GIOVANNA MONTELLATO STORACE ROTA
XXXXXXXX XXXXXXXXXX STORACE ROTA
Anualidade orçamentária e contratos administrativos
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós- Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração Direito Econômico, Financeiro e Tributário, sob orientação do Professor Associado Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO
São Paulo - SP 2018
FOLHA DE APROVAÇÃO
Nome: ROTA, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Storace Rota
Título: Anualidade orçamentária e contratos administrativos
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Direito.
Aprovada em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. Instituição: Julgamento:
Prof. Dr. Instituição: Julgamento:
Prof. Dr. Instituição: Julgamento:
Para Xxxxx, companheiro de vida
Agradecimentos
Ao Professor Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx pela cuidadosa orientação, pela confiança depositada em mim nas oportunidades acadêmicas com as quais me presenteou e pela inspiração constante no estudo e na pesquisa do Direito Financeiro.
Aos professores Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx, pelas atenciosas observações na banca de qualificação.
Aos meus pais, Xxxxxx e Xxxxx, pelo exemplo vivo de dedicação ao saber, que é absorvido, construído e propagado.
Ao meu irmão Xxxxxxx, por me lembrar da importância daquilo que acreditamos e queremos.
A minha avó Xxxx, pelo amor e pelo altruísmo.
Às minhas amigas Xxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxx, Xxxx e Xxxxx, pelo interesse, pela motivação e pela certeza de um lugar seguro para rir ou para chorar.
Ao meu companheiro Xxxxx, pelo incentivo e apoio nos meus desafios e pela felicidade cotidiana que me permite enfrentá-los.
Resumo
ROTA, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Storace. Anualidade orçamentária e contratos administrativos. 2018. 156 p. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
Essa dissertação de mestrado se debruça sobre a relação entre a anualidade orçamentária, enquanto característica peculiar da lei orçamentária, e os contratos administrativos. A pesquisa analisa o conflito entre a vinculação da Administração Pública a esses contratos, notadamente os plurianuais, e a necessidade de autorização legislativa anual, elemento essencial do orçamento público, para a realização das despesas públicas necessárias ao cumprimento das obrigações contratualmente assumidas. Explora-se a noção de orçamento público, discorrendo-se sobre o seu conceito, origem e evolução, bem como a configuração do sistema orçamentário brasileiro e do ciclo orçamentário, de elaboração, execução e controle dos orçamentos públicos. Em seguida, estuda-se a periodicidade orçamentária, no que são tratados aspectos como exercício financeiro e despesas plurianuais, para ponderar sobre a anualidade ou plurianualidade orçamentária e questionar a anualidade orçamentária enquanto princípio ou regra jurídica. Avança-se para apresentar a evolução da teoria do contrato administrativo, posicionando sua inserção na tendência de atuação da Administração Pública pela consensualidade administrativa, marcada, entre outros aspectos, pela ampliação do conceito de legalidade, enquanto meio de controle e vinculação da Administração Pública, de modo a admitir a sua assunção de obrigações pela via dos contratos administrativos. Feitas essas considerações do trabalho, centra-se no exame de direito positivo da relação entre orçamentos públicos e contratos administrativos por meio da análise de disposições das Leis nº 8.666/93, nº 8.987/95, nº 9.074/95 e nº 11.079/04, bem como do Decreto nº 9.046/17. Após destacar a tendência à plurianualidade dos contratos administrativos e a insuficiência do tratamento normativo do ponto de convergência entre anualidade orçamentária e contratos administrativos, o trabalho examina propostas de alterações normativas, formuladas pela doutrina ou em debate no
âmbito do Poder Legislativo, como o carry-over, as dotações orçamentárias plurianuais, a inclusão das despesas contratuais dentre as despesas obrigatórias, a atribuição de tratamento privilegiado às despesas contratuais e o projeto de Lei de Qualidade Fiscal. Ao final, retoma-se a questão de pesquisa, observando que os vícios do ciclo orçamentário têm minimizado a manifestação do conflito entre anualidade orçamentária e contratos administrativos e oferecendo considerações críticas e prospectivas ao tratamento da relação entre anualidade orçamentária e despesas públicas decorrentes de contratos administrativos, em especial aqueles cuja duração ultrapasse um exercício financeiro.
Palavras-chave: anualidade orçamentária; plurianualidade orçamentária; orçamento público; contratos administrativos; consensualidade administrativa.
Abstract
ROTA, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Storace. Budget annuality and administrative contracts. 2018. 156 p. Dissertation (Master of Laws) – Faculty of Law, University of Xxx Xxxxx, Xxx Xxxxx, 0000.
This dissertation focuses on the relation between budget annuality, as a public budget’s peculiar feature, and administrative contracts. The research explores the conflict between the Public Administration’s binding to these contracts, especially the multi-annual ones, and the need for annual legislative authorization, as an essential element of the public budget, for the execution of public expenditures required to fulfill these contractual obligations. Is explored the notion of public budget, scanning its concept, origin and evolution, as well as Brazilian budget system and budget cycle, meaning the elaboration, execution and control of public budgets. Then, is studied the budget periodicity, from aspects such as financial year and multi-annual expenditures, considering budget annuality and multi-annuality and questioning whether budget annuality is a principle or legal rule. It advances to present the evolution of the administrative contract theory, positioning it in the administrative consensuality trend, marked, among other aspects, by the extension of legality’s concept, as a means of public control and binding, in order to allow the Public Administration to assume obligations through administrative contracts. Considering this, the research focuses on examining the connection between public budget and administrative contracts by analyzing Brazilian laws nº 8.666/93, nº 8.987/95, nº 9.074/95 and nº 11.079/04, as well as Decree nº 9.046/17. After highlighting the multi-annual administrative contracts trend and the shortcoming normative treatment given to the relation between budget annuality and administrative contracts, the paper examines proposals for normative changes, such as carry-over, multi-annual appropriations, the inclusion of contractual expenditures among compulsory expenditures, privilege treatment to contractual expenditures and the Lei de Qualidade Fiscal (Fiscal Quality Law) draft. Finally, the research question is retaken, noting that the flaws in the budget cycle have reduced the manifestation of the conflict between budget annuality and administrative contracts and offering critical and prospective considerations to the treatment of the
relation between budget annuality and public expenditures concerning administrative contracts, especially those whose duration exceeds the financial year.
Keywords: budget annuality; multi-annual budget; public budget; administrative contracts; administrative consensuality.
Sumário
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS DE PESQUISA 15
1.1. Justificativa e problema de pesquisa 15
1.2. Questões e hipóteses de pesquisa 17
1.3. Metodologia de pesquisa 17
2.1. Conceito de orçamento público 21
2.2. Origem e evolução do orçamento público 22
2.3. Sistema orçamentário brasileiro 25
2.3.1. Lei orçamentária anual 26
2.3.2. Lei de diretrizes orçamentárias 27
2.3.4. Sistema orçamentário brasileiro e planejamento 30
2.4.1. Elaboração das leis orçamentárias 34
2.4.1.1. Fase administrativa 34
2.4.2. Execução da lei orçamentária 49
2.4.2.1. Etapas de execução da despesa pública 49
2.4.2.2. Instrumentos de flexibilidade da execução orçamentária 51
2.4.2.3. Natureza jurídica do orçamento público 58
2.4.3. Controle da lei orçamentária 63
3. ANUALIDADE E PLURIANUALIDADE ORÇAMENTÁRIA 71
3.1. Anualidade orçamentária 71
3.3. Regimes de receitas e despesas 75
3.4.1. Programas de duração continuada 78
3.4.2. Despesas obrigatórias de caráter continuado 79
3.4.3. Créditos especiais e extraordinários 80
3.5. Plurianualidade orçamentária 85
3.6. Anualidade orçamentária: princípio ou regra? 86
4. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA 89
4.1. Teoria do contrato administrativo 89
4.2. Consensualidade administrativa 92
4.3. Legalidade e consensualidade administrativa 94
5. ORÇAMENTO PÚBLICO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 99
5.2. Concessões (Leis nº 8.987/95, nº 9.074/95 e nº 11.079/04) 108
5.3. Decreto nº 9.046/17 116
5.4. Duração dos contratos administrativos 117
6. PROPOSTAS DE ALTERAÇÕES NORMATIVAS 121
6.1. Carry-over 121
6.2. Dotações orçamentárias plurianuais 126
6.3. Despesas contratuais como despesas obrigatórias 127
6.4. Tratamento privilegiado das despesas contratuais 128
6.5. Lei de Qualidade Fiscal 129
7. CONCLUSÃO 135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 145
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS DE PESQUISA
1.1. Justificativa e problema de pesquisa
O presente trabalho encontra-se inserido na linha de pesquisa Direito Financeiro na Constituição e no projeto acadêmico Orçamento Público: planejamento, gestão e controle. Dentro desse parâmetro, a pesquisa recai, em especial, sobre a característica de periodicidade ou anualidade dos orçamentos públicos e sua interação com os contratos administrativos.
