O Planejamento de Contratações Relativas a Resíduos Sólidos à Luz da Nova Lei de Licitações
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Engenheira Civil com Mestrado em Edificações pela Unicamp e Agente da Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
RESUMO
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos apresenta um roteiro detalhado de informações e documentos que devem integrar o processo da contratação, desde a identificação da necessidade a ser atendida até a entrega final do bem, obra ou serviço. Tais documentos devem ser adaptados, conforme o teor do objeto, garantindo-se sua descrição plena. No caso de serviços ligados ao manejo de resíduos sólidos, os planos municipais que tratam da matéria devem ser considerados como uma importante ferramenta norteadora da contratação, servindo de apoio para a elaboração dos documentos exigidos na Lei. Este artigo analisa os principais documentos das etapas de planejamento de contratações relativas a resíduos sólidos, na nova Lei de Licitações, Lei nº 14.133/2021, ressaltando a importância dessa fase para o alcance de contratações eficazes e eficientes.
PALAVRAS-CHAVE: Planejamento; Resíduos Sólidos; Estudo Técnico Preliminar; Projetos; Termo de Referência.
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ABSTRACT
The new Bidding and Public Contracts Law presents a detailed script of information and documents that must integrate the contracting process, from the identification of the need to be met until the final delivery of the product, construction or service. These documents must be adapted, according to the content of the object, ensuring its full description. In the case of ser- vices related to solid waste management, the municipal plans that deal with the matter must be considered as an important guiding tool for contracting, serving as support for the preparation of the documents required by law. This article analyzes the main documents of the planning stages for hiring related to solid waste, in the new Bidding Law, Law No. 14.133/2021, emphasizing the importance of this phase for the achievement of effective and efficient hiring.
KEYWORDS: Planning; Solid Waste; Preliminary Technical Studies; Projects; Reference Term.
INTRODUÇÃO
A materialização do interesse público, a partir de contratações céleres, econômicas e eficazes, depende diretamente das etapas de planejamento e de controle desenvolvidas pela Administração.
Ainda que o planejamento já fosse uma atividade considerada essencial nas contratações de obras e serviços de engenharia, nota-se um destaque ainda maior para o tema na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que o apresenta como um de seus princípios e descreve os diversos documentos a ele relacionados dentro do processo da contratação.
O desafio que se impõe de forma ainda mais premente ao Administrador é saber como incorporar com precisão as etapas de planejamento, projeto e orçamento às contratações públi- cas, para que outros princípios previstos na Lei, como eficiência e eficácia, possam ser atendidos.
Pode-se afirmar que a Lei buscou facilitar este processo, já que são apresentados os conteúdos esperados em cada estágio de desenvolvimento dos projetos e dos documentos que lhes dão origem.
Desta forma, adaptando os documentos e informações descritos na Lei à contratação pretendida, é possível atingir os objetivos, evitando-se as consequências negativas da falta de
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planejamento, como os termos de aditamento de prazo e de valor que tornam as contratações mais caras e demoradas.
Neste artigo, analisamos o planejamento de contratações referentes a resíduos sólidos, mais especificamente os serviços de engenharia relacionados no art. 3º, I, ‘c’, da Lei nº 11.445/2007 (com redação dada pela Lei nº 14.026/2020), incluídos nas atividades de saneamento:
Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de:
...
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana;
Tais serviços se caracterizam pela necessidade contínua, pelo alto vulto financeiro envol- vido e pela correlação direta com a saúde da população.
De acordo com informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2012), os gastos com limpeza urbana e manejo dos resíduos podem atingir 5% dos gastos dos municí- pios. Além disso, há os custos indiretos com saúde pública, por conta de doenças que decorrem do manejo inadequado dos resíduos.
Apesar da importância da matéria, muitas prefeituras não desenvolvem o planejamento das contratações com o nível de precisão requerido pela Lei, relegando ao particular o desenvol- vimento do dimensionamento, a definição dos preços e da forma de execução da contratação.
Portanto, um primeiro ponto importante a se considerar dentro do planejamento é a necessidade do desenvolvimento de documentos técnicos, estudos e projetos por profissionais habilitados. Esta premissa, que é tão clara na contratação de obras, parece não ter o mesmo reconhecimento de sua importância, quando se trata de serviços de engenharia.
