O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: UM NOVO CONTRATO?
O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: UM NOVO CONTRATO?
Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx*
A
1 – INTRODUÇÃO
tenta à essência da relação de emprego, à dependência econômica, social e, sobretudo, jurídica do trabalhador, a legislação dos povos civilizados contém regras que o protegem na formação, desenvolvimento e ruptura
do contrato de trabalho. Essas normas estão fundadas nos princípios orientado- res do Direito do Trabalho e em normas do Direito Internacional do Trabalho.
Por sua vez, o sistema jurídico brasileiro consagra o direito da livre iniciativa e da liberdade de contratar, enlaçando-o com a função social da pro- priedade, os valores sociais do trabalho e da dignidade humana. São todos eles princípios fundamentais constitucionais decorrentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a dig- nidade do homem é o centro dos ordenamentos jurídicos, princípio fulgurante nas Constituições dos países democráticos do mundo.
Ademais, a perspectiva da livre iniciativa que também está expressa na Declaração deve ungir-se à capacidade de propiciar ao ser humano a manu- tenção de sua dignidade e cidadania em respeito não somente ao princípio da função social da propriedade, mas, sobretudo, da dignidade do ser humano e dos valores sociais do trabalho.
Neste quadro, o Estado deve assegurar o reconhecimento da importância social do trabalho nas relações de produção, conduzindo os contratantes a uma atuação de razoável equilíbrio, sem perda do intervencionismo estatal que é suporte da justiça contratual.
Explica-se, portanto, que, no campo das relações de trabalho, a Organi-
zação Internacional do Trabalho (OIT) defina como alguns dos seus objetivos:
* Desembargadora do Tribunal Regional do Tribunal do Trabalho da Sexta Região; professora associada
da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco; doutora em Direito do Trabalho.
a preservação e ampliação da proteção social aos trabalhadores, o respeito aos direitos no trabalho, a promoção do emprego e o fortalecimento do diálogo social.
Para alcançar esses objetivos, é indispensável efetivar o compromisso firmado por inúmeros países, inclusive o Brasil, perante a OIT no sentido de conferir trabalho digno para todas as pessoas, à luz do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, de 1998, e da Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa, datada de 2008.
Esses documentos contêm uma síntese da missão histórica da OIT, coe- rente com o ideário de que é imperioso conceder oportunidades para homens e mulheres obterem trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana.
Considerando os fundamentos traçados na Carta Republicana do Brasil e os objetivos da OIT, traz justificável inquietação a presença do denominado trabalho intermitente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É que ele se revela como uma modalidade de relação de emprego distanciada do tipo de contrato de trabalho preponderante na ordem jurídica brasileira.
2 – O CONTRATO DE TRABALHO E O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO
No campo das relações de produção, o sistema jurídico brasileiro contém normas de proteção ao trabalho e contra o desemprego, de segurança e medicina do trabalho, de meio-ambiente, de seguridade social, de migração, de diálogo social, entre outras, inserindo-as no contrato de trabalho. Essa construção é histórica, e atende aos princípios da OIT, justificando a razão de ser do Direito do Trabalho.
Desta forma, o trabalho, a justa e equitativa remuneração, a segurança, a liberdade, a proteção contra o desemprego, são direitos que dizem respeito à dignidade da pessoa humana. Procura-se concretizar os direitos sociais e, ainda, os direitos de terceira geração, que se expressam na solidariedade, na paz, no respeito mútuo, na preservação do meio ambiente.
Os valores referidos são considerados na legitimação do vínculo de emprego, nele ingressando, para garantir-lhe equilíbrio contratual e, portanto, justiça. Justiça entendida como opção ética que atende à maioria da humanidade, recorrendo ao pensamento de Xxxxxxx Xxxxxx, ao afirmar que: “Justiça seria
uma ideia que traduziria a possibilidade de aceleração histórica no sentido do melhor, do mais humano, da libertação”1.
O Direito do Trabalho, portanto, diante da desigualdade entre empre- gado e empregador, constrói, mediante a intervenção do Estado, mecanismos jurídicos que permitem ao trabalhador um razoável equilíbrio contratual. Aliás, essa situação de dependência daquele que presta serviços em face do tomador apresenta-se como a justificativa de existência desse ramo jurídico.
E a relação de emprego se plasma nesta moldura da necessária presença do Poder Legislativo, pois corresponde a um dos tipos mais abrangentes de prestação de serviços, sobretudo em face da tendência de o trabalho assumir natureza proletária nas relações de produção, bem como da supremacia política do capital.
Explica-se, portanto, porque a subordinação jurídica é o elemento de maior relevância para a caracterização desse negócio jurídico. Ela se revela – no plano da subordinação subjetiva – mediante uma posição de dependência em que o empregado é colocado na relação de emprego, e que lhe impõe obediência às determinações do empregador. Corresponde à sujeição típica daquele que trabalha desprovido de autonomia e independência na execução das tarefas, submetendo-o ao poder diretivo específico do empregador. Ademais, também enseja a participação integrativa do trabalhador na atividade empresarial, como realça Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, ao aludir à subordinação objetiva2.
Essa participação integrativa, e que é a tônica do modelo preponderante de contrato de trabalho, ou seja, daquele com prazo indeterminado, não está presente nas demais espécies contratuais autorizadas pela ordem jurídica bra- sileira, entre as quais o trabalho intermitente.
O sentido de permanência do trabalhador no seio da empresa acha-se nas raízes do Direito do Trabalho, dando ensejo à construção de normas jurídicas que se sustentam em princípios próprios, entre os quais o da Continuidade da Relação de Emprego.
Com a formulação dos 9 (nove) princípios do Direito do Trabalho, quando da criação da OIT, em 1919, afirma-se a sua autonomia e universalização, e os diversos países que participaram do Tratado de Versalhes fazem ingressar em seus sistemas postulados específicos.
1 XXXXXX, Xxxxxxx X. X. xx. O que é justiça – uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-Omega, 1995. p. 67.
2 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 270.
Xxxxxxx Xxx Xxxxxxxxx, ao aludir à continuidade do contrato de trabalho, alerta que a instabilidade gera a insegurança, o que desatende a um desejo do trabalhador que é precisamente a certeza, não somente quanto ao presente, mas também em relação ao futuro3.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx lembra que a perspectiva de permanência atua no Direito do Trabalho em duas dimensões principais: de um lado, na duração do vínculo empregatício, que tende a ser incentivado pelas normas jurídicas. E de outro lado, essa concepção de permanência flui do elemento fático-jurídico da não eventualidade, categoria básica que é a relação de emprego4.
