidas nos contratos celebrados entre o empreendedor e os lojistas, verificando sua compatibilidade com os princípios e valores aplicáveis.
Assentado que o contrato-base das relações jurídicas estabelecidas entre empreendedor e lojista é o contrato de locação não-residencial, devi- damente disciplinado pela Lei nº 8.245/91, cumpre analisar os contornos de tal contrato e a estipulação de avenças que, em regra, fogem do modelo comum (ou tradicional) dos contratos de locação de imóvel. O artigo 54, caput, da Lei nº 8.245/91, fulcrado no valor social da livre iniciativa, admite expressamente a autonomia privada no que toca ao conteúdo dos contratos, autorizando, desse modo, que se considerem lícitas algumas cláusulas que carac- terizam comumente tais contratos. Há, no entanto, algumas restrições previstas nos artigos 52, § 2º e 54, caput e §§ 1º e 2º, ambos da Lei nº 8.245/91, além de outras que decorram do próprio sistema introduzido pela Lei nº 8.245/91, sendo de se destacar o disposto no artigo 45, do mesmo texto legislativo. Como foi esclarecido pela doutrina na interpretação do caput do artigo 54, da referida lei, “o legislador pretendeu, simplesmente, deixar claro que as convenções incomuns às locações em geral, mas próprias àquelas estabelecidas em centros comerciais, não afastariam a natureza locatícia do contrato”.47
Assim, “serão nulas, exempli gratia, as cláusulas que vedem a reno- vação contratual, ou estipulem multas para a renovatória, as que permitam
46 XXXXX, Nardim Darcy, op. cit., p. 125.
47 XXXXXXXX, Waldir de Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 418.
reajustes de aluguéis fora dos casos admitidos pela lei, ou utilizem índices proibidos, como o salário mínimo, a variação cambial e a moeda estrangeira (art. 17), as que excluam o direito do locatário à indenização prevista no art. 52, § 3º, as que exijam garantias cumulativas, pagamento antecipado do aluguel, determinem a resolução contratual, porque o locatário requereu concordata ou foi decretada sua falência, e outras semelhantes”.48 Constata- se, pois, que não se trata de resgatar o absolutismo da liberdade e autonomia contratuais, como princípios do contratualismo que, na prática, somente atendiam aos interesses do contratante-proprietário, mas sim reconhecer que os contratos de locação de espaços em shopping centers podem conter cláu- sulas diferentes das demais locações, sem prejuízo da segurança e da tutela aos interesses do locatário-lojista. Em outras palavras: a Lei nº 8.245/91 não tem o objetivo de prejudicar os interesses e direitos dos locatários de espaços em shopping centers; ao contrário: o objetivo foi deixar assentado, definitivamente, que a avença principal entre os contratantes é a de um contrato de locação não-residencial, sujeito à disciplina da Lei nº 8.245/91 no que se refere aos direitos e efeitos benéficos mínimos do locatário, mas também tutelando os interesses e direitos do empreendedor-locador no que toca à previsão da prevalência da autonomia da vontade quanto a determi- nados pontos que podem ser estipulados e, conseqüentemente, contratados em consideração às próprias peculiaridades da atividade empresarial da exploração do shopping center.
Somente devem ser consideradas proibidas as cláusulas que atribu- am efeitos e fixem critérios por demais favoráveis ao locador, verificáveis através da ausência de justificativa ou de razoabilidade em consideração às peculiaridades na exploração do empreendimento do shopping center. Ve- jamos, assim, as cláusulas mais importantes, e que podem suscitar questões a respeito de sua legitimidade e razoabilidade.
A) ALUGUEL MÍNIMO E ALUGUEL PERCENTUAL
A respeito do ajuste relativo à fixação do aluguel em percentual sobre o faturamento do lojista, o que configuraria indeterminação do valor da prestação periódica consistente no valor do aluguel, em suposta contrariedade às leis de fundamentação econômica que objetivam assegurar uma economia estável via intervenção governamental, no tocante ao reajustamento dos
48 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 128.
valores, é preciso desde já antecipar que a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo tal avença como legítima e lícita, não havendo razão para sua desconsideração.49
A doutrina, desde a Roma Antiga, admite a estipulação do aluguel em forma de percentual (uma cota-parte de produtos ou um percentual da receita bruta do locatário), sem que se descaracterize a locação.50 Na disciplina a respeito do contrato de locação, mesmo no âmbito do Código Civil, nunca houve regra estabelecendo que o valor do aluguel deveria ser fixo e inva- riável no período de tempo de duração do contrato, daí porque inexistindo proibição sempre foi possível tal prática. E, no caso do shopping center, mostra-se justificável a previsão do “aluguel percentual”, considerando as atividades realizadas pelo empreendedor no sentido de tornar mais atrativo o empreendimento, possibilitando o incremento dos negócios celebrados entre os lojistas e os freqüentadores do shopping center.
