SÚMULA SOBRE O INCUMPRIMENTO DO CONTRATO-PROMESSA
SÚMULA SOBRE O INCUMPRIMENTO DO CONTRATO-PROMESSA
Pelo Dr. Xxxx Xxxxx Xxxxxx(*)
SuMário:
1. Noção. 2. O Sinal. 3. O Incumprimento. 3.1. A Execução Específica (art. 830.º). 3.1.1. Noção. 3.1.2. Convenção em contrário à execução específica (art. 830.º, n.º 2). 3.1.3. A natureza da obrigação assumida. 3.1.4. Os contratos-promessa a que se refere o art. 410.º n.º 3 (art. 830.º, n.º 3). 3.1.5. O depósito do preço. 3.2. O registo da acção de execução específica e a transmissão a terceiro do bem objecto do contrato prometido. 3.3. A execução específica e embargos de terceiro. 4. O art. 442.º do Código Civil. 4.1. Cumprimento do contrato. 4.2. O incumprimento imputável a um dos contraentes.
4.2.1. Incumprimento imputável ao contraente que prestou o sinal (tra- dens). 4.2.2. Incumprimento imputável ao contraente que recebeu o sinal (accipiens). 4.3. A primeira parte do n.º 3 do art. 442.º. 4.4. A segunda parte do n.º 3 do art. 442.º. 4.5. O n.º 4 do art. 442.º.
4.6. Incumprimento imputável a ambos os promitentes (concorrência de culpas). 4.7. A natureza do direito do promitente-comprador que obteve a traditio. 5. O Direito de Retenção. 5.1. O art. 755.º, n.º 1, alínea f). 5.2. O promitente-comprador de fracção autónoma em cons- trução que obteve a “traditio rei”. 5.3. O direito de retenção, penhora e venda executiva da coisa objecto do contrato prometido. 5.4. O direito de retenção e o caso julgado.
(*) Advogado. Assistente no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.
1. Noção
O contrato-promessa está definido no Código Civil como sendo «a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato» (art. 410.º n.º 1 do Cód. Civil)(1). O contrato objecto do contrato-promessa, e que as partes se obrigam a realizar, deno- mina-se por contrato prometido (por exemplo, compra e venda, arrendamento, trespasse, cessão de quotas, etc.). Daqui decorre que a prestação devida no contrato-promessa traduz-se numa prestação de facto positivo consistente na emissão de uma declaração de von- tade negocial destinada a celebrar um outro contrato, denominado por contrato prometido. A título de exemplo, num contrato-pro- messa de compra e venda as partes obrigam-se a realizar no futuro o prometido contrato de compra e venda, respectivamente, como comprador e como vendedor(2).
Estamos em face de um instituto de enorme importância prá- tica e relevância social, sendo muito variadas as razões que, fre- quentemente, estão na base da sua utilização. Através do contrato- promessa pretendem as partes assegurar a celebração do contrato prometido quando existe algum obstáculo, material ou jurídico, que impede a sua imediata realização. Assim sucede quando, a título de exemplo, uma das partes não dispõe, de imediato, das importâncias necessárias para celebrar o contrato prometido; ou quando o contrato prometido ainda não pode ser celebrado por se tratar de coisa futura, ou por não ser possível, desde logo, cumprir determinadas formalidades legalmente impostas, pretendendo, porém, as partes assegurar a sua celebração; mutatis mutandis quando se torna necessário obter o consentimento de terceiro. Nes- tes casos (como noutros) o contrato-promessa surge como o instru- mento natural destinado a assegurar às partes a posterior celebra- ção do contrato pretendido realizar, isto é, o contrato prometido.
(1) Todas as disposições legais referidas sem menção expressa ao respectivo diploma legal pertencem ao Código Civil.
(2) Xxxxxxxxx XXXXXXX XXXXX, in “Contrato-Promessa — Uma Síntese do Regime Vigente”, p. 12, 9.ª ed., 2007, nota de rodapé n.º 4, não se mostrar impensável «nem desti- tuído de interesse, que possa concluir-se um contrato-promessa cujo objecto seja também um contrato-promessa».
O contrato-promessa não se confunde com meros actos de negociação que integram o denominado “iter negotii”. É que estes actos, embora possuindo relevância jurídica — podendo inclusiva- mente desencadear responsabilidade pré-contratual —, limitam-se a integrar o processo formativo dos negócios jurídicos, estando, porém, desprovidos de eficácia contratual. Diversamente, o con- trato-promessa tem eficácia “inter partes” pois através dele as par- tes (frequentemente designadas por promitentes) ficam vinculadas à realização do contrato prometido. Ademais, e com vista a evitar posteriores negociações, deve o contrato-promessa definir, desde logo, o conteúdo do contrato prometido.
O contrato-promessa encontra a sua disciplina nuclear nos arts. 410.º a 413.º, 441.º, 442.º, 755.º, n.º 1, al. f) e 830.º do Cód. Civil. Algumas destas disposições legais já não mantêm a sua redacção originária em virtude de terem sido objecto de diversas alterações legislativas. Com efeito, no ano de 1980, o legislador alterou de modo substancial a disciplina do contrato-promessa(3). Esta reforma legislativa não teve uma longa vida, porquanto passa- dos 6 anos o legislador realizou nova intervenção legislativa(4). Já recentemente(5), o legislador realizou nova intervenção legislativa, embora de menor alcance do que as anteriores(6).
2. O Sinal
Importa saber se estamos em face de um contrato-promessa no qual as partes convencionaram, ou não, sinal. Por sinal entende-se uma coisa, habitualmente uma quantia em dinheiro (embora possa ser constituído por outra coisa fungível ou não fungível)(7), que um
(3) Vide Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho.
(4) Vide Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro.
(5) Vide Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho.
(6) No âmbito da Insolvência vide art. 106.º do Código da Insolvência e da Recu- peração das Empresas; no que toca ao contrato-promessa de transmissão de direitos reais de habitação periódica vide arts. 17.º a 19.º do Decreto-Lei 275/93, de 5 de Agosto.
(7) Tem sido discutido na doutrina se a coisa entregue como sinal pode ter natu-
dos contraentes entrega(8) à contraparte no momento da celebração do contrato (podendo, todavia, ser entregue em momento ulterior), normalmente destinada a comprovar a seriedade do propósito negocial e a actuar como garantia do seu cumprimento ou da indemnização devida no caso do tradens incumprir o contrato.
No que tange ao contrato-promessa de compra e venda, o art. 441.º estabelece a presunção de que assume a natureza de sinal toda a «quantia entregue pelo promitente-comprador ao promi- tente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço». Trata-se, no entanto, de uma presunção juris tantum (art. 350.º). Daqui resulta que num contrato-promessa de compra e venda (ou em qualquer outro contrato oneroso aludido no art. 939.º) se presume que toda a quantia pecuniária que o promi-
reza infungível. Admitindo implicitamente a constituição de sinal por via da entrega de coisa infungível vide XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e Contrato-Promessa, 13.ª ed., 2010, Almedina, p. 102, nota de rodapé n.º 86; considera o Ilustre Autor que não sendo possível a restituição do duplum do que houver recebido restará ao tradens «a restituição do valor correspondente, se outro não for o resultado da interpretação negocial». No mesmo sentido vide XXXX XXXXX XXXXXXXX, in Ensaio Sobre o Sinal, Coimbra Editora, 2008, pp. 21-24,
«consistindo o sinal numa coisa não fungível, o contraente que entregou o sinal teria a faculdade de exigir a entrega da coisa e do seu valor»; XXX XXXXX, in o Contrato-Pro- messa e o seu regime Civil, Almedina, 1999, pp. 763-764, «Ainda quando as partes nada tenham convencionado quanto ao regime de funcionamento de um sinal constituído por coisa não fungível, ele não deixará por isso de ser possível, ficando então o inadimplente accipiens do sinal, em caso de resolução do contrato (…), obrigado a restituir o bem rece- bido e o seu valor por interpretação extensiva do regime legal»; XXXXXXX XXXXX XXX- XXXXX, in Cláusula Penal e indemnização, Almedina, 1990, p. 164, nota de rodapé 355 (o sinal […] consiste na entrega […] de uma coisa [fungível ou não fungível, pois o Código Civil (art. 440.º) — ao contrário do Código Civil italiano, que limita o objecto do sinal a dinheiro ou outras coisas fungíveis (…) — não formula qualquer restrição); GRA- VATO MORAIS in Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, Alme- dina, 2009, p. 196: «o sinal, na larguíssima maioria dos casos, consiste numa quantia em dinheiro. Mas nada impede, dada a latitude da lei, que possa tratar-se de coisa diferente de dinheiro, fungível ou infungível». Em sentido inverso, apenas admitindo a fungibilidade da coisa entregue como sinal, vide XXXX XXXXxXX LEITÃO, in Direito das obrigações, Vol. I, p. 233, nota de rodapé 479 (sustenta o Ilustre autor que «apesar de a lei não ter expressamente restringido o sinal às coisas fungíveis, não é manifestamente concebível que ela consista numa coisa infungível, por não fazer sentido, nesse caso, a sanção da sua restituição em dobro»).
(8) O acto de constituição do sinal consiste assim no acto real quoad constitutio-
nem.
tente-comprador entregue ao promitente-vendedor assume a natu- reza de sinal.
A doutrina costuma distinguir duas modalidades de sinal: o sinal confirmatório (arras confirmatórias) e o sinal penitencial (arras penitenciais). Através do sinal confirmatório o trandens pretende confirmar o contrato celebrado dando para o exterior um claro indício de que pretende vincular-se e cumprir o contrato cele- brado, isto é celebrar o contrato definitivo. Ao invés, por via do sinal penitencial, o contraente que o entregou pretende manter incólume um direito unilateral de retratação ou de arrependimento, pese embora perca o sinal a favor da contraparte. Neste caso o con- traente que entregou o sinal, apesar de abrir mão deste a favor da contraparte, tem o direito de se desvincular livremente do contrato celebrado (deixando de estar vinculado à celebração do contrato prometido), do que resulta que, ao abster-se de cumprir o contrato, não está a praticar um acto ilícito.
Na dúvida sobre a qualificação do sinal, deverá o mesmo ser considerado confirmatório, pois o regime regra no nosso ordena- mento jurídico é o de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art. 406.º) — pacta sunt servanda — não assistindo às partes o direito de se arrependerem do contrato celebrado revo- gando-o por sua livre e unilateral vontade. Deste modo, em caso de dúvida deve o sinal ser qualificado como confirmatório, pois as partes contraíram um vínculo do qual nenhuma delas se pode, sem mais, libertar. Em face do exposto, o sinal só deve ser considerado penitencial quando resulte inequivocamente da vontade das partes ou de disposição legal.
O sinal confirmatório tem, assim, duas funções típicas: com- pulsória e de fixação antecipada (determinação a forfait) da indem- nização devida em caso de incumprimento do contrato.
Com efeito, o sinal confirmatório assume, em primeira linha, uma natureza coercitiva destinada a compelir as partes ao cumpri- mento do contrato. Com a entrega do sinal pelo tradens fica este consciente da possibilidade da sua perda em caso de incumpri- mento culposo do contrato. Mutatis mutandis, sobre o accipiens passa a recair a pressão da restituição do sinal in duplum no caso deste incumprir voluntariamente o vínculo contratual.
Simultaneamente, e caso alguma das partes incumpra o con- trato, o sinal tem como finalidade a fixação do quantum respon- deatur ainda que não existam danos efectivos. Desempenha assim o sinal um função específica consistente na prefixação convencio- nal da indemnização devida em caso de incumprimento (defini- tivo) do contrato-promessa.
3. O Incumprimento
Não sendo este o espaço para desenvolver a temática relativa ao incumprimento das obrigações, importa relembrar que o incum- primento imputável ao devedor consiste na falta de realização, por parte deste, da prestação a que se acha adstrito, quando não exista uma causa justificativa para a não realização daquela.
O não cumprimento, quanto aos seus efeitos, comporta duas modalidades essenciais: a mora e o não cumprimento definitivo (para além destas duas modalidades a lei admite uma terceira modalidade de incumprimento quanto aos efeitos consistente no cumprimento defeituoso).
A mora consiste no atraso ou no retardamento no cumpri- mento da obrigação. Reportada ao contrato-promessa podemos avançar que a mora se traduz na falta de celebração oportuna do contrato prometido por causa imputável ao promitente faltoso (art. 804.º, n.º 2).
Já o incumprimento definitivo do contrato-promessa ocorre, grosso modo, quando a celebração do contrato prometido se tornou impossível ou quando, em virtude da mora, o promitente fiel tenha perdido interesse na celebração do contrato prometido, ou este não tenha sido celebrado no novo prazo razoável concedido pelo pro- mitente fiel (art. 808.º, n.º 1).
O não cumprimento do contrato-promessa encontra-se subor- dinado à disciplina geral sobre o incumprimento das obrigações. Todavia, encontram-se previstas na lei especificidades a respeito do incumprimento do contrato-promessa que importa analisar. Em concreto, e perante um quadro de incumprimento abrem-se ao pro-
mitente fiel dois caminhos que pressupõem, respectivamente, a mora e o incumprimento definitivo. São eles a execução específica e a resolução do contrato-promessa.