Como se trata de uma pesquisa jurídica, há consequente delimitação do tema e do objeto de estudo. Assim, a análise teve por foco a Constituição Federal, os diplomas legais, a doutrina jurídica sobre o tema e os projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que porventura façam modificações relacionadas à anualidade orçamentária atualmente consagrada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O orçamento público propriamente dito e executável consiste na lei orçamentária anual, que possui características peculiares que a distinguem das demais leis. Uma dessas peculiaridades é a sua natureza temporária, ou seja, o fato de que ela possui a validade de somente um exercício financeiro.1 No ordenamento jurídico brasileiro, essa periodicidade foi concretizada como anualidade, conforme se observa no artigo 165, III, da Constituição Federal, e no artigo 2º, caput, da Lei nº 4.320/64.
Essa anualidade, ao criar a necessidade regular e periódica de que a lei orçamentária seja aprovada pelo Poder Legislativo, ainda confere efetividade à função de controle político do orçamento público e um caráter democrático à autorização de despesas e alocação dos recursos públicos.
Contudo, o ordenamento jurídico também prevê a existência do plano plurianual, um instrumento legal de planejamento da ação governamental válido por quatro anos, que deve estabelecer as diretrizes, metas e objetivos da Administração Pública relativos às despesas de capital e às despesas dos programas de duração continuada.
1 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Orçamento impositivo é avanço para administração. In: . Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, p. 157.
A própria Constituição Federal criou uma relação entre as duas normas, ao determinar, em seu artigo 165, parágrafo 7º, que “[o]s orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional”. Ou seja, há a necessidade de compatibilização dos orçamentos fiscal e de investimentos, compreendidos na lei orçamentária anual, com o plano plurianual.
Isto posto, colocam-se alguns motivos que justificam a realização dessa pesquisa.
Observa-se que a periodicidade ou anualidade da lei orçamentária, enquanto peculiaridade desse tipo de norma, merece uma análise profunda de sua concretização. A anualidade orçamentária é uma construção de natureza jurídica, pois a Administração Pública tem atividade contínua, que não se encerra a cada exercício financeiro. Com isso, nem todas as despesas conseguem ser executadas dentro do exercício financeiro gerando, por exemplo, os restos a pagar. Além disso, existem despesas que, por sua própria natureza, têm duração continuada e superior a um ano, não podendo ser totalmente compreendidas na anualidade orçamentária.
Esse conflito aparece de forma acentuada no caso dos contratos administrativos. A doutrina do Direito Administrativo evolui no sentido de que o contrato vincula a Administração Pública, mitigando as assimetrias de posições jurídicas entre o Poder Público e os particulares nesse tipo de relação e limitando o uso do argumento do “interesse público” pela Administração Pública como escape ao cumprimento de obrigações contratuais.2 Desse modo, ao celebrar um contrato, a Administração Pública assume uma obrigação e, sendo essa obrigação pecuniária, requer dotações orçamentárias para ser cumprida.
Nesse ponto, tem-se um aspecto de atrito com as normas orçamentárias. Se, por um lado, a Administração Pública, ao celebrar contratos administrativos, assume obrigações, por outro, depende da autorização orçamentária legislativa anual para cumpri-las. A questão se torna ainda mais complexa ao considerar-se os contratos administrativos plurianuais, vez que o processo de autorização das
2 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Do contrato administrativo à administração contratual. In: Revista do Advogado, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, ano XXIX, nº 107, p. 74 – 82, dez. 2009.
despesas pelo Poder Legislativo deverá ser repetido a cada ano, situação na qual a anualidade orçamentária e os seus limites ficam em evidência.
Esse conflito presente no ordenamento jurídico brasileiro requer um estudo aprofundado, que se objetiva empreender ao longo dessa dissertação. Para tanto, mapeiam-se as normas que regem as despesas plurianuais – ou, ao menos, as despesas que ultrapassam o limite de determinado exercício financeiro – e a relação entre as normas orçamentárias e os contratos administrativos, a fim de analisar os diversos aspectos desse conflito e suas possíveis soluções.
1.2. Questões e hipóteses de pesquisa
De acordo com o já exposto, a principal questão que guia o desenvolvimento dessa pesquisa é: como o ordenamento jurídico e a doutrina jurídica lidam com o conflito entre a anualidade orçamentária e os contratos administrativos?
Com base nas pesquisas preliminares, a hipótese de pesquisa é a de que esse conflito não tem uma solução definida pelo ordenamento jurídico e não é abordado diretamente pela doutrina jurídica.
Assim, a pesquisa também será norteada por outras questões acessórias: qual a importância da autorização legislativa no sistema orçamentário brasileiro?, qual o papel do Poder Legislativo no ciclo orçamentário?, como o ordenamento jurídico e a doutrina tratam a anualidade orçamentária?, como o ordenamento jurídico brasileiro regula as despesas plurianuais?, como o ordenamento jurídico e a doutrina tratam a vinculação da Administração Pública aos contratos administrativos? e como o ordenamento jurídico e a doutrina tratam a relação entre o orçamento público e os contratos administrativos?
Na busca pelas respostas dessas questões espera-se determinar os pontos principais do conflito entre a anualidade orçamentária e os contratos administrativos plurianuais e encontrar parâmetros para lidar com esse conflito.
1.3. Metodologia de pesquisa
A metodologia dessa pesquisa consiste no levantamento, leitura e análise dos diplomas legais e dos textos doutrinários sobre os temas a serem explorados,
em especial documentos que abordem (a) o planejamento governamental e a relação entre as leis orçamentárias (plano plurianual, lei de diretrizes orçamentária e lei orçamentária anual), (b) a participação do Poder Legislativo no ciclo orçamentário, (c) a anualidade orçamentária, (d) a vinculação da Administração Pública a obrigações oriundas de contratos administrativos, (e) a relação entre orçamento público e contratos administrativos.
Convém registrar que não foram incluídas no objeto de pesquisa decisões judiciais e administrativas, vez que a atividade de controle exercida pelo Poder Judiciário e pelos Tribunais de Contas sobre o orçamento público ainda é fenômeno incipiente, predominando, nessa função o controle político do Poder Legislativo.
Os diplomas normativos considerados nessa pesquisa foram a Constituição Federal, inclusive o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a Lei nº 4.320/64, a Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), as leis que regulam os contratos administrativos incluídos no escopo do estudo (Lei nº 8.666/93, Lei nº 8.987/95, Lei nº 9.074/95 e Lei nº 11.079/04),3 e algumas normas infralegais que serão pontuadas ao longo da dissertação. Também foi analisado o Projeto de Lei Complementar nº 295/16 da Câmara dos Deputados (antigo Projeto de Lei Complementar nº 229/09 do Senado Federal), conhecido como projeto da Lei de Qualidade Fiscal, que pretende substituir a Lei nº 4.320/64 e alterar a Lei Complementar nº 101/00.
Os livros jurídicos foram selecionados a partir do sistema Dedalus da Universidade de São Paulo, os artigos científicos publicados em periódicos jurídicos foram selecionados a partir da base de dados Ius Data da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e as dissertações de mestrado e teses de doutorado foram selecionadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, sem prejuízo de demais materiais de outras fontes que se mostraram relevantes para a pesquisa, especialmente coletâneas de artigos no formato de livros, que não aparecem nas bases bibliográficas utilizadas. Todas as pesquisas nos bancos de dados foram atualizadas até 24 de outubro de 2017.