De forma conjugada com a cláusula do “aluguel percentual”, costu- ma-se estabelecer o valor do que se denomina o “aluguel mínimo”, ou seja, trata-se de uma quantia fixa, devida tão-somente na eventualidade do valor do aluguel em percentual sobre o faturamento bruto dos lojistas não alcançar tal quantia fixa. Nas palavras de Xxxxxxx XXXXXXXX, a indeterminabilidade do valor do aluguel é uma das características dos contratos relacionados à cessão do espaço aos lojistas em shopping center: “indeterminabilidade do aluguel, fixando-se um valor mensal mínimo e uma parcela variável, que será a diferença entre o aluguel mínimo avençado e o valor representativo de um percentual sobre o faturamento bruto do lojista (7%, em regra)”.51 Uma questão que decorre da avença a respeito do aluguel se refere
à incidência (ou não) das leis resultantes de políticas governamentais na economia nacional, no que toca aos limites de periodicidade e critérios de reajuste/atualização de determinados preços privados, inclusive no campo
49 A respeito do tema, confira o seguinte Julgado: “Estabelecimento de aluguel em percentual sobre o faturamento da locatária. Validade. ‘0 direito não veda que em contrato de locação se fixe o aluguel em porcentagem sobre os resultados do negócio instalado na loja arrendada, nem que se estabeleça um mínimo a ser corrigido anualmente, conforme os índices fornecidos pelo Conselho Nacional de Economia’.” (Apelação nº 3.225, da 2º Câm. do 2. Trib. de Alçada Cível de São Paulo, Relator Xxxxxx XXXXXXXX, pub. na RT 467/148, apud XXXXXXXX, Waldir de Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 420).
50 Por todos, com ampla citação doutrinária: XXXXX, Nardim Darcy, op. cit., p. 129-135.
51 XXXXXXXX, Xxxxxxx, op. cit., p. 144-145.
da locação de imóveis. Por óbvio que como o “aluguel percentual” não representa uma estipulação baseada na variação da economia nacional e, portanto, em nada se relaciona com possível inflação ou deflação, não há sentido em se estabelecer qualquer limite a seu respeito, mesmo porque não se trata de valor fixo, e não varia o seu quantum a fatores externos da eco- nomia nacional; ao contrário, leva em conta apenas o movimento de negócios realizados pelo lojista. Quanto ao “aluguel mínimo”, este sim representado por valor certo, é forçoso o reconhecimento de que tal avença sofre a limitação da periodicidade que não pode ser inferior àquela permitida pela legislação em vigor, tal como se verifica há bastante tempo no Direito brasileiro, além de se submeter às restrições quanto à adoção de critérios de reajuste do valor.52 Como observa a doutrina, “usualmente o aluguel mínimo se fixa em função do tamanho físico da loja” (metros quadrados).53
O “aluguel percentual” representa forma de contraprestação devida pelo lojista ao empreendedor em função do faturamento bruto do locatário, desde que tal percentual supere o valor do “aluguel mínimo”.
Ainda sobre o tema, verifica-se outro ponto relacionado ao valor do aluguel a ser proposto e objeto da Ação Renovatória. Ou, em outras palavras: qual será a repercussão da cláusula relativa ao aluguel na Ação Renovatória? De acordo com Xxxxxx XXXXX, “.. entendo que apenas o aluguel mínimo poderá ser discutido na ação, assim como a periodicidade e os índices de reajustamento periódico, mas não poderá o Judiciário reformular o quan- tum percentual do aluguel variável, o que seria intromissão indevida do juiz na economia do contrato”.54 Tal posição não é integralmente acolhida por Xxxxx Xxxxxx XXXXX: “0 aluguel percentual deverá ficar inalterado, o mesmo ocorrendo com o aluguel mensal mínimo. Se assim não fosse, ter- se-ia discriminação de lojas, no centro comercial”.55 A respeito do “aluguel
52 Aplica-se a regra contida no artigo 17, da Lei nº 8.245/91, ou seja, a proibição da estipulação de aluguel em moeda estrangeira, ou sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo, devendo ser observados os critérios de reajustamento estabelecidos em legislação específica.
53 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 130.
54 Idem, p. 133.
55 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 221. A autora apresenta seus argumentos: “Como se poderia admitir que duas lojas, exploradoras da mesma atividade negocial, com a mesma dimensão, comercializando os mesmos produtos, pudessem pagar ao empreendedor “aluguel” em percentuais diferentes sobre o faturamento? Como se vê, o próprio mecanismo interno do shopping center requer para a viabilização do centro que os critérios para a majoração do aluguel na renovação contratual sejam fixados de comum acordo”.
percentual”, há consenso acerca da impossibilidade do percentual sofrer mudança na Ação Renovatória, levando em conta, inclusive, que o seu es- tabelecimento nada tem a ver com fatores externos da economia nacional. Quanto ao “aluguel mínimo”, nesse particular, inexiste diferença com relação aos valores estabelecidos nas locações de imóveis urbanos, diante do aluguel consistir em valor fixo e que deve sofrer variação de acordo com fatores externos de natureza econômica, como a existência de maiores/menores ofertas, adequando-se ao patamar do mercado locatício.
Acerca do percentual originalmente fixado a título de “aluguel per- centual”, duas ressalvas devem ser feitas a respeito da sua inalterabilidade. Assim, o quantum percentual do aluguel variável não deve ser alterado, salvo se: a) em outros “contratos com outros lojistas de comércio semelhante ao do locatário, o empreendedor haver (sic) fixado, posteriormente, menor percentual de aluguel sobre o faturamento bruto”, levando em conta que tal ocorrência poderia, inclusive, acarretar concorrência desleal do novo lojista em detrimento do anterior; b) ocorrer a “resilição do contrato de locação da loja-âncora do shopping center, sem a adesão de outra de igual porte e poder de atração, com prejuízo aos comerciantes de lojas-sa- télites”.56 Sem dúvida que tais ressalvas podem alicerçar a mudança – para menor – do percentual do “aluguel variável”, mas sem necessidade de se aguardar o momento da renovação do contrato de locação. Considerando a incidência da cláusula implícita rebus sic stantibus, independentemente da previsão contida no artigo 19, da Lei nº 8.245/91, que autoriza a revisão judicial do valor do aluguel, o lojista, tendo sido prejudicado por algum dos acontecimentos mencionados, poderá pedir judicialmente a revisão da cláusula referente ao “aluguel percentual”, possibilitando que seja garantido o equilíbrio das prestações e protegida sua vulnerabilidade, com base nos princípios e valores constitucionais da isonomia substancial e da livre ini- ciativa. Tal matéria poderá ser eventualmente um dos pontos de discussão na Ação Renovatória, mas não impede que o locatário, sentindo-se prejudi- cado, já promova efetivamente medidas judiciais tendentes à modificação do “aluguel percentual”.
