A desconformidade do bem no contrato de Locação Financeira
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Xxxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
A desconformidade do bem no contrato de Locação Financeira
Do exercício do direito de resolução do contrato de Compra e Venda e da ausência de efeitos no contrato de Locação Financeira
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico Forenses
Orientador: Prof. Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx
Coimbra, 2015
AGRADECIMENTOS
Ainda que a realização desta dissertação tenha sido um processo solitário, incontornável e insubstituível foi o papel desempenhado por várias pessoas a quem devo os meus sinceros agradecimentos.
Ao Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, orientador deste trabalho, dirijo as minhas primeiras palavras de reconhecido agradecimento pelas sugestões e críticas pertinentes, pelo apoio e disponibilidade permanentes com que sempre acompanhou este estudo.
Agradeço ao escritório de advogados Videira Lopes, designadamente nas pessoas do Sr. Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx e do Sr. Dr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, a liberdade de uso da sua biblioteca para a realização da presente tese.
Manifesto, também, a minha gratidão ao Xxx Xxxxxxx pelo contributo informático que prestou na formatação do texto.
Uma palavra especial ao Dr. Xxxx Xxxxxxxxxxx pelos esclarecimentos em matéria de gestão de empresas e contabilidade e ao Mestre Xxxxxxx Xxxxxxx pela ajuda na estrutura da presente dissertação e pelas sessões de debate.
Por fim, agradeço o apoio e incentivo à Mestre Ana Rita Tavares e à Xxxxxxxx Xxxxxxx.
SIGLAS e ABREVIATURAS
Ac. | Acórdão |
IAE | Inquérito à actividade empresarial |
Al. | Alínea |
AIP | Associação Industrial Portuguesa |
ALF | Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting |
Art. | Artigo |
Arts. | Artigos |
CC | Código civil |
CV | Compra e venda |
X.Xxx | Código Comercial |
DL | Decreto-Lei |
FBCF | Formação Bruta de Capital Fixo |
INE | Instituto Nacional de Estatística |
IRC | Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas |
IVA | Imposto sobre o valor acrescentado |
LF | Locação financeira |
PIB | Produto Interno Bruto |
SÉC. | Século |
SLF | Sociedade de locação financeira |
SNC | Sistema de Normalização Contabilística |
SS. | Seguintes |
STJ | Supremo Tribunal de Justiça. |
STS | Sentencia del Tribunal Supremo |
Índice
3. Apresentação geral e dos capítulos 8
CAPÍTULO I – Do enquadramento teórico e do regime da locação financeira 9
I. 1. Locação Financeira: Conceito e sua evolução 9
I. 1.1 Conceito e evolução conceptual 9
I.1.2.1 Das modalidades da locação financeira 13
I.1.2.2 Das vantagens e desvantagens da locação financeira 15
I.2. Do regime do contrato de locação financeira 18
I.3 Da formação do contrato 19
I.4 Dos elementos essenciais da locação financeira 20
I.4.1 Das obrigações das partes 20
I.4.1.1 Das obrigações do locador 20
I. 4.1.2 Das obrigações do locatário 23
I. 4.2 Da cessação do contrato 24
CAPÍTULO II - Da natureza jurídica da locação financeira 26
II.1. A locação financeira e a locação 26
II. 1.2 A locação financeira e a compra e venda a prestações 29
II.1.3 A locação financeira e o mútuo 30
II. 1.4 A locação financeira e os contratos mistos e a coligação de contratos 30
CAPÍTULO III – Da desconformidade do bem na locação financeira 37
III.1. Da desconformidade do bem e a regra da irresponsabilidade do locador 37
III. 1.1 Da desconformidade do bem e a sub-rogação dos direitos 39
III. 1.2 Dos meios de tutela do locatário 40
III. 1.2.1 Da reparação, da substituição do bem e do pedido indemnizatório 41
III. 1.2.2 Da redução do preço e da resolução do contrato de compra e venda 42
III.1.3 Dos efeitos do exercício do direito de resolução da compra e venda 44
III.1.4 A problemática da desconformidade do bem na jurisprudência portuguesa: Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008 e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006 49
III.1.4.1 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007 49
III. 1.4.2 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008 51
III 1.4.3 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006 52
BIBLIOGRAFIA 62
INTRODUÇÃO
Fruto da praxis negocial mercantil, o contrato de locação financeira (doravante LF) assume-se como um instrumento de peso nas decisões de gestão financeira das empresas. Integrada no domínio das relações comerciais, a LF constitui um negócio jurídico que, permitindo a um sujeito usar e fruir de um bem sem que para tal necessite de realizar um investimento com base em capitais próprios, apresenta especificidades próprias enquanto fonte de financiamento que o tornam num instrumento incomparável relativamente a outros negócios de concessão de crédito ou de financiamento. Com efeito, considerando o seu relevo sócio-económico este instituto constitui um contrato paradigmático das especialidades mercantis.
Este instrumento de financiamento tem assumido uma evolução positiva crescente na economia portuguesa1, com expressão elevada ao nível da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo)2 tendo assumido o seu pico de desenvolvimento entre 2002 e 2007, ano em que atingiu o seu expoente, alcançando os 18.6% do total da produção de LF da FBCF.3 A LF revela-se significativa, sobretudo, no universo das empresas de média a grande dimensão4, contribuindo para um aumento dos investimentos das empresas em determinados sectores de actividade, principalmente, no sector da produção5, tendo especial relevância a LF de veículos, seguida da de máquinas e equipamentos industriais.6
A LF encontra-se regulada, no nosso ordenamento jurídico, pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (doravante DL nº 149/95) com as alterações determinadas pelo DL nº 30/2008, de 25 de Fevereiro. Conforme decorre do seu preâmbulo, foi intuito deste diploma promover a harmonização do regime jurídico da LF com as exigências do mercado. Contudo, ainda que a tipificação rigorosa do regime auxilie a tarefa do intérprete, permanecem ainda algumas questões que fomentam a discussão e controvérsia doutrinal e
1A evolução do financiamento concedido com base na LF tem-se revelado francamente positiva numa amostra de 10 anos (2001 – 2010), registando somente um ligeiro decréscimo no ano de 2010 fruto da crise económico-financeira. v.g Anexo nº 1.
2Índice que mede o investimento das empresas nos bens de capital, ou seja, nos bens que servem para produzir outros bens como por exemplo, máquinas, equipamentos e material de construção.
3 Cfr. Anexo nº2.
4 Cfr. Inquérito ao crédito - Março de 2012 da Associação Industrial Portuguesa (AIP), pp. 4 e 5.
5 Cfr. Anexo nº 3 e anexo nº 4.
6 Cfr. Anexo nº 5.
jurisprudencial quanto ao seu regime. Não será de olvidar, a título de exemplo, a problemática da definição tipológica deste contrato. Não obstante, e sem descorar a importância desta questão para tecer considerações sobre a matéria que nos propomos a tratar, uma das problemáticas que demanda resposta gritante é a matéria da desconformidade do bem no contrato de LF.
Assim, é nossa pretensão desenvolver uma investigação detalhada sobre a temática da desconformidade do bem na LF, porquanto tem um relevo teórico e prático flagrante, colocando em discussão vários aspectos do regime. Por conseguinte, é nossa intenção abordar a questão da relação existente entre o contrato de compra e venda (doravante CV) e o contrato de LF, tecer considerações acerca da essência dos papéis ocupados pelos sujeitos e as suas obrigações, permitindo, desta forma, clarificar a questão da natureza jurídica do contrato promovendo uma uniformização da interpretação e compreensão da ratio do regime, considerando os interesses e o escopo inerente a esta relação mercantil.
O objectivo primordial desta tese é a análise da problemática da desconformidade do bem no contrato de LF, maxime da existência ou da ausência de efeitos no contrato de LF por força do exercício do direito de resolução do contrato de CV.
A consciência de que a LF constitui na actualidade um instrumento de financiamento de peso para a malha empresarial, leva-nos a abordar as questões inerentes à relação existente entre a CV e a LF, bem como as obrigações dos sujeitos.
Desta forma, pretendemos que a nossa investigação possa contribuir para a resolução de problemas na prática negocial e para uma clarificação do thelos do regime da LF.
Por forma a determinar um modelo teórico de referência, devidamente enquadrado num sistema explicativo de teor científico, procedemos à recolha de bibliografia, de fontes documentais e bases de dados relevantes para a análise de todas as problemáticas envolvidas e dos principais conceitos utilizados como, o contrato de LF, a união de contratos, os contratos coligados, os contratos plurilaterais, os contratos de financiamento, os contratos de crédito, as instituições parabancárias, entre outros.
Adoptámos a mesma linha de actuação para traçar a moldura histórico-geográfica, bem como contexto sócio-económico de surgimento, evolução e propagação do contrato de LF.
3. Apresentação geral e dos capítulos
A presente dissertação estrutura-se em três capítulos. No capítulo I é apresentado o enquadramento teórico da temática desta tese. Desta forma, abordamos as questões conceptuais do contrato de LF, a sua evolução ao longo da história, a noção/definição que este contrato veio a adquirir no Direito Comparado, as diversas modalidades que este contrato assume e as vantagens e desvantagens que este negócio jurídico apresenta na prática negocial.
Neste mesmo capítulo procedemos, ainda, à caracterização do regime do contrato de LF à luz do DL nº 149/95 enfatizando as especificidades da LF para fins empresariais, considerando a importância que este negócio jurídico assume neste contexto e tendo em conta o facto de ter sido no âmbito empresarial que histórica e tipicamente se deu o seu surgimento e desenvolvimento. Neste campo fazemos referência aos sujeitos da LF, o locador e o locatário, evidenciando-se as suas características e atribuições, fazendo-se menção das suas obrigações e, consequentemente, ao papel que desempenham no quadro da execução do contrato. Referenciamos, ainda, a dinâmica e tramitação inerente à formação do contrato e as formas de cessação do contrato, destacando especialmente a resolução.
O capítulo II fica reservado à debatida e controversa questão da natureza do contrato. Neste domínio procede-se à análise tipológica do contrato comparando-o com outros tipos contratuais como a locação, a CV com reserva de propriedade, o mútuo e procede-se ao confronto da LF com a tese dos contratos mistos e dos contratos coligados.
No capítulo III tratamos a problemática da desconformidade do bem, analisando a regra da exoneração de responsabilidades do locador, a possibilidade de o locatário reagir contra o vendedor e os meios de tutela ao seu dispor, destacando, para efeito de discussão e investigação primordial desta tese, o exercício do direito de resolução do contrato de CV. Neste contexto, problematiza-se a legitimidade do locatário para exercer tal direito, e admitindo-se tal possibilidade, se se produzem ou não efeitos no contrato de LF.
CAPÍTULO I – Do enquadramento teórico e do regime da locação financeira
Os conceitos flutuam conforme se prossiga uma explicação de teor científico ou meramente ideológico, da mesma forma as suas interpretações alteram-se de acordo com a linha de pensamento abraçada a cada época histórica. É, desta forma, que se explica que o contrato de LF tenha assumido, ao longo dos tempos, distintas valorações e significados.
I.1 Locação Financeira: Conceito e sua evolução
I.1.1 Conceito e evolução conceptual
O conceito de LF, como hoje é conhecido, nem sempre foi fácil de determinar. Entendido como um negócio jurídico oneroso, sinalagmático, solene e de execução continuada, a LF é uma figura cuja natureza gera controvérsia na doutrina. No entanto, em traços gerais, poderá definir-se como o contrato pelo qual um sujeito, o locatário, necessitando de um bem mas sem meios para o adquirir recorre, a outro sujeito, o locador, para que este o adquira e depois lhe ceda o seu uso, pagando-lhe em contrapartida uma retribuição pecuniária e tendo a opção de, no final do contrato, poder adquirir a propriedade do bem.
Pode defender-se que já na Antiguidade Clássica se poderiam encontrar elementos caracterizadores deste tipo contratual. No tempo dos Romanos, começaram a surgir figuras que bebem da mesma lógica que a LF dissociando a propriedade, a posse e o uso, como por exemplo, a locação, o comodato, o depósito e a CV com reserva de propriedade7.
Foi, porém, no Séc. XIX, nos Estados Unidos, que se desenvolveu a origem da conceptualização actual da LF através da celebração de contratos de leasing sobre bens imóveis e móveis em que existia já a opção de compra no termo do contrato. No entanto, o marco da afirmação deste negócio jurídico deu-se com a companhia de telefones Bell, em 1877, com a cedência do uso de telefones8. Em 1952, nos Estados Unidos, com a constituição da primeira sociedade de leasing, a United States Leasing Corporation, determinou-se o conceito actual de LF. No entanto, é importante ressalvar que a LF tem
7 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, O contrato de locação financeira, 2004, p.10.
8 Em termos rigorosos está-se perante uma locação operacional, na medida em que se cede o gozo de bens próprios, não existindo a típica relação tripartida da LF. A IBM e a Remington-Rand, seguindo o exemplo da companhia de telefones Bell, adoptaram, mais tarde, este novo instrumento de crédito.
um lastro mais amplo nos Estados Unidos daquilo que se encontra prefigurado no nosso ordenamento jurídico. Com efeito, nos países de common law não se prevê a opção de compra pelo locatário no final do contrato, nem se exige que o locador seja uma instituição financeira.9
Na Europa, o contrato de LF começa a desenvolver-se, maioritariamente, na segunda metade do Séc. XX, mais concretamente, no segundo pós-guerra. Este contrato assumiu maior relevo nos anos 70 afirmando-se como um instrumento que acompanha as flutuações da economia. Esta nova fórmula de financiamento era encarada pelas empresas europeias como uma forma de se poderem expandir e tornar-se competitivas, aliada ao facto de promover a sua inovação tecnológica.10
Enquanto país sob a égide da common law, a Inglaterra foi fortemente influenciada pela prática dos Estados Unidos. Neste sentido, a figura da LF estabeleceu-se nos finais do Séc. XIX com feições próximas à que a LF assume actualmente. Desenvolveu-se, assim, a figura do hire-purchase ou locação compra apresentando claras semelhanças com a CV a prestações. Posteriormente, inseriu-se na prática das empresas o hire-purchase finance em que se concedia a hipótese ao locatário de accionar a opção de compra no terminus do contrato e foi, precisamente, esta figura que acabou por se transformar na actual forma de leasing.11
Na Alemanha, a LF implementou-se a partir de 1950 com o contributo do Dresdner Bank com a criação da primeira empresa focalizada para a celebração de contratos de LF. A sua rápida difusão deveu-se à escassez de mão-de-obra que contribuiu para a promoção do investimento estratégico na aquisição de equipamentos.12
A figura do crédit-bail foi criada em França, em 1957, por iniciativa do Banco da Indochina e da Societé d’Étude et de perticipation financiére et Technique que se dedicava à locação de materiais industriais. Contudo, em boa verdade, este negócio jurídico não teve inicialmente muita adesão. Mais tarde, a prática negocial tornou este contrato num importante instrumento de financiamento na aquisição de bens imóveis e, inclusivamente,
9 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx, I contratti nuovi, Factoring, Locazione finanziara, Trattato do Diritto Privato, pp. 93 e 94, 1999 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação Financeira, 2011, p. 24
10 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, O contrato…, cit., p.12.
11 Cfr. Idem. Ibidem, p. 17.
12 Cfr. Idem. Xxxxxx, p.15. v.g Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Manual de Direito Bancário, 2012, p.672.
foi adoptado pelo próprio Estado para o financiamento de avultados empreendimentos públicos.13
Em Espanha, o arrendiamento financiero teve o seu foco de desenvolvimento em 1962 com a criação de duas sociedades de LF (doravante SLF), a Alquiber e a Alequisa. A partir desta altura este instrumento assumiu um importante relevo na prática negocial das empresas.
Em Itália, a locazione finanziaria teve o seu pico de desenvolvimento nos anos 60 e foi precisamente em 1965, com a formação da Società per la Locazione di Attreezature, que se promoveram fortes ligações com as instituições financeiras, contribuindo como um importante ponto de viragem na promoção deste tipo contratual14.
Em Portugal, a LF só chegou em finais dos anos 70 com a particularidade de a previsão legal15, que determinava e definia tal figura, ter antecedido a prática deste contrato. Foi a partir da década de 80 que a LF se começou a popularizar devido ao surgimento das primeiras empresas que se dedicavam à celebração destes contratos, penetrando, desta forma, na economia nacional um importante incentivo ao investimento produtivo. O legislador português adoptou, assim, a lógica de operação financeira que está inerente ao financial leasing porquanto a entidade financeira se limita a adquirir e a ceder o gozo do bem indicado pelo locatário desinteressando-se, na qualidade de intermediário financeiro, das qualidades de uso do bem.
Apesar destas virtudes, a evolução da LF no nosso país foi dificultada na década de 80 por força das exigências fiscais que incidiam sobre as empresas e devido às elevadas taxas de juro cobradas para a concessão de crédito. Não obstante a permeabilidade das empresas à conjuntura económico-financeira e a desconfiança relativamente aos agentes económicos, poder-se-á afirmar que a evolução deste negócio jurídico tem sido positiva.16
13 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, O contrato…, cit., p. 14.
14 Outro ponto que contribuiu para o aprimorar da lógica inerente à LF foi a criação da Lei nº183/76 que, com a implementação da opção de compra do bem no final do contrato pelo locatário, permitiu fixar o sentido deste contrato, diferenciando-o de outras figuras de locação.