3 Embora essas não sejam as únicas leis que regem contratos administrativos, na concepção do termo adotada nesse trabalho, tais leis foram selecionadas por sua relevância na organização da atividade contratual da Administração Pública, refletida na especial atenção dada pela doutrina a essas espécies contratuais.
No sistema Dedalus foi utilizado o termo “orçamento público”, em “todos os campos”, na base para busca na Faculdade de Direito, gerando 202 resultados. Também foi utilizado o termo “contrato administrativo”, gerando 220 resultados. Desses resultados, os livros relevantes foram selecionados a partir do título, da indexação de assuntos do sistema Dedalus e, em alguns casos, do índice do livro. O termo “direito financeiro” foi descartado por gerar um número muito grande de resultados. Em contrapartida, foram incluídos no material de pesquisa todos os manuais ou livros clássicos gerais sobre a disciplina disponíveis na Biblioteca Departamental de Direito Econômico, Financeiro e Tributário ou na Biblioteca Circulante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo que não constaram dos resultados pelo termo “orçamento público”.
No sistema Ius Data foram utilizados os termos “direito financeiro”, “orçamento” e “contrato administrativo” em “todos os campos” nos idiomas português, inglês, francês e espanhol, que geraram, respectivamente, 336, 274 e 828 resultados. Desses resultados, os artigos científicos relevantes foram selecionados a partir do título e da indexação de assuntos do sistema Ius Data.
A escolha pelo uso de termos abrangentes como “direito financeiro”, “orçamento”, “orçamento público” e “contrato administrativo” na opção “todos os campos” nos sistemas Dedalus e Ius Data teve por fundamento a observação de que o uso de termos mais específicos, como “anualidade orçamentária”, ou a seleção de campos determinados, como “título” ou “assunto”, tinha resultados de pesquisa muito restritos e não selecionava textos doutrinários relevantes para o trabalho. Assim, após a escolha dos livros e artigos científicos resultantes das pesquisas com os termos “direito financeiro”, “orçamento” e “orçamento público” os textos foram divididos e agrupados pelo tema a que se referem, como “sistema orçamentário”, “ciclo orçamentário” ou “anualidade orçamentária”, para organizar a leitura e análise do material.
No sistema da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, foi utilizado o termo “orçamento”, com o filtro para Programas de Pós-Graduação em “Direito”, e foram obtidos 97 resultados. Desses resultados, as dissertações de mestrado e teses de doutorado foram selecionadas a partir do título, da indexação de assuntos e, quando disponível, do resumo do trabalho. Em razão da indexação de assuntos do
sistema, não foi possível utilizar o termo de busca “orçamento público”, pois excluiria resultados relevantes.
2. ORÇAMENTOS PÚBLICOS
2.1. Conceito de orçamento público
O orçamento público é um instrumento para organizar as decisões financeiras do Estado. Na definição clássica de Xxxxxxx Xxxxxxxx, é
o ato pelo qual, [nos Estados democráticos], o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.4
De forma mais sucinta, Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx definem o orçamento público como o instrumento no qual “são previstas as receitas e as despesas autorizadas para um determinado período”5.
Essa definição, segundo os autores, apresenta os dois elementos principais do orçamento público, quais sejam, a limitação no tempo e a autorização legislativa. A limitação no tempo diz respeito ao período para o qual as despesas e as receitas são previstas e é aplicável a qualquer ideia de orçamento, não somente o público.6 Já a autorização legislativa diz respeito ao processo político de formulação do orçamento público “que assegura aos representantes da sociedade a
prerrogativa de consentir com as receitas e os gastos públicos”7.
Esses dois elementos serão objeto de análise nesse trabalho, enquanto essenciais ao orçamento público e pontos potenciais de conflito no caso dos contratos administrativos com a anualidade orçamentária.
Seguindo para Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, verifica-se adoção de conceito similar, com realce para o fato de que a noção de orçamento público evoluiu, de modo que esse deixou de ser mera peça contábil, de conteúdo financeiro, para se
4 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 397.
5 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx. Orçamento Público. In: XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de et al (coord.). Lições de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 68.
6 Ibidem, p. 68.
7 Ibidem, p. 68.
tornar verdadeiro instrumento de atuação do Estado, especialmente sobre a economia.8
É a atribuição dessa função de ordenador da atividade estatal ao orçamento público que marca a passagem de sua concepção clássica como mera peça de previsão de receitas e autorização de despesas para um instrumento de previsão de receitas e autorização de despesas que visa determinados objetivos econômico-sociais em consonância com um programa de governo ou de Estado, como se verá em seguida.
2.2. Origem e evolução do orçamento público
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx, o orçamento público surge como resultado de uma cadeia multissecular de lutas políticas que tornaram o processo orçamentário indispensável ao equilíbrio de interesses em torno do poder. O autor remete a origem da noção de orçamento público à Idade Média, mais precisamente aos séculos XI e XII, a partir de quando já existem registros, como os documentos das Cortes de Leão de 1188, da necessidade de consentimento de assembleias ou conselhos formados por nobres para a instituição ou majoração de tributos pelo monarca em casos extraordinários.9
Já Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx identifica a origem do orçamento público com a Magna Carta de 1215,10 que previa, em seu artigo 12, o compromisso de Xxxx, rei da Inglaterra, de que
[n]enhuma taxa de isenção do serviço militar nem contribuição alguma será criada em nosso reino, salvo mediante o consentimento do conselho comum do reino, a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro o nosso filho mais velho e para celebrar, uma única vez, o casamento da nossa filha mais
8 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Curso de Direito Financeiro. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 342 – 343.
9 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução à Ciência das Finanças..., pp. 398 – 400.
10 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Op. cit., p. 325.
velha; e para isto, tão somente, uma contribuição razoável será lançada.11
A mesma ideia foi reforçada em 1689 pelo Bill of Rights12 e em 1789 com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão13, que “estabeleceu o princípio da periodicidade da votação e a autorização pelo Parlamento para arrecadação de impostos”14.
Xxxxx Xxxxxxxx observa que algumas regras como a anualidade orçamentária e a votação do orçamento antes do início do exercício financeiro, hoje tidas como básicas pela doutrina do orçamento público, começaram a ser consolidadas nessa fase inicial de estruturação do orçamento público francês.15-16 Como é possível notar, o surgimento do orçamento público está intrinsecamente ligado a processos políticos de limitação do poder de uma autoridade central ou monárquica mediante a exigência de autorização da cobrança
de tributos por representantes da sociedade ou de parte dela.
Entretanto, essa autorização ainda era restrita às receitas, ou seja, à instituição de tributos, sem preocupação com as despesas e com as finalidades que esses recursos iriam atender.
Nesse sentido, essa permissão, embora seja o embrião da autorização legislativa enquanto elemento essencial do orçamento público, se assemelha atualmente mais ao princípio da legalidade no direito tributário do que propriamente à autorização legislativa do processo orçamentário, que ganhou contornos mais complexos.
11 COMPARATO, Xxxxx Xxxxxx. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 79 – 80.
12 “Os Lordes Espirituais e Temporais, bem como os Cidadãos Comuns [...] declaram em primeiro lugar (como seus antecessores em caso análogo teriam normalmente feito), ao reivindicar e afirmar seus antigos direitos e liberdades: [...] Que a cobrança de impostos para uso da Coroa, a título de prerrogativa, sem autorização do Parlamento e por um período mais longo ou por modo diferente do autorizado pelo Parlamento, é ilegal” (Ibidem, pp. 91 – 92).
13 “Art. 14. Todos os cidadãos têm o direito de verificar, pessoalmente ou por meio de representantes, a necessidade da contribuição pública, bem como consenti-la livremente, de fiscalizar o seu emprego e de determinar-lhe a alíquota, a base de cálculo, a cobrança e a duração” (Ibidem, p. 153).
14 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Curso de Direito Financeiro..., pp. 325 – 326.
15 XXXXXXXX, Xxxxx. Orçamento público. Rio de Janeiro: Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, 1971, pp. 9 - 11.
16 Para considerações mais aprofundadas sobre a origem e a história do orçamento público, cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Op. cit., pp. 325 – 327; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução à Ciência das Finanças..., pp. 398 – 403; XXXXXXXXX, Xxxxx. Orçamento Público. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 31 – 34.
