Universidade de Aveiro Instituto Superior de Contabilidade e Administração
Universidade de Aveiro Instituto Superior de Contabilidade e Administração
2008
Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxxxx
Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais
Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Contabilidade ramo Auditoria, realizada sob a orientação científica da Doutora Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Professora Assistente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro
Dedico este trabalho às três pessoas que amo, mas particularmente aos meus pais, Xxxxxx e Xxxxxx, pois sem eles jamais seria a pessoa que sou hoje.
Júri
Presidente Doutora Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Professora Adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro
Orientadora Doutora Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx
Professora Assistente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro
Arguentes Doutor Xxxx Xxxxxxxxx
Equiparado a Professor Xxxxxxx do Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade do Porto
Doutor Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx x Xxxxx
Professor Coordenador do Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro
Agradecimentos O meu sincero agradecimento à orientadora desta Dissertação de Mestrado,
Doutora Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, pelas suas sugestões pertinentes, pelo seu constante incentivo e pela disponibilidade e amizade com que sempre soube orientar as diversas etapas deste trabalho.
Xxxxxxxx também ao grupo de amigos de estudo pela ajuda e partilha ao longo deste percurso comum que culmina neste trabalho e sem os quais certamente não teria conseguido chegar ao fim.
Aos colegas de serviço o meu agradecimento pela forma cordial e amiga como sempre souberam gerir a minha ausência, e todo e qualquer apoio que vieram a demonstrar.
Um agradecimento especial ao meu sobrinho Xxxxx, que muitas das vezes teve de prescindir da minha atenção e companhia para eu poder efectuar este trabalho.
E claro, um profundo re-agradecimento aos meus pais pela força que me têm vindo a dar. Obrigada pelo vosso incessante apoio, amizade e coragem. Adoro-vos.
Palavras-chave Direito Trabalho, Contrato Trabalho, Modalidades, Direitos Fundamentais
Resumo O Direito de Trabalho foi e sempre será, uma área do Direito muito peculiar e contestada, visto que, cada dia que passa está em constante mudança e alteração. Cada vez mais, se assiste a uma sociedade vinculada por normas e regras que regulam de forma coersiva.
Um desses exemplos é o chamado Contrato de Trabalho, cujas regras vinculam o trabalhador à entidade patronal (e vice versa), mas de forma a que ambos cumpram determinados direitos e deveres préviamente estabelecidos.
Para responder às diversas situações, criaram-se algumas modalidades de contratos de trabalho, afim de poderem “ajustar” as necessidades de cada parte. Desta forma, surgem novas modalidades de contratos para responderem às necessidades das empresas, como é o caso do Contrato de Trabalho Intermitente.
Os Direitos Fundamentais foram consagrados na Constituição, eles já existiam e são inerentes ao próprio ser humano. Temos de ter em conta que o trabalhador antes de o ser, também é uma pessoa, e como pessoa, já tem direitos que lhe são subjacentes e nascem com ele, como é o caso do Direito à vida.
Keywords Labor Law, Contract Labor, Rules, Fundamental Rights
Abstract The Labor law has been and always will be, a very peculiar area of law and contested, since every day is in constant change and modification. Increasingly, there is a society bound by rules and regulations governing so coercive.
One such example is the so-called contract of work, whose rules bind the employee to the employer (and vice versa), but in order to adhere to certain rights and obligations previously established.
To respond to various situtions, have a few methods of work contracts, so they can “adjust” the needs of each party. Thus, there are new forms of contracts to meet the needs of businesses, such as the Contract of Work Blinking.
The fundamental rights were enshrined in the Constitution, they already exist and are inherente in the human being. We must take into account that the worker before being considered, is also a person and a person, has rights that are behind and come to him, such as the right to life.
Índice
1. Introdução 1
2. Perspectiva Histórica do Direito de Trabalho 2
2.1. Natureza Jurídica do Direito de Trabalho 5
2.2. Origem do Direito de Trabalho 7
2.2.1. Princípios Fundamentais do Direito de Trabalho 11
2.2.2. Flexibilização 13
2.2.2.1. Causas da Flexibilização 18
2.2.2.2. Formas de Flexibilização 19
3. Contrato de Trabalho: noção, características e elementos essenciais 20
3.1. Modalidades do Contrato de Trabalho 25
3.2. Contrato a Termo Resolutivo 26
3.2.1. Regime Jurídico do contrato de trabalho a termo resolutivo 28
3.3. Trabalhadores Menores 32
3.4. Trabalho Temporário 35
3.5. Trabalhadores com Deficiência ou Doença Crónica 39
3.6. Teletrabalho 39
3.7. Intermitente 42
4. Direitos Fundamentais dos Trabalhadores 45
4.1. Noção 45
4.2. Breve resenha histórica em Portugal 46
4.3. Direitos Fundamentais e o Contrato de Trabalho 49
4.4. Exemplo de Direitos Fundamentais 50
4.5. A Aplicação Judicial 53
5. Conclusão 56
6. Bibliografia 58
7. Anexos 60
Glossário
CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas CRP – Constituição da Republica Portuguesa
CT – Código de Trabalho CC – Código Civil
DC – Direito Civil DL – Decreto Lei
DT – Direito de Trabalho L - Lei
LCCT- Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e do Trabalho a Termo LCT- Regime Jurídico do Contrato de Trabalho
LTT – Regime Jurídico do Trabalho Temporário OIT – Organização Internacional do Trabalho RCT – Regime Colectivo de trabalho
WWW – World Wide Web
1. Introdução
Num contexto de globalização, poder-se-á salientar que todo o ser humano é dotado de uma extrema inteligência, cujo poder de criação é incessante e ou mesmo ilimitado. Poder esse, que está na base da procura de melhores condições de vida e bem-estar, não só para si próprio, mas também para aqueles que o rodeiam e se situam no seu seio familiar.
Mediante este cenário, todo o ser humano terá de lutar pela sua subsistência, assim como da sua família, e para isso, terá de proporcionar a si mesmo um bem de valor imensurável – O Trabalho.
O Direito de Trabalho (DT) surge-nos em meados do séc. XX e disciplina as relações jurídico-privadas de trabalho livre, remunerado e subordinado. Sendo um ramo de Direito muito recente, a sua existência deve-se à necessidade de uma particular necessidade de protecção do trabalhador, visando atingir uma igualdade material e não apenas formal, entre o empregador e o trabalhador.
Ao contrário do esperado, o Direito de Trabalho tem um campo de actuação muito delimitado pela situação de trabalho subordinado. Delimitação essa, que nos é apresentada através da confrontação de um certo tipo de contrato, que é aquele em que se funda a prestação de tal modalidade de trabalho – Contrato de Trabalho, isto é, prestação de trabalho cujas características são o trabalho subordinado, heterodeterminado e o não autónomo. De acordo com o art.11º do Código do Trabalho “Contrato de Trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra/outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
A existência de diferentes interesses das entidades patronais e dos trabalhadores fez com que surgissem certas regras imperativas para regular as relações laborais a que os contratos de trabalho devem obedecer.
Contudo, e não obstante os diversos tipos de actividades existentes, coexistem também trabalhadores com características específicas exigindo modalidades de contratos de trabalho que tenham em consideração essas mesmas características.
Mas o contrato de trabalho tem uma característica singular que deriva do facto do seu objecto ser uma prestação de actividade cuja realização envolve a pessoa do trabalhador, as suas aptidões psico-físicas. Ou seja, o trabalhador empenha a sua força de trabalho para realizar determinada actividade que o empregador define e combina com outros factores para atingir os objectivos a que se propôs. Ora esta característica da prestação laboral faz ressaltar a necessidade de respeitar os direitos fundamentais do trabalhador constitucionalmente consagrados, sendo certo que ele é antes de mais um ser humano. Cabe pois ao Direito de Trabalho «recuperar o seu autêntico papel de garantia de plena autodeterminação do trabalhador, como pessoa e como cidadão, ao fim e ao cabo, o seu tema fundamental de sempre».1
2. Perspectiva Histórica do Direito de Trabalho
Antes de começarmos a dissertar sobre o tema propriamente dito, convêm salientar o significado de Direito de Trabalho afim de adquirirmos uma ideia global do assunto que irá ser tratado. O Direito de Trabalho é, pois, o ramo de direito que regula o trabalho subordinado, heterodeterminado ou não autónomo. Faz parte do Direito Privado e regula as relações jurídicas provenientes do Código de Trabalho.
Segundo o Professor Mestre Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx0, “Direito de Trabalho é o conjunto de princípios e normas, legais e extralegais, que regem tanto as relações jurídicas, individuais e colectivas, oriundas do contrato de trabalho subordinado e, sob certos aspectos, do trabalho profissional autónomo, como diversas situações conexas de índole social pertinentes ao bem-estar do trabalhador”.
Podemos também considerar que “o Direito de Trabalho pode ser definido como a parte do ordenamento constituída por normas e princípios jurídicos que disciplinam as relações de trabalho”.3
1 Xxxx Xxxx Xxxxxxxx, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pág. 20
2 Especialista em Direito do Trabalho pela UFRJ e Mestre em História Social das Relações Politicas pela UFES. Professor Universitário e também Advogado, autor de alguns livros jurídicos e Juiz aposentado do TRT, do Espírito Santo.
3 B.G.L. Xxxxxx, Iniciação ao Direito de Trabalho, Lisboa, 2005, Editorial Verbo, pág. 23
Embora as relações de trabalho fossem durante séculos reguladas pelo Direito Civil, este veio a revelar-se insuficiente para acautelar uma relação jurídica tão complexa. Em Portugal, só nos finais do séc. XIX é que começaram a surgir algumas normas de protecção às mulheres e crianças trabalhadoras, como consequência da Industrialização ocorrida. Posteriormente, surgem regras relativas à duração do tempo de trabalho e relativas à segurança e salubridade das condições de trabalho. Alguns exemplos são: a obrigatoriedade do descanso semanal, o direito à greve e ao lock-out, a legislação sobre os acidentes de trabalho (tendo por base a ideia do risco profissional), a implementação da duração do trabalho, etc. Contudo, estas regras na prática não se vieram a verificar, notava-se a falta de uma lei do contrato de trabalho e de um regime jurídico vocacionado para as relações colectivas de trabalho.
Após a Constituição de 1933 surgiram dois sistemas importantes, o sistema corporativo e o sistema de previdência social. Estes dois sistemas assentavam na ideia da eliminação da luta entre classes, ou seja, a desigualdade entre trabalhadores e patrões e a subordinação ao bem comum e ao interesse nacional. Aqui o Estado também estava presente, visto que era ele que exercia uma forte intervenção através da Administração Pública, e que proporcionava a criação de organizações sindicais e patronais.
Em 1969 surge uma mudança significativa, diminuiu-se o controlo dos sindicatos pelo Governo e conferiu-se-lhes a possibilidade de aplicarem a sentença para resolução dos conflitos (regulamentação colectiva). Surgiu a primeira lei do contrato de trabalho inspirada na ideia de protecção ao trabalhador (obrigatoriedade de férias, avisos prévios para os despedimentos, leis de trabalho tecnicamente bem construídas e progressivas) leis essas que estiveram em vigor até ao Código de Trabalho de 2003. Aperfeiçoou-se ainda mais, a legislação sobre os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, a legislação acerca da duração do trabalho (esteve em vigor até 2003), assim como o surgimento de diplomas sobre a higiene e segurança no trabalho.
Posteriormente, surge-nos o período contemporâneo (a partir de 1974) que nos trouxe inúmeras alterações no que se refere a esta matéria. Nas relações colectivas alterou-se o regime jurídico dos sindicatos (surgimento da CGTP e regras mais especificas), das associações patronais e o reconhecimento do direito à greve (nova lei da greve).
Modificou-se também o regime de férias, feriados e faltas e introduziram-se alterações no regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, como a legislação dos despedimentos e dos contratos a prazo. Instituiu-se o salário mínimo, e a legislação sobre a protecção à maternidade e a igualdade das condições de trabalho do homem e da mulher. Verificaram- se também alterações a nível do trabalho suplementar, trabalho de mulheres e de menores e sobre a higiene e segurança.
Em 1995 no Governo de Xxxxxxx Xxxxxxxx, a alteração mais significativa que se veio a verificar, foi a lei das 40 horas de trabalho semanal.
Em 15 de Julho de 2003 (Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto) foi aprovado um novo Código de trabalho pela Assembleia da República, cuja legislação se veio a complementar um ano mais tarde pela denominada Regulamentação do Código do Trabalho.
Actualmente, regemo-nos pelo novo Código de Trabalho que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, e foi aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro. Este Código de Trabalho transpõe para a ordem jurídica interna, total ou parcialmente, diversas directivas comunitárias e aplica normas revogatórias referentes à legislação anteriormente aprovada, nomeadamente, a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a Lei nº 35/2004 de 29 de Julho, e alguns artigos da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, entre outras. Duas das novidades subjacentes são o chamado Banco de Horas e o Contrato de Trabalho Intermitente.
O Direito de Trabalho consiste num conjunto de normas que visam a protecção do trabalhador. Em meados do século XIX a terminologia usada era a de “Legislação Industrial” ou “Legislação Obreira” que reflectia a intervenção estatal nas relações de trabalho, por meio da legislação de protecção ao trabalhador, sobretudo na indústria. Em 1919 com o aparecimento do Tratado de Versalhes, consagra-se a autonomia científica do Direito de Trabalho. A expressão direito de trabalho passa a ser utilizada num sentido mais amplo afim de englobar as relações individuais, as relações colectivas de trabalho e ainda a segurança social.
2.1. Natureza Jurídica do Direito de Trabalho
No Direito de Trabalho encontram-se normas de direito público e de direito privado, algumas meramente dispositivas, outras de ordem pública. Digamos que neste tipo de direito, existe uma fusão do interesse colectivo e do interesse privado nos seus princípios, daí ocorrer a dificuldade de fixar a sua posição como direito público ou direito privado, direito social ou direito misto.
Dizem-se normas de direito público porque nele ocorre uma supremacia da vontade do Estado sobre a dos particulares, ou seja, é notório que o Estado tem maior poder de decisão que o ser humano em particular. Por outro lado, quando se reporta ao Direito de Trabalho como direito privado, é porque partem do princípio que o Código Civil (CC) é a fonte do Direito de Trabalho, logo a sua regulamentação básica é o Contrato de Trabalho.
O novo Direito de Trabalho consagra cada vez mais soluções que resultam de consensos trilaterais envolvendo o Estado, organizações representativas dos empregadores e organizações representativas dos trabalhadores. A concertação social tem cada vez um papel mais importante na definição de politicas laborais.
O Direito de Trabalho abrange duas áreas fundamentais: o Contrato de Trabalho e o Direito Colectivo. Neste, destacam-se as Associações Sindicais e as Associações de Empregadores, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, a resolução de conflitos colectivos de trabalho e a greve.
A Constituição consagra o direito dos trabalhadores de criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses (art. 00x xx Xxxxxxxxxxxx) bem como reconhece a liberdade sindical (art. 00x xx Xxxxxxxxxxxx) e o direito à greve (art. 57º da Constituição).
Para percebermos melhor a definição da natureza jurídica das entidades sindicais, nada melhor que traçarmos em paralelo com o sistemas jurídicos de outros países, nomeadamente os que nos serviram de “inspiração”, ou seja, o sistema Espanhol e o Italiano.
Na Itália o Direito de Trabalho não inclui o direito sindical, as infracções administrativas socialistas ou mesmo os crimes do trabalho. Esses temas são tratados pelo Direito Tributário e pelo Direito Penal. O modelo sindical italiano é o que se pode designar como liberdade anárquica, pois além da autogestão, os sindicatos nascem por via espontânea, não existe um organismo estatal que imponha condições para a criação de entidades sindicais. Exige-se apenas o registo civil nos cartórios locais, local onde se registam todas as questões jurídicas do direito privado.
O princípio jurídico fundamental em que se baseia o direito sindical Italiano está contido no art. 39º da Constituição Italiana de 1948 que nos diz: “A organização sindical é livre. Aos sindicatos não pode ser imposta outra obrigação senão o seu registo junto dos cartórios locais ou centrais, segundo as normas da lei, previstas no Código Civil Italiano”.
Em relação ao sindicalismo Espanhol, este assemelha-se ao modelo Italiano. Isto é, logo após a queda do Franquismo, surgiu um novo sistema sustentado nas Convenções Internacionais da OIT, transformando desta forma a liberdade sindical num princípio fundamental. Segundo o artigo 7º da Constituição Espanhola “Os sindicatos de trabalhadores e as associações empresariais contribuem para a defesa e promoção dos interesses económicos e sociais que lhe são próprios. A sua criação e o exercício da actividade são livres no que respeita à Constituição e à Lei. A sua estrutura interna e o funcionamento deverão ser democráticos”.
Em Espanha, o registo é efectuado de forma diferente do Italiano, ou seja, adopta o modelo de depósito dos Estatutos em órgãos estatais específicos, sendo publicado com o intuito de os interessados terem conhecimento e poderem impugnar ou mesmo questionar a sua legalidade.
Resumindo, o modelo espanhol adopta o sistema da livre associação, contudo essa mesma criação tem limites impostos pelo Estado, critérios definidos na Lei Orgânica de Liberdade Sindical.
A Constituição Portuguesa já prescreve o princípio da liberdade sindical de um modo bastante mais abrangente. Nenhum trabalhador é obrigado a pertencer ao sindicato, nem
obrigado a pagar contribuições para o sindicato em que não esteja inscrito. Existe uma liberdade de organização e regulamentação interna das associações, direito de exercício da actividade sindical na empresa. Desta forma, a liberdade sindical é declarada como liberdade de criação de associações sindicais em todos os níveis.