15 Com a publicação do DL n.º135/79, de 18 de Maio e o DL n.º171/79, de 6 de Junho (doravante DL 171/79). O legislador português foi fortemente influenciado por legislações estrangeiras, sobretudo, a francesa e belga; pela doutrina internacional, mas também pela doutrina nacional; e pela prática negocial de vários países da Europa continental. Cfr. Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos de leasing e factoring, 2001, p. 46.
16 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, O contrato…, cit., pp. 20 e 21.
I.1.2 Da noção
A definição ou noção actual do contrato de LF é objecto de regulação em diversos ordenamentos jurídicos. Na lei francesa nº 66/455 o seu art. 1º determina que são operações de LF as que tem por objecto a locação de equipamentos, ferramentas ou bens de imobiliário para uso profissional especialmente compradas em vista a esta locação por empresas que se tornam e permanecem proprietárias de tais bens. Estas operações conferem a faculdade ao locatário de adquirir a totalidade ou parte dos bens locados por um preço convencionado, considerando as entregas pecuniárias efectuadas a título de locação.
A definição consagrada no art. 17.2 da lei italiana 183, de 2 de Maio de 1976 determina que as operações de LF são entendidas como operações de locação de bens móveis ou imóveis, adquiridos ou mandados construir pelo locador, a pedido e indicação do locatário que assumirá todos os riscos relativos ao bem e terá a faculdade de adquirir a propriedade do bem no final do contrato através do pagamento de um preço pré- estabelecido.
Na lei espanhola nº 26/1988, na sua sétima disposição adicional, consideram-se operações de LF os contratos que tenham por objecto exclusivo a cessão do uso de bens móveis ou imóveis adquiridos para essa finalidade segundo as especificações do locatário e pelo qual o locador recebe em troca uma contraprestação pecuniária periódica. Entende-se ainda que o contrato incluirá necessariamente uma opção de compra a favor do locatário.17
Como melhor explicíta o art. 1.º do DL nº 149/95, de 24 de Junho, no nosso ordenamento jurídico, a “locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
Na doutrina nacional e estrangeira o contrato de LF é definido, em termos genéricos, como um negócio jurídico que permite ao locatário introduzir no processo produtivo um bem e usá-lo sem necessidade de investir capitais próprios, na medida em
17 Cfr. Para mais definições de LF noutros ordenamentos jurídicos, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx, El leasing y su configuración jurídica, 2003, pp. 751 e 752.
que caberá ao locador suportar tal investimento recebendo em contrapartida uma retribuição pecuniária. É, ainda, de salientar como característica fundamental deste contrato a possibilidade de o locatário adquirir a propriedade jurídica do bem por um valor residual, celebrando para o efeito uma CV no termo do contrato.18
Na jurisprudência nacional poder-se-á destacar a compreensão do tribunal da Relação do Porto que considera que “a locação financeira (DL nº 149/95, de 24.06, com as posteriores alterações sofridas), traduz-se num contrato nominado e típico, específico da actividade bancária e genericamente orientado para a prossecução de funções de financiamento, uma vez que o objectivo visado se materializa no financiamento da utilização de um dado bem.”19 No entendimento do STJ, “configura a locação financeira uma técnica de financiamento que permite ao interessado obter e utilizar uma coisa sem ter de pagar imediatamente o preço, formando-se de modo sucessivo mediante um processo em várias fases que liga três pessoas: fornecedor da coisa, seu utilizador e financiador da operação”20
I.1.2.1 Das modalidades da locação financeira
De acordo com a origem etimológica do verbo to lease, que significa em português locar, o intérprete pode ser conduzido a percepcionar a LF de acordo com a figura portuguesa da locação do Código Civil patente nos artigos 1022.º e ss. No entanto, o financial leasing vai muito para além da simples cedência do gozo de um bem, com efeito, a própria expressão financial pretende aludir para o cariz financeiro da operação.
Esta denominação permite, assim, distanciar o financial leasing do operating leasing. No financial leasing, o escopo inerente é o financiamento da concessão do gozo do bem, no operating leasing, por sua vez, o intuito primordial é ceder o uso de um bem e permitir ao locatário escapar aos riscos próprios da propriedade, tendo ainda acesso a serviços de manutenção e de assistência.
No que respeita às modalidades21 que a LF pode assumir, destaca-se em primeiro plano a figura da locação financeira restitutiva ou também denominada sale and lease
18 Para uma compreensão mais esquemática v.g anexo nº 6. 19 Cfr. Ac do Tribunal da Relação do Porto de 06/03/2014. 20 Cfr. Ac. do STJ de 14/04/2011.
21 Para explanação de outras modalidades v.g, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Manual de direito…, cit., p.675
back. Nesta modalidade, o proprietário do bem com quem o locador vai celebrar o contrato a montante da LF, a CV, é o locatário. Isto é, o locatário vende o bem ao locador que posteriormente, por força do contrato de LF, lhe irá ceder o seu uso. O locatário pretende obter liquidez para financiar a sua actividade económica através do recebimento do preço do bem e o locador, por sua vez, desempenha um papel de mero financiador.22
Desta forma, compreende-se que a tónica de diferenciação destas modalidades seja a ausência da relação económica triangular da LF e não a falta do cariz financeiro da operação. Será de ressalvar, porém, que a estrutura triangular não se afirma como um pressuposto essencial da LF permitindo, assim, que o lease back se assuma como uma forma de celebração do contrato de LF. Com efeito, continuam a ser celebrados dois contratos, simplesmente, o locatário assume simultaneamente a posição de vendedor no contrato de CV e de locatário na LF. Conforme afirma Xxxxxxxxxx Xxxxxx, “apesar de faltar a trilateralidade, não falta o vínculo de destinação do valor mutuado pelo financiador: o importante é que este último seja destinado à aquisição de um bem especificamente indicado pelo locatário, não sendo decisiva a circunstância de que o bem seja fornecido pelo próprio utilizador”.23 Seguindo, ainda, o pensamento de Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, “(…) o locador apenas se obriga a adquirir o bem por indicação do locatário (art. 1.º), isto implicando que a montante do contrato de locação financeira haja um outro negócio, mas não forçosamente um outro sujeito (estrutura trilateral do leasing) – cabe assim na letra da lei a hipótese de o locatário indicar um bem seu e de ser ele o próprio vendedor.”24
Outra das modalidades da LF é definida em função do objecto do contrato. Assim, este contrato pode aplicar-se a bens móveis e imóveis conforme está patente no art. 1.º e 2º, n.º1 do DL nº 149/95, ou seja, o objecto pode ser qualquer bem susceptível de ser locado. Os bens dados em LF podem ser corpóreos ou incorpóreos. Quanto aos bens incorpóreos poder-se-iam levantar algumas dúvidas de admissibilidade, no entanto, atendendo à letra da lei quando no art. 2º n.º 1 se utiliza a expressão “ (…) quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação” e, tendo em conta que a cedência do gozo é antecedida pela celebração de um contrato translativo deduz-se que, considerando que muitos bens
22Cfr. Xxxxxxx Xxxxxxx, “Locação financeira restitutiva (sale and lease back) e a proibição dos pactos comissórios – negócio fiduciário, mútuo e acção executiva”, BFD, Separata, Vol.LXXVII, 2001, pp. 589 e 590.
23 Cfr. Xxxxxxxxxx Xxxxxx, Il leasing finanziaro nella teoria dei crediti di scopo, 1989, pp. 265 apud
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da locação…, cit., p. 59.
24 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, Direito Comercial Português, 2007, p. 394.
incorpóreos são objecto de CV, como por exemplo os direitos de autor e de propriedade industrial, então, por maioria de razão também poderão integrar-se na LF25.
Partindo do fundamento teleológico da utilização do bem na LF, este contrato poderá assumir outra modalidade, a LF para fins de consumo e a LF para fins empresariais. A LF para consumo dá-se quando o bem locado é usado por um consumidor que o use para fins diferentes da sua actividade profissional.26 A LF com fins empresariais ocorre quando o bem seja usado na actividade comercial do locatário.
Outro dos critérios que permite fazer uma distinção das modalidades da LF é o pagamento da renda. Por conseguinte, pode haver full-pay-out leasing ou LF de amortização integral, em que o pagamento das rendas irá cobrir todo o investimento realizado pelo locador, designadamente, o montante que pagou pela aquisição do bem, outras despesas e o seu lucro27. Na modalidade non-full-pay-out leasing ou LF de amortização parcial, por sua vez, as rendas pagas pelo locatário apenas fazem face a parte do investimento do locador. No nosso ordenamento jurídico são permitidas ambas as modalidades.
I.1.2.2 Das vantagens e desvantagens da locação financeira
Este instrumento financeiro possibilita que uma empresa que pretenda financiar a aquisição de um bem tenha em consideração a celebração deste contrato como uma alternativa viável, sem ser necessário recorrer ao aumento de capital, utilizar lucros retidos, emitir obrigações no mercado, recorrer a empréstimos, ou efectuar uma CV a prestações. Aliás, se se fizer uma reflexão analítica e comparativa de tais fontes de financiamento, conclui-se que muitas delas não são exequíveis atendendo à tipologia de empresa, ao montante a investir e ao tipo de bem em causa. Com efeito, a LF assume-se como a segunda fonte de financiamento para as grandes empresas e revela um peso significativo no universo das médias e pequenas empresas portuguesas.28
25 Neste contexto admite-se, por exemplo, a celebração de contrato de LF sobre acções. Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, A locação financeira de acções e o direito português, 2007, p.380.
26 Foi com o contributo do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro que deixou de se restringir o objecto da LF a fins empresariais.
27 Nestes casos, por consequência, se o locatário quiser adquirir o bem no final do contrato irá pagar um valor bastante reduzido. Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da locação…, cit., p. 54.
28 Cfr. Anexo nº 7.
Fazendo uma análise das fontes de financiamento a que as empresas recorrem, o crédito bancário, o auto financiamento e a LF são as que mais se destacam29. No confronto entre os dois meios de financiamento externo, poder-se-á apontar algumas vantagens em recorrer à LF30. De facto, para as empresas, numa óptica de gestão financeira, deixou de ser relevante ter a propriedade jurídica do bem passando a ser suficiente, e até mais vantajosa, a sua mera inserção no quadro do processo produtivo.31 Com efeito, considerando o crescente avanço tecnológico, que tem por consequência a rápida obsolescência dos bens, e o facto de o prazo de duração da LF corresponder à vida útil do bem32, este instrumento permite que, através da inserção de uma cláusula de indexação ao progresso técnico, seja o locador a assumir a responsabilidade de substituir o equipamento quando este se revele tecnologicamente desactualizado.33 Desta forma, o locatário vê aumentada a sua capacidade de produtividade e poderá fazer face à concorrência, tornando-se mais competitivo.
Por outro lado, a LF permite um financiamento mais célere demorando, em média, 4 a 5 dias, enquanto que o crédito bancário poderá prolongar-se até aos 45 dias. Assim, conforme afirma Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, “Com esta rapidez, permite-se que a empresa instale antes dos concorrentes, responda mais depressa às exigências do mercado, acompanhe mais de perto o progresso tecnológico.”34 Neste sentido, salienta o acórdão do STJ de 07/03/1991, “Esta vertiginosa sucessão de coisas cada vez mais sofisticadas e cada vez mais caras coloca o empresário mediano, pouco capitalizado (como sucede à maioria das nossas empresas), perante um dilema: ou ele não moderniza o seu parque de bens de equipamento e é ultrapassado pela concorrência ou imobiliza largos capitais na aquisição – com todos os inconvenientes daí decorrentes. (…) Justamente para obviar a esta dificuldade foi que surgiu a nova figura do contrato de locação financeira, na sua espécie mobiliária, como solução moderna, adequada ao problema da actualização do equipamento
29Cfr. Inquérito à actividade empresarial (IAE) do AIP de 2009, p. 25; IAE de 2010 p. 35; IAE de 2011, p. 29; IAE de 2012, p. 20; e IAE de 2013, p. 17.
30 Cfr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Contratos Comerciais – apontamentos, 2006, pp.60 e 61
31Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato de leasing. Contrato de empresa e contrato de consumo (como mecanismo de financiamento das empresas e do consumo), s/data, p.5
32 v.g art. 6º, nº1 do DL 149/95.
33 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, A Locação Financeira, 2012, p.52.
34 Cfr. Idem. Ibidem, p. 53.
produtivo, sem necessidade de despender vultosas quantias em dinheiro para tal fim, com insuportável frequência.”35
A LF assume-se, ainda, como um instrumento de financiamento de grande flexibilidade e simplicidade que permite ultrapassar as exigências impostas pelos outros meios de concessão de crédito. Com efeito, este contrato não compromete a capacidade de endividamento do locatário, permitindo-lhe até que, durante a execução do contrato, tenha fundo de maneio para recorrer a outras formas de financiamento.36
Com a LF, uma empresa que necessite de um bem apenas terá de o escolher e recorrer posteriormente a uma sociedade ou instituição de LF. Esta entidade terá de fazer uma análise do risco atendendo à credibilidade do locatário, isto é, ao seu endividamento e apurar a sua situação financeira como base em balanços contabilísticos. Esta análise tem um importante relevo pois, apesar do locador adquirir a propriedade jurídica do bem que funciona como garantia, a verdade é que a LF constitui uma negociação à medida do locatário. Assim, nestes casos em que o bem apresente características muito específicas em caso de incumprimento do locatário o locador poderá enfrentar sérias dificuldades na posterior transacção do bem.37
Apesar destas virtudes, a LF apresenta desvantagens, designadamente, a prática de taxas de juro mais elevadas do que aquelas que são praticadas pelos créditos bancários pelo mesmo prazo de referência. Não obstante, não se poderá olvidar o facto de, numa óptica de gestão financeira, o locatário poder financiar esta operação através dos cash flows extraídos pela utilização do bem, valendo a regra pay as you earn38, e o facto da LF ter um regime fiscal bastante favorável39 quer para o locador quer para o locatário.
35 v.g Ac. STJ de 7/3/91, Bol.405/467 apud Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12/11/2013.
36 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, A Locação…, cit., pp. 48 a 51, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxx Xxxx Xxxxxxxx, Leasing uma opção de financiamento, 1990, pp. 48 a 53.
37 Justifica-se, assim, a maior tendência para as SLF preferirem celebrar contratos incidentes sobre bens standard cuja transacção se encontra facilitada. Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, “Ensaio de análise tipológica do contrato de locação financeira” BFD, 1987, p. 20.
38 Cfr. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, El leasing…, cit., p.758.
39 O locatário poderá deduzir em sede de IRC os juros das rendas, pois são entendidos como custos de exploração. Em termos contabilísticos, a LF figura no balanço do locador como contas a receber, e à medida que são pagas dá-se a sua redução. Na demonstração de resultados do locador, a LF cria rendimentos financeiros. Para o locatário, por sua vez, figura no seu balanço como um activo, uma obrigação de locação, uma depreciação acumulada; quando se pagam as rendas dá-se uma redução da obrigação da locação. Na demonstração de resultados, a LF traduz-se em gastos financeiros e gastos de depreciação. Cfr. Xxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxx, SNC – Sistema de Normalização Contabilística – Teoria e Prática, 2010, norma contabilística e de relato financeiro 9, pp. 269 a 278. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 25 e 26.
I.2. Do regime do contrato de locação financeira
I.2.1 Dos sujeitos
I.2.1.1 O locador
De acordo com o art. 4.º do DL nº 72/95, de 15 de Abril a qualidade de locador financeiro, na celebração do contrato de LF, estava reservada somente aos bancos e às SLF.
Actualmente, o âmbito subjectivo da posição de locador tem um espectro mais alargado devido à criação das instituições financeiras de crédito que, ao abrigo do DL nº 186/2002, de 21 de Agosto, também podem celebrar contratos de LF.
Centremo-nos, no entanto, nas SLF reguladas inicialmente no DL nº 135/79, de 18 de Maio que qualificava estas entidades como instituições parabancárias40.
Mais tarde aquele diploma foi revogado pelo DL nº 103/86, de 19 de Maio e actualmente o regime das SLF está plasmado no DL nº 72/95, de 15 de Abril41.
As SLF têm por objecto social exclusivo a prática de contratos de LF42. Para além desta função, muito poucas são as tarefas desempenhadas por estas entidades, podendo no entanto, em caso de restituição do bem no fim do contrato, encetar operações sobre o bem no sentido de o vender, ceder a exploração ou locar.43
Estas sociedades são alvo de controlo e supervisão por parte do Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças44.
40 Esta qualificação permitia que em caso de lacuna se aplicasse o regime das instituições de crédito na medida em que não fosse incompatível com a natureza das instituições parabancárias.
41 O regime do DL nº 72/95 sofreu alterações por força do DL nº 285/2001, de 3 de Novembro e do DL nº186/2002, de 21 de Agosto. As SLF encontram-se ainda reguladas pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro que qualifica estas sociedades como instituições de crédito.
42 As SLF estão habilitadas a constituir consórcios para a celebração de contratos de LF ao abrigo do art. 7º do DL nº 72/95.
43 v.g art. 1º, nº 2 al. a) e b) do DL nº 72/95.
44 Este controlo é feito através da fixação do capital social mínimo e dos limites mínimos das reservas legais. Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, O contrato…, cit., p.25.
I.2.1.2 O locatário
O instituto da LF não foi exigente no estabelecimento das qualidades que o locatário deve assumir para recorrer a este tipo contratual. Com efeito, basta que o locatário tenha as condições gerais, isto é, capacidade negocial para o pleno gozo e exercício de direitos.