3.1. A Execução Específica (art. 830.º)
3.1.1. Noção
Preceitua o n.º 1 do art. 830.º que «se alguém se tiver obri- gado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida». Daqui resulta que, caso o promitente ou qualquer um dos promi- tentes não cumpra pontualmente o contrato-promessa, sendo este, respectivamente, um contrato-promessa unilateral ou bilateral, assiste à contraparte o direito de obter uma sentença que supra a falta de manifestação de vontade do promitente faltoso. Nisto con- siste a execução específica, isto é, no poder do promitente fiel em obter do tribunal uma sentença que supra a inércia do promitente faltoso. Deste modo, a sentença que julgue procedente o pedido de execução específica produz exactamente os mesmos efeitos jurídi- cos que o contrato prometido se destinava a produzir (sentença constitutiva). Esta sentença, proferida em processo declarativo, substitui não só a falta de manifestação de vontade do promitente faltoso como a da contraparte, pelo que possui a mesma eficácia do contrato prometido, mesmo para efeitos de registo, se o contrato- prometido for susceptível de registo. Dito por outras palavras, por via da execução específica o promitente fiel obtém o mesmo efeito jurídico que o cumprimento pontual do contrato-promessa, mesmo contra a vontade do promitente faltoso, sem que tenha que recorrer previamente a uma acção declarativa de condenação e posterior acção executiva. À execução específica do contrato-promessa se refere XXXXXXX XXXXXX apelidando-a de «instrumento judicial maravilhoso de superação da incoercibilidade da vontade negocial do promitente» que «tanto serve para superar a inércia do promi-
tente-vendedor, como para suprir a declaração prometida pelo comprador»(9).
A orientação dominante na doutrina e na jurisprudência consi- dera constituir pressuposto da execução específica a mora do pro- mitente faltoso e não o incumprimento definitivo do contrato.
Nesse sentido pronunciou-se XXXXXX XX XXXXX ao afirmar que
«a fim de «por ordem» onde parece reinar alguma confusão, importa reter que o pressuposto da chamada execução específica do contrato-promessa é a mora e não o incumprimento defini- tivo»(10).
No mesmo pronunciou-se XXXX XXXXxXX XXXXXX ao sustentar que para a execução específica é «suficiente a simples mora», para concluir que aquela deixa de ser possível «a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumpri- mento»(11).
Essa mesma doutrina é firmada por GRAVATO MORAIS para quem «a mora representa uma condição necessária e suficiente para o recurso à execução específica, precludindo tal via o incum- primento definitivo do contrato, dada a sua incompatibilidade com tal mecanismo, sendo que, por outro lado, inexistindo qualquer atraso não se verifica um dos pressupostos da execução específica. Desta sorte, o estado anterior à mora ou a situação a ela posterior não permitem a actuação de tal procedimento»(12).
A jurisprudência tem acolhido maioritariamente esta posição, considerando ser pressuposto bastante para a execução específica a mora do promitente faltoso(13).
XXXXXXXX XXXXX pronunciou-se no sentido da execução espe- cífica poder ter lugar mesmo numa situação de incumprimento definitivo. Sustenta o Ilustre autor que «se o credor mantiver inte- resse na prestação, não parece haver justificação plausível que
(9) in RLJ, Ano 128.º, p. 147 (Anotação ao acórdão do STJ de 02/11/1989).
(10) in Sinal e contrato-promessa, cit., p. 161.
(11) in Direito das obrigações, cit., p. 227.
(12) in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 109.
(13) Vide acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2008, de 19/05/2010, de 09/12/2010; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08/05/2006, de 09/05/2007, de 06/03/2008, de 09/10/2012, todos disponíveis in <xxx.xxxx.xx>.
obste ao recurso à execução específica, já que o incumprimento definitivo não determina, por si só, a resolução do contrato»(14). Da nossa parte cremos que a mora é pressuposto da execução específica não sendo, em princípio, possível recorrer a esta se o promitente faltoso se encontrar numa situação de incumprimento definitivo. Com efeito se, em face do inadimplemento do promi- tente faltoso, o promitente fiel recorre à execução específica é por- que mantém interesse na prestação devida. Destarte, o recurso à execução específica significa que o promitente fiel considera como um simples atraso a violação do contrato por parte do promitente faltoso, mantendo interesse na realização da prestação em dívida. De outra forma, se o promitente fiel não mais tivesse interesse fun- dado na prestação debitória, consideraria o contrato-promessa defi-
nitivamente incumprido e declararia a sua resolução.
Descortinamos, no entanto, uma situação em que encon- trando-se o promitente faltoso em incumprimento definitivo julga- mos ser possível o recurso à execução específica por banda do pro- mitente fiel. Referimo-nos à declaração antecipada, firme e categórica, do promitente faltoso de que não irá ou não poderá cumprir o contrato-promessa. Esta recusa de cumprir, que não carece de ser reduzida a escrito ou ser expressa, podendo ser tácita (art. 217.º), tem sido equiparada ao incumprimento definitivo imputável ao devedor, não sendo necessário que este se encontre em mora ou, caso se verifique esta, que haja lugar a uma interpela- ção admonitória do devedor visando o cumprimento, dada a sua inutilidade prática (art. 808.º). Na verdade, no caso desta declara- ção de não querer ou não poder cumprir se revelar pela sua natureza certa, séria e segura, configura uma situação de incumprimento definitivo, sendo desnecessário e até inútil forçar o promitente fiel a recorrer à interpelação admonitória para converter a mora em incumprimento definitivo. Nesta hipótese, e apesar do promitente faltoso se encontrar numa situação de incumprimento definitivo, poderá ainda o promitente fiel ter interesse na realização da presta- ção debitória, pelo que não vislumbramos que interesses juridica-
(14) in Em Tema de Contrato-Promessa, 1990, p. 17.
mente relevantes poderão obstaculizar o recurso à execução espe- cífica, desde que esta seja possível, por parte daquele promitente. Assistirá, assim, ao promitente fiel o direito de recorrer à execução específica ou, em alternativa, optar pela resolução do contrato, assim se desvinculando do contrato, sem ter que recorrer previa- mente ao estatuído no art. 808.º(15).
Importa, por fim, referir que o recurso à execução específica não obsta a que o promitente fiel seja indemnizado pelos danos decorrentes da mora, pois nenhuma razão juridicamente relevante existe para fixar um regime especial distinto do regime geral do incumprimento temporário da obrigação (art. 804.º).
3.1.2. Convenção em contrário à execução específica (art. 830.º, n.º 2)
Como resulta na norma contida no n.º 1 da citada disposição legal, o promitente fiel apenas poderá recorrer à execução especí- fica caso não haja «convenção em contrário» ou, caso «a natureza da obrigação assumida» não se oponha à mesma.
(15) Vide nesse sentido BRANDÃO PROENÇA, in Do incumprimento do Contrato- Promessa Bilateral, Coimbra, 1987, p. 115. Ensina o Ilustre autor: «dissemos, na altura, que a execução específica surge como prima ratio e que a pretensão em que ela assenta pressupõe naturalmente a mora no cumprimento da promessa ou um incumprimento defi- nitivo na forma de recusa categórica e inequívoca. A resolução … é, assim, um ultimum subsidium ou um remédio excepcional, ligado como está, em regra, ao incumprimento definitivo e à impossibilidade de cumprimento (por violação ou não do contrato), com um escopo essencialmente liberatório e de exercício pelo contraente legitimado». Sobre a pos- sibilidade da resolução infundada do contrato-promessa poder ser equiparada a uma recusa antecipada, séria e categórica, de cumprimento vide XXXX XXXXXXXX e XXXXX XXXX in Direito e Justiça, 2000, I, p. 316: “Contrato-promessa: recusa ilegítima e recusa terminante de cumprir; mora como fundamento de resolução; perda de interesse do credor na presta- ção; desvinculação com fundamento em justa causa; concurso de culpas no incumpri- mento; redução da indemnização pelo sinal”. Na jurisprudência vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/09/2013 (564/11.3TVLSB.L1.S1) segundo o qual «No caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento defini- tivo quando de todo o circunstancialismo da declaração de resolução se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita».
No que respeita à primeira hipótese — «convenção em con- trário» à execução específica —, admite-se pois que as partes con- vencionem excluir o recurso à execução específica, pelo que esta apenas terá lugar se as partes não a afastarem, o que confere natu- reza supletiva à citada norma. Não se torna, porém, necessário que as partes manifestem expressamente a sua vontade no sentido de afastar a aplicação das regras da execução específica. Com efeito, estipula o n.º 2 do art. 830.º entender-se existir convenção em con- trário, assim se afastando a execução específica, a existência de sinal ou de cláusula penal para a hipótese de incumprimento da promessa. Como é consabido, o sinal assume uma função análoga à da pena convencional: tal como esta, fixa, em princípio, o mon- tante da indemnização, diferindo da pena convencional pelo facto de ser entregue previamente. Nestes casos — existência de sinal ou de cláusula penal — presume-se ter sido vontade das partes que a única consequência do incumprimento do contrato-promessa fosse determinada apenas com base no recurso à aplicação das regras relativas ao sinal ou à cláusula penal. No fundo seria como que um preço que o promitente faltoso pagaria em consequência do seu incumprimento (ainda que ilegítimo), e da inerente desvinculação do contrato-promessa.
Estamos, porém, em face de uma presunção ilidível — juris tantum — (art. 350.º), pelo que nada impede que as partes, mesmo num contrato-promessa sinalizado ou com cláusula penal, con- vencionem expressamente manter em aberto a possibilidade de recurso à execução específica para o caso de incumprimento da promessa. Nesse caso diremos que as partes ilidiram a presunção constante do n.º 2 do art. 830.º do que resulta que, apesar de estar- mos em face de um contrato-promessa com sinal ou cláusula penal, será sempre possível ao promitente fiel recorrer à execução específica(16).
(16) Nesse sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2006 (proc. n.º 06B3805) do qual se reproduz parte do seu sumário: «II — Exceptuada a hipó- tese regulada no n.º 3 daquele mesmo art. 830.º, em que se instituiu regime especial rela- tivo a edifícios, foi, no entanto, deixado na disponibilidade das partes o afastamento do predito regime geral por convenção das partes nesse sentido, prevista no inciso "na falta de
Para além da expressa ilisão à renuncia à execução específica supra referida, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a sustentar que a “traditio rei” da coisa objecto mediato do contrato prome- tido, bem como o pagamento da totalidade do preço (ou de parte substancial deste) actuam, também, como mecanismos de ilisão da presunção constante do n.º 2 do art. 830.º. Deste modo, a tradição do bem prometido vender, mesmo que exista sinal ou pena conven- cional, permite ao promitente fiel (no caso promitente-comprador) recorrer à execução específica. Este entendimento baseia-se no facto da “traditio rei” provocar um forte indício e uma legítima expectativa na confiança do promitente fiel no sentido de que as partes pretendem cumprir o contrato-promessa, pelo que, nesta hipótese, deverá ser possível o recurso à execução específica em caso de incumprimento, dando-se assim por ilidida a presunção constante do n.º 2 do art. 830.º(17).
3.1.3. A natureza da obrigação assumida
Conforme vai supra referido, o n.º 1 “in fine” do art. 830.º também exclui o recurso à execução específica caso «a natureza da obrigação assumida» se oponha à mesma.
convenção em contrário” constante do n.º 1. III — Nesse particular, a lei vai, até, mais longe, dado que, na conformidade do n.º 2 do falado art. 830.º, a existência de sinal ou a fixação de pena para o caso de não cumprimento importa presunção relativa — iuris tan- tum — de convenção em contrário, que, consoante art. 350.º, n.º 2, CC, só poderá ser afas- tada ou ilidida por prova do contrário. IV — Com efeito, nos termos da lei, a existência de sinal faz presumir que as partes previram — e quiseram, mesmo, reservar — a possibili- dade de não cumprimento da promessa, sujeitando-se, embora, à sanção por elas próprias estabelecida, de harmonia com o disposto no art. 442.º, n.os 2 e 4, CC».
(17) Na doutrina vide BRANDÃO PROENÇA in Do incumprimento do Contrato-Pro- messa Bilateral, cit., pp. 29 a 53 e GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., pp. 114 e 115. Na jurisprudência vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/01/2005 (proc. n.º 0437000) «A tradição da coisa (verdadeira antecipação dos efeitos do contrato prometido), tal como o pagamento da totalidade do preço, devem ser conside- rados como factores (ou forte expectativa), de estabilização do negócio e, como tal, ele- mentos determinantes de admissão da execução específica, elidindo, assim a presunção contida no art. 830.º, n.º 2 do Cód. Civil».
Estamos perante contratos-promessa que, quer pela natureza dos interesses em jogo quer pela própria natureza da sentença a proferir, não se coadunam com a realização coactiva da prestação debitória.
É o que sucede nos contratos-promessa em que a obrigação assumida tem carácter pessoal (ou infungível) como acontece nas promessas de prestação de serviços (por ex. promessa de emprei- tada) ou no contrato-promessa de trabalho, pois a natureza intuitu personae da prestação debitória não é conciliável com a sua reali- zação coactiva, ainda que, nesse caso, o promitente faltoso possa incorrer em responsabilidade contratual.
Mutatis mutandis quanto aos contratos reais «quoad constitu- tionem», como será o caso dos contratos-promessa de depósito, de penhor civil, de comodato ou de mútuo civil, na medida em que, sendo estes contratos reais, a sua celebração não depende apenas da emissão de uma declaração de vontade por parte dos contraentes mas também da prática de um acto material consistente na entrega de uma coisa.
Do mesmo modo, faltando a licença de utilização quando a lei obriga à sua existência, também a execução específica não pode ser declarada, pois doutra forma estaríamos a admitir, por via judi- cial, a celebração do contrato prometido quando a lei não o con- sente(18).
A execução específica fica igualmente inviabilizada se, estando o contrato-promessa apenas dotado de eficácia obrigacio- nal, o promitente-vendedor aliena previamente a coisa objecto do contrato prometido a terceiro (que procede ao imediato registo da aquisição do bem, estando este sujeito a registo). Pois aqui, a sen- tença que decretasse a execução específica do contrato estaria a promover a venda de uma coisa alheia. Restará pois ao promitente fiel declarar a resolução do contrato-promessa e exigir do promi- tente faltoso o pagamento duma indemnização calculada nos ter- mos que adiante serão analisados.
(18) Vide nesse sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2007 (proc. 07A3707) «a falta de licença de habitabilidade importa a impossibilidade de execu- ção específica».