Contudo, esta criação das associações sindicais estão vinculadas a certas normas e o seu registo é obrigatório no Ministério do Trabalho. Posteriormente o Estatuto do Sindicato é publicado no Diário Oficial acompanhado de parecer sobre a sua legalidade. Aqui o sistema confere ao Ministério Público a prerrogativa de ajuizar ou não a extinção do sindicato com base na sua ilegalidade.4
O objectivo principal destas associações sindicais é a defesa dos direitos e dos interesses dos trabalhadores que desempenham certas actividades.
2.2. Origem do Direito de Trabalho
Se nos debruçarmos um pouco sobre a natureza do contrato de trabalho vemos que se apresenta como um contrato de Direito civil, correspondendo a um dos contratos em especial (artigo 874º do Código Civil). Trata-se pois de um negócio jurídico obrigacional.
A evolução jurídica, em particular durante o século passado, conduziria ao estabelecimento de regras e princípios válidos nas relações laborais.
Ao longo dos tempos, verificou-se que a protecção dispensada pelos organismos do Direito Privado revelou-se insuficiente dada a singularidade do contrato de trabalho. «A singularidade do contrato de trabalho e a amplitude dos desvios que o seu regime jurídico manifesta a normas e a princípios gerais do direito das obrigações e do direito privado a par de dois institutos fundamentais que se mostram também irredutíveis às regras de direito comum (convenção colectiva e greve) são argumentos em que se pode alicerçar a autonomia dogmática do direito de trabalho perante o direito civil»5
4 Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxx Xxxxxx, Iniciação ao Direito do Trabalho, Lisboa, (2005), pág. 90
5 M.R.P. Ramalho, Autonomia Dogmática do Trabalho, Edições Almedina, 2005, pág. 797
Alguns Autores referem que o Direito de Trabalho surge porque a igualdade entre o empregador e o trabalhador não existia. «O facto de o trabalhador aparecer como a parte mais fraca e a possibilidade real de o empregador abusar dos poderes que o próprio quadro contratual lhe confere justificam desde cedo a intervenção do legislador no domínio das relações de trabalho e estiveram na génese deste ramo do direito de trabalho enquanto segmento do ordenamento jurídico de fortíssima feição proteccionista”.6
O instrumento fulcral dessa feição proteccionista é a autonomia colectiva, ou seja, a determinação colectiva das condições de trabalho, contra-poder necessário para se atingir um nível no qual as questões individuais sejam o fruto de decisões efectivas. É fundamentalmente a partir dela que o direito de trabalho se vai autonomizar do Direito Civil. Essa autonomia colectiva juntamente com a lei de cariz proteccionista, origina a chamada feição garantística que era a única que conseguia travar a superioridade do empregador, ou seja, conseguia impedir certos abusos dos seus poderes. O Direito de Trabalho nasceu, desenvolveu-se e foi-se afirmando com essa feição garantística, daí dizermos que a valorização da autonomia colectiva e a imposição aos poderes do empregador conduziram ao quadro jus laboral actual e à própria constitucionalização do direito de trabalho. Isso repercute-se na segurança no emprego, na limitação do tempo de trabalho, o descanso semanal, as férias, o reconhecimento do direito à greve e da actividade sindical, o salário mínimo garantido, a protecção social no desemprego, o direito á contratação colectiva, etc.7
Ora, hoje como ontem, a fisionomia da relação de trabalho é ainda a de uma relação de poder-sujeição, em que a liberdade de uma das partes aparece susceptível de ser apaziguada pelo maior poder económico e social da outra. No contrato de trabalho, os sujeitos não dispõem de igual liberdade quanto à celebração do negócio, nem detêm iguais possibilidades quanto à estipulação das cláusulas negociais ou quanto à exigência do seu cumprimento. O trabalhador tem desde logo uma absoluta necessidade de outorgar, uma vez que para ele é indispensável a alienação da disponibilidade da sua força de trabalho
6 J.J. Abrantes, Estudos Sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 20
7 J.J. Abrantes, Estudos Sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 96 e ss
como meio (que por vezes se torna mesmo o único) de auferir o sustento, seu e da sua família.
Existe de facto, um expresso desequilíbrio entre os poderes patronais e os do trabalhador, sendo precisamente o reconhecimento da inferioridade substancial da situação dos trabalhadores que está na base, não só do ordenamento legislativo actual, como ainda da relevância dada pela Constituição aos seus direitos.
A Constituição contém, na verdade, os princípios fundamentais do Direito de Trabalho, e poder-se-á dizer que é mesmo a fonte suprema deste ramo do direito. “A constitucionalização do Direito de Trabalho foi, precisamente, uma das manifestações da intervenção constitucional no âmbito privado. Com o advento do Estado Social de Direito o trabalho passou a ser também um problema constitucional… É com a Constituição alemã de Weimar, de 1919, que passam, pela primeira vez, a ter assento constitucional diversos princípios laborais. A partir daí, a maioria dos textos constitucionais procedem a um enquadramento próprio das relações de trabalho, caracterizado, designadamente, pela admissão de um certo número de direitos colectivos dos trabalhadores (liberdade sindical, negociação colectiva e greve), bem como de direitos a prestações do Estado, que traduzem um compromisso por parte deste de estabelecer mecanismos de protecção social. A uma segunda fase da constitucionalização do Direito de Trabalho corresponde, como é sabido, a garantia dos direitos de cidadania no âmbito do contrato de trabalho”.8
E é mesmo nesta linha dos princípios fundamentais consagrados na Constituição que é necessário descobrir o sentido e a função social do Direito de Trabalho actual. A Constituição laboral portuguesa aponta para a necessidade de recolocar o ser humano no centro do ordenamento jurídico e coloca como questão central do Direito do Trabalho o respeito pelos direitos dos trabalhadores, repudiando, assim, a forma inequívoca, a lógica de que as exigências económicas devam prevalecer sobre esses direitos.
Para a Constituição, a questão central do Direito de Trabalho é o respeito pelos direitos dos trabalhadores, ou seja, a Lei Fundamental não menospreza a importância de valores tais
8 J.J. Abrantes, Estudos Sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 18
como a rentabilidade e a racionalidade económica, mas acima desses mesmos valores coloca indiscutivelmente o respeito pelos trabalhadores, liberdades e garantias destes, os quais implicam uma concepção de empresa como um espaço de relações humanas, entre pessoas portadoras dos seus direitos e interesses autónomos, tantas vezes contrapostos, e em que os trabalhadores não são meros sujeitos passivos de uma organização alheia, conforme refere J.J. Abrantes, Estudos Sobre o Código do Trabalho, 2004, Coimbra Editora, pág. 19.
Ou seja, para a Constituição, uma relação de trabalho não é mais do que a ideia que o trabalhador é uma pessoa, (e que logo à nascença já lhe é incumbido uma série de direitos que lhe são subjacentes, nomeadamente o direito à vida, o direito à subsistência, etc.) cuja liberdade e cujos direitos não podem ser totalmente sacrificados aos interesses empresariais, havendo antes, que encontrar soluções que garantam tanto a liberdade de empresa como os direitos dos trabalhadores. Estes direitos, enquanto garantias da dignidade e da liberdade dos trabalhadores, terão que ser devidamente acautelados, devendo, pois, ser tidos em conta como limites ao exercício dos poderes patronais. “Esses poderes só devem ser exercidos com respeito pelos respectivos limites legais e constitucionais, aos direitos de propriedade e de empresa, à autonomia da vontade e à liberdade contratual. Hoje ao contrário do que era a concepção liberal, não só a liberdade constitucionalmente tutelada se reduz a esses valores, como antes, eles são funcionalizados pela Lei Fundamental ao projecto económico e social nela desenhado, projecto assente na dignidade da pessoa humana, verdadeira pedra angular da unidade do sistema jurídico, que tem a sua principal concretização no respeito pelos direitos fundamentais”9.
Mas perante este cenário conjuntural, qual será mesmo o grande desafio de hoje que se coloca ao Direito de Trabalho?
O grande desafio que se coloca actualmente ao Direito de Trabalho é sem dúvida conseguir conciliar a evolução das empresas com os direitos subjacentes aos seus trabalhadores, ou seja, a eficácia do gestor com os direitos dos trabalhadores, de modo que estes não percam a sua dignidade e que se sintam realizados e reconhecidos pelo seu trabalho.
9 J.J. Abrantes, Estudos Sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 20
Na Constituição estão consagrados os direitos não só dos trabalhadores, como também do próprio ser humano como pessoa e como cidadão. Digamos que é uma Constituição direccionada fulcralmente para o ser humano. Contudo, a realidade social demonstra que os problemas existentes nas relações laborais estão relacionados com a frágil posição do trabalhador, exigindo sempre novas soluções jurídicas e é precisamente essa área que tem de ser constantemente trabalhada porque não nos poderemos esquecer que são os trabalhadores que fazem evoluir as empresas, não há eficácia produtiva sem haver promoção do mundo de trabalho, sem reconhecimento das aspirações dos trabalhadores e dos seus direitos. A dignidade do ser humano não pode ser ferida, muito pelo contrário, tem de ser valorizada, tal como o art. nº 1 da Constituição menciona “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solitária.”
2.2.1. Princípios Fundamentais do Direito de Trabalho
Os princípios fundamentais do Direito de Trabalho como já referimos, vêm consagrados na Constituição da República Portuguesa e reflectem a evolução histórica que se verificou neste ramo de Direito, traduzindo uma preocupação pela pessoa do trabalhador e pelos seus direitos individuais e colectivos.
Numa primeira fase da constitucionalização deste direito, a necessidade de actuação dos direitos fundamentais no âmbito do contrato de trabalho conduziu à consagração dos direitos fundamentais específicos dos trabalhadores, maxime dos seus direitos colectivos (liberdade sindical, direito de negociação colectiva e greve…) “necessidade que reside na própria estrutura deste contrato. São a sua própria estrutura e as suas características que contêm implicitamente uma ameaça para a liberdade e para os direitos fundamentais do trabalhador, conferindo, assim, um carácter natural à eficácia desses direitos. O poder de direcção do empregador e o correlativo dever de obediência do trabalhador, exercendo-se em relação a uma prestação que implica directamente a própria pessoa deste, as suas
energias físicas e intelectuais, representam um potencial perigo para o livre desenvolvimento da personalidade e para a dignidade de quem trabalha”.10
Numa segunda fase, começou-se a dar mais importância à pessoa em si, ao seu cerne, não só como trabalhador mas sim, como um ser humano sujeito de direitos que já lhe são subjacentes aquando do seu nascimento. Ou seja, para além dos direitos fundamentais do trabalhador, também existem os direitos do cidadão, que o ser humano enquanto trabalhador também os exercita. Isto é, já não estamos apenas no terreno meramente contratual, mas no plano da pessoa em si, existente em cada trabalhador. Mas qual o motivo desta segunda fase? Como sabemos e devido às condições precárias dos trabalhadores, estes submetiam-se a grandes jornadas de trabalho e a efectuar qualquer actividade que lhes era apresentada, ficando deste modo, sem qualquer espaço para a vida pessoal, social ou mesmo cultural, não se realizando como pessoas.
Os direitos fundamentais devem de ser encarados como pilares básicos do contrato de trabalho, ou seja, dado o facto de que o trabalho é um valor essencial para a dignidade do homem, assim como, para o livre desenvolvimento da sua personalidade, o Direito de Trabalho face à Constituição, não pode de forma alguma ignorar o conjunto de todos os direitos fundamentais laborais. O trabalhador fica vinculado à empresa através de um contrato, que tem como limites os Direitos Fundamentais.
“O contrato é uma fonte legítima de limitações aos direitos fundamentais, o seu cumprimento pontual não é, em princípio, possível, sem que os direitos fundamentais do trabalhador sejam cumpridos. Tal compressão só deverá, porém, ocorrer na estrita medida do exigido por tal finalidade.”11 «A eficácia dos direitos fundamentais no âmbito do contrato de trabalho é a questão das limitações recíprocas entre duas realidades: liberdade de empresa e direitos fundamentais, frequentemente em rota de colisão.»12
Uma relação de trabalho é condicionada por determinados valores que o Direito de Trabalho consagra e concretiza tendo em vista a protecção dos trabalhadores. É pois
10 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pág. 28
11 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Xxxxxxxxxxxx, 0000, Xxxxxxx Editora, pág. 230
fundamental que os Direitos Fundamentais do trabalhador, especialmente os laborais, sejam respeitados, assim como os direitos colectivos que consubstanciam a dimensão colectiva dessa mesma relação laboral, e ainda, a imposição de limites aos poderes patronais em nome dos direitos fundamentais da pessoa humana. A conformidade das leis do trabalho face à Lei Fundamental é efectuada através destes mesmos vectores.
2.2.2. Flexibilização
Código do Trabalho assume dois objectivos fundamentais, o primeiro é o da sistematização do direito laboral, ou seja, trata-se do facto de corresponder a algo que se impunha criar com carácter de urgência, isto porque sentia-se a necessidade de se dispor de um quadro claro e coerente de soluções legais de forma a garantir o cumprimento da sua função e a sua efectividade. O segundo objectivo trata-se da reforma de fundo da legislação laboral, sob o lema da sua flexibilização, sendo a melhoria da produtividade e da competitividade da economia portuguesa a principal justificação invocada para as mudanças propostas.
Neste trabalho iremos dar um maior relevo a esse segundo objectivo, nomeadamente ao fenómeno da flexibilização, pois como iremos verificar, tem uma influência importantíssima nas matérias englobadas no Contrato de Trabalho.
Essa questão da flexibilização do Direito de Trabalho foi lançada na ordem do dia pela crise económica e social que se seguiu ao chamado “choque petrolífero” dos inícios dos anos 70 e que desde então tem abalado as sociedades ocidentais. O motivo disso foi a feição proteccionista que desde sempre caracterizou tal ramo do Direito, que desde então, vem sendo colocada em causa por certas correntes de pensamento. Ou seja, sustenta-se que tal feição proteccionista era focalizada só para os trabalhadores em regime laboral e esquecera-se dos desempregados e dos jovens à procura do primeiro emprego. No sentido de reagir à crise dos anos 70 (que enfraqueceu substancialmente o modelo fordistas), as décadas de 80 e 90 pautaram-se pela adopção progressiva de medidas de flexibilidade laboral, encaradas como um dos mais importantes motores de desenvolvimentos produtivo
12 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Xxxxxxxxxxxx, 0000, Xxxxxxx Editora, pág. 230
das empresas, quer na sua ligação às políticas de gestão dos recursos humanos, quer às políticas de produção.
À semelhança do que se tem vindo a assistir nos outros países, Portugal está a deparar-se com o aumento da taxa de desemprego, indicador esse, que ultimamente tem gerado debates de grandes dimensões à procura de soluções viáveis. Não só por causa do aumento do desemprego, mas também à procura de fórmulas para as empresas obterem uma melhor gestão em termos de sistemas de produção e das concepções modernas, em paralelo com a redução de custos e do aumento dos seus lucros. No fundo, está a repensar-se o funcionamento do mercado de trabalho e da organização sob a salvaguarda da ideia da flexibilidade.
Na verdade, as empresas enfrentam necessidades de modificações súbitas, que por vezes exigem respostas muito rápidas e processos de mudança onde se implemente simultaneamente o muito simples e o muito complexo. Deste modo, muitas empresas procuram formas de trabalho flexíveis atendendo ao seu desejo de responder com maior facilidade a estes desafios. E se para as empresas se trata, geralmente, de reduzir os custos de trabalho, o conceito de flexibilidade possui um conteúdo muito mais amplo e múltiplo, compreendendo, nomeadamente, quer a multiplicação de formas de contratação laboral; quer as vicissitudes próprias da relação individual de trabalho (que passam pela variação dos horários de trabalho, pela repartição flexível do trabalho, pela mobilidade funcional, pela mobilidade geográfica) e até pela multiplicidade de formas de cessação do contrato de trabalho.
Em Portugal, e como é patente, desde início da década de 90 que se tem procurado flexibilizar a lei laboral. Após a aprovação da Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que procurou flexibilizar o regime dos despedimentos (compensando essa flexibilidade com a limitação do recurso à contratação por tempo determinado), passando pela aprovação da Lei nº 21/96 de 17 de Janeiro, que consagrou a flexibilização do tempo de trabalho, e em particular a redução dos períodos normais de trabalho, pela lei que regulou o regime jurídico do trabalho a tempo parcial (Lei n 103/99, de 26 de Julho), até ao actual Código do Trabalho, o legislador tem proposto uma série de incentivos quer a dinamização de novas
formas de contratação laboral, quer a mobilidade funcional e geográfica da nossa força de trabalho.
Tendo como pano de fundo objectivos macroeconómicos tais como o reforço da competitividade, a promoção da produtividade, ou o aumento da colaboração entre parceiros sociais, há muito que os empregadores portugueses reclamavam a alteração da legislação laboral. Nomeadamente, a revisão do regime de adaptabilidade do tempo de trabalho, considerar a possibilidade de recurso a contratos a termo assim como, dos motivos que possibilitam este tipo de contrato; de viabilizar a possibilidade de não reintegração em caso de despedimento ilícito; ou introduzir maior dinâmica na contratação colectiva (maxime através de regras que façam caducar automaticamente as Convenções Colectivas de Trabalho e/ou do afastamento de normas imperativas legais pela negociação colectiva). Assim, o movimento de flexibilização da Lei do Trabalho assume múltiplas formas nos diferentes países, isto porque em cada país as manifestações reflectem as diferenças entre os ordenamentos jurídicos, as ideologias políticas que suportam essa flexibilidade e os respectivos sistemas de relações profissionais.