A limitação no tempo, o outro elemento essencial do orçamento público, também tem sua origem verificada com a instituição da periodicidade da autorização. Ainda, a esse elemento é aplicável a mesma constatação de ganho de complexidade com a evolução do orçamento público, questão que será aprofundada ao longo do trabalho.
Não obstante sua relevância histórica e política, pode-se dizer que, na sua origem, o orçamento público tinha um papel mais limitado para o Estado e a sociedade, vez que, desde sua consolidação nos séculos XVII e XVIII, o orçamento público experimentou uma evolução, acompanhando as próprias transformações do Estado.
Xxxxxxx Xxxxxxxx afirma que “[d]urante os dois primeiros séculos, desde a revolução britânica de 1688, o orçamento, como instrumento político, foi o escudo para defesa dos contribuintes contra os governos”17. Ou seja, o orçamento público era um meio para conter as despesas públicas e a consequente instituição de tributos.
Nas palavras de Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx,
[o] orçamento clássico, cuja origem se identifica com a das instituições democráticas representativas, era uma peça de previsão de receitas e autorização das despesas públicas, classificadas estas por objeto, sem se cogitar das necessidades reais da administração e da população, nem dos objetivos econômicos-sociais a atingir com sua execução.18
O orçamento público tinha a função primordial de controle político, realizado por meio da autorização legislativa periódica.
Com o desenvolvimento, durante o século XX, de um Estado mais intervencionista, o orçamento público teve de ser reformulado e adquiriu novas funções para adequar-se ao modelo do Estado que ele pretende organizar financeiramente. Assim, o orçamento público tornou-se um instrumento de planejamento e atuação do Estado nas áreas econômica e social.
Como lembra Xxxxx Xxxxxxxxx,
17 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução à Ciência das Finanças..., p. 405.
18 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973,
p. 1.
[o] reconhecimento da importância do gasto público no sistema econômico foi bem anterior, mas é a partir da década de 30, com a doutrina keynesiana, que o orçamento público passou a ser sistematicamente utilizado como instrumento da política fiscal do governo.19
A compreensão dessa relação entre o orçamento público e a economia nacional e a intensificação da atuação do Estado na área econômica levaram os financistas a refletirem sobre a reformulação das técnicas orçamentárias tradicionais e dos princípios jurídicos orçamentários, como os princípios da anualidade, unidade e universalidade.20
Nessa concepção moderna de orçamento, ganha importância a destinação dos recursos públicos, que passa a integrar o objeto da autorização legislativa.
As previsões de receitas e autorizações de despesas orçamentárias passam a refletir as preocupações e as necessidades da sociedade,21 de forma que o orçamento público se constitui um plano de governo e um instrumento de intervenção do Estado na economia e na sociedade,22 modelo que ficou conhecido como “orçamento-programa”.
Desse modo, é possível notar que o orçamento caracteriza-se, a partir desse momento, por três funções: uma função contábil, ao ser um instrumento de previsão de receitas e despesas para a Administração Pública; uma função política, ao constituir um locus de tomada de decisões sobre alocação de recursos e uma forma de controle do Poder Legislativo, enquanto ambiente de representação da sociedade, sobre as receitas e as despesas públicas; e uma função econômica, por constituir um meio de atuação do Estado na economia.
2.3. Sistema orçamentário brasileiro
Para proporcionar o cumprimento dessas funções do orçamento público, a Constituição Federal de 1988 construiu um sistema orçamentário brasileiro,
19 XXXXXXXXX, Xxxxx. Orçamento Público..., p. 58.
20 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. Orçamento-programa..., pp. 3 – 4.
21 XXXXXXX, Xxxxxx. Orçamento, eficiência e performance budget. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 694 – 695.
22 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Curso de Direito Financeiro..., p. 347.
formado por três leis orçamentárias: o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual, cada uma com conteúdos e finalidades específicos.
2.3.1. Lei orçamentária anual
A lei orçamentária anual (LOA) é o orçamento público propriamente dito, ou seja, a lei na qual estão previstas as receitas e autorizadas as despesas públicas para o exercício financeiro ao qual ela se refere. É, portanto, a lei orçamentária com força executória.
Por disposição do artigo 165, parágrafo 5º, da Constituição Federal23, a LOA compreende o orçamento fiscal dos três Poderes e da administração direta e indireta, o orçamento de investimento das empresas estatais e o orçamento da seguridade social.24
Deve constar da LOA a discriminação de todas as receitas e despesas,25 tendo em vista que nenhum programa ou projeto pode ser iniciado se não estiver incluído na LOA e nenhuma despesa pode ser realizada sem os correspondentes créditos orçamentários.26
23 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”.
24 Importante observar que a divisão da LOA nesses três orçamentos (da administração direta e indireta, de investimento das empresas estatais e da seguridade social) não afasta o princípio da unidade orçamentária, vez que todos devem estar integrados (cf. XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Volume V: o orçamento na Constituição. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pp. 99 – 100).
25 Lei nº 4.320/64. “Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá tôdas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei. [...]
Art. 4º A Lei de Orçamento compreenderá tôdas as despesas próprias dos órgãos do Govêrno e da administração centralizada, ou que, por intermédio dêles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°”.
26 Constituição Federal. “Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.
Essas receitas e despesas devem, ainda, evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do governo,27 demonstrando a função do orçamento público como um instrumento de ação governamental e atuação do Estado na economia.
Por outro lado, a LOA não pode conter dispositivos alheios à previsão de receitas e fixação de despesas, exceto autorizações legislativas para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito. 28
Além da previsão de receitas e autorização de despesas, a LOA tem outros requisitos quanto ao seu conteúdo previstos na Constituição Federal, na Lei nº 4.320/6429 e na Lei Complementar nº 101/00, chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), destacando-se a exigência de que ela seja elaborada de forma compatível com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.30
2.3.2. Lei de diretrizes orçamentárias
Assim como a LOA, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) é anual, mas tem diversas funções estabelecidas pela Constituição Federal, que a introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, e pela legislação infraconstitucional posterior a 1988.
Entre as funções constitucionais destacam-se a de compreender as metas e prioridades da Administração Pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, e a de orientar a elaboração da LOA. Além disso, cabe à LDO dispor sobre as alterações na legislação tributária e estabelecer a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.31
27 Lei nº 4.320/64. “Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Govêrno, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade”.
28 Constituição Federal. "Art. 165 [...] § 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.
29 Segundo o artigo 165, parágrafo 9º, da Constituição Federal, cabe à lei complementar dispor sobre a elaboração e a organização da LOA, dentre outras matérias, contudo, na ausência dessa lei, a Lei nº 4.320/64 foi recepcionada pela Constituição Federal com status de lei complementar.
30 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 5º. O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar”.
31 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as
No nível infraconstitucional, a LRF, foi a principal responsável por adicionar outros conteúdos à LDO. Em razão do artigo 4º, I, da LRF, cabe à LDO dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas, os critérios e forma de limitação de empenho, as normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos e demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas.32
A LRF também determinou que a LDO deve conter o Anexo de Metas Fiscais e o Anexo de Riscos Fiscais.
No Anexo de Metas Fiscais devem ser estabelecidas as metas anuais relativas a receitas, despesas, resultado nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício financeiro ao qual diz respeito e para os dois subsequentes, além da avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior e de demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado, entre outros requisitos.33
alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento”.
32 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2º do art. 165 da Constituição e:
I - disporá também sobre:
a) equilíbrio entre receitas e despesas;
b) critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses previstas na alínea b do inciso II deste artigo, no art. 9º e no inciso II do § 1º do art. 31;
c) (VETADO)
d) (VETADO)
e) normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos;
f) demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas; II - (VETADO)
III - (VETADO)”.
33 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 4º [...] § 1º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.