Já não será assim, porém, se o contrato-promessa se encontrar dotado de eficácia real estando registado nos termos previstos na norma do n.º 1 do art. 413.º. Neste caso, mesmo que o promitente-
-vendedor tenha disposto a favor de terceiro do bem objecto do contrato prometido, deve entender-se que a atribuição de eficácia real permite sempre recorrer à execução específica (ainda que este- jamos em face de um contrato-promessa no qual as partes conven- cionaram sinal ou cláusula penal).
Para além das situações supra descritas, é válido o contrato-
-promessa de compra e venda de coisa alheia (art. 892.º), bem como o contrato-promessa relativo à alienação de imóveis próprios ou comuns, quando vigore entre os cônjuges um dos regimes da comunhão, ainda que falte o consentimento de um dos cônjuges (art. 1682.º-A), pois em ambos os casos o promitente não transmite a propriedade, apenas se obrigando a uma alienação em si mesma possível. Sempre se dirá, porém, que, também nestas situações, torna-se impraticável a execução específica pois não cabe ao Tri- bunal substituir o terceiro ou o cônjuge do promitente que não interveio no contrato-promessa(19). Restará assim ao promitente fiel declarar a resolução do contrato e optar pelo mecanismo indemnizatório.
3.1.4. Os contratos-promessa a que se refere o art. 410.º, n.º 3 (art. 830.º, n.º 3)
Preceitua o n.º 3 do art. 830.º que o direito à execução especí- fica não pode ser afastado pelas partes nas promessas respeitantes a contratos onerosos de transmissão ou constituição de direitos reais sobre edifícios, ou suas fracções autónomas, já construídos, em construção ou a construir. Trata-se aqui de uma norma impera- tiva, não podendo ser afastada pela vontade das partes, sendo, por essa razão, nula a cláusula que exclua a execução específica. Des- tarte, neste tipo de contratos-promessa, mesmo existindo sinal ou
(19) Vide nesse sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2007 (proc. 07A3707).
cláusula penal, assistirá sempre ao promitente fiel o direito (potes- tativo) de execução específica. Pretendeu o legislador tutelar a posição do promitente mais fragilizado, habitualmente o promi- tente-comprador de uma unidade habitacional, sendo de salientar, porém, que, os termos amplos em que a norma se encontra redi- gida, permite interpretá-la no sentido de se aplicar a qualquer edifí- cio independentemente do seu fim.
Com vista a restabelecer o equilíbrio entre as posições dos promitentes, estabelece a segunda parte do n.º 3 do art. 830.º que
«a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efei- tos da declaração negocial pode ordenar a modificação do con- trato nos termos do art. 437.º, ainda que a alteração das circuns- tâncias seja posterior à mora». Naturalmente que o regime geral da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstân- cias, disciplinado nos arts. 437.º a 439.º, se aplica a qualquer con- trato-promessa(20). A especificidade em sede de execução especí- fica assenta no facto do promitente faltoso poder requerer a modificação do contrato-promessa(21) com base na alteração anor- mal das circunstâncias, mesmo no caso deste se encontrar em mora, o que representa um claro desvio à norma prevista no art. 438.º. Permitindo a Lei a modificação do contrato-promessa a pedido do promitente faltoso, quando este se encontre em mora, deverá o Tri- bunal actuar de forma prudente recorrendo aos princípios da boa fé de forma a evitar soluções injustas para o promitente fiel.
Em termos estritamente adjectivos, o pedido de modificação do contrato, representando uma pretensão autónoma do promitente faltoso, deve ser deduzido em sede reconvencional.
Sucede frequentes vezes as partes convencionarem que a transmissão do edifício ou fracção autónoma dele é feita livre de ónus e encargos, encontrando-se, porém, o edifício ou a fracção
(20) Sobre esta temátca considera acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/01/2014 (Proc. n.º 1117/10.9TVLSB.P1.S1), com o qual concordamos, que a dimi- nuição do poder de compra dos promitentes-compradores e a situação de desemprego em que um deles se encontra não constitui fundamento para modificar o contrato por alteração das circunstâncias.
(21) Mas já não a resolução do contrato por esta ser incompatível com a execução específica.
autónoma onerados com uma hipoteca, a qual subsiste após a alie- nação. Neste caso, assistindo ao promitente fiel adquirente o direito de expurgar a hipoteca, nos termos previstos no art. 721.º, atribui-lhe o n.º 4 do art. 830.º a faculdade de pedir, na acção desti- nada a obter a execução específica, a condenação do promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor correspondente à fracção do edifício e dos respectivos juros venci- dos e vincendos(22).
3.1.5. O depósito do preço
No caso do contrato prometido admitir ao promitente faltoso invocar a excepção do não cumprimento, preceitua o n.º 5 do art. 830.º que a acção improcede, se o promitente fiel não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo Tribu- nal. Assim, e a título de exemplo, num contrato-promessa de compra e venda a acção de execução específica não procederá no caso do promitente-comprador, autor da acção, não consignar em depósito o preço convencionado em falta no prazo estipulado pelo Tribunal. Alguma doutrina(23) tem entendido que a consignação em depósito do preço não actua como um pressuposto para a aprecia- ção do mérito da acção de execução específica. Dito por outras palavras, a falta de consignação em depósito do preço não provoca a improcedência liminar da acção de execução específica. Esta orientação justifica-se no facto da excepção do não cumprimento não ser de conhecimento oficioso, pelo que carece de ser invocada
(22) Merece destaque, a esse respeito, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/06/2008 (proc. 0821410) cujo sumário se transcreve: «Tendo sido transmitido ao autor, através de execução específica, o direito de propriedade sobre duas fracções autóno- mas — que, apesar de prometidas vender livres de ónus e encargos, estão oneradas com hipotecas — e não tendo ele usado da faculdade conferida pelo art. 830.º, n.º 4 do CC, ape- nas pode requerer, por sua conta e risco, a expurgação das hipotecas e, de seguida, por sub- rogação, exercer o seu direito sobre o devedor liberado. Não o tendo feito, não pode arro- gar-se a uma prestação futura deste, reclamando-lhe o pagamento em substituição do credor hipotecário».
(23) Xxxx XXXXXXX XXXXX, in Contrato-Promessa — uma Síntese do regime Vigente, cit., pp. 60 a 63.
pelo promitente faltoso na sua contestação. Destarte, só após o Tri- bunal apreciar a excepção do não cumprimento e caso esta proceda deverá então, na decisão final que decrete a execução específica, o Tribunal fixar um prazo para que o requerente proceda à consigna- ção em depósito do preço. O que significa que, caso o requerente da execução específica, não consigne em depósito o preço em falta
— o preço ainda em dívida — dentro do prazo fixado na sentença, a acção improcederá.
Estaria, assim, a procedência da execução específica depen- dente do pagamento ou consignação em depósito do preço no prazo fixado pela sentença, cujo “dies a quo” ocorreria no dia do trânsito em julgado daquela decisão final. Dito por outras palavras, estaríamos em face de uma sentença sob condição.
É, todavia, possível sustentar entendimento diverso, porven- tura mais ajustado ao sentido e alcance decisivos na norma. Com efeito, parte da doutrina(24) tem vindo a considerar que a consigna- ção em depósito deverá ser realizada antes de proferida a sentença que decrete a execução específica. Para o efeito, justifica tal enten- dimento com o facto da sentença constitutiva ter como efeitos naturais a transmissão da propriedade do bem objecto do contrato prometido e a sua entrega contra o pagamento do preço. E, para evitar o risco da transferência da propriedade não ser acompanhada do pagamento do preço, com prejuízo para o promitente-vendedor, a consignação em depósito actuaria como um pressuposto para a apreciação do mérito e procedência da acção de execução especí- fica. Deste modo, caso o promitente-vendedor invoque na sua con- testação a “exceptio non adimpleti contractus”, a acção improcede se o promitente-comprador não consignar em depósito, dentro do prazo que lhe for fixado pelo Tribunal, o preço em falta. Daqui decorre que, para ser decretada a execução específica, deverá a consignação em depósito ser previamente realizada. De outro modo, a sentença que julgasse procedente a acção de execução específica seria decretada sob condição do depósito ser realizado posteriormente, em prazo a fixar pela sentença.
(24) Vide XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., pp. 180 a 183.
Do que acaba de se expor resulta que, caso não seja realizado o pagamento ou o depósito do preço dentro do prazo fixado pelo Tribunal, deverá ser julgada improcedente a acção de execução específica sem necessidade de apreciação do mérito da causa. Com efeito a apreciação do mérito da causa ficaria prejudicada por se tornar inútil tendo em conta a inexorável improcedência da acção decorrente da falta do depósito do preço.
Embora compreendendo as razões subjacentes à posição dou- trinal referida em primeiro lugar, propendemos para esta última orientação por a considerarmos mais consentânea quer com a letra quer com os interesses que a lei pretendeu acolher.
De “jure condendo” entendemos, porém, que a consignação em depósito deverá poder ser substituída por uma garantia bancária “on first demand” ou garantia equivalente, evitando desse modo a necessidade do promitente-comprador ter que dispor do valor do preço em falta por período de tempo que se pode revelar longo.
3.2. O registo da acção de execução específica e a transmis- são a terceiro do bem objecto do contrato prometido
Preceitua o art. 3.º, n.º 1, al. a) do Código do Registo Predial (CRP) que estão sujeitas a registo «as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modifi- cação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo ante- rior». Dispõe, por sua vez, o art. 2.º, n.º 1, al. a) do mesmo código que estão sujeitos a registo «os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade». Decorre destes preceitos legais que a acção de execução específica está sujeita a registo quando tenha por objecto a celebração de um contrato prometido registável — por ex. a compra e venda de imóveis(25). O registo da acção de exe-
(25) Xxxx XXXXXXXX ASCENSÃO e XXXXX XXXXX E XXXXX os quais sustentam que
«…deverão ter-se por sujeitos a registo quaisquer factos (entre eles se contando as acções judiciais, bem como as respectivas decisões finais com trânsito em julgado) que produzam
cução específica é, nos termos do art. 92.º n.º 1 al. a) do CRP, pro- visório por natureza. Importa ainda reter a norma do art. 6.º, n.º 3 do CRP a qual estabelece que «o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório». Por seu turno a sentença que decrete a execução específica do contrato-promessa está, igualmente, sujeita a registo (art. 3.º, n.º 1, al. c) do CRP). Da conjugação destas regras resulta que a alienação feita a ter- ceiro do bem prometido vender por parte do promitente-vendedor na pendência da acção de execução específica registada e, posterior- mente, decretada é inoponível ao promitente-comprador, autor da acção. Com efeito, a sentença que decrete a execução específica tem como efeito a transmissão do direito de propriedade do bem objecto do contrato prometido desde a data do registo da acção, pelo que a alienação feita a terceiro na pendência da acção configuraria uma venda de uma coisa alheia (art. 892.º)(26). Sobre esta temática pro- nunciou-se XXXXXXX XXXXX para quem «em tais situações, por força dos princípios registais, a sentença que decrete a execução específica prevalece sobre a alienação, feita a terceiro, depois do registo da
acção, quer essa alienação se encontre ou não registada»(27).
Questão diferente, e cuja apreciação já não se revela pacífica, ocorre quando após a celebração do contrato promessa com eficá- cia meramente obrigacional, o promitente-vendedor aliena a coisa a terceiro que não regista de imediato a aquisição, sendo posterior- mente proposta a acção de execução específica na qual o autor (promitente-comprador) procede ao seu registo.
efeitos reais, já que o registo visa acautelar todos os efeitos reais que se produzam sobre determinados direitos», in Alienação a terceiro de prédio objecto de contrato-promessa e registo da acção de execução específica — Anotação ao Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Maio de 1991, “Revista da Ordem dos Advogados”, 1992, Vol. I, p. 204.
(26) Vide nesse sentido GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 131.
(27) in ob. cit., pp. 66 e 67. Vide nesse sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2005 (proc. 05B743) «Cabendo registo da sentença transitada em julgado que, através da execução específica, concretiza um negócio registável (por ex., a venda de um prédio), esse registo pode ser precedido do registo provisório da acção correspondente: em tais situações, por força dos princípios registrais, a sentença que determina a execução específica prevalece sobre uma alienação, feita a terceiro, depois do registo da acção, quer essa alienação se encontre ou não registada».
Duas teses têm sido avançadas: uma que não admite a possibi- lidade de execução específica conferindo protecção ao terceiro adquirente; outra, que admite a possibilidade de execução especí- fica apesar do bem objecto do contrato prometido ter sido previa- mente transmitido a terceiro (que não registou a aquisição) dando prevalência ao direito do promitente-comprador.
Sobre esta temática, e a favor da primeira tese, pronunciou-se XXXXXXX XXXXX considerando que «… o registo da acção não confere ao autor o direito à execução específica na hipótese de, antes daquele registo, a coisa ter sido alienada a terceiro, mesmo que este não haja inscrito o negócio aquisitivo no registo. É que o registo da acção ape- nas amplia os efeitos da respectiva sentença, tornando-se eficaz, não só entre as partes, mas também relativamente a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa na pendência do pleito … A proposi- ção de uma acção e o seu registo nunca modificam a natureza do direito que o autor invoca. De outro modo, criar-se-ia, com a inobser- vância dos requisitos do referido art. 413.º, uma segunda via de atri- buição de eficácia «erga omnes» ao direito de crédito à realização do contrato prometido, que é titular o beneficiário da promessa»(28).
Acolhendo essa posição vai a doutrina firmada por XXXX XXXXxXX XXXXXX segundo a qual outro entendimento “equivaleria a atribuir eficácia real a todos os contratos-promessa sujeitos a execu- ção específica em que a acção fosse registada, derrogando expressa- mente o regime do art. 413.º»(29).