No seu conjunto o Código do Trabalho – Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto – além de sistematizar a legislação laboral portuguesa, flexibiliza-a. Ora, se entendermos que a flexibilidade é uma forma de modificar, de atenuar, de minorar efeitos, de se adaptar à realidade, de uma reacção às normas vigentes consideradas em desacordo com a realidade que se vem alterando no decorrer da história da humanidade, fruto de avanços tecnológicos, mudanças sociais, económicas, politicas, culturais, etc; o actual código é um instrumento que possibilita em pleno, às empresas essas adaptações (em termos de produção e os métodos de organização e gestão) às alterações ocorridas no mercado em que actuam.
“A necessidade de rápidas respostas das empresas às exigências, cada vez maiores, do mercado e à introdução de novas tecnologias e processos de fabrico pressuporia uma maior mobilidade da mão-de-obra e, daí, uma maior flexibilidade do regime jurídico do contrato
de trabalho, considerando demasiado rígido e, por isso mesmo, incapaz de se adaptar àquelas exigências”.13
De facto, desde 2003, que o Código do Trabalho tem proporcionado uma melhor organização e flexibilização da legislação portuguesa, possibilitando as empresas de efectuarem uma gestão de recursos humanos mais flexível. As empresas têm de estar preparadas para actuarem face a qualquer imprevisto, não só em termos de métodos de produção mais eficazes ou mesmo do produto em si, mas sobretudo em relação à própria gestão dos recursos humanos. A capacidade de adaptação empresarial a mudanças não previstas passa não só por formas de flexibilidade utilizadas numa óptica quantitativa (que implicam o recurso por exemplo aos despedimentos), mas simultaneamente por uma acção de planeamento estratégico e previsional da gestão das pessoas, aplicada ao serviço e estratégias de flexibilidade qualitativas (maxime através do recurso a formas flexíveis de contratação e/ou de medidas de flexibilidade assentes na mobilidade).
A flexibilidade implica (re)organização do trabalho, e os seus efeitos sobre a competitividade dos produtos são inúmeros (condição indispensável para a remodelação da actividade económica). Daí a importância da existência de medidas de gestão previsional das alterações tecnológicas e das necessidades dos clientes ou mercado.
O Direito Laboral português inspira-se em dois princípios básicos que são comuns à generalidade dos ordenamentos jurídicos da União Europeia: o principio da liberdade de desvinculação, que é inerente às relações jurídicas duradouras constituídas por tempo indeterminado; e o principio da estabilidade, também ele comum a muitas relações duradouras, mas que assume uma importância decisiva no contrato de trabalho.
Sabemos que os contratos de trabalho de duração determinada (contrato a termo e contratos temporários), a tempo parcial e/ou de tele-trabalho, tornaram-se uma das características essenciais do mercado de trabalho europeu, pois deixaram se ser uma excepção à Lei e tornaram-se um princípio a seguir. Por toda a Europa podemos verificar um maior aumento por parte dos empregadores na utilização destas modalidades de contrato, visto que, a
13 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pág. 57
própria Lei permite-lhes uma maior escolha entre contratações de duração indeterminada face às contratações de tempo determinado, ou ainda entre a contratação a tempo inteiro ou a contratação a tempo parcial. O que nos permite dizer, que este novo Código de Xxxxxxxx veio reforçar a possibilidade dos empregadores recorrerem a formas de contratação paralelas à contratação por tempo indeterminado, permitindo ao empregado o recurso a importantes instrumentos de gestão flexível.
Sendo assim, e representando as diversas formas de contratação paralelas à contratação por tempo indeterminado (sem termo) é necessário que os empregadores vejam nas actuais propostas de flexibilização do Código do Trabalho um meio de articular a flexibilidade da gestão com a ideia de qualificação dos recursos humanos. Perante a consagração destas propostas legais, as empresas usufruem de diferenciados meios para desenvolver a sua flexibilidade. Se considerarmos que a empresa flexível é aquela que possui técnicas de gestão eficazes e eficientes (ligadas não só aos produtos e ás técnicas de produção mas, maxime, às organizações e às pessoas) para fazer face a um imprevisto, então é necessário que as empresas empregadoras compreendam que a sua capacidade de adaptação a mudanças não previsíveis passa por uma acção de gestão estratégica e previsional dos recursos humanos, do manuseamento da capacidade das pessoas.
“O que se defende é, ao fim e ao cabo, a subversão do sistema tradicional das relações laborais, como parte integrante, aliás, da defesa de uma política económica que, caracterizada pelo individualismo e pela fidelidade ao dogma do mercado como único regulador da vida económica e social, assenta na atenuação do intervencionismo do Estado e na desregulação da economia.”14
Este tema da flexibilidade da legislação do trabalho surge-nos também como uma medida de atenuação entre a Constituição e certas normas vigentes, isto porque a Constituição é claramente focalizada para os trabalhadores e os seus direitos inerentes, já a flexibilidade impõe àquela legislação uma função social que implicará o repúdio de algumas ideias- chave normalmente associadas a tal tema.
14 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pág. 57
Resumidamente, o problema fundamental que hoje se coloca ao nível do mercado de trabalho e emprego é o de saber como conciliar a implementação da flexibilidade na organização do trabalho, imprescindível para a competitividade económica das empresas, com um nível mínimo de insegurança laboral.
2.2.2.1. Causas da Flexibilização
O mundo está em constante mudança, em permanente evolução e inovação, e assim esperemos que continue, pois um mundo parado implicará um retrocesso na economia e correspondente diminuição de estabilidade financeira, e qualidade de vida. Para evoluirmos temos de acompanhar as tendências, efectuar mudanças, ultrapassar obstáculos inesperados, estudar a própria concorrência, etc, e são nestas alterações que a flexibilização tem a sua origem, é a partir destes cenários que ela se desenvolve.
O sistema aponta várias causas da flexibilização das condições de trabalho, nomeadamente, o desenvolvimento económico, a globalização, as crises económicas, mudanças tecnológicas, encargos sociais, aumento de desemprego, aspectos culturais, economia informal e outras causas sociológicas. Não nos podemos esquecer, que a evolução tecnológica, que inclui automação, robótica e micro-electrónica, não cria novos empregos (ou mesmo que crie vagas para novas especialidades que serão poucas), certamente elimina muita mão-de-obra não especializada e as pessoas vêem-se forçadas a uma mudança por vezes radical nas suas vidas, visto que foram substituídas por “máquinas” (pois estas não adoecem não tiram férias, não exigem direitos, nem estabilidades especiais) e de repente os trabalhadores encontram-se desnorteados pois sabem que não têm condições para assimilar as mudanças tecnológicas que poderiam propiciar-lhes novos e melhores empregos.
Por isso mesmo e nesse contexto de transição, é urgente e necessária a evolução nos estudos que procurem a eficácia dos direitos constitucionais de protecção ao trabalhador, numa tentativa de amenizar os rigores peculiares às transformações económicas abruptas pelas quais passa a comunidade global. Não nos podemos esquecer que cada vez mais, as empresas estão a investir em pessoas que têm uma capacidade de gestão excepcional, em pessoas que estão em permanente formação, com espírito inovador e aberto, sem retaliações nem prisões, em pessoas que vivem para a empresa e que sejam firmes de si
mesmas. Estas sim, são as chamadas mais-valias para as empresas e que o empregador se vê na obrigação de as respeitar, tanto como pessoas como seus direitos laborais, já as pessoas que são o oposto destas qualidades correm o risco de serem dispensadas e substituídas por máquinas.
2.2.2.2. Formas de Flexibilização
Existem várias formas de flexibilizar, ou melhor, existem vários aspectos possíveis de flexibilização, por exemplo, a remuneração, a jornada de trabalho, a contratação, o tempo de duração do contrato, a dispensa do trabalhador… Um dos exemplos que actualmente verificamos com esta crise económica, é o chamado Banco de Horas que a maioria das empresas está a aderir para evitar o despedimento de centenas de trabalhadores. Este banco de horas, é o trabalho extraordinário, não remunerado, mas compensado, ou seja, “trata-se de um sistema de compensação de horas trabalhadas a menos, sem prejuízo do pagamento, com as trabalhadas a mais, sem a respectiva retribuição indemnizada, depois de determinado período convencionado pelos contratantes, mediante prévia autorização por instrumento de negociação colectiva, com resgate do saldo pelo credor final.”15
Contudo, e face a esta situação de crise com que o país se está a deparar, o aumento de desemprego é uma realidade que não tem fim à vista, conforme se vai avançando no tempo o desemprego também vai aumentando, e perante um cenário destes, o trabalhador continuará desprotegido e inseguro e, por consequência, aceitará as condições que a empresa lhe oferecer sejam elas quais forem, para não ficar abandonado à própria “sorte”.
Deste modo, a legislação deve-se focar essencialmente na protecção do trabalhador, garantindo-lhe os direitos já conquistados arduamente. O trabalhador que é frágil e desprotegido, não pode ficar desamparado, sujeito à lei do mais forte ou à lei do mercado. O ideal mesmo seria uma flexibilização, direccionada somente nos períodos de crise, que pudesse garantir ao trabalhador condições de sustento próprio e da sua família, dentro do princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo constitucionalmente, ao mesmo tempo que as empresas se pudessem manter para continuar a garantir emprego e a
15 Retirado da Internet xxxx://xxxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxx00.xxx em 26/02/2008
circulação de capital, pois “ter trabalhadores, mas não ter empresas, é totalmente utópico.”16.
A flexibilização não deveria suprimir os direitos, mas apenas adaptar a realidade existente à norma ou então adequa-la à nova realidade. Em relação às inovações tecnológicas e à competitividade no mercado internacional, a empresa moderna só irá sobreviver se conseguir reduzir os seus custos, de modo a competir no mercado, tanto interno como externo.
3. Contrato de Trabalho: noção, características e elementos essenciais
No ordenamento jurídico português, o contrato de trabalho é objecto de definição legal.
Actualmente, a noção de contrato de trabalho consta do artigo 1152º do CC (a que correspondia o art. 1º da LCT de 1969) e do art. 11º do Código de Trabalho.
Para o Código Civil, «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta». Já o art. 11º do CT define contrato de trabalho como
«aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade destas».
A noção de contrato de trabalho consagrada no Código de Trabalho apresenta, pois, dois traços distintivos em relação à definição tradicional deste contrato: por um lado a lei laboral deixou de mencionar o carácter manual e intelectual da actividade prestada; por outro lado, refere-se agora a nova figura da pluralidade de empregadores.
Se analisarmos a natureza do contrato de trabalho constatamos que este é um negócio jurídico obrigacional, ou seja, estruturalmente apresenta-se como um contrato de Direito Civil, em particular de Direito das Obrigações. Corresponde assim a um dos contratos em especial (art. 874ºss. CC).
16 Retirado da Internet xxxx://xxxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxx00.xxx em 26/02/2008
A evolução jurídica, em particular durante o século passado, conduziria ao estabelecimento de regras e princípios especiais válidos nas relações laborais.
Assim, as especiais características do contrato de trabalho e a inviabilidade da sua redução dogmática a um negócio exclusivamente obrigacional foram tratados por Xxxxx do Rosário Palma Ramalho,17 que chama a atenção para o Contrato de Trabalho se singularizar perante outros negócios obrigacionais por três ordens de razões: pelo seu objecto, que combina aspectos pessoais e patrimoniais; pelos interesses presentes neste negócio jurídico e pelo facto dos sujeitos prosseguirem com base no mesmo contrato uma multiplicidade de interesses, que criam entre eles, em simultâneo e numa permanente interacção, relações de conflito e relações de colaboração; e o terceiro aspecto em que o contrato laboral revela a sua singularidade é, evidentemente, o da conciliação entre a natureza privada e a posição desigual das partes, (a posição dominante do empregador e designadamente a sua componente disciplinar sancionatória.)
Face à especificidade do contrato de trabalho surgem desvios que o seu regime apresenta em relação às regras gerais de cumprimento dos negócios obrigacionais bem como a alguns princípios de direito civil, nomeadamente o desvio ao princípio geral da necessidade de consenso das partes para alteração dos negócios jurídicos, constante no art.406º nº 1 do CC, pelas amplas possibilidades de modificação do acordo negocial por vontade unilateral de um dos contraentes.
Tem interesse comparar as características do contrato de trabalho com as da doutrina do contrato em geral.18
17 Xxxxx do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito de Trabalho, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 794.
18 Cf., Xxxxxxx Xxxxxxxx, Manual de Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra 1994, pág 518 e ss; Xxxxxxx Xxxxx, Noções de Direito Civil , 3ª ed., Coimbra, 1991, pág. 363 ss; Xxxxx Xxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, XX Xxxxxxx (FDUC), ed. de 1992/93, reprint 1999, pág. 213 e ss; Xxxxxxxx Xxxxxx, Curso de Direito de Trabalho, I, 3ª ed., Lisboa, 2004 pág. 291 e ss; Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito do Trabalho, 2ª ed., Coimbra, 2005, pág. 281 e ss, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito do Trabalho, 13ª ed., Coimbra, 2006, pág 174, Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Direito do Trabalho, Parte II- Situações Laborais Individuais, Almedina; Xxxxx Xxxxx, Direito do Trabalho, vol I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora 2007
Verifica-se assim que o contrato de trabalho é,19 em primeiro lugar, um contrato negocial, pois além da liberdade de celebração própria dos contratos, as partes podem, dentro de certos limites, aprontar as clausulas que entenderem.
Em segundo lugar classifica-se como consensual, ou seja, em regra, o contrato de trabalho nasce com o acordo das partes, independentemente de particulares formas previstas na Lei.. O princípio da consensualidade não favorece apenas a celeridade, mas facilita a prova por qualquer meio ao trabalhador da existência de um contrato de trabalho20. Em terceiro lugar trata-se de um contrato nominado: a lei portuguesa dá-lhe de modo repetido, um nome jurídico– por ex. os artigos 1152º do CC e 11º do CT; Uma outra característica é que se trata de um contrato que se classifica como típico: o Direito regula contrato de trabalho com um regime específico, onde abundam normas imperativas.
Indiscutível parece ser a sua natureza obrigacional: o contrato de trabalho é um dos contratos em especial que consta da segunda parte do Título II do Código Civil, sob a epígrafe «Dos Contratos em Especial».
Por sua vez, trata-se de um contrato sinalagmático. Dizem-se sinalagmáticos ou bilaterais os contratos pelos quais «ambas as partes contraem obrigações havendo entre elas correspectividade. Todavia o sinalagma é imperfeito, porque em alguns casos, mantêm-se o dever principal de uma das partes perante a ausência de cumprimento da outra parte, como é o caso do der de pagar retribuição nas férias ou em caso de faltas justificadas.
É usual classificá-lo como contrato oneroso pois ambas as partes suportam esforços económicos. Em termos gerais, o trabalhador suporta o sacrifício relativo ao desempenho da sua actividade e o empregador quanto à retribuição a pagar.
A doutrina fala de contrato duradouro. Ele não se destina a apoiar uma obrigação efémera ou de extinção imediata pelo cumprimento, antes tendendo a subsistir; como nota Xxxxx do Rosário Palma Ramalho esta característica pode ser mais ou menos marcada, consoante o
19 Seguimos na íntegra a caracterização efectuada por Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Manual de Direito de Trabalho, Xxxxxxxx, Xxxxxxx 0000 – reimpressão, pág. 518-519
20 Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, ob. cit., pág. 177
contrato tenha sido celebrado por tempo indeterminado, ou a termo resolutivo e repercute- se no plano regimental, em institutos laborais como a categoria, a antiguidade ou a carreira do trabalhador.21 Esta característica do contrato de trabalho relaciona-se com interesses das partes: do lado do trabalhador, o carácter duradouro faz surgir o interesse da estabilidade (atribuição de uma determinada situação económica e social do trabalhador) do lado do empregador a participação contínua do trabalhador no processo de realização de fins alheios gera a sua progressiva identificação com esses fins e desenvolve as suas aptidões específicas.22
Finalmente trata-se de um contrato de execução continuada: ele gera obrigações, que, em múltiplos aspectos, não conhecem intervalos juridicamente relevantes na sua execução.
No Direito português, a noção legal de contrato de trabalho contem os seguintes elementos essenciais: a actividade laboral, a retribuição e a subordinação jurídica.
A prestação de uma actividade produtiva constitui o primeiro elemento essencial do contrato de trabalho e corresponde ao dever principal do trabalhador.
É importante salientar que se trata de uma prestação de actividade, que se concretiza em na aplicação da força de trabalho de um dos sujeitos da relação. No contrato de trabalho o que releva é a própria actividade do trabalhador que a outra parte coordena e combina com outros factores de produção visando atingir um resultado que está por seu turno além do próprio contrato.
No entanto, em determinadas situações o trabalhador cumpre a sua obrigação contratual embora estando inactivo; na prática do mundo laboral, é frequente tal situação de temporária inactividade, sem que se ponha em causa a existência do comportamento a que o trabalhador se obrigou.23
2 - Retribuição
21 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, pág.