No entanto, os sujeitos que podiam assumir o papel de locatário nem sempre foram os mesmos ao longo do tempo. De acordo com o DL nº 171/79, os bens que podiam ser dados em LF eram somente bens que integrassem o processo produtivo, o que determinava que somente as empresas pudessem celebrar este negócio jurídico. Com o DL nº 149/95, alargou-se o quadro de bens que podiam ser dados em LF aos bens de consumo o que, por consequência, provocou a extensão do âmbito subjectivo aos consumidores.45
I.3. Da formação do contrato
Conforme ficou demonstrado a LF constitui uma alternativa viável de financiamento e uma opção de gestão financeira importante para as empresas poderem introduzir na sua actividade um bem ou equipamento necessário sem ter de mobilizar capital no imediato. Assim, por regra, o locatário dá o impulso negocial através da escolha do vendedor, do bem que pretende, decidindo ainda que o preço será pago através de uma SLF. Estes contactos preliminares estabelecidos entre o locatário e o vendedor não vinculam de forma alguma a SLF, valendo a regra de que o risco de não celebração do contrato de LF corre por conta do futuro locatário nos termos do art. 22.º do DL nº 149/95.
O locatário apresentará uma proposta de financiamento à SLF e desta proposta constará, o vendedor, o bem, uma descrição pormenorizada das qualidades e características do bem, a duração do contrato, os benefícios que o bem permite alcançar no quadro produtivo e as informações referentes à condição jurídica e financeira da empresa.46
45 A mesma conclusão poder-se-á retirar do DL nº 359/91 ao permitir que o consumidor celebrasse contrato de LF. Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., 2011, p.82.
46 Cfr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, “A locação financeira (Leasing)” BMJ, 1973, p. 14.
Esta decisão financeira das empresas em recorrer à LF só é levada a bom porto depois de ser submetida a uma análise meticulosa da SLF, atendendo, entre outros, ao rácio de análise financeira da solvabilidade da empresa47 e da sua autonomia financeira48.
Se a proposta for aceite, dá-se início à LF e à sua dimensão económica tripartida. O locador irá, então, celebrar com o vendedor o contrato de CV de acordo com as condições pré-estabelecidas pelo locatário. A celebração deste contrato traduz, na esfera do locatário, a concretização do financiamento por parte do locador e produz, na esfera do locador, a transferência da propriedade jurídica do bem, nos termos do art. 408.º, nº1 do CC.
Celebrada a CV o locador irá entregar o bem ao locatário cedendo-lhe o gozo do bem como forma de materializar o financiamento.
I.4. Dos elementos essenciais da locação financeira
I.4.1 Das obrigações das partes
I.4.1.1 Das obrigações do locador
O locador financeiro constitui uma das chaves centrais do regime da LF porquanto se concentra neste sujeito o motor de arranque deste contrato. Com efeito, é o locador que, ao aceitar a proposta de financiamento do locatário, enceta todas as diligências necessárias para a satisfação do seu interesse, executando o cerne do contrato, o financiamento.
Nos termos do art. 9º, n.º1 do DL nº 149/95, faz-se uma enumeração meramente exemplificativa49 das obrigações do locador financeiro, ficando o locador obrigado a adquirir ou mandar construir o bem a locar, a conceder o gozo do bem para os fins a que se destina e a vender o bem ao locatário, caso este queira, no fim do contrato.
A obrigação de adquirir o bem é a primeira consequência lógica e cronológica da execução do contrato de LF e que dá início à estrutura económica trilateral do contrato
47Este rácio determina a capacidade de fazer face aos compromissos a médio longo prazo, reflectindo, desta forma, o risco que os credores correm. Traduz-se no quociente entre capital próprio e capital alheio, e valor referência ≥ a 1. Cfr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx, Análise financeira e Mercados, 2012, p. 66.
48 Este rácio determina a independência ou dependência da empresa relativamente a capitais alheios. Permite, assim, avaliar o risco sobre a estrutura financeira da empresa traduzindo-se no quociente entre capital próprio e activo liquido, o valor referência é ≥ a 0,35. Cfr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx, Análise…, cit.,, p. 66.
49 Nos termos deste preceito a utilização do advérbio “nomeadamente” determina a exclusão da hipótese de se tratar de uma enumeração taxativa.
pondo, por consequência, em paralelo dois contratos, a CV e a LF. Com efeito, o locador terá de celebrar um contrato de CV com um terceiro segundo as directrizes fornecidas pelo locatário. Desta forma, fica vedado ao locador a mera entrega do dinheiro necessário para a aquisição do bem, sob pena de tal conduta se inserir no contrato de mútuo, e fica também vedado de adquirir bem diverso àquele que lhe foi indicado. Afinal, a aquisição do bem consubstancia parte da realização da operação de financiamento e, neste sentido, para que se legitime a contrapartida pecuniária a cargo do locatário, é essencial que esta obrigação seja cumprida de forma idónea.
A obrigação de aquisição do bem tem sido objecto de discussão quanto à sua qualificação. Há autores que defendem tratar-se de um pactum de contrahendo cum tertio50, outros advogam a existência de características do empréstimo e da comissão51, outros há que reconduzem esta obrigação a uma derivação da operação de financiamento52. Esta última concepção é, de acordo com a nossa compreensão, a mais consentânea com a ratio da LF. Com efeito, o locador, enquanto mero intermediário financeiro, celebra a CV com o intuito de adquirir o bem para posteriormente ceder o seu uso ao locatário, configurando-se esta aquisição como uma forma ou instrumento de realizar o financiamento a que se comprometeu.
Celebrado o contrato de CV, opera-se por mero efeito do contrato a transferência da propriedade para o comprador que é simultaneamente o locador.53 O efeito translativo produzido na esfera do locador serve para lhe conferir uma garantia no caso de incumprimento do contrato por parte do locatário. Assim, o locador munido da propriedade jurídica do bem poderá sempre vendê-lo, ou celebrar outros negócios jurídicos, como forma de colmatar os prejuízos ocorridos com o inadimplemento do contrato54. O direito de propriedade do locador configura ainda uma instrumentalidade da operação de aquisição do bem na concretização da operação de financiamento.55
50 Compreensão acolhida por Xxxxxxx xx Xxxx, Il contrato di leasing, 1995 e Xxxxxx Xxxxxxx, La problemática del leasing come tipo contrattuale, 2000, apud, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 99. 51 Posição defendida por Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero mobiliário, 2002, p. 63
52 Xxxxxxxxxx Xxxxxx, Il leasing finanziaro…, cit., apud Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 99
53 v.g Art. 408.ºdo CC.
54 Certo será, como alerta Xxxxx Xxxxx de Campos, que será do interesse do locador que o objecto da LF esteja munido de características standard para que o locador consiga mais facilmente celebrar negócios jurídicos. Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Ensaio…, cit., p.30.
55 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp.169 e 170. E, ainda sobre esta ideia de instrumentalidade do direito de propriedade v.g Xxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato de locação financeira, s/data, p.8.
Quanto à obrigação de conceder o gozo do bem, a doutrina também diverge quanto à forma como esta obrigação se pode consubstanciar. Assim, parte da doutrina entende que esta obrigação se encontra cumprida quando o locador concede o gozo pacífico do bem, limitando-se a não perturbar o gozo do locatário.56 Outra facção entende que para que haja realmente concessão do gozo tem de haver entrega do bem57.
Aproximamo-nos desta última compreensão porquanto entender a obrigação de concessão do gozo como a não perturbação do uso do locatário é acentuar uma compreensão civilista centrada no bem como ponto-chave do contrato, o que, a nosso ver, não compreende o espírito da LF enquanto operação de financiamento. Ao fazer-se este exercício centrado no bem, ao estipular, no fundo, mais uma obrigação ao locador, a de não perturbação do gozo, vai-se contra a lógica do regime em que o locador após adquirir e entregar o bem se torna irresponsável perante as condições do seu gozo. Assim, entendemos ser mais coerente a ideia de que para se conceder o gozo do bem basta que o locador, por si próprio ou por intermédio do vendedor, o entregue ao locatário58. O financiamento encontra-se, assim, concluído com a aquisição do bem e a sua posterior entrega, momento a partir do qual o locador se encontra desvinculado59. Conforme explicita Xxxxxx xx Xxxxx, “ (…) não se pode conceder o gozo da coisa sem a entrega da mesma ao locatário (…) ” e neste sentido, “ (…) a entrega é instrumental da concessão do gozo, pois esta comporta logicamente aquela.”60 Por outro lado, é manifesto que, à luz do ideal do financiamento como cerne do contrato, a entrega do bem ao locatário consubstancia a materialização do financiamento por parte do locador. Como melhor concretiza o xxxxx xxxxxx xx XXX xx 00/00/0000, “Estabelecido o contrato de locação financeira, a sociedade de locação financeira compra ao fornecedor a coisa locada, tornando-se proprietária desta, a fim de poder conceder o gozo da coisa ao locatário.
56 Cfr. É apologista desta concepção Xxxxxxxxxx Xxxxxx, Il leasing finanziaro…,cit., apud Xxxxxxxx Xxxxxxx, Morais, Manual da Locação…, cit, p. 100. Também este último autor é defensor desta ideia, considerando que a aquisição do bem se revela instrumental relativamente à obrigação de concessão do seu gozo. v.g, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit, p. 100.
57 Advoga esta ideia Xxxxxxxx Xxxxx, El leasing, aproximación a los problemas planteados por nuevo contrato, 1971 apud, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit, p. 100. E, também nesta linha, cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, “Locação Financeira e garantia bancária”, Estudos de Direito Comercial (Pareceres ), 1999,
p. 22 e Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, A locação financeira…, cit., p.17.
58 O art. 897º, nº1, al. b) do X.Xxx. de Macau estabelece como obrigação do locador entregar o bem nos termos e condições acordados. Cfr. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Business Law: A code study, The comercial code of Macau, 2004, p.104.
59 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato de leasing…, cit., p.18.
60 Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., p. 22.
Concessão de gozo que se concretiza na entrega da coisa ao locatário feita directamente ou através da cooperação do fornecedor.”61
A última das obrigações típicas que recai sobre o locador é a obrigação de celebrar com o locatário um novo contrato, nomeadamente, o contrato de CV caso o locatário exerça a opção de compra do bem no fim do contrato.
I.4.1.2 Das obrigações do locatário
O art. 10.º do DL nº 149/95 faz menção às obrigações padrão que recaem sobre o locatário, como por exemplo, a obrigação de avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios no bem62 e o dever de efectuar o seguro do bem contra os riscos da sua perda ou deterioração63. Não obstante, para compreensão do tema que nos propomos tratar nesta tese, destacaremos somente o dever de pagamento das rendas.
Desde já é vital fazer um reparo de cariz terminológico para enquadrar a utilização do termo renda. A renda está associada à prestação relativa a um bem imóvel, contudo no caso da LF a renda assume um carácter mais abrangente, podendo dizer respeito a bens móveis ou imóveis e tem ainda um carácter diferente sobretudo quanto à sua função.
Há autores que defendem que a renda tem a função de pagar a futura transferência da propriedade,64 no entanto uma concepção deste teor não colhe pois da lógica da LF não se retira como efeito obrigatório e automático a transmissão da propriedade, antes se remete para uma mera faculdade do locatário.
O pagamento das rendas constitui o correspectivo do financiamento feito pelo locador. Com efeito, ao contrário do que corroboram certos autores65, a renda vai muito além da mera contrapartida pela cedência do gozo patente na locação civil. A renda na locação civil corresponde à redução dos proveitos que o proprietário tiraria do bem e às vantagens que o locatário vai passar a ter. No contexto da LF, as rendas não configuram
61 Ac. do STJ de 14/04/2011.
62 v.g art. 10º, nº1, al. i) do DL nº 149/95.
63 v.g art. 00x, xx0, xx. x) xx XX xx 149/95.
64 Cfr. Xxxxxxx xx Xxxx, Il contratto…, cit., p.48 e G. Ferrarini, La locazione finanziara, 1977, p. 65 e ss, apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…,cit., p.107
65 São exemplo deste pensamento Xxxxxxxxx Xxxxxxx, El leasing financiero y la Ley de venta a plazos de bienes muebles, 1980, pp.759 e ss e Vara de Paz, Naturaleza y régimen jurídico del contrato de leasing, 2001, pp.193 e ss, apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…,cit., p.106. v.g também Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., p. 61.
um carácter meramente locatício, permitindo, antes, a recuperação do investimento feito pelo locador com a aquisição do bem, os encargos financeiros e a sua margem de lucro66. Conforme afirma Xxxxxxxx Xxxxxxxx, “as rendas não constituem a contrapartida do simples desfrute do objecto”.67 De acordo com o entendimento vertido no acórdão do STJ de 12/01/2010, “as rendas no contrato comercial de locação financeira não representam, apenas, a contrapartida da utilização de um bem locado, antes relevam, na sua composição, o valor decorrente da amortização do capital investido, isto é, o custo do bem, a gestão e os riscos próprios e inerentes da dita operação financeira.”68
O carácter que as rendas assumem neste contrato comercial fica patente se se atender ao regime da transferência do risco, pois mesmo nos casos em que o locatário não consiga fazer o uso efectivo do bem, estará, ainda assim, vinculado ao pagamento das rendas, o que comprova que o pagamento das rendas é independente do gozo do bem.
I.4.2 Da cessação do contrato
I.4.2.1 Da resolução
O contrato de LF pode cessar de várias formas, por revogação69, por caducidade70. No entanto, a forma que assume mais relevo, dadas as suas causas e consequências, é a resolução.
O regime da resolução do contrato está consagrado nos arts. 00x x 00x xx XX xx 149/95, estipulando-se, respectivamente, que as partes têm legitimidade para invocar a resolução do contrato em caso de inadimplemento das suas obrigações, em caso de dissolução ou liquidação da sociedade locatária ou em caso de invocação de fundamentos
66 As rendas poderão ser regressivas ou degressivas e fixas ou variáveis. Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato…, cit., p.8. No ordenamento jurídico de Macau está estabelecida a função das rendas. Assim, nos termos do art. 892º do C. Com. de Macau, “ o total das rendas previstas no contrato de locação financeira deve permitir , dentro da vigência do contrato, a recuperação de mais de metade do capital correspondente ao valor do bem locado e cobrir todos os encargos e a margem do lucro do locador, correspondendo o valor residual do bem ao montante não recuperado”. Cfr. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Businnes law… cit., p.108
67 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., pp. 81 e 82. Tradução da língua castelhana feita por nós.
68 v.g Ac. do STJ de 12/01/2010.
69 Enquanto expressão máxima do princípio da liberdade contratual, se as partes podem chegar a acordo quanto à celebração do contrato, então igualmente o poderão fazer quanto ao seu fim, operando com efeitos ex nunc. Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Direito Bancário, 2001 p.428.
70 Tratando-se a LF de um contrato de duração determinada faz sentido que, caso não haja renovação contratual, o contrato se extinga findo o seu prazo.
de insolvência do locatário. Pode ainda retirar-se da letra do art. 17º o afastamento do regime da locação civil e a preferência pelo regime geral, podendo aplicar-se o regime patente nos arts. 432º e ss. do CC se e na medida em que não se mostrem incompatíveis com as especificidades da LF. Assim, no que respeita ao exercício do direito de resolução o art. 436º, nº 2 do CC determina que não havendo prazo estipulado para o exercício deste direito é legítimo às partes convencionarem tal prazo findo o qual caduca o direito resolutivo. Os efeitos da resolução, de acordo com o preceituado no art. 434º, nº 2 do CC em consonância com o art. 433º do CC, não operam efeito retroactivo uma vez que se trata de um contrato de execução continuada.
Por razões de economia da presente tese vamos enumerar somente algumas das causas que podem levar à resolução do contrato pelo locador com base no incumprimento do locatário. Assim, o locador pode resolver o contrato se o locatário utilizar o bem para fim diverso daquele a que se destina71 ou no caso de o locatário não pagar a renda. A falta de pagamento de rendas foi uma das causas de resolução que sofreu profundas alterações pois foi revogada a norma que previa que a mora superior a 60 dias no pagamento das rendas permitia o exercício do direito de resolução72. Com esta revogação, a prática negocial tem demonstrado que basta a falta de pagamento de uma só renda para se poder legitimar o direito resolutivo do locador.
Os efeitos inerentes ao incumprimento pelo locatário são, por regra, a obrigação de restituir a coisa para que não possa fazer mais uso dela, a obrigação de pagamento de rendas vencidas e não pagas até à data da cessação do contrato, a obrigação de pagamento de uma penalização de 20% da soma das rendas vincendas73 e a obrigação de pagamento das despesas que o locador teve com a extinção do contrato.74
A resolução operada pelo locatário baseada no inadimplemento das obrigações do locador tem causas mais remotas uma vez que o leque obrigacional que recai sobre o locador é mais diminuto, no entanto funciona aqui a regra geral do art. 432º do CC.
71 v.g Art. 00x, xx 0, xx. x) xx XX xx 149/95.
72 Esta disposição correspondia ao anterior art. 16º que foi revogado pelo DL nº 285/2001, de 3 de Novembro.
73 A fixação desta percentagem assume-se como uma cláusula penal por forma a ressarcir o locador pelo incumprimento do locatário.
74 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 247 e ss.
CAPÍTULO II - Da natureza jurídica da locação financeira
A qualificação jurídica do contrato de LF é um tema que gera fervorosa controvérsia na doutrina nacional e internacional. Com efeito, podem destacar-se diversos entendimentos, facções e opiniões acerca desta matéria.
