A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS DE PARCERIA PÚBICO-PRIVADA1
A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS DE PARCERIA PÚBICO-PRIVADA1
Xxxxx Xxxxxxxx Tedesco2
RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade, por meio de uma avaliação doutrinária, jurisprudencial e histórico-legislativa, analisar a compatibilidade do emprego da arbitragem nos contratos de parceria público-privada no ordenamento jurídico brasileiro atual. Neste contexto, ambos os institutos inserem-se nas novas diretrizes da Administração Pública Consensual, que visa a maior paridade nas relações firmadas. Dentre as notáveis inovações trazidas pela Lei nº 11.079/04, que regula as parcerias público-privadas, salienta-se que essa foi pioneira ao admitir a solução de controvérsias por meios extrajudiciais, em especial, a arbitragem. A arbitragem que, por sua vez, no corrente ano passou por acentuadas mudanças concernentes aos contratos administrativos, também vem se revelando um instrumento de potencialização da eficiência e celeridade na resolução de conflitos, mostrando-se um meio hábil e alternativo à jurisdição estatal, inclusive em conflitos envolvendo o Estado. O tema, então, torna-se controvertido, uma vez que se lança mão de um instituto privado para dirimir conflitos entre o Poder Público e o ente particular, tirando do Estado a jurisdição.
Sobre essa ótica, primeiramente, serão analisados separadamente os institutos da parceria público-privada e da arbitragem, suas principais características e aspectos necessários para a compreensão do tema. Por fim, no terceiro capítulo, serão demonstrados, através de análise doutrinária, jurisprudencial e principiológica, o posicionamento -majoritário- que admite o uso da arbitragem em contratos de parceria público-privada e o posicionamento minoritário, contrário ao uso da via arbitral nos contratos administrativos.
Palavras-chave: Arbitragem. Parceria Público-Privada. Contrato Administrativo. Compatibilidade. Princípios Administrativos. Arbitrabilidade. Direitos Disponíveis. Administração Pública. Administração Consensual.
1 INTRODUÇÃO
Consabido é que o Poder Judiciário vem, há diversos anos, passando por uma crise em suas atividades decorrentes da massa de ações e demandas litigiosas. Como efeito, a morosidade e a pouca efetividade no julgamento de processos tornam-se cada vez mais notórias, ensejando a criação de meios extrajudiciais para a solução de litígios. Dentre eles, destaca-se a arbitragem, instituída no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 9.307/96, que
1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovada com grau máximo pela banca examinadora composta pelos professores Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (orientador), Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, em 18 de dezembro de 2015.
2 Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
– PUCRS. E-mail: xxxxx.xxxxxxx@xxxx.xxxxx.xx
vem proporcionando a rápida e eficaz solução dos conflitos de interesses, especialmente àqueles relacionados a direitos patrimoniais disponíveis.
Paralelamente, ante a necessidade de melhoramentos na infraestrutura e nos serviços públicos do país, conjugada com a notória falta de recursos para realização de investimentos necessários, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 11.079/04, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. A lei estabelece contrato administrativo entre os dois entes, especialmente em obras dos setores da economia nacional como gás e petróleo, energia elétrica, ferrovias e telecomunicações.
Frente à crise jurisdicional e como forma de incentivar o parceiro privado a investir nos setores públicos, oferendo vantagens ao ente particular que o atraiam e demonstrem minimizar os riscos da execução contratual, foi previsto expressamente a possibilidade da cláusula contratual prevendo o emprego da arbitragem no artigo 11, inciso III, da Lei nº 11.079/04.
Contudo, embora haja previsão legal para tanto, há uma série de apontamentos que são colocados à tona quando abordado o assunto, tornando o tema controverso. Dentre eles, questiona-se até que pontos e fundamentos a aplicação da arbitragem é possível sem ofender os preceitos de ordem constitucional que norteiam a Administração Pública. E, ainda, podendo a arbitragem ser utilizada somente por pessoas capazes de contratar para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis – artigo 1º da Lei 9.307/96 - questiona-se se o patrimônio público é um direito disponível passível de transação.
Visando suprir essas lacunas que vêm sido encontradas e, muitas vezes, levadas ao judiciário para solução, aprovou-se recentemente a Lei nº 13.129/15, responsável por diversas modificações na Lei de Arbitragem, especialmente no que toca às questões em que a Administração Pública participa.
Outrossim, o tema também não é pacífico entre as principais cortes do país, que antes mesmo da criação de legislação específica, já se manifestavam em relação ao assunto. Enquanto o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça manifestaram-se favoráveis ao uso da arbitragem pela Administração Pública no tocante a direitos patrimoniais oponíveis ao Estado, o Tribunal de Contas da União mostrou-se, primeiramente, contrário ao uso, justificando que o interesse público é indisponível. Contudo, com a promulgação de novas leis, tal entendimento também foi flexibilizado.
Em face de tais problemáticas desenvolveu-se o presente trabalho que tem como tema atinente a aplicabilidade do instituto da arbitragem pela Administração Pública nos contratos de parceria público-privada, em consonância com os princípios e valores presentes na Constituição Federal, leis esparsas e no próprio ordenamento jurídico brasileiro frente à Reforma do Aparelhamento Administrativo.
Para fins metodológicos, procurou-se, inicialmente, analisar separadamente os aspectos peculiares de cada um dos institutos e, após, como estes se relacionam. Assim, enquanto o primeiro capítulo aborda as parcerias público-privadas e suas diretrizes, o segundo capítulo dedicou-se à arbitragem e o terceiro capítulo ao regime das parcerias público- privadas direcionadas ao juízo arbitral e suas objeções, bem como um estudo dos princípios basilares que regem a Administração Pública.
2 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
2.1 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: ORIGEM E CONCEITO
As parcerias público-privadas foram inspiradas na Private Finance Iniciative – PFI, modelo inglês que instituiu uma forma especial de concessão, onde além do emprego habitual do serviço concessivo, aqueles usufruídos mediante taxas, nesse sistema também há a participação da iniciativa privada para a construção e gestão concessionada de serviços públicos não onerosos, tais como ensino e saúde. Ainda, o responsável por remunerar tais serviços é o próprio Poder Público e não quem se utiliza desse serviço, como ocorre nas concessões3 normais.4
Pois bem. Diante das grandes mudanças econômicas ocorridas nas décadas de oitenta e noventa, principalmente com a implementação do Plano Real, das desestatizações, das privatizações e ante a necessidade de melhoramento, conjugada com a notória falta de recursos públicos para a realização dos investimentos essenciais, o modelo inglês mostrou-se uma grande alternativa ao Estado brasileiro para a resolução dos impasses.
3 As parcerias público-privadas, apesar de oriundas do contrato de concessão, apresentam características diferenciadas, principalmente no que toca à remuneração, podendo haver contraprestação total do parceiro público – concessão administrativa – ou parcial – concessão patrocinada. Além disso, diferentemente do que ocorre na concessão comum, nessa modalidade de parceria há a repartição objetiva dos riscos. Nesse sentido, o próprio artigo segundo da Lei das Parcerias Público-Privadas estabelece que essa nova forma de parceria é um contrato administrativo de concessão, podendo esse ser de modalidade patrocinada ou administrativa.3
4 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. As parcerias público-privadas – PPPs na lei nº 11.079/04: pontos polêmicos. BDA – Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, n. 8, p. 918, ago. 2009.
Essa conjuntura ensejou a adoção das parcerias público-privadas no ordenamento jurídico, tornando-se oportuna tanto para o Estado, que precisava crescer e investir, contudo não possuía verba suficiente para isso, quanto para a iniciativa privada, que experimentava uma de suas maiores ascensões. Assim, estados e municípios passaram a elaborar suas próprias legislações sobre o assunto e, em 30 de dezembro de 2004, aprovou-se a Lei nº 11.079, diploma este que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública.5
Sobre o conceito de parceria público-privada6, o autor para Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxx0
assim se manifesta:
Por definição, na parceria público-privada (PPP), compete ao parceiro privado levantar recursos necessários aos investimentos iniciais no projeto, como a construção de infraestrutura exigida para a prestação dos serviços contratados e as despesas pré- operacionais em geral. Ao Estado, cabe pagar pelos referidos serviços conforme o desempenho do parceiro privado ao longo da vigência do contrato de PPP, que no Brasil pode chegar a 35 anos (o mínimo possível é 5 anos).
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx0 já entende que:
Para englobar as duas modalidades em um conceito único, pode-se dizer que a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto
(a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou
(b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usurária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público.
Analisando os conceitos trazidos acima, percebe-se que foram extraídos por seus respectivos autores da definição eleita pelo legislador para classificar as parcerias público- privadas. Portanto, a Lei nº 11.079/04 é o guia normativo deste instituto.