Na eventualidade de haver sido celebrado novo contrato de locação de loja com as mesmas características de outras, mas com um percentual maior sobre o faturamento bruto do novo lojista, a título de aluguel per-
56 XXXXX, Nardim Darcy, op. cit., p. 133-134.
centual, por óbvio não caberá mudança do percentual estabelecido para os antigos lojistas. O novo lojista, por aderir à tal cláusula, ao ter conhecimento da disparidade, nada poderá fazer, em consonância com os princípios da autonomia da vontade e liberdade contratual. No entanto, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, poderá ser reconhecida a lesividade da cláusula que estabelece percentual maior sobre seu faturamento caso não tenha sido corretamente informado a respeito das condições estabelecidas relativamente aos outros contratos, com invocação, inclusive, dos princípios da boa-fé objetiva e da lealdade contratual.
B) FISCALIZAÇÃO DAS CONTAS DO LOJISTA
Uma das cláusulas que resultam do “aluguel percentual”, e perfeita- mente justificável, é a que prevê a fiscalização do movimento financeiro do lojista-locatário pelo empreendedor. Cuida-se de direito do empreendedor de fiscalizar amplamente o caixa do lojista para efetivamente controlar suas contas e, logicamente, precisar o faturamento bruto periódico. “É uma decorrência normal da fixação do aluguel num percentual do faturamento bruto”.57 Se foi estabelecido o “aluguel percentual”, logicamente deverá ser razoável e justificável a cláusula de fiscalização das contas do lojista, desde que não se causem embaraços à atividade do lojista. No sentido oposto, ou seja, não havendo “aluguel percentual”, se mostra desarrazoada e injusti- ficável a cláusula de fiscalização das contas do lojista, ainda que ele tenha aderido à estipulação que estabelecesse tal fiscalização, levando em conta a inexistência de motivo que autorize tal controle.
Tal fiscalização poderá ser exercida da forma mais ampla possível, sem que a ela se possa opor o lojista, desde que, por óbvio, não haja abuso por parte do empreendedor, não perturbando o movimento regular e normal do estabelecimento, não provocando constrangimentos. Assim, “poderá o empreendedor controlar a entrada e saída de mercadorias do estabele- cimento comercial do locatário, colocar alguém de sua confiança junto ao caixa, controlar as fitas da caixa registradora da empresa, conferir a extração de notas fiscais, examinar livros contábeis e fiscais de qualquer natureza”58. O descumprimento de tal cláusula que prevê a fiscalização, ou seja, a recusa do locatário em admitir a efetiva fiscalização e controle do empreendedor, pode ensejar a rescisão do contrato, com a conseqüente
57 Idem, p. 137.
58 Idem, p. 138.
desocupação do espaço em razão do despejo por infração contratual, com base no artigo 9º, da Lei nº 8.245/91.59
Logicamente que, a despeito da previsão da cláusula de fiscalização das contas do lojista, não pode haver abuso do empreendedor, o que pode representar o comprometimento da própria atividade do lojista e, conse- qüentemente, prejuízos incalculáveis. Assim, como foi citado por Xxxxxx XXXXX, há caso concreto, levado ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, em que a fiscalização do empreendedor somente passou a ser exercida após ter sido réu em Ação Renovatória da locação da loja em shopping center, com afronta a empregados e clientes da loja, no horário comercial, o que se reconheceu como medida de retaliação, injustificável e abusiva a ensejar reprimenda e correção.60
C) ALUGUEL EM DOBRO EM DEZEMBRO
Outra cláusula comumente estabelecida nos contratos de locação de espaços em shopping center consiste naquela que estabelece o aluguel em dobro no mês de dezembro. Tem-se considerado válida tal cláusula, sendo freqüente em shopping center, porquanto exatamente no mês de dezembro há maiores despesas com a administração do empreendimento a cargo do locador, como as decorrentes de contratação de alguns empregados tempo- rários para exercerem funções de limpeza, de segurança, de organização e de bom funcionamento do empreendimento, o pagamento de décimo-terceiro salário aos empregados permanentes da empresa administradora, e maiores despesas com promoções das festividades de final de ano, além daquelas inerentes ao maior número de consumidores nas suas dependências.
Tal aluguel “deflui da organização dos centros comerciais”,61 como também é prática comum, em matéria de locação de imóveis para temporada, nos meses de maior afluxo turístico, o estabelecimento de valor maior de aluguel. Não se trata de variação do valor baseado em fatores econômicos do país, mas sim o reconhecimento da maior procura e disputa pelos imóveis localizados em determinados balneários ou outros recantos turísticos, o que
59 Sobre o tema, veja o seguinte Julgado: “Despejo. Infração contratual. Loja em shopping center. Resistência à fiscalização prevista em cláusula. Caracterização. Configura infração contratual, com o conseqüente decreto de despejo, a oposição do locatário à realização da fiscalização plena por parte do locador no faturamento da loja.” (Rac. 247.466-1, 1. Grupo de Câmaras do 2. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, Rel. Acayaba de Toledo, apud CARNEIRO, Waldir de Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 419).