Será importante, contudo, frisar que esta discussão não é meramente teórica, apresenta, com efeito, importante relevo prático porquanto ao determinar-se tal natureza saber-se-á qual o regime a aplicar em caso de lacuna legal e permitir-se-á traçar as linhas mestras da interpretação e lógica do próprio regime, ou seja, definir a ratio legis inerente ao regime.
Tal discussão prende-se, portanto, em saber se o contrato LF é um negócio jurídico autónomo ou se se reconduz a um contrato já existente, ou até à fusão de contratos típicos.
II.1. A locação financeira e a locação
Partindo da segunda premissa, foram vários os autores que defenderam a recondução da LF a uma modalidade de locação. Com efeito, se se atender à denominação do contrato é natural ser-se conduzido para a interpretação de que a LF prefigura um tipo de locação tradicional com a particularidade de se destinar a fins empresariais75, porquanto se está a ceder o gozo de um bem mediante uma contrapartida pecuniária. Na doutrina alemã há quem entenda que a função de financiamento inerente a este contrato é meramente acessória do dever principal de ceder o gozo.76
Xxxx-Xxxxxx Xxxxxxx é defensor desta facção, remetendo a LF para uma locação acessória de uma promessa de venda.77 Tabet, num comentário a uma sentença do Tribunal de Vigevano de 11 de Dezembro de 1972, advogou o entendimento de que as cláusulas que isentam de responsabilidade o locador relativamente aos riscos de perda ou deterioração do bem e que transferem tal competência para o locatário se revelam incompatíveis com o
75 É defensor desta interpretação Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, “Locazione financiara nell’ordinamento italiano”, Il Leasing. Profili privatistici e tributari, 1995, pp.85 e ss. apud Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…,cit., p 320.
76 Cfr. Graf von Xxxxxxxxxx, Leasinvertrag, 1987, anotação 218, Emmerich, Grundprobleme des Leasings, JuS, 1990, p.5 e Martinek, Moderne Vertragstypen, p. 64 e ss. apud Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., p. 29.
77 Cfr. Xxxx-Xxxxxx Xxxxxxx, “Le Leasing”, Banque, n.º 221, 1964, apud Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., p.72.
regime da locação do Codice Civile. Defende, ainda, que a opção de compra no terminus
do contrato constitui somente uma cláusula acessória do contrato.78
Este raciocínio carece de um exercício comparativo dos regimes em causa, a locação civil e a LF, atendendo, sobretudo, aos aspectos que aparentam ter maior similitude, como por exemplo, a designação do negócio jurídico, as denominações dos sujeitos (locador e locatário) e a contrapartida pecuniária, a renda.
Assim, tomando como ponto de partida a cedência do gozo de um bem por parte do locador e proprietário do bem, verifica-se que esta condição e obrigação parece igual para ambas as figuras, contudo, é necessário atender às especificidades dos regimes. Por conseguinte, na locação civil é patente a ideia de que o locador, enquanto proprietário do bem, tem como função proporcionar o gozo do bem nas melhores condições por forma a não frustrar o pleno uso do locatário, pelo que será responsável pelos riscos de perecimento e pelos deveres de conservação e reparação.79 Na LF, por sua vez, apesar do locador ser proprietário jurídico do bem, este ao ceder o seu gozo actua, porém, como mero financiador alienando-se dos riscos do bem que são transferidos para o locatário e que, por força da celebração do contrato, se tornará no proprietário de facto do bem. Ou seja, é o locatário que tem o interesse maior no bem pois é ele que o usa e dele depende, enquanto que o locador quando adquiriu o bem não o fez com a intenção de o explorar a tirar daí rendimentos como sucede na locação civil, o locador financia a aquisição do bem para satisfazer uma necessidade do locatário e a contrapartida que recebe representa a forma de amortizar o seu investimento e cobrir o seu lucro. No fundo, na locação o locador actua como proprietário e na LF o locador financeiro actua como mero financiador.80 Pode concluir-se que a cedência do gozo do bem na locação é pura, já na LF apresenta um carácter instrumental na concretização do financiamento, sendo este o ponto central da LF, rompendo-se, nas palavras de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxx Xxxxxx, “ (…) os quadros da pura locação para se entrar no leasing propriamente dito, caracterizado por um regime distinto do da locação.”81
78 Cfr. A. Tabet, “La Locazione di Beni Strumentali”, Banca, Borsa e Titoli di Credito, vol. II, n.º 287, 1973,
apud Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., p.73.
79 v.g Arts. 1030º, 1031º al. b) e 1032º do CC.
80 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato de leasing…, cit., p.11.
81 Cfr. Idem. Xxxxxx, p.6.
O regime do risco82 é outro ponto que estabelece dissonância entre a locação e a LF. Na LF está subjacente uma transferência da responsabilidade pelos riscos e vícios do bem para o locatário por força do papel de mero financiador do locador. Pode assim concluir-se que a chave do contrato de LF não é a coisa, o bem cujo gozo é cedido, mas antes a operação de financiamento, permitindo compreender a lógica de isenção de responsabilidade do locador sobre a condição do bem. Esta característica não se compatibiliza com a lógica da locação civil em que o locador tem a obrigação de prover todas as condições para o gozo do locatário.
No que respeita à renda, na locação civil esta corresponde à contrapartida pela cedência do gozo do bem e a renda apresenta, assim, um carácter periódico e sucessivo, fazendo sentido que desaparecido o bem objecto do contrato desapareça a obrigação de pagar a renda. Na LF, por seu turno, a renda não depende do gozo, correspondendo, antes, à amortização do montante investido na aquisição do bem, à cobertura dos custos de gestão e riscos, bem como ao lucro do locador83. Assim, a renda, na LF não tem correspectivo directo com as vantagens proporcionadas ao locatário pela cedência do gozo do bem.84
Outro dos pontos que apresenta incompatibilidade gritante com o regime da locação é a opção de compra do bem pelo locatário no final do contrato de LF.
Por último, não se poderá descorar os diferentes fundamentos teleológicos destes negócios jurídicos. A locação civil constitui a locação pura em que a finalidade é a cedência onerosa do gozo de um bem, na LF, por sua vez, persegue-se uma finalidade financeira.85
82 Este regime engloba os riscos de inadequação, os vícios do bem, o risco de perda, perecimento ou deterioração, conforme arts. 12.º e 15.º do DL nº 149/95.
83 Nestes casos está-se a pressupor a modalidade de full-pay-out leasing.
84 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, Um exemplo das novas tendências do direito comercial: o contrato de locação financeira entre a origem civilística e a comercialidade, s/data, p.11.
85 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., pp.129 e 130.
II.1.2 A locação financeira e a compra e venda a prestações
Outra parte da doutrina define a LF como uma modalidade de CV a prestações com reserva de propriedade. Percussores desta ideia foram diversos autores italianos86 que entendiam a LF como uma operação de CV, em que as quantias entregues pelo locatário corresponderiam a parcelas do preço.
É possível identificar semelhanças de regime nestas figuras.87 Na CV, o risco de perecimento ou deterioração e o risco económico corre por conta do adquirente à feição do que sucede na LF em que a responsabilidade por tais riscos é da competência do locatário. Segundo esta concepção, o locador tem como obrigação a entrega do bem e o locatário fica incumbido de pagar o preço do bem, acrescido de juros, lucro e outros encargos, de forma repartida. Numa perspectiva económica, no fim do contrato o locador recebe o preço pago pelo bem e o seu lucro, e o locatário recebe, nas palavras de Xxxxx Xxxxx de Campos, “ (…) o equivalente (económico) da coisa” podendo defender-se que as finalidades destes contratos possam ser similares.88
No entanto, uma concepção deste teor é de rejeitar porquanto a transferência do direito de propriedade só se dá, eventualmente, no final do contrato com a celebração de um contrato de CV posterior à LF. Na CV a prestações o direito de propriedade transfere- se para o comprador automaticamente com o pagamento da última prestação.89
Pode destacar-se, por outro lado, para o afastamento desta tese, o papel desempenhado pelo locador, na estrutura económica tripartida, como mero financiador, enquanto que na CV a prestações o vendedor não apresenta esta feição. Pode ainda referir- se que a função da LF é o financiamento e na CV a prestações a sua função é a transmissão da propriedade de um bem em troca de dinheiro.90
86 São apologistas desta compreensão, Bonfante, “Il contrato di vendita”, Contratti commerciali, a cura di Xxxxxxx, no Tratatto dir. comm. dir. pubblico económico, Diretto da Xxxxxxx, 1991 e Constanza, Il contrato atípico, 1981.
87 v.g Ac. de 15/03/2012 do Tribunal da Relação de Lisboa.
88 Cfr. Diogo Leite de Campos, A Locação…, cit., p.128.
89 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 322.
90 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxx, Alguns aspectos do contrato de compra e venda a prestações e contratos análogos, 1995, pp. 87 a 92.
II.1.3 A locação financeira e o mútuo
Outra facção da doutrina defende a recondução da LF ao instituto do mútuo. Giovanoli é um dos autores que entende que na LF se está perante um mútuo, pois o locador transmite ao locatário o montante para a compra do bem e o efeito translativo da CV reproduz-se, contudo, na esfera jurídica do locador por forma a que o direito de propriedade sirva como garantia da restituição do bem.91 Por conseguinte, o contrato terá a sua base num crédito e as rendas pagas não corresponderão à contrapartida da cedência do gozo, mas ao empréstimo de um certo capital.
Este entendimento é de afastar, pois se se atender à forma de restituição da coisa no termo do contrato, o contrato de mútuo determina que seja entregue coisa da mesma espécie, quantidade e qualidade92, enquanto que na LF a restituição se refere aquele mesmo bem que foi entregue ao locatário.
II.1.4 A locação financeira e os contratos mistos e a coligação de contratos
A discussão em torno do carácter misto da LF vai muito além da sua qualificação jurídica, permitindo perceber qual o teor das relações existentes entre todas as partes envolvidas nesta operação. Por conseguinte, compreender-se-á qual a relação existente entre o contrato de CV e o contrato LF, indagar se existe ou não um plano económico distinto do plano jurídico e, por consequência, perceber se a LF apresenta uma estrutura bilateral ou trilateral.
Para melhor entendimento desta facção convém fazer uma nota prévia acerca dos contratos mistos enquanto afloramento da autonomia privada93. Um contrato é misto quando nele se integram elementos de dois ou mais negócios típicos que ao fundirem-se
91 Cfr. Xxxxx Xxxxxxxxx, Le Crédit-Bail (Leasing) en Europe: Développement et Nature Juridique, 1980,
apud Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., p. 77.
92 v.g art. 1142º do CC.
93 Cfr., Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada,
1994, p. 464 e ss.
criam uma unidade94. Autores como Xxxxxxx Xxxxxx00, Menezes Cordeiro96, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx e Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx defendem a natureza mista do contrato de LF.98
Diogo Leite de Campos defende que a LF é conformada de tal forma pela conexão existente entre a CV e a locação que preclude qualquer apreciação destes contratos em termos isolados. Xxxxxx, a locação do bem consubstancia o fim máximo do contrato, por isso determina a denominação deste tipo contratual, e a CV materializa a vertente financeira do contrato, podendo defender-se que a LF é um contrato com duas causas, a locação e o financiamento.99
Este autor advoga que o sentido da existência e a execução destes contratos está de tal modo conexionado que a actuação das partes se encontra numa relação de íntima dependência. A LF integra, assim, elementos da CV e da locação. Concluindo com o pensamento do mesmo autor “o nexo entre os contratos actua numa ligação genética (numa dependência a nível dos nascimentos), numa ligação condicional (dependência de existência até à extinção) e numa ligação funcional (dependência na fase de execução)”.100
Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, por seu turno, afirma que o carácter misto da LF se evidencia através da existência neste contrato de elementos da locação, da CV e do mútuo, determinando que a base e finalidade do contrato é a locação mas que, em termos funcionais, predomina o factor financeiro.101
Também na doutrina espanhola existe uma facção102 que defende o cariz unitário ou misto da LF em que se concentra ou unifica neste contrato as operações da CV e da cessão do gozo do bem. Existe, inclusivamente, uma posição jurisprudencial que, com base neste
94 Cfr. Vaz Serra, “União de Contratos. Contratos Mistos” BMJ, 91, 1960, p.7 apud Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Cumprimento defeituoso…, cit., p. 462 e ss. v.g Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Direito das obrigações, 1997, pp. 86 e 87.
95 Cfr. Xxxxxxx Xxxxxx, Das obrigações em geral, 2000, p. 281.
96 Cfr. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Manual de Direito…, cit., p. 674.
97 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, O contrato…, cit., p. 31.
98 Posição acolhida também por Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxx, v.g Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p.323
99 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Ensaio…, cit., p. 72.
100 Cfr. Idem, ibidem, p.73
101 Cfr. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, A locação financeira…, cit., p. 11
102 Destaca-se Manzano Solano, Sobre la naturaleza jurídica del leasing o arrendiamento financiero, p. 1814, Xxxx xx Xxx, Leasing financiero, 1990, pp. 554 e 555 e, ainda, Xxxxxx Xxxxxxx, El regimén jurídico del leasing financiero inmobiliario en España, 2001, pp. 184 e 185 apud Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 37.
carácter misto da LF, proclama a transposição da dimensão trilateral para o plano jurídico.103
Outra interpretação da natureza da LF assenta na doutrina da coligação de contratos. A coligação de contratos ou união de contratos pressupõe a existência de dois ou mais contratos que, sem perder a sua autonomia e individualidade, se encontram conexionados.104
A linha maioritária da jurisprudência e doutrina espanhola defende a presença, no contrato de LF, de dois negócios jurídicos distintos e autónomos mas que se encontram ligados. Esta relação de conexão torna-se evidente devido à co–influência existente no prosseguimento pelas partes dos seus objectivos e interesses, patentes na estrutura económica desta operação de financiamento. Esta linha de entendimento determina, assim, que a conexão entre os contratos pode ser tão intensa que se poderá entender que um dos contratos é a base negocial do outro e, por consequência, as vicissitudes que ataquem essa base repercutir-se-ão na esfera jurídica do outro contrato.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx entende que é inegável o reconhecimento de dois contratos conexos na LF, porquanto neste negócio existe um contrato de financiamento que se executa numa CV.105
Concepção similar é defendida por Xxxxxx xx Xxxxx que, seguindo uma corrente da doutrina alemã106, e apesar de qualificar a LF como um contrato sui generis, determina existir neste contrato uma “dupla causa” do leasing, deixando patente a função financeira e a função de cedência do gozo. Este autor sustenta este pensamento com base nas obrigações legais das partes, com efeito, ao determinar-se como obrigações primordiais do locador a obrigação de adquirir o bem e de conceder o seu gozo, está a fazer-se referência directa à CV e à posterior locação do bem.107
103 Cfr. STS 4/12/1997 (R.A. 8728/1997) apud Gonzállez Castilla, Leasing financiero…, cit., p.36
104 Cfr. Xxxxxxx Xxxxxx, Das obrigações…, cit., p. 282. Para haver união de contratos têm de se verificar dois requisitos cumulativos, a pluralidade de contratos e um nexo de ligação entre eles. Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 273 Para uma abordagem mais detalhada v.g Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Direito das obrigações, cit., pp. 87, 88 e 89.
105 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 43.
106 Na doutrina alemã defende-se, para além da tese da dupla função da LF, que este contrato pode qualificar- se como uma locação atípica ou mesmo uma locação pura. Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., p.29.
107 Idem, ibidem, p. 29.
II.1.5 Crítica à teoria do contrato misto e dos contratos coligados: A locação financeira como contrato de financiamento autónomo com características específicas
Assumimos fortes reservas quanto à teoria do contrato misto por não entendermos ser a compreensão que consagra a essência e a razão de ser do regime da LF. Senão vejamos, de acordo com a teoria mista existem dois contratos que se fundem para formar uma unidade, no entanto, não pode descurar-se que existe uma cisão profunda entre a relação económica da LF e a relação jurídica deste negócio. No plano económico, a LF põe em contacto três sujeitos, o vendedor que quer escoar mercadoria, o locatário que quer usar e fruir de um bem de que necessita, e o locador que quer obter lucro pelo financiamento realizado em benefício do locatário. No plano jurídico, por sua vez, é patente a celebração de dois negócios jurídicos distintos que, por força do princípio da eficácia relativa dos efeitos dos contratos108, faz com que nas relações entre o vendedor e comprador valha o regime da CV, ainda que o objecto do contrato tenha sido indicado pelo locatário, e na LF se aplique, por seu turno, o regime deste contrato comercial remetendo somente para as relações entre o locador e locatário. Conforme bem assinala Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, “Em ambos os contratos, tanto bilaterais como distintos, apenas o locador é comum mas actuando em posições jurídicas completamente diferenciadas, ora como comprador, ora como locador.”109 Neste sentido, pode afirmar-se que os três interesses das partes não se reconduzem a um único contrato, afinal sempre poderá dizer-se que ao vendedor será indiferente a relação entre o comprador/locador e locatário, pois a sua pretensão é escoar mercadoria e receber o preço.110Ora, até por uma questão de estrutura do contrato será de rejeitar esta compreensão unificada da LF.
No que respeita à existência de uma coligação de contratos, é possível rebater esta linha de entendimento considerando o facto de a CV se assumir como um contrato de execução instantânea por oposição à LF que constitui um contrato de execução continuada. Conforme defende Xxxxxx xx Xxxxx, “ (…) não se pode dizer que haja uma coligação negocial em sentido técnico, com a consequência de que a patologia de um contrato acarreta automaticamente a patologia do outro”.111
108 v.g Art. 406º, nº2 do CC.