Em decorrência do Princípio da Continuidade, consagrado no Direito Internacional do Trabalho, mediante inúmeras normas constantes de Reco- mendações e Convenções, a regra geral é que as partes celebrem contratos sem determinação de prazo. Compreende-se que o contrato por prazo indeterminado traz uma perspectiva de permanência, de integração na empresa e de possibili- dade de profissionalização do empregado. E também possibilita o empresário a contar com trabalhador de bom nível técnico e dedicado aos objetivos do empreendimento, pelo fato de inserir-se na empresa. O trabalhador mais anti- go tende a produzir com melhor qualidade e em maior quantidade. Aliem-se a esses aspectos o de que a permanência no emprego conduz à formação de laços de ordem pessoal, capazes de atingir patamares mais amistosos nas di- versas relações que se estabelecem no interior da empresa: entre empregado e empregador, entre os trabalhadores, e entre esses e os representantes sindicais e de comitês de empresa.
O elo de permanência do trabalhador na empresa, em face do contrato de trabalho, traz benefícios às duas partes da relação, com evidentes repercussões sociais, econômicas e políticas, conforme destaca Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx0.
Afinal, antecede o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e até mesmo à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948 o propósito expresso na Constituição da OIT de promover parâmetros internacionais referentes às condições de trabalho e bem- estar. Daí porque a efetivação desses direitos não seria apenas uma obrigação moral, mas, igualmente, jurídica, haja vista que se fundamenta em tratados
3 PLÁ XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1978. p. 134-136.
4 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 293.
5 XXXXX, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx da. Principiologia do direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 146.
internacionais de proteção aos direitos humanos e instrumentos da OIT, como lembra Flávia Piovesan6.
Por essas razões, a OIT tem posição firme no sentido de que a per- manência do trabalhador na empresa cumpre os objetivos de proteção e de trabalho digno. É o que se extraí da Convenção nº 122, de 1965, denominada “Convenção sobre política do emprego”, ratificada pelo Brasil e em vigor no sistema nacional desde 24 de março de 1970, mediante sua promulgação pelo Decreto nº 66.499, de 27 de abril de 1970.
E o ordenamento jurídico brasileiro, seguindo o postulado universal da continuidade do contrato de trabalho, revela a presença do Princípio da Con- tinuidade da Relação de Emprego no interior do sistema. No art. 7º da Cons- tituição Republicana acham-se normas que protegem o contrato de trabalho contra a despedida arbitrária ou sem justa causa; participação nos lucros, ou resultados; aviso prévio; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, com a multa sobre os depósitos. E no art. 8º constam disposições sobre o direito sindical e as garantias ao exercício do sindicalismo. No plano infraconstitucional, exis- tem disposições normativas como as que regulam o plano de carreira, critérios de promoção, institutos sobre alteração, interrupção e suspensão do contrato, proteção à saúde, ao menor, à maternidade, entre outras.
Desta forma, o contrato de trabalho por prazo indeterminado e de razo- ável duração é regra no ordenamento jurídico brasileiro e nos demais sistemas jurídicos ocidentais.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx ressalta que se trata da modalidade pre- dominante de contratação – se outra, especificamente, não for estabelecida –, em homenagem ao Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, e não por uma mera questão de técnica legislativa7.
Ademais, o quadro atual da economia brasileira não pode prescindir dos princípios orientadores do Direito do Trabalho e o da Continuidade da Rela- ção de Emprego é um deles. É que as influências que a Economia e o Direito exercem mutuamente revelam que o abandono desses princípios daria ensejo à precariedade das relações de emprego.
6 PIOVESAN, Flávia. Direito ao trabalho decente e a proteção internacional dos direitos sociais. Cadernos da Amatra IV – 16º Caderno de Estudos sobre Processo e Direito do Trabalho, Porto Alegre, HS, ano VI, n. 16, nov. 2011, p. 31.
7 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 363.
Sendo assim, para compreender o contrato de trabalho intermitente, é importante a referência aos princípios orientadores do Direito do Trabalho e posicioná-los em face da regulação peculiar dessa forma de vinculação entre empregado e empregador nas relações de produção.
3 – O TRABALHO INTERMITENTE: SUA TRAJETÓRIA NA DOUTRINA NACIONAL – COMPREENDENDO-O
No curso da história, pressionando em direção inversa à pugnada pela OIT, a globalização trouxe para os países, ao final da década de 70, novos pa- drões tecnológicos e de direção, capazes de interferir na autonomia dos estados nacionais no que diz respeito à sua política macroeconômica. E esse fenômeno tem ocasionado diminuição das malhas de proteção social pelo Estado.
Os paradigmas mais evidentes da globalização são: concentração de riquezas; restrição aos investimentos educacionais; diminuição da rede de se- guridade social; redução do número de empregos; privatização das atividades fundamentais normalmente conferidas ao Estado; declínio de participação de- mocrática nas decisões do país pelos indivíduos e restrição à soberania nacional.
Como consequência, os Estados nacionais são impelidos a transformar sua política macroeconômica para atender ao perfil imposto pela globalização. Paralelamente, até mesmo as regras da livre concorrência e da iniciativa pri- vada que regem o mercado sequer são exercitadas dentro de uma perspectiva de equilíbrio. Em face da pressão da grande massa concentradora de capitais, homens, empresas, grupos e nações são desiguais.
Xxxxxx X. Thurow, ao analisar os desafios que a economia global traz aos países, assevera que este modelo cria uma separação expressiva entre as instituições públicas nacionais e suas políticas para controlar acontecimentos e forças econômicas internacionais. E, assim, os governos nacionais ficam despojados de muitos dos seus tradicionais poderes de controle econômico. Conclui que são as pressões geoeconômicas extranacionais que ditam as polí- ticas nacionais, em vez de as diversas políticas nacionais orientarem as forças econômicas globais8.
Em decorrência desses aspectos, no plano das relações de produção, múltiplas formas de contrato de trabalho passam a ingressar no sistema jurídico das nações, revelando uma tentativa de atender aos interesses da globalização
8 XXXXXX, Xxxxxx X. O futuro do capitalismo. Como as forças econômicas de hoje moldam o mundo de amanhã. Rio de Janeiro: Xxxxx, 1997. p. 168.
econômica e da realidade pós-industrial. Entre eles, pode-se mencionar: tercei- rização de serviços, contrato a tempo parcial, contrato por prazo determinado, contrato temporário e contrato de trabalho intermitente.