2.2 A LEI FEDERAL Nº 11.079/04
A discussão para elaboração da lei sobre parcerias público-privadas iniciou-se com o Projeto de Lei nº 2546/03, o qual passou por diversas modificações e foi transformado na Lei
5 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. As parcerias público-privadas – PPP no Direito Positivo Brasileiro. Boletim de Licitações e Contratos (BLC). São Paulo, ano XIX, n. 4, p. 321, abr. 2009.
6 Para a doutrina, as parcerias público-privadas podem ser definidas em sentido amplo e estrito. Contudo, ao presente estudo somente importa a definição em seu sentido estrito, especialmente tendo em vista que a legislação vigente adota essa espécie apenas.
7 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Parceria público-privadas: breves comentários. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, n. 2, mai./jul. 2005. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxx-0-xxxx-0000-xxxx%00xxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 10 ago. 2015.
8 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, parceria público-privada e outras formas. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 146.
nº 11.079/04, na qual instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público- privada no âmbito da Administração Pública.
Como referido anteriormente, as grandes mudanças nos cenários político e econômico no Brasil nas últimas décadas ensejaram a criação de novas técnicas normativas para suprir as carências econômicas e sociais da sociedade. Assim, dentre as justificativas acostadas à mensagem que acompanhou o Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional9 refere-se que:
Tal procedimento, em pouco tempo alcançou grande sucesso em diversos países, como a Inglaterra, Irlanda, Portugal, Espanha e África do Sul, como sistema de contratação pelo Poder Público ante a falta de disponibilidade de recursos financeiros e aproveitamento da eficiência de gestão do setor privado. No caso do Brasil, representa uma alternativa indispensável para o crescimento econômico, em face das enormes carências sociais e econômicas do país, a serem supridas mediante a colaboração positiva do setor público e privado.
Em comentário à legislação, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx00 preleciona:
A Lei das Parcerias Público-Privadas é resultado de uma busca por um instrumento jurídico-contratual que, mitigando os riscos do investidor, flexibilize o iusimperii da Administração Pública como parte no contrato, prevendo vantagens ao particular, como, dentre outras, a prestação de garantias pelo Poder Público, o maior equilíbrio entre as partes na negociação do contrato, bem como a solução de conflitos por meios alternativos de solução de controvérsia.
Além da necessidade de realização de obras de infraestrutura, para as quais o governo não possuía recursos suficientes, a autora Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx00 ressalta que a nova lei visou se adequar à Reforma do Aparelhamento Administrativo do Estado, delegando à iniciativa privada grande parte das funções administrativas.
Outrossim, “diversamente dos contratos disciplinados pelas Leis Federais nº 8.666/93 e 8.987/95, as comumente denominadas cláusulas exorbitantes não estariam, a princípio, presentes de modo tão abundante nas PPPs.”12 Com efeito, o que se busca é a ampliação das bases de negociação das cláusulas contratuais, visando atingir um equilíbrio que desencadeará efeitos típicos dos contratos sinalagmáticos.
9 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2.546/2003. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx000000&xxxxxxxxxXxxxxxxxxx- PL+2546/2003.> Acesso em: 31 ago. 2015.
10 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p 28.
11 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, parceria público-privada e outras formas. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 146.
12 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem e as parcerias público-privadas. Revista Eletrônico de Direito Administrativo Econômico, Salvador, n. 2, maio/jul. 2005, p.5. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXXX-0-XXXX-0000-XXXXXXX-XXXXXXX.xxx> Acesso em: 10 ago. 2015.
Para Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx00 as parcerias público-privadas encaixam- se nessa nova fase de contratualização administrativa em que:
(i) privilegia-se sobremaneira a cultura do diálogo entre o parceiro público e o privado, (ii) confere-se maior atenção às negociações preliminares ao ajuste (que devem ser transparentes), (iii) abrem-se espaços para trocas e concessões mútuas entre os parceiros, visando um balanceamento dos interesses envolvidos, (iv) diminui-se a imposição lateral de cláusulas por parte da Administração, com o proporcional aumento da interação entre os parceiros para o delineamento e fixação das cláusulas que integrarão o contrato e (v) institui-se uma maior interdependência entre as prestações correspondentes ao parceiro público e ao parceiro privado, inclusive com a atribuição de garantias a esse último, tidas como não usuais nos contratos tradicionais firmados pela Administração.
Em consonância com a tendência de aproximar o ente particular do Poder Público através de instrumentos mais paritários e trazendo este ponto como foco do trabalho, a Lei nº 11.079/04 foi pioneira ao prever, no artigo 11, inciso III14, o emprego de mecanismos alternativos de resolução de disputas, dentre elas a arbitragem.
Sobre esse assunto, pode-se dizer que a inclusão de meios extrajudiciais para solução de litígios tornou a utilização da parceria público-privada extremamente atrativa para ambos os contratantes, especialmente tendo em vista que a arbitragem tem se mostrado um instrumento eficaz para realizar a rápida solução dos conflitos, dando maior celeridade à execução das obras necessárias.
A Lei nº 11.079/04, entretanto, não prevê a cláusula arbitral como necessária no contrato: a Administração Pública poderá incluir no edital previsão a respeito, ou não. A predefinição da via arbitral pode servir para incentivar propostas no processo licitatório, funcionando como fator positivo na avaliação de riscos feita pelos potenciais interessados na contratação.15
“Entretanto, se a arbitragem não for prevista no edital (e consequentemente também não no contrato), ainda assim será possível que, ao surgir um conflito arbitrável, as partes, de comum acordo, estabeleçam um compromisso arbitral,” refere Xxxxxxx Xxxxxxxx.16
13 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem e as parcerias público-privadas. Revista Eletrônico de Direito Administrativo Econômico, Salvador, n. 2, maio/jul. 2005, p.5. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXXX-0-XXXX-0000-XXXXXXX-XXXXXXX.xxx> Acesso em: 10 ago. 2015, p. 18.
14 Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.
15 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (Coord.). Parcerias público-privadas: um enfoque multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 351.
16 Ibidem.
De qualquer forma, mister salientar que, embora a Lei nº 11.079/04 tenha englobado diversos preceitos modernos e do direito privado e tenha trazido diversas inovações, o contrato de parceria público-privada continua sendo de natureza pública, devendo ser precedido de licitação e estando sujeito aos controles da Administração
Isto posto, nesse capítulo procurou-se demonstrar os aspectos principais do contrato de parceria público-privada, regrado pela Lei nº 11.079/04 e a possibilidade de inserção de cláusula de arbitragem nesse contrato, conforme o artigo 11, III da mesma lei. Passa-se, então, à análise detalhada do instituto da arbitragem, prevista expressamente na Lei nº 9.307/96, bem como seus demais requisitos.
3 A ARBITRAGEM
3.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO
Hodiernamente, a arbitragem tornou-se o meio pelo qual o Estado, em vez de interferir diretamente nos conflitos de interesses, solucionando-os com a força da sua autoridade, permite que uma terceira pessoa o faça, seguindo determinado procedimento e mediante uma decisão com autoridade idêntica à de uma sentença judicial. 17
Para Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00 arbitragem é:
Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seu poder de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00, por sua vez, conceitua arbitragem como:
A instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicadas ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis. Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial modalidade de resolução de conflitos; pode ser convencionada por pessoas capazes, físicas ou jurídicas; os árbitros são juízes indicados pelas partes, ou consentidos por elas por indicação de terceiros, ou nomeados pelo juiz, se houver ação de instituição judicial de arbitragem; na arbitragem existe o “julgamento” de um litígio por “sentença”.
Verifica-se, assim, que com a adoção desse meio, os titulares de interesses em conflito, por ato voluntário, nomeiam um terceiro para solucionar a lide. Além disso, uma das
17 XXXXXX, Xxxx Xxxx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Mediação e arbitragem: alternativas à Jurisdição. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
18 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 51.
19 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 14.
características que se destaca nesse instituto é a capacidade de permitir a composição da lide, o que o exercício da função jurisdicional raramente é capaz de alcançar quando o mesmo caso é levado ao judiciário.20
Em linhas gerais, as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral (árbitro ou Tribunal arbitral) mediante convenção de arbitragem, por meio de cláusula compromissória21 ou de compromisso arbitral22, conforme expresso no artigo 3º da lei. 23
Do processo arbitral também se pode dizer, sucintamente, que a arbitragem é instituída quando da aceitação do(s) árbitro(s), fato que também é marco interruptivo da prescrição, nos termos do artigo 19 da Lei de Arbitragem. Após, o(s) árbitro(s) e as partes devem obedecer ao procedimento estabelecido e por eles pactuado (artigo 21), conjuntamente com o que as legislações atinentes ao assunto prescrevem e aos princípios estabelecidos pela lei (artigo 21 §2º). Por fim, quanto à instrução processual, essa obedecerá as regras estabelecidas no artigo 22 da lei.