109 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, “A locação financeira” ROA, 1985, p.269.
110 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., pp.39 e 40.
111 Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., p.19.
Neste sentido, apesar de para a efectivação da LF ser necessário adquirir o bem celebrando uma CV, tal não constitui motivo suficiente para afirmar que a CV é a base ou causa da LF e que, por isso, existe uma coligação entre estes contratos. Com efeito, não se pode negar que sem a CV não se consubstancia qualquer financiamento e não se cede, consequentemente, o gozo ao locatário, sendo por isso forçoso afirmar que a CV é a causa material da LF. Contudo, a CV é simultaneamente a consequência jurídica da LF na medida em que constitui uma operação instrumental da execução do contrato de LF e assim a concretização do financiamento. Ou seja, o locador ao adquirir a coisa está apenas a concretizar um elemento instrumental da operação necessário para realizar o financiamento do locatário e, neste sentido, poder-se-á concluir que a CV é somente uma derivação do financiamento.112
Por outro lado, defender que a CV é a base da LF é uma forma de imprimir uma concepção locatícia à LF, pois está-se colocar o acento tónico no objecto do contrato, o bem, como elemento central da LF, o que, à luz da nossa percepção, contraria a essência deste negócio jurídico em que o financiamento é o núcleo central do contrato. Xxxxxxxxxxx, assim, do pensamento de António Pedro A. Xxxxxxxx quando afirma que “ (…) o elemento financeiro assume-se como o traço essencial distintivo da figura.”113
Xxxxxx xx Xxxxx advoga que a LF não pode ser encarada somente como um contrato de financiamento sob pena de se descorar a importância da obrigação da cedência do gozo do bem114. No entanto, este argumento não colhe pois se é certo que a aquisição do bem por parte do locador espelha a concretização do financiamento, certo será também, até por força do princípio da boa fé e do princípio pacta sum servanda, que a disponibilidade material do bem decorre naturalmente da materialização desse financiamento na esfera do locatário115, ou seja, a cessão do gozo do bem está incorporada no financiamento do locador, isto é, trata-se de um instrumento de realização desse escopo.116
Pode afirmar-se, então, que na LF a chave central do contrato não é o bem como acontece na locação civil, mas que estamos, antes, perante um instituto que se traduz numa operação de financiamento, e este sim, é o marco central do contrato.
112 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p.44.
113 Cfr. Xxxxxxx Xxxxx X. Ferreira, Direito Bancário, 2009, pp. 706 e ss.
114 Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., pp. 27 e 28.
115 Resulta do art.9º, em conformidade com o art.8º do DL 149/95, que a materialização da cedência do gozo do bem constitui uma das obrigações do locador e que pode, inclusivamente, conformar o início da vigência do contrato de locação financeira.
116 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, Direito Comercial…, cit., p. 402.
A compreensão que entendemos ser mais consentânea com ratio do contrato, ou seja, com a sua função económico-financeira e negocial, é aquela em que se exalta o financiamento como fundamento e a pedra de toque deste tipo contratual, porquanto este entendimento é o que melhor se harmoniza com o regime legal. Neste sentido, no que respeita aos deveres das partes, consegue justificar-se plenamente o papel de mero intermediário financeiro do locador que é alheio e irresponsável relativamente às condições do bem, possibilitando compreender que o regime dos vícios e riscos seja transferido para o locatário e permitindo assimilar a vertente financeira do contrato. Esta interpretação coaduna-se, ainda, com a lógica da estrutura trilateral da relação económica subjacente a este tipo contratual e que não se traduz de forma alguma na relação jurídica. Com efeito, como assentámos, o contrato de CV constitui uma consequência jurídica instrumental da execução da operação de financiamento e, por isso, se compreende que as relações entre este contrato e a LF se assumam num plano meramente instrumental ou operativo, por forma a concretizar a vertente creditícia ou financeira do contrato, e não numa dimensão de conexão íntima ou coligação que determine que as vicissitudes da CV se repercutam no contrato de LF, atendendo ao regime de desoneração dos vícios e riscos do bem por parte do locador117. Conforme defendem autores como Xxxxxx Xxxxxxxx, o direito de propriedade do locador resulta de uma operação meramente instrumental para a concretização do financiamento feita de acordo com as necessidades e exigências do locatário.118
É ainda de referir que a possibilidade conferida ao locatário de, no fim do contrato, poder adquirir a propriedade jurídica do bem não desvirtua a vertente financeira deste contrato pois este financiamento opera pela disponibilidade de um bem, quer seja para o gozo temporário, quer para a sua aquisição.119
Desta forma, a proposta que tecemos é a de que o contrato de LF se qualifique como um contrato de financiamento com especificidades suficientes para merecer plena autonomia e em que a feição financeira assume o carácter central deste contrato, pois é através deste financiamento do locador que se colmatam as necessidades do locatário em fruir de um bem. Consideramos, à feição de autores como Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, que a LF se subsume nos contratos de financiamento caracterizados pelo facto de se colocar na
117 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 38.
118 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx, I contratti nuovi. Factoring. Locazione finanziara, 1999, pp. 74 e ss, apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 169 e 170.
119 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit. p.322.
disponibilidade do beneficiário determinados serviços ou operações financeiras, neste caso bens, sem que haja disponibilização monetária.120
Ora, feitas estas observações e para não esvaziar o sentido do apuramento da natureza do contrato, estamos em condições de afirmar que, dada a autonomia do contrato de LF e as suas especificidades enquanto contrato comercial, em caso de lacuna legal o regime civil será aplicável “ (…) apenas se e na medida em que houver analogia”, conforme afirma Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx.121 Por conseguinte, o Direito civil deverá ser aplicado tendo em conta a sua articulação com as disposições especiais do Direito comercial e os interesses e especificidades das relações mercantis.122
120 Diferentemente, os contratos de crédito caracterizam-se pelo facto de se disponibilizar determinada quantia monetária ao beneficiário do crédito. Cfr. Xxxx X. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Direito dos contratos comerciais, 2012, pp. 515 e 516.
121Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato de leasing…, cit., p. 9
122Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, “Transmissão e cessação de contratos comerciais: Direito comercial e Direito civil nas relações comerciais”, Nos 20 anos do código das sociedades comerciais, homenagem aos Profs. Doutores A. Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxxx, 2007, p. 296.
CAPÍTULO III – Da desconformidade do bem na locação financeira
Feita a contextualização geral do regime da LF e a relação existente entre o contrato de CV e a LF, estamos agora em condições de nos debruçarmos sobre o busilis desta tese, a desconformidade do bem na LF e as suas implicações.
III.1. Da desconformidade do bem e a regra da irresponsabilidade do locador
A questão da desconformidade do bem põe em relevo, em primeiro plano, qual o significado da desconformidade para efeitos do contrato de LF.
O problema da desconformidade do bem ocorre, em traços gerais, quando, no âmbito da execução normal123 do contrato de LF, o locatário dá conta da existência de vícios ou defeitos que tornam a utilização do bem impossível em face dos fins para o qual foi adquirido. Para efeitos de terminologia, poder-se-á considerar vícios do bem aqueles que assumem uma desconformidade relativamente ao contrato, ou seja, os que constituem vícios materiais ou de facto.124
Em segundo lugar, o problema da desconformidade do bem cria evidentes transtornos para o gozo pleno do locatário. Neste sentido, antes de explorar qualquer reacção que o locatário possa ter, enquanto proprietário económico do bem, é prudente fazer nota daquilo com que ele não pode contar em face da regra da exoneração de responsabilidade do locador.125 Com efeito, conforme o preceituado nos arts. 00x x 00x xx XX xx 149/95 determina-se a regra da irresponsabilidade do locador perante as vicissitudes que perturbem o uso do bem. Impõe-se assim a lógica de que as obrigações do locador cessam depois de ter adquirido o bem de acordo com a escolha, as indicações e as exigências do locatário e com a posterior cedência do gozo. Ou seja, cumpridas estas
123 Entende-se por execução normal do contrato o cumprimento prévio do locador da obrigação de adquirir e ceder o gozo do bem ao locatário e este pagar as rendas correspondentes.
124 Considera-se para estes efeitos, vícios que desvalorizem a coisa, vícios que impeçam a realização do fim a que o bem se destina, vícios em que o bem não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou as necessárias para a realização do fim a que se destina. v.g art. 913º do CC e art. 2º n.º2 do DL nº 61/2003, de 8 de Abril. Para uma visão mais detalhada da noção de defeito v.g Ac. do STJ de 21/05/202, pp. 7 e 6 e Ac. do STJ de 13/03/2003, pp. 6 e 7.
125 Rescio defende que, de acordo com uma concepção locatícia da LF, o carácter financeiro deste contrato não pode arredar algumas matérias da locação e, neste sentido, a cláusula de exoneração será abusiva. Cfr.
X.X Xxxxxx, La traslazione del rischio contrattuale nel leasing, 1989, pp. 150 e ss. apud Xxxxxxxx Xxxxxxxx,
Leasing financiero…, cit., p. 157.
obrigações o locador deixa de estar vinculado com as condições e qualidades do bem, o que é consentâneo com a letra do art. 12º126 que desonera de responsabilidades o locador pelos vícios da coisa ou pela sua inadequação face aos fins do contrato e com o preceituado no art. 15º que liberta o locador de obrigações perante o risco de perda ou deterioração do bem.
Todo o regime de isenção de responsabilidade do locador é compreensível tendo em conta a natureza financeira do contrato, o papel de mero financiador do locador e pelo facto de ter sido o locatário a escolher o bem, o que comprova, mais uma vez, o papel do locador como intermediário financeiro ao qual são indiferentes as qualidades do bem findo o cumprimento das suas obrigações. Este regime tem ainda um argumento lógico a seu favor, pois se foi o locatário que escolheu o bem, o vendedor e as condições do bem e da sua venda, será portanto compreensível que seja ele a suportar os riscos de perturbação do seu gozo.
Esta regra é largamente aceite na doutrina nacional127 e estrangeira128, ainda que certos autores subordinem a isenção de responsabilidades do locador à condição da existência de meios de o locatário poder reagir directamente contra o vendedor129.
126 Fica excluída desta exoneração os casos patentes no art. 1034º do CC.
127 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, A Locação…, cit., pp. 105 e 106. v.g Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., pp. 56 e 57, 184 e 185, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., p. 23, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit, pp.186 e 187, e Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, Um exemplo das novas…, cit., p. 4.
128 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 155. E v.g ainda Xxx Xxxxx Frías, Los contratos conexos, Estudios de supuestos concretos y ensayo de una construcción doctrinal, 1994, pp. 117 e 118, A. Xxxxx, La locazione…, cit., p. 292 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit, pp. 186.
129 É o caso de Xxxxxx Xxxx que condiciona a exoneração do locador ao facto de este actuar sem dolo e sem conhecimento dos vícios e, por outro lado, que o locador tenha de conceder meios para o locatário reagir contra o vendedor, “La subrogación xx xxx xxxxxxxx xx xx xxxxxxxx xx xxxxxxx xxxxxx xx provedor o vendedor”, Act. Civil, 1989, p. 299 e ss, apud, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit,
p.186. Cfr. ainda Xxxxxxx xx Xxxx, Il contrato…, cit., p. 40 e G. Ferrarini, La locazione…, cit., apud, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit, p. 186. v.g X.X Xxxxx Xxxxx, “Comentário a la STS de 8 de Febrero de 1996. Leasing: vícios de la cosa. Subrogación del usuário en las acciones de comprador arrendador. Resolución de la compraventa y del arrendamento financiero. Daños y perjucios. Congruencia” Cuadernos Civitas de Jurisprudencia Civil, nº 41, pp. 755 e ss apud Xxxxxx Xxxx Xxxxx,”El incumplimiento de provedor en el marco de la relación jurídica de leasing comentário a a sentencia del tribunal supremo de 26 de Febrero de 1996”, Revista de Derecho Privado, 1998, p. 416.
III.1.1 Da desconformidade do bem e a sub-rogação dos direitos
A problemática da desconformidade do bem dado em LF é, por força da celebração do contrato de CV, da responsabilidade do vendedor. Neste sentido, atendendo ao regime de exoneração de responsabilidade do locador e ao seu desinteresse perante tal questão, torna-se vital realizar meios de tutela dos interesses do locatário.
A prática tem demonstrado que nos ordenamentos jurídicos em que o regime da LF é omisso quanto a este aspecto, vale a regra da aposição de uma cláusula no contrato que concede ao locatário o exercício dos direitos contra o vendedor.
À luz do art. 13º do DL nº 149/95, encontra-se estabelecida, no nosso ordenamento jurídico, a faculdade de o locatário poder exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de CV. Esta possibilidade surge como consequência da isenção de responsabilidade do locador que, apesar de ter sido o comprador no contrato de CV, assume no âmbito da LF a sua feição de mero financiador desvinculando-se de obrigações e transferindo tais responsabilidades para o locatário, e, por outro lado, a tutela do locatário justifica-se pelo facto de lhe estar vedada qualquer reacção contra o locador. É ainda possível compreender este regime em face do próprio papel do locatário que, como proprietário económico que faz o gozo de facto do bem, suporta todos os riscos inerentes do bem e assim, por uma questão de equilíbrio, não poderia ser-lhe vedada reacção contra o vendedor em face da exoneração do locador. Por estas razões, verifica-se que o locatário fica munido, com a sub-rogação, de maior segurança, justificando plenamente a continuação do pagamento das rendas no âmbito da LF ainda que a coisa padeça de vícios.
A maioria dos autores defende que o regime estabelecido no art. 13º do DL nº 149/95 expressa uma sub-rogação legal pois o locatário assume a posição jurídica do locador (credor) actuando directamente contra o vendedor (devedor)130. Outros advogam tratar-se de um mandato in rem propriam, ou uma cessão de créditos em garantia131.
130 Cfr. Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, A Locação…, cit., pp. 104 e 143, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 193, e Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., pp. 56 e 57. E na doutrina espanhola Xxxxxx Xxxx Xxxxx, El incumplimiento…, cit., p. 415 e M. X Xxxxx Xxxxx, Comentario a la STS… cit., p.7.
131 Cfr. Xxxxxxx xx Xxxx, Il contrato…, cit., p. 41, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx, Droit bancaire, p. 375, apud Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, Manual da Locação, cit., p.193. E, ainda, Xx Xxxxxxx Xxx, De la symbiotique dans les leasing et crédit-bail mobiliers, 1970 apud Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., pp. 55 a 57.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx afirma tratar-se de uma sub-rogação convencional.132 Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, por sua vez, qualifica esta faculdade como uma cessão ex lege e imperativa, considerando tratar-se de uma transferência directa de direitos, não tendo um carácter subsidiário relativamente a qualquer acto do devedor133. Xxxxxx Xxxxxxx defende ainda a possibilidade de o locatário reagir directamente contra o vendedor em nome próprio134.
A nosso ver o art. 13º consagra uma sub-rogação legal135 porquanto ao locatário são transferidos os direitos do credor originário para a satisfação do crédito, enquanto premissa inerente ao regime, e o terceiro tem interesse directo na satisfação do crédito.136 Por outro lado, é patente que o âmbito desta sub-rogação não determina que o locador ceda a sua posição de proprietário, mas antes os meios de defesa da sua condição de comprador.137
Este regime permite colocar o locatário numa posição mais equilibrada e protegida em face do incumprimento do vendedor, sendo-lhe concedidos os meios de promover o restabelecimento do gozo do bem ou, no limite, os meios extintivos da relação contratual.
III.1.2 Dos meios de tutela do locatário
Atenta à possibilidade consagrada pelo art. 13º é necessário apurar em que termos e com que amplitude pode o locatário reagir contra o vendedor. Dispõe este preceito que o locatário pode exercer “ (…) todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda (…) ” mas será, no entanto, pertinente questionar se o âmbito da sub-rogação é total ou parcial.
Assim, o locatário dispõe, em termos gerais, dos meios que caberiam ao comprador de coisa defeituosa, ou seja, a reparação da coisa, a substituição da coisa no caso de ter natureza fungível, a redução do preço ou a resolução do contrato, sem prejuízo do pedido indemnizatório a que haja lugar.
132 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 168
133 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, Direito Comercial…, cit., p. 401.
134Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, “La problemática del leasing finanziaro come tipo contrattuale”, RDCivile, Parte II, 2000, p. 684 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p.193
135 v.g Art. 592º do CC.
136 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, Direito das obrigações, 1991, pp. 683, 685 e 689. v.g Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Direito das obrigações, cit., p. 286
137 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 170.
Será importante salientar que o locatário não pode, ao abrigo da sub-rogação, exercer a excepção de não cumprimento pois, ainda que assuma a posição do comprador quanto ao exercício dos direitos de defesa, não há qualquer obrigação por cumprir para opor ao vendedor, com efeito o sinalagma da CV determina o pagamento do preço e a transferência da propriedade, desta forma, uma vez que o preço já foi integralmente pago pelo comprador (locador) não poderá o locatário exercer este direito.
Para o exercício destes direitos valem as regras do regime civil da CV de coisa defeituosa, conforme os arts. 913º e ss. do CC. Por conseguinte, o locatário terá de denunciar o defeito ao vendedor em 30 dias dentro dos 6 meses após a entrega no caso de se tratar de bem móvel, ou de 1 ano dentro dos 5 anos após a entrega do bem imóvel138, sob pena de caducidade do exercício dos direitos.