§ 2º O Anexo conterá, ainda:
I - avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;
II - demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional;
III - evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios, destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos;
IV - avaliação da situação financeira e atuarial:
a) dos regimes geral de previdência social e próprio dos servidores públicos e do Fundo de Amparo ao Trabalhador;
b) dos demais fundos públicos e programas estatais de natureza atuarial;
Já no Anexo de Riscos Fiscais deve constar a avaliação dos passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas e as providências que devem ser tomadas caso esses riscos se concretizem.34
Assim, é possível considerar que a LDO serve, primordialmente, à responsabilidade fiscal, em razão dos conteúdos atribuídos a ela pela LRF, e ao planejamento de curto prazo, em razão das diversas exigências de avaliações de exercícios financeiros anteriores e previsões para exercícios financeiros posteriores, bem como em razão da função de orientação à elaboração da LOA.
2.3.3. Plano plurianual
O plano plurianual (PPA) também foi uma inovação da Constituição Federal de 1988, embora inspirado no antigo “orçamento plurianual de investimentos”.
Ao contrário da LOA e da LDO, e como o próprio nome indica, essa lei orçamentária não é anual. O PPA é quadrienal, conforme se observa do artigo 35, parágrafo 2º, I, do ADCT35, que regula os prazos para seu envio e aprovação na ausência da lei complementar prevista pelo artigo 165, parágrafo 9º, da Constituição Federal.
Por determinação constitucional, cabe ao PPA estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as despesas relativas aos programas de duração continuada.36 - 37
V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado”.
34 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 4º. [...] § 3º A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem”.
35 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “Art. 35. [...] § 2º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
36 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”.
37 Segundo o artigo 12, da Lei nº 4.320/64, classificam-se como despesas de capital os investimentos, as inversões financeiras e as transferências de capital.
A Constituição Federal ainda veda o início de investimentos que tenham execução que ultrapasse um exercício financeiro sem que estejam previamente inclusos no PPA ou haja lei autorizando essa inclusão.38
Além dessas previsões, não há maiores orientações relativas ao PPA no ordenamento jurídico brasileiro. Isso ocorre pois a Lei nº 4.320/64, que versa sobre os orçamentos públicos, é anterior à introdução do PPA no ordenamento jurídico e o artigo 3º, da LRF, que tratava do PPA, foi vetado.39
2.3.4. Sistema orçamentário brasileiro e planejamento
Essas três leis orçamentárias se relacionam entre si, formando o sistema orçamentário brasileiro, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988.
Esse sistema orçamentário exemplifica a evolução do orçamento público ao longo do século XX, em razão da transformação do modelo de Estado e da necessidade de planejamento da ação governamental.
Segundo Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, isso
representou uma mudança de paradigma em relação ao modelo tradicional de orçamento, introduzindo a concepção [de orçamento público] que passa a cumprir também a função de mecanismo de planejamento e não apenas de controle dos recursos públicos.40
Nesse sistema, cada lei orçamentária exerce uma função específica:
[o] plano plurianual constitui o instrumento de planejamento da atuação governamental de médio prazo, definindo prioridades e atuando como ordenador da elaboração do orçamento. A Lei de Diretrizes Orçamentárias possui um caráter articulador, entre o
38 Constituição Federal. “Art. 167. [...] § 1º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade”.
39 A principal razão de veto exposta na mensagem de veto do artigo 3º, da LRF, é o reduzido tempo para a elaboração do projeto de PPA pelo Poder Executivo e sua apreciação pelo Poder Legislativo que seria provocado pelos prazos previstos no dispositivo, o que contrariaria o interesse público. Quanto ao conteúdo dessa lei orçamentária, a mensagem de veto expõe que o Anexo de Metas Fiscais da LDO já traria o mesmo conteúdo de forma mais precisa.
40 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Orçamento e planejamento: a relação de necessidade entre as normas do sistema orçamentário. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 741.
PPA, que tem a função de planejamento do período de quatro anos, e a LOA, com prazo de execução relativamente curto, correspondendo a um exercício financeiro, estabelecendo regras e condições para a elaboração da norma orçamentária anual, fixando as prioridades para o gasto público que, ao final, serão especificados na Lei Orçamentária Anual.41
Para Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, o PPA é responsável pelo planejamento estratégico, com a definição das diretrizes, dos objetivos e das metas da Administração Pública, ou seja, as linhas gerais do que deve ser feito com os recursos disponíveis. A LDO é responsável pelo planejamento tático, ou seja, pelo detalhamento das ações e dos meios necessários para alcançar as metas estabelecidas, além de orientar a elaboração da LOA. Por fim, a LOA concretiza o planejamento operacional, com a previsão das receitas e fixação das despesas.42
Para que esse sistema funcione, é necessária uma coordenação entre as três leis e, em razão disso, a Constituição Federal determina que os orçamentos fiscal e de investimento serão compatibilizados com o PPA, as emendas ao projeto da LOA só podem ser aprovadas ser forem compatíveis com a LDO e com o PPA e emendas ao projeto da LDO só podem ser aprovadas se forem compatíveis com o PPA.43 Ainda, o artigo 5º, caput, da LRF estabelece que o projeto da LOA deve ser elaborado de forma compatível com o PPA e com a LDO.
Sobre esse ponto, a doutrina tem considerações divergentes.
41 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Orçamento e planejamento..., p. 744.
42 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx da. A lógica do planejamento público à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 753 – 760.
43 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. [...]
§ 7º Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. [...]
Art. 166. [...] § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; [...]
§ 4º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.
Para Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, não há relação de hierarquia entre as leis orçamentárias, pois as três são leis ordinárias. Apesar disso, deve existir uma relação de vinculação sucessiva entre o PPA, a LDO e a LOA, como consequência lógica do sistema orçamentário.44
No mesmo sentido, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx diagnostica “uma articulação em níveis sucessivos de vinculação”45 e Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx afirma que a LRF colocou no ordenamento jurídico, de forma expressa, a necessidade de que a LOA seja compatível com as orientações contidas na LDO e no PPA, tornando obrigatória a vinculação entre as normas, sem, contudo, fazer referência a uma hierarquia entre as três leis orçamentárias.46
Já Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx reconhece a inexistência de uma hierarquia formal entre as leis orçamentárias, contudo, coloca a necessidade e a possibilidade de interpretar sistematicamente a Constituição para reconhecer algum nível de subordinação hierárquica entre as leis orçamentárias.47 Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx também sustentam que, em razão da necessidade de compatibilidade da LOA com a LDO e com o PPA e da LDO com o PPA é observada uma hierarquia entre as leis orçamentárias.48
Em posicionamento divergente, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx defende uma “relação horizontal” entre as leis orçamentárias, sem a observância de qualquer hierarquia ou subordinação, fundada na observância de que cada lei orçamentária tem competências que incidem sobre campos materiais distintos, permitindo tão somente uma relação de coordenação ou articulação entre elas.49
Diante desse cenário, é possível afirmar que não há uma posição pacífica da doutrina a respeito da hierarquia entre as leis orçamentárias. Contudo, parece ser um denominador comum a necessidade de uma compatibilidade do conteúdo
44 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de. O planejamento financeiro responsável: boa governança e desenvolvimento no Estado contemporâneo. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p 583. 45 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Orçamento e planejamento..., pp. 743 – 744.
46 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx da. A lógica do planejamento público..., p. 760.
47 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Planejamento e responsabilidade fiscal. In: XXXXX, Xxxx. Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Lei de Responsabilidade Fiscal: 10 anos de vigência – questões atuais. São José: Conceito Editorial, 2010, p. 51.
48 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx.
Orçamento público..., pp. 82 – 85.
49 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx de. PPA versus orçamento: uma leitura do escopo, extensão e integração dos instrumentos constitucionais brasileiros de planejamento. In: XXXXX, Xxxx. Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos públicos e direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 684 – 688.
dessas normas, variando em grau entre a coordenação, a vinculação e a subordinação.
Essa compatibilidade de conteúdos, aliada aos mandamentos do ordenamento jurídico de observância de umas em relação às outras, não só permite a configuração do sistema orçamentário brasileiro como um instrumento de planejamento,50 como acrescenta um elemento às considerações acerca do conflito entre a anualidade orçamentária e os contratos administrativos plurianuais.
2.4. Ciclo orçamentário
A relação entre os Poderes de Estado, enquanto elemento basilar do Estado contemporâneo, é um objeto recorrente de estudo em diversos campos do conhecimento. No âmbito do Direito Financeiro, essa discussão acontece de forma acentuada para o ciclo orçamentário.