De acordo com Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, o tipo de trabalho denomi- nado intermitente, embora usual no mundo dos fatos, estava fora da proteção da legislação trabalhista no Brasil. Considera intermitente o contrato que, pela natureza da atividade empresarial, se renova perante o tomador em épocas próprias do ano. Lembra que esse trabalho não é o mesmo que o eventual, exis- tindo entre eles diferenças expressivas. O intermitente tem um caráter cíclico na continuidade dos serviços, com intervalos entre o fim de uma prestação e o começo de outra para a mesma fonte tomadora. Há o retorno constante do prestador de serviços, de forma interruptiva, não seguida, com lapsos signifi- cativos, ainda que desprovido de exclusividade. O trabalhador presta serviços a um mesmo tomador (empresa) com continuidade dotada de espaçamento. Quanto ao trabalho eventual, ele atende a um evento de curta duração que não se renova de forma constante. Terminado o serviço específico e predeterminado, o trabalhador está desobrigado perante o contratante; é ocasional em relação à fonte para a qual o serviço é realizado. O eventual poderia se transformar em intermitente, desde que o trabalhador, ainda que com espaçamentos, realizasse atividades com continuidade para a mesma fonte, mesmo que sem o caráter de exclusividade. Ressalta que o trabalho intermitente não poderia ser confundido com o executado pelo empregado, alvo da tutela da CLT, porque a prestação de serviços deste em relação ao mesmo tomador é seguidamente contínua, ao passo que o intermitente é dotado de continuidade, mas com espaçamento. E conclui que esses aspectos evidenciavam ser preciso regulamentar o trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro, afastando dúvidas sobre o seu enquadramento, oferecendo maior segurança para o contratante e a especificação dos direitos do contratado9.
O eventual, portanto, é o ocasional, o fortuito, o que pode ou não aconte- cer, que ocorre em algumas ocasiões, o incerto. Difere, portanto, do intermitente, que se repete, tendo uma interrupção temporária, dotado de paralisações, com intervalos; o que cessa e recomeça após intervalos, o que, geralmente, se faz necessário, com razoável previsibilidade.
9 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1.030-1.037.
A propósito, leciona Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx que o contrato de emprego é continuado ou de trato sucessivo porque não pode ser executado mediante a prática de um só ato, como ocorre com os contratos instantâneos10.
Poder-se-ia afirmar que o contrato de emprego estabelecido no art. 3º da CLT tem a nota da não eventualidade, traduzida pela continuidade, salvo nas hipóteses que a legislação prevê. E o trabalho intermitente também possui notas comuns ao modelo traçado na CLT, a saber: pessoalidade, subordinação jurídica, onerosidade. Mas a prestação de serviços, ainda que não eventual, tem continuidade com espaços de inatividade no tempo. Sendo assim, é relação de emprego.
Desta forma, deve-se considerar que “a natureza não eventual da presta- ção de serviços”, exigida pelo art. 3º da CLT para a definição do “empregado”, é elemento inerente ao contrato de trabalho tradicional, nos modelos por prazo indeterminado e determinado. E não agride o conceito de relação de empre- go, a continuidade intercalada com a ausência de prestação de serviço, como estabelecida para o contrato intermitente, que tem natureza indeterminada no tempo, mas não é eventual.
No mesmo sentido, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx afirma que a con- tinuidade é requisito para que se possa considerar o trabalhador sujeito de um contrato de emprego; todavia, essa continuidade não precisa ser absoluta. Diz que não eventual é o trabalho que não é prestado em todos os dias da semana, mas em apenas alguns deles, “de maneira uniforme; em período de tempo fixo”. E exemplifica com os trabalhadores em clubes em apenas alguns dias da sema- na (sábados e domingos, mais comumente) que estariam sujeitos à relação de emprego porque não se trata de trabalhador eventual; e, ainda, os que prestam serviços intermitentes (por temporada, como nos hotéis balneários, em alta estação). E conclui que apesar da relativa continuidade, não são trabalhadores eventuais porque atendem às necessidades permanentes das empresas, sendo empregados, desde que preenchidos os demais requisitos da CLT11.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx assevera que o trabalho eventual é o que depende de acontecimento incerto, casual, fortuito da atividade empresarial. A base dessa teoria repousaria no Direito mexicano, segundo o qual a eventualidade é apreciada em relação à atividade da empresa. E, sendo assim, se o serviço for de necessidade acidental, o modelo de trabalho é eventual; se permanente à necessidade da empresa (contínua ou intermitente), será não eventual. A ne-
10 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx de. Direito individual do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 362.
11 XXXXX, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx. Op. cit., p.146-147.
cessidade permanente pode ser contínua (precisa-se do trabalho todos os dias e durante todo o ano) e intermitente (há necessidade do labor algumas horas por dia, mas durante todo o ano: em alguns dias da semana, mas durante todos os anos; ou em alguns meses do ano, mas todos os anos)12.
Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxx dizem que, em se tratando de trabalho realizado com constância, embora periodicamente, não pode ser considerado eventual13.
Por sua vez, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx destaca que a eventualidade, para fins da CLT, não corresponde à intermitência, porque a legislação nacio- nal rejeitou a denominada teoria da descontinuidade. E acrescenta que, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade, haja vista que a jornada contratual pode ser inferior à jornada legal, inclusive no que concerne aos dias trabalhados14.
Efetivamente, a legislação nacional não adotou a teoria da descontinuida- de para caracterizar a relação de emprego. E o que a ordem jurídica exige para a inserção do novo tipo contratual (trabalho intermitente) na tutela da CLT é o preenchimento dos requisitos da pessoalidade, subordinação, onerosidade e a não eventualidade. São os elementos indispensáveis ao conceito de empregado traçados pela ordem jurídica nacional. É, portanto, o trabalhador que presta ser- viços atendendo à necessidade normal da empresa, a qual se renova periódica e sistematicamente. É uma continuidade relativa. Não se trata de eventualidade.
O trabalho intermitente, como não é eventual, ainda que alterne conti- nuidade com inatividade, insere o prestador de serviços dessa modalidade na categoria de empregado. Enquadra-se no art. 3º da CLT.
4 – O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Ao surgir no Brasil normas sobre mais um modelo de contrato de trabalho distanciado de sua origem tradicional, permitindo que a continuidade conviva com a inatividade, a inquietação parece ter-se abatido sobre o mundo jurídico. Refiro ao trabalho intermitente que ingressa na CLT como uma espécie de contrato de emprego.
12 XXXXXX, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. São Paulo: Globo, 2017. p. 273.
13 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de direito do trabalho. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 198.
14 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 297.
A perplexidade decorre da compreensão de que o trabalho e sua finalidade social devem ter do Estado igual proteção a que é atribuída à propriedade para atender ao pressuposto de justiça. Essa visão acha-se adequadamente explicitada por Xxxxx Xxxxxxx00.