III.1.2.1 Da reparação, da substituição do bem e do pedido indemnizatório
No que respeita ao exercício do direito à reparação do bem ou a sua substituição, entende-se que existe somente um incumprimento temporário, pelo que a pretensão do locatário é a de promover o exacto cumprimento do contrato, ou seja, pretende-se a convalescença do contrato, a expurgação dos vícios que perturbem o gozo. Cumpridas estas obrigações pelo vendedor, tudo ficará na situação que se encontrava antes do surgimento do defeito do bem. Neste sentido e como é aceite de forma pacífica na doutrina, o exercício destes direitos não importa qualquer repercussão no contrato de LF continuando o locatário vinculado ao pagamento das rendas.
O direito à indemnização é outro dos meios a que o locatário poderá recorrer por força do art. 13º. Assim, desde que se preencham os pressupostos da responsabilidade civil139, poderá o locatário ser compensado pelos danos sofridos. A indemnização pode ser autónoma relativamente ao exercício dos outros direitos ou pode cumular-se tal pedido com qualquer um dos outros direitos.140
138 v.g Art 916º nº 2 e 3 do CC.
139 v.g. Art. 483º e ss do CC.
140 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 200 e 201.
III.1.2.2 Da redução do preço e da resolução do contrato de compra e venda
A redução do preço tem subjacente o restabelecimento do equilíbrio negocial e determina a manifestação da intenção do locatário em conservar o bem defeituoso na sua posse. A resolução, por sua vez, implica um incumprimento grave das obrigações que torne impossível a manutenção da relação jurídica e leve assim à sua destruição.141
A admissibilidade destes meios de tutela do locatário provoca, contudo, controvérsia doutrinal. Com efeito, Xxxxx Xxxx defende que à partida os meios de reacção directa do locatário contra o vendedor não devem abranger o direito à redução do preço ou o direito de anulação/resolução do contrato, salvo os casos em que se preveja expressamente essa possibilidade numa cláusula do contrato.142
Na doutrina nacional destaca-se Xxx Xxxxx Xxxxxx que sustenta que o conteúdo da sub-rogação legal não é total, devendo estar vedado ao locatário o exercício do direito resolutivo da CV pois admitir tal opção acarretaria prejuízo para os interesses do locador.143
Já Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx julga que ao locatário devem ser conferidos os direitos potestativos da redução do preço e da resolução do contrato de CV. Sustenta que admitir-se o contrário seria colocar o locatário numa posição desprotegida pois não poderia fazer uso de todos os meios de tutela conferidos ao comprador comum. Defende ainda que só ao conferir o pleno exercícios de todos os direitos ao locatário se alcança “ (…) o equilíbrio negocial entre a posição do locador financeiro, que se exonera de responsabilidade, e o interesse do locatário financeiro que suporta determinados riscos”.144
Na mesma linha Xxxxxx xx Xxxxx entende que o locatário pode exercer contra o vendedor todos os direitos conferidos ao comprador dentro dos quais se inserem o direito à
141 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, União de contratos de crédito e de venda para o consumo, 2004, p.
119. Conforme se pronuncia o STJ “O direito de resolução é um direito potestativo extintivo, depende de um fundamento”. Neste sentido, para se invocar este remédio jurídico terá de se provar a existência de desconformidade e da sua gravidade, por forma a destruir a reacção jurídica. v.g Ac. do STJ de 24/05/2002, pp. 9 e 10
142 Cfr. Xxxxx Xxxx, I contratti di finanziamento dell’impresa. Leasing e factoring, 1997, p. 33 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 197 e 198.
143 Cfr. Xxx Xxxxx Xxxxxx, Escritos…, cit., p. 57. Na jurisprudência esta posição foi acolhida no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 6/10/2004, apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 203.
144 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 199 e 200.
redução do preço e à resolução da CV como forma de retirar o locatário de uma “ (…) posição injustificadamente onerosa (…) ”.145
Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx sustenta que a letra do art. 13º do DL nº 149/95 permite ao locatário obter, de entre os demais direitos do comprador, a rescisão da venda.146
Na doutrina estrangeira, autores como J. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx000, Xxxxxx Xxxxxxxx000 e M. Harichaud-Ramu149 colocam em discussão a legitimidade activa do locatário para propor a acção de resolução da CV e mostram as suas dúvidas quanto a esta possibilidade considerando que existe ausência de legitimidade. Xxxxxx Xxxx afirma, inclusivamente, que a falta de legitimidade do locatário se justifica com base no princípio da relatividade dos efeitos dos contratos.150
Outro grupo de autores como Xxxx Xxxxx000, Xxxxx Xxxxx000, X. Rojo Ajuria153 e Xxxxxxx-Xxxxxx000 sustentam que o locatário pode exercer directamente a acção de resolução contra o vendedor tendo em conta a conexão existente entre a CV e a LF que se manifesta também no plano jurídico e, alguns deles vão mais longe, afirmando que o locatário não é um terceiro no contrato de CV pois foi ele que escolheu o bem.155
Xxxxxx Xxxxxxx, por sua vez, considera estar ao total dispor do locatário todos os meios de tutela conferidos ao comprador, pois se assim não fosse importaria um esvaziamento do sentido da regra da exoneração de responsabilidade do locador e da sub-
145 Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia…, cit., p. 24
146 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, A Locação…, cit., pp. 104 e 105.
147 Cfr. J. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Elementos de Derecho Civil, II, vol. 1º, 2ª edic., Barcelona, 1985, p. 273 apud
M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 7
148 Cfr. R. Clarizia, Collgamento negoziale e vicende della proprietà. Due profili della locazione finanziara,
Maggioli, 1982, p. 45 apud, M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 7
149 Cfr. M. Harichaud-Ramu, “Le transfert des garanties dans le crédit-bail mobilier (Etude de contrats- types)”, Révue trimestrielle de droit commerciale et droit économique, 1987, p. 260, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 7
150Cfr. F. Xxxxxx Xxxx, La subrogación en los derechos de la compañía de leasing frente al provedor o vendedor, 1989, p. 1069 apud M. X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…,cit., p. 9.
151 Cfr. Xxxxxx Xxxx Xxxxx, El incumplimiento…, cit.,, p. 508
152 Cfr. Xxx Xxxxx Xxxxx, Los contratos conexos…, cit., p.122 apud M. X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p.8
153 Cfr. J. Xxxx Xxxxxx, “Comentario a la sentencia del Tribunal Supremo de 00 xx xxxxx xx 0000”, Xxxxxxxxx Civitas de Jurisprudência Civil, 1989, p. 608 apud, M. X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p.8
154 Cfr. J. L. Xxxxxxx-Xxxxxx, Leasing financiero mobiliario, Madrid, 1989, p. 203 apud M. X Xxxxx Xxxxx,
Comentário a la STS…, cit., p.8.
000 Xxx. Xxxxxxx Xxxxx, Xx acción directa, 1989, p.143 e Giovanoli, Le crédit-bail (leasing) en Europe: developpement et nature juridique, 1980, p.404 apud M.J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS… cit., p. 9
rogação dos seus direitos ao locatário o que, consequentemente, acarretaria um desvirtuamento do regime da LF.156
Na jurisprudência francesa e alemã é recorrente a admissibilidade da acção de resolução da CV intentada pelo locatário.157 Em Espanha a pronúncia da jurisprudência já acolheu ambas as possibilidades, com efeito na STS de 26 de Junho de 1989 não é admitida a possibilidade de o locatário sub-rogar-se no exercício do direito de resolução da CV. Já na decisão do Tribunal Superior de Justicia de Navarra de 22 de Maio de 1992 e na sentença do Tribunal Supremo de 8 de Fevereiro de 1996 estabelece-se com carácter geral a admissibilidade e validade da sub-rogação do locatário para o exercício do direito de resolução do contrato de CV.158
Entendemos que a letra do art. 13º é inequívoca ao consagrar para o locatário todos os meios de tutela que caberiam ao comprador. Por conseguinte, não é admissível a exclusão de qualquer meio ao locatário que é o proprietário económico e que faz o uso efectivo do bem. Por maioria de razão, não seria sequer razoável impor uma solução pela metade, isto é, uma solução que não permitisse ao locatário o acesso a todos os meios de protecção da sua posição jurídica que nestes casos se encontra fragilizada dado o incumprimento definitivo do vendedor.
III.1.3 Dos efeitos do exercício do direito de resolução da compra e venda
Admitido o exercício do direito de resolução, ao abrigo da sub-rogação legal consagrada no art. 13º do DL nº 149/95, importa considerar e analisar quais os seus efeitos para as relações contratuais que as partes integram, sobretudo, para o contrato de LF, e o seu alcance.
A resolução do contrato de CV importa, por força do art. 289º do CC, a sua nulidade e a consequente destruição dos seus efeitos com força retroactiva. Assim, sendo a CV um contrato de execução instantânea, a sua nulidade determina a restituição do que
156 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, El regimén jurídico…, cit., pp. 204 e 205 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 198
157 Cfr. M. X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p.8.
158Idem, ibidem, pp. 8 e 9.
houver sido prestado, isto é, o comprador tem de devolver o bem objecto do contrato e o vendedor o preço recebido.
Perante este cenário, a doutrina e a jurisprudência problematizam se este desfecho da CV importa ou não consequências para a LF.
Xxxxxx xx Xxxxx entende, a este propósito, que a anulação da CV implica a anulação da LF defendendo que tal desenlace não afecta de forma prejudicial os interesses do locador, uma vez que este alcança o reembolso do seu investimento com a restituição do preço pelo vendedor.159
Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx defende, como vimos, que a LF se trata de um contrato misto em que “ (…) cada estádio de realização de um está vinculado a um estádio de realização do outro.”160 Por conseguinte, entende que ocorrendo a resolução da CV se verifica, necessariamente, uma causa de resolução da LF.161
Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx advoga, por seu turno, que resolvida a CV, com a produção dos efeitos retroactivos e com a consequente restituição do bem, o locador se encontra impossibilitado de cumprir a sua obrigação fundamental, a concessão do gozo do bem162. Neste sentido, deixará de fazer sentido que a LF continue a produzir efeitos, cabendo ao locatário a instauração de uma acção judicial contra o locador a fim de cessar o contrato de LF.163 Com efeito, segundo o entendimento deste autor, a relação existente entre o contrato de CV e o contrato de LF baseia-se numa conexão funcional em que estes contratos formam uma unidade e constituem reciprocamente a base um do outro. Por conseguinte, as vicissitudes da CV repercutir-se-ão na LF, ainda que se trate de uma coligação unilateral e parcial em que só as vicissitudes da CV implicam efeitos na LF e não
vice-versa e, por outro lado, só a redução do preço e a resolução da CV se repercutem na LF.164
Este autor sustenta que as relações restitutórias que se produzem por força da resolução dos contratos não devem operar entre as respectivas partes do contrato em questão, mas antes, com base numa visão global da operação de LF, devem ser levadas a
159 Cfr. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Locação financeira e garantia… cit., p. 24.
160 Cfr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Ensaio…,cit., p. 72.
161 Cfr. Idem, ibidem p. 35
162 No mesmo sentido entende Xxxxxx Xxxxxxx dos Reis que com a resolução da compra e venda e com a produção de efeitos retroactivos cairá o objecto da locação financeira. Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxx, O contrato de locação financeira no direito português: elementos essenciais, 2002, p. 134.
163 Cfr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual de Locação… cit., pp. 205 e 206.
164 Cfr. Idem, ibidem, pp. 214 a 217.
cabo entre as três partes envolvidas. Assim, deverá caber ao locatário entregar o bem e em troca exigir uma indemnização pelos danos sofridos e, uma vez devolvido bem, o vendedor deverá restituir o preço pago ao locador, sem exclusão do pedido indemnizatório que este possa ter feito. Este autor sustenta que esta compreensão é mais fiável relativamente à prática negocial e, por outro lado, permite um maior equilíbrio da distribuição dos riscos.165 Uma vez extinto o contrato de LF devem produzir-se somente efeitos ex nunc porquanto caberá ao locatário pagar apenas as rendas vencidas e libertar-se do pagamento relativamente às vincendas, uma vez que deixa de existir vínculo contratual.166
Na doutrina italiana é possível salientar a posição de Annachiara Xxxxxxxxxx que defende que impedir o locatário de exercer o direito resolutório seria conceder uma vantagem injustificada ao locador que iria continuar a receber rendas ainda que o locatário não pudesse fazer uso da coisa.167 Xxxxxxxx Xxxxxxx sustenta, por sua vez, que a relação existente entre a CV e a LF se reconduz à figura do contrato plurilateral. Estamos perante um contrato plurilateral, em traços gerais, quando existe uma pluralidade de sujeitos que partilha e prossegue o mesmo objectivo168 e, neste sentido, havendo patologia num dos contratos fica plenamente justificada a implicação dessa circunstância no outro contrato.169 Também na doutrina espanhola vários autores tomaram partido sobre esta questão.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx defende, com base na conexão contratual existente entre a CV e a LF, que a resolução da CV produz efeitos directos sobre a LF. Entende este autor que com a resolução da CV se priva de causa a obrigação do locatário na medida em que o pagamento das rendas deixa de ter um correspectivo, pois deixa de existir cedência do gozo do bem, não se cumprindo, desta forma, o princípio da comutatividade dos contratos onerosos.170 Com efeito, este autor defende que a conexão entre estes contratos é de tal forma intensa
165 Cfr. Idem, ibidem, pp. 206 e 207.
166 Cfr. Idem, ibidem, p.207.
167 Cfr. Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx, Clausole di esonero da responsabilità per vizi del bene, contrato atípico, condizioni generali di contratto, 1993, p. 764 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 205.
168 Xxxxxxxx sustenta, porém, que para existir contrato plurilateral basta que existam vários sujeitos, não dando assim relevância à comunhão do escopo. Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx, “Credito al consumo e leasing traslativo al consumo”, RTDPC, 1992, pp. 1155 e ss, apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 212 e 213.
000 Xxx. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xx credito al consumo, 1994, p. 204 apud, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 213
170 Esta tese encontra sustento nas decisões proferidas pelo Tribunal Supremo que, seguindo a doutrina da “influência continua da causa no contrato”, considera que a resolução de LF é uma consequência inevitável da resolução da compra e venda, uma vez que desaparece a base da LF. Tradução da língua castelhana feita por nós. Cfr. STS de 22/4/1991, de 26/2/1999 e de 24/51999 apud Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 174.
que se sobrepõe ao princípio da eficácia relativa dos efeitos dos contratos e, por outro lado, sustenta que a regra de exoneração do locador não pode estender-se ao ponto de ele ser irresponsável relativamente à eficácia do contrato.171
Para Xxxxx Xxxxx o contrato de LF resolve-se por força da resolução da CV pois dá-se a supressão da base172 do contrato e, neste sentido, quebra-se a conexão contratual existente entre os contratos vital para a sua execução e eficácia. Com efeito, a partir do momento em que se operam os efeitos restitutivos da CV e ao retirar-se o bem do domínio do locatário, está a quebrar-se necessariamente a relação de proporção entre as prestações do locatário e o locador173. Desta forma, assumiria carácter excessivamente penoso admitir-se a continuidade do cumprimento das obrigações do locatário em face da indisponibilidade do bem e da consequente impossibilidade da cedência do gozo por parte do locador.174
Seguindo esta linha doutrinal e admitindo, por mera hipótese académica, que a resolução da CV implica efeitos no âmbito da LF que geram a sua extinção, importa precisar que tipo de ineficácia opera neste tipo contratual. Numa decisão da jurisprudência francesa175 foi seguido o entendimento de que com a resolução da CV se estabelece a nulidade da LF por deixar de ter causa, pois o locatário deixa de ter correspectivo pelo pagamento das rendas. Na jurisprudência espanhola, seguindo a pronúncia de alguma jurisprudência alemã176 e francesa177, entendeu-se que com a resolução da CV o locador deixa de cumprir a sua obrigação de conceder o gozo o que tipifica motivo para o locatário invocar o incumprimento do locador e poder assim resolver a LF.178
171 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero… cit., pp.173 e 174.
172 A tese da supressão da base do negócio foi também colhida pela doutrina alemã por autores como M. Habersack, “Leasing”, Münchenen Kommentar BGB, vol. 3, 1995, RdNr. p. 84 e G. Xxx Xxxxxxxxxx, Xxx xxxxxxxxxxxxxx, Xxxx, 0000, XxXx. 508, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS.., cit., p. 15. v.g Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx, “El contrato de leasing en el Derecho Español”, Revista de Derecho de la Universidade Catolica Xxxxxx Xxxxx, nº59, 2004, pp. 320 e 323
173 Cfr. M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 15.
174 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., pp.14 e 15.
175 v.g Sentença da Corte de Apelación de Toulouse de 12/12/1984, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentario a la STS…, cit., p. 13.
176 v.g Sentenças de 19/2/1986, Zeitschrift für Wirstschaftsrecht p. 716 e sentença de 25 /10/1989, Wertpapier Mitteilungen, 1990, p. 25, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 14.
177 v.g Sentenças de Corte de Casación de 3/3/1982, Révue trimestrielle de droit civil, 1983 e a sentença da Corte de Apelación de Paris de 18/9/1986, Gazette du Palais, 1987, jurisprudence, p. 295, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit, p. 14.
178 Este é o entendimento seguido na sentença da Audiencia Territorial de Madrid de 1/10/1987 e pelo STS de 8/2/1996, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit, p. 14.