3.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE LEI DE ARBITRAGEM NO BRASIL, SUA CONSTITUCIONALIDADE E RECENTE ALTERAÇÃO
Historicamente verifica-se o uso da arbitragem principalmente nas relações de comércio, visando solver conflitos entre os comerciantes, tal como a previsão legal de arbitramento obrigatório no Código Comercial de 1850 que, por conter caráter compulsório, fora revogada. Atualmente, o regramento atual do instituto é trazido pela Lei nº 9.307/96.
Destarte, sobre a Lei de Arbitragem atualmente vigente refere-se que essa alterou profundamente o instituto no Brasil, já que, dentre outras inovações, não há mais a necessidade da homologação judicial da decisão proferida pelo árbitro, tornando a sentença
20 CÂMARA, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem Lei nº 9.307/96. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 8.
21 Também chamada de cláusula arbitral, trata-se de convenção escrita através da qual as partes estabelecem previamente no contrato que se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. Nesse sentido, o Código Civil Brasileiro também admite em seu artigo 853 que seja ajustada contratualmente a cláusula compromissória, para solver divergências mediante o juízo arbitral, na forma da lei especial, ou seja, no caso em tela, na forma da Lei de Arbitragem e na Lei das Parcerias Público-Privadas, que vem expressamente delegado no artigo 11, III, da segunda lei citada (apud SALLES, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 112-113.)
22 O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial, conforme o artigo 9 da Lei de Arbitragem.
23 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem e as parcerias público-privadas. Revista Eletrônico de Direito Administrativo Econômico, Salvador, n. 2, maio/jul. 2005, p.18. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXXX-0-XXXX-0000-XXXXXXX-XXXXXXX.xxx>. Acesso em: 11 ago. 2015.
arbitral em título executivo judicial.24 Nessa senda, para sentenças estrangeiras, bastará homologação do próprio Superior Tribunal de Justiça – artigo 35 da lei25-, dispensando a homologação do judiciário de origem, como até então se exigia.26 Tais medidas, segundo Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx,27 reativaram os principais atributos da arbitragem: rapidez, eficiência e eficácia.
A análise do autor28 sobre a lei é no sentido de que:
A Lei 9.307, de 23/09/1996, sistematizou a arbitragem no Brasil ao transitar entre o direito material e o direito processual relativos ao instituto.
Com sete capítulos e 44 artigos, normatiza as relações jurídicas possíveis de se submeter à arbitragem, especifica regras gerais de procedimento, trata, dentre outros, dos requisitos, forma, conteúdo e efeitos da convenção de sentença, das atribuições e atuação do árbitro, das causas de invalidação da sentença, e homologação de sentença estrangeira.
Finalizando, o doutrinador conclui que a Lei da Arbitragem concretizou a “liberdade das partes em buscar a tutela para seus conflitos fora da jurisdição estatal, rompendo com o monopólio do Estado para dirimir controvérsias ao admitir “jurisdição privada” com total independência e eficácia.”29
Tão logo entrou em vigência, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se pronunciar acerca de sua constitucionalidade frente ao disposto no artigo 5º, XXXV, da Magna Carta, que assim dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ocorre que, pelas suas inovações no tocante à exclusão da necessidade de homologação, bem como de tornar obrigatório o uso da arbitragem se existir cláusula compromissória, começou a se questionar se a legislação estaria violando o princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no dispositivo constitucional acima citado.
Foi no julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206/AgR/EP30 que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a homologação de sentença
24 Conforme artigo 31 da Lei nº 9.307/96 e artigo 475-N, IV, do Código de Processo Civil.
25 Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Superior Tribunal de Justiça.
26 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx. A arbitragem e sua utilização pela Administração Pública. Boletim de Direito Administrativo (BDA), São Paulo, n. 1, jan. 2013.
27 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Curso de Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 79.
28 Ibidem, p. 78.
29 Ibidem, p. 79.
30 No julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira n. 5.206/AgR/EP, publicado em 30 abr. 2004, acerca de pedido de homologação de sentença arbitral oriunda da Espanha, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria pela constitucionalidade da Lei de Arbitragem, considerando que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV da Constituição Federal, já que este representa um direito à ação e não um dever. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Sentença Estrangeira n. 5.206/AgR/EP. Rel. Min. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, j. 12 dez.
arbitral estrangeira, se pronunciou sobre o tópico decidindo por não declarar inconstitucional nenhum dos dispositivos da Lei de Arbitragem.
Segundo o autor Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00, os três principais argumentos dos votos vencedores do acórdão foram: (i) “a cláusula compromissória deve ser vista no plano da validade do negócio jurídico. Destarte, se tiver agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, será válida tal cláusula.”; (ii) aplica-se o princípio da disponibilidade ao caso concreto, uma vez que à arbitragem somente são submetidos conflitos que versem sobre direitos disponíveis; (iii) “caso surja, realmente, violação à lei, e ocorra lesão ou ameaça a direito, então pode o judiciário intervir e invalidar a sentença arbitral, nos termos dos artigos 32 e 33 da LA.”
O autor ressaltou, ainda, que ao se adotar cláusula compromissória não se pressupõe renúncia à jurisdição, de forma que tal adoção é uma mera opção, não acarretando, portanto, violação ao artigo constitucional questionado.
Sobre o assunto, Xxxxxxx Xxxxxx Noronha32 pondera:
Na arbitragem, o acesso à Justiça pode ser, inclusive, mais efetivo. Calcada em pressupostos de celeridade, flexibilidade, tecnicidade e informalidade, esta poderá ser uma forma mais adequada de atingir o mesmo fim buscado ao socorrer-se ao Poder Judiciário, qual seja, a concretização da justiça.
Isso porque, a depender da matéria e da natureza do contrato, bem como dos resultados que com ele se pretende alcançar, é possível que a jurisdição estatal não ofereça a resposta adequada à demanda. É esse juízo de adequação que se justifica, na ótica de Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx (xxxx XXXXXXXX, 2012), a opção da Administração Pública pela arbitragem.
Em 27 de maio de 2015 o vice-presidente da República, no exercício do cargo de presidente, Xxxxxx Xxxxx, sancionou com alguns vetos – referente ao uso da arbitragem nos contratos de adesão, relação de consumo e em questões trabalhistas- a Lei nº 13.129/15 que reformulou a Lei de Arbitragem em alguns pontos e entrou em vigor em 26/07/2015.
Dentre as principais inovações que importam a esse artigo, a lei amplia o campo de atuação da arbitragem passando a aderir ao artigo 1o, §1o a utilização do instituto pela Administração Pública direta e indireta para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
2001, p.30 abr. 2004 (apud. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p 58).
31 XXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. Curso de arbitragem nos termos Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, p. 7.
32 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p 59.
A partir destas inclusões no artigo 1° da Lei n° 9.307/96, também foi necessária a inserção do §3° do artigo 2°, o qual dispõe que nos procedimentos arbitrais que envolvam a Administração Pública, a arbitragem será sempre com base nas regras de direito e respeitará o princípio da publicidade, tendo em vista que a Administração Pública já está sujeita a este princípio, bem como ao princípio da legalidade, conforme se verá no capítulo seguinte.33 Desse modo, excluiu-se a arbitragem por equidade quando da participação do ente público na relação, uma vez que, de acordo com o artigo 37 da Constituição Federal, a Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade.
A lei promulgada também passou a prever a possibilidade de sentenças parciais em procedimentos arbitrais, revogando o artigo 32, V, que prescrevia ser nula a sentença que não decidir sobre todo litígio submetido à arbitragem. Desse modo, a sentença que decidir apenas alguns pontos controvertidos da lide é válida.34
Para o professor Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx,35 as alterações aprovadas na lei são oportunas à situação atual do país, especialmente tendo em vista a vasta quantidade de projetos de infraestrutura e investimento estrangeiro. Para o autor, a previsão de cláusula arbitral em contratos da Administração Pública se coloca como garantia à proteção dos interesses do investidor, principalmente o estrangeiro, na medida em que inviabiliza ou a menos evita que se profiram decisões tendentes a privilegiar as partes locais.
No cenário internacional, as alterações trazidas pela Lei nº 13.129/15 foram aclaradas como uma adequação àquilo que estava sendo aceito pelas cortes nacionais, como é o caso do uso da arbitragem nos contratos que versam sobre direitos disponíveis em que a Administração Pública figura como parte, uma vez que embora ainda não houvesse previsão legal, o Supremo Tribunal Federal já havia analisado e permitindo seu uso. Os internacionalistas destacam, ainda, que apesar dos vetos apresentados serem sobre matérias significativas e que provavelmente ainda entrarão em discussão posterior, ter regulamentado outros aspectos concederá ainda mais força ao uso do instituto no país.36
33 CANTÃO, Fábio. Alterações na Lei de Arbitragem – Lei n°. 13.129/2015. Disponível em:
<xxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx-xx-xxx-xx-xxxxxxxxxx-xxx-x-00-0000000/> Acesso em: 16 set. 2015.