E o contrato de trabalho intermitente é regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro em uma fase em que vários fatores interferem na reorgani- zação da estrutura das empresas. Pode-se mencionar: a inovação tecnológica, a pressão dos grupos econômico-financeiros mais ligados ao exterior, muitas vezes divorciados dos interesses da sociedade, políticas de austeridade imprimidas pelas autoridades monetárias internacionais com ênfase à restrição das taxas de crescimento e, sobretudo, um quadro de grave crise política, econômica e social.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx observa que, em geral, na economia mundial, a combinação desses elementos traz, no campo das relações de trabalho em várias nações, o aumento do desemprego e a longa duração desse estado, a elevação das taxas de inatividade, maior número de contratos de trabalhadores em regime de tempo parcial e de relações desprovidas de registro, sem os benefícios da seguridade social16.
Diante de um quadro de fortes desequilíbrios políticos, econômicos e sociais, o emprego regular e tradicional perde a sua capacidade de assumir papel de protagonista importante nas relações de produção, trazendo para o âmago do sistema jurídico relações contratuais não usais. E os contratos atípicos, como é o contrato de trabalho intermitente, inserem-se no sistema jurídico dos Estados.
Traçadas essas premissas, deve-se considerar que, do ponto de vista da Economia e da Administração de Empresas, o trabalho intermitente atende à estratégia que pretende conferir a algumas modalidades de empreendimentos melhores resultados, agilidade, simplicidade, maior rendimento e competiti- vidade no mercado.
Por sua vez, esse tipo de trabalho também pode fazer ingressar na ordem jurídica significativa quantidade de trabalhadores que se acham sem emprego, bem como aqueles que trabalham despojados do manto de cobertura trabalhista e previdenciária. Este último aspecto (ausência de registro empregatício), já nos anos 70 era contabilizado como existente em relação a mais da metade dos
15 XXXXXXX, Xxxxx. Fundamentos de sociologia do direito. Brasília: Universidade de Brasília, 1968. p. 180-181. De acordo com a concepção do autor, o sistema jurídico deve conferir ao trabalho idêntica tutela que se atribui à propriedade. Esse tratamento repousaria em uma ideia de justiça, a qual estaria reconhecida na Bíblia, ao mencionar que o trabalhador merece o seu salário.
16 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Políticas de emprego no século XX e o significado da ruptura neoliberal.
São Paulo: Annablume, 2003. p. 87.
trabalhadores prestando serviços no Brasil. Esse contingente estava excluído da proteção oferecida pela legislação trabalhista, de seguridade social e por normas decorrentes de acordos e convenções coletivas. É importante mencionar que a OIT, por meio da recomendação nº 198, conclama os Estados a que, mediante sua legislação nacional, definam os elementos caracterizadores do vínculo empregatício. O objetivo é o de impedir que a relação subordinada deixe de ser amparada pelas leis trabalhistas, ao ser apresentada, indevidamente, como uma prestação de serviços autônoma. A OIT esclarece que os países membros devem dirigir seus esforços no sentido de deixar claro o âmbito de aplicação da legislação pertinente, garantido uma proteção real àqueles que exercem serviços sob um verdadeiro vínculo empregatício.
Ademais, sem pretender discutir a constitucionalidade do contrato in- termitente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em matéria que também foge à índole natural do contrato de trabalho tradicional, especificamente em processo alusivo à terceirização de serviços, invocou, como fundamento de decidir, o direito à livre iniciativa e à liberdade de contratar. Assim ocorreu no Agravo nº 713.211 – Minas Gerais, no qual, em trecho da ementa do voto, o Ministro Xxxx Xxx afirma:
“(...) proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seja atividade fim (sic) pode interferir no direito fundamental de livre iniciativa criando possível ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, obrigação fundada em lei capaz de esvaziar a liber- dade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente.”
Como se pode observar, a decisão do STF, ao cuidar da terceirização de mão de obra diante do que se deveria ser entendido como atividade-fim da empresa, reputou o tema revestido de índole constitucional e conferiu-lhe Repercussão Geral.
Esta breve ponderação alerta para o princípio constitucional da liberdade de contratar e da livre iniciativa, indicados como fundamento inicial da decisão acima referida.
Oportuno afirmar que a decisão final a ser proferida pela Corte Suprema do Brasil, por certo, deverá enlaçar os princípios referidos com outros princípios igualmente fundamentais expressos na Constituição Republicana: o da dignida- de humana, dos valores sociais do trabalho e da função social da propriedade.
De toda sorte, o legislador infraconstitucional firmou as balizas da ter- ceirização ao editar a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017.
Sendo assim, seguindo as diretrizes de valorização e dignidade do tra- balho humano, reafirma-se que no Brasil a legislação trabalhista, à luz do que estabelecem os arts. 3º e 443 da CLT, respeita o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, conferindo primazia no quadro geral das relações de produção ao contrato por prazo indeterminado.
“Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.”
Por sua vez, o art. 443 dispõe:
“Art. 443 O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo deter- minado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
§ 1º Considera-se como de prazo determinado o contrato de traba- lho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.
§ 2º O contrato por prazo determinado só será válido em se tra-
tando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a prede-
terminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.
§ 3º Considera-se como intermitente, o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legis- lação própria.”
Interpretação gramatical, sistemática e teleológica desses dispositivos legais autoriza afirmar que o Princípio da Continuidade da Relação de Empre- go permanece como regra geral do contrato de trabalho. Por sua vez, nada foi alterado com relação ao contrato de trabalho por prazo determinado, o qual
sempre teve um lugar secundário na ordem jurídica nacional e nas relações de produção. E a nova modalidade, inserida na CLT, é modelo de prazo indeter- minado, com regência própria, em face de suas peculiaridades, com indicativo de contrato também excepcional.
Sendo assim, as contratações por prazo determinado e as de forma inter- mitente configuram exceções no direito brasileiro. E isto porque o ordenamento jurídico trabalhista continua assentado no princípio que insere o empregado na empresa, o que não acontece nesses dois tipos de contratos.
5 – A LEGISLAÇÃO SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A recente reforma das leis trabalhistas no Brasil, em especial a promovida pela Lei nº 13.467/2017, em vigor desde 14.11.2017, dispõe sobre o trabalho intermitente. Estabelece o art. 452-A da CLT:
“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento, que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.
§ 1º O empregador convocará por qualquer meio de comunicação eficaz para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos três dias corridos de antecedência.
§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado presumindo-se, no silêncio, a recusa.
§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins
do contrato de trabalho intermitente.
§ 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
§ 5º O período de inatividade não será considerado tempo à dis- posição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
§ 6º Ao final de cada período de prestação de serviço o empregado
receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:
I – remuneração;
II – férias proporcionais com acréscimo de um terço: III – décimo terceiro salário proporcional:
IV – repouso semanal remunerado: e V – adicionais legais.
§ 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos a título de cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo.