Por vezes, o ciclo orçamentário também é referido como processo orçamentário, mas, nesse trabalho, será entendido como processo orçamentário o processo de elaboração das leis orçamentárias e como ciclo orçamentário o processo que compreende, além da elaboração, a execução e o controle das leis orçamentárias.
O ciclo orçamentário é o meio pelo qual são tomadas as decisões de alocação de recursos e realizada a sua aplicação. Trata-se de um processo político, em que o orçamento público se concretiza como instrumento da separação de poderes, com a participação de cada poder de Estado na sua formulação e consequente definição da destinação dos recursos públicos, sua aplicação e controle.
Como visto no início dessa seção, a autorização legislativa orçamentária compõe o próprio conceito de orçamento público e está no cerne da importância deste para o Estado democrático, contudo, a dinâmica atual do ciclo orçamentário
50 Deve-se observar que, não obstante o sistema orçamentário, formado por PPA, LDO e LOA tenha uma função primordial de planejamento, esses não são os únicos instrumentos previstos no ordenamento jurídico com esse fim. Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx observa que a Constituição Federal também prevê outros instrumentos de planejamento, destacando entre eles os planos nacionais e regionais de desenvolvimento e os planos setoriais plurianuais de educação, cultura e reforma agrária (XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx de. PPA versus orçamento..., pp. 646 – 647).
é complexa, e vai além da simples aprovação, pelo Poder Legislativo, das receitas e despesas a serem aferidas e executadas pelo Poder Executivo.
É no ciclo orçamentário que se insere a formação das leis orçamentárias, que observam processo legislativo específico, com prazos e regras próprias, em função da sua característica de periodicidade.
Para sua análise, o ciclo orçamentário será dividido em três etapas: a elaboração das leis orçamentárias, a execução orçamentária e o seu controle. No mais, será adotada a proposta de análise de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, focando no ciclo orçamentário federal, com a observação de que a análise cabe, com as devidas adequações aos Estados e Municípios.51
2.4.1. Elaboração das leis orçamentárias
A elaboração das leis orçamentárias compreende duas fases: a fase administrativa, de elaboração dos projetos das leis orçamentárias pelo Poder Executivo e encaminhamento ao Poder Legislativo, e a fase legislativa, de aprovação das leis orçamentárias pelo Poder Legislativo, até a sua promulgação.52
Em razão dos artigos 84, XXIII, e 165, caput e incisos I a III, da Constituição Federal53, cabe ao Poder Executivo a iniciativa legislativa das leis orçamentárias, quais sejam, o PPA, a LDO e a LOA.54
51 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. A autonomia financeira do Poder Judiciário. São Paulo: MP, 2006, p. 76.
52 Ibidem, p. 77.
53 Constituição Federal. “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...]
XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição; [...]
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais”.
54 Cabe notar que o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública, em razão de disposições constitucionais específicas e para assegurar a autonomia que lhes é própria e necessária para a persecução dos seus fins institucionais detêm a prerrogativa de elaborar suas próprias propostas orçamentárias, a serem incorporadas ao projeto da LOA (cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Op. cit., pp. 84 – 92 e XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Iniciativa legislativa em matéria financeira. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 293).
Segundo Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, a atribuição da iniciativa legislativa das leis orçamentárias ao Poder Executivo tem por fundamento a sua função de condução da Administração Pública, para a qual o orçamento público é uno, e a sua responsabilidade sobre informações essenciais à elaboração e execução orçamentárias, a exemplo da arrecadação.55
Considerando que o orçamento público é o locus de definição das escolhas sobre alocação de recursos públicos, a elaboração dos projetos das leis orçamentárias, em especial da LOA, é o primeiro momento de condensação dessas escolhas, responsável por pautar todo o ciclo orçamentário.
Do ordenamento jurídico, é possível extrair diversos mandamentos para a elaboração desses projetos de lei, embora não estejam sistematizados em um único diploma.
Conforme o artigo 165, parágrafo 9º, I, da Constituição Federal, cabe à lei complementar “dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do PPA, da LDO e da LOA”, assuntos sensíveis ao processo legislativo orçamentário.
Na ausência da edição desse diploma normativo, são observados os prazos e a vigência do artigo 35, parágrafo 2º, do ADCT56.
Dessa forma, deve o Poder Executivo encaminhar ao Poder Legislativo o projeto do PPA até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro do mandato do chefe do Poder Executivo, o projeto da LDO até oito meses e meio antes do encerramento de cada exercício financeiro e o projeto da LOA até quatro meses antes do encerramento de cada exercício financeiro.57
55 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Iniciativa legislativa em matéria financeira..., p. 292.
56 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “Art. 35. [...] § 2º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
III - o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”.
57 Segundo Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, “as normas citadas acerca de prazo não são de aplicação nacional, mas tão somente federal, sendo possível aos entes federados estabelecerem prazos diferentes” (XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Op. cit., p. 289).
Quanto ao conteúdo, destacam-se múltiplas orientações do ordenamento jurídico para a elaboração das leis orçamentárias, que devem ser observadas já em sua fase administrativa.
Como explorado em tópico anterior, apesar da discussão acerca da hierarquia entre as leis orçamentárias, o ordenamento jurídico impõe uma compatibilidade de conteúdos e exige que a LDO observe o PPA e que a LOA observe a LDO e o PPA.
No momento de elaboração dos projetos das leis orçamentárias, entretanto, as disposições normativas expressas se limitam ao projeto da LOA, seja no âmbito constitucional, exigindo que os orçamentos fiscal e de investimentos sejam compatíveis com o PPA, seja no âmbito legal, com a LRF exigindo que o projeto da LOA seja elaborado de forma compatível com o PPA e com a LOA. Para a LDO, a exigência de compatibilidade com o PPA só se apresenta de forma expressa no ordenamento jurídico no momento da apreciação do seu projeto pelo Poder Legislativo, em razão da vedação à aprovação de emendas parlamentares à LDO incompatíveis com o PPA.
Como já tratado, essas limitações, assim como as semelhantes que se colocam no momento de aprovação legislativa das leis orçamentárias e serão abordadas mais adiante, têm como objetivo garantir harmonia entre as leis orçamentárias e permitir o funcionamento desse sistema como um instrumento de planejamento, adequando o ciclo orçamentário à realidade da Administração Pública de médio prazo, que se estende para além de um exercício financeiro.
Apesar dessas previsões expressas do ordenamento jurídico, é possível observar uma incongruência sistemática que se repete a cada quatro anos. Em razão dos prazos estabelecidos pelo ADCT, o PPA tem vigência de quatro anos, a partir do segundo exercício financeiro do mandato do chefe do Poder Executivo até o primeiro exercício financeiro do mandato subsequente. Dessa forma, seu projeto será encaminhado apenas a cada quatro anos, sempre no primeiro ano do mandato do chefe do Poder Executivo, enquanto os projetos da LDO e da LOA são encaminhados anualmente, para se adequar à vigência anual dessas leis.
Contudo, em todo primeiro ano de mandato do chefe do Poder Executivo, tem-se a situação peculiar na qual o projeto de LDO para o exercício financeiro subsequente é encaminhado ao Poder Legislativo antes da aprovação e mesmo da elaboração do projeto do PPA que será o vigente no próximo exercício financeiro.
Também no primeiro ano de mandato, o projeto da LOA para o exercício financeiro subsequente é encaminhado ao Poder Legislativo na mesma data do projeto do PPA, portanto, ainda não aprovado.
Ao mesmo tempo em que essa incongruência do ordenamento jurídico prejudica o funcionamento do sistema orçamentário como um instrumento de planejamento em sua completude, também demonstra que o ordenamento jurídico brasileiro, apesar do nítido objetivo de agregar o planejamento ao orçamento público, ainda tem pontos a resolver quando as leis orçamentárias, para cumprir com essa função, extrapolam a lógica da anualidade.
Além da necessidade de compatibilidade entre as leis orçamentárias, outras limitações ao conteúdo se apresentam no momento de elaboração das leis orçamentárias.