34 XXXXXX, Xxxx Xxxx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Mediação e arbitragem: alternativas à Jurisdição. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 213-214.
35 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Novos rumos da mediação e arbitragem na Administração Pública brasileira. p. 2. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xx- content/uploads/2014/08/Media%C3%A7%C3%A3o-e-Arbitragem-na-Administra%C3%A7%C3%A3o- P%C3%BAblica-_Ago.2014.pdf>. Acesso em: 18 set. 2015.
36 XXXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. The Recent Amendments to the Brazilian Arbitration Act – One Step Back, Two Steps Forward? Disponível em:
3.3 ARBITRABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
Denomina-se arbitrabilidade o pressuposto fundamental para que um determinado conflito seja submetido à arbitragem, conforme previsto no artigo 1°, nos seguintes termos: “as pessoas com capacidade para contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”37
Tal condição enquadra a arbitrabilidade como objetiva – referente ao objeto sobre o qual litigiam as partes-, ou subjetiva – pertinente à capacidade contratual das partes. Nesse, identifica-se quem poderá figurar como parte em um processo arbitral com base na capacidade dos requerentes de firmarem um contrato, estando tal condição genericamente estabelecida pelo artigo 1° do Código Civil38.
Nesse ponto, não há nenhuma regra que exclua as pessoas jurídicas de direito público desse conceito, sendo facultada, por conseguinte, a participação do Poder Público, dado que este é capaz de contratar tendo em vista sua capacidade ficta de pessoa jurídica.
Xxxx Xxxx ainda enfatiza que: “sempre que puder contratar o que importa disponibilidade de direitos patrimoniais, poderá a Administração, sem que isso importe disposição do interesse público, convencionar cláusula de arbitragem.”39 Diante desse conceito se introduz a condição objetiva da arbitrabilidade, que diz respeito às matérias que poderão ser submetidas à apreciação dos árbitros: aquelas que envolvem os direitos patrimoniais disponíveis. Em termos mais precisos, assim dispôs o Código Civil: “é vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e outras que não tenham caráter estritamente patrimonial” (artigo 852).
Para Xxxxx Xxxxx Xxxxx00, “os direitos patrimoniais são aqueles passíveis de valoração pecuniária ou dos quais é possível extrair-se utilidade econômica.” Tais direitos consistem no conjunto de bens, direitos e obrigações, excluindo-se, por exemplo, direitos como os de personalidade, direitos familiares e políticos. Nesse viés, “o direito patrimonial é disponível
<xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx/0000/00/00/xxx-xxxxxx-xxxxxxxxxx-xx-xxx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xxx-xxx- step-back-two-steps-forward/>. Acesso em: 18 set. 2015.
37 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Curso de Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 91.
38 Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
39 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Arbitragem e contrato administrativo. Revista da Escola Paulista da Magistratura.
São Paulo, v.3, n.2 p.49-59, jul/dez 2002, p.58.
40 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. A arbitragem nas concessões de serviço público. In: XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (Coords.). Arbitragem e Poder Público. São Paulo: Quartier Latin, 2007, (apud OLIVEIRA, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p 93).
quando puder ser alienado ou cedido pelo seu titular (que deve ser pessoa capaz), sem qualquer ressalva”, preleciona Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx.41
É na seara da arbitrabilidade objetiva – da submissão ao árbitro apenas de matérias concernentes a direitos patrimoniais disponíveis – que surgem as discussões sobre a possibilidade de o Poder Público submeter as questões em que é litigante à arbitragem, visto que a discussão reside na premissa de que as matérias envolvendo os contratos administrativos não seriam arbitráveis em razão da indisponibilidade do interesse público.42
3.4 DA PREVISÃO DA ARBITRAGEM NA LEI DAS PARCERIAS PÚBLICO- PRIVADAS
Feito um apanhado sobre a Lei das Parcerias Público-Privadas e sobre a Lei de Arbitragem, bem como a especificação dos dois institutos e o contexto em que se inserem, é necessário voltar-se à aplicabilidade específica da arbitragem nos contratos de parceria público-privada.
Embora relativamente nova, a Lei das Parcerias Público-Privadas destacou-se ao aceitar o emprego da arbitragem para resolução de conflitos, surtindo efeitos tanto em leis posteriores como em leis anteriores, que sofreram modificações por conta disso, como é de ver-se: originariamente, o Decreto-Lei nº 2.300/86, que precedeu a lei geral sobre licitações e contratos administrativos – Lei nº 8.666/93-, continha disposição expressa do emprego da arbitragem quando da celebração de contratos em que a União Federal ou suas autarquias domiciliadas no estrangeiro figurassem como parte.
Ao substituir o referido Decreto-Lei, a Lei nº 8.666/9343 não incorporou tal permissão, abolindo-se o uso da arbitragem nos contratos administrativos.
A promulgação da Lei nº 8.987/95, que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, também trouxe avanços sobre o tema, admitindo meios alternativos para a solução de controvérsias nos contratos administrativos, em seu artigo 23.
41 XXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. Curso de arbitragem nos termos Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, p. 12.
42 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p 93.
43 Entretanto, apesar de não expresso na legislação, alguns autores como Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxxxx xx Xxxxxxxx entendem que da interpretação de alguns artigos da referida lei, tal como a do artigo 54, que prevê a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado no que tange aos contratos administrativos, infere-se o uso da arbitragem. (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 68).
Foi, contudo, a Lei nº 11.079/04, em seu artigo 11, III, que previu expressamente o uso da arbitragem, além de outros mecanismos privados, nessa espécie de contrato. Diante disso, a Lei de Concessões e Permissões também foi alterada, passando a prever explicitamente o emprego da arbitragem. Diversos outros setores em que há regulação estatal e possuem legislações específicas, tais como nos setores de petróleo e gás natural, transportes marítimos e energia elétrica, também passaram a adotar tal posicionamento legislativo.44
Da análise constata-se que não se trata propriamente de um novo instituto, mas sim um conjunto de regras e institutos já conhecidos que, uma vez conjugados e acrescidos, originam um novo regime de atuação conjunta entre o Estado e os agentes privados, assumindo crescente importância no rol de meios de solução de litígios. 45
À vista disso, a expressa referência legal à arbitragem encaixa-se totalmente no contexto dos novos rumos do contratualismo administrativo brasileiro, que preceitua a maior paridade nas relações contratuais e a busca de soluções mais rápidas e adequadas aos litígios.
Sobre o assunto, passa-se a tratar no capítulo seguinte mais profundamente sobre as objeções e argumentos postos à tona quando da utilização da arbitragem em contratos administrativos, especialmente nos de parceria público-privada, além da análise pormenorizada dos princípios basilares do Direito Administrativo e suas diversas interpretações no Estado contratual moderno.
4 A ARBITRAGEM E AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
4.1 A VISÃO CONTRÁRIA AO EMPREGO DA ARBITRAGEM NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
Como visto, o Direito Administrativo brasileiro vem passando por substanciais mudanças estruturais e legais acompanhando a evolução do constitucionalismo face às novas realidades e exigências da sociedade. Segundo Xxxxxxxx Xxxxxx, “o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e garante, mais do que a de detentor do poder de império.”46 Disso, infere-se que a Administração Pública também passa a ser mediadora, buscando a consensualidade nas relações em que é participante.
44 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p 71.
45 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (Coord.). Parcerias público-privadas: um enfoque multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 334.
46 XXXXXX, Xxxxxxxx. Estado, governo e sociedade. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 26.
Tanto o contrato de parceria público-privada como a arbitragem se encontram no contexto das novas diretrizes da Administração Pública paritária. Contudo, mesmo havendo previsão legal para tanto, há uma série de apontamentos que são colocados à tona da inclusão de cláusula arbitral nos contratos administrativos, em especial nas parcerias público-privadas, tornando o tema controverso.
Embora seja corrente minoritária, alguns doutrinadores e Tribunais do país entendem que a inclusão de cláusula arbitral nos contratos administrativos afrontam os princípios maiores da Administração Pública – o da supremacia e o da indisponibilidade do interesse público. Nesse mesmo viés, aqueles que defendem o não uso da arbitragem também sustentam que os direitos que envolvem o Poder Público são indisponíveis, não se enquadrando, portanto, no quesito da arbitrabilidade objetiva prevista no artigo 1º da Lei de Arbitragem. 47
Ao expor sobre as parcerias público-privadas, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx00 afirma não ser aceitável que particulares e árbitros “possam solver contendas nas quais estejam em causa interesses concernentes a serviços públicos, os quais não se constituem em bens disponíveis, mas indisponíveis.”