Para o grupo da doutrina que admite a repercussão de efeitos da resolução da CV na LF que importa, para o entendimento maioritário, a sua resolução torna-se fundamental dilucidar se os efeitos desta resolução são ex nunc ou ex tunc. Xxxxxxxx Castilla179 e Xxxxx Xxxxx000 entendem que os efeitos da resolução operam, em princípio, sem efeitos retroactivos, na medida em que o princípio da comutatividade foi respeitado durante um certo período da execução do contrato e, neste sentido, as rendas pagas tiveram como contrapartida a cedência do gozo do bem, pelo que não fará sentido o locador estar a devolver as rendas já pagas.181 Importa ainda salientar que a resolução da LF, enquanto contrato de execução continuada, não pode produzir carácter restitutivo, acarretando somente efeito liberatório para o locatário que deixa de estar vinculado ao pagamento das rendas vincendas.
Contudo, há autores que sustentam a produção de efeitos ex tunc da resolução da LF nos casos em que não houve desfrute do bem desde o início do contrato e reiteram, ainda, que as rendas não são o correspectivo do uso da coisa.182
Também a jurisprudência teceu considerações acerca desta questão. A jurisprudência francesa, considerando que a resolução da CV importa a supressão de causa da LF, oscilou nas opiniões que foi tecendo sobre esta matéria, pronunciando-se umas vezes a favor da produção de efeitos ex tunc183 e outras a favor dos efeitos ex nunc184. Na jurisprudência e doutrina alemã, por sua vez, segue-se a tese da produção de efeitos ex tunc.185
Para melhor percepção da linha jurisprudencial vertida no nosso ordenamento jurídico merece especial destaque a análise de três decisões dos nossos tribunais.
179 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p.178.
180 Cfr. X.X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 16.
181 Esta posição é também acolhida pela jurisprudência espanhola. v.g a título de exemplo, a STS de 24/5/1999 (R.A. 3927)
182 Cfr. M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p.17 e Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 207.
183 v. g Sentença de Corte de Casación de 17/1/1984, Gazette du Palais, 1984.2, panorama, p. 172 apud, M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit, p.17. Cfr. Xxxxx Xxxxx de Campos, A Locação…, cit., p.69.
184 v.g Sentença da Corte de Casación de 11/12/1985, Révue trimestrielle de droit commerciale et de droit économique, 1987, p. 251, apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p.17.
185 Cfr. Na doutrina M. Habersack, ob cit. XxXx. 00, X. Xxx Xxxxxxxxxx ob cit. RdNr. 508. Na jurisprudência
v.g a sentença de Bundesgerichtshof de 16/9/1981, Wertpapier Mitteulungen, 1981, p. 1219 apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p.17.
III.1.4 A problemática da desconformidade do bem na jurisprudência portuguesa: Análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008 e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006
III.1.4.1 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007
No presente acórdão é o Tribunal da Relação do Porto chamado a apreciar, em sede de recurso de apelação186, a questão da desconformidade do bem na LF, mais concretamente, se o locatário tem legitimidade para pedir a anulação do contrato de CV celebrado entre o locador e o vendedor tendo em consideração o regime dos arts. 905º, 913º do CC e 13º do DL nº 149/95.
Em traços gerais, atendendo à matéria de facto provada, o autor da acção (locatário) necessitando de uma máquina de pesar e embalar lulas recheadas para exercer a sua actividade e poder maximizar a sua produtividade ao alterar o fabrico de lulas recheadas do modo manual para o automático, celebrou com o 2º réu (locador) um contrato de LF para que este, de acordo com as suas indicações, adquirisse tal equipamento e posteriormente lhe cedesse o seu gozo. Para o efeito, o locador celebrou com o 1º réu (vendedor) um contrato de CV, de acordo com informação fornecida pelo locatário sobre as características do equipamento a adquirir, designadamente, o tipo de saco usado, o tamanho, o peso e a temperatura.
Desta forma, o locatário recebeu o aludido equipamento e o locador pagou a totalidade do preço ao vendedor. O vendedor assegurou que a máquina estava concebida para se adaptar a qualquer quantidade e peso, satisfazendo, deste modo, as necessidades do locatário. No entanto, o locatário constatou que a máquina não efectuava a pesagem e embalamento para as quantidades de 5000, 3500 e 2000 gramas, funcionando somente para embalagens de 500 gramas o que impossibilitava a execução do trabalho e o fim para o qual o equipamento se destinava.
Neste contexto, o locatário após ter interpelado o vendedor para a reparação ou substituição da referida máquina e sem ter tido qualquer resposta decide instaurar uma acção declarativa de condenação contra o vendedor e contra o locador, pedindo a
186 v.g Art. 644º do CPC.
condenação do vendedor a restituir o valor do preço recebido e o locador a restituir a máquina; a condenação do vendedor a pagar uma indemnização pelos danos sofridos pelo locatário; a condenação do locador a restituir-lhe o valor das rendas e outras prestações recebidas e a condenação do vendedor e do locador ao pagamento dos juros de mora contados a partir da data da sentença. O tribunal de primeira instância considerou o pedido do autor improcedente e os réus foram absolvidos, pois entendeu que o locatário não tinha legitimidade para exercer, ao abrigo do art. 13º do DL nº 149/95, o direito de resolução da CV pois não poderia ser considerado interessado na anulação do contrato nos termos do art. 287º nº1 do CC.
O tribunal da Relação, acompanhando a doutrina maioritária, considerou que o locatário tem legitimidade para exercer o direito de resolução da CV contra o vendedor, determinando que o exercício deste direito acarreta necessariamente implicações na esfera do contrato de LF dada estreita conexão e interdependência existente entres estes contratos. Com efeito, defende este tribunal que a resolução da CV tem por consequência a extinção do contrato de LF, quer por caducidade, quer por resolução.
A anulação da CV tem efeito retroactivo devendo ser restituído tudo que houver sido prestado, o locador tem de restituir o bem objecto do contrato e o vendedor o preço pago pelo bem. Neste sentido, entenderam os juízes desembargadores que com a anulação da CV e a consequente restituição do bem, o locador deixa de ser proprietário do bem e, como tal, deixa de poder conceder o gozo do bem não podendo assegurar o financiamento na medida em que a sua prestação se tornou impossível por falta de objecto. Sustenta-se, ainda, que se o locador se encontra impossibilitado de realizar a sua prestação então o locatário também fica desobrigado da sua contraprestação e tem direito a exigir a restituição das rendas já pagas.
Concluiu o tribunal revogar a sentença de primeira instância declarando a anulação do contrato de CV e a extinção do contrato de LF por força da retroactividade da anulação.
III.1.4.2 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008
No presente acórdão é o Supremo Tribunal de Justiça chamado a apreciar, em sede de recurso de revista, a questão da legitimidade do locatário para exercer, com base na sub- rogação, o direito de resolução do contrato de CV e, a admitir-se tal faculdade, quais os seus efeitos no contrato de LF.
Por este acórdão respeitar ao recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007, dá-se por inteiramente reproduzida toda a matéria de facto que suscitou os recursos em análise.
No que diz respeito à legitimidade do locatário para exercer o direito de resolução da CV considera este tribunal que, partindo da premissa de que a CV se assume como a base ou causa da LF e que subentende um “forte entrelaçamento” entre estes contratos, é conferido ao locatário o direito de resolução. Argumenta neste sentido o STJ considerando que quando se utiliza no art. 13º do DL nº 149/95 a expressão “todos os direitos” fica necessariamente explícita a inexistência de excepções, e, por outro lado, entende-se que a SLF actua em posições contraditórias187 nos dois contratos em que intervém e, neste sentido, fica plenamente justificada a sub-rogação no locatário de todos os direitos que caberiam ao comprador. Fica assim confirmado por este tribunal superior que o âmbito da sub-rogação legal é total inserindo-se também o direito de resolução.
Uma vez exercido o direito de resolução da CV importa explorar quais os seus efeitos na esfera do locador, maxime, no contrato de LF. Defende o STJ que, considerando que a LF pressupõe a CV e que o bem se assume como objecto de ambos os contratos, fica claro que desaparecendo o contrato base extinguir-se-á logicamente o contrato dependente. Conforme melhor explicita este acórdão, a CV é “a «pedra-basilar» deste último. Se por anulação ou extinção passa a inexistir o primeiro dos contratos “ab origine”, então tudo se passa como se o bem locado nunca tivesse sido comprado e, por isso, sido propriedade da compradora/locadora (…) e sendo este o suporte, como que a dita «pedra-base» do contrato de LF, então esta consequência afecta necessariamente, e com as mesmas consequências, este.”188
187Considerou o STJ que na compra a venda a SLF actua como comprador podendo exercer o direito de anulação/resolução do contrato, mas em contraposição na LF, ao actuar como locador tem todo o interesse em não ver anulada a compra e venda.
188 v.g Ac. STJ de 15/05/2008, p. 8.
O STJ entende, por conseguinte, que a conexão entre a CV e a LF é de tal forma estreita que determina que a patologia da CV se repercuta consequentemente na LF. Mais se afirma que o preceituado no art. 12º do DL nº 149/95 não comporta qualquer isenção de riscos referentes à simples e pura inexistência de objecto do contrato, revelando-se, por isso, coerente com o disposto no art.13º do mesmo diploma. Com efeito, o STJ defende que o locador não pode estar “ (…) «tão alheio» aos fins para que dá a coisa em locação, como se tal em nada lhe competisse (…) ”189
Neste sentido, considerando a estreita conexão entre a CV e a LF e o facto de o locador se obrigar a conceder o gozo para os fins a que a coisa se destina190, conclui-se que os efeitos da anulação/resolução da CV se produzem relativamente à LF importando a sua extinção por falta de causa e de objecto e determina, com base nos efeitos retroactivos da resolução, a restituição de tudo que houver sido prestado, isto é, a devolução das rendas já pagas. Desta forma, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
III 1.4.3 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006
No presente acórdão é o Tribunal da Relação do Lisboa chamado a apreciar, em sede de recurso de apelação, a questão da desconformidade do bem na LF e os efeitos do exercício do direito de resolução do contrato de CV na esfera do contrato de LF.
Da matéria de facto provada, resulta que o autor (locatário), necessitando de uma máquina de gelados semifrio, celebrou com a 2ª ré (locador) um contrato de LF. Desta forma, o locador celebrou um contrato de CV com o 1º réu (vendedor) e adquiriu a aludida máquina de acordo com a marca e modelo definidos pelo locatário.
A máquina foi entregue ao locatário no seu estabelecimento e passados 15 dias após o seu funcionamento avariou. O vendedor procedeu à sua substituição, só que passados 15 dias a máquina de substituição avariou também, e assim sucessivamente até à quinta máquina. Esta última acabou por avariar posteriormente sendo substituída, mais uma vez, por outra máquina usada e que acabou por avariar no mês de Junho de 2000.
Em virtude destes factos, o locatário intentou uma acção declarativa de condenação contra o vendedor e contra o locador pedindo a condenação do locador a reconhecer a
189 v.g Ac. STJ de 15/05/2008, p. 9.
000 x.x xxx. 0x x.x0 xx. b) do DL nº 149/95.
resolução do contrato de LF desde 24/10/2000, a restituir-lhe as rendas indevidamente pagas referentes aos meses em que não teve o gozo efectivo da máquina, pedindo, ainda, a sua condenação a restituir-lhe o valor do prémio de seguro indevidamente pago. Pediu ainda a condenação do vendedor e do locador ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que teve com o defeito do bem, acrescida de juros de mora contados desde a citação até ao integral pagamento.
O tribunal de 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente condenando o vendedor a entregar ao locatário o preço recebido pela venda da máquina acrescido de juros de mora, e condenou o vendedor a pagar a título indemnizatório a quantia correspondente à diferença entre o valor das rendas vincendas e o preço de aquisição da máquina. O locador, por sua vez, foi absolvido dos pedidos.
Em sede de apelação o locatário invocou, em traços gerais, que em virtude da desconformidade do bem se operou o incumprimento definitivo quer do vendedor, que não voltou a substituir a máquina, e quer do locador, que deixou de ceder o gozo do bem. Argumentou, para o efeito, que não cumprindo o locador a sua obrigação de concessão do gozo deixará de ser exigível ao locatário o pagamento das rendas e, por outro lado, considerou que uma vez resolvido o contrato de CV inexistiria objecto do contrato de LF, pelo que seria também este contrato resolvido.
O tribunal da Relação entendeu que, com base no escopo de concessão de financiamento inerente à LF e atendendo à regra de exoneração de responsabilidades do locador relativamente às condições do gozo do bem em face do preceituado nos arts. 12º, 13º e 15 do DL nº 149/95, não cabe ao locador assegurar o gozo do bem ao locatário relativamente aos vícios de que possa padecer e aos riscos que possa correr, uma vez que tais responsabilidades são transferidas para o locatário.
Neste douto aresto pronunciou-se este tribunal no sentido de que não houve qualquer incumprimento do locador, uma vez que tendo adquirido e entregue o bem ao locatário concretizou e cumpriu a sua prestação, não podendo o locatário exigir-lhe qualquer outra prestação e invocar a excepção de não cumprimento, estando por isso vedada a possibilidade de resolver o contrato de LF. Desta forma, julgou-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
III 1.5 Da inexistência de efeitos do exercício de direito de resolução da compra e venda no contrato de locação financeira
Tomando em consideração os acórdãos supra apreciados e as principais posições doutrinais sobre a problemática dos efeitos do exercício da resolução da CV relativamente ao contrato de LF estamos agora em condições de suportar a nossa posição.
Para tecer um raciocínio metodológico na análise desta questão é importante determinar quais os quesitos que impõe a nossa resposta. Perante a desconformidade do bem, o incumprimento definitivo do vendedor e o exercício do direito de resolução do contrato de CV por parte do locatário, é vital perceber se a resolução produz ou não efeitos no contrato de LF. Admitindo-se que não há influência neste contrato é imperativo determinar com que fundamento tal se assume, na óptica de compreender quais os efeitos que daí advêm para as partes.
A tese de que a resolução da CV não produz efeitos no contrato de LF foi já defendida por alguma doutrina e jurisprudência estrangeira. Autores como X. Xxxxxxxxx000, Xxxxxxx-Xxxxxx000, Xxxxxx Xxxx000 e Rojo Ajuria194 defendem que, com base no papel de mero financiador do locador que cumpre devidamente as suas obrigações e com base no facto de estar vedado ao locatário reagir contra o locador, as patologias de que a CV padeça não se vão repercutir na LF. Esta concepção foi também reiterada por alguma jurisprudência francesa.195
A nosso ver a abordagem desta questão não pode descorar o facto de que estamos perante uma temática complexa que carece de uma reflexão mais teleológica do que lógica. Neste contexto, será premissa para a compreensão da nossa posição a tomada de
191 Cfr. G. Xxxxxxxxx, La locazione…, cit., p. 113 apud X.X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 11
192 Cfr. Xxxxxxx-Xxxxxx, Leasing financiero…, cit., pp. 206 e 207 apud X.X Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 11
193 Cfr. Xxxxxx Xxxx, “La subrogación en los derechos…, cit., p. 1063 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx,
Manual da Locação…, cit., p. 204.
194 Cfr. Xxxx Xxxxxx, “Comentario a la STS de 26 de junio de 1989”, cit., p. 607 apud, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 204.
195 De destacar a sentença da Sala Comercial da Cour de Cassation de 15/3/1983 in “Révue trimestrielle de droit civil”, 1983, p.758 e sentença de 15/1/1985 in “Révue trimestrielle de comercial et droit économique”, 1986, p. 294, bem como a sentença de 9/1/1990 in “La Semaine juridique”, 1990, IV, p. 93 apud M. J. Xxxxx Xxxxx, Comentário a la STS…, cit., p. 00.Xx Ac. de Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006, apesar de não se tecerem grandes considerações acerca desta questão, chega-se à conclusão de que uma vez cumpridas as obrigações do locador, o locatário nada lhe pode exigir e não pode resolver o contrato de LF. v.g Ac. do Tribunal de Relação de Lisboa de 16/11/2006.
consideração da ratio do regime, da natureza financeira do LF e da relação existente entre o contrato de LF e a CV que sustentamos supra.
Assim, considerando que a relação existente entre o contrato de CV e a LF se constitui somente num plano meramente instrumental, não colherá nunca um entendimento que sustente a repercussão de vicissitudes de um contrato no outro com base na conexão existente entre eles. Uma concepção deste teor, como vimos, enferma por falta de harmonização lógica com o espírito do regime da LF, em que o elemento central desta operação é a realização e concretização de um financiamento que se materializa na cedência do gozo de um bem. Conforme sustentámos, a celebração da CV manifesta-se como uma derivação da execução da LF o que evidencia a sua autonomia. De acordo com Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx, o contrato de CV afirma-se, no âmbito da LF, pelo seu carácter meramente acessório implicando que a sua ineficácia não se repercuta na LF196. Rejeitamos, por isso, a concepção vertida no acórdão do tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007 e no acórdão do STJ de 15/05/2008, em que se defende que o contrato de CV constitui a base do contrato de LF, o que determina que inexistindo tal base a LF deixa de existir por caducidade.
Por outro lado, no que respeita à lógica inerente ao regime da LF e ao seu pendor especificamente financeiro fica patente que o locador desempenha um papel fundamental que marca as relações estabelecidas na compra e venda e na LF, pois é graças a ele que se possibilita e concretiza o cerne deste contrato, o financiamento. O locador comporta-se como um mero financiador que adquire o bem e cede o seu gozo ao locatário desvinculando-se de qualquer obrigação ou responsabilidade posterior relativamente às condições do gozo do bem, uma vez que a operação de financiamento se encontra finalizada, esta posição é, aliás, reiterada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006 supra analisado197. Com efeito, é esta a racionalidade intrínseca à regra da exoneração do locador relativamente aos vícios ou inadequação do bem e relativamente ao risco de perda ou deterioração patente nos arts. 00x x 00x xx XX xx 149/95.