A mesma orientação é aceite por XXXXXXX PROENÇA, ensi- nando o Ilustre autor que «face ao regime vigente, não nos parece possível que um promitente, mesmo de boa fé, possa lucrar subs- tancialmente com o eventual esquecimento temporário do adqui- rente, fazendo com prontidão o registo (provisório) da acção de execução específica(30).
Em sentido oposto, pugnando pela tese que confere prevalên- cia ao direito do promitente-comprador — segunda tese —, vai a
(28) in Contrato-Promessa — uma Síntese do regime Vigente, cit., p. 67.
(29) in Direito das obrigações, cit., p. 228.
(30) in «Para a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imóveis (maxime, com fim habitacional)», in Cadernos de Direito Privado, n.º 22, p. 6.
doutrina firmada por XXXXXX XX XXXXX para quem «se é certo que o promitente-comprador adquire a propriedade da coisa (só) com a sentença constitutiva, de eficácia ex nunc, certo igualmente que a oponibilidade a terceiros (art. 5.º do Código do Registo Predial) da mesma sentença — facto sujeito a registo — opera desde a data do registo da acção. E assim, a anterioridade do registo da acção de execução específica torna inoponíveis ao autor registos ulteriores de aquisições realizadas antes ou depois»(31).
Também se pronunciaram nesse sentido OLIVEIRA ASCENSÃO e XXXXX XXXXX X XXXXX para quem «a transferência para terceiro, que só regista após ter sido promovido o registo da acção, não impede a procedência do pedido»(32). Concluindo «De todo o exposto decorre que não sendo oponível ao promitente-comprador o facto
— a transmissão para terceiro — de que resultaria a impossibili- dade de o tribunal decretar a execução específica do contrato pro- messa, nada se oporia à procedência do pedido nos presentes autos»(33).
GRAVATO MORAIS partilha da tese que admite a execução espe- cífica, assim conferindo protecção ao direito do promitente-compra- dor. Para o Ilustre Autor «…está em causa o registo da decisão que opera a transferência da propriedade, subsequente ao registo (provi- sório) da acção de execução específica. Tais actos conferem publici- dade ao direito do promitente-comprador. E é justamente por via deste duplo registo e do sucesso da acção que a tutela é concedida. Na outra situação, há uma mera alienação da coisa, ainda não regis- tada ou, dito de outro modo, imprudentemente não registada»(34). Sobre esta temática também se pronunciou a jurisprudência tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão uniformizador
de jurisprudência de 05/11/1998, firmado a seguinte doutrina:
«A execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do art. 830.º do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver
(31) in Sinal e contrato-promessa, cit., pp. 176 e 177.
(32) in Alienação a terceiro de prédio objecto de contrato-promessa, cit., p. 210.
(33) op. cit., p. 212.
(34) in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 137.
transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prome- tido antes de registada a acção de execução específica, ainda que o ter- ceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção; o registo da acção não confere eficácia real à pro- messa»(35).
Xxxxxxxxxxx, sem prejuízo da bondade científica da doutrina que pugna pelo entendimento diverso, com a orientação seguida pelo acórdão citado, e assim com a primeira das teses enunciadas. Com efeito, ao transmitir previamente a terceiro a propriedade do bem prometido vender, o promitente-vendedor colocou-se numa situação de impossibilidade culposa de cumprimento superve- niente (art. 801.º), pelo que não será possível transmitir uma segunda vez o mesmo bem. Não se compreenderia que não sendo possível ao promitente-vendedor cumprir a promessa, pois estaria a vender coisa alheia, pudesse o Estado suprir a falta de declaração de vontade do promitente-vendedor e concretizar um negócio que aquele tornou impossível de cumprir.
É certo que estamos em face de um bem sujeito a registo, pelo que se torna necessário convocar as respectivas regras. Porém, estamos em face de um contrato-promessa com eficácia mera- mente obrigacional pelo que o direito do promitente-comprador é um direito de crédito, o qual não perde essa natureza com a propo- situra da acção de execução específica e o respectivo registo. Não é pois aplicável ao caso em análise o art. 5.º do CRP já que inexiste
(35) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/1998 (proc. n.º 086931); no mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 23/04/2013 (proc. n.º 144/11.3TBFCR.C1) cujo sumário se transcreve: «III. O registo da sentença que decrete a execução específica retroage à data do registo da própria acção, sendo-lhe inoponíveis os registos de aquisições de terceiros posteriores ao registo da acção, evitando-se, assim, o facto de, intentada uma acção de execução específica, o réu poder neutralizar a decisão do tribunal apressando-se a vender o bem a terceiro. IV. Mas, a execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do art. 830.º do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promi- tente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato pro- metido antes de registada a acção de execução específica ainda que o terceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção — nesta situação, o registo da acção não confere eficácia real à promessa».
qualquer conflito entre titulares de direitos reais, pois não estamos em face da venda sucessiva da mesma coisa a pessoas diferentes (art. 408.º). Existe sim um conflito entre um direito de crédito do promitente-comprador e um direito real do terceiro adquirente do bem prometido vender. Como salienta o acórdão uniformizador de jurisprudência citado «um tal conflito não pode deixar de ser resol- vido dando prevalência ao direito real do terceiro sobre a coisa, com sacrifício do direito de crédito do promitente comprador decepcionado à prestação dessa mesma coisa pelo promitente fal- toso, dado que este direito é ineficaz em relação a terceiro»(36). De outro modo estaríamos a atribuir eficácia «erga omnes» ao direito de crédito do promitente-comprador, sem que fossem observados os requisitos do art. 413.º.
Parece-nos, em conclusão, que não podendo o promitente-ven- dedor faltoso transmitir coisa que já lhe não pertence, o facto do ter- ceiro adquirente se haver esquecido de registar a aquisição da pro- priedade sobre a coisa, não afasta a possibilidade desta aquisição ser oponível ao promitente-comprador que, posteriormente à venda a terceiro, propôs contra o promitente-vendedor acção de execução específica e procedeu ao imediato registo (provisório) desta.
3.3. A execução específica e embargos de terceiro
Distinta da temática apreciada no número anterior, é aquela em que já na pendência da acção de execução específica proviso- riamente registada, o bem prometido vender é penhorado por um terceiro/exequente no âmbito de uma execução requerida contra o promitente-vendedor/executado. Questiona-se se ao promitente-
-comprador, autor da acção execução específica, é permitido defender a sua posição por via de embargos de terceiro.
Preceitua o n.º 1 do art. 342.º do Código de Processo Civil(37):
«Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreen-
(36) in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/1998 (proc. n.º 086931).
(37) Aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho.
são ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incom- patível com a realização do âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Como é consabido, os embargos de terceiro deixaram de estar associados à ideia de defesa da posse do embargante, como sucedia na vigência do art. 1037.º do Código de Processo Civil na redacção anterior à reforma de 1995.
Para analisar esta temática impõe-se distinguir se estamos, ou não, em face de um contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional ou com eficácia real.
Na primeira hipótese, e como vai acima referido, caso a acção de execução específica seja julgada procedente a sentença que a decrete, após o seu registo, retroage os seus efeitos à data do registo provisório da acção de execução específica (art. 6.º do Código do Registo Predial). Quer isto significar que a sentença registada que decrete a execução específica do contrato-promessa é, em conse- quência da prioridade que lhe é conferida pelas regras do registo, oponível a terceiros desde a data do registo provisório da acção. Dito por outras palavras, a penhora realizada e registada na pendência da acção de execução específica (provisoriamente registada) não poderá afectar o direito (creditório) do promitente-comprador. Deste modo, poderá o promitente-comprador, sob a égide do preceituado no art. 342.º do Código de Processo Civil, reagir contra a penhora poste- rior através da dedução de embargos de terceiro(38). Naturalmente que o êxito dos embargos de terceiro está dependente do resultado final que vier a ser decretado na acção de execução específica.
Na hipótese do contrato-promessa estar dotado de eficácia real, o promitente-comprador é, desde o registo do contrato, titular de um direito de crédito oponível «erga omnes», pelo que lhe assiste o direito de reagir por via dos embargos de terceiro contra a penhora realizada posteriormente do bem objecto do contrato prometido(39).
(38) Nesse sentido, vide XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., pp. 187 a 189.
(39) Vide, quanto a esta matéria XXXXXX XXXXXXXX, in Apreensão em Processo Executivo e oposição de Terceiro, 2.ª ed. revista e aumentada, Almedina, 2001, pp. 187
Em ambas as situações o desfecho final dos embargos de ter- ceiro depende da procedência (ou improcedência) da acção de exe- cução específica, pelo que esta acção assume natureza prejudicial relativamente ao incidente de embargos de terceiro. Neste caso, deve o tribunal ordenar a suspensão da instância executiva (art. 272.º do Código de Processo Civil) no que toca ao julgamento da oposição à penhora por via dos embargos de terceiro.
4. O art. 442.º do Código Civil
Como vai acima referido, a opção pela execução específica pressupõe que o promitente faltoso se encontre em mora (salvo ocorrendo uma recusa categórica e definitiva de cumprimento). Já a resolução do contrato pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, assistindo, em consequência, ao promitente não faltoso o direito de extinguir o contrato e (existindo sinal) exigir a indemnização prevista no n.º 2 do art. 442.º. Isto é, as sanções pre- vistas no n.º 2 do art. 442.º têm como pressuposto a existência de incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que o meca- nismo sancionatório previsto na citada norma só deverá ser apli- cado em caso de incumprimento definitivo e não na hipótese de simples mora(40). A confirmar este entendimento está o direito de
e 188. Escreve o autor: «Diferente será o caso em que ao contrato-pormessa se atribuiu efi- cácia real. Aqui, o promitente-comprador tem, desde o registo do contrato-pormesa, um direito que não pode ser inviabilizado por qualquer alienação ou oneração da coisa. É, em poucas palavras, titular de um direito (creditório) oponível a terceiros e que poderá efecti- var-se pela via da execução específica. Este direito é, por si só, oponível erga omnes, não estando esta oponibilidade dependente do exercício de uma acção de execução específica. Logo, o direito decorrente de um contrato-promessa dotado de eficácia real deve conside- rar-se, para efeitos de dedução de embargos de terceiro, incompatível com a efectivação sobre a coisa, objecto do contrato prometido, de uma penhora».
(40) Vide, a título de exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2012 (Proc. n.º 25/09TBVCT.G1.S1). «Segundo doutrina e jurisprudência, hoje, quase uniformes, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa bem como a exigência do sinal em dobro ou a perda do sinal passado, pois a simples mora não pode ter tal consequência.»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2011
retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do art. 755.º, o qual actua como garantia «pelo crédito resultante do não cumprimento impu- tável à outra parte, nos termos do art. 442.º». Com efeito, encon- trando-se o promitente faltoso, que obteve a tradição da coisa, em mora, não tem que restituir essa mesma coisa. O direito de retenção, enquanto direito real de garantia do crédito resultante do incumpri- mento do contrato, apenas tem sentido após a extinção do contrato por resolução, situação que implica o vencimento da obrigação pós-
-contratual de restituição da coisa objecto do contrato prometido. Ora essa obrigação de restituição implica a prévia resolução do con- trato-promessa decorrente do incumprimento definitivo do mesmo. Antes de analisarmos a temática relativa à articulação do incumprimento definitivo do contrato-promessa com o art. 442.º, importa ter presente que esta disposição legal consagra o regime geral do sinal aplicável a todos os contratos e não apenas ao con- trato-promessa. É, por essa razão, pouco compreensível, do ponto de vista da técnica legislativa, que o legislador regulamente a disci- plina do sinal destinada a todos os contratos nos ns.º 1, primeira parte do n.º 2 e no n.º 4 do art. 442.º e subitamente altere a agulha e dedique a segunda parte do n.º 2 e o n.º 3 exclusivamente ao con-
trato-promessa.
(Proc. 868/08.2TBCBR.C1.S1) «O sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando como pré-determinação das conse- quências desse incumprimento»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2010 (Proc. n.º 628/09.3YFLSB) «A mora não confere o direito de resolução do contrato; só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art. 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009 (Proc. n.º 449/09.3YFLSB.C1.S2) « A mora não é suficiente para desenca- dear o mecanismo indemnizatório do sinal, que pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008 (Proc. n.º 08B773) «Só o incumprimento definitivo do contrato-promessa confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato e desencadeia a aplicação das sanções consignadas no n.º 2 do art. 442.º do Código Civil»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2007 (Proc. n.º 07B1835) «No caso de incumprimento do contrato-promessa, a lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso: a execução específica (art. 830.º do Código Civil), havendo simples mora, e a resolução do contrato (art. 432.º) havendo incumprimento definitivo»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006 (Proc. n.º 06A3723) «A aplicação das sanções previstas no art. 442.º do Código Civil pressupõe o incumprimento definitivo e não a simples mora».
4.1. Cumprimento do contrato
Dispõe o n.º 1 do art. 442.º, o qual é aplicável a qualquer con- trato e não exclusivamente ao contrato-promessa, que «quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível». Daqui resulta que, em caso de cumprimento do contrato (inclusive do contrato-promessa) a coisa entregue a título de sinal, normalmente uma quantia em dinheiro, será computada na prestação debitória o que implicará uma operação de mero cálculo para quantificar o valor da prestação ainda em dívida.
De modo diverso se passam as coisas se o sinal entregue não for uma quantia em dinheiro, mas antes uma coisa (fungível ou não fungível) não sendo possível a sua imputação na prestação devida. Neste caso, realizada a prestação devida pelo tradens justifica-se a restituição do sinal, pois, de outra forma, assistiríamos a um locu- pletamento sem causa por parte do accipiens.
4.2. O incumprimento imputável a um dos contraentes
Vejamos agora, como actua o regime do sinal em caso de incumprimento do contrato-promessa imputável a um dos contraen- tes. Importa porém, e porque estamos no âmbito do incumprimento do contrato-promessa, distinguir previamente consoante nos encon- tramos em face de um contrato-promessa no qual não foi estipulado a entrega de sinal ou de um contrato-promessa sinalizado.