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1. OS ESTUDOS TÉCNICOS PRELIMINARES
Diz o art. 18 da nova Lei que a fase preparatória do processo licitatório se caracteriza pelo planejamento e deve ser compatível com o plano de contratações anual e com as leis orçamentárias.
Esta fase deve abordar questões como a descrição da necessidade fundamentada em estudo técnico preliminar, a definição do objeto mediante termos de referência ou projetos, as condições de pagamento, o orçamento com as composições de preços, entre outros.
O início do desenvolvimento dos projetos ocorre com os estudos técnicos preliminares, em que deve ser evidenciado o problema a ser resolvido e sua melhor solução, do ponto de vista técnico, econômico e ambiental.
No caso de limpeza urbana e do manejo de resíduos sólidos, tais estudos devem se referenciar no conteúdo dos planos municipais de saneamento básico ou de gestão integrada de resíduos sólidos (PMGIRS), conforme o caso1.
É imprescindível que tais planos estejam atualizados e apresentem metas de curto, médio e longo prazo, que devem servir de parâmetro para a modelagem da contratação.
Vale lembrar que a nova Lei permite sucessivas prorrogações de prazo dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos, nos termos de seu art. 107, tornando as exigências definidas no edital e no contrato ainda mais significativas para o alcance das metas dos planos referentes ao saneamento.
O conteúdo do estudo técnico preliminar foi detalhado no §1º do artigo 18, com conteúdo similar ao que já constava na Instrução Normativa nº 40/2020 do Ministério da Economia, relativa à elaboração deste mesmo documento para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
1 Dispõe a Lei nº12.305/2010 que:
§ 1o O plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos pode estar inserido no plano de saneamento básico previsto no art. 19 da Lei nº 11.445, de 2007, respeitado o conteúdo mínimo previsto nos incisos do caput e observado o disposto no § 2o, todos deste artigo.
§ 2o Para Municípios com menos de 20.000 (vinte mil) habitantes, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos terá conteúdo simplificado, na forma do regulamento.
§ 3o O disposto no § 2o não se aplica a Municípios:
I - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
II - inseridos na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; III - cujo território abranja, total ou parcialmente, Unidades de Conservação.
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Na nova Lei, as informações e documentos exigidos são os seguintes:
Art. 18 (...)
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
I - descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
II - demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;
III - requisitos da contratação;
IV - estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos docu- mentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;
V - levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;
VI - estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
VII - descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;
VIII - justificativas para o parcelamento ou não da contratação;
IX - demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
X - providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;
XI - contratações correlatas e/ou interdependentes;
XII - descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
XIII - posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.
Fonte: xxxxx://xxxxxxxx.xxx/xxxxxx/XXXXxXx0XxX
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Nota-se que o documento deve apresentar uma visão geral do problema e todos os sub- sídios levantados para a decisão acerca da melhor modelagem para a contratação.
A decisão deve se pautar pela destinação final ambientalmente adequada, assim definida na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305/2010 (art. 3º):
VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos compe- tentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;
As estimativas de quantidades devem considerar os valores historicamente contratados e medidos dos serviços. Aqui, podemos ressaltar a importância do controle da execução contra- tual, já que são as medições dos serviços que irão referenciar tais quantitativos, considerando-se também as projeções de crescimento populacional e econômico locais e sua correlação com a produção de resíduos e necessidade dos serviços.
Outro dado importante é a composição gravimétrica e peso específico dos resíduos produzidos no município. Em que pese ser informação essencial para a caracterizaçao do perfil daquela comunidade e da definição das técnicas necessárias para o tratamento dos resíduos, observa-se que muitos municípios ainda não dispõem de tais dados, valendo-se, muitas vezes, de valores divulgados pelos respectivos estados ou municípios vizinhos.
A partir dos quantitativos de serviços e da composição dos resíduos, a Administração deve definir as técnicas possíveis de execução do objeto, definindo também um orçamento estimado para cada alternativa.
Nesta etapa, a Lei exige estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e documentos que lhe dão suporte.
Trata-se de um orçamento preliminar, que pode se valer de metodologias paramétricas ou expeditas, portanto que se utilizam de macroindicadores de custos médios por unidade de serviço realizado ou que considerem etapas ou parcelas destes serviços, a depender do nível de maturação dos estudos.