22 A. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, 2006, pág. 180
23 A. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, 2006, pág. 122
O segundo elemento essencial do contrato de trabalho é a retribuição. Para a maioria da doutrina é um dos elementos sem os quais não pode sequer existir trabalho subordinado: actividade laboral é necessariamente retribuída e o pagamento da retribuição constitui o dever principal do empregador. Assim, em troca da disponibilidade da força de trabalho, é devida ao trabalhador uma retribuição, como contrapartida da actividade laboral (art. 258º nº 1 do CT), evidenciando o nexo sinalagmático do contrato de trabalho.24
A retribuição é uma prestação periódica (art. 278º do CT). 3 - Subordinação jurídica
O terceiro elemento essencial do contrato de trabalho é a subordinação jurídica por parte do trabalhador. É através da existência de subordinação jurídica que podemos qualificar um relação jurídica como contrato de permitindo delimitá-lo de figuras jurídicas afins.
A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
A subordinação está ligada à relativa generalidade e inconcretização da prestação de trabalho: o trabalhador promete desempenhar um tipo genérico de actividade laborativa. O conteúdo da prestação de trabalho é, pois, indeterminado, havendo sempre lugar a uma especificação a cargo do empregador, no que toca à modalidade concreta pretendida do serviço abstracto prometido no contrato.25
A subordinação jurídica, na sua vertente mais característica tem duas facetas: o dever de obediência e o poder de direcção, conferido ao empregador.26
24 Embora este nexo sinalagmático não seja perfeito porque o direito à retribuição se mantém em diversas situações em que não há prestação efectiva de trabalho
25 Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxx Xxxxxx com a colaboração de P. Furtado Martins/A. Xxxxx xx Xxxxxxxx, Iniciação ao Estudo do Direito de Trabalho, Verbo, pág. 147
26 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob. cit., pág. 279
O poder de direcção traduz-se no poder que a entidade patronal tem de dar ordens e instruções sobre a forma de realizar a prestação de trabalho. Daí afirmar-se que a prestação é realizada sob as ordens e a direcção do empregador.
Por seu turno, o trabalhador tem o dever de obediência relativamente às ordens emanadas do empregador (art. 128º, nº1 alínea e), do CT).
“O artigo 13º do Código de Trabalho diz que “ficam sujeitos aos princípios definidos neste código, nomeadamente quanto a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança, higiene e saúde no trabalho, sem prejuízo de regulamentação em legislação especial, os contratos que tenham por objecto a prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, sempre que o trabalhador deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”
A solução da nossa lei continua a assentar na dicotomia trabalho subordinado/trabalho autónomo. Desta forma, sucede-se que certos contratos de prestação de serviços ou de trabalho autónomo podem, em homenagem à dependência económica do prestador de trabalho, ficar sujeitos aos princípios definidos no código. Contudo é importante salientar que a menção aos direitos de personalidade, igualdade e não discriminação, segurança, higiene e saúde no trabalho, é meramente exemplificativa pelo que serão de aplicar aos contratos de prestação de serviços em que exista dependência económica do prestador relativamente ao beneficiário da actividade todos os princípios definidos no Código.
3.1. Modalidades do Contrato de Trabalho
Tendo em linha de conta que o Contrato de Trabalho pressupõe a existência da prestação de uma certa actividade em contrapartida de retribuição, é fácil compreender quando dizemos que para diferentes actividades necessitamos de celebrar diferentes contratos de trabalho. Por exemplo, o regime jurídico do contrato de trabalho de serviço doméstico não deverá reflectir as especificidades deste tipo de trabalho? Quando estamos perante o chamado teletrabalho, o seu regime jurídico será o mesmo? Ou quando falamos em actividades artísticas? É obvio que nem todas as actividades podem ser prestadas
obedecendo a contratos de trabalho uniformizados daí a necessidade de se criarem regimes especiais para diversos tipos específicos de contrato de trabalho.
“O contrato de trabalho não constitui um tipo unitário, sujeito a um único regime. Existem efectivamente contratos de trabalho sujeitos a regimes especiais. O código indica aliás vários, como o contrato de trabalho com menores (arts. 53º - 70º), com o trabalhador com capacidade de trabalho reduzida (arts. 71.º - 72.º), com deficientes ou doentes crónicos (arts. 73.º - 78.º), com trabalhadores-estudantes (arts. 79.º - 85.º), com estrangeiros (arts. 86.º - 90.º), o tele-trabalho (art. 233.º - 243.º), e o trabalho em comissão de serviço (arts. 244.º - 245.º). Por outro lado, na legislação especial, ainda estão subjacentes outros tipos de contratos, por exemplo: o contrato de trabalho doméstico (D.L. 235/92, de 24 de Outubro), contrato de aprendizagem (D.L. 295/96, de 25 de Outubro), contrato de porteiro (PRT de 02/05/1975, alterada pela PRT de 20/06/1975), contrato de trabalho rural (PRT para a agricultura, de 08/06/1979), contrato de trabalho portuário (D.L. 280/93, de 13 de Agosto e
D.L. 298/93, de 28 de Agosto), contrato de trabalho a bordo (D.L. 74/73, de 1 de Março, relativo ao pessoal da marinha de comércio e Lei nº 15/97, de 31 de Maio, relativo a embarcações de pesca), contrato de trabalho com profissionais de espectáculos (D.L.43181 e 43190, de 23 de Setembro de 1960, alterados pelo D.L. 38/87, de 26 de Janeiro), e o contrato de trabalho com desportistas profissionais (Lei 28/98, de 26 de Junho).”27
No entanto, também é importante referir que independentemente da modalidade de contrato de trabalho aplicada, os três elementos essenciais do contrato de trabalho estão sempre presentes: prestação de actividade produtiva, retribuição e subordinação jurídica.
Pronunciemo-nos então um pouco sobre algumas modalidades do Contrato de Trabalho acima mencionadas:
3.2. Contrato a Termo Resolutivo
Segundo Xxxxx do Rosário Xxxxx Xxxxxxx, o contrato de trabalho a termo resolutivo é a modalidade de contrato de trabalho cujos efeitos se encontram na dependência de um evento futuro certo. Tratando-se de um termo resolutivo, o contrato cessará por caducidade,
com a verificação do referido evento. O termo, esse pode ser certo ou incerto, nos termos gerais, consoante o evento futuro seja certo quanto à sua verificação e quanto ao momento em que ocorrerá ou apenas quanto à sua verificação.
Esta modalidade de contrato de trabalho foi prevista tradicionalmente no nosso sistema juslaboral sob a designação de contrato de trabalho a prazo (art. 10º da LCT). Posteriormente, adoptou-se a expansão dessa designação para contrato de trabalho a termo certo ou contrato de trabalho a termo incerto. Recentemente optou-se pela expressão tecnicamente mais correcta, ou seja, contrato de trabalho a termo resolutivo.
Este tipo de contrato tem vindo a demonstrar uma tendência positiva face ao princípio constitucional do pleno emprego, uma vez que potencia a criação de postos de trabalho, assim como, a integração de categorias específicas para trabalhadores com maiores dificuldades de acesso ao emprego, como é o caso dos desempregados de longa duração, os toxicodependentes, etc. Em paralelo, esta modalidade de contrato de trabalho, também é vista como sendo um instrumento de progresso para as próprias empresas.
Mas nem tudo são vantagens, este contrato também acarreta inconvenientes significativos, sobretudo para o trabalhador, uma vez que a situação contratual é menos estável neste contrato do que num contrato de trabalho comum, ou seja, enquanto que num contrato de trabalho comum, o despedimento por iniciativa do empregador depende de um comportamento culposo e grave do trabalhador (a justa causa de despedimento) ou de um motivo gravoso de gestão, no caso do contrato de trabalho a termo resolutivo o empregador tem apenas que aguardar a verificação do termo para fazer cessar o contrato por caducidade, se assim o entender.
“O contrato de trabalho a termo resolutivo é uma figura de grande importância no sistema juslaboral, por motivos práticos, económicos, regimentais e dogmáticos:
-do ponto de vista prático, o contrato de trabalho a termo tem importância por força da sua frequente utilização, confirmada aliás, pelo abundante acervo jurisprudencial na matéria;
27 L.M.T.M. Xxxxxx, Código do Trabalho Anotado, Coimbra, Livraria Almedina, 2003, pág. 32
-do ponto de vista económico, o contrato de trabalho a termo corresponde, a desígnios relevantes em matéria de gestão dos recursos humanos, de favorecimento de novos projectos empresariais e de empregabilidade geral, dos quais o Direito de Trabalho não se pode alhear e que são particularmente valorizados no âmbito das modernas tendências de flexibilização da área jurídica;
-do ponto de vista regimental, este contrato apresenta diversos traços desviantes do regime do contrato de trabalho comum, que, no seu conjunto, nele permitem reconhecer um contrato de trabalho especial;
-por fim, do ponto de vista dogmático, este contrato contribui decisivamente para o equilíbrio global do sistema juslaboral, designadamente no caso português, por constituir uma forma de compensar o regime legal restritivo em matéria de despedimento.”28
3.2.1. Regime Jurídico do contrato de trabalho a termo resolutivo
O novo regime desta modalidade de contrato de trabalho aparece-nos de uma forma mais aberta, que o regime anterior. De uma maneira geral, optou-se por aproveitar a ideia de flexibilização, enquadrada no âmbito do contrato de trabalho, de forma a enquadrar as potencialidades existentes adequando-as às necessidades modernas de gestão e aos desafios da produtividade e da competitividade das empresas.
Uma das alterações substanciais a destacar no regime da figura do Código do Trabalho reporta-se à motivação destes contratos, que foi aligeirada, assim como, à sua duração, que foi alargada. Nas restantes matérias, o Código manteve uma linha de continuidade com o regime anterior, evidenciando ainda uma preocupação de limitar o recurso a este tipo de contratação laboral.
Como sabemos a figura do contrato a termo resolutivo só pode ser aplicada nas situações prevista no artigo 140º do CT, ou seja, para a satisfazer de necessidade temporária da empresa e pelo período necessário à satisfação dessa necessidade. Existe dois tipos de
28 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 225
situações em que é possível o recurso ao contrato de trabalho a termo resolutivo: os casos de contratação a termo com uma motivação de gestão normal ou corrente (art. 140º, nº 1 e 2); e os casos de contratação a termo com uma motivação de iniciativa económica e com uma motivação social (art. 140 nº 4 do Código de Trabalho.)29 Existem ainda algumas situações especiais, a saber:
- Contrato de trabalho a termo com trabalhador reformado: conforme o art. 348º do CT, o trabalhador reformado que continue ao serviço do empregador por mais de 30 dias sobre o início da situação de reforma, bem como o trabalhador que atinja a idade de 70 anos sem ser reformado, vêm os respectivos contratos de trabalho automaticamente convertidos em contratos a termo. Estes contratos não carecem de redução a escrito, a duração do contrato é fixada em seis meses e não há limite de renovações, a cessação está sujeitada aos prazos de aviso prévio estabelecidos nos art. 3348º, nº2 c) e não há lugar a qualquer direito de indemnização ao trabalhador.
- Contrato de trabalho a termo no âmbito da Administração Pública: nos termos do art. 9º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, as pessoas colectivas públicas (incluindo também o Estado) podem celebrar contratos de trabalho a termo certo ou incerto, com os fundamentos estabelecidos nesta norma. A diferença é que, ao contrário do que sucede no Código de Trabalho, a enumeração legal dos fundamentos do contrato é taxativa. Estes contratos são sujeitos ainda, às regras específicas no que toca à constituição do vínculo, à sua duração, renovação e cessação (art. 9º e 10º do referido diploma legal).
- Contrato de serviço doméstico a termo: nos termos do art. 5º do DL nº 235/92, de 24 de Outubro, o contrato de trabalho para prestação de serviço doméstico pode ser celebrado a termo por mera convenção das partes, desde que por período não superior a um ano, ou quando se verifique a natureza transitória do trabalho a prestar. Trata-se deste modo, de uma motivação especifica e menos rigorosa do que as que são previstas no art. 140º do Código de Trabalho.
29 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 240
- Contrato de Trabalho a termo no âmbito de um processo de insolvência da empresa: nos termos do art. 55º nº 4 do CIRE, o administrador da insolvência pode contratar a termo certo ou incerto os trabalhadores necessários à liquidação da massa insolvente ou à continuação da exploração da empresa, após a declaração judicial da insolvência. O fundamento específico destes contratos, que acresce às situações previstas no art. 140º nº 2 do Código de Trabalho é, pois, a necessidade de trabalhadores no contexto do próprio processo de insolvência. Normalmente estes contratos caducam com o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento em que aqueles trabalhadores prestem serviço ou, salvo convenção em contrário, no momento da respectiva transmissão, o que constitui um desvio em relação às regras laborais gerais em matéria de transmissão do estabelecimento.
- Contrato de trabalho a termo com desportista profissional: nos termos do art. 8º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, o contrato desportivo é necessariamente, um contrato a termo, que pode ter uma duração variável entre uma e oito épocas. O regime deste contrato a termo afasta-se significativamente do regime geral do contrato de trabalho a termo, em matérias como o período experimental, a duração, as renovações e a conversão.
O contrato de trabalho a termo resolutivo está sujeito a apertados requisitos de forma e a algumas formalidades, para além dos requisitos substanciais. Estes requisitos de forma estão enunciados no art. 110º, e no art. 141º do Código de Trabalho, onde nos alertam que o contrato a termo deve de ser celebrado por escrito, ser assinado por ambas as partes (empresa e trabalhador) e deve conter as menções obrigatórias indicadas no art. 141º nº 1, ou seja, a identificação dos contraentes, a actividade contratada e a retribuição, o local e o período normal de trabalho, a data da celebração do contrato e, em caso de termo certo, a data da respectiva cessação. A forma do contrato a termo é pois, uma forma qualificada. Convém salientar que, caso estas formalidades não sejam cumpridas, isto é, se o contrato não obedecer à forma escrita, se não for assinado pelas partes ou se as menções mais importantes do art. 141º nº 1 do Código de Trabalho forem omissas ou feitas de modo insuficiente, o contrato converte-se automaticamente em contrato por tempo indeterminado (art. 147º). Exceptuando-se o caso do contrato de trabalho a termo celebrado no âmbito da Administração Pública, ao abrigo do art. 9º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho,
relativamente ao qual a lei afasta expressamente a possibilidade de conversão como efeito da nulidade (art. 10º nº 2 deste diploma).
“Para além das exigências de forma, a celebração de contratos a termo impõe diversas formalidades ao empregador. Salientamos as mais relevantes:
-dever de comunicação da celebração destes contratos à comissão de trabalhadores, bem como à associação sindical de que o trabalhador seja membro, e ainda à Inspecção-Geral do Trabalho, com indicação do fundamento do contrato (art. 133º nº 1 do CT);
-dever de afixação de informação relativa a postos de trabalho por tempo indeterminado existentes na empresa (art. 133º nº 4);
-dever de inclusão do trabalhador contratado a termo no cômputo dos trabalhadores da empresa, para efeitos da determinação das obrigações sociais relacionadas com o número de trabalhadores a termo na empresa (art. 134º do CT, que deve relacionar-se com o art. 138º do CT e com o art. 171º da RCT, relativos ao valor da taxa social única devida pelo empregador, no caso de contratação de trabalhadores a termo).”30
Para além destes aspectos importantes do contrato a termo resolutivo, temos também de destacar algumas das regras que são pertinentes neste contrato. Entre estas regras, destacamos as seguintes:
- “o período experimental do contrato a termo resolutivo é fixado pelo art. 108º do CT em 30 ou 15 dias, consoante o contrato tenha duração igual ou superior a seis meses, ou inferior a seis meses, respectivamente; ou, no caso do termo incerto, consoante se preveja a verificação do termo num período superior ou inferior a seis meses;
- o tratamento dos trabalhadores contratados a termo e por tempo indeterminado rege-se por um principio geral de igualdade (art. 136º do CT)
30 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 250
- o trabalhador contratado a termo por mais de seis meses (como tal contando o período inicial e as renovações do contrato) tem direito a aceder à informação profissional, nos termos previstos no art. 137º do CT);
- o direito a férias do trabalhador contratado a termo por período inferior a seis meses segue as regras constantes do art. 214º do CT;
- o prazo de caducidade dos contratos a termo não deixa de correr durante a situação de suspensão do contrato (art. 331º nº 3 do CT);
- o art. 138º do CT prevê um agravamento das contribuições do empregador para a segurança social no caso de contratação a termo, em moldes a fixar pela Regulamentação, o que veio a ser concretizado pelos art. 171º a 174º da RCT; de acordo com estas normas, é previsto o agravamento da taxa social única nas empresas cuja percentagem de trabalhadores a termo certo seja igual ou superior a 15% do numero total de trabalhadores da empresa, a partir do quarto ano de duração do contrato e aumentando ainda a partir do sexto ano de duração do contrato. Esta norma pretende desincentivar a eternização da contratação a termo, contrariando, na prática, a abertura destes contratos à renovação adicional prevista no art. 139º nº 2 do CT.”31
3.3. Trabalhadores Menores
As regras sobre o trabalho de menores procuram conciliar diferentes interesses e perspectivas. Esta modalidade do contrato de trabalho é vinculada directamente com o menor, trata-se de um contrato de execução eminentemente pessoal e que não se compadece com a representação própria do direito civil.