§ 8º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição pre- videnciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
§ 9º A cada doze meses o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”
Por sua vez, em 14 de novembro de 2017, foi editada a Medida Provisória nº 808, a qual altera alguns dispositivos da CLT, e, em que toca ao contrato de trabalho intermitente, dispõe que:
“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá:
I – identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes.
II – valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado o disposto no § 12; e
III – o local e o prazo para pagamento da remuneração. (...)
§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado, presumida, no silêncio, a recusa.
(...)
§ 6º Na data acordada para o pagamento, observado o disposto no
§ 11, o empregado receberá, de imediato, as seguintes parcelas:
(...)
§ 10. O empregado, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos § 1º e
§ 2º do art. 134.
§ 11. Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º não poderá ser estipu- lado por período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de prestação de serviço.
§ 12. O valor previsto no inciso II do caput não será inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função.
§ 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será devido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto no § 3º do art. 60 da Lei nº. 8.213, de 1991.
§ 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei nº. 8.213, de 1991.
§ 15. Constatada a prestação de serviços pelo empregado, estarão satisfeitos os prazos previstos nos § 1º e § 2º.
Art. 452-B. É facultado às partes convencionar por meio de con- trato de trabalho intermitente:
I – locais de prestação de serviço;
II – turnos para os quais o empregado será convocado para prestar serviços;
III – formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços.
IV – formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento de serviços previamente agendados nos termos dos § 1º e § 2º do art. 452-A.
Art. 452-C. Para fins do disposto no § 3º do art. 443, considera-se período de inatividade o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A.
§ 1º Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho.
§ 2º No contrato de trabalho intermitente, o período de inativida- de não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente, caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade.
Art. 452-D. Decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo empregador, contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente, será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho intermitente.
Art. 452-E. Ressalvadas as hipóteses a que se referem os art. 482 e art. 483, na hipótese de extinção do contrato de trabalho intermitente serão devidas as seguintes verbas rescisórias:
I – pela metade:
a) o aviso prévio indenizado, calculado conforme o art. 452-F; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de garantia do Tempo de Serviço – FGTS, prevista no § 1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; e
II – na integridade as demais verbas trabalhistas.
§ 1º A extinção do contrato de trabalho intermitente permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei nº 8.036, de 1990, limitada a até oitenta por cento do valor dos depósitos.
§ 2º A extinção do contrato de trabalho intermitente a que se refere este artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro Desemprego.
Art. 452-F. As verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente.
§ 1º No cálculo da média a que se refere o caput, serão conside- rados apenas os meses durante os quais o empregado tenha recebido
parcelas remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o perío- do de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior.
§ 2º O aviso prévio será necessariamente indenizado, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 487.
Art. 452-G. Até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito meses, contado da data da demissão do empregado.
Art. 452-H. No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-A.”
6 – O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NO DIREITO COMPARADO
Uma breve análise do perfil do contrato de trabalho intermitente no Direi- to Comparado ajuda a compreender a regulamentação desse modelo no Brasil.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx faz referência à legislação estrangeira sobre o trabalho intermitente ao afirmar que no direito espanhol existe o trabalho fixo de caráter descontínuo:
“(...) denominação atribuída a certas relações de trabalho que são permanentes de acordo com o volume normal de atividades comuns da empresa, mas cíclicos porque não exigem prestação de serviços todos os dias. Pertencem a esse gênero os trabalhos que são seguidos no tem- po, mas restritos a determinados dias ou acontecimentos do ano, como espetáculos públicos, feiras e acontecimentos desportivos que, sob o prisma da continuidade, não apresentam a mesma freqüência do trabalho do empregado.”17
Também Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxx, referindo a Xxxxx xx xx Xxxxx, esclarecem que a Corte Mexicana considerou que: “Para a existência do trabalho efetivo requer-se unicamente que o serviço desempenhado constitua
17 Cit., p. 1.036.
uma necessidade permanente da empresa, isto é, que não se trate de um serviço meramente acidental”18.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, em minuciosa análise, traz o enfoque do mo- delo de trabalho intermitente em vários países.
Na Alemanha, teria sido inserido na legislação em 1985, mediante a “Lei de Promoção do Emprego”, sob a denominação de “trabalho a pedido”. Nele, o trabalhador e a empresa celebram um contrato especificando a duração semanal e o número de horas diárias do trabalho. Caso omita-se a referência à jornada semanal de trabalho, compreende-se que foi de 10 (dez) horas por semana. E, com relação à frequência diária, o silêncio no ajuste autoriza a concluir que o empregador deverá chamar o empregado para trabalhar ao menos 3 (três) horas por dia. A norma exige que o empregador convide o empregado para trabalhar com, no mínimo, 4 (quatro) dias de antecedência da data do início dos serviços. A notificação feita pelo empregador, respeitado esse prazo, gera para o empregado o dever de comparecimento. Todavia, a jurisprudência alemã tem entendido que nem sempre se deve considerar que a omissão das partes no tocante à fixação dos elementos indispensáveis conduza aos limites acima referidos. Seria o caso, por exemplo, de o empregado trabalhar 20 horas sema- nais em média com regularidade. Não poderia, depois, o empregador alterar essa condição para 10 horas semanais, invocando o limite da lei, diante da prática diferenciada adotada. Acrescente-se que a legislação permite que uma convenção coletiva de trabalho altere esses limites.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx também apresenta o modelo de trabalho intermitente no sistema jurídico da Itália. Introduzido em 2003, mediante a Lei Biaggi, com o objetivo de aumentar o número de empregos formais, foi destinado a dois tipos de pessoas: os trabalhadores com menos de 25 anos de idade e aqueles com mais de 55 anos de idade.
O objeto do contrato é estipulado por meio de negociação coletiva, po- dendo a execução ocorrer em períodos pré-determinados durante a semana, mês ou ano. À falta de negociação coletiva, as disposições são regulamentadas pelo Ministério do Trabalho. Consta da lei que é permitida a aplicação aos setores de entretenimento, turismo, serviços em locais abertos ao público. Autoriza pactuar cláusula em que o trabalhador se obriga a responder ao chamado do emprega- dor no prazo não inferior a 1 (um) dia, o que assegura uma compensação ao empregado pelo tempo à disposição. Ausente essa cláusula, o empregado pode
18 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de direito do trabalho. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 197, citando Xxxxx xx xx Xxxxx, em Direito mexicano do trabalho, v. 1, p. 659.
recusar a chamada, não sendo devida compensação financeira, mas apenas os valores decorrentes do período trabalhado. É lícita a negociação coletiva deste modelo em outras atividades que não as especificadas pela lei, mas, nestes ca- sos, o empregador limita-se a celebrar contrato com cada trabalhador por 400 (quatrocentos) dias a cada 3 (três) anos civis. Caso ultrapassado esse período, o contrato é reputado por tempo integral e por prazo indeterminado. A lei proíbe o uso desse tipo de trabalho para substituir trabalhadores em greve; em empresas que realizaram dispensas em massa nos últimos 6 (seis) meses ou que tenham suspensão/redução do horário de trabalho; ou no caso de empregadores que não procederam à avaliação de risco em matéria de segurança do trabalho.