Caso não exista sinal, o promitente não faltoso poderá, após resolver o contrato-promessa, exigir do promitente faltoso o paga- mento de uma indemnização fixada nos termos gerais da responsa- bilidade civil.
É, porém, outro o regime legal caso exista sinal. Neste caso poderão abrir-se diversos cenários ao promitente fiel em caso de resolução de contrato-promessa com sinal passado.
4.2.1. Incumprimento imputável ao contraente que prestou o sinal (tradens)
Preceitua a 1.ª parte do n.º 2 do art. 442.º que «se quem cons- tituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue».
Deste modo, em caso de incumprimento definitivo por parte do autor do sinal (o promitente-comprador num contrato-promessa de compra e venda) assiste ao accipiens o direito de, após declarar a resolução do contrato-promessa, fazer seu o sinal recebido. Em princípio, por via da natureza supletiva do n.º 4 do art. 442.º, a indemnização do accipiens queda-se pela perda do sinal por parte do tradens.
4.2.2. Incumprimento imputável ao contraente que recebeu o sinal (accipiens)
Dispõe a segunda parte do n.º 2 do art. 442.º:
«se o não cumprimento do contrato for devido a este último [acci- piens], tem aquele [tradens] a faculdade de exigir o dobro do que pres- tou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prome- tido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe resti- tuído o sinal e a parte do preço que tenha pago».
Decorre da supra citada norma que ao tradens (promitente fiel) assiste o direito de exigir a restituição do sinal em dobro, caso o incumprimento (definitivo) seja imputável à parte que o recebeu. O objecto da restituição é assim de fácil e segura quantificação, pois consiste no dobro do quantum do sinal(41). No que toca à natureza do
(41) Sobre a aplicação do art. 442.º em sede de insolvência do promitente vende- dor, onde a recusa de cumprimento configura uma acto lícito praticado pelo administrador da insolvência no interesse dos credores do insolvente, vide GRAVATO MORAIS Promessa
sinal pecuniário tem a doutrina e jurisprudência dominantes conside- rado estarmos face a uma obrigação pecuniária, concretamente uma obrigação de quantidade, e não uma dívida de valor, aplicando-se-
-lhe em consequência o princípio nominalista (art. 550.º), bem como a disciplina constante do art. 806.º em caso de mora(42).
Neste caso, o sinal corresponde a uma sanção predeterminada para o incumprimento do contrato aproximando-se da cláusula penal. Este facto tem levado a que parte da doutrina e da jurisprudên- cia venha pugnando pela aplicação do mecanismo da redução equi- tativa da cláusula penal de montante excessivo previsto na norma constante do art. 812.º ao contrato-promessa com sinal passado (quer na hipótese de restituição do sinal em dobro quer na hipótese de perda do sinal por parte do contraente faltoso que o entregou), por entender que a redução se justifica em ambas as situações(43).
obrigacional de compra e venda com tradição da coisa e insolvência do promitente-vende- dor, in Cadernos de Direito Privado, n.º 29, 2010, pp. 3 e ss; e L. MIGUEL PESTANA DE VAS- CONCELOS, Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência, in Cadernos de Direito Privado, n.º 33, 2011, pp. 3 e ss.
(42) Nesse sentido, XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., p. 104; GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 223; na jurisprudência, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/06/2007 (proc. 3607/2007-2) «A indem- nização correspondente ao dobro do sinal não é susceptível de correcção monetária ou actualização, pois trata-se de obrigação pecuniária, sujeita ao princípio nominalista consa- grado no art. 550.º do Código Civil e não dívida de valor».
(43) Vide nesse sentido VAz SERRA, in Anotação ao Ac. do STJ de 21 de Dezembro de 1973, Rev. de Legislação e Jurisprudência, ano 108.º, pp. 10 e 11; XXXXXXX XXXXX, in ob. cit., p. 70; XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, in ob. cit., pp. 195 e ss; BRANDÃO PROENÇA, in Do incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, cit., p. 124; GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., pp. 221 a 223; em sentido contrário vide XXXXXX XX XXXXX, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª ed., Coimbra, p. 303; e XXXXXXX XXXXXX, in Das obrigações em Geral, vol. I, Coimbra 2000, p. 339. Na jurispru- dência, admitindo a aplicação do art. 812.º ao sinal, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/1977, in BMJ, n.º 265, p. 210; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/02/1983 (in BMJ, n.º 324, p. 552) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/11/2004 (Proc. 04B3837) de cujo sumário consta: «3. Embora sob a envolvência de bilateralidade de efeitos e diversificada estrutura jurídica, assume o sinal no contrato-pro- messa relevante vertente de cláusula penal, ambos tendo finalístico escopo comum de meio compulsório de cumprimento obrigacional e de prévia fixação da indemnização.
4. Não obstante as respectivas diferenças de natureza jurídica, o normativo de redução da cláusula penal é aplicável, verificados os respectivos pressupostos, ao sinal passado no âmbito do contrato-promessa».
Como alternativa ao dobro do sinal, estabelece a 2.ª parte do n.º 2 do art. 442.º que, caso tenha ocorrido tradição da coisa objecto do contrato prometido, o promitente que entregou o sinal pode, em face do incumprimento definitivo da contraparte, optar por exigir uma indemnização correspondente ao aumento do valor da coisa ou do «direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objec- tivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado», devendo ainda ser-lhe restituído o sinal em singelo. Para melhor ilustrar este regime atente-se no seguinte exem- plo: A, como promitente-vendedor, e B, como promitente-compra- dor, celebram um contrato-promessa de compra e venda do prédio X tendo convencionado o preço de € 150.000,00, e tendo A entregue a B as chaves do prédio que este passou a ocupar. Como sinal e princí- pio de pagamento B entregou a A € 15.000,00. Na data acordada para a celebração do prometido contrato de compra e venda A recusa-se a outorgar a prometida escritura pública. O valor do prédio objecto do contrato prometido ascende, à data da recusa, a € 200.000,00. Neste caso, e em alternativa ao dobro do sinal, assiste a B o direito de exigir de A uma indemnização calculada com base no aumento do valor do prédio — € 50.000,00 — acrescida do sinal em singelo —
€ 15.000,00 —, o que perfaz o montante global de € 65.000,00, em vez dos € 30.000,00 correspondentes ao dobro do sinal.
Esta solução, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho, visava dissuadir o promitente-vendedor de optar por incum- prir o contrato-promessa motivado por razões de natureza especu- lativa, sobretudo quando existisse já tradição da coisa prometida transmitir. Com efeito, numa época em que, por via da forte infla- ção, se assistia a uma rápida valorização dos imóveis, poderia com- pensar ao promitente-vendedor incumprir o contrato-promessa entregando o sinal em dobro ao promitente-comprador. No momento actual, em que se verifica uma inflação relativamente baixa e controlada, não será frequente os promitentes-compradores optarem por esta alternativa indemnizatória preferindo a tradicio- nal sanção do sinal em dobro.
A indemnização pelo aumento do valor da coisa prometida vender pressupõe a existência simultânea de sinal (pois funciona como alternativa a este) e da prévia tradição da coisa a que se refere
o contrato prometido, pelo que a “traditio rei” actua como pressu- posto desta modalidade indemnizatória. Desta sorte, caso não tenha ocorrido aquela tradição o direito do promitente-comprador queda- se pelo poder de exigir, a título de indemnização, o dobro do sinal.
Como forma de garantir o crédito indemnizatório resultante do não cumprimento imputável à outra parte, e como veremos adiante, o art. 755.º, n.º 1, alínea f) concede ao beneficiário da pro- messa de transmissão ou de constituição de direito real, que obteve a tradição da coisa, um direito de retenção sobre a coisa objecto do contrato prometido.
Optando o promitente-comprador não faltoso pelo aumento do valor da coisa, importa analisar as situações denominadas de “preço afectivo” ou “preço de favor” em que o preço convencio- nado pelas partes é manifestamente inferior ao preço praticado no mercado. Nesta situação, a aplicação literal do n.º 2 do art. 442.º («o direito a transmitir ou a constituir … determinado objectiva- mente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado…») poderia conduzir a um injustificado locupletamento do promitente-comprador não faltoso. Pense-se na hipótese das partes, num contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, terem atribuído um preço de favor do valor de
€ 50.000,00 quando o valor corrente de mercado do mesmo ascende a € 150.000,00. Com efeito, em situações como esta, ascendendo a € 200.00,00 o valor do bem aquando do incumpri- mento (definitivo) do contrato-promessa por parte do promitente- vendedor, assistiria ao promitente-comprador (que obteve a tradi- tio rei), o direito a exigir uma indemnização no valor de
€ 150.000,00 (€ 200.000,00 - € 50.000,00), acrescida do sinal entregue, quando, na verdade, o aumento real daquele se cifrava apenas em € 50.000,00. Seria uma pena desproporcionada sobre o promitente-vendedor faltoso e simultaneamente um enriqueci- mento injustificado por parte do promitente-comprador não fal- toso. Para evitar um resultado desajustado como este, deverá aten- der-se ao preço objectivo que o bem prometido vender tinha ao tempo da celebração do contrato-promessa, pois só assim se justi- fica que promitente-comprador não faltoso possa optar pelo aumento do valor da coisa como indemnização alternativa ao
dobro do sinal. Esta interpretação é reforçada pela segunda parte do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 442.º cuja letra se refere apenas ao “aumento do valor da coisa”, ou seja a diferença entre o valor objectivo à data da celebração do contrato-promessa e o valor objectivo à data do incumprimento deste(44).
4.3. A primeira parte do n.º 3 do art. 442.º
Estatui a 1.ª parte do n.º 3 do art. 442.º que «em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do art. 830.º». Numa análise meramente literal desta norma parece ser possível ao promitente não faltoso recorrer à execução em alternativa à perda do sinal, à sua restituição em dobro e ao aumento do valor. Sucede que a aceitar-se este entendimento esta- ria esta norma em colisão com o n.º 2 o art. 830.º o qual preceitua constituir a existência de sinal uma presunção contrária à admissi- bilidade da execução específica. Para evitar esta contradição deverá a primeira parte do n.º 3 do art. 442.º ser interpretada como uma norma remissiva para o art. 830.º, sede da matéria da execu- ção específica e que define os pressupostos em que é possível recorrer a este instituto.
Por outro lado, pressupondo a execução específica a mora do promitente faltoso não poderá funcionar como alternativa ao regime do sinal ou do aumento do valor da coisa, que pressupõem já o incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que não se alcança o carácter alternativo que a primeira parte do n.º 3 do art. 442.º postula.
Parece ser, assim, supérflua a primeira parte do n.º 3 do art. 442.º, pois, em boa verdade, nada acrescenta ao art. 830.º, nor- mativo que define os termos em que é possível obter uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente faltoso.
(44) Nesse sentido, vide XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., pp. 109 a 112.
Nesse sentido vai a doutrina firmada por XXXXXX XX XXXXX para quem «a primeira parte do n.º 3 é supérflua e mesmo inade- quada ou incorrecta: supérflua, porque não acrescenta nada ao art. 830.º, sede materiae da execução específica, a que o credor recorre em caso de mora; incorrecta, porque inculca a ideia de a execução específica poder funcionar no caso de incumprimento definitivo, em alternativa ao direito de resolução e respectiva indemnização regulado no número anterior»(45).
Deve-se salientar que o recurso à execução específica não implica que tenha havido “traditio rei”. Nesse sentido pronun- ciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu Assento de 19/12/
/1989 segundo o qual «no domínio dos arts. 442.º, n.º 2 e 830.º, n.º 1, do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Decreto-
-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho, o direito à execução específica não depende de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-pro- messa para o promitente comprador»(46).
4.4. A segunda parte do n.º 3 do art. 442.º
Dispõe a segunda parte do n.º 3 do art. 442.º que «se o con- traente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como estabelece o número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no art. 808.º»(47).
(45) in Sinal e contrato-promessa, cit., p. 120; assim também XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX cujo ensinamento se transcreve: «e como … a remissão para o art. 830.º, constante da 1.ª parte do n.º 3 do art.442.º, é perfeitamente dispensável, a propriedade e clareza do regime legal só ficariam a ganhar com a supressão total daquele número» in Campo de aplicação do regime indemnizatório do art. 442.º do Código Civil: incumprimento defini- tivo ou mora?, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra 2003, Volume Comemorativo do 75.º Tomo do Boletim da Faculdade de Direito (BFD), p. 232; no mesmo sentido GRA- VATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 217.
(46) Publicado no Diário da República de 23/02/1990, I, Série-A.
(47) Esta opção do promitente faltoso tem recebido por parte da doutrina a desig- nação de “excepção do cumprimento do contrato-promessa”.
Com base nesta norma, se o promitente não faltoso, em face do incumprimento (definitivo) da contraparte opta pelo aumento do valor da coisa (em vez do sinal em dobro) assiste ao promitente faltoso o direito de se opor a tal pretensão oferecendo-se para cum- prir a promessa, salvo o disposto no art. 808.º.
A origem desta norma parece estar na tese de XXXXXXX XXXX- xXX XXXXXXXX, o qual sustenta que optando o promitente-compra- dor pelo aumento do valor «o promitente vendedor pode sempre oferecer-se para cumprir o contrato-promessa, antecipando-se à execução ex art. 830.º»(48). A esta tese se opôs XXXXX XXXXXX sus- tentando que mesmo em face da mora, pode ocorrer a perda de interesse do promitente-comprador, sendo legítimo a este con- traente recusar «a oferta da tardia celebração do contrato prome- tido»(49). A segunda parte do n.º 3 do art. 442.º parece tentar conci- liar estas duas posições doutrinais, que nos parecem inconciliáveis. A redacção desta norma deu origem a uma doutrina que con- sidera ser suficiente a simples mora para que o promitente fiel possa exigir a indemnização pelo sinal (perda ou pagamento em dobro), ou a indemnização correspondente ao valor actualizado. XXXXXXX XXXXXX, embora discordando da solução legal, escreveu que a «ressalva (do disposto no art. 808.º) significa que o direito de pedir, a título de indemnização, o aumento do valor da coisa pode ser exercido logo que o promitente-alienante incorra em mora … À face das alterações introduzidas no art. 442.º pelo Decreto-Lei n.º 379/86, também o direito de o promitente adqui- rente exigir o dobro do sinal entregue, bem como o direito de o promitente alienante fazer seu o sinal recebido, pressupõem ape- nas a mora da contraparte e não uma situação de incumprimento
definitivo»(50).