A título de exemplo, seria possível estimar o custo de coleta de resíduos sólidos a partir do valor cobrado em outros municípios com volume semelhante a ser coletado e forma de dis- posição semelhante à escolhida. Em outro exemplo, seria possível considerar custos médios de varrição divulgados por organismos especializados ou mesmo pesquisados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS.
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Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx/xx-xx/xxxx/xxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxx-xxxxxx-xxxxx-0000000/
Com a estimativa de custo e o levantamento do mercado que estaria apto a executar os serviços em cada modelagem, parte-se para a definição da solução como um todo.
É importante, neste momento de estudo do mercado, que a Administração mapeie a existência de aterros sanitários licenciados e aptos a receber os resíduos, a uma distância que não inviabilize economicamente o transporte, quando o objeto contemplar a disposição final.
Também ocorre nesta fase do planejamento a pesquisa sobre os métodos de tratamento dos resíduos utilizados por municípios vizinhos ou de mesmo porte, verificando-se, de acordo com as possibilidades orçamentárias, qual é a opção que melhor se adequa às condições locais.
É neste momento que as contratantes podem chegar à conclusão de que a necessidade de investimentos é de tal vulto, que a melhor opção de contratação se dará por meio de contratos de concessão, conforme, aliás, é previsto na Lei 11.445/2007, alterada pelo Novo Marco Legal do Saneamento, Lei nº 14.026/20202.
2 Nota: a questão da obrigatoriedade ou não de contratação via concessão para todos os objetos que contemplem o manejo de resíduos sólidos ainda é controversa no âmbito do TCESP, conforme visto em recentes decisões: TC-10278.989.21, 17583.989.21, 21377.989.21.
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2. TERMO DE REFERÊNCIA OU PROJETO BÁSICO
A próxima etapa de planejamento da contratação se caracteriza pelo desenvolvimento do termo de referência (TR) ou do projeto básico (PB), para todos os regimes previstos na nova Lei, à exceção da contratação integrada, em que tanto o projeto básico quanto o projeto executivo são responsabilidade da contratada.
As definições dos dois documentos, na nova Lei, são as seguintes (art. 6º):
XXIII - termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos(...)
XXV - projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos(...)
Nota-se uma indicação clara de que o projeto básico é necessário para a contratação de obras e isto também fica evidente no rol de documentos descritos nos subitens do inciso XXV, do art. 6º, pois são elencados elementos como levantamentos topográficos e cadastrais, son- dagens e ensaios geotécnicos, que são típicos de obras, além de o termo ‘obra’ também surgir repetidas vezes ao longo do texto.
Para os serviços, não há uma indicação expressa de quando o serviço demandará a elaboração de um termo de referência e quando o documento norteador da contratação deverá ser o projeto básico.
Uma interpretação possível é a de que o termo de referência seria o documento mais apropriado para serviços classificados como comuns e o projeto básico seria a opção para des- crever plenamente o objeto, no caso de serviços especiais.
Neste ponto, vale indicar a classificação de bens e serviços comuns e especiais de enge- nharia, contida na nova Lei (art. 6º):
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XXI - serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada uti- lidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem:
a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;
b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se enquadrar na definição constante da alínea “a” deste inciso;
A questão primordial que deve ser observada é que o documento norteador da contrata- ção, independentemente de seu nome e de pequenas variações em seu conteúdo, deve descrever o objeto de forma completa.
Tais documentos devem apresentar o detalhamento dos serviços, sua forma de execução e especificações técnicas, orçamento, cronograma, critérios de medição e pagamento, forma de fiscalização, obrigações das partes, garantias contratuais, etc., permitindo conhecimento pleno da forma de execução e dos resultados pretendidos e elaboração de propostas que contemplem todos os custos necessários.
Isto já era uma exigência da Lei nº 8.666/1993, mas, não raro, os termos de referência e projetos básicos são incompletos e/ou inadequados, gerando contratações ineficientes, termos de aditamento de valor e de prazo.
Na nova Lei, assim como para os estudos técnicos preliminares, há indicação dos ele- mentos que devem compor cada um dos documentos, nos incisos XXIII e XXV do art. 6º.
Para contratações relativas a resíduos sólidos, é importantíssimo que sejam descritas a metodologia e a forma de execução dos serviços, a partir de dimensionamento detalhado de mão de obra, equipamentos e veículos utilizados, para que seja possível a elaboração de um orçamento que tenha elevado nível de precisão, com a composição de cada um dos preços unitários dos serviços.