Os representantes dos menores ou os seus representantes legais não actuam em rigor como representantes, o contrato de trabalho terá de ser concluído sempre directamente com o menor, eles não podem celebrar o contrato em nome dele, podendo por um lado, exigir-se em casos excepcionais a autorização escrita dos representantes e noutros ser relevante a sua oposição escrita. Por outro lado, este trabalho é sujeito a regras especiais que procuram
prevenir o perigo a que as condições de trabalho podem sujeitar o menor, na saúde e desenvolvimento físico, psíquico e moral e ainda, a protecção do menor, na medida do possível, do perigo de a sua educação e formação serem gravemente comprometidas ou hipotecadas pela necessidade de começar a trabalhar ainda durante a menor idade.
Estas regras destinadas à protecção da saúde física e mental do menor e que procuram salvaguardar as condições da sua educação e formação, dependem em rigor, da idade do menor e não do seu estatuto. Daí o CT dizer-nos que a emancipação não prejudica a aplicação das normas relativas à protecção da saúde, educação e formação do trabalhador menor. O único caso que cá em Portugal se conhece e que a lei permite como sendo a única forma de emancipação, é o casamento, e neste caso, mesmo que o menor efectue o matrimónio, ele para os devidos efeitos continuará a ser considerado como menor por exemplo, no que respeita à proibição de trabalho suplementar, da proibição de trabalho nocturno, etc.
No nosso ordenamento a idade mínima de admissão considerada para a prestação de trabalho quer seja subordinado quer seja autónomo, e segundo o art. 68º do CT, é de 16 anos e terá quer ter concluído a escolaridade obrigatória. Contudo, na realidade não é bem assim, ou seja, mesmo que o menor tenha idade inferior a 16 anos e que possua a escolaridade obrigatória já concluída, poderá ser contratado para prestar certos trabalhos leves que não sejam susceptíveis de prejudicar a sua saúde e segurança, a sua assiduidade escolar, a sua participação em programas de orientação ou de formação e a sua capacidade para beneficiar da instrução ou o seu desenvolvimento físico, psíquico, moral, intelectual e cultural, esse mesmo contrato de trabalho será válido, isto se não houver oposição escrita dos seus representantes legais (artigo 70º do CT). “Essa oposição pode ser declarada a todo o tempo, tornando-se eficaz, decorridos, em regra, 30 dias. Nesse caso, parece-nos que o contrato caducará, pelo menos para quem entenda não existir a figura da invalidade superveniente.”32
31 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 261
32 J.M.V. Xxxxx, Direito do Trabalho Volume I Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 458
Caso o menor, tendo já 16 anos, não tenha concluído a escolaridade obrigatória ou tendo embora concluído essa escolaridade, tenha menos de 16 anos, o contrato de trabalho celebrado directamente com o menor só será válido mediante autorização escrita dos seus representantes legais. A lei também permite que os representantes legais se oponham ao facto de que seja o menor a receber a respectiva retribuição.
“Repare-se, contudo, que o Código contém normas que são, na realidade prejudiciais para o menor por comparação com outros trabalhadores: a lei prevê, por exemplo (artigo 59º), que se o menor denunciar o contrato de trabalho sem termo, durante a formação (abrangerá esta hipótese o período experimental ou parte dele?) ou num período imediatamente subsequente de duração igual à formação, deve compensar o empregador em valor correspondente ao custo directo com a formação, desde que comprovadamente assumido pelo empregador. Trata-se de um regime tanto mais curioso quanto não existe um regime semelhante para o trabalhador adulto, que não terá que permanecer na empresa, mesmo após formação recebida no âmbito de um contrato de trabalho ou de outro contrato (por exemplo, de tirocínio), desde que não tenha acordado na inserção no seu contrato de trabalho de um pacto de permanência.”33
Em termos de carga horária, o menor também tem certas regras, por um lado e como já referimos, o menor não pode prestar trabalho suplementar (art. 75º do CT), está dispensado do regime de adaptabilidade dos horários de trabalho desde que apresente atestado médico que refira que tal prática o pode prejudicar. O período normal de horas trabalhadas, não pode ser superior a 8 horas diárias e 40 horas semanais, no caso de trabalhos leves, os menores com idade inferior a 16 anos não podem ultrapassar a sua carga horária de 7 horas diárias e de 35 horas semanais.
Contudo, poderemos mesmo dizer que este regime é muito mais protector para os trabalhadores menores com idade inferior a 16 anos, visto que, estes não podem prestar trabalho entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte (artigo 76º CT), não podem também prestar mais de 4 horas de descanso consecutivo, têm direito a um intervalo
33 J.M.V. Xxxxx, Direito do Trabalho Volume I Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 460
de descanso com uma duração mínima de 1 hora e máxima de 2 horas, têm direito também a um descanso diário mínimo de 14 horas consecutivas entre o período de trabalho de 2 dias sucessivos (artigo 77º), a 2 dias de descanso, se possível consecutivos em cada período de 7 dias (artigo79º). É de salientar que todas estas normas, relativamente aos trabalhadores menores com idade inferior a 16 anos são imperativas.
3.4. Trabalho Temporário
O trabalho temporário foi adoptado e regulado em 1989, pelo DL nº 358/89, de 17 de Outubro (LTT). Posteriormente, esse mesmo diploma foi alterado pela Lei nº 36/96, de 31 de Agosto e consequentemente pela Lei nº 146/99, de 1 de Setembro. Contudo, ainda se encontra em vigor, uma vez que o que foi revogado foram umas meras disposições à Lei no que respeitavam à cedência ocasional dos trabalhadores.
Esta modalidade de contrato de trabalho consiste na contratação de trabalhadores, por uma empresa que se dedica à actividade de fornecimento, a título oneroso, desses mesmos trabalhadores a outras entidades, para as quais estes desenvolverão a sua actividade laboral, por um tempo determinado.
“Produto típico das tendências de flexibilização dos regimes laborais do último quartel do séc. XX e com um relevo crescente, o trabalho temporário é um fenómeno complexo, que envolve várias entidades e outros tantos negócios jurídicos e que coloca diversos problemas de regime e de construção dogmática”.34
O recurso a esta modalidade de trabalho teve origem nos países anglo-saxónicos, tradicionalmente mais abertos a soluções de maior flexibilidade e diversidade no recrutamento de pessoal, difundindo-se rapidamente nos países da Europa Continental, sendo regulado também em França, Alemanha, Itália e em Espanha. Esta rápida difusão do trabalho temporário deve-se às vantagens que ele apresenta relativamente à contratação laboral nos moldes tradicionais e mesmo em relação ao contrato de trabalho a termo, tanto para empregadores como para trabalhadores. Isto é, para os empregadores, o recurso ao
34 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 263
trabalho temporário facilita o acesso a trabalhadores de que necessitem para uma determinada tarefa e mesmo a trabalhadores especializados para essas mesmas tarefas, sem os custos habituais de um processo comum de recrutamento e sem ficarem onerados com aqueles trabalhadores, visto que o vínculo laboral é estabelecido com a empresa de trabalho temporário. Por outro lado, para os trabalhadores, a principal vantagem desta modalidade do contrato de trabalho é o facto de aumentar o nível de empregabilidade e aumentar a sua auto-estima, mesmo que seja por curtos períodos laborais, sempre será melhor o ser humano ter acesso a um determinado emprego do que estar desempregado e desanimado sem qualquer obtenção de rendimentos.
No entanto, esta modalidade também apresenta desvantagens que não são aparentemente aceites pelas associações sindicais, causando-lhes a tradicional desconfiança face a este tipo de trabalho. Atrevemo-nos mesmo a dizer que estes inconvenientes são directamente focalizados sobretudo para os trabalhadores. Dada a conjuntura económica que estamos a viver, facilmente verificamos que a precariedade da situação juslaboral de um trabalhador cujo regime laboral é o normal, já não é de máxima segurança, agora imaginemos um trabalhador regulado pelo trabalho temporário. Obviamente que fazendo uma comparação, este estará menos protegido que os trabalhadores subordinados comuns.
Além desta desvantagem, acrescentamos o facto de que o trabalhador temporário não se consegue integrar completamente nas duas empresas, ou seja, na empresa de trabalho temporário uma vez que não é aí que presta a sua actividade, nem na empresa utilizadora, pois não pertencem à empresa onde estão a desenvolver a sua actividade. Tendo deste modo, dificuldades acrescidas no que respeita ao acesso das instâncias superiores afim de poderem defender os seus respectivos direitos. Por outro lado, o recurso frequente ao trabalho temporário tem o inconveniente geral de impedir a criação de postos de trabalho permanentes, visto que se contrata por um determinado tempo específico e posteriormente quando a empresa não pretende a prestação do serviço, rescinde o contrato que efectuou com a empresa que lhe facultou os trabalhadores.
Conforme Xxxxx do Rosário Palma Ramalho35 nos alerta, no trabalho temporário devem-se distinguir pelo menos quatro situações:
- O contrato de trabalho com local diluído ou plurilocalizado, esta situação verifica-se quando a actividade laboral não é efectuada num local específico, mas sim em vários pontos. Neste caso, o trabalhador tem um contrato de trabalho uno que o liga à sua empresa, sendo esta a exercer os poderes laborais. O facto de o trabalhador desenvolver a sua actividade num local controlado por outra instituição, não o subordina a essa mesma empresa. Alguns exemplos desta situação, são os motoristas, os vigilantes ou mesmo as empresas de serviço de limpeza.
- Situações de deslocação temporária do trabalhador para locais diferentes das instalações da empresa, ou seja, quando o trabalhador que está vinculado a uma determinada empresa, executa a sua actividade profissional noutro local sem ser o da empresa. Situações que podem reconduzir à mobilidade geográfica ou mobilidade funcional.
- A cedência ocasional de trabalhadores, esta situação verifica-se quando uma determinada empresa “empresta” o seu trabalhador a outra, ou seja, trata-se de uma transferência temporária do trabalhador pertencente à empresa X, para a empresa Y, onde irá prestar a mesma actividade. Os poderes laborais são exercidos pela empresa Y através de um acordo especial, no entanto, o trabalhador continuará a pertencer à empresa X onde desenvolvia a mesma actividade que foi efectuar para a empresa Y. É de salientar também, que X não é uma empresa de trabalho temporário.
- Trabalho a termo, há que diferenciar do trabalho temporário, ou seja, enquanto que o trabalho a termo ainda é uma relação bipartida e que não existe qualquer desdobramento dos poderes laborais, o trabalho temporário apresenta-nos uma relação tripartida e a existência um desdobramento dos poderes laborais. No entanto, ambas não deixam de ser duas figuras que correspondem ao mesmo tipo de necessidades e possuem muitas afinidades de regime.
35 Assunto retratado na obra de Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Direito do Trabalho Parte II – Situações
O regime jurídico do trabalho temporário (LTT), constante do DL º 358/89, de 17 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 146/99, de 1 de Setembro, regula dois contratos que estão envolvidos na prestação de trabalho temporário:
- Contrato para prestação de trabalho temporário: segundo o art. 2º, alínea d) da LTT, o contrato para prestação de trabalho temporário é um contrato de trabalho celebrado entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador, com vista à prestação de trabalho temporário pelo primeiro para uma ou mais empresas utilizadoras e pode ser celebrado por tempo indeterminado ou a título temporário (art. 17º nº 1 da LTT). A ideia que ficamos é que não existe um elo negocial directo entre o trabalhador temporário e o utilizador. Embora temos a noção de que o trabalhador temporário tem necessidade de se integrar no seio da empresa que o vai acolher, visto que, este terá de conhecer as regras de trabalho, assim como, os comportamentos aí vigentes, pois é onde irá exercer a sua actividade. Daí dizer-se que o contrato de trabalho tem uma componente organizacional necessária.
- O Contrato de utilização de trabalho temporário: segundo o art. 2º, alínea e) da LTT é o acordo celebrado entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, com vista ao fornecimento de trabalhadores temporários pela primeira à segunda. A duração do trabalho é limitada entre 6 a 12 meses, sendo admitido o facto de se poder renovar enquanto existir uma causa plausível (art. 9º nºs 2 a 8 da LTT). Por outro lado, caso o trabalhador permanecer no serviço decorridos 10 dias sobre a cessação do contrato de utilização, passa a ser considerado como trabalhador por tempo indeterminado do utilizador (art. nº 10 da LTT). A Lei só admite o recurso a este tipo de contrato nas hipóteses previstas no art. 9º da LTT, ou seja, necessidades de substituição de trabalhador, acréscimo temporário ou excepcional da actividade, actividades sazonais e necessidades intermitentes de trabalhadores. Este tipo de contrato deve de ser reduzido a escrito e conter obrigatoriamente as menções constantes do art. 11º da LTT, na sua falta o contrato passa automaticamente a ser contrato por tempo indeterminado celebrado entre o utilizador e o trabalhador.
Laborais Individuais (2006), pág. 268 e ss.
3.5. Trabalhadores com Deficiência ou Doença Crónica
O código acaba por não definir, ou mesmo dar pouca importância a este conceito, isto porque, segundo o artigo 85º do CT afirma que “o trabalhador com deficiência ou doença crónica é titular dos mesmos direitos e está adstrito aos mesmos deveres dos demais trabalhadores no acesso a emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho”. Esta afirmação de igualdade de tratamento para Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx é algo infeliz, visto que, a igualdade não consiste em tratar de modo igual o que é desigual. Contudo e pela primeira vez na legislação portuguesa prevê-se um regime especial, ainda que relativamente limitado, para esses trabalhadores.
O trabalhador deficiente ou com doença crónica não é obrigado a prestar trabalho suplementar (art. 87º do CT). Por outro lado, dispensa-se o trabalhador com deficiência ou doença crónica de prestar trabalho nocturno, isto é, para este efeito, entre as 20 horas e às 7 horas do dia seguinte e do regime da adaptabilidade, mas apenas se for apresentado atestado médico do qual conste que tal prática pode prejudicar a saúde ou segurança no trabalho. Prevê-se também através do art. 86º do CT que o dever do empregador de adoptar medidas adequadas para que uma pessoa portadora de deficiência ou doença crónica possa ter acesso ao emprego, possa exercer as suas funções e progredir na sua carreira, bem como receber formação profissional, excepto se tais medidas implicarem encargos desproporcionados para o empregador. “Trata-se de medidas modestas, modéstia esta que resulta patente da comparação com outras leis, como a lei francesa em que as empresas com certa dimensão são obrigadas a contratar uma certa percentagem de trabalhadores deficientes”.36
3.6. Teletrabalho
Segundo o artigo nº 165º do Código de Trabalho, considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa do empregador, e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação. Ou seja, o teletrabalhador tem os mesmos direitos e está adstrito às mesmas obrigações dos
trabalhadores que não exerçam a sua actividade em regime de teletrabalho tanto no que se refere à formação e promoção profissionais como às condições de trabalho.
A designação desta modalidade surgiu do facto do teletrabalho ser suportado pelos avanços tecnológicos na área da informática e dos meios de telecomunicações, digamos que é um fenómeno emergente da sociedade moderna.
“O fenómeno do teletrabalho corresponde a uma forma de trabalho cuja especificidade decorre da conjugação de um factor geográfico e de um factor funcional: o factor geográfico é a separação espacial entre o trabalhador e as instalações da empresa (o teletrabalho é, por definição, um trabalho à distância); o factor funcional é o tipo de prestação laborativa desenvolvida, que passa pelo recurso intensivo a tecnologias de informação e de comunicação entre o teletrabalhador e o credor da sua prestação.”37
Neste tipo de trabalho também é necessário que se estipulem certas formalidades, e de acordo com o artigo nº 166ºdo Código de Trabalho, do contrato para prestação subordinada de teletrabalho devem constar as seguintes indicações: a identificação dos contraentes; cargo ou funções a desempenhar, com a menção expressa do regime de teletrabalho; duração do trabalho em regime de teletrabalho; actividade antes exercida pelo teletrabalhador ou, não estando este vinculado ao empregador, aquela que exercerá aquando da cessação do trabalho em regime de teletrabalho, se for esse o caso; propriedade dos instrumentos de trabalho a utilizar pelo teletrabalhador, bem como a entidade responsável pela respectiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização; identificação do estabelecimento ou departamento da empresa ao qual deve reportar o teletrabalhador; e ainda a identificação do superior hierárquico ou de outro interlocutor da empresa com o qual o teletrabalhador pode contactar no âmbito da respectiva prestação laboral.
36 J.M.V. Xxxxx, Direito do Trabalho Volume I Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 454
37 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 277
Em relação aos instrumentos de trabalho, e na ausência de qualquer estipulação contratual, presume-se que esses mesmos instrumentos utilizados pelo teletrabalhador no manuseamento de tecnologias de informação e de comunicação constituem propriedade do empregador, a quem compete a respectiva instalação e manutenção, bem como o pagamento das inerentes despesas. Por outro lado, o teletrabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos equipamentos e instrumentos de trabalho, salvo acordo em contrário, o teletrabalhador não pode dar aos equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe forem confiados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho.
Resumindo, esta modalidade de contrato de trabalho engloba vários aspectos fundamentais, nomeadamente o recurso intensivo a tecnologias informáticas ou telemáticas, o facto de ser uma actividade realizada à distância, o local de trabalho poderá ser o domicílio do próprio teletrabalhador ou em instalações disponíveis para o efeito, o tipo de comunicação entre teletrabalhador e o credor da actividade, o grau de autonomia do teletrabalhador do desempenho da sua actividade, etc.