60 Tal Julgado encontra-se transcrito na RSTJ, nº 55, p. 169 e ss.
61 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 135.
faz com que os alugueres de dezembro a fevereiro sejam substancialmente maiores do que os alugueres do período de março a novembro, por exemplo. Tal cláusula se encaixa dentro da noção dos limites da autonomia da vontade, com base no artigo 54, caput, da Lei nº 8.245/91, e, desse modo, não viola qualquer princípio ou valor constitucionalmente tutelado, nem contraria princípios ou regras de ordem pública, nem ofende os bons costumes.
D) RES SPERATA
A res sperata, em matéria de avenças relacionadas às atividades dos lojistas e o próprio empreendimento do shopping center, gera algumas ques- tões atinentes à natureza jurídica de tal obrigação, e às conseqüências de tal pactuação, especialmente quando se instaura o litígio entre os contratantes.
Como dito, o ajuste relacionado à res sperata, na verdade, remunera a atividade do empreendedor na organização e planejamento do shopping center, não se confundindo com as luvas. Cuida-se de contrato de reser- va de uso de área em shopping center, em que o futuro lojista paga certa quantia periódica, durante o período de construção da obra, tendo para si reservado o espaço que poderá utilizar em razão do contrato de locação que será celebrado.
De acordo com Xxxxxx xx Xxxxx XXXXXX, tal avença tem em mira o lucro futuro, tratando-se de “modalidade de venda de coisa futura”.62 Apesar de não considerar que a hipótese se confunde com aquelas previstas nos artigos 1.118 – emptio spei, ou venda da esperança – e 1.119 – emptio rei speratae, ou venda da coisa esperada –, ambos do Código Civil, Xxx- xxxx XXXXXXXX considera que a res sperata “destina-se a compensar o empreendedor pelo investimento efetuado no shopping, que irá beneficiar o lojista”.63
A natureza jurídica da res sperata é discutida na doutrina. Fundamen- talmente, as várias correntes existentes podem ser resumidas conforme a caracterização seguinte: a) reserva ou garantia de locação de um espaço no shopping; b) retribuição à parcela do fundo de comércio que o empreendedor coloca à disposição do locatário ( verdadeira coisa incorpórea em potência);
c) mix price, preliminar à locação, destinado a compensar o empreendedor por esses fatores básicos de alavancagem operacional; d) retribuição de um
62 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx, op. cit., p. 198. O autor considera que existe um fundo de comércio do
próprio empreendimento e que, assim, uma parte é cedida ao lojista, daí a justificativa da res sperata.
63 XXXXXXXX, Xxxxxxx, op. cit., p. 145.
sobrefundo ou superfundo; e) luvas.64 Xxxxxx XXXXX, após analisar as diversas orientações a respeito do tema, se posiciona: “se entendermos que o futuro contrato prometido é o de locação, é de luvas que se trata”,65 ou seja, tem-se uma quantia devida pelo futuro locatário para obter a celebração do contrato de locação ou sua renovação. Nagib SLAIBI FILHO, da mesma forma, considera a res sperata como sobrepreço – luvas – em decorrência de maior ou menor oferta de lojas, dependente das condições do mercado.66 A res sperata é ínsita ao empreendimento do shopping center, e
não se verifica em relação aos espaços com destinação não-residencial localizados fora da construção do shopping center e, por isso, não pode ser confundida com as luvas. Cuida-se de avença que decorre da necessidade de planejamento e organização do shopping center, nada tendo a ver com o fundo de comércio que será constituído a partir da locação, ou com trans- ferência de parte de fundo de empresa do empreendedor. Logicamente que se não vier a ser celebrado o contrato de locação, será devida a devolução integral do valor pago, considerando a própria finalidade da res sperata, o que pressupõe benefícios econômicos ao futuro lojista em virtude da reserva do espaço físico, sendo possível a previsão de cláusula penal compensató- ria por eventual culpa do futuro lojista ao se retratar posteriormente e não pretender celebrar a locação.
Na renovação do contrato de locação, é devida nova res sperata? Evidentemente que não, considerando que tal avença somente se justifica no período anterior ou concomitante à construção, planejamento e organização inicial do shopping center, inexistindo causa que possibilite nova cobrança posteriormente. Daí a razão pela qual se o lojista não renova a locação por desinteresse, não tem direito de reaver a res sperata, já que o valor pago nada tem a ver com o fundo de comércio.
Interessante questão é colocada pela doutrina: o lojista tem direito à repetição do valor pago a título de res sperata, se a loja-âncora desistir do empreendimento? “Xxxxxxx, como há, redução do valor do fundo de comércio e, conseqüentemente, dos ganhos do lojista, logicamente que terá
64 Tal análise é apresentada por Xxxxxx Xxxxx XXXXX (op. cit., p. 142-143).
65 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 143.
66 XXXXXX XXXXX, Xxxxx, op. cit., p. 348.
ele direito de ver reduzidas as luvas pagas, salvo se outra loja-âncora, do mesmo renome e porte, ocupar o lugar da desistente”.67 Tal fundamentação é coerente com a consideração de que a res sperata corresponde às luvas em relação à locação não-residencial celebrada, o que, no entanto, não pode ser aceito, pelos motivos expostos e, desse modo, não se pode reconhecer qualquer direito à devolução de valores por fatos posteriores, sendo claro que houve construção, planejamento e organização do empreendimento, e, por conseguinte, o contrato relacionado à res sperata se extinguiu, não podendo mais reavivar efeitos definitivamente consolidados.