A partir desse momento, a referência será feita para a LOA, tendo em vista que ela constitui o orçamento público propriamente dito, embora algumas considerações sejam cabíveis também para a elaboração dos projetos do PPA e da LDO e serão oportunamente destacadas.
A principal diretriz constitucional para o conteúdo da LOA é o princípio da exclusividade do artigo 165, parágrafo 8º, da Constituição Federal58, segundo o qual a LOA não pode conter dispositivo estranho à previsão de receita e à fixação de despesas, exceto a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito.
Esse mandamento se justifica para evitar as chamadas “caudas orçamentárias”, ou seja, disposições alheias ao objetivo de um orçamento público que seriam incluídas no projeto da LOA para se aproveitar da celeridade do processo legislativo orçamentário59 e da necessidade de aprovação dessa lei para o adequado funcionamento da Administração Pública.
Márcio Ferro Capatani sistematiza outras limitações, as quais chama de “vinculações orçamentárias”. Dentro desse gênero estariam as exceções ao
58 Constituição Federal. “Art. 165 [...] § 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.
59 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. O orçamento a partir de seus princípios. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 94.
princípio da não-vinculação, os tributos vinculados, os fundos especiais, as despesas obrigatórias e as titulações.60
O princípio da não-vinculação está previsto no artigo 167, IV, da Constituição Federal61 e veda a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, partindo do pressuposto que essa espécie tributária serviria ao custeio de serviços gerais, sem destinação do produto da sua arrecadação a fins específicos.
Contudo, diversas exceções estão previstas na Constituição, muitas delas incluídas por emendas constitucionais, dentre as quais destacam-se (i) as transferências federativas obrigatórias, na modalidade de repartição do produto da arrecadação de impostos, previstas nos artigos 157 a 159 da Constituição Federal62; (ii) a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde
60 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A discricionariedade do Poder Executivo na elaboração do projeto de lei orçamentária anual. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 252 – 261.
61 Constituição Federal. “Art. 167. São vedados: [...] IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”.
62 Constituição Federal. “Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:
I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;
II - vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 154, I.
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;
II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III;
III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. [...]
Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma:
a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
e para a manutenção e desenvolvimento do ensino, a fim de cumprir as exigências de despesas mínimas obrigatórias dos artigos 198, parágrafo 2º, e 212, da Constituição Federal63 - 64; (iii) a destinação de recursos prioritários para as atividades de administração tributária do artigo 37, XXII, da Constituição Federal65;
(iv) a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita;
(v) a prestação, pelos Estados, Distrito Federal ou Municípios, de garantia ou contragarantia ou pagamento de débitos à União.
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano
e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano;
II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados
III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo [...]”.
63 Constituição Federal. “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...]
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. [...]
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
64 Não obstante a própria Constituição Federal faça referência às despesas mínimas obrigatórias em saúde e educação como exceções ao princípio da não-vinculação de receitas, motivo pelo qual serão tratadas nesse momento do trabalho, cabe a observação de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de que se tratam de coisas distintas, vez que a vinculação de receitas gera uma ligação normativa entre a fonte e o destino da receita, não obrigando o gasto no mesmo exercício financeiro de aferição da receita, enquanto as despesas mínimas obrigatórias são caracterizadas exatamente pela obrigatoriedade de realização da despesa no exercício financeiro (Cf. CARVALHO, André Castro. Vinculação de receitas públicas e princípio da não afetação: usos e mitigações. 2010. 243 p. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, pp. 83 – 86).
65 Constituição Federal. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio”.
Ao contrário dos impostos, para os quais incide o mencionado princípio da não-vinculação, outras espécies tributárias, chamadas de tributos vinculados, são caracterizadas pela destinação específica das receitas por ela geradas. Nesse cenário destacam-se as contribuições, que têm ganhado relevância na arrecadação de receitas da União, mas, “se esses tributos têm destinação vinculada, a sua proliferação resulta numa menor margem de recursos de livre aplicação”66.
Outra limitação à discricionariedade do Poder Executivo na elaboração do projeto da LOA estaria nos fundos especiais, vez que, com a sua criação, parte das receitas já terá destinação definida para a realização de seus objetivos e serviços.67 Também relevantes são as despesas obrigatórias, aquelas despesas correntes derivadas de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo ou aquelas sobre as quais não cabe um juízo de conveniência e oportunidade, como as despesas com pessoal, as necessárias para a continuidade dos serviços
administrativos ou o pagamento de benefícios previdenciários.68
Por fim, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx menciona as titulações, que seriam direitos de crédito contra o orçamento público,69 a exemplo das sentenças judiciais que condenam o Estado a pagar quantias ou a fornecer bens e serviços, que, portanto, exigem a destinação de receitas, retirando-as da margem de discricionariedade do Poder Executivo na formulação do projeto da LOA.
Se observa que essas limitações citadas pelo autor apresentam em comum o fato de serem, em sentido amplo, obrigações de gastar, ou seja, mandamentos constitucionais e legais que exigem a aplicação de recursos em determinadas finalidades. Entretanto, também é necessário lembrar a existência de limites negativos, que restringem despesas em certas searas. Destacam-se dois casos no ordenamento jurídico.
O primeiro é o caso dos limites de despesas com pessoal, estabelecido pelos artigos 19 e 20, da LRF, em cumprimento do artigo 169, da Constituição Federal, e que, portanto, devem ser considerados já no momento de elaboração do projeto da LOA. De acordo com esses dispositivos, a despesa total com pessoal
66 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A discricionariedade do Poder Executivo..., p. 258.
67 Ibidem, pp. 258 – 259.
68 Ibidem, pp. 259 – 260.
69 Ibidem, p. 260.
não pode exceder determinados percentuais da receita corrente líquida estabelecidos para cada nível federativo e para cada um dos seus Poderes.
O segundo caso é o Novo Regime Fiscal, instituído pela Emenda Constitucional (EC) nº 95/16, que incluiu os artigos 106 a 114 no ADCT com o objetivo de limitar o crescimento da despesa primária à inflação do ano anterior, por vinte exercícios financeiros, a partir de 2017, no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social, balizando a elaboração da LOA no que tange à fixação de despesas.
Nesse sentido, o novo artigo 110, do ADCT, parece retirar temporariamente a eficácia dos já estudados artigos 198, parágrafo 2º, e 212, da Constituição Federal, que exigem a destinação de percentuais mínimos da receita corrente líquida para ações e serviços de saúde e da receita de impostos para manutenção e desenvolvimento do ensino, para estipular limites máximos de despesas nesses setores, calculados a partir das despesas do exercício financeiro anterior corrigidas pela inflação do período.
Dessa forma, é possível observar que o Poder Executivo, ao mesmo tempo que possui competência para a iniciativa legislativa das leis orçamentárias e, abstratamente, discricionariedade para tomar decisões sobre a alocação de recursos públicos, também está amplamente balizado por limites e mandamentos presentes no ordenamento jurídico.
Para Márcio Ferro Capatani, essas limitações têm por objetivo equilibrar as competências dos poderes em matéria orçamentária, impedindo uma sobreposição do Poder Executivo, e evitar a descontinuidade de políticas públicas,70 ponto que será retomado adiante nesse trabalho.
Por outro lado, essas vinculações orçamentárias, quando excessivas, também provocam efeitos negativos, como a rigidez do orçamento público, a redução da flexibilidade na programação de recursos, a dificuldade de revisar normas que criam vinculações e a ineficiência de gestores de áreas com recursos protegidos pelas vinculações.71
70 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A discricionariedade do Poder Executivo..., p. 248.
71 XXXXXXXXX, Xxxxx. Receitas vinculadas, despesas obrigatórias e rigidez orçamentária. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 340.