Aqui, talvez, tenhamos um dos pontos de maior desafio para os municípios paulistas, já que, em muitos casos, observa-se licitação de serviços para os quais não se tem definição de informações básicas, como setores, frequência dos serviços e dimensionamento preciso dos insumos; o que, muitas vezes, é delegado à futura contratada.
São especificações que impactam diretamente o dimensionamento do objeto e seu preço e que, portanto, não devem ficar sob responsabilidade das interessadas.
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Tais definições devem ser acompanhadas da indicação de mapas locais, critérios de medição e pagamento, regime de execução e forma de avaliação da qualidade da prestação de serviços, seja pela fiscalização do contrato ou pelo usuário final dos serviços.
O projeto básico ou o termo de referência deve conter especificações técnicas dos equi- pamentos, máquinas e veículos que serão utilizados na execução contratual, com base em critérios qualitativos.
É certo que a Administração deve evitar qualquer restrição que implique direcionamento do certame e/ou limitação desarrazoada da competitividade, mas o dimensionamento preciso pode indicar qual é o método mais eficaz de realização dos serviços, como a definição da quan- tidade e capacidade dos caminhões coletores de resíduos sólidos urbanos, por exemplo.
Como norteadores para o planejamento e dimensionamento dos serviços ligados aos resíduos sólidos, temos a Orientação Técnica OT-IBR 007/2018 – Projeto de Serviços de Lim- peza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos e os recentes procedimentos para resíduos sólidos urbanos, ambos desenvolvidos pelo IBRAOP – Instituto Brasileiro de Obras Públicas, que contemplam temas como varrição urbana, coleta e transporte de resíduos sólidos domiciliares e operação de aterro.
Tais documentos técnicos possibilitam determinar as composições dos preços unitários dos serviços, com a discriminação da produtividade e unidade de medida de cada um dos insu- mos: mão de obra, material, equipamentos, veículos, etc.
Depois de devidamente dimensionado o objeto, é possível apurar com precisão o preço final dos serviços.
Na nova Lei, são indicadas fontes diferentes de preços, a depender da classificação dos serviços como sendo ou não de engenharia.
Na jurisprudência do TCESP, considera-se que não são serviços de engenharia aqueles não privativos de responsabilidade técnica por engenheiros e que comumente não são regis- trados pelos conselhos de fiscalização de exercício profissional, como os serviços de varrição manual, por exemplo.
Outros serviços, também classificados como de saneamento e que requeiram a responsa- bilidade técnica de engenheiros, devem ser classificados como serviços de engenharia, segundo a nova Lei, a exemplo de serviços de gestão e gerenciamento de aterros.
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Uma forma objetiva de definir os serviços como de engenharia é identificar se existe no objeto o desenvolvimento de atividades previstas na Resolução 218 do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), que discrimina atividades das diferentes modalidades profissionais da Engenharia.
As possíveis fontes dos preços são elencadas na nova Lei em seu art. 23 e são represen- tantes dos valores praticados no mercado, para definição do preço da contratação.
Enquanto o parágrafo primeiro do citado artigo estabelece as fontes para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, o parágrafo segundo apresenta os parâmetros para obras e serviços de engenharia.
Para obras e serviços de engenharia, é obrigatória a utilização das fontes indicadas na ordem apresentada: Sinapi e Sicro, seguidas de publicações oficiais em mídia especializada ou tabelas aprovadas pelo Poder Executivo federal; contratações similares feitas pela Administra- ção Pública e pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
Para os serviços relativos a resíduos sólidos, classificados como de engenharia, é impor- tante notar a exclusão da possibilidade de utilização de fonte do orçamento em pesquisa com fornecedores, método ainda utilizado por muitas prefeituras para orçar serviços como coleta e transportes de diferentes tipos de resíduos.
A conclusão é a de que, a partir do planejamento e do dimensionamento detalhado dos serviços, os profissionais devem elaborar o orçamento com precisão, a partir de fontes oficiais de preços, chegando a valores adequados com os praticados no mercado.
A mão de obra poderá ser definida com base em fontes como Sinapi e a consideração das convenções coletivas de trabalho e os veículos poderão ser precificados com preços de chassis e combustíveis obtidos em sítios eletrônicos especializados.
O resultado será um orçamento sintético com a indicação dos quantitativos e preços unitários e totais dos serviços, das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES).