A cobrança da res sperata, com base na Lei nº 8.245/91, é admitida e, obviamente, se funcionaliza no futuro contrato de locação entre empre- endedor e lojista, mas não deve ser admitida na renovação da locação, por indevida, além de serem nulas todas as cláusulas que busquem excluir o direito a renovação, nos termos do art. 45, da Lei nº 8.245/91. Da mesma forma, tal cobrança não poderá ser feita relativamente aos novos lojistas, quando não mais pendente a construção, bem como já tendo sido feitos todo o planejamento e a organização do empreendimento.
E) PROIBIÇÃO DA CESSÃO DO CONTRATO
Uma cláusula discutível é aquela que proíbe a cessão do contrato de locação; haveria - ou não - violação ao art. 45, Lei nº 8.245/91, desnaturando o contrato firmado entre empreendedor e lojista. Como se sabe, a cessão da locação em sentido amplo, do locatário original para um terceiro representa modalidade de assunção de débito, considerando que a contraprestação relacionada ao pagamento de alugueres é tida como uma das principais, decorrentes do contrato avençado. Assim, com base na doutrina que se refere à assunção de dívida, esta somente poderia ser considerada válida se obtido o consentimento do credor. No caso específico das locações de imóveis urbanos, atualmente há o artigo 13, da Lei nº 8.245/91, que exige a autorização do locador para cessão, sublocação ou empréstimo do imóvel, o que, implicitamente, impede a inserção de cláusula que proíba a cessão, sublocação ou empréstimo do bem.
O artigo 13, supra-referido, busca conciliar interesses do locador e do locatário, pois da mesma forma que impede a inserção de cláusula proibitiva de cessão, sublocação e empréstimo do imóvel, exige que, concretamente,
67 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 146.
seja buscada a autorização do locador para que qualquer uma das avenças com terceiro possa validamente se verificar. Assim, uma vez que inexiste, nesse particular, razão para distinguir a locação de espaço em shopping center das outras locações não-residenciais, deve ser considerada inválida cláusula que proíba a cessão do contrato de locação, reconhecendo-se o caráter de ordem pública da regra contida no artigo 13, da Lei nº 8.245/91. É bem provável que o locador se oponha à cessão, sublocação ou empréstimo do imóvel, como se pode verificar no caso, por exemplo, de tratar-se a pessoa do terceiro interessado em pessoa notoriamente insol- vente, ou condenada criminalmente, ou reconhecidamente inidônea sob o aspecto moral e econômico, ou de péssimo mau gosto no que toca ao ramo de comércio ou de prestação de serviços em questão. Mas, não se pode re- conhecer como justificada e razoável a recusa imotivada, ou motivada com bases irreais ou irrelevantes para o desenvolvimento do empreendimento e da própria atividade econômica ali desenvolvida. Não se deve, pois, admitir o arbítrio do locador, mas sim a observância dos limites de razoabilidade e
justificativa dentro do contexto da legislação em questão.
F) IMUTABILIDADE DO RAMO DE COMÉRCIO
Outra cláusula questionável se relaciona à imutabilidade do ramo de comércio ou prestação de serviços do locatário-lojista. Deve-se reconhecer sua validade, ou não? Sim, trata-se de cláusula válida não apenas nas locações de espaços em shopping centers, mas também nas locações não-residenciais localizadas fora de shopping centers.
No caso das lojas em shopping centers, tal cláusula é plenamente justificada em razão de uma das principais características do empreendi- mento que é o tenant mix do empreendimento, realizado após cuidadosa análise técnica, com o estudo a respeito da distribuição das lojas segundo os diversos ramos.
Ora, se fosse possível a mudança do ramo de comércio ou de pres- tação de serviços de cada um dos lojistas, não haveria sentido a própria organização e planejamento realizados pelo empreendedor, e a alteração do ramo de atividade de qualquer lojista afetaria os demais, individualmente, e, por óbvio, o empreendimento como um todo. É fundamental pensar que há homogeneidade no funcionamento do empreendimento considerado em si mesmo, e para tanto a atuação dos lojistas, em seus respectivos ramos de atividade comercial e de prestação de serviços é muito importante, mantendo a qualidade dos produtos e serviços negociados e, especialmente a mesma
exploração econômica que vinha desempenhando desde o início as relações com o empreendedor. Como bem coloca a doutrina, “o objetivo do mix é justamente evitar o desequilíbrio concorrencial dos comerciantes instala- dos no centro comercial”, 68 sendo certo que é também importante manter o mesmo planejamento e organização que o empreendedor concebeu, sob pena do desvirtuamento do próprio empreendimento.
G) PROJETOS DE INSTALAÇÃO E DECORAÇÃO DA LOJA Dentro do princípio da autonomia da vontade, expressamente asse-
gurado no artigo 54, caput, da Lei nº 8.245/91, deve ser reconhecida como válida e justificada em razão do empreendimento a cláusula que estabeleça a obrigação do lojista de respeitar as determinações do organizador no que toca aos projetos de instalação e decoração da loja, inclusive com a previsão da possibilidade do empreendedor indicar nomes de pessoas especializadas no setor de decoração para que o lojista escolha um.69
A justificativa de tal cláusula se baseia na homogeneidade do em- preendimento, na harmonia do conjunto, diante da necessidade de se con- ciliarem os interesses particulares de cada um dos lojistas com o interesse geral e coletivo de todos e do próprio empreendedor, visando proporcionar maior atratividade ao consumo, num ambiente dotado de beleza e harmonia arquitetônicas, com bastante afinidade e sofisticação, exatamente visando diferenciar tais lojas de shopping center do modelo tradicional e comum de lojas situadas em construções independentes e autônomas, sem qualquer vínculo.