Em Portugal, consoante Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, o contrato de trabalho intermitente integra um dos pontos do Acordo Tripartido para um Novo Sistema de Regulação das Relações Laborais, datado de 2008, ingressando na ordem jurídica com o advento do Código de Trabalho de 2009. O artigo 157º do Código permite esse trabalho em empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável. E, sendo assim, as partes podem acordar a prestação intercalada por um ou mais períodos de inatividade. Exige que seja escrito. O legislador, ao referir ao modelo de empresa que desenvolva serviços com des- continuidade, ou seja, interrupções, ou intensidade variável (flutuações), possi- bilita o emprego do contrato intermitente em inúmeras atividades empresariais.
Pode adotar dois tipos: alternado ou à chamada. O contrato intermitente alternado consta do art. 159º do Código de Trabalho português. Nele, as par- tes estabelecem a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de labor. Há, ainda, a previsão da quantidade de tempo a ser prestada pelo empregado, bem como o momento do início e término de cada período a ser trabalhado no ano. O empregador sabe, antecipadamente, quais as épocas ou períodos do ano em que terá necessidade desse trabalhador. Há uma previsibilidade por parte do empregador, em face da natureza de suas atividades empresariais. A norma jurídica proíbe que a prestação do trabalho seja por marco temporal inferior a seis meses por ano, e estabelece que ao menos 4 (quatro) meses de trabalho sejam consecutivos.
Com relação ao trabalho intermitente à chamada, está previsto na parte final do art. 159º do Código de Trabalho. Nesse tipo, as partes fixam a ante- cedência de tempo em que o empregador deverá informar o empregado do início do labor, o qual não poderá ter marco inferior a 20 dias. Nessa espécie, o empregado fica sujeito à necessidade do empregador, ao qual compete dizer se haverá trabalho e o momento de sua prestação pelo empregado.
O artigo 160º do Código assegura que no trabalho intermitente à chama- da, durante o período de inatividade, o trabalhador faça jus a um pagamento (compensação financeira) que deve ser fixada em negociação coletiva. Também prevê que, à falta de tal negócio jurídico coletivo, o empregado terá direito de receber o equivalente a 20% da remuneração base com periodicidade igual à da remuneração. Dispõe, ainda, que, no período em que o empregado não estiver prestando serviços para a empresa, poderá executar trabalhos para terceiros, ou seja, não se exige exclusividade com a empresa que contrata de forma intermi- tente. Durante a inatividade, a norma estabelece os direitos, deveres e garantias das partes que não tenham correspondência com a efetiva prestação de serviços.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx diz que o ponto em comum nos dois modelos é o de que em ambos devem ser indicados o número anual de horas de trabalho, ou o número anual de dias de trabalho em tempo integral, o qual corresponde ao quantum. Tal normativa está no artigo 158º. Em caso de omissão sobre esse aspecto, o contrato é considerado sem período de inatividade.
E o autor mencionado conclui a análise do direito português no tocante às duas modalidades de contrato, ressaltando que a diferença do período de inatividade entre ambas é a seguinte: no trabalho alternado, a inatividade sig- nifica autodisponibilidade; no trabalho à chamada, o empregado encontra-se no aguardo de responder a convocação do seu empregador, tratando-se de um período de heterodisponibilidade.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx também apresenta notas sobre o modelo de contrato intermitente no direito americano e no direito inglês: just-in-time workers e zero-hour contracts, respectivamente. Esclarece que o sistema ju- rídico anglo-saxônico confere maior liberdade na contratação das relações de trabalho em geral, seguindo o trabalho intermitente essa mesma perspectiva.
Nos Estados Unidos existe o trabalhador denominado just-in-time sche- duling. Ele se caracteriza pelo fato de a ciência da escala de trabalho ocorrer com pouca antecedência, e as horas de trabalho também terem muita oscilação. É utilizado em lojas de varejo e restaurantes, predominantemente. Destaca que relatório da Conferência Internacional do Trabalho afirma que as lojas de varejo e os restaurantes possuem softwares sofisticados, utilizando dados, com curva de vendas, bem como informações meteorológicas, capazes de fornecer o fluxo de clientes. Esses elementos permitem saber o número de trabalhadores necessários para os dias mais próximos. Mas mesmo nos Estados Unidos se reconhece que essa espécie de contratação é muito danosa ao trabalhador pela incerteza quanto aos valores a receber, a escala de trabalho a cumprir, trazendo insegurança e problemas na vida pessoal. E por conta disto, existe um movi-
mento no País para suavizar os impactos negativos desse modelo de contrato. Tanto é assim, que em alguns estados e no distrito de Colúmbia se construiu rede de proteção para o trabalhador intermitente. Trata-se das leis reporting- time pay que impõem ao empregador o pagamento de um valor mínimo ao empregado que trabalha em turnos do calendário, mesmo no caso de não lhes ser atribuído serviço. Também há leis nas cidades de São Francisco e Seattle que regulamentam e limitam esse tipo de contrato.
No Reino Unido, o trabalho intermitente ocorre mediante o contrato zero hora, no qual não existe garantia para o número de horas a serem traba- lhadas pelo empregado. As partes celebram um negócio no qual o trabalhador concorda em estar disponível para trabalhar como e quando for necessário para a empresa, sem que se assegurem os horários ou a quantidade de horas de trabalho. É proibida a cláusula de exclusividade. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx diz que a maior incidência desse contrato é nos restaurantes e lojas de varejo. Exemplifica que a maior loja varejista de esportes, a Sports Direct, e a cadeia de restaurantes McDonald’s possuem 90% de seu pessoal contratado sob o regime do contrato zero hora19.
7 – NOTAS SOBRE A ADOÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Sobre esse modelo contratual, considero que não é adequado a todas as atividades empresariais. Tendo em vista suas especificidades, a permissão deveria ser restrita a determinados negócios desenvolvidos pelo empregador, os quais, pela natureza, justificassem a sua adoção. Em outras palavras, deveria destinar-se às empresas que exerçam atividade com descontinuidade ou inten- sidade variável (flutuações).