“Relativamente à situação jurídica do teletrabalhador, vigora um princípio geral de igualdade de tratamento em relação aos restantes trabalhadores. (art. 169º do CT). A lei preocupa-se, em particular, com a regulamentação dos aspectos do estatuto do teletrabalhador que o colocam em situação de desvantagem relativamente ao trabalhador subordinado comum. Estes aspectos são os seguintes:
- a garantia da reserva da privacidade do teletrabalhador, designadamente quando ele trabalhe no seu domicilio (art. 170º);
- a garantia da segurança, da saúde e da higiene do local de trabalho;
- a salvaguarda da boa utilização dos instrumentos de trabalho e o reforço do dever de custódia em relação a esses instrumentos, que se presumem pertencer ao empregador; a limitação dos tempos de trabalho de modo a salvaguardar o direito do trabalhador ao descanso e à vida familiar;
- o direccionamento da formação profissional do teletrabalhador para o domínio especifico das tecnologias de informação (art. 169º nº 1);
- a garantia da participação e representação colectivas destes trabalhadores (art. 171º), bem como, secundariamente, o favorecimento dos seus contactos com a empresa e com os demais trabalhadores”.38
3.7. Intermitente
Esta é a mais recente modalidade do contrato de trabalho que surgiu em Portugal. Recentemente aprovada, vem estipulada no art. 157º do novo Código de Trabalho e é apelidada por Contrato de Trabalho Intermitente. Trata-se de um contrato de trabalho com períodos de inactividade remunerada.
A sua característica principal é a de que os trabalhadores pertençam aos quadros da empresa, mas apenas prestam trabalho durante uma parte do ano, mantendo o vínculo laboral durante o resto do tempo. Isto é, conforme o exposto no art. 159º, as entidades patronais poderão impor contratos com a “duração da prestação de trabalho de modo consecutivos ou intercalado”, sendo apenas obrigadas a garantir “seis meses de trabalho consecutivos a tempo completo por ano”.
Esta modalidade de trabalho só pode ser admissível em empresas que exerçam actividade com descontinuidade ou intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inactividade. Este contrato de trabalho intermitente não pode ser celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário.
Segundo o art. nº 158º do novo CT, o contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita obrigatória e deve conter a identificação, assinaturas e domicilio ou sede das partes; indicação do número anual de horas de trabalho ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo.
38 M.R.P. Ramalho, Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, Edições Almedina, 2006, pág. 283
Quando não tenha sido observada a forma escrita, ou na falta da indicação dos dados acima indicados, considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade.
Neste caso, as partes estabelecem a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e o termo de cada período de trabalho, ou a antecedência com que o empregador deve informar o trabalhador do início daquele, o qual nunca pode ser inferior a 20 dias. Esta prestação de trabalho não pode ser inferior a seis meses a tempo completo, por ano, dos quais pelo menos quatro meses devem de ser consecutivos.
Como todas as modalidades de contrato, também este apresenta direitos do trabalhador, ou seja, durante o período de inactividade, o trabalhador tem direito a compensação retributiva em valor estabelecido na regulamentação colectiva de trabalho, ou na falta desta, a 20% da retribuição base, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição. Os subsídios de férias e de Natal são calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior.
Durante o período de inactividade, o trabalhador pode exercer outra actividade, por outro lado, durante esse mesmo período, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.
“É evidente que o que se pretende é reduzir as despesas da entidade patronal à custa dos trabalhadores mantendo-os sempre disponíveis para a empresa, pois apesar de se estabelecer que ele poderá trabalhar quando não estiver a tempo completo, será muito difícil ao trabalhador encontrar trabalho que se encaixe perfeitamente quando a entidade patronal não precisar dele. O contrato intermitente poderá até beneficiar empresas como a Autoeuropa que poderão recorrer para fazer face às oscilações do mercado no lugar da troca de dias não trabalháveis.”39
39 Retirado da Internet xxxx://xxxxxxxx.xxxx/x_xxxx/xxxx_xxxxxx_xxxxxxxx.xxxx em 23-11-2008
Esta modalidade de contrato também é nova para o sistema italiano e é fornecido em duas formas: com ou sem obrigação de pagar uma indemnização de disponibilidade, dependendo se o trabalhador optar por ser ou não vinculado à chamada.
“Il contratto di lavoro intermittente (o a chiamata) è un contratto di lavoro mediante il quale un lavoratore si pone a disposizione del datore di lavoro per svolgere determinate prestazioni di carattere discontinuo o intermittente (individuate dalla contrattazione collettiva nazionale o territoriale) o per svolgere presyazioni in determinati periodi nellárco della settimana, del mese o dellánno (individuati dal Dlgs 276/2003) 40 ”.
Em Itália, o objectivo deste contrato de trabalho é a regularização da prática dos chamados trabalhos lei, usado até hoje para os pedidos de trabalho, mas não com carácter ocasional intermitente. Representa também uma outra possibilidade de inserção ou reinserção de trabalhadores no mercado de trabalho.
Em suma, os aspectos mais importantes a salientar desta nova modalidade são: tratar-se de um contrato de trabalho com períodos de inactividade remunerada; só as empresas que exerçam actividade com descontinuidade ou intensidade variável é que podem usufruir deste tipo de contrato (art. 157º nº 1 do CT); é um contrato por tempo indeterminado (art. 157º nº 2 do CT); obriga-se à forma escrita (art. 158 do CT); o período de trabalho não pode ser inferior a 6 meses por ano, a tempo completo, sendo menos 4 meses consecutivos; a compensação retributiva nos períodos de inactividade é efectuada com base no que vem estipulado no IRCT ou na sua falta, 20% da retribuição base, paga com periocidade da retribuição; durante o período de inactividade o trabalhador poderá exercer outra actividade.
4. Direitos Fundamentais dos Trabalhadores
4.1. Noção
Definir Direitos Fundamentais é uma tarefa complexa, que tem sido objecto de inúmeros estudos na Doutrina ao longo dos tempos. A importância dos Direitos fundamentais no âmbito do contrato de trabalho tem merecido atenção especial em todos os ordenamentos jurídicos pelo significado e alcance no conteúdo da regulamentação laboral.
Relacionar contrato de trabalho e direitos fundamentais subentende uma conciliação entre ambos que é por si mesma antagónica com a concepção liberal dos mesmos. Os direitos fundamentais eram relevantes apenas nas relações entre particulares e o estado, de acordo com a concepção jusnaturalista, pois o Homem pelo simples facto de o ser possui um conjunto de direitos inerentes à sua natureza que são anteriores.
“Em Inglaterra, o processo de fundamentalização, positivação e posteriormente a constitucionalização dos direitos e liberdades teve início na Petição dos Direitos, de 1628, seguida da Declaração de Direitos de 1689, e num conjunto de actos do Parlamento entre os quais se conta o célebre Habeas Corpus Act de 1679. A tradição inglesa, depois americana, e em seguida francesa, iria qualificar de “constitucionais” esses direitos e liberdades jusfundamentais reconhecidos a cada cidadão numa determinada ordem jurídica individual e concreta. “Essas liberdades, qualificadas entre nós de direitos, liberdades e garantias possuem carácter individual, e constituem-se como direitos de defesa do cidadão face ao Estado de que são nacionais.”41
“Os direitos fundamentais triunfaram politicamente nos fins do século XVIII com as revoluções liberais. Aparecem, por isso, fundamentalmente, como liberdades, esferas de autonomia dos indivíduos em face do poder do Estado, a quem se exige que se abstenha, quanto possível, de se intrometer na vida económica e social, como na vida pessoal. São
40 Retirado da Internet xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx em 30-05-2009
41 Xxxxxxxx X. X. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral). FDUP, Coimbra Editora, 2002, pág. 13
liberdades sem mais, puras autonomias sem condicionamentos de fim ou de função, responsabilidades privadas num espaço auto determinado.”42
No Século XIX, o princípio da soberania nacional limitou e impôs o respeito desses direitos unicamente ao Estado, que assim os reconhecia e instituía. Mais tarde, em pleno século XX, assistimos à proliferação de numerosas convenções de carácter universal ou regional: a Declaração Universal do direitos do Homem, adoptada pela Assembleia Geral da ONU, em 10 de Dezembro de 1948, a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, e os seus diversos protocolos adicionais, os Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Económicos e Sociais, de 1966, a Carta Americana dos Direitos do Homem, de 1981, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 28 de Junho de 1981 ou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O objectivo dessas declarações, convenções ou cartas é o facto de obrigar os Estados que as ratificaram a respeitar dentro do seu território os direitos por estas proclamados, nascendo assim uma nova ordem jurídica da natureza supranacional.
“O Tribunal Constitucional Federal alemão foi ainda mais longe: declarou, pura e simplesmente, que o princípio da dignidade da pessoa humana detinha valor supra- constitucional, impondo-se, a esse título, ao próprio poder constituinte, isto é, ao próprio Xxxx Xxxxxx. Nisto radica o estatuto da cidadania como “poder de acção” e não unicamente como simples “estatuto jurídico” que liga o cidadão ao Estado de que é nacional.”43
4.2. Breve resenha histórica em Portugal
Em Portugal verificou-se um período liberal de 1822 a 1926, caracterizado por rupturas, avanços e retrocessos, que corresponde à implantação e fraca consolidação entre nós do regime constitucional. Aqui salienta-se a ordenação dos direitos em torno da ideologia liberal clássica: liberdade, segurança e propriedade, interrompida, na vigência da Carta de
42 X.X.X. xx Xxxxxxx, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª Edição, Edições Almedina, 2007, pág. 51
43 Xxxxxxxx X. X. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral). FDUP, Coimbra Editora, 2002, pág. 17
1826, pela ordenação do catálogo dos direitos depois da organização do poder político. Neste período os direitos fundamentais ainda não são vistos como princípios gerais objectivos da ordem jurídico-constitucional. Com ao aparecimento da República, já se começam a verificar tentativas de uma teorização mais séria dos direitos, essencialmente face à sua contra parte estadual. A sua validade jurídica é reconhecida.
Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926 até ao termo de vigência da Constituição de 1933, assistiu-se a um período de retrocesso autoritário, marcado pela ultrapassagem do Estado liberal em favor de um Estado corporativo. Ao catálogo de direitos onde estavam englobados os direitos liberais (pessoais, civis e políticos) junta-se agora o catálogo de direitos económicos e sociais, fruto da ideologia corporativista e intervencionista do Estado Novo. Assiste-se também a uma separação nos direitos liberais entre o conceito de direito e a sua limitação, pelo recurso a uma regulamentação legal.
Com a Revolução de 25 de Abril de 1974 inicia-se um novo período marcado pela aprovação da Constituição de 1976. Agora, no catálogo dos direitos fundamentais vamos encontrar os chamados direitos, liberdades e garantias clássicos; liberdades e garantias dos trabalhadores e também os direitos económicos, sociais e culturais. É também reintroduzida a cláusula aberta dos direitos fundamentais do constitucionalismo de 1911 e uma referência expressa da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O sistema de justiça constitucional é restaurado.
Mas é de salientar, que o destinatário de alguns desses direitos não é somente o Estado, mas ainda a grande generalidade dos cidadãos, uma vez que versam sobre direitos dos consumidores, da família, da paternidade, da maternidade, etc. Isto porque, num sistema constitucional pluralista, as normas que consagram os direitos económicos, sociais e culturais devem-se assumir como normas abertas, de forma a proporcionarem diversas concretizações. Deste modo é feita uma distinção entre Direitos, Liberdades e Garantias: Direitos stricto sensu que correspondem uns ao chamado status positivus e outros ao status activus, ou seja, direitos inerentes ao homem como individuo ou como participante na vida pública; Liberdades que equivalem ao status negativus direccionados para a defesa da esfera dos cidadãos perante os poderes públicos; e, Garantias que se inserem no status
activus processualis, ou seja, na ordenação dos meios processuais adequados para a defesa desses direitos e liberdades no seu conjunto.
Desta forma os direitos fundamentais são vistos como parte integrante de uma “sistema de valores”, objectivo e plural, que deve ser respeitado e optimizado.
“O Tribunal Constitucional procede a uma interpretação, intensiva e extensiva, do catálogo dos direitos fundamentais, erigindo-se em órgão central do Estado de direito democrático. Procede à criação e descoberta de “novos” direitos fundamentais, consolida a consciência democrática dos cidadãos, e procede, dentro dos limites que lhe foram apostos, à consolidação do Estado constitucional.”44
Direitos de autonomia, personalidade e privacidade são alguns exemplos desses novos direitos fundamentais, descobertos, pois se recorrermos à Constituição de 1976 no seu artigo nº 26 o “direito de protecção e reserva da intimidade da vida privada e familiar”. Posteriormente, e já em 1997 com a Revisão Constitucional juntaram-se mais dois direitos, o direito à identidade pessoal e o direito ao desenvolvimento da personalidade. Ou seja, passou a existir uma maior preocupação com a vida privada do ser humano que abrange: a vida pessoal, a vida familiar, a amizade, o domicílio ou lar, e os meios de expressão e comunicação privados (cartas e comunicações). Para o tribunal constitucional a vida privada passa a ser uma jurisdição inviolável só podendo ser invadida com a respectiva autorização do titular.
Os direitos fundamentais constituem um verdadeiro sistema de valores dirigidos para a maioria dos cidadãos com estatuto jurídicos de direitos constitucionais.
“Os direitos são vistos como trunfos de um jogo no qual os indivíduos apresentam as suas pretensões jurídicas face às supra-vantagens que se retiram de uma defesa dos fins colectivos gerais”.45
44 J.J.G. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1999, pág. 381
45 Xxxxxxxx X. X. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral). FDUP, Coimbra Editora, 2002, pág. 73
Assistimos hoje a um debate intenso sobre o confronto entre os interesses empresariais e os direitos e liberdades e garantias dos trabalhadores que se revelam em situações da vida privada do trabalhador no direito autodeterminação da sua imagem, a liberdade de expressão, etc. e que condicionam o conteúdo do próprio contrato de trabalho.
Subjaz a ideia que a dignidade do trabalhador exige que além dos direitos económicos se respeitem sobretudo os direitos fundamentais da pessoa humana e que estes direitos constituem um limite incontornável aos poderes da entidade patronal.
A dignidade humana continua a ser o ponto de partida desses direitos, mas actualmente ela é vista como sendo o livre desenvolvimento da personalidade do ser humano que vive em sociedade e que perante ela é responsável. Sendo o homem um ser eminentemente social só se desenvolve e realiza em sociedade, o que levanta a questão dos limites à sua liberdade individual. Ou seja, a sua liberdade e os seus direitos fundamentais têm naturalmente como limites a esfera de direitos dos outros com quem se relaciona.
4.3. Direitos Fundamentais e o Contrato de Trabalho
Podemos afirmar que os direitos fundamentais devem aplicar-se também nas relações entre os particulares, designadamente contra os indivíduos que disponham de uma situação real de poder, como é o caso do empregador relativamente ao trabalhador. No próprio contrato de trabalho, a aplicação directa desses direitos é uma consequência natural da sua própria estrutura, surgindo aliás, na linha lógica de desenvolvimento deste ramo do direito. O desequilíbrio económico, social e jurídico existente entre as partes impõe a vinculação do empregador aos direitos fundamentais, dado a empresa não ser um mundo à parte, onde os princípios fundamentais do ordenamento jurídico, centrados na dignidade da pessoa humana, pudessem ser impunemente afastados.
Face ao conflito de interesses da entidade patronal e do trabalhador o Direito de trabalho surge como um direito de compromisso, ou seja, a expressão de um equilíbrio entre estes interesses contraditórios. De facto, as partes contratantes encontram-se à partida numa situação de desigualdade resultante da necessidade por vezes imperiosa do trabalhador celebrar o contrato para adquirir meios de subsistência. “Afirmar que todos os homens
nascem e são livres e iguais em direitos, ou proclamar como valores a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, fica na verdade, desprovido de sentido perante as contradições de base existentes na relação laboral.”46
A Doutrina é unânime em reconhecer que a relação entre o contrato de trabalho e os direitos fundamentais implica que o trabalhador é totalmente livre na sua esfera de direitos que não colidam com a execução do seu contrato.
“Na empresa, a liberdade civil do trabalhador encontra-se pois, protegida contra limitações desnecessárias, só podendo os poderes patronais limitar os direitos fundamentais dos trabalhadores na medida do que for estritamente necessário ao bom funcionamento da empresa e à execução do contrato. O problema é de conflito de direitos, de ponderação em concreto dos interesses em causa, ao fim e ao cabo, de concordância prática entre todos esses interesses. Perante cada situação concreta e todas as suas circunstâncias, deverá averiguar-se até que ponto estão em jogo direitos fundamentais e, em caso afirmativo, recorrer às regras sobre conflitos de direitos, isto é, à ponderação de todos os interesses em presença.”47
Do exposto resulta que o círculo de direitos inerente à personalidade individual do trabalhador, o acompanham desde a nascença e se mantêm inalterados independentemente dos negócios jurídicos celebrados no âmbito do direito de trabalho. Ou seja, o facto de um ser humano celebrar um contrato de trabalho acrescenta-lhe um conjunto de direitos e obrigações sem que os seus direitos fundamentais sejam postos em causa.
4.4. Exemplo de Direitos Fundamentais
Todos os Direitos Fundamentais do ser humano, tanto como pessoa como trabalhador, vêm consagrados no texto constitucional.
46 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pág. 206
47 J.J. Abrantes, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pág. 211
Vejamos pois os direitos fundamentais do trabalhador expressos na Constituição. Nos termos do artigo 59º da CRP todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando- se o principio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma exigência condigna;
b) À organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) À prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d) Ao repouso, aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f) À assistência e justa reparação, quando vitimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenham
actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas.