(48) in o novo regime do contrato-promessa (comentário às alterações aparente- mente introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho, ao Código Civil) BMJ 306.º, p. 39.
(49) in Contrato-Promessa: algumas notas sobre as alterações ao Código Civil constantes do Dec.-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho, in RDES, XXVII (1983), p. 39.
(50) in Código Civil Anotado, Vol. I, p. 423. No mesmo sentido, reportando-se ao sinal em dobro, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/03/1997, in CJ-AC. do STJ, ano V, t. I, p. 161.
XXXXXXX XXXXX defende que «no contrato-promessa, havendo sinal passado, a transformação da mora em não cumprimento defi- nitivo afasta-se do regime-regra do art. 808.º… Ou seja, a parte inocente, uma vez verificada a mora, pode prevalecer-se das conse- quências desta ou exercer o direito potestativo de transformá-la, de imediato, em não cumprimento definitivo, sem observância de qualquer dos pressupostos indicados no n.º 1 do art. 808. A exigên- cia do sinal ou da indemnização actualizada constitui uma declara- ção tácita de resolução do contrato-promessa (art. 436.º, n.º1)»(51). Conforme vai supra exposto a indemnização pelo sinal em dobro ou pelo aumento do valor está prevista alternativamente no n.º 2 do art. 442.º, encontrando-se ambas as indemnizações funcio- nalmente dependentes do mesmo pressuposto, o incumprimento do contrato-promessa por parte do accipiens. Não deve, por respeito à unidade do sistema jurídico, aceitar-se soluções distintas para o mesmo pressuposto, ou seja, o incumprimento (definitivo) para a hipótese da indemnização correspondente ao sinal em dobro e o incumprimento (temporário, vulgo: simples mora) para a hipótese
da indemnização correspondente ao aumento do valor.
Como já escrevemos, é nossa convicção que o regime sancio- natório previsto no n.º 2 do art. 442.º pressupõe o incumprimento definitivo do contrato. Se o incumprimento definitivo não se veri- fica, mas apenas mora do devedor, o promitente fiel poderá recor- rer à execução específica do contrato-promessa, pois o vínculo contratual não se extinguiu, podendo cumular aquela com o direito a ser indemnizado pelos danos moratórios.
Destarte, se o incumprimento se apresenta na modalidade de mora não poderá o promitente fiel optar pela indemnização pre- vista no n.º 2 do art. 442.º, concretamente o dobro do sinal ou o aumento do valor da coisa. Se, pelo contrário, o incumprimento se apresenta na modalidade de incumprimento definitivo já não poderá então o promitente faltoso oferecer-se para cumprir a pro- messa. Sendo o contrato-promessa resolvido com base no incum- primento definitivo do promitente faltoso, ficou o contrato-pro-
(51) in op. cit., pp. 81 e 82.
messa destruído por vontade do promitente fiel, pelo que não poderá o promitente faltoso oferecer-se para cumprir um contrato já resolvido (assim como já não poderá o promitente fiel exigir o cumprimento daquele).
Cabe, pois, perguntar qual a razão pela qual, optando o promi- tente fiel, em consequência da resolução do contrato-promessa fun- dada no incumprimento definitivo, pelo aumento do valor da coisa ou do direito, assiste ao promitente faltoso a possibilidade de se opor ao exercício desse direito, oferecendo-se para cumprir a pro- messa «salvo o disposto no art. 808.º»? De facto, não se descortina com facilidade que interesse juridicamente relevante poderá o legis- lador ter querido acolher ao ressalvar “in fine” aplicação do dis- posto no art. 808.º, quando ao promitente fiel é atribuído o direito de exigir o aumento do valor da coisa ou do direito, após ter, preci- samente nos termos do art. 808.º, convertido a mora em incumpri- mento definitivo e declarado a resolução do contrato-promessa.
De forma a evitar a contradição da 2.ª parte do n.º 3 do art. 442.º com as regras do incumprimento das obrigações e com a resolução parece-nos correcta a doutrina que pugna pela sua inter- pretação ab-rogante. Com efeito, a 2.ª parte do n.º 3 do art. 442.º colide directamente com os princípios gerais do direito civil e do não cumprimento das obrigações, pelo que para evitar essa contra- dição e incoerência normativa, a qual nos parece insanável, e, simultaneamente por não alcançar utilidade relevante que justifi- que “in casu” a «excepção do cumprimento» cremos que se deverá dar como não escrita a norma contida na 2.ª parte desta disposição legal. Neste sentido se pronunciou XXXXXX XX XXXXX para quem
«Postas as coisas neste pé, porque não divisamos utilidade à 2.ª parte do n.º 3 do art. 442.º, sem cair em contradição com a norma em que se insere e regras do incumprimento com funda- mento da resolução, somos tentados a dá-la como não escrita, fazendo aplicação da interpretação ab-rogante»(52).
(52) in Sinal e contrato-promessa, cit., p. 153; no mesmo sentido GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., pp. 219 a 221; BRANDÃO PROENÇA propende para uma interpretação restritiva da última parte do n.º 2 do art. 442.º e correctiva do n.º 3, in Do incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, cit., p. 157.
4.5. O n.º 4 do art. 442.º
O n.º 4 do art. 442.º exclui, no caso de incumprimento do con- trato-promessa, a possibilidade do promitente fiel exigir qualquer outra indemnização «nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento».
Esta norma merece duas observações.
Por um lado, e como primeira observação, trata-se de uma norma supletiva, pelo que nada impede que as partes convencio- nem disciplina diversa. No entanto, caso as partes nada convencio- nem, a indemnização decorrente do incumprimento (definitivo) do contrato-promessa é definida nos termos do n.º 4 do art. 442.º. A este respeito destaca-se o acórdão do Supremo Tribunal de Jus- tiça de 01/11/2010 que firmou a seguinte doutrina: «Como se dis- põe no n.º 4 do art. 442.º, C. Civil, “na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do Sinal (…)”. Assim sendo, o valor da indemnização compensatória, havendo sinal, identifica-se a forfait, com o valor deste, identificação que só pode ser afastada em função de estipulação convencional das partes nesse sentido. … Consequentemente, tendo as Partes con- vencionado o sinal, sem estipulação de qualquer outra indemniza- ção em caso de incumprimento, ficou-lhes vedado lançarem mão de qualquer outra indemnização compensatória pelo incumpri- mento que não seja a da perda do sinal passado ou da restituição do seu dobro»(53).
Considera o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que a sanção pecuniária compulsória, por não ter natureza indem- nizatória, destinando-se antes a constranger o demandado a reali- zar o cumprimento devido, pode ter lugar independentemente da existência, ou não, de indemnização. Aceita, assim, o mencionado acórdão a cumulabilidade da sanção pecuniária compulsória com a indemnização prevista no n.º 4 do art. 442.º.
(53) in <xxx.xxxx.xx>, (proc. 1433/07.7TBBRG.S2).
Por outro lado, e como segunda observação, esta disposição legal não impede a possibilidade de ao promitente fiel assistir o direito a exigir outra indemnização baseada em facto distinto do incumprimento do contrato-promessa. Pense-se no direito à indem- nização por benfeitorias realizadas pelo promitente-comprador que adquiriu a tradição da coisa objecto do contrato prometido.
4.6. Incumprimento imputável a ambos os promitentes (concorrência de culpas)
Para além do incumprimento exclusivamente imputável ao tradens ou ao accipiens pode suceder que aquele incumprimento seja imputável a ambos os promitentes.
Como regra, quando o incumprimento seja imputável a ape- nas um dos promitentes não lhe assistirá o direito de resolver o contrato-promessa. Havendo culpa de ambos os promitentes no incumprimento do contrato-promessa, o promitente cuja culpa seja mais grave não deverá poder socorrer-se da resolução do contrato, apenas cabendo este direito ao promitente cuja culpa seja menos grave. No entanto, sendo iguais as culpas de ambos os promitentes cremos que cada um deles poderá resolver o contrato-promessa, pois ambos são, na mesma medida, culpados pelo incumprimento do contrato. Importa, por isso, ponderar a gravidade da culpa no incumprimento do contrato para determinar se o direito de resolu- ção assiste a um ou a ambos os promitentes.
Sobre esta problemática pronunciou-se XXXXXX XX XXXXX, con- siderando que «o facto de o não cumprimento ser imputável, em igual medida, a ambas as partes, não deve precludir o direito de reso- lução de uma delas nos contratos com prestações correspectivas»(54). No que respeita à indemnização decorrente do incumprimento imputável a ambas as partes continua o ilustre autor: «Quer-nos parecer que o caso de não cumprimento bilateralmente imputável
(54) in Sinal e contrato-promessa, cit., p. 155.
do contrato deve ser resolvido, tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respecti- vos pressupostos (art. 570.º). Assim a indemnização poderá ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, consoante a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultaram. Se as culpas dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, devendo o accipiens, porém, res- tituir o sinal em singelo, pois não se vê a que título possa retê-lo legitimamente».
Daqui decorre que sendo o contrato-promessa legitimamente resolvido pelo tradens, e por via disso destruído, assiste a este promitente, conforme decorre do art. 433.º, o direito de exigir do accipiens a restituição do sinal entregue. Já no que tange ao direito de exigir uma indemnização, que acresce à restituição do sinal em singelo, resultará da apreciação que vier a ser feita da concorrência de culpas, para a qual deverá recorrer-se à norma constante do art. 570.º.
Caso a resolução do contrato-promessa seja legitimamente declarada pelo accipiens, que já recebeu o sinal, deverá o tradens pagar a indemnização devida descontada da importância entregue a título de sinal, ou, caso a indemnização devida seja inferior ao valor do sinal, deverá o accipiens restituir-lhe a parte excedente, o que será feito através do instituto da compensação.
Deste modo, sendo as culpas concorrentes em idêntica medida para o incumprimento do contrato-promessa, não existirá direito a qualquer indemnização pelo incumprimento do contrato, apenas havendo lugar à restituição do sinal em singelo(55).
(55) Sobre esta temática pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acór- dão 13/01/2009 (Proc. n.º 08A3649): «sendo iguais as culpas concorrentes, não há lugar à indemnização, o que, no caso, equivale a dizer-se que não têm os A.A. direito à devolução do dobro do sinal mas apenas à sua restituição em singelo, uma vez que, destruído o con- trato e sendo iguais as culpas de ambas as partes, nenhuma razão existe para que o R. faça seu o sinal passado pelas A.A».
4.7. A natureza do direito do promitente-comprador que obteve a traditio
Importa apreciar a natureza dos poderes do promitente-com- prador que obteve a traditio da coisa objecto do contrato prome- tido. Com efeito, em consequência da traditio da coisa prometida vender o promitente-comprador fica investido num poder de gozo (eventualmente até de fruição) sobre a coisa objecto do contrato prometido. Vale dizer, em consequência da traditio rei passa o pro- mitente-comprador a poder aproveitar directamente as utilidades que a coisa objecto do contrato prometido pode proporcionar.
Não adquire, porém, o promitente-comprador um direito de posse sobre a coisa prometida vender. Como é consabido a posse não se esgota nos actos materiais (corpus) daquele que detém a coisa. Decorre do art. 1251.º que a posse pressupõe, para além da detenção da coisa em que se materializa o corpus, a intenção de agir como titular do direito de propriedade ou de outro direito real (animus possidendi). Ora, com a traditio rei o promitente-compra- dor adquire apenas o corpus sobre a coisa objecto do contrato pro- metido, não passando agir como beneficiário do direito de proprie- dade ou de outro direito real. É, assim, o promitente-comprador que obteve a traditio rei um detentor ou possuidor precário como decorre do art. 1253.º.
Nesse sentido vai a doutrina firmada por XXXXXXX XXXXXX ao ensinar que «o promitente-comprador, investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisa- mente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seria- mente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa»(56).
(56) in RLJ, Ano 128.º, p. 146 (Anotação ao acórdão do STJ de 02/11/1989).; no mesmo sentido vide GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 243; na jurisprudência vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2007 (07A480) «Em regra, pois, o promitente-comprador exercerá sobre o bem um direito pessoal de gozo,
Será, assim, o promitente-comprador titular de um direito pes- soal de gozo sobre a coisa, o qual perdurará enquanto não for cele- brado o prometido contrato ou, eventualmente, enquanto não for resolvido o contrato-promessa. Os direitos pessoais de gozo (a que o legislador se refere no art. 407.º) têm merecido especial atenção por parte da recente doutrina civilística. Tratam-se, em síntese, de direitos que atribuem ao seu titular o poder de agir autónoma e directamente sobre uma coisa mas que têm a sua origem e funda- mento numa relação obrigacional, e de cuja vigência aquele poder se encontra dependente (vg. o comodato ou o arrendamento). Ces- sando a relação obrigacional, cessa o direito pessoal de gozo.
Como expressa XXXXXXXX XXXXXXXX «o poder de gozo, …, tem por base ou fundamento uma relação obrigacional, da qual nunca se desprende. Já o mesmo não acontece com os direitos reais de gozo sobre coisa alheia (e também sobre coisa própria: direito de propriedade). Estes não pressupõem uma vinculação obrigacio- nal de quem quer que seja. Não são, por outras palavras direitos relativos. Uma vez constituídos (por contrato, testamento, usuca- pião, acessão, etc.), desligam-se da respectiva matriz e conferem ao seu titular uma posição jurídica que não depende de nin- guém»(57).