Pelas suas características, o contrato de trabalho intermitente é viável como modalidade excepcional de admissão de trabalhadores. Em outras pala- vras, em empresas que detenham características de descontinuidade, ou possuam intensidade variável; que apontem para atividades que sejam de necessidade permanente da empresa, mas, em face do volume não uniforme do negócio, dispense a presença contínua, sem interrupção, do empregado, ou, ainda, na- queles negócios em que, em determinados períodos do mês, desenvolvem um volume maior de atividades.
19 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787/2016 (reforma trabalhista) à luz do direito comparado. Colunas. Legislação. Notícias. Últimas, 24 de abril de 2017.
Assim é que, enquanto no setor de serviços, clubes, restaurantes, bares, cinemas, teatros, turismo, comércio varejista, em algumas áreas técnicas es- pecializadas, o contrato intermitente pode ter razoável significação, em outras atividades é possível que prejudique não somente ao empregado, como, igual- mente, ao empregador.
A utilização do contrato intermitente em qualquer atividade econômica pode ensejar graves desequilíbrios contratuais e sociais, afastando o respeito à dignidade do trabalhador e o equilíbrio e segurança que devem ser inerentes à relação de emprego. Essa espécie de contrato é desfavorável ao trabalhador pela incerteza que lhe é inerente quanto à remuneração a receber, a escala de trabalho a cumprir, gerando intranquilidade e problemas na vida pessoal.
O contrato intermitente revela natureza especial, pois, desde a formação, se distancia do contrato de trabalho tradicional, em que os sujeitos objetivam a permanência, a continuidade, um vínculo estável e o aperfeiçoamento constante.
Observe-se que a preocupação natural dos empreendedores, de investir na capacitação, na segurança e nos laços de integração, não é própria ao con- trato intermitente. Normalmente, os empregadores não cuidam da qualificação profissional e da segurança e bem-estar de um trabalhador que, de início, não têm perspectiva de manter em seus quadros de forma definitiva, ou mesmo por longo tempo.
No que diz respeito ao trabalhador, os prejuízos advindos à segurança e à saúde decorrem da pouca atenção que lhe é conferida pelo empregador, pois se trata de um empregado que prestará serviços por períodos descontínuos à empresa.
Essa modalidade contratual também inviabiliza o sentimento de perten- cimento do empregado e a certeza de um valor remuneratório certo, previsível e digno.
Tais aspectos geram instabilidade no interior da empresa em face dos demais empregados ou do conjunto da classe trabalhadora, vedando ao empre- gado intermitente alçar cargos na hierarquia de pessoal, reforçar a confiança, segurança e participação na empresa. Esses direitos, aliás, acham-se consagra- dos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que renovam os princípios da Declaração Universal os Direitos Humanos.
E, quanto aos interesses do empregador – a contratação generalizada –, também pode ensejar incontáveis perdas, diante da falta de inserção do traba- lhador no empreendimento. É que a empresa deixa de dispor de empregado
experiente, que se aperfeiçoa, o que pode dificultar ou atrasar o pleno desen- volvimento da atividade produtiva.
Sob o prisma da sociedade e do Estado, a alta rotatividade que esse mode- lo contratual alberga dá ensejo a custos elevados para a manutenção do sistema público de proteção contra o desemprego, expressos em seguros, treinamento profissional, procura de novas vagas, previdência social.
É oportuno lembrar a observação de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, que, invocando o Direito Civil, diz que no contrato continuado, como o é o de emprego, vigora a cláusula rebus sic stantibus, resgatada pelo direito da era moderna como teoria da imprevisão. E lembra que é cláusula hábil a limitar a autonomia da vontade, na medida em que se propõe, por ela, que se preserve o equilíbrio contratual, a equivalência das prestações, “(...) revendo-se o valor ou fardo de alguma destas, todas as vezes em que ela se tornar, por motivo imprevisto, excessivamente onerosa”20.
Por sua vez, a desigualdade entre empregado e empregador exige do le- gislador a construção de uma teia de proteção especial no contrato de emprego intermitente, mecanismos que permitam ao trabalhador alcançar um patamar mínimo de cidadania e dignidade. Daí porque se justificaria a exigência legal no sentido de que a celebração desse contrato entre empregado e empregador, necessariamente, fosse antecedida de análise prévia do sindicato, mediante acordo ou convenção coletiva. Aliás, o legislador trabalhista de 2017 conferiu prestígio à negociação coletiva, realçando o papel do sindicato nos acordos e convenções coletivas, em vários dispositivos da Lei nº 13.467.
Realço que essa intervenção do sindicato dos trabalhadores na celebração do contrato intermitente atenderia, ademais, aos postulados do Direito Inter- nacional do Trabalho que, desde o Tratado de Versalhes, realçam a liberdade de associação e sindicalização e o papel fundamental dos órgãos de classe para a criação de normas trabalhistas. Atente-se, a propósito, para a normativa estabelecida na Convenção nº 154 da OIT, que dispõe sobre o fomento à ne- gociação coletiva. E estaria em sintonia com as normas constitucionais, que inserem a negociação coletiva e a representação do Sindicato como direitos sociais fundamentais.
De toda sorte, considerando que o art. 611-A, VIII, da CLT, autoriza a prevalência do acordo ou convenção coletiva sobre a lei quando dispuser sobre trabalho intermitente, existe a possibilidade de intervenção do sindicato dos trabalhadores na fixação de cláusulas mais benéficas ao empregado. É que é esta
20 Cit., p. 362.
a missão precípua da negociação coletiva, quer em observância ao princípio da proteção e da norma mais favorável, estampado no art. 7º da Constituição da República, quer em face do princípio da dignidade humana, xxxxx fundante da República brasileira.
O contrato de trabalho intermitente se plasma neste panorama jurídico que exige necessário intervencionismo estatal e dos sindicatos dos trabalhadores. Trata-se de prestação de serviços que não integra o empregado de forma per- manente no empreendimento, ainda que o empresário necessite periodicamente da prestação de serviços do trabalhador.
Por sua vez, a Convenção nº 122, aprovada na 49ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em 1965, que entrou em vigor no plano internacional em 17 de julho de 1966, trata da Política de Emprego para todos os países membros. Essa norma jurídica pugna por criar incentivos nas várias nações do mundo, a fim de que se viabilizem programas dirigidos ao pleno emprego, que deve ser produtivo e livremente escolhido, a par de clamar pela elevação dos níveis de vida dos povos. Estabelece que a política a ser adotada pelas nações garanta trabalho para todas as pessoas disponíveis e que desejem trabalhar, devendo fazê-lo da maneira mais produtiva possível, com livre escolha do trabalhador, sempre lhe assegurando o direito de obter as qualificações necessárias. O Brasil ratificou e promulgou esse documento, que se acha em vigor no país desde 24 de março de 1970, promulgado pelo Decreto nº 66.499, de 27 de abril de 1970.