Da consulta do Ministério das Minas e Energia sobre a utilização de arbitragem em contratos de fornecimento de materiais e de mão de obra da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco formulada ao Tribunal de Contas da União, tem-se o primeiro posicionamento da Corte sobre o assunto. Em decisão nº 286/93 o TCU manifestou-se contrário à utilização da arbitragem pelo Poder Público, sobre o argumento de que:
[...] o juízo arbitral é inadmissível em contratos administrativos, por falta de expressa autorização legal e por contrariedade a princípios básicos de direito público (princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio da indisponibilidade do interesse público, princípio da vinculação ao instrumento convocatório da licitação e à respectiva proposta vencedora, entre outros).49.
Deve-se ressaltar, no entanto, que à época da decisão não havia sequer lei que regulasse o uso da arbitragem no país, tampouco as demais leis associadas à Reforma do Estado.
47 MASTROBUONO, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx; FRAGATA, Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx (Org.). Parcerias público- privadas. São Paulo: CEPGE/SP, 2014, p. 333.
48 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. As Parcerias Público-Privadas. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxXxxx/00,XX00000,00000-XxxXxxxxxxxxxXxxxxxxXxxxxxxxxXXXx> Acesso em: 05 out. 2015.
49 BRASIL, Tribunal de Contas da União; Decisão nº 286/93, Plenário, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxx, Dj. 15/06/1993.
No que concerne ao posicionamento jurisprudencial dessa Corte, mister salientar ainda que embora as decisões sejam predominantemente contrárias ao uso da arbitragem, por vezes, o Tribunal admite como válida a inserção da cláusula arbitral. Tal entendimento tem sido utilizado principalmente quando há previsão legal para a utilização da arbitragem, como no caso das parcerias público-privadas.
Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, embora não pactuantes da corrente minoritária, no artigo “O Cabimento da Arbitragem nos Contratos Administrativos”, 50 também elencam os seguintes argumentos supostamente contrários ao uso da arbitragem por entidades estatais: (i) a adoção do mecanismo de arbitragem seria uma espécie de transação a respeito do cumprimento da lei, porque ao aderir tal instituto a Administração estaria abrindo mão de parte de seus direitos ou da obediência à lei, sendo tal comportamento contrário ao princípio da legalidade estrita; (ii) “há objeções específicas que atingem a arbitragem que tome por objeto um determinado tema, como, por exemplo, a prestação de serviços públicos”, onde não está envolvida a disponibilidade de direito; (iii) a aplicação da arbitragem afastaria do judiciário a apreciação de matérias que por ele deveriam ser tratadas, bem como a aplicação de diversos instrumentos processuais, como a ação civil pública (instrumento à disposição do Ministério Público para a defesa de interesses difusos e coletivos).
Pois bem. No que tange ao primeiro argumento alusivo à transação (i)51, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx00 defende que:
A opção pela via arbitral não significa a abdicação, transferência ou transação [...] Tampouco representa que a Administração estará abrindo mão de posição jurídica ou dispondo do interesse público. Trata-se apenas da submissão a uma via diversa do Poder Judiciário de um litígio que ostente as características da patrimonialidade e disponibilidade.
Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx00 acrescentam que as partes terão oportunidades para expor seus argumentos, defendê-los e produzir prova a fim de tentar influenciar o árbitro na decisão, não se tratando, portanto, de um mero acordo com a aceitação passiva de redução do seu patrimônio.
50 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx; CÂMARA, Xxxxxxxx Xxxxxx. O Cabimento da Arbitragem nos Contratos Administrativos. Revista de Direito Administrativo (RDA), São Paulo: Atlas, v.248, 2008 p. 118-119.
51(i) a adoção do mecanismo de arbitragem seria uma espécie de transação a respeito do cumprimento da lei, porque ao aderir tal instituto a Administração estaria abrindo mão de parte de seus direitos ou da obediência à lei, sendo tal comportamento contrário ao princípio da legalidade estrita;
52 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxxxx. Arbitragem e Administração Pública: aspectos processuais, medidas de urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Fórum, 2012. X. 00
00 XXXXXXXX. Op. cit. p. 118-119.
Nesse sentido, vale reportar-se às conceituações estabelecidas sobre a arbitragem, como sendo um meio extrajudicial da solução de litígios, que possui força de título executivo, e, ainda, a referência de que eventuais irregularidades tornarão a sentença arbitral nula, tal como preceituam os artigos 32 e 33 da Lei de Arbitragem.
No subtópico seguinte apresenta-se um dos princípios vetores da Administração Pública, o princípio da legalidade, juntamente à análise da objeção citada.
4.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
No item (i) também se aborda o aspecto da legalidade, que é expressamente previsto na Magna Carta no artigo 37 e considerado um dos princípios básicos da Administração Pública. A melhor definição é a da ideia que, “na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre de lei.”54 Assim, o administrador público somente pode fazer aquilo que a lei autorize expressamente, não podendo decidir fazer ou não, simplesmente, porque a lei se omitiu.55
No caso das parcerias público-privadas, enquadrados em contratos administrativos de concessão que visam a promoção de um serviço público, o uso da arbitragem não agride ao princípio da legalidade, pois, conforme exposto no presente trabalho, a possiblidade de inclusão de cláusula compromissória no contrato está expressa no texto da Lei nº 11.079/04, não se fazendo necessário, por conseguinte, maior debate sobre o tema.
Tal discussão, contudo, era encontrada nas outras modalidades de contratos administrativos, que com as recentíssimas inserções na Lei de Arbitragem dada pela Lei nº 13.129/15, possibilitando o uso do instituto pela Administração Pública direta e indireta para dirimir conflitos referentes a direitos patrimoniais disponíveis, assim como já estava sendo aceito pelas principais Cortes do país, tal discussão mostra-se infundada, uma vez que ambas as modalidades passaram a possuir respaldo legal expresso.
Tampouco merece acolhido o segundo argumento (ii)56 que alude à prestação de serviços em alguns casos. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 612.439/RS, firmou posicionamento no sentido de que:
54 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, p. 62.
55 XXXXXXXXX, Xxxx. Direito Administrativo. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 30.
56 (ii) “há objeções específicas que atingem a arbitragem que tome por objeto um determinado tema, como, por exemplo, a prestação de serviços públicos”, onde não está envolvida a disponibilidade de direito;
Quando os contratos celebrados pela empresa estatal versem sobre atividade econômica em sentido estrito isto é, serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, os direitos e as obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos à arbitragem. Ressalte-se que a própria lei que dispõe acerca da arbitragem art. 1º da Lei nº 9.307/96 estatui que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".57
O contrato de parceria público-privada, que tem por sua natureza a prestação de serviços públicos e a Lei nº 8.987/95, que regula a concessão e permissão de serviços públicos, dispõem expressamente que o contrato celebrado sob a égide de tais diplomas pode socorrer-se do instituto da arbitragem, visto que tal instituto está expressamente previsto em ambas as legislações. Portanto, também não há de se falar em óbice ao uso da arbitragem na prestação de serviços públicos, uma vez que há disposição legal para tanto.58
Por fim, conforme citado no primeiro capítulo, os contratos de parcerias público- privada e a sua legalidade estão ainda sujeitos ao controle interno e externo da Administração Pública, sendo responsável por tal atuação tanto o Tribunal de Contas, quanto o Ministério Público, que atua como fiscal da lei. Portanto, tal argumento final também se contrapõe à objeção (iii)59 elencada como contrária ao uso da arbitragem.
Sobre o tema do trabalho, faz-se necessário a análise dos supraprincípios do Direito Administrativo, da supremacia e da indisponibilidade do interesse público. Após, apresentar-se-ão algumas análises de demais princípios que desses decorrem, no viés da arbitragem em caso de contratos de parcerias público-privados, bem como algumas características insertas na legislação sobre o instrumento contratual.
4.3 O PRINCÍCIO DA SUPREMACIA DO INTERSSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
É costumeiro afirmar que o Direito Administrativo se fundamenta nos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, afirma Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx00. A história brasileira evidencia que tais princípios têm sido invocados, com frequência, para justificar
57 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 612.439/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Dj. 25/10/2005.
58 XXXXXX, Xxxx. A arbitragem nos contratos administrativos. Boletim de Licitações e Contratos (BLC), São Paulo, NDJ, n. 3, p. 259-266, mar. 2015, p. 262.
59 (iii) a aplicação da arbitragem afastaria do judiciário a apreciação de matérias que por ele deveriam ser tratadas, bem como a aplicação de diversos instrumentos processuais, como a ação civil pública (instrumento à disposição do Ministério Público, para a defesa de interesses difusos e coletivos).
60 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35.
atos incompatíveis com a ordem constitucional democrática. É nessa seara o principal debate acerca do presente trabalho.