H) ASSOCIAÇÃO DE LOJISTAS E O FUNDO DE PROMOÇÕES Outra particularidade nas relações envolvendo a exploração de ativi-
dades econômicas em shopping centers se refere à cláusula que estabelece a contribuição e participação dos lojistas para o fundo de promoções coletivas dos shopping centers, principalmente em períodos ou datas festivas – como, por exemplo, Dia dos Namorados, festas natalinas, Dia das Crianças -, para maior atração da freguesia. Tais contribuições têm o objetivo de viabilizar a realização de campanhas e eventos promocionais do shopping center como um todo, o que, logicamente, gera benefícios para cada um dos lojistas isoladamente considerados e para o próprio empreendedor.
68 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 154.
69 Tal cláusula também é admitida por Xxxxxx Xxxxx XXXXX, op. cit., p. 154.
Daí a importância de se constituir a Associação de Lojistas que terá poderes para receber tais contribuições, administrando o fundo de promoções, realizando as campanhas e eventos promocionais que possibilitem a alavan- cagem dos negócios realizados pelos lojistas diante da maior atratividade do empreendimento, com as promoções e propagandas realizadas.70
Em regra, tal contribuição consiste num percentual sobre o aluguel pago ao empreendedor - geralmente dez por cento -, sendo também “usual que o empreendedor pague uma quantia proporcional àquela dos lojistas, competindo a administração do fundo de promoções à Associação dos Lojistas”.71
AAssociação dos lojistas é dotada de personalidade jurídica de direito privado, sendo pessoa jurídica distinta do empreendedor-administrador do shopping center, sem intuito lucrativo, com a incumbência precípua de ad- ministrar o Fundo de Promoções Coletivas. Com base na doutrina corrente, a adesão dos lojistas à Associação é compulsória, diante da circunstância de que todas as promoções e propagandas serão realizadas em prol da coletivi- dade, e não de apenas um dos lojistas. Evidentemente que tal circunstância não exclui a possibilidade de cada lojista promover propagandas próprias que, por óbvio, não se relacionam ao fundo de promoções.
A cláusula do fundo de promoções e da própria adesão à Associação dos Lojistas se mostra perfeita, e portanto lícita e válida,72 não violando norma de ordem pública ou os bons costumes, condição indispensável para o bom funcionamento do shopping center. “A exclusão de um lojista da Associação pela prática de falta grave autoriza o despejo”.73 Com efeito, caso o lojista venha a ser excluído da Associação, tal fato poderá ensejar a rescisão da locação, considerando que as promoções e propagandas re- alizadas pela Associação prosseguiriam atraindo o público em geral, sem
70 A jurisprudência reconheceu como válida tal cláusula mesmo sem ter se constituído a Associação dos Lojistas: “Enquanto não constituída a Associação dos Lojistas, o empreendedor tem legitimidade para administrar a programação de publicidade do shopping center. Os locatários não estão obrigados a suportar despesas promocionais além dos limites contratualmente ajustados”. (Ap. 441.223-00/0, 3. Câm. do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, Rel. Xxxxxxxxx Xxxxxx. Apud CARNEIRO, Waldir de Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 427).
71 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 155.
72 Como observa Xxxxxx xx Xxxxx XXXXXX, “o lojista deve obedecer às normas de administração impos- tas pelo empreendedor, sob pena de subverter a ordem do negócio e prejudicar o empreendimento: deve obedecer a horários de trabalho, campanhas promocionais, decoração homogênea, ...” (op. cit., p. 198).
73 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 157.
qualquer contribuição de determinado lojista para tanto, o que contraria o próprio espírito do empreendimento, gerando, inclusive, o enriquecimento sem causa relativamente ao lojista não-associado, excluído, portanto, dos quadros associativos.
Além de desempenhar o papel relevante e fundamental para realização de promoções e propagandas, a Associação dos Lojistas também é dotada de poderes, hoje expressos no texto constitucional, para fins de proteção dos interesses individuais homogêneos dos lojistas e dos interesses coletivos, bastando, para tanto, verificar, o disposto no inciso LXX, do artigo 5º, da Constituição Federal, em relação ao mandado de segurança coletivo.
I) DESPESAS INTERNAS E CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDO DE ADMINISTRAÇÃO
Como dito, em razão das próprias peculiaridades do empreendimento de shopping center, ao empreendedor, que em regra é o administrador, cabe exercer a organização, o controle e a fiscalização das atividades realizadas no interior do shopping center, sendo dotado de vastos poderes de adminis- tração. Daí a razão de ser das próprias Normas Gerais Complementares, do Regimento Interno, inclusive com a disciplina quanto ao uso dos espaços destinados às lojas comerciais ou de prestação de serviços, ao uso das áreas comuns, ao aproveitamento dos benefícios pelos consumidores em geral, à locomoção, aos direitos e deveres dos empregados das lojas, dos fornece- dores. No desempenho de tais atribuições, o administrador-empreendedor contrai dívidas em prol de toda a coletividade, não relacionadas às promo- ções e propagandas do shopping center, mas sim às questões internas de administração, de zelo e de conservação da construção e, logicamente, das áreas comuns. São despesas que têm semelhança com as despesas condo- miniais, apesar de os lojistas não serem condôminos, em regra, como fora analisado anteriormente. Oportuno se faz ressaltar que, apesar de não serem condôminos, há situação de composse entre os lojistas, no que se relaciona às áreas comuns e aos próprios serviços prestados pelo empreendedor, como limpeza, segurança, adornamento, entre outros.