É, no entanto, possível, embora a título excepcional, que a traditio rei converta o promitente-comprador como verdadeiro possuidor, em nome próprio, sobre a coisa objecto do contrato pro- metido. Na verdade, a jurisprudência e a doutrina têm qualificado como verdadeira posse os casos em que o promitente-comprador pagou a totalidade ou quase totalidade do preço, ou em que o pro- mitente-vendedor entrega a coisa ao promitente-comprador como
semelhante ao do comodatário, mas que lhe não confere a realidade da posse, nem mereceu ainda equiparação legal»; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011 (290/
/05.2TBRMR.L1.S1) «Não constituindo a entrega da coisa prometida vender um efeito típico do contrato promessa de compra e venda, mas tão só do contrato definitivo de com- pra e venda (art. 879, al. a) do C.C.), a traditio da coisa prometida vender tem sido consi- derada como um contrato atípico ou inominado, diferenciado do contrato promessa, cons- titutivo de um direito pessoal de gozo, traduzido na antecipação de um dos efeitos do contrato definitivo, no pressuposto da realização desse contrato».
(57) Vide obrigações reais e ónus reais, Almedina 1990, p. 51.
se este fosse já seu dono, sendo esta entrega ou o pagamento da quase totalidade do preço acompanhada de circunstâncias que revelem, de forma inequívoca, que o promitente-comprador passou a agir com o animus possidendi sobre a coisa objecto do contrato prometido. Só após uma ponderação casuística será possível deter- minar o animus com que o promitente-comprador passou a exercer os seus poderes sobre a coisa e, assim, se ele adquiriu, ou não, a posse sobre a coisa(58).
Caso se conclua ser o promitente-comprador titular de um verdadeiro direito de posse sobre a coisa prometida vender, poderá defender a sua posse contra uma diligência judicial (por ex. penhora) que a ofenda por via de embargos de terceiro.
Situação distinta se verifica caso o promitente-comprador apenas seja titular de um direito pessoal de gozo sobre a coisa o que, reitera-se, constitui a regra geral. Nessa situação, não sendo o direito pessoal de gozo oponível aos direitos reais (com excepção do direito do locatário), não poderá o promitente-comprador defen- der-se de uma diligência judicial que afecte o seu direito através de embargos de terceiro(59).
Cremos que, quer neste enquadramento quer mesmo inexis- tindo traditio rei, sendo a coisa, objecto do contrato prometido, penhorada no âmbito de uma acção executiva movida por terceiro contra o promitente-vendedor/executado, será possível sustentar ocorrer incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte deste último na medida em que se verifique um comportamento revelador de uma inequívoca vontade de não querer ou não poder cumprir o contrato-promessa. Desde logo, no caso do promitente-
-vendedor indicar à penhora o bem prometido vender, configurará tal situação uma intenção clara e inequívoca de não querer cumprir o contrato-promessa, incorrendo deste modo em incumprimento definitivo. Já na hipótese da coisa objecto do contrato prometido
(58) Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2007 (07A480).
(59) Vide XXXXXX XXXXXXXX, in Apreensão em Processo Executivo e oposição de Xxxxxxxx, cit., pp. 179 e 180, para quem «a detenção alegada, assente num direito pessoal de xxxx, cede, juridicamente, perante a penhora (garantia real) constituída em benefício do exequente».
ter sido nomeada à penhora pelo terceiro/exequente, como é a regra geral, a situação poderá não ser tão clara. Ainda assim julga- mos que, permitindo o promitente-vendedor que a coisa prometida vender seja penhorada por terceiro, poderá aquele colocar-se numa situação de incumprimento definitivo caso tenha ocorrido inércia da sua parte em permitir aquela penhora(60).
Por fim, outro efeito jurídico decorrente da posse do promi- tente-comprador, e que importa referir, consiste no facto deste poder vir a adquirir a propriedade da coisa objecto do contrato pro- metido por via da usucapião, desde que observados os requisitos constantes dos arts. 1287.º e seguintes(61).
5. O Direito de Retenção
5.1. O art. 755.º, n.º 1, alínea f)
O direito de retenção, no âmbito do contrato-promessa, foi introduzido na nossa ordem jurídica pelo Decreto-Lei n.º 236/80 tendo sido inserido no n.º 3 do art. 442.º. Com preocupações de maior rigor técnico o Decreto-Lei n.º 379/86 transplantou o direito de retenção para o art. 755.º, n.º 1, al. f).
(60) Nesse sentido vai a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 24/01/2008 (07B3813) cujo sumário se transcreve: «2. Clausulado, no contrato-promessa, que o prédio seria vendido livre de xxxx ou encargos, e não tendo os promitentes vendedores removido o encargo (hipoteca) que sobre ele impendia já ao tempo da celebração do contrato-promessa, nem obstado, posteriormente a tal celebração, à penhora do prédio, não tendo dado conhecimento à contraparte da incidência das aludi- das hipoteca e penhora, verificou-se o incumprimento, por aqueles do contrato-promessa.
3. O incumprimento não resulta da impossibilidade da prestação dos promitentes vende- dores, mas antes da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa, deixando os promitentes vendedores patente que, da sua parte, o con- trato não era para cumprir, de nada passando a interessar a interpelação para o cumpri- mento».
(61) Nesse sentido vai a doutrina firmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2008 (08B3743) cujo sumário parcial se transcreve: «O promitente-com- prador adquire o direito de propriedade dos terrenos por usucapião se deles foi possuidor pública, pacificamente e de boa fé durante quinze anos».
Esta disposição legal atribui um direito de retenção ao «bene- ficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prome- tido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º».
Resulta deste normativo que o titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato-promessa que tenha obtido a tradição da coisa objecto do contrato prometido. Naturalmente que é pressuposto do direito de retenção a existência da “traditio rei”, pois sem esta o direito de retenção deixa de ter objecto.
Vale dizer, o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que não obteve a tradição da coisa não goza do direito de retenção, pois não está obrigado a entregar ao credor a coisa que detém uma vez que nada lhe foi entregue.
Estamos em face de um direito real de garantia cuja finalidade é garantir o crédito do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real em face do incumprimento definitivo imputável à contraparte. Ora, esse crédito, que o direito de reten- ção visa garantir, consiste no dobro do sinal, no aumento do valor da coisa ou da indemnização convencionada, conforme resulta do n.º 4 do art. 442.º.
Parte da doutrina tem vindo a interpretar restritivamente a norma constante do art. 755.º, n.º 1, al. f). Assim, XXXXXXX XXXX- xXX XXXXXXXX considera que a retenção «só garante o direito ao aumento do valor da coisa e não o direito à restituição em dobro» do sinal(62). No mesmo sentido XXXX XXXXxXX XXXXXX pugna pela aplicação do direito de retenção a favor do promitente-comprador que obteve a “traditio rei” mas para garantir apenas o pagamento do aumento do valor da coisa, não abrangendo o crédito relativo à restituição do sinal em singelo(63). Também L. XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX entende que a norma constante do art. 775.º, n.º 1, al. f) deve ser objecto de uma interpretação restritiva no sentido de apenas se aplicar ao promitente-comprador consumidor sustentando
(62) in Tratado de Direito Civil Português ii. Direito das obrigações, tomo II, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 402.
(63) in Direito das obrigações, cit., pp. 251 e ss.
estarmos em face de uma «norma de tutela do consumidor»(64). Esta orientação foi acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça que, no seu acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2014, fixou a seguinte doutrina em caso de insolvência do promitente-vendedor:
«no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia mera- mente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no art. 755.º, n.º 1, alínea f) do Código Civil»(65).
Sem perda do devido respeito pela opinião dos ilustres autores e pela jurisprudência citada, é nossa convicção que de iure consti- tuto não existe fundamento para interpretar restritivamente norma contida no art. 775.º, n.º 1, al. f). Com efeito, o direito de retenção, tal como vai consagrado no art. 755.º, n.º 1, al. f), encontra a sua justificação na reforçada expectativa por parte do promitente-com- prador que obteve a “traditio rei” de que o contrato prometido será celebrado. Deste modo, para além do direito de retenção actuar como um direito real de garantia (de que o crédito indemnizatório do beneficiário será satisfeito), tem igualmente uma natureza coer- civa no sentido de pressionar o promitente alienante a pagar a indemnização devida. E esta dupla função de garantia real e coerci- tiva do direito de retenção existe independentemente do contrato-
-promessa se destinar à aquisição de habitação própria ou não, ou do promitente-comprador ser uma pessoa singular ou colectiva.
Concordamos, deste modo, com GRAVATO MORAIS para quem o direito de retenção, enquanto direito real de garantia, «há-de garantir qualquer crédito emergente do incumprimento do con- trato-promessa. É esse o valor da ampla remissão efectuada para o art. 442.º CC»(66).
(64) Vide Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência, cit., pp. 7 a 9.
(65) in <xxx.xxx.xx>; vide GRAVATO MORAIS, in Da tutela do retentor-consumidor em face da insolvência do promitente-vendedor — Ac. de Uniformização de Jurisprudên- cia n.º 4/2014, de 20/03/2013, Proc. 92/05 in Cadernos de Direito Privado, n.º 46, 2014, pp. 32 e ss.
(66) in Contrato-Promessa em Geral, cit., p. 234.
Enquanto direito real de garantia, o direito de retenção atribui prioridade ao respectivo titular de ser pago, com preferência a qualquer outro credor, pelo valor do bem objecto do contrato pro- metido.
A função coercitiva do direito de retenção sobre a coisa objecto do contrato prometido, como forma de pressionar o promi- tente-vendedor a pagar a indemnização devida pelo seu incumpri- mento (definitivo), é realizada sem necessidade de recurso ao Tri- bunal. Isto é, é realizada extrajudicialmente, bastando que o promitente-comprador se mantenha na detenção da coisa objecto do contrato prometido. Porém, pretendendo o promitente-compra- dor obter o pagamento da indemnização devida terá necessaria- mente que recorrer à via judicial, num primeiro momento através da acção declarativa, com vista a ver-lhe reconhecido o seu direito de retenção, e, num segundo momento, através da acção executiva.
Preceitua o n.º 2 do art. 759.º que o direito de retenção prefere à hipoteca registada anteriormente (art. 759.º n.º 2)(67). Ao consa- grar o presente regime pretendeu o legislador tutelar os interesses do promitente-comprador quando em confronto com os interesses do Banco financiador, em especial quando se está perante a compra de imóvel destinado à habitação(68).
Esta prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca ainda que registada anteriormente, tem motivado duras críticas por parte da doutrina, por se entender que o promitente-vendedor/construtor pode, por via da referida prevalência, prejudicar o Banco financia- dor da obra ainda que o crédito deste esteja protegido por hipoteca. Na verdade, seria suficiente, para o efeito, que o promitente vende-
(67) Esta norma já viu a sua inconstitucionalidade ser suscitada por diversas vezes. Porém, o Tribunal Constitucional nos seus acórdãos n.º 594/03 de 03/12/2003 e 356/04 de 19/04/2004 pronunciou-se no sentido da constitucionalidade da referida norma. Também no sentido da constitucionalidade na norma contida no n.º 2 do art. 759.º pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 18/12/2007 (Proc. n.º 07B4123).
(68) Em sede de insolvência, vide L. XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX, in Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência, cit., pp. 3 e ss, para quem, em sede de insol- vência, o promitente-comprador em contrato-promessa, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no art. 755.º, n.º1, alínea f) do Código Civil.
dor, chegando à fase de acabamento da construção do edifício já constituído em propriedade horizontal, entregasse as chaves das fracções prometidas vender aos promitentes-compradores para que estes nelas se instalassem. Por esta via, o crédito indemnizatório a que estes têm direito, em consequência do incumprimento defini- tivo do promitente-vendedor, encontra-se protegido pelo direito de retenção o qual, não carecendo de registo, prevalece sobre a hipo- teca anteriormente registada a favor instituição financiadora, a qual poderá ficar na prática esvaziada enquanto garantia real.
Sobre esta temática, pronunciou-se XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX para quem «no diferendo ou jogo de interesses polarizado em torno de um consumidor final e das instituições de crédito, a lei, repensando tudo, deixou-se cair uma vez mais para o lado do primeiro. E bem. É que as armas com que as instituições de crédito se podem defender neste contexto levam de longe a palma às capa- cidades de defesa dos simples consumidores. Àquelas basta, na verdade, para se tutelarem adequadamente, seleccionar os créditos a conceder»(69).
Em todo o caso, a prevalência do direito de retenção decor- rente do n.º 2 do art. 759.º encontra-se hoje enfraquecida quando confrontada com as hipotecas constituídas a favor das instituições de crédito hipotecário (que são instituições de crédito cujo objecto consiste na concessão e aquisição de créditos hipotecários). Com efeito, o Decreto-Lei n.º 59/2006, de 20 de Março, que estabelece o regime jurídico aplicável às obrigações hipotecárias e às institui- ções de crédito hipotecário, preceitua no seu art. 3.º, n.º 2, que as hipotecas que garantam créditos hipotecários das instituições de crédito hipotecário prevalecem sobre quaisquer privilégios creditó- rios imobiliários. Uma vez que o art. 751.º estatui que os privilé- gios imobiliários especiais preferem ao direito de retenção, a gra- duação daqueles créditos hipotecários prevalecerá sobre o direito de retenção.
(69) in Direito das obrigações, I, Coimbra 1990, p. 281.