Como já visto, a disponibilidade é um dos critérios da arbitrabilidade objetiva estabelecido pela Lei de Arbitragem; para afastar esse instrumento de solução de controvérsia envolvendo o Poder Público, utiliza-se o argumento de que o interesse público é indisponível, não podendo, portanto, se submeter à via arbitral.
A corrente majoritária, no entanto, defende a utilização do uso da arbitragem nos contratos administrativos, especialmente nos que tratam sobre parceria público-privada, conforme os motivos que abaixo serão expostos.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado61 é um dos principais pilares do Direito Administrativo tradicional, embora sequer haja previsão constitucional expressa. Tal princípio legitima o interesse do Estado, da coletividade, devendo prevalecer em detrimento do particular. Segundo os autores Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
A supremacia do interesse público se caracteriza pela relação de preponderância ou superioridade do interesse público sobre o particular, pois, o fim do Estado, gestor do interesse público, é a satisfação do bem estar comum como expressão do interesse geral da coletividade.
Entretanto, as correntes mais modernas do Direito Administrativo já admitem e buscam maior paridade nas relações contratuais entre o ente público e o ente privado, admitindo a abertura de consideráveis espaços para a consensualidade. Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx00 aduz que embora haja uma ascensão da administração consensual, esta não resulta no aniquilamento da administração tradicional imperativa, mas seguramente diminui o seu campo de incidência.
Paralelo a essa reforma, com a efetivação dos direitos fundamentais trazida pela Constituição Federal de 1988, tanto o princípio da supremacia, como o da indisponibilidade do interesse público vêm passando por adequações e adquirindo novos entendimentos. Portanto, a supremacia do Estado não é absoluta, pois essa encontra óbice no próprio
61 O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado também é chamado simplesmente de princípio do interesse público ou da finalidade pública, como será adotado, por vezes, neste tópico.
00 XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Tratado de direito administrativo - Teoria geral e princípios do direito administrativo. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2014, V.1, p.507.
63 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem e as parcerias público-privadas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, n. 2, maio/jul. 2005. P. 13 Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXXX-0-XXXX-0000-XXXXXXX-XXXXXXX.xxx>. Acesso em: 10 ago. 2015.
ordenamento jurídico, que regra observar os direitos fundamentais dos indivíduos e nas novas diretrizes administrativas.64
Para melhor entender a interferência do Estado no interesse público, a doutrina administrativista brasileira adota a corrente italiana acerca do tema, que subdividiu o interesse público em primário e secundário. Assim, tal classificação também se faz necessária para demonstrar em que eixos a arbitragem pode incidir nos contratos administrativos, em especial no de parceria público-privada.
Entende-se por interesse público primário aquele em que o Estado atua como garantidor de atividades-fim, satisfazendo os interesses e necessidades da sociedade, tais como saúde, educação e bem estar. Esses interesses não são passíveis de transigência pelo Poder Público, sendo supremos e indisponíveis. Nesses casos não se admite o uso da arbitragem para dirimir os conflitos, sendo somente possível a utilização das vias judiciais e jurisdicionais. 65
Xxxxxxxxx Xxxxx00 aduz que só existe a supremacia do interesse público primário sobre o interesse privado. “O interesse patrimonial do Estado como pessoa jurídica, conhecido como interesse público secundário não tem supremacia sobre o interesse particular.”
Portanto, ao se falar em interesse público, está se tratando diretamente do interesse público primário, uma vez que esses são os direitos indisponíveis do Estado.
É, contudo, na seara dos interesses públicos secundários que se insere o conceito de interesse público disponível. Nesse segmento, o Poder Público atua na qualidade de órgão executor, no desempenho das funções de administração e gestão, buscando um objeto social.
Com efeito, inserem-se na corrente secundária os direitos patrimoniais disponíveis, os quais se tratam no artigo 1º da Lei de Arbitragem. Trata-se de direitos de origem econômica ou financeira, que surgem para a satisfação dos direitos primários, sendo transigíveis e negociáveis.
Os atos de disposição patrimoniais são possíveis, portanto, quando o interesse secundário estiver em jogo, já que ele não representa esfera de atuação no âmbito das atividades fim, mas no ato de gestão do administrador público. 00
00 XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Tratado de direito administrativo - Teoria geral e princípios do direito administrativo. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2014, V.1, p.509.
65 SANTOS, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxx. Arbitragem na Administração Pública. Scientia Iuris, Londrina, v.16, n.1, jul. 2012, p. 151-152.
66 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72.
Explanada a questão sobre supremacia do interesse definiu-se que esse somente possui incidência sobre o interesse público primário. Em se tratando a arbitragem de conflitos patrimoniais disponíveis, situados sobre a égide dos interesses públicos secundários, tal princípio administrativo não incide no caso concreto, não configurando, portanto, óbice às questões levantadas.
4.4 O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO E A DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS PATRIMONIAIS
Outro supraprincípio da Administração Pública é da indisponibilidade do interesse público, que se define por “não poder ser objeto de disposição, devendo o Poder Público velar pela sua proteção e promoção.”68
De início, retoma-se que a principal dúvida que se põe acerca do cabimento da arbitragem envolvendo a Administração Pública vincula-se à exigência de disponibilidade dos direitos envolvidos no conflito e a referência de que é indisponível o interesse público, não podendo, portanto, ser submetido à arbitragem.
Sobre o assunto, Xxxx Xxxx00 refere que “a doutrina tem tropeçado em injustificada confusão entre indisponibilidade do interesse público e disponibilidade de direitos patrimoniais.” Com efeito, o autor ainda salienta que “indisponível é o interesse público primário, não o interesse da Administração.”70
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00 também sintetiza a solução do impasse referindo não se pode “confundir disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais com disponibilidade ou indisponibilidade do interesse público.” Explica o processualista, que os administrativistas fazem uma dicotomia entre o interesse público e o interesse da Administração Pública ou da Fazenda Pública. No ponto, o interesse público está na correta aplicação da lei, de modo que, muitas vezes, para atender o interesse público, é preciso julgar contra a Administração. Assim, supondo-se que a Administração busca sempre a concretização da justiça, em havendo dissenso em contratos de que participe, a controvérsia
67 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 84.
68 XXXXXXXXX, Xxxx. Direito Administrativo. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 29.
69 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Arbitragem e contrato administrativo. Revista da Escola Paulista da Magistratura.
São Paulo, v.3, n.2 p.49-59, jul/dez 2002, p.56.
70 Como visto, os direitos disponíveis inserem-se na seara do interesse público secundário.
71 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem e processo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 45.
deve ser resolvida pela via mais rápida, mais técnica e menos onerosa, de maneira a melhor atender o interesse público. Nesse ponto, a arbitragem é totalmente cabível.
Quanto à patrimonialidade a que alude o artigo 1º da Lei de Arbitragem, ainda, Xxxxx Xxxxxxxxx Amaral72 adverte que “não há uma correlação necessária entre disponibilidade e patrimonialidade do bem.” Dessa forma, “não serão todos os bens patrimoniais do Estado que darão ensejo a direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, de serem submetidos à arbitragem.” Para que sejam passíveis de arbitramento “é indispensável lei específica que promova a sua desvinculação à satisfação de uma necessidade coletiva,” lembra o autor. Com isso, “tais bens serão passíveis de serem alienados, na medida em que passarão a integrar a esfera de disponibilidade da Administração”.
Xxxx Xxxx00 enfatiza que a Administração pratica atos da mais variada ordem, podendo dispor de determinados direitos patrimoniais para realização do interesse público. “Mas é certo que inúmeras vezes deve dispor de direitos patrimoniais, sem que, com isso, esteja a dispor do interesse público, porque a realização deste último é alcançada mediante a disposição daqueles.”
Dessa forma, resta demonstrado que o procedimento da arbitragem não implica em disposição de direitos e interesses. Ao contrário, o uso da arbitragem é recomendável aos agentes da Administração, posto que privilegia o interesse público, através da rápida solução do litígio, abrangendo-se, por vezes, um nível de tecnicidade maior no julgamento da questão
Conforme as explanações acima se procurou demonstrar o entendimento majoritário da doutrina, que entende viável que os contratos administrativos sejam levados a juízo arbitral em se tratando de relações patrimoniais que envolvam direitos disponíveis. Embora a princípio os conceitos se confundam, constata-se que após melhor análise, não constituem óbice a tal uso, pois preenchem os requisitos da arbitrabilidade objetiva sem afrontar os supraprincípios do Direito Administrativo.
72 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Arbitragem e Administração Pública: aspectos processuais, medidas de urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 72.
73 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Arbitragem e contrato administrativo. Revista da Escola Paulista da Magistratura.
São Paulo, v.3, n.2 p.49-59, jul/dez 2002, p.57.