Tais despesas relacionadas ao “funcionamento do empreendimento naturalmente devem ser encargo dos lojistas e o rateio se fará na proporção fixada em contrato, proporcional ou não à área ocupada”.74 O art. 54, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.245/91, implicitamente, acolhe a cobrança de tais despesas,
74 Idem.
pois prevê que algumas despesas não poderão ser cobradas dos locatários de lojas em shopping center, como obras de reforma ou acréscimos que interessem à estrutura integral do prédio; pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, e esquadrias externas; indenizações traba- lhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas antes do início da locação; despesas com obras ou substituições de equipamentos que impliquem modificar o projeto ou memorial descritivo da data do habite-se, e obras de paisagismo nas partes de uso comum; e despesas não previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior.
J) CLÁUSULA PROIBITIVA DE ABERTURA DE LOJA PRÓXIMA Outra questão levada ao conhecimento dos tribunais brasileiros diz
respeito à validade de estipulação, em contrato de locação de espaço em shopping center, quanto à proibição do lojista-locatário de explorar outro estabelecimento do mesmo ramo, dentro de certa distância do shopping center - normalmente, dois quilômetros e meio -, a não ser com expressa concordância do empreendedor.
Em dois julgamentos proferidos pelo II. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, foi reconhecida a validade de tal cláusula, no contexto dos fundamentos e princípios da liberdade contratual, da autonomia da vontade, e do conseqüente pacta sunt servanda.75 A despeito da orientação adotada nesses julgamentos, tal cláusula é violadora de regras e princípios consti- tucionais e infraconstitucionais. Acertada a lição de Xxxxxx XXXXXXX: “Na esfera constitucional tal cláusula fere, indubitavelmente, dispositivos relativos à proteção à livre iniciativa (art. 1., IV, art. 3., I; 5., XIII e XXII, e 170, caput) e à livre concorrência (art. 170, IV, e parágrafo único; 173,
§ 4º). De igual maneira, emergem malferidas normas infra-constitucionais (sic), como os arts. 20 e 21 da Lei 8.884/94 (que dispõe sobre o abuso do poder econômico) a prescreverem como infração da ordem econômica os atos, de um modo geral, que limitem ou prejudiquem a livre concorrência ou a livre iniciativa, bem como que limitem ou impeçam o acesso de novas empresas ao mercado”.76
75 Tais julgamentos são os seguintes: Apelação nº 465.935-00/0, 5. Xxxxxx, x. 24.09.96, Rel. Laerte Sampaio; Apelação nº 477.739-00-3, 10ª Câmara, j. 13.05.97, Rel. Xxxxx Xxxxxxx (Xxxx XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 422-423).
76 XXXXXXXX, Waldir de Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 422.
Além dos fundamentos colocados, é relevante a verificação de que tal cláusula é leonina, imposta pelo empreendedor sem que o lojista pudes- se alterar ou modificar, deixando ao arbítrio do locador a possibilidade de se inaugurar novo estabelecimento próximo ao shopping center. Assim, cuida-se de hipótese de condição potestativa pura, vedada no ordenamento jurídico civil, com base na regra contida no artigo 115, segunda parte, do Código Civil. É de se reconhecer, pois, cuidar-se de cláusula ilícita, por encerrar abusividade evidente.
VI. Renovação da Locação
Os locatários não-residenciais – e não apenas os comerciais – recebem tutela do ordenamento legal brasileiro, e por isso têm direito à proteção da Lei nº 8.245/91, que, nesse particular, visa conferir tutela aos titulares de um fundo de comércio (ou de empresa), composto por bens materiais – como os bens móveis, incluindo maquinário, utensílios e outros apetrechos –, e bens imateriais – razão social, nome de fantasia, título do estabelecimento, freguesia constituída, aviamento, entre outros.
A questão que se apresenta, em matéria de locação de espaço em shopping center, é acerca da existência – ou não – de fundo de empresa em favor do locatário/lojista. E, como questão posterior: se o empreendedor é titular – ou não – de fundo empresarial.
Alguns doutrinadores defendem a posição consoante a qual o lojista não é titular de fundo de comércio, mas sim apenas o empreendedor que transfere parcela do seu fundo empresarial ao lojista.77 Outra corrente teórica e doutrinária, sensibilizada com o fenômeno moderno dos shopping centers, sustenta a existência de dois fundos empresariais: um “sobrefundo” ou “su- perfundo” ou “fundo global” do empreendedor, e outro fundo do comércio do lojista.78 No sentido da segunda corrente, veja a manifestação de Xxxxx XXXXXX: “a questão não é de fundo de comércio, mas de fundo empre- sarial, cujo sentido é mais amplo, logo, tanto o gestor do centro, quanto os lojistas, têm fundo empresarial. O shopping porque atrai clientes, e os
77 Entre outros, Xxxxxxx XXXXXX, Xxxxxxx XXXXXX, citados por Xxxxxx Xxxxx XXXXX: “... este contrato estava fora do alcance da Lei de Luvas e, consequentemente, insuscetível de renovação judicial.” (op. cit., p. 163).
78 Tal corrente é defendida por Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx XXXXXXX e Xxxx Xxxxx xx Xxxxx XXXXXXX, também citados por Xxxxxx Xxxxx XXXXX: “ter o shopping seu fundo consubstanciado na própria concepção do empreendimento, e o lojista, no saber promover e vender seus produtos...” (op. cit., p. 164).
lojistas porque, individualmente, são capazes de atrair grande número de clientes para o centro comercial”.79
A melhor orientação, no entanto, é apresentada por Xxxxxx XXXXX: “o empreendedor nunca poderá ter clientes próprios, apenas o centro comer- cial poderá contar com uma pré-disposição (sic) para o afreguesamento em função da destinação do imóvel. (...) Clientela subjetiva somente os lojistas podem criar, porque depende da exploração efetiva do fundo”80. Inexiste dúvida de que as condições pactuadas entre empreendedor e lojista levam em conta os benefícios que o empreendimento cria e desenvolve em favor do maior poder de atração ao público em geral, mas daí a existir uma clientela específica do shopping center há um longo caminho. Assim, a circunstância de o espaço se localizar no interior da construção do shopping center pos- sibilita a fixação de um valor de aluguel mais elevado, comparativamente a outros situados fora do shopping, mas isso não repercute quanto a suposto fundo empresarial do locador. Se não houver lojistas, nunca poderá haver clientes, e se os lojistas se estabelecerem em outro local que não o shopping, também terão clientes. O que existe, no shopping center, é a perspectiva de uma clientela maior por força do funcionamento do shopping, mas isso não significa que o centro de compras seja o titular dessa clientela potencial.