É esta regra da exoneração que explicita e confirma mais uma vez o papel puramente financeiro que o locador desempenha e pelo qual se concede, nos termos do art. 13º do DL nº 149/95, a possibilidade de o locatário reagir contra o vendedor em caso de desconformidade do bem. Ao contrário do que defendem alguns autores, não consideramos
196 Cfr. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, El leasing…, cit.,p.753.
197 v.g Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2006, pp. 5 e 6.
que a sub-rogação legal seja uma decorrência da conexão existente entre a CV e a LF, mas antes uma medida que o legislador promoveu para assegurar uma maior protecção, paridade e justiça na posição do locatário.
Neste sentido, quando o locatário se depara com um defeito do bem, impossibilitado de reagir contra o locador uma vez que não se encontra vinculado com as condições do bem, tem ao seu dispor, a par de outros meios, a acção de resolução do contrato de CV que, uma vez exercida, produzirá a destruição dos efeitos da CV mas deixará inalterada a LF. Com efeito, em termos de coerência do regime, não faria sentido que o locador fosse responsabilizado pela falta de condição do bem pois, em primeira instância, tal responsabilidade cabe ao vendedor, depois, dado o papel de intermediário financeiro do locador este encontra-se exonerado de qualquer vínculo relativamente às condições do bem e, por último, não seria justo que o locador assumisse prejuízos relativamente a um bem que se limitou a adquirir em função da escolha e das necessidades do locatário.
Sob outro prisma, atendendo às obrigações do locador consagradas no art. 9º, cabe ao locador conceder o gozo do bem para os fins a que se destina, todavia, esta obrigação não pode ser absolutizada. Isto é, por um lado, entendemos que não recai sobre o locador a obrigação de garantir o gozo pacífico da coisa - claro está que deverá abster-se de condutas que perturbem ou impeçam o gozo do locatário – e, por outro lado, foi intenção do legislador, considerando a natureza especificamente financeira da LF e o papel de intermediário financeiro do locador, comprimir ou limitar esta obrigação de conceder o gozo ao exonerar o locador de responsabilidades e obrigações sobre actos perturbadores do gozo do locatário como o são os vícios e riscos que recaiam sobre o bem, nos termos do art. 00x x xxx. 00x xx XX xx 149/95. Assim, se é próprio do regime da LF a diminuição das obrigações do locador, então a obrigação de conceder o gozo da coisa não tem amplitude suficiente a ponto de pôr em causa a regra da irresponsabilidade do locador. Estes elementos integrantes do desempenho da função do locador devem ser interpretados de forma harmoniosa sem que o espírito de um contrarie o espírito e sentido do outro.
Por conseguinte, entende-se que, mesmo em sede de defeito que não permita ao locatário fazer uso do bem para os fins que lhe tinha acometido, o locador cumpriu integralmente a sua obrigação pois o financiamento ficou realizado, com efeito, o locador adquiriu o bem e colocou-o na posse do locatário com a sua entrega. Neste sentido, cai por
terra qualquer argumentação que encare que com os efeitos restitutórios da resolução da CV e com a retoma do bem ao domínio do vendedor o locador fica impossibilitado de cumprir a sua obrigação de conceder o gozo.
Por outro lado, não se poderá olvidar o facto de, por coerência do regime, a regra de irresponsabilidade do locador se alargar também aos riscos de perda ou deterioração do bem, nos termos do art. 15º198. Fazendo um paralelo entre o regime do art. 12º e do art. 15º, verifica-se que nos casos do art. 15º o locatário está perante um vício de carácter potencialmente definitivo que comporta a impossibilidade de gozar o bem, à feição do que sucede nos casos em que o locatário exerce o direito de resolução em face de um vício definitivo por incumprimento do vendedor, o que em termos factuais aproxima estes regimes.
Estes dois regimes carecem assim de uma análise mais aprofundada no que respeita aos seus pontos comuns e às suas diferenças. Com efeito, em ambos os casos estamos perante situações em que o bem objecto do contrato apresenta desconformidades ou vícios que dificultam ou impossibilitam o pleno gozo do locatário. No caso do art. 12º, os vícios que perturbam o gozo do locatário são da responsabilidade do vendedor, no caso do art. 15º, tais desconformidades correm por conta do locatário, no entanto, em ambos os casos verifica-se que o locador se encontra alheio a tais questões. Se por um lado o locatário exercita, no âmbito da sub-rogação legal, o direito de resolução que determina a impossibilidade definitiva de este voltar a fazer uso do bem, nos casos do art. 15º o risco de perecimento revela-se mormente definitivo impossibilitando de igual forma o gozo do bem. Em ambos os casos, o locador é posto à margem destas situações, o que permite afirmar que em ambos os casos foi clara a intenção do legislador em isentar de responsabilidades o locador, tendo em consideração a sua feição de mero intermediário financeiro desvinculado de obrigações relativamente ao gozo do bem depois de o adquirir e entregar ao locatário.
No que respeita ao entendimento consagrado pela doutrina maioritária acerca da interpretação do art. 15º tem-se afirmado que corre por conta do locatário os riscos consagrados neste preceito ainda que as causas não lhe sejam imputáveis.199
198 Os riscos patentes no art. 15º podem ir desde a destruição, o furto, o roubo ou a explosão do bem.
199 Cfr. Na doutrina italiana Xxxxxx Xxxxxxx, La problemática del leasing finanziaro…,cit., p. 685 e Xxxxx Xxxx, I contratti de finanziamento…, cit., p. 29. Na doutrina espanhola v.g Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., p. 92, Xxxxxx Xxxxxxx, El regímen jurídico…, cit, p. 212 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p.234.
O regime do art. 15º determina a obrigatoriedade de o locatário celebrar, por força do art. 10º, nº1, al. j), um contrato de seguro para cobrir os riscos patentes naquele normativo, sendo que o tomador do seguro é o locatário e o beneficiário da indemnização a pagar pela seguradora é o locador. Neste sentido, em face de um risco do art. 15º a seguradora pagará ao locador a soma correspondente ao valor do bem a título de indemnização. Entende parte da doutrina que em face de um sinistro total, um risco de carácter definitivo e irrecuperável, tendo em conta a inexistência do bem, opera uma causa de caducidade da LF e, neste sentido, caberá ao locatário, e não ao locador, receber a indemnização da seguradora, subtraindo o valor das rendas vincendas e o valor residual.200 Outra facção da doutrina, da qual perfilhamos, entende, por seu turno, que a condição definitiva do risco não deve importar a alteração das posições jurídicas das partes e neste sentido continuará a ser o locador o beneficiário do seguro. Por conseguinte, defende Xxxxxx Xxxxxxx000 que se o valor entregue pela seguradora a título indemnizatório não cobrir o custo integral do bem caberá ao locatário satisfazer a diferença. Xxxxxxxx Xxxxxxxx considera, por sua vez, que em sede de sinistro total a solução deve ser em favorecimento do locador, defendendo que a solução equilibrada será exigir-se ao locatário que complete a indemnização devida ao locador até este alcançar as rendas vincendas e o valor residual, deduzindo-se os encargos financeiros e os impostos não vencidos. 202 Em sentido similar, Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx advoga que a obrigação de pagamento de rendas por parte do locatário subsiste ainda que o gozo do bem tenha sido perturbado de forma total.203
Tendo em consideração a doutrina e jurisprudência204 que defendem que, em face da resolução do contrato de CV e da consequente produção de efeitos restitutórios, o bem deixa de poder ser utilizado pelo locatário, justificando a legitimidade do locatário para resolver o contrato de LF por incumprimento do locador, uma vez que este deixa de assumir a sua obrigação principal de ceder o gozo do bem; e, atendendo à concepção de outra linha doutrinal e jurisprudencial205 que defende que o locatário poderá invocar a
200 Cfr. Xxxxx Xxxxxxx, “Proprietà – garanzia e contratto. Formule e regole nel leasing finanziaro”, Trento, 1992 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 238. Cfr. também neste sentido Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., pp. 236 a 238.
201 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx,“El regímen jurídico…”,cit., p. 212 apud Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 238.
202 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Leasing financiero…, cit., pp.106 e 107.
203 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato…, cit., p. 31.
204 Cfr. Na doutrina, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Manual da Locação…, cit., p. 205 e na jurisprudência Ac. tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007.
205 v.g Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2007.
caducidade do contrato de LF perante a ausência de objecto contratual, será pertinente questionar se nos casos do art. 15º não se estará perante a mesma circunstância, isto é, se nestes casos não existe também uma impossibilidade definitiva de fazer uso do bem. A resposta será francamente abonatória o que gera uma total incompreensão relativamente ao diferente tratamento que o locador e o contrato de LF recebem perante uma situação factual semelhante.
Assim, por maioria de razão, sendo a situação fáctica a mesma, a impossibilidade definitiva de o locatário usar o bem, não se percebe por que razão no caso do art. 15º se revela irrepreensível o papel de financiador do locador e se revela pacífica a continuidade de pagamento das rendas por parte do locatário, ainda que este não esteja a usar o bem e haja pagamento da indemnização da seguradora206, e no caso do art. 12º, por sua vez, pelo simples facto de essa impossibilidade definitiva ser devida ao incumprimento de um terceiro (vendedor), já passar a ser compreensível a desconsideração do papel do locador e até se defender uma mudança total do seu desempenho de financiador passando, assim, a penalizá-lo por uma circunstância a que é alheio e liberando o locatário de pagamento das rendas. Ora, por coerência, harmonia e estrutura do regime, bem como por uma questão de igualdade, boa fé e justiça não se poderá aceitar uma solução em que o mesmo sujeito seja considerado com dois pesos e duas medidas.
Desta forma, defendemos que a desconformidade do bem e a consequente resolução do contrato de CV não importam qualquer alteração ou influência no contrato de LF, pois o papel do locador deve ser encarado da mesma forma e, como tal, tendo em conta a ausência de responsabilidade deste para aquele desfecho e o cumprimento integral das suas obrigações, continuará a ser devido pelo locatário o pagamento das rendas vincendas até que o locador consiga alcançar o retorno do seu investimento. Certo será que o preço pago pelo bem já se encontra amortizado em benefício do locatário, isto é, por força dos efeitos restitutórios da CV o locador recuperou já parte do seu investimento, não fazendo, assim, sentido que o locatário responda por essa parte, ficando somente vinculado ao pagamento das rendas vincendas que permitam ao locador recuperar o seu investimento a título de despesas financeiras e alcançar o seu lucro. Afinal, se considerarmos a função sui generis da renda na LF, é possível comprovar, mais uma vez, que a continuação do pagamento das rendas pelo locatário se revela consentânea, pois, por um lado, trata-se de uma obrigação
206 Apesar de haver pagamento da indemnização e ser o locador o seu beneficiário, o valor desta compensação não cobre o valor das rendas vincendas e do valor residual.
que se sedimenta logo com a concretização do financiamento por parte do locador207 e, por outro lado, a renda não constitui o sinalagma do gozo, correspondendo antes à forma do locador recuperar ou amortizar o seu investimento e receber o seu lucro pelo financiamento efectuado que se materializa na aquisição do bem e concessão do seu gozo. Desta forma, não ocorre qualquer violação do princípio da comutatividade e do princípio da equivalência das prestações.
Em suma, o exercício do direito de resolução por parte do locatário em sede de desconformidade do bem importa somente efeitos na esfera jurídica do contrato de CV, em conformidade com o princípio da eficácia relativa dos efeitos dos contratos, mantendo inalterado o contrato de LF, vinculando desta forma o locatário ao cumprimento das suas obrigações até à recuperação do investimento do locador.
A nosso ver esta é a solução que melhor se harmoniza com a ratio do regime de LF enquanto instrumento alternativo de financiamento, com a natureza estrita e especificamente financeira do contrato e com o papel assumido pelo locador, e que permite a consideração do contrato de LF como um todo coerente.
207 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, O contrato…, cit., p. 32.
CONCLUSÃO
A consideração do contrato de LF como um negócio jurídico com interesses especificamente mercantis e com o escopo de conceder um financiamento permite uma percepção harmoniosa do seu regime à luz da problemática exaltada na presente dissertação. Com efeito, partindo da sua natureza jurídica autónoma enquanto contrato de financiamento, entende-se que os elementos essenciais deste contrato se entrecruzam e complementam por forma a concretizar o fim nuclear deste contrato, a operação de financiamento.
Neste sentido, as vicissitudes que perturbem a execução do contrato não poderão comprometer a lógica inerente ao regime e os papéis desempenhados pelas partes. Desta forma, em face da problemática da desconformidade do bem e do exercício do direito de resolução do contrato de CV pelo locatário, ao abrigo do art. 13º, não se poderá descorar, para uma melhor percepção da questão, a importância da relação existente entre os dois contratos celebrados no âmbito desta operação, o papel do locador e a natureza puramente financeira do contrato.
Assim, o exercício do direito de resolução revestirá um âmbito de produção de efeitos circunscrito ao espectro do contrato de CV, considerando o carácter instrumental que este contrato desempenha na execução da LF e o princípio da eficácia relativa dos efeitos dos contratos.
Por outro lado, constituindo a LF um contrato de financiamento, compreender-se-á que o papel desempenhado pelo locador se assuma numa lógica de mera intermediação financeira. Esta percepção é demais confirmada pelo próprio regime da LF nos termos do artº 9º, 12º, 13º, 14º e 15º do DL nº 149/95, e que evidencia a regra de irresponsabilidade do locador quanto às condições do bem. Esta regra de exoneração de responsabilidade do locador financeiro, além de ser intrínseca à compreensão do próprio regime, encontra-se evidenciada pelo facto de ter sido o próprio locatário a escolher o bem, as suas características e condições em função das suas necessidades e ter escolhido o próprio vendedor, revelando-se, por isso, compreensível a desvinculação do locador relativamente às qualidades do bem, e a regra da sub-rogação dos direitos patente no art. 13º.
Sob outro prisma, a problemática da desconformidade do bem integra também os casos de risco de perda ou deterioração do bem, conforme o disposto no art. 15º. Nestes
casos, em sede de perda ou deterioração total do bem, a lógica do regime determina, desde logo, que o locador seja o beneficiário do seguro por forma a evitar o seu prejuízo económico, atendendo ao seu papel de financiador. E, por outro lado, considera-se que se o valor indemnizatório não cobrir o custo integral do bem continua o locatário vinculado ao pagamento das rendas vincendas. Ora, se em sede de um risco que impossibilita o uso definitivo do bem nos termos do art.15º o locatário deve cobrir o prejuízo do locador, então no contexto de vício do bem que gere a resolução do contrato de CV, que importa de igual modo a impossibilidade definitiva do uso do bem pelo locatário, deve este ficar adstrito ao pagamento das rendas vincendas que permitam ao locador recuperar o seu investimento e alcançar o seu lucro, uma vez que em ambas as situações foi intenção do legislador isentá- lo de responsabilidades e uma vez que em termos factuais em nada contribuiu para tal desfecho, tendo ao invés, cumprido cabal e integralmente as suas obrigações.
Por último, a compreensão de que o regime da LF está integrado no âmbito das relações mercantis e que tem a finalidade de fomentar a facilidade na concessão de um crédito, isto é, de um financiamento materializado na concessão do gozo de um bem, não fica prejudicada pelo facto de o locatário ter de pagar as rendas vincendas sem poder fruir do bem, pois o papel das rendas representa a correspectividade relativamente à recuperação do investimento do locador. E, por outro lado, o elemento caracterizador da LF é a concessão de um financiamento que se corporiza num bem e não o próprio bem como sucede na locação civil, neste sentido, uma vez concedido o financiamento por parte do locador, as circunstâncias que perturbem o gozo do locatário não poderão comprometer a idoneidade com que este efectuou a sua prestação e o retorno do seu investimento feito em nome e segundo as necessidades do locatário.
Face ao exposto, conclui-se que só aparentemente é que a repercussão dos efeitos da resolução da CV no contrato de LF se assume como a solução mais justa.
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Sentença do Supremo Tribunal Espanhol de 8 de Fevereiro de 1986.
ANEXOS
Anexo nº 1
Fonte: Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF)
Anexo nº 2
Fonte: Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF)
Anexo nº 3
Fonte: Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF)
Fonte: Inquérito à Actividade Empresarial (IAE), “Inquérito ao crédito - Março de 2012” da Associação Industrial Portuguesa (AIP).
Anexo nº 5
Fonte: Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF).
LOCATÁRIO
Anexo nº 6
A
C
E
B
LOCADOR
VENDEDOR
D
A) O locatário está interessado em adquirir um produto posto no mercado pelo vendedor;
B) O vendedor demonstra a sua intenção de vender aquele bem por forma a escoar mercadoria;
C) O locatário celebra um contrato de locação financeira com o locador para que este adquira o bem por ele pretendido, obrigando-se ao pagamento de uma renda;
D) O locador celebra com o vendedor um contrato de compra e venda e adquire a propriedade de bem;
E) O locador, após adquirir o bem, entrega-o ao locatário cedendo-lhe o seu gozo, sendo que no final do contrato o locatário tem a faculdade de adquirir a propriedade jurídica do bem;
Anexo nº 7
Fonte: Inquérito à Actividade Empresarial (IAE), “Inquérito ao crédito - Março de 2012” da Associação Industrial Portuguesa (AIP).