4.5 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA COM POSICIONAMENTO FAVORÁVEL À ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Restando demonstrado o entendimento doutrinário majoritário no sentido de ser cabível a arbitragem no contrato administrativo e também a corrente em sentido oposto, passa-se a uma breve análise dos casos práticos nas principais Cortes do país. No entendimento atual também vem prevalecendo a corrente em que a arbitragem é de adoção juridicamente viável pela Administração Pública, sempre que a questão envolver direitos patrimoniais disponíveis passíveis de transação.
Um grande precedente histórico, referido como leading case, foi o “Caso Lage”, decidido em 14 de novembro de 1973. O julgamento consistiu na submissão da União à arbitragem em suas relações privadas, sendo reconhecida como válida pelo Supremo Tribunal Federal o juízo arbitral, até mesmo nas causas envolvendo a Fazenda Pública. Na oportunidade, o Supremo também entendeu válida a sentença arbitral que tem por característica a irrecorribilidade.
Embora o objeto central do leading case não abrangesse o contrato administrativo, o ilustríssimo autor Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00 avalia que a histórica decisão tomada pelo Poder Judiciário de submeter a União a juízo arbitral assentou-se em dois pontos: primeiro, na “tradição, eis que a arbitragem sempre teria sido admitida em nosso ordenamento mesmo nas causas que envolvem a Fazenda;” depois, “na autonomia contratual do Estado, que só poderia ser negada se este agisse como Poder Público,” hipótese em que não haveria margem para a disponibilidade do direito.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ -, também se manifestou sobre o assunto utilizando-se, inclusive, dos argumentos empregados pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Extrai-se da ementa do Recurso Especial nº 904.81375, de relatoria da Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, que “não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo Poder Público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos”. Sobre os editais, concluiu a Terceira Turma, ainda, que “o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.”
74 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem e processo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 45.
75 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça; Recurso Especial nº 904.813/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, x. 20/10/2011, DJe 28/02/2012.
No caso em tela, sobre a disponibilidade do conflito, aduziu-se que a controvérsia se trata de caráter eminentemente patrimonial e disponível, uma vez que versa sobre manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato. Na oportunidade, também se decidiu por remeter a causa ao Tribunal arbitral, uma vez que o compromisso foi firmado por ato voluntário de ambas as partes e que, nesse contexto, a atitude posterior da concessionária buscando a impugnação dessa cláusula “beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.”
Foi, no entanto, no Mandado de Segurança nº 11.30876, fundado no artigo "Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória", de autoria do Ministro Xxxx Xxxx00, que o Superior Tribunal de Justiça firmou seu posicionamento favorável ao uso da arbitragem nos contratos administrativos, desde que preenchidos adequadamente os requisitos legais necessários.
Por fim, em pesquisa ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, foram encontrados apenas dois julgados78 que versam sobre a matéria de contratos administrativos e arbitragem. Em ambos os casos a Corte manifestou-se favorável ao uso do instituto pelo Poder Público.
Com relação aos julgados acima analisados, faz-se a ressalva de que, embora o objeto do presente trabalho diga respeito à arbitragem especificamente nos contratos de parceria público-privada, é de se ver que muitas das decisões trouxeram a análise no âmbito dos contratos administrativos em geral. Isso porque o tema das parcerias público-privada no ordenamento jurídico é relativamente novo, posto que a lei que regula tal figura contratual é de 2011.
Todavia, a análise dos casos envolvendo a arbitragem e o Poder Público em geral também é pertinente, dado que a controvérsia suscitada – arbitragem, supremacia e indisponibilidade do interesse público - abrange ambos os tópicos.
76 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça; Mandado de Segurança nº 11.308/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Xxxx Xxx, x. 09/04/2008, DJe 19/05/2008.
77 GRAU, Eros. Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, Revista dos Tribunais. V.5, p. 398-399, out/dez 2002.
78 Apelação Cível nº 70060172236, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxx, X. 27/05/2015 e Apelação Cível nº 70065156945, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, J 19/08/2015,
DJe 26/08/2015.
Passa-se à análise dos aspectos subsidiários que concernem aos princípios da publicidade, transparência e eficiência, bem como a exigência de realização da arbitragem nas parcerias público-privadas ser em língua portuguesa, no Brasil, conforme a legislação vigente.
4.6 A PUBLICIDADE, A TRANSPARÊNCIA E A LÍNGUA PORTUGUESA NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
O princípio da publicidade, que vem inserido no artigo 37 da Constituição, exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei. Assim, tem-se, de regra, a publicidade, podendo haver sigilo quando resguardados o interesse público, tais como a segurança do Estado, da sociedade e a intimidade dos envolvidos (artigo 5º, XXXIII, XXXIII e X, da Magna Carta, respectivamente).79
Embora não esteja previsto expressamente na lei, uma das vantagens da arbitragem é a sua confidencialidade, que pode ser estabelecida mediante cláusula expressa, devendo ser respeitada caso haja tal pactuação.
No entanto, em se tratando de relações contratuais em que o Estado é partícipe tal lógica não pode imperar, devendo-se respeito às diretrizes do Direito Administrativo, dentre o qual vigora o princípio da publicidade, previsto constitucionalmente no artigo 37, bem como na Lei de Arbitragens no artigo 2º, §3º, inserido este ano, propulsor também da transparência dos atos da Administração Pública.
Mas, ainda assim, é possível que a arbitragem envolvendo o ente público submeta-se a um regime de publicidade restrita, em razão dos fatores envolvidos no litígio, sendo esses os mesmo que justificam a restrição da publicidade no processo judicial – artigo 5º, LX80, da Constituição Federal.
Resta delimitar, portanto, o significado concreto dessa garantia, isto é, quais atos do procedimento arbitral se submetem a tal exigência, de maneira não prejudicial a tal procedimento.
79 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 94-95.
80 Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
Xxxxxxx Xxxxxxxx00 preleciona que “fica assegurado o acesso aos dados processuais pelas partes e seus representantes, pelos órgãos de controle da Administração Pública, etc.” E, ainda, que cada sujeito que tem acesso aos dados assume o dever de zelá-los para que se mantenha a restrição de publicidade - sob pena da lei.82 No mesmo sentido, Xxxxxx Xxxxxxx00 refere que alguns doutrinadores entendem que o princípio da publicidade já estaria sendo respeitado e satisfeito na medida em que se reportem informações quanto ao andamento do procedimento arbitral envolvendo ente do direito público aos órgãos de controle interno e de controle externo, tais como o Tribunal de Contas.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00, por sua vez, acredita ser essencial a divulgação do resultado da arbitragem e daqueles elementos de prova e argumentação que lhe sirvam de base, contribuindo para a estabilidade e legitimidade da sentença arbitral, ao permitir uma completa demonstração de seus fundamentos.
Em um entendimento mais atual, já analisando a nova inserção do parágrafo terceiro, do artigo 2º da Lei de Arbitragem, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx00 frisam que:
A falta de transparência e publicidade na condução dos procedimentos pelos árbitros, habituados com a confidencialidade e liberdade da iniciativa privada, pode acarretar na intervenção judicial por parte do Ministério Público, amparado na violação de princípios constitucionais norteadores da Administração Pública. Esse tipo de ingerência, mesmo que não alcance os requisitos pretendidos, tumultua o andamento da arbitragem, afastando as partes interessadas dos propósitos que as levaram optar pela via arbitral. [...] Em síntese, cumprirá ao tribunal arbitral analisar o regime jurídico aplicável às informações submetidas pelas Partes e deliberar quanto ao grau de transparência necessário à arbitragem. Poderá ser instrumentalizada, juntamente com a instituição arbitral administradora, a publicidade dos procedimentos ou somente a divulgação do laudo arbitral.
Portanto, dos entendimentos colacionados é de se ver que, embora os doutrinadores concordem que a publicidade não é irrestrita e que alguns tópicos não devem ser submetidos ao princípio da publicidade, ainda não é pacífico o entendimento sobre quais pontos atenderão à confidencialidade.
81 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (Coord.). Parcerias público-privadas: um enfoque multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 356.
82 Ibidem, p. 356.
83 XXXXXXX, Xxxxxx. A confidencialidade em arbitragens envolvendo o Estado. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, v. 2, n. 12, p. 119–127, set., 2014. P. 124-125.
84 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 285.
85 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx; SCHWARTSMANN, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Arbitragem Público- Privada no Brasil: a especialidade do litígio administrativo e as especificidades do procedimento arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 44, jan/mar. 2015, p. 3.
Nesse viés, o dever de observância à publicidade se comunica com a transparência nas contrações públicas, que foi categoricamente instituída no artigo 4º, V, da Lei nº 11.079/04,86 e com a previsão expressa da realização da arbitragem no Brasil, em língua portuguesa, conforme o artigo 11, III, da mesma lei.