Verificado, desse modo, que somente o lojista é titular de fundo de empresa, inequívoco é o reconhecimento do direito à renovação da locação não-residencial em shopping center como válido e necessário instrumento de proteção e tutela dos interesses do locatário e de sua clientela quanto à continuidade da cessão do uso e fruição do espaço no interior da construção. Daí a previsão na Lei nº 8.245/91 acerca de tal direito ao locatário não-re- sidencial. “Para assegurar o direito à clientela, o comerciante tem direito ao ponto onde se localiza o seu ramo de negócio. O ponto é um elemento intrínseco à atividade comercial e forma, ao lado do nome, marca, imagem, publicidade e propaganda, bom atendimento e outros, um dos pressupostos da clientela”.81
No campo da função social da propriedade e dos próprios contratos que têm por objeto a funcionalização de determinados bens, inclusive os
79 Apud LEMKE, Nardim Darcy, op. cit., p. 164.
80 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 166.
81 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 171.
imóveis, é de se destacar a existência do direito à renovação do contrato de locação não-residencial (existente desde o Decreto nº 24.150/34). Para fazer cumprir o novo papel dos institutos civis, o Estado interveio na locação entre comerciante e proprietário do imóvel para proteger o fundo de empresa que o locatário constitui e, antigamente, tinha que entregar ao locador sem nada receber. Para Xxxxx XXXXXXX, a renovação compulsória resulta da aplicação da teoria do abuso do direito.
Assim, o art. 51, da Lei nº 8.245/91, regente de aspectos do direito à renovação compulsória, prevê as condições que autorizam a utilização da Ação Renovatória pelo locatário de imóvel não-residencial, e que se apli- cam à locação de lojas de centros comerciais: a) contrato escrito; b) prazo determinado; c) prazo mínimo de 5 anos; d) exploração do mesmo ramo de comércio pelo prazo mínimo de 3 anos. Quanto à última, relembre-se de que o lojista não pode alterar seu ramo de comércio, em razão do próprio tenant mix.
A soma do tempo relativo a contratos de períodos inferiores a cinco anos, mas que atinja tal período, deve ser considerada para a renovação, desde que os períodos sejam contínuos, sucessivos e ininterruptos, não se excluindo a hipótese do amparo da Lei nº 8.245/91.82 Há, evidentemente, outras exigências, tal como se verifica pelo próprio sistema da lei: a) prova do exato cumprimento do contrato em curso e quitação dos tributos inciden- tes sobre o imóvel; b) indicação das condições oferecidas, especialmente o valor do aluguel mínimo oferecido.
Com base no artigo 52, § 2º, Lei nº 8.245/91, nas locações de espaço de loja em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação da locação com fundamento na utilização do imóvel para uso próprio, para uso da sociedade de que faça parte e para uso de ascendente ou descendente, o que demonstra o próprio estímulo do legislador a que o regime, envolvendo o aproveitamento dos espaços no shopping center, seja o de vários contratos de locação. Tal se justifica pela finalidade do empreendimento: o objetivo não é do empreendedor exercer o comércio, mas sim organizar o empre- endimento para os espaços serem alocados a terceiros.83 “A restrição não
82 No mesmo sentido do texto, veja a referência de Xxxxxxx XXXXXXXX: “... a exigência do prazo con- tratual mínimo de cinco anos para o exercício da ação renovatória foi amenizado pela jurisprudência, que passou a aceitar a soma de sucessivos contratos escritos e por prazos determinados, desde que o período global atingisse o qüinqüênio.” (op. cit., p. 147).
83 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx, op. cit., p. 191.
se justifica para o locador que não é o empreendedor do centro comercial,
mas simples proprietário de loja locada”.84
Poderá o empreendedor retomar a loja para alterar o mix do shopping center, desde que haja previsão contratual, com base no princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade, nos termos do artigo 54, da Lei nº 8.245/91, mas desde que o locatário seja indenizado, nos termos do art. 52,
§ 3º, do mesmo texto legislativo. Alguns contratos de locação de espaço em shopping center estabelecem cláusula de aumento do aluguel mínimo, caso o locatário recorra ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento do direito à renovação através da Ação Renovatória. Logicamente, tal cláusula é nula, pois fere o art. 45, da Lei nº 8.245/91, além de excessivamente onerosa e leonina, nos termos do art. 51, I, IV, IX, e Lei nº 8.078/90.
Verifica-se, portanto, diante das colocações feitas, e a partir de uma revisão dogmática dos contratos em geral, a necessidade de se buscar o fundamento de validade constitucional dos institutos jurídicos não apenas de direito público, mas também de direito privado. Somente com tal visão poderão ser cumpridos os objetivos da República Federativa do Brasil, entre eles a garantia do desenvolvimento econômico e social da nação, com a
erradicação das profundas desigualdades econômicas e sociais, assegurando a toda a coletividade a realização da justiça e do bem-estar sociais. ◆
84 XXXXXXXX, Waldir de Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 397.