5.2. O promitente-comprador de fracção autónoma em construção que obteve a “traditio rei”
A situação que iremos apreciar, frequente na prática, pode ser esquematizada do seguinte modo: o promitente-comprador de uma fracção autónoma em construção, não estando ainda constituída a propriedade horizontal do prédio, e que obteve a tradição da frac- ção objecto do contrato prometido, declara legitimamente a resolu- ção do contrato-promessa (fundada no incumprimento definitivo do promitente-vendedor). Importa determinar se, sendo o contrato-
-promessa sinalizado ou tendo sido convencionado uma cláusula penal, o promitente-comprador goza de direito de retenção sobre a fracção em construção como garantia do seu crédito indemnizató- rio determinado nos termos do art. 442.º.
Sobre esta temática pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão uniformizador de jurisprudência de 12/03/
/1996, o qual fixou a seguinte doutrina: «Nos termos do n.º 3 do art. 442.º do Código Civil, na redacção introduzida pelo Xxxxxxx-
-Xxx 000/00, de 18 de Julho, tendo havido tradição de fracção de prédio urbano, o promitente-comprador goza de direito de reten- ção, mesmo que o edifício ainda não esteja submetido ao regime da propriedade horizontal»(70).
Este acórdão obteve oito votos de vencido os quais pugnaram pela posição diametralmente oposta. Da nossa parte, não concorda- mos com a orientação adoptada pelo supra citado acórdão(71). E isto porque sendo o direito de retenção um direito real de garantia, tra- duz-se num poder directo e imediato sobre uma coisa jurídica certa e determinada. Não pode, por essa razão, o direito de retenção inci- dir sobre parte de uma coisa, mas apenas sobre uma fracção que já tenha existência e autonomia jurídica por via da constituição da pro- priedade horizontal. Enquanto esta não estiver constituída apenas o
(70) in Diário da República, II Série, de 8 de Junho de 1996.
(71) Discordam igualmente da jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., pp. 193 a 195, e XXX XXXXX XXXXXX, in Curso de Direitos reais, Principia 3.ª ed., revista e actuali- zada, 2013, pp. 295 a 297.
prédio pode ser objecto do direito de retenção, pois apenas o prédio é coisa em sentido jurídico. Atendendo aos lugares paralelos, tam- bém a hipoteca (art. 686.º) e o penhor (art. 666.º) têm por objecto uma coisa em sentido jurídico. O que se compreende se atentarmos a que o titular da hipoteca (art. 686.º), do penhor (art. 666.º) ou do direito de retenção (art. 759.º, n.º 1) têm o poder de se fazer pagar do seu crédito pelo produto da venda forçada da coisa objecto daqueles direitos reais de garantia. Vale dizer, só o que pode ser alienado pode ser objecto de hipoteca, do penhor ou do direito de retenção. Não sendo juridicamente possível alienar partes de coisas, são as mesma impenhoráveis o que, de acordo com o preceituado nos arts. 736.º, al. a) do Cód. do Processo Civil e 756.º, al. c), exclui o direito de retenção que incida sobre uma fracção juridicamente inexistente. Xxxxx, o próprio acórdão do Supremo Tribunal de Jus- tiça aceita que, caso as obras sejam abandonadas, o direito de reten- ção «tomba em absoluta anodinia».
Sobre esta temática concordamos com a doutrina firmada por XXX XXXXX XXXXXX segundo a qual «a tese do Supremo Tribu- nal de Justiça é inconciliável com o restante sistema jurídico. Na vertente da obtenção de pagamento pelo valor da coisa, os pro- mitentes-compradores em causa (como de resto o Supremo Tri- bunal de Justiça reconheceu, na sua decisão …) não têm a possi- bilidade de fazer valer o seu direito. Ninguém pode adquirir (nem em venda executiva!) a propriedade de uma fracção que não existe …»(72).
Em face do que vai exposto, temos para nós que o direito de retenção não pode incidir sobre uma fracção autónoma juridica- mente inexistente, do que resulta que este direito real de garantia, tal como o art. 755.º, n.º 1, al. f) o concebe, tem inexoravelmente um campo de aplicação mais limitado do que aquele que a letra desta disposição legal poderia fazer sugerir.
(72) in Curso de Direitos reais, cit., p. 297.
5.3. O direito de retenção, penhora e venda executiva da coisa objecto do contrato prometido
Importa apurar se o promitente-comprador titular do direito de retenção pode reagir através de embargos de terceiro contra a penhora da coisa objecto do contrato prometido, de forma a tornar esta impenhorável e, assim, obstaculizar à sua venda executiva. Como nota prévia, diremos que por aplicação do art.670.º,
al. a) “ex vi” dos arts. 758.º e 759.º, n.º 3, assiste ao promitente- comprador titular do direito de retenção o poder de se defender por via de embargos de terceiro, nos termos do preceituado no art. 342.º e seguintes do Cód. do Processo Civil, contra qualquer diligência judicialmente ordenada que não implique a caducidade do direito de retenção (por ex. no caso de acção executiva para entrega de coisa certa)(73).
Porém, na hipótese de penhora da coisa objecto do contrato prometido a solução terá que ser outra, pois actuando a penhora como antecâmara da venda executiva o direito de retenção cadu- cará com esta venda. Com efeito, o direito de retenção, enquanto direito real de garantia que visa garantir o crédito do promitente-
-comprador decorrente do incumprimento definitivo do contrato-
-promessa, não é incompatível com a realização da penhora, não obstando à venda executiva da coisa objecto do contrato prome- tido. Na verdade, sendo o direito de retenção um puro direito real de garantia, tal como a hipoteca ou o penhor, e não um direito real de gozo, não obsta à penhora da coisa objecto do contrato prome- tido quer esta penhora seja requerida por quem tiver outro direito real de garantia quer seja requerida por um credor comum do pro- mitente-vendedor. Aderimos, por essa razão, à doutrina firmada por XXXXXX XXXXXXXX segundo a qual «os embargos de terceiro deduzidos contra uma penhora pelo titular de um direito de reten- ção (no caso, promitente-comprador) devem — por manifesta falta de fundamento — ser indeferidos … . É que o poder de realizar à custa da coisa determinado valor não é afectado pela penhora.
(73) Vide neste sentido XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., p. 196.
A execução não causa ao promitente-comprador qualquer prejuízo
— apenas o força ou incita a reclamar o seu crédito nesse mesmo processo»(74). Na jurisprudência vide por todos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/10/2013, o qual é lapidar ao afirmar que «o direito de retenção nunca impede a penhora, nem o seu titular lhe pode deduzir embargos de terceiro»(75).
Destarte, deverá o promitente-comprador titular do direito de retenção reclamar o seu crédito na acção executiva até à transmis- são do bem penhorado sob pena de se verificar a caducidade do seu direito real de garantia (art. 788.º do Cód. do Processo Civil). Com efeito, dispõe o n.º 2 do art. 824.º que os bens são transmitidos livres de quaisquer direitos de garantia que os onerarem, pelo que o direito de retenção caduca aquando da realização da venda execu- tiva, transferindo-se o direito de crédito do promitente-comprador para o produto da venda com a mesma prioridade que o direito de retenção detinha sobre o bem transmitido (art. 824.º, n.º 3)(76). Vale
(74) in Apreensão em Processo Executivo e oposição de Xxxxxxxx, cit., pp. 172 e 173. No mesmo sentido vide GRAVATO MORAIS, in Contrato-Promessa em Geral, cit.,
p. 238; XXXXXX XX XXXXX, in Sinal e contrato-promessa, cit., pp. 196 a 199; XXXXXXX XXXXXX, in RLJ, Ano 124.º, p. 352 (Anotação ao acórdão do STJ de 25/02/1986).
(75) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/10/2013 (10262/06.4TBM TS.P1.S1).
(76) Transcreve-se, pela sua clareza, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/10/2013 (10262/06.4TBMTS.P1.S1): I. — No caso de ter havido tradi- ção da coisa objecto do contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma para habitação, o promitente-comprador goza, nos termos gerais, de direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento definitivo do contrato pelo promi- tente-vendedor. II. — Tal direito confere ao promitente-comprador a faculdade de não abrir mão da coisa enquanto se não extinguir o seu crédito. III. — Prosseguindo a execu- ção até à venda executiva, o direito de retenção, que é um direito real de garantia, caduca com esta venda nos termos da 1.ª parte do n.º 2, do art. 824.º do C.C. IV. — Quando ocorre a venda executiva, essa função de garantia transfere-se do bem vendido para o pro- duto da venda, em conformidade com o n.º 3, do mesmo preceito, operando a garantia sobre o respectivo montante e não mais sobre o bem alienado. V. — Com efeito, o men- cionado n.º 2, ao dispor sobre os efeitos da venda em execução e da sua repercussão sobre os direitos reais de garantia e sobre os direitos reais de gozo, distingue claramente a situa- ção de uns e outros. VI. — No que respeita aos direitos reais de garantia (art. 824.º, n.º 2, 1.ª parte) todos eles caducam com a venda executiva : os bens são sempre transmitidos livres de quaisquer direitos de garantia, sejam de constituição anterior ou posterior à penhora, tenham registo ou não tenham, tenha havido ou não reclamação na execução dos créditos que garantem.
dizer, atendendo à graduação de créditos realizada e à preferência decorrente do direito de retenção, assiste ao promitente-comprador o direito de ser pago pelo produto resultante da venda executiva, com a mesma prioridade sobre os demais credores que o direito de retenção caducado lhe atribuía(77).
Como é consabido, a reclamação de créditos no âmbito da fase da convocação de credores tem por base um título exequível. Caso o promitente-comprador titular do direito de retenção não disponha de título exequível que lhe permita reclamar o seu cré- dito, deverá, nos termos do preceituado no art.792.º do Cód. do Processo Civil, requerer, dentro do prazo facultado para a reclama- ção de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente ao bem objecto do contrato prometido, aguarde a obtenção do título em falta. Se o executado reconhecer a existência do crédito, ou nada disser sobre o mesmo e não esteja pendente acção declarativa para a sua apreciação, considera-se formado o título executivo e reclamado o crédito nos termos do requerimento do promitente- comprador, sem prejuízo da sua impugnação pelo exequente e demais credores reclamantes. Se, ao invés, o executado negar a existência do crédito, terá o promitente-comprador que propor uma acção contra o executado, o exequente e os credores reclamantes interessados, com vista a obter sentença exequível, reclamando seguidamente o seu crédito na execução.
Se o promitente-comprador não reclamar o seu crédito no pro- cesso executivo, o direito de retenção caduca — art. 824.º, n.º 2 — sem que tenha sido reconhecido e graduado, não se transferindo o seu crédito para o produto da venda do bem prometido vender. Esclarece-se que apenas caduca o direito de retenção subsistindo, porém, o direito de crédito mas como crédito comum, podendo o promitente-comprador, na qualidade de credor comum, exigir do promitente-vendedor, em acção autónoma, o respectivo cumpri- mento.
(77) Em sentido contrário, pugnando pela sobrevivência do direito de retenção na venda executiva, vide XXXXXXX XXXXxXX XXXXXXXX, in ROA, Ano 57, pp. 547 a 563, Da retenção do Promitente na Venda Executiva.
5.4. O direito de retenção e o caso julgado
Importa apurar se o direito de retenção, reconhecido ao pro- mitente-comprador em acção declarativa apenas proposta contra o promitente-vendedor é oponível, em fase executiva, ao credor hipotecário deste último, que não foi demandado naquela acção. Como é sabido, em princípio a sentença apenas tem força de caso julgado entre as partes, não sendo oponível a terceiros não intervenientes no processo. Destarte, a sentença que reconheceu o direito de retenção ao promitente-comprador/exequente sobre a coisa objecto do contrato prometido, e penhorada no processo exe- cutivo, não constitui caso julgado contra o credor hipotecário/
/reclamante na medida em que não lhe é oponível. De outra forma ficaria prejudicada a consistência jurídica do direito do credor hipotecário na medida em que lhe estaria vedado defender a priori- dade do seu crédito em face do direito de retenção, sendo patente a incompatibilidade entre a hipoteca e o direito de retenção por via da norma constante do art. 759.º, n.º 2, com prevalência deste último.
Poderá, por essa razão, e de acordo com o preceituado nos n.os 3 e 4 do art. 789.º do Cód. do Processo Civil, o credor hipotecá- rio impugnar, no prazo de 15 dias a contar da notificação prevista no n.º1 da citada disposição legal, os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invoca- das quer pelo exequente quer pelos outros credores, com funda- mento em qualquer das causas que extinguem ou modificam a obri- gação ou que impedem a sua existência, para além dos fundamentos constantes dos arts.729.º e 730.º do Cód. do Processo Civil.
A este propósito pronunciou-se o Supremo Tribunal de Jus- tiça, no seu acórdão de 20/10/2011, cujo sumário se transcreve:
«I — A sentença proferida em sede de acção declarativa que reco- nheça ao exequente a existência do direito de retenção não constitui caso julgado contra o credor hipotecário (ora credor reclamante), que não interveio nessa acção, não lhe sendo, por isso oponível.
II — Não tendo o credor reclamante, uma vez notificado em con- formidade com o art. 866.º do CPC, deduzido qualquer impugnação ao
direito de retenção, impõe-se, nos termos dos ns.º 2 e 4 do art. 868.º do CPC, ter como reconhecidos os créditos e respectivas garantias reais, proferindo-se sentença que os gradue, tendo em atenção a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca (art. 759.º, n.º 2 do CC)»(78).
Concordamos com a doutrina firmada pelo acórdão citado, pelo que no caso do credor hipotecário/reclamante não deduzir qualquer impugnação ao direito de retenção do promitente-com- prador/exequente, apesar de não se encontrar abrangido pela eficá- cia caso julgado decorrente da acção declarativa, terá de ser reco- nhecido o crédito do promitente-comprador/exequente e, por via do direito de retenção, graduado com prioridade sobre o crédito hipotecário (cfr. art. 759.º, n.º 2).
(78) in CJ, Ano XIX, Tomo III/2011, p. 89. No mesmo sentido vide acórdão do Tri- bunal da Relação de Lisboa de 03/04/2014 (1149/13.5TJLSB-A.L1-2).
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