E a OIT, de forma reiterada, se manifesta contrariamente à inserção nos sistemas nacionais de formas pouco convencionais de contrato de trabalho. Essa postura decorre da insegurança para o trabalhador e para as fontes de custeio social do Estado, que os modelos de contrato de trabalho não tradicio- nais fazem surgir.
Sem dúvida que o contrato de trabalho intermitente não permite a obser- vância ao objetivo traçado pela OIT e enunciado na Convenção nº 122. Trata-se de mera estratégia de sobrevivência, para amenizar a gravidade dos níveis de desemprego e diminuir ou evitar o fechamento de empresas no Brasil, como também se pode constatar naquelas nações que adotaram o trabalho intermitente.
Em sendo assim, mais ainda se justifica a conveniência de restringir esse modelo apenas às empresas que exerçam atividade com descontinuidade, ou seja, interrupções ou intensidade variável (flutuações). Empreendimentos que detenham perfil invariável, dotado de continuidade, não comportam o recurso a essa modalidade contratual. E a indispensável participação do sindicato na
celebração desse negócio jurídico é elemento da maior significação social, política e econômica, pois lhe compete, mediante negociação coletiva, fixar as condições de trabalho e emprego, e regular as relações entre empregadores e trabalhadores (art. 2 da Convenção nº 154 da OIT).
É oportuno realçar que respeitar e efetivar o direito de o indivíduo ter trabalho pleno, digno, capaz de propiciar sua sobrevivência e de sua família contribui para a estabilidade e manutenção das relações pacíficas na sociedade e permite que seja alcançado o desenvolvimento social e econômico.
O direito do ser humano ao trabalho pleno e digno atende, ademais, ao princípio da dignidade humana, à cidadania e ao valor social do trabalho, cen- tros dos ordenamentos jurídicos democráticos e sustentáculo da Constituição da República do Brasil.
Sempre é pertinente realçar a dicção de J. J. Xxxxxxxxx, ao afirmar que os princípios que se encontram na Constituição detêm natureza de princípios fundamentais. Revelam-se, diz ele, “(...) como princípios historicamente objecti- vados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”21.
Por sua vez, não se ignora que o ordenamento jurídico brasileiro em mais de um momento afirma o princípio da livre iniciativa e do respeito à proprie- dade privada. Todavia, esses princípios convivem de forma indissolúvel com o da dignidade humana e o da função social da propriedade (arts. 1º e 170 da Constituição da República).
Alude-se, ainda, ao compromisso jurídico e político da Constituição da República, no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária, o qual advém da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Com efeito, estabelece o art. 1º da Declaração Universal que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
Oportuno lembrar que a ideia de fraternidade deve ser compreendida como união, harmonia, aliança pela realização das mesmas causas, dos mesmos ideais. O que traduz solidariedade, a saber: compromisso entre os indivíduos e as instituições, colaboração mútua, responsabilidade coletiva, dependência de uns para com os outros, identidade e correspondência de projetos e objetivos.
21 XXXXXXXXX, X. X. Xxxxx. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 171.
Pode-se afirmar que nunca foi tão importante, como hoje, invocar o princípio da solidariedade em face de todas as esferas, quer as públicas, quer as privadas. A propósito, afirma Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx:
“A expressa referência à solidariedade, feita pelo legislador consti- tuinte, estabelece em nosso ordenamento um princípio jurídico inovador, a ser levado em conta não só no momento da elaboração da legislação ordinária e na execução de políticas públicas, mas, também, nos momen- tos de interpretação e aplicação do Direito, por seus operadores e demais destinatários, isto é, por todos os membros da sociedade.”22
Observe-se que, no campo das relações internacionais, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, ao referir ao princípio da solidariedade, o ordena à luz do ser humano. Desvenda esse princípio como um conjunto de direitos que per- tencem à humanidade, precisamente porque o indivíduo é o epicentro da ordem jurídica internacional23.
E isto decorre do que Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx afirma ser a “centralida- de” dos direitos humanos, posição que detém em todos os sistemas jurídicos democráticos24. E o Brasil adotou na Constituição Republicana esse parâme- tro, construindo um conjunto normativo em que a dignidade do indivíduo e a valorização do seu trabalho podem tornar efetivo o sentido de solidariedade.
O princípio da solidariedade fortalece a realização da cidadania e da dignidade humana, na medida em que permite que cada indivíduo se reconheça no outro e colabore para a existência coletiva dentro dos padrões mínimos es- tabelecidos na Carta Constitucional. Assim, é princípio constitucional inovador na ordem interna, como adverte Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, mas que está firmemente enraizado em uma concepção antiga, enunciada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, sob o nome de “fraternidade”.
8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o surgimento do Direito do Trabalho, como um ramo jurídico, e, ainda hoje, a diretriz da OIT e a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro, é a da prevalência dos contratos por prazo indeterminado.
22 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. Constituição, direitos fundamentais e direitos privados, 2003. p. 138.
23 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2006. p. 91.
24 SANTAGATI, Xxxxxxx Xxxxx. Da Declaração dos Direitos Humanos ao sistema de proteção. Uma aproximação histórico-jurídica. História do direito e do pensamento jurídico em perspectiva. São Paulo: Atlas, 2012. p. 634.
É da essência do contrato de trabalho ser firmado para perdurar no tempo, sem prazo para encerrar, propiciando a permanência do trabalhador no emprego. Atende ao Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, o qual aponta para a conservação da fonte de subsistência do trabalhador, a elevação dos ní- veis de salário, a evolução profissional ou de uma carreira, além das garantias básicas de seguridade social e do associacionismo.
O fundamento político-legislativo para a adoção desse modelo atípico de contrato é: a possibilidade de tolher o aumento do número de desemprega- dos; retirar trabalhadores do mercado informal; diminuir os custos sociais dos empregadores nas contratações e na terminação dos contratos; possibilitar a adequação do quadro de pessoal das empresas às oscilações do mercado e da economia. E o direito comparado confirma que é um recurso adotado interna- cionalmente, em vários países ocidentais, como forma excepcional de relação de emprego. O Brasil já ingressou neste processo.
Considerando a natureza dos direitos sociais fundamentais, muitos dos quais atendendo ao postulado dos direitos humanos, o papel dos estudiosos e intérpretes do Direito do Trabalho deve ser o de procurar conferir ao novo instituto uma interpretação que atenda aos princípios desse ramo jurídico e àqueles que se acham estampados nos Tratados e Convenções Internacionais. E, ainda, nos fundamentos da Constituição da República: o da solidariedade, da dignidade humana, promoção do bem de todos os cidadãos, da justiça social e da cidadania.
9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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