Quanto ao local da realização da arbitragem o referido artigo acima regra que esse deve ser no Brasil. Tanto Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx,87 quanto Xxxxxxx Xxxxxxxx00 entendem que o legislador ao fixar tal conceito não quis dizer respeito “a sede da arbitragem”, mas sim ao local onde deve ser proferida a sentença, evitando eventual sentença arbitral proferida no estrangeiro, uma vez que essa necessita de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Dessa forma, nada impede a arbitragem de se desenvolver fora dos limites territoriais brasileiros, nem que a “arbitragem desenvolva-se no território brasileiro, mas perante e (ou) sobre as regras procedimentais de uma instituição internacional de arbitragem”, aduz Talamini. 89
A exigência de realização da arbitragem em português, por sua vez, tem várias justificativas, tais como a compreensão pelos árbitros do direito nacional, a transparência dos procedimentos, a acessibilidade e interpretação da sentença, salienta o referido autor. 90 Essa imposição, entretanto, não comporta exceção. Ou seja, se a arbitragem excepcionalmente for desenvolvida fora do Brasil, deverá ser simultaneamente realizada em português e em outro(s) idiomas(s). 91
Ao se atender os requisitos fixados em ambas as leis, portanto, também estão vigendo e sendo respeitados os princípios da publicidade e da transparência.
4.7 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Muito possivelmente esse princípio constitucional seja o que mais se adequa ao estudo de caso, posto que é conhecido como “um dos pilares da Reforma Administrativa que
86 Art. 4o Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: V- transparência dos procedimentos e das decisões;
87 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 250-251.
88 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (Coord.). Parcerias público-privadas: um enfoque multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 355.
89 Ibidem, p. 355.
90 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 252.
91 TALAMINI, Op. cit. p. 355.
procurou implementar o modelo de Administração Pública gerencial.”92 São valores encarecidos pelo próprio princípio da eficiência: a economicidade, a redução de desperdício, a qualidade, a rapidez, a produtividade e o rendimento funcional.93
Nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx:
O princípio da eficiência determina que a ação pública se oriente para o efetivo cumprimento das missões do Estado, as quais devem ser atingidas por meio de instrumentos que garantam a presteza, agilidade e economicidade da ação pública, com o máximo aproveitamento dos recursos disponíveis. 94
As características atribuídas ao princípio são as mesmas elencadas por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00 como aspectos positivos instituídos pela arbitragem. Para o autor, fazem parte das vantagens da arbitragem: “a celeridade, a confidencialidade, a especialização no tema a se decidir, a economia dos recursos, o menor grau de enfrentamento entre as partes, a flexibilidade, a maior participação das partes e a maior proximidade delas com o árbitro”.
Nesse mesmo entendimento, Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx reputa ser salutar o uso da arbitragem nos conflitos nos quais o Estado seja parte, de modo a se prestigiar o princípio da eficiência da Administração Pública, desde que o objeto do litígio seja disponível.96
A ressalva a ser feita sobre a arbitragem, no entanto, é que por vezes a escolha tende a ter custo monetário mais elevado do que o procedimento judicial. Assim, o princípio da economicidade – previsto no artigo 70 da Constituição – deve ser considerado quando da escolha arbitral, não se sobrepondo, entretanto, aos demais valores elencados.
Ao combinar os conceitos de arbitragem e do princípio da eficiência, portanto, é de se ver que ambos possuem vários pontos congruentes, que também vão ao encontro dos demais preceitos da Reforma Administrativa e ao novo Direito Administrativo em que se encontra inserido o contrato de parceria público-privada.
Da aplicação de todos os princípios e regramentos expostos, justifica-se a submissão do Poder Público à arbitragem e a sua finalidade maior, que ao se chegar a uma sentença arbitral válida para poder ser cumprida, efetivam-se as medidas decididas. Com o
92 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 95.
93 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 95.
94 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A arbitragem nos contratos de parceria público-privada. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 72- 73.
95 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 29 96 XXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. Curso de arbitragem nos termos Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, p. 108.
cumprimento da sentença arbitral, portanto, conclui-se o ciclo da arbitragem e tem-se por encerrado o procedimento de resolução do conflito.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Administrativo vem se deparando, nas últimas décadas, com importantes transformações no modo de agir do Estado, decorrentes das mudanças sofridas no cenário econômico e político global, chegando à intitulada Reforma do Aparelhamento do Estado. Nesse contexto, estão inseridas as novas diretrizes do contratualismo administrativo, que priorizam a paridade entre os contratantes e valorizam a participação de entes privados e públicos para a realização dos implementos necessários pelo Estado na sociedade.
No Brasil, a reforma do Estado fez-se sentir mais fortemente no sentido da privatização, com a desestatização de empresas públicas e concessão a particulares de serviços públicos. Ocorre que o país experimentou, principalmente nos anos dois mil, um grande comprometimento do governo com projetos de infraestrutura em larga escala, negócios de natureza financeira e participação no mercado.
A Lei das Parcerias Público-Privadas foi nesse contexto criada, admitindo duas novas modalidades de concessões – administrativa e patrocinada -, aptas a dar garantias e atrair o investidor privado. Para tanto, também foi necessária a existência de agilidade e efetividade dos mecanismos destinados a equacionar eventuais controvérsias surgidas na execução dos contratos, sob pena de comprometer a segurança do empreendedor privado, ante a perspectiva de um processe judicial de muitos anos de duração.
A recente alteração na Lei de Arbitragem vislumbrou clarear alguns aspectos controversos sobre a arbitragem nos contratos administrativos, dado que passou a prever legalmente a submissão desses contratos à via arbitral e estipulou que serão regrados à luz do princípio da publicidade.
De fato, a expressa autorização na arbitragem também teve como causa e efeito a função de extinguir com a controvérsia de que a previsão do instituto no contrato contrariava o princípio da legalidade, ante a ausência de norma expressa até então. Tal caso, contudo, afetava os contratos administrativos de forma geral, mas não os contratos de parceria público- privada, porque, para este, há previsão legal na própria legislação.
Já no que concerne à arbitragem, os requisitos da arbitrabilidade devem ser preenchidos para que esta seja estipulada. Sobre o aspecto subjetivo, que consiste na capacidade do Estado contratar, tanto a jurisprudência quanto a doutrina não colocaram óbice ao assunto. Entretanto, a maior controvérsia do presente trabalho fundamenta-se no requisito objetivo, o qual diz respeito à submissão à via arbitral apenas de matérias concernentes a direitos patrimoniais disponíveis, visto que a discussão reside na premissa maior que as matérias envolvendo os contratos administrativos não seriam arbitráveis em razão da indisponibilidade do interesse público.
Sobre o assunto, da análise aprofundada para dirimir a controvérsia do trabalho, restou demonstrado que a utilização do meio extrajudicial para solucionar conflitos de natureza patrimonial disponível não afronta os supraprincípios do Direito Administrativo, quais sejam, o da supremacia e o da indisponibilidade do interesse público. Assim, além de dirimidos os principais óbices à arbitragem, também restaram preenchidos os requisitos subjetivo – capacidade de contratar - e objetivo –objeto do litígio versar sobre direitos patrimoniais disponíveis - da arbitrabilidade pela Administração Pública.
Da análise jurisprudencial nota-se que majoritário é o entendimento no sentido de ser cabível a adoção da arbitragem para a resolução de conflitos, desde que preenchidos os requisitos legais. Estes são os posicionamentos defendidos pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e confirmados pela maior parte dos doutrinadores.
Ao exame de critérios pormenores, tais como o princípio da publicidade e o da eficiência, também restou comprovado que a via arbitral não os afronta. Da publicidade que, além de previsão constitucional, passou a ser regulamentada expressamente através das recentíssimas inserções na Lei de Arbitragem dada pela Lei nº 13.129/15, conclui-se que esta não é ilimitada. Assim, pacificamente concordam os doutrinadores. Entretanto, ainda não restou delimitado por parte da doutrina quais são os pontos do contrato que atenderão à confidencialidade, característica esta preponderante da arbitragem, embora não prevista em lei.
Sobre o princípio caracterizador e símbolo das novas diretrizes administrativas: o da eficiência, extrai-se que esse está totalmente relacionado ao contexto das parcerias público- privadas e da arbitragem, visto que, conforme exposto no início dessa conclusão, ambos os institutos estão insertos nesses novos rumos administrativos e na busca por maior eficiência nos contratos.
Dessa forma, sob estudo mais aprofundado de todos os campos, foi possível vislumbrar que a pactuação de compromisso arbitral não afronta os princípios administrativos, sendo notório que tanto o legislador brasileiro, através das próprias mudanças introduzidas na Lei de Arbitragem, quanto os doutrinadores e a jurisprudência pátria, aceitam majoritariamente o emprego de tal instituto nas parcerias público-privadas.
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