Importante notar que estas mesmas informações são requeridas do licitante vencedor, após o julgamento do certame, representando importante fonte de informações para a Admi- nistração, para o conhecimento de como o mercado orça tais serviços.
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3. ELABORAÇÃO DO EDITAL
Finalizada a elaboração do documento técnico norteador da contratação – termo de referência ou projeto básico, a Administração poderá finalizar a elaboração do edital, estabele- cendo exigências de qualificação técnica condizentes com todo o levantamento de mercado e as especificações dos serviços, elaborados desde a etapa do estudo técnico preliminar.
Nesta fase, deve-se sopesar o potencial restritivo de certas exigências, em comparação com a importância de se aferir a expertise de profissionais e a operacionalidade das empresas.
Exigências relativas à operação de aterros, por exemplo, são conhecidamente limitadoras da competitividade, dado o pequeno número de estruturas implantadas e devidamente licencia- das em distâncias que tornem a contração viável para os municípios. Portanto, o planejamento deve considerar, nestes casos, a possibilidade da participação de consórcios ou da subcontratação dos serviços, bem como a comprovação de qualificação técnica por subcontratadas, conforme permite o § 9º, art. 67, da Lei.
Toda restrição deve ser devidamente justificada no processo da contratação e constan- temente revisitada em contratações subsequentes, quando será possível estimar com maior precisão os efeitos sobre a competição e seleção da melhor proposta.
O planejamento técnico dos serviços será capaz de definir a necessidade ou não da reali- zação de vistoria prévia e deve considerar aspectos imprescindíveis para o conhecimento pleno das condições e peculiaridades do objeto a ser contratado, havendo a previsão da possibilidade de substituição da vistoria por declaração do responsável técnico da licitante de que conhece o local e as condições de realização da obra ou serviço.
A equipe responsável pela elaboração do edital deve ainda considerar a jurisprudência relativa a contratações de resíduos sólidos, evitando-se impugnações e representações junto aos tribunais de contas, as quais atrasam as licitações e resultam em contratações emergenciais.
Por fim, depois de contratada a melhor proposta, tem-se mais uma etapa de projeto, necessária para execução de obras e serviços – o projeto executivo.
Da leitura conjunta do § 3º do art. 18 com o § 1º do art. 46, conclui-se que tal projeto é obrigatório para obras e serviços de engenharia, com exceção daqueles que são considerados comuns, se demonstrada a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados.
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É de se esperar, portanto, que os serviços de engenharia licitados por pregão e por meio de termos de referência dispensem a elaboração do projeto executivo.
Por fim, para que se garanta o sucesso das contratações, a partir do desenvolvimento de todos os estudos e documentos citados na fase de planejamento pela nova Lei, é imprescindível que o controle da execução seja exercido de forma efetiva pela fiscalização da Administração.
Desta forma, completa-se o ciclo de gestão dos serviços, que permitirá o aprimoramento constante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O planejamento de serviços de engenharia, sejam ou não classificados como comuns pela nova Lei, requer conhecimento detalhado do objeto. Nas contratações referentes a resíduos sólidos, este conhecimento deve partir dos estudos contidos nos planos de gestão de resíduos sólidos dos municípios, em que muitas das questões levantadas na etapa do estudo técnico preliminar já terão sido objeto de análise.
A continuidade do planejamento se dá com o desenvolvimento dos termos de referência, projetos básicos e executivos, com a definição plena do que se pretende contratar, incluindo seu dimensionamento, forma de execução, preço, critérios de medição e pagamento e fiscalização.
Os serviços relativos ao manejo de resíduos são próprios de cada localidade e sofrem grande influência de questões locais, como a composição gravimétrica dos resíduos, a perio- dicidade e frequência necessária dos serviços, conforme perfil local da população, a existência ou não de aterros nas proximidades, etc. Com isso, torna-se ainda mais importante o correto dimensionamento, evitando-se a utilização de simples pesquisas de mercado para a elabora- ção dos preços.
Por fim, o planejamento adequado dos serviços é capaz de demonstrar quais são as exigências de qualificação técnica imprescindíveis para aferição da capacidade de profissio- nais e empresas e a necessidade ou não da permissão da participação de consórcios e/ou da subcontratação de parte dos serviços, resultando em contratações mais eficientes e eficazes.
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