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f) A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores-estudantes;”
Estes direitos são concretizados pela legislação laboral ordinária, que nos diversos institutos jurídicos os desenvolvem e completam. Vejamos a título de exemplo:
-O regime jurídico do trabalhador estudante previsto nos artigos 89º e seguintes do Código de Trabalho vem responder ao direito fundamental consagrado no artigo 43º da CRP quanto à liberdade de aprender.
-por outro lado, temos também o direito fundamental ao repouso, previsto no art. 59º nº 1
d) da CRP que se concretiza no regime jurídico da duração do tempo de trabalho regulado nos artigos 197º e seguintes do CT, com regime especial para os trabalhadores menores (artigo 78º e seguintes do CT) e para as trabalhadoras grávidas (artigo 54º do CT), bem como no regime jurídico das férias (artigo 237º e seguintes) feriados (artigo 234º e seguintes do CT).
-o direito à retribuição (artigo 59º da CRP) conhece especial desenvolvimento nos artigos 258º e seguintes do Código de Trabalho, com um regime específico previsto nos artigos 273º e seguintes do CT, relativamente à retribuição mensal garantida.
-o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificante, de forma a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; implica um regime jurídico previsto no artigo 33º e seguintes do CT, cada vez mais aperfeiçoado, fruto da transposição das directivas comunitárias sobre a parentalidade, o novo instituto jurídico que reconhece o papel social da família na sociedade.
O regime jurídico Espanhol não é muito diferente do nosso, subdividindo os direitos fundamentais em duas grandes partes consoante a sua origem: os que são regidos pela Constituição (nomeadamente todos aqueles que estão previstos no seu artigo 19) e os “fuente legal” – fontes jurídicas, ou seja, corresponde a um direito que não é objecto de represálias laborais (direito à indemnização do trabalho) criado pela Lei 20.087.
Debrucemo-nos agora sobre alguns exemplos de direitos fundamentais protegidos pela Constituição Espanhola: o direito à vida (art. 19º nº 1), direito à integridade física e mental (art. 19º nº 1), direito à privacidade e respeito pela vida privada (art. 19º nº 4), o direito à honra, direito à inviolabilidade de todas as formas de comunicação privada (art. 19º nº 5), o direito à liberdade de consciência, de expressão das crenças e livre exercício da religião (art. 19º nº 6), o direito à liberdade de expressão, de opinião e de informação sem censura prévia (art. 19º nº 12, primeiro parágrafo), direito à liberdade de trabalho e sua contratação (art. 19º nº 16 primeiro e quarto parágrafos), direito à não discriminação (art. 2º do Código del Trabajo).
Em Espanha, tal como em Portugal, uma das grandes preocupações é sem dúvida o cumprimento e o respeito dos direitos fundamentais dos trabalhadores. A Doutrina tem-se pronunciado sobre este tema de forma abundante. Para Xxxx Xxxx Xxxxxx Cataldo “Como há destacado la doctrina, la garantia de indemnidad vedaria al empresário la posibilidad de ocasionar daño por el simple hecho de formular el trabajador una reclamación de derechos, pudiendo revestir los mecanismos de represália empresarial distintas modalidades, como son las nos renovaciones contractuales, discriminaciones retributivas, modificaciones de condiciones de trabajo, traslados, sanciones disciplinarias y despidos”.48
4.5. A Aplicação Judicial
O fenómeno da constitucionalização dos direitos fundamentais implica a fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade de normas jurídicas por acção ou omissão.
48 Revista de derecho , Vol XX, nº 2 Diciembre 2007 «La tutela de derechos fundamentales y el derecho del trabajo: de Xxxxx a Zorro.
A Jurisprudência do Tribunal Constitucional é muito rica nesta matéria ajudando a interpretar os direitos fundamentais e, conferindo-lhes aos direitos fundamentais um “conteúdo jurídico objectivo”49.
Como poderemos analisar em alguns exemplos de Acórdãos anexados, a Jurisprudência tem um papel muito importante nas decisões judiciais sobre a aplicação dos direitos fundamentais.50
“Seja como for, a intervenção do juiz possibilita introduzir no sistema jurídico considerações relativas à oportunidade, à justiça e ao interesse geral, que numa perspectiva positivista, parecem alheias ao direito”51.
Digamos então que, a actuação das regras e princípios jurídicos compreende quer a sua interpretação quer a sua aplicação, visto que, a norma que o juiz aplica e que se apresenta como resultado da interpretação, não é apenas uma mera interpretação, mas também uma criação do direito pois afasta as interpretações concorrentes que se lhe opõem. A interpretação autêntica, como função da vontade, consiste numa escolha e posterior decisão, entre todos os significados possíveis do texto da norma que se apresenta como objecto da interpretação.
A norma que o Juiz aplica é o resultado da interpretação que ele fez da situação que lhe foi apresentada. Essa mesma interpretação tem por base os princípios jurídicos e a actuação das regras, e é vista também como uma criação do direito, visto que afasta todas as outras interpretações concorrentes que se lhe opõem. O juiz em primeiro lugar efectua uma escolha de todos os princípios que são pertinentes à situação em causa e posteriormente toma uma decisão entre todos os significados possíveis do texto dessa mesma norma que é apresentada como objecto de interpretação.
49 Xxxxxxxx X. X. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral). FDUP, Coimbra Editora, 2002, pág. 187
50 Ver exemplos de Acórdãos Constitucionais anexos, nomeadamente o acórdão nº XX000000000000000 do Tribunal da Relação do Porto, acórdão nº 73/00 da 3ª secção do Tribunal Constitucional, acórdão nº 83/00 da 1ª secção do Tribunal Constitucional, acórdão nº 229/98 da 1ª secção do Tribunal Constitucional. Reportam situações que aconteceram na esfera laboral e que estão relacionados com este tema.
51 Xxxxxxxx X. X. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral). FDUP, Coimbra Editora, 2002, pág. 187
“Os tribunais procuram fundamentar as suas decisões e não as impor por via autoritária. Fundamentar as decisões para faze-las beneficiar de um consenso: o das partes, o das instâncias superiores e, por fim, o da própria comunidade interpretativa. É deste modo, que a administração da justiça num Estado democrático resulta de uma confrontação de valores, o que implica cooperação e diálogo entre poder legislativo e o poder judicial.”52
52 Xxxxxxxx X. X. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral). FDUP, Coimbra Editora, 2002, pág. 190
5. Conclusão:
De todo o exposto ressalta a ideia que o indivíduo antes de ser trabalhador, é uma pessoa, e como pessoa é sujeito de direitos fundamentais que lhe são inerentes desde o seu nascimento. É o caso por exemplo do direito à vida, do direito à saúde, do direito à dignidade, do direito à liberdade, etc.
A Constituição consagra a ideia que o trabalhador é um ser humano cujos direitos fundamentais não podem ser sacrificados aos interesses empresariais. O Direito de Trabalho veio reforçar a garantia dos direitos fundamentais concretizando-os em normas jurídicas de carácter injuntivo, limitando a liberdade contratual das partes por forma a garantir uma igualdade material inexistente.
Perante os conflitos de interesses da entidade patronal e do trabalhador teremos de fazer uma ponderação cuidadosa de forma a evitar que sob o pretexto de uma maior competitividade empresarial ou necessidade de uma maior flexibilização da legislação laboral se coloquem em risco os direitos fundamentais dos trabalhadores.
A Doutrina é unânime em considerar que a limitação dos direitos fundamentais dentro da empresa tem carácter verdadeiramente excepcional, devendo obedecer a um princípio de proporcionalidade entre o interesse empresarial em jogo e a garantia dos direitos do trabalhador.
Podemos dizer que o trabalhador é livre em relação a tudo que não diga respeito à concretização do seu contrato. Ou seja, a esfera pessoal do trabalhador é sempre inviolável constituindo um limite aos poderes da entidade patronal.
Actualmente deparamo-nos com uma das maiores crises económicas e financeiras a nível mundial, que para além de outras manifestações, se traduz num aumento da precariedade laboral e de desemprego. Perante este cenário coloca-se a questão do caminho a seguir: devemos optar por uma maior flexibilização da legislação laboral ou uma maior protecção do trabalhador?
Apesar do debate que o tema tem suscitado parece-nos indiscutível que o caminho a seguir deverá ser no sentido de uma maior aposta na protecção dos trabalhadores consolidando os
direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e valorizando a faceta pessoal do trabalhador e a necessidade de este se realizar na plenitude dos seus interesses.
Não esquecendo a importância dos interesses económicas da empresa estes nunca poderão pôr em causa a dignidade individual dos trabalhadores.
6. Bibliografia:
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Tribunal Constitucional Poxxx, 0000, Xxxxxxx xº XX000000000000000, Acedido a 16/12/2008 em xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx?XxxxXxxxxxxx
Tribunal Constitucional Poxxxxxx, 0000, Xxxxxxx xº 229/98, Acedido a 16/12/2008 em xxxx://x0.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx0.xxx
Tribunal Constitucional Poxxxxxx, 0000x, Xxxxxxx xº 83/00, Acedido a 16/12/2008 em xxxx://x0.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx0.xxx
Tribunal Constitucional Poxxxxxx, 0000x, Xxxxxxx xº 73/00, Acedido a 16/12/2008 em xxxx://x0.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxx/xxxxxxxxx0.xxx
7. Anexos
1. Acórdãos do Tribunal Constitucional
Vejamos então alguns exemplos de acórdãos relacionados com o presente trabalho, mais propriamente com alguns casos de contratos de trabalho retirados de Tribunal Constitucional Portugal (1998, 2000a, 2000b) e da DGSI (2008).
1.1. Acórdão nº XX000000000000000
“Processo nº 0746619
Relator: XXXXXXXXX XXXXXXX
Descritores: Contrato de Trabalho a Termo (Adenda)
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
1. - Relatório
B………., instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho contra C………., SA, pedindo seja condenada a ré a reintegrá-lo, bem como a pagar-lhe as prestações salariais vencidas e vincendas até decisão final, acrescidas de juros desde o despedimento até à mesma. Para tanto, alegou, resumidamente, que, tendo estado, ao serviço da ré, através de vários contratos a prazo, foi feito uma adenda a um deles sem da mesma constar qualquer razão para além da de que o trabalhador não tinha ainda encontrado emprego compatível. Tal justificação não é válida, convertendo-se em contrato sem termo. E, para além disso, posteriormente veio a ré a celebrar novo contrato a prazo com o autor, que rescindiu, alegando estar no período experimental, em abuso do direito, pois que o autor lhe prestava serviço desde 2000.
A Ré contestou dizendo que, tratando-se de contratação de trabalhador à procura do primeiro emprego, constitui justificação bastante a que consta dos contratos dos autos, sendo a “Adenda” uma mera prorrogação do contrato e não um novo contrato. Sendo assim, é válida tal prorrogação, não se convertendo em contrato sem termo. O autor, ao invocar tal nulidade, consubstancia abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. O contrato que veio a ser rescindido no período experimental era válido quanto aos motivos da sua celebração, existindo na total disponibilidade das partes o direito de operar a aludida rescisão. Conclui pela improcedência da acção.
Procedeu-se a julgamento, tendo-se respondido, sem reclamação, à matéria de facto. Proferida sentença foi a acção julgada totalmente improcedente, tendo a ré sido absolvida do pedido
Inconformado com essa decisão dela recorre de apelação o autor, concluindo que:
1. O despedimento do apelante deve ser declarado ilícito, com as legais consequências, por:
a) Apelante e apelada celebraram, entre outros, um contrato de trabalho a temo certo em 28 de Abril de 2005
b) Contrato esse que caducou em 27 de Outubro de 2005
c) No dia 20 de Outubro de 2005 apelante e apelada celebraram uma adenda ao identificado contrato prorrogando a sua vigência por mais 4 meses;
d) E, em 8 de Maio de 2006, voltaram a celebrar novo contrato a termo certo:
e) O apelante foi despedido pela apelada em 10 de Maio de 2006, com o argumento do período experimental, o que é um claro abuso de direito;
f) O motivo justificativo da prorrogação não está previsto no elenco do art. 129, do Código do Trabalho, pelo que o prazo é nulo;
g) Sendo nulo o prazo o contrato passou a ser sem termo
h) Tendo sido o apelante despedido sem procedimento disciplinar e sem justa causa, o despedimento é ilícito.
2. Violou, assim, a douta sentença em recurso, os artigos 129, 130 e 131 do CT, bem como o art. 53, da Constituição da República Portuguesa.
2. - Matéria de Facto
Encontram-se provados os seguintes factos.
1.O autor entrou ao serviço da ré em 10 de Abril de 2000, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo de seis meses, cuja cópia se encontra a fls. 24 e que aqui se dá por reproduzido e integrado, contrato cujo termo ocorreu em 09 de Outubro de 2001, após duas renovações.
2. Autor e ré celebraram um segundo contrato, a termo certo, por seis meses em 02 de Maio de 2002, cujo termo ocorreu em 01 de Novembro de 2002, cuja cópia se encontra a fls. 25 e que aqui se dá por reproduzido e integrado.
3. Em 28 de Abril de 2005, autor e ré celebraram novo contrato de trabalho a termo certo por seis meses, cuja cópia se encontra a fls. 26 e que aqui se dá por reproduzido e integrado, contrato esse que veio a ser renovado em 20 de Outubro de 2005, por mais quatro meses, cuja cópia se encontra a fls. 27 e que aqui se dá por reproduzido e integrado, tendo terminado em 27 de Fevereiro de 2006.
4. Em 08 de Maio de 2006, autor e ré celebraram novo contrato de trabalho a termo certo de seis meses, cujo termo ocorreria em 07 de Novembro de 2006, cuja cópia se encontra a fls. 28 e que aqui se dá por reproduzido e integrado.
5. Em 10 de Maio de 2006, a ré comunicou ao autor a rescisão deste contrato, alegando estar no período experimental, de acordo com a carta de fls. 29 e que aqui se dá por reproduzida e integrada.
6. No contrato a termo celebrado a 28.04.2005 (fls. 26), as partes, entre o mais, clausularam o seguinte:
“2ª– O 1.º contraente pagará ao 2.º a retribuição de euros 573,40, mensais, sendo o pagamento efectuado mensalmente.
4ª– O contrato é celebrado ao abrigo da alínea b), do n.º3, do art. 129, pelo prazo de 6 meses, com início em 28.04.2005 e término em 27.10.05 para contratação de trabalhador
à procura de primeiro emprego em virtude do trabalhador procurar emprego efectivo adequado à sua formação e expectativas profissionais, estando disponível para contratação a termo, por um período que estima em 6 meses.
5ª– O 2.º contratante declara ter 26 anos de idade e nunca ter sido contratado por tempo indeterminado, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego.”
7. Por seu turno, na Adenda Contratual de fls. 27, as partes estipularam o seguinte:
“1ª– As partes acordam em prorrogar o contrato a termo celebrado em 28.04.2005, por um período de 4 meses, com início em 28.10.2005, e término em 27.02.2006, em virtude do segundo outorgante não ter, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais, encontrando-se disponível por um período que se estima em 4 meses.”
3. - Direito
De acordo com o preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art. 690, números 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1, n.º 2, alínea a) e art. 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Emergem, assim, como questões a apreciar, aquilatar se:
a. É válida a adenda contratual celebrada entre as partes para prorrogação do contrato a termo celebrado em 28.04.2005.
b. Ocorre abuso de direito na desvinculação do contrato operada pela ré.
3.1. Da validade da adenda contratual celebrada entre as partes para prorrogação do contrato a termo celebrado em 28.04.2005.
De acordo com o art. 140, n.º 2, do Código do Trabalho (CT), “O contrato a termo renova-se no final do termo estipulado por igual período na falta de declaração das partes em contrário”. Daqui resulta, com clareza, que no caso de as partes nada dizerem em contrário, o contrato a termo se renova automaticamente e por igual período ao estipulado. No caso vertente, as partes quiseram a renovação do contrato, mas por prazo diferente do fixado inicialmente, tendo estabelecido, para o efeito, o prazo de 4 meses. Acresce que, conforme resulta do n.º 3 do citado preceito, a renovação do contrato pressupõe a subsistência do motivo que justifica a contratação - estabelecendo o
legislador, no n.º 4, dessa mesma disposição legal, que se considera sem termo o contrato cuja renovação tenha sido feita em desrespeito dos pressupostos indicados.
Ora, se bem atentarmos nos termos do contrato a termo celebrado em 28.04.05, e no teor da referida adenda, não ocorre identidade de fundamento para a contratação do autor. Xxxxxxx, como se viu, foi estipulado como motivo para a contratação, “ … trabalhador à procura de primeiro emprego em virtude do trabalhador procurar emprego efectivo adequado à sua formação e expectativas profissionais, estando disponível para contratação a termo, por um período que estima em 6 meses”. Na adenda estabeleceu-se que: “As partes acordam em prorrogar o contrato a termo celebrado em 28.04.2005, por um período de 4 meses, com início em 28.10.2005, e término em 27.02.2006, em virtude do segundo outorgante não ter, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais, encontrando-se disponível por um período que se estima em 4 meses.”
Como se refere no Acórdão do STJ de 12.07.2007, xxx.xxxx.xx, citado também pela Ex.ª Sr.ª Procuradora Geral - Adjunta, que julgou caso semelhante ao presente, “o motivo invocado na adenda não é o mesmo que foi indicado no contrato. Mais concretamente, foi o facto de o autor ser trabalhador à procura de primeiro que foi indicado como motivo da prorrogação contratual. O que na adenda ficou a constar foi algo bastante diferente. Aí as partes acordam em prorrogar o contrato celebrado em 2001.06.04, pelo período de 12 meses em virtude do segundo outorgante continuar na situação de procurar emprego e não ter, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional.
Naquele normativo não existe a menor referência à situação de primeiro emprego. Apenas se diz que o autor continua na situação de procurar emprego compatível com a sua formação profissional.”
Ora, no presente caso, o motivo integrante da adenda não corresponde ao que foi estabelecido no contrato de 28.04.2005, não se fazendo qualquer menção à situação de primeiro emprego, sendo certo que o motivo agora indicado também não tem correspondência com elenco do art. 129, nº 2, do CT.
A estipulação do termo aposta na adenda é, pois, nula, o que implica se conclua que o contrato foi prorrogado sem termo, convertendo-se em contrato sem termo. Assim, a declaração da ré de 10 de Maio de 2006, a comunicar ao autor a rescisão do contrato de trabalho no âmbito do período experimental equivale, a um despedimento ilícito, visto não ocorrer justa causa, nem ter sido o mesmo precedido do respectivo procedimento disciplinar, art. 396, do CT.
Sendo ilícito o despedimento perpetrado na pessoa do autor, tem o mesmo direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade, art. 436, n.º 1, alínea b), bem como a receber da ré as retribuições a que alude o art. 437, n.º 1, ambos do CT.
Da referida importância é deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento. No presente caso, o autor foi despedida 10.05.2006, mas a acção apenas foi interposta em 15.02.2007. O que significa que as retribuições intercalares são-lhe devidas desde 15.01.2007 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, art. 437, n.º 1, citado. De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, Acórdãos de 20.09.2006 e de 24.01.2007, xxx.xxxx.xx e CJ ASTJ Tomo 2, pág. 249, em termos de liquidação dessas importâncias atender-se-á ao tempo decorrido desde 15.01.2007 até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, 19.06.2007 (fls. 85 e 86), pois a ré ficou impedida de relativamente a esse período de invocar a eventual dedução das importâncias que o autor tenha eventualmente obtido (art. 437, n.º 2), por não ter alegado os factos respectivos, nem na contestação, nem em articulado superveniente, nem se mostrar provada matéria que suporte tal decisão.
Deste modo, assiste para já ao autor o direito a receber o seguinte: Janeiro de 2007 – 17 dias x 19,11 = euros 324,92
Fevereiro a Maio de 1007 – 4x 573,40 = euros 2.293,36 Junho de 2007 – 19x19,11 = euros 363,15
Os demais valores que serão devidos ao autor até ao trânsito deste acórdão serão a liquidar, oportunidade, se for o caso disso
3.2. Da Do abuso de direito na desvinculação do contrato operada pela ré. Tendo nós concluído pela existência de um despedimento ilícito, considera-se prejudicada a análise da presente questão. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre seria de considerar como ilegítima a actuação da ré, pois destinando-se o período experimental a dar conhecimento vividamente às partes, através do funcionamento das relações contratuais, das aptidões do trabalhador e das condições de trabalho[1] e, iniciando-se o mesmo, com o início da execução do contrato de trabalho (art. 104, do CT), dado que no caso em apreço o autor já havia desenvolvido funções de carteiro para ré, nos mesmos serviços postais, durante 16 meses, a ré já conhecia perfeitamente as suas aptidões profissionais, não fazendo qualquer sentido a invocação do período experimental, que em caso não existia (nem fora contemplado no derradeiro contrato de trabalho). Ao invocar a rescisão do contrato ao abrigo do período experimental a ré não agiu com abuso de direito - pois este, como a epígrafe o refere, (art. 334, do Código Civil), pressupõe a existência do direito, embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes, mas antes com violação das regras da boa fé que devem presidir à relação do trabalho, art. 119, do CT.
4. - Decisão
Em face do exposto, nos termos assinalados, concede-se provimento ao recurso do autor, revogando-se a sentença recorrida, pelo que, se condena a ré:
A reintegrar o autor no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade;
A pagar-lhe, a título de salários intercalares, vencidos desde 15.01.2007 até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, 19.06.2007, o valor de euros 3.554,83. O mais que será devido a este título ao autor até ao trânsito em julgado deste acórdão, será a liquidar, oportunamente, se for caso disso.
Xxxxxxxxx das Xxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx Mayor xx Xxxxxxxx (revendo, na sequência dos Acórdãos do STJ de 12.07.07 e de 24.10.07, posição que anteriormente havia adoptado quanto à questão da invalidade da adenda, sufragando-se agora a posição do presente acórdão)
[1] Cfr. Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxx, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 1999, pág. 419.”
1.2. Acórdão nº 73/00
“Processo nº 62/98 3ª Secção
Rel. Cons. Xxxxxxx xx Xxxxx
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - M. A., identificada nos autos, celebrou com o Estado Português (Ministério da Educação), em 8 de Março de 1993, um contrato, designado "contrato de trabalho a termo certo", com início nessa data e termo em 31 e Agosto do mesmo ano, a fim de exercer a sua actividade profissional, na categoria de auxiliar de acção educativa, na escola de S.João do Estoril.
A celebração desse acto foi justificada pela abertura de vaga no quadro, resultante da aposentação de terceiro, tendo, no entanto, a interessada continuado ao serviço do Estado após a data prevista do termo, mais precisamente até 31 de Agosto de 1994, dia em que este último fez cessar o contrato entre ambos celebrado.
declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma sumária, contra o Estado Português, pedindo, além do mais, a declaração de nulidade do despedimento de que fora alvo.
A acção foi contestada pelo Ministério Público, como representante do demandado, e a sentença, oportunamente proferida, em 16 de Setembro de 1996, julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos contra ele deduzidos.
Recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo a nulidade da decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC).
2. - O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Dezembro de 1997, concedeu provimento ao recurso, condenando o Estado Português a reintegrar a autora "no seu posto de trabalho sem prejuízo da antiguidade e a pagar-lhe as prestações pecuniárias vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até integral cumprimento, no valor a liquidar em execução de sentença por não se dispor de elementos para liquidação imediata, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, calculada desde a citação e até integral cumprimento do decidido".
Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade "do nº 3 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição da República, quando interpretado [como foi o caso] no sentido de que os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, são passíveis de conversão em contratos de trabalho sem termo".
Recebido o recurso, alegou o recorrente em termos que assim condensou nas respectivas conclusões:
"1º - A interpretação normativa do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração envolve a própria convertibilidade de tais relações
laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu ‘posto de trabalho’ - admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3º e 14º do citado diploma legal - viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa),
2º - Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via ‘sucedânea’ de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública - permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da ‘convertibilidade’ de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura - propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º - Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo nº 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.
4º - Termos em que deverá julgar-se procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em consonância com o atrás exposto."
A recorrida, por sua vez, alegou de modo a assim concluir:
"1ª- Da conjugação do regime jurídico vertido no Decreto-Lei nº 427/89 e no Decreto- Lei nº 64-A/89, também os contratos de trabalho a termo certo outorgados pelo Estado podem ser convertidos em contratos de trabalho sem termo, por força da aplicação do artº 41º, nº 2 e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89.
2ª- Ora, o contrato de trabalho a termo certo da Xxxxxxxxx converteu-se em contrato de trabalho sem termo, de acordo com o estatuído no art. 41º, nº 2 do citado diploma.
3ª- Tal contrato, embora irregular, é válido sendo a tese da sua nulidade absolutamente insustentável à luz dos princípios e normas constitucionais e legais.
4ª- O douto acórdão sob recurso repôs a legalidade violada, nomeadamente os princípios fundamentais do direito ao trabalho, à segurança no emprego e à igualdade.
5ª- Por outro lado, ao invés do sustentado pelo Recorrente, a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo não colide, de nenhum modo, como o disposto no art. 47º, nº 2 da Constituição da República, já que a Recorrida jamais invocou ou ficou abrangida pelo estatuto dos funcionários públicos e agentes administrativos.
Antes, continua abrangida pela lei geral do trabalho, desprovida, portanto, da qualidade de funcionária pública e de agente administrativo.
6ª- Com o maior respeito, o douto acórdão recorrido não está, pois, eivado de nenhum de natureza constitucional ou legal."
Pede, assim, a improcedência do recurso, mantendo-se o anteriormente decidido. Aguardaram os autos decisão final no processo nº 42/98, cumprindo agora apreciar.
II
Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a apreciação da conformidade com a Constituição da norma do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, serem passíveis de conversão em contrato de trabalho sem termo, estando em causa o nº 2 do artigo 47º da Constituição da República.
Ora, esta questão de constitucionalidade, em idêntica dimensão, foi apreciada recentemente, com intervenção do plenário, por este Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Com efeito, o acórdão nº 683/99, de 21 de Dezembro de 1999, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000, foi, se bem que por maioria, decidido
julgar inconstitucional, "por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, o artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo".
Na sequência do decidido no citado acórdão - proferido no processo nº 42/98 – e uma vez que a intervenção do plenário teve por objectivo evitar divergências jurisprudenciais sobre a questão de constitucionalidade equacionada - que, repete-se, nos presentes autos é idêntica à então julgada – segue-se a orientação no mesmo expressa que, como tal se aplica (sem prejuízo dos entendimentos em contrário, lavrados nesse aresto).
III
Em face do exposto, decide-se, em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99, deste Tribunal, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000 Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
Xxxxx xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxx x Xxxxx
Messias Bento
Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx”
1.3. Acórdão nº 83/00
“Proc. nº 815/98 1ª Secção
Relatora: Xxxxx Xxxxxx Xxxxx
Acordam na 1ªa Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal do Trabalho de Almada, B. M. intentou contra o Estado Português acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo sumário, pedindo, entre o mais, que fosse declarado nulo o despedimento da autora das funções de auxiliar de acção educativa que desempenhava na Escola Secundária de Anselmo de Andrade. Alegou que tinha sido admitida para as referidas funções ao abrigo de contrato a temo certo, com início no mês de Novembro de 1988, contrato que o réu fez cessar, em Agosto de 1994, por declaração unilateral.
A acção foi julgada procedente, tendo sido declarado ilícito o despedimento da autora promovido pelo réu; consequentemente, o réu foi condenado a pagar à autora uma indemnização por antiguidade (sentença de 30 de Outubro de 1997, fls. 121 e seguintes).
2. O Ministério Público, em representação do Estado Português, interpôs recurso de apelação.
Nas suas contra-alegações, a autora sustentou que:
"[...]
3ª– A violação das normas que regem os contratos de trabalho a termo certo no âmbito do Decreto-Lei n° 184/89 e 427/89 não impede a nulidade do termo aposto ao contrato ou a sua conversão em contrato sem termo.
4ª– O entendimento de que os contratos a termo certo são nulos quando violem as disposições dos citados diplomas legais, violam a lei e, em especial, os princípios da confiança, ínsito no Estado de Direito Democrático (artigo 2°), da igualdade (artigo 13°) e da segurança no emprego (artigo 53°) todos da CRP .
[...]"
Por acórdão de 17 de Junho de 1998 (f1s. 161 e seguintes), o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo o réu do pedido.
3. B. M. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei n° 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada às normas dos artigos 14°, nºs 1 e 3, 15°, 18° e 43°, n° 1, do Decreto-Lei n° 427/89, de 7 de Dezembro, do artigo 7°, n° 2, do Decreto-Lei n° 184/89, de 2 de Junho, e do artigo 294° do Código Civil, por violação dos artigos 2°, 13° e 53° da Constituição da República Portuguesa.
4. No Tribunal Constitucional, a recorrente concluiu assim as suas alegações:
"1ª– O acórdão recorrido, com base nas normas do artigo 7° n° 2 do Decreto-Lei n° 184/89, e nos artigos 14° n° 1 e 43° n° 1 do Decreto-Lei n° 427/89, de 7 de Dezembro, decidiu que a Administração Pública não podia celebrar com a recorrente contratos de trabalho a termo certo para satisfação de necessidades permanentes e que, ao fazê-lo, o contrato deve ser considerado nulo por força do disposto no artigo 294° do Código
Civil, e que havia impossibilidade legal de conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo.
2ª– As normas dos artigos 7° n° 2 do Decreto-Lei n° 184/89 e dos artigos 14° n° 1 e 43° n° 1 do Decreto-Lei n° 427/89, e o artigo 294° do Código Civil, na interpretação e aplicação que delas fez o douto Acórdão recorrido, são inconstitucionais por ofensa dos princípios consagrados nos artigos 2°, 13° e 53° da Constituição da República.
3ª– Por consequência, devem julgar-se inconstitucionais as referidas normas na interpretação e aplicação delas feita pelo Acórdão recorrido quanto à impossibilidade de conversão do contrato de trabalho a termo certo da recorrente em contratos de trabalho sem termo e quanto à nulidade do mesmo contrato.
Nestes termos e nos mais de direito do suprimento de V. Ex.ª deve dar-se provimento ao recurso e ordenar-se a reforma do acórdão recorrido."
O Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1º– A interpretação normativa dos artigos 14°, nºs 1 e 3, 15°, 18° e 43°, n° 1, do Decreto-Lei n° 427/89, e do artigo 7°, n° 2, do Decreto-Lei n° 184/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contrato de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração – e nulos, nos termos do artigo 294° do Código Civil – envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu «posto de trabalho» – admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3° e 14° do citado diploma legal – viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa).
2º– Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via «sucedânea» de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da «convertibilidade» de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º – Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 47° da Lei Fundamental.
4º – Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida."
II
5. O presente recurso tem por objecto a apreciação da conformidade constitucional da interpretação normativa do artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, dos artigos 14º, nºs 1 e 3, 15º, 18º e 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, e do artigo 294º do Código Civil, traduzida em não permitir a conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
6. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
No acórdão nº 683/99 (Diário da República, II, nº 28, de 3 de Fevereiro de 2000, p. 2351 ss), tirado em Plenário, este Tribunal, por maioria, julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a norma constante do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo.
O Tribunal Constitucional decidiu então que:
"não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança do emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, nº 2, da Constituição".
III
7. Em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, por cada uma.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2000 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx”
1.4. Acórdão nº 229/98
“Proc. nº 310/94 1ª Secção
Rel: Cons. Assunção Esteves Acordam do Tribunal Constitucional:
I - Em processo emergente de contrato de trabalho, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Maio de 1992, condenou a C.P. Caminhos de Ferro Portugueses E.P. no pagamento à trabalhadora M... dos acréscimos de remuneração do trabalho que prestara para além do tempo de 48 horas semanais.
O acórdão considerou inconstitucionais as normas do nº 2, alínea c), e do nº 3, da cláusula 89ª do Acordo Colectivo de Trabalho (publicado no "Boletim do Trabalho e Emprego", de 22 de Janeiro de 1981), na medida em que fixam - para as passagens de nível de tipo P - um horário de trabalho superior a 12 horas, sem limites nem interrupções, por violação do direito ao repouso e aos lazeres e a um limite máximo da jornada de trabalho, consagrado no artigo 59º, nº 1, alínea d) da Constituição da República.
A C.P. Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses E.P. interpôs recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça e depois, recurso de constitucionalidade, o qual viria a ser admitido por via de reclamação para o Tribunal Constitucional com o objecto delimitado nas normas da cláusula 89º do Acordo Colectivo de Trabalho (publicado no "Boletim do Trabalho e Emprego" de 22 de Janeiro de 1981).
II - O Tribunal Constitucional, no acórdão nº 368/97, D.R., II série, de 12-07-1997, julgou inconstitucionais as normas da cláusula 83º do Acordo Colectivo de Trabalho de 1976 (publicado no "Boletim do Trabalho e Emprego" de 22 de Janeiro de 1981), que dispõem:
"2. O número de horas de serviço será o seguinte em função da classificação das passagens de nível:
a) Passagens Nível Tipo A - 9 horas
b) Passagens Nível Tipo C - 12 horas
c) Passagens Nível Tipo P - Permanente
3. Estes horários são considerados sem interrupção, devendo os trabalhadores tomar as refeições nos intervalos que, sem prejuízo para o serviço, mais lhes convierem."
O Tribunal reconheceu a analogia entre o direito fundamental em causa - ao repouso, aos lazeres e a um limite máximo da jornada de trabalho - com os direitos, liberdades e garantias. Depois, considerando que o trabalho intermitente, sem limite máximo da jornada de trabalho, afecta a auto-determinação pessoal dos trabalhadores, desde logo, pela solicitação permanente para o exercício da actividade profissional que esse trabalho leva implicada, concluiu no sentido de uma violação pelas normas da cláusula 83ª do Acordo Colectivo de Trabalho (publicado no "Boletim do Trabalho e Emprego" de 22 de Janeiro de 1981) do artigo 59º, nº 1, alínea d), e nº 2, alínea b), da Constituição da República.
É essa jurisprudência que aqui se reitera.
III - Neste termos, decide-se julgar inconstitucionais as normas dos nº 2, alínea c) e nº 3, da cláusula 89ª do Acordo Colectivo de Trabalho (publicado no "Boletim do Trabalho e
Emprego" de 22 de Janeiro de 1981), por violação do artigo 59º, nº 1, alínea d) e nº 2, alínea b), da Constituição da República. Assim, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.
Lisboa, 4 de Março de 1998 Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (vencido, conforme declaração de voto junta ao Ac. 368/97)
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx (vencido: quanto ao conhecimento da questão de constitucionalidade, pelas razões constantes do Acórdão nº 172/93; e, quanto à decisão de fundo, pelo essencial das razões constantes da declaração de voto junta ao Acórdão nº 368/97)”