Nesse cenário, foram criados mecanismos de desvinculação orçamentária, a fim de evitar ou flexibilizar a vinculação de determinadas receitas, notadamente o Fundo Social de Emergência, o Fundo de Estabilização Fiscal e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), um em substituição ao outro. A DRU, atualmente vigente e prevista no artigo 76, do ADCT72, é um instrumento temporário, que vem sendo renovado sucessivamente, e permite, de forma resumida, que 30% das receitas vinculadas arrecadadas não sejam destinadas às despesas das finalidades estabelecidas.73
Dessa forma, o fenômeno das “vinculações orçamentárias”, ao ser acompanhado pela criação de desvinculações, tem provocado o efeito reverso do pretendido e, na prática, tem ampliado a discricionariedade do Poder Executivo na elaboração do projeto da LOA.74
Para concluir esse tópico, cabe enfrentar a questão do orçamento incremental, prática que reforça a rigidez orçamentária. Segundo Xxxxx Xxxxxxxxx, “[e]m geral, as práticas orçamentárias tendem a não ser revisadas por ocasião da elaboração de novos orçamentos porque isso significaria colocar em questão consensos obtidos anteriormente, muitas vezes, com dificuldades”75.
Assim, é comum que os orçamentos públicos sejam elaborados por uma técnica incremental, ou seja, que o orçamento de um ano seja a reprodução do anterior, com a atualização de valores das despesas e inclusão de despesas advindas de novos programas, sem a revisão dos anteriores, “de modo que as alterações ocorrem de forma pontual e gradual, com poucas possibilidades de grandes e repentinas transformações”76. Embora isso colabore para a manutenção de políticas públicas, também cria um contexto no qual elas não são avaliadas e, se necessário, revistas e ajustadas.
A essa técnica se contrapõe o orçamento base-zero, que propõe que o orçamento de um ano não seja elaborado a partir do anterior e que cada ação
72 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral da Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data”.
73 A EC nº 93/16, além de renovar a DRU, no âmbito da União, inovou ao prever mecanismo semelhante para Estados e Municípios nos artigos 00-X x 00-X, xx XXXX.
00 XXXXXXXX, Márcio Ferro. A discricionariedade do Poder Executivo..., pp. 264 – 265.
75 XXXXXXXXX, Xxxxx. Receitas vinculadas..., p. 340.
76 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Natal é tempo de correr com a execução orçamentária. In: . Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, p. 138.
governamental e suas respectivas dotações orçamentárias sejam analisadas e avaliadas antes da sua inclusão na peça orçamentária.77
Nas palavras de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, “o orçamento base-zero pretendeu estimular a revisão contínua dos programas e a criatividade dos gestores públicos, com a criação de novas ações governamentais e a eliminação de gastos desnecessários e anacrônicos”78.
Nesse sentido, o orçamento base-zero reflete uma preocupação com a qualidade do gasto público e com a avaliação, revisão e melhoria de políticas públicas, o que explica a sua retomada em épocas de crise econômica e redução das receitas públicas.
Por fim, elaborado o projeto da LOA, o chefe do Poder Executivo o encaminha ao Poder Legislativo, observando que
[é] importante que o projeto de lei orçamentária contenha não apenas as receitas e despesas do ano competente, mas que também seja acompanhado de dados que possibilitem um acompanhamento da evolução destas nos últimos anos, servindo como instrumento para o planejamento da atividade financeira. 79 - 80
A fase de aprovação legislativa das leis orçamentárias é fundamental na construção do orçamento público, vez que a autorização legislativa se encontra no cerne desse instrumento desde sua origem histórica. No ordenamento jurídico brasileiro, constitui a aplicação do princípio da legalidade ao direito financeiro e atribui caráter democrático às escolhas sobre a alocação dos recursos públicos, tendo em vista que significa a aprovação dos representantes de diversos setores
77 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Crise econômica pode criar “orçamento recurso-zero”. In: Consultor Jurídico, 8 mar. 2016, Contas à vista.
78 Ibidem.
79 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx.
Orçamento público..., p. 86.
80 Essa afirmação dos autores decorre da previsão do artigo 5º, I, da LRF, que estabelece que o projeto de LOA será acompanhado de demonstrativo de compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas do Anexo de Metas Fiscais da LDO.
da sociedade, para além da participação do chefe do Poder Executivo, enquanto representante majoritário.
Entretanto, “o ativismo parlamentar no sentido de alterar os projetos que lhe são encaminhados pelo Poder Executivo, pelo menos em suas grandes linhas, tem-se demonstrado muito pequeno na prática brasileira”81.
Nesse tópico do trabalho, será estudada a competência do Poder Legislativo para a discussão, modificação e aprovação das leis orçamentárias, com seus limites e possibilidades.
À semelhança do que prevê para o envio dos projetos das leis orçamentárias pelo Poder Executivo, o ADCT também estabelece prazos para a aprovação de cada lei orçamentária. Nesse sentido, os projetos do PPA e da LOA devem ser aprovados pelo Poder Legislativo e devolvidos ao Poder Executivo para sanção até o encerramento da sessão legislativa e o projeto da LDO até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa.82
Enquanto a ausência de envio dos projetos das leis orçamentárias pelo Poder Executivo é regulada pela Lei nº 4.320/6483, constituindo, inclusive, crime de responsabilidade,84 o ordenamento jurídico não estabelece soluções definitivas ou sanções para a situação de não aprovação das leis orçamentárias nos prazos previstos pelo ADCT, chamada de anomia orçamentária.85
81 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A discricionariedade do Poder Executivo..., p. 264.
82 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “Art. 35. [...] § 2º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
III - o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”.
83 Lei nº 4.320/64 “Art. 32. Se não receber a proposta orçamentária no prazo fixado nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, o Poder Legislativo considerará como proposta a Lei de Orçamento vigente”.
84 Lei nº 1079/50. “Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
1 - Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa”.
Observa-se que tal dispositivo foi recepcionado apenas parcialmente pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista que a doutrina aceita a hipótese de crime de responsabilidade, desde que considerados os prazos previstos no ADCT.
85 A respeito do tema, cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. E o ano começa sem a aprovação do orçamento federal. In: . Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, pp. 101 – 104.
Nessa fase, também se observam peculiaridades no processo legislativo orçamentário. Por determinação do artigo 166, da Constituição Federal86, os projetos do PPA, da LDO e da LOA são apreciados em sessões conjuntas das duas casas do Congresso Nacional.
A Comissão Mista Permanente de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), composta por deputados federais e senadores, é responsável por examinar e emitir parecer sobre esses projetos de lei, bem como emitir parecer sobre as emendas apresentadas pelos parlamentares.87
Assim, nota-se que o Poder Legislativo tem competência para alterar os projetos das leis orçamentárias encaminhados pelo Poder Executivo, embora esteja balizado por alguns limites. Nesse sentido, devem ser observados os limites já citados para a elaboração dos projetos das leis orçamentárias quanto à compatibilidade entre PPA, LDO e LOA, o princípio da exclusividade, o princípio da não-vinculação, as vinculações orçamentárias, os gastos mínimos obrigatórios e os limites de despesas.
Quanto à compatibilidade entre as leis orçamentárias, o artigo 166, parágrafo 3º, inciso I, da Constituição Federal traz disposição específica que determina que as emendas ao projeto da LOA só podem ser aprovadas se compatíveis com o PPA e a LDO e o parágrafo 4º do mesmo artigo determina que as emendas ao projeto da LDO não podem ser aprovadas se incompatíveis com o PPA.88
No mais, essas emendas parlamentares que modificam o projeto da LOA só podem ser aprovadas se indicarem os recursos necessários para as novas despesas, que devem advir de anulação de despesa, sendo que essa não pode
86 Constituição Federal. “Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
§ 1º Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:
I - examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República; [...]
§ 2º As emendas serão apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional”.
87 Para maiores detalhes sobre os procedimentos de análise dos projetos de leis orçamentárias no âmbito da CMO, cf. XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx. Orçamento público..., pp. 91 – 92.
88 Constituição Federal. “Art. 166. [...] § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; [...]
§ 4º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual”.
incidir sobre dotações para pessoal e respectivos encargos, serviço da dívida e transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal.89
O artigo 33 da Lei nº 4.320/64 traz contornos diversos dos constitucionais ao campo de possibilidades das emendas parlamentares ao projeto da LOA, razão pela qual é possível a interpretação de que o dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.90
Os demais dispositivos constitucionais que versam sobre as emendas parlamentares, notadamente os incluídos pela EC nº 86/15 referem-se, em sua maioria, à execução orçamentária das despesas incluídas ou alteradas por essas emendas e, portanto, serão estudados no próximo tópico deste trabalho.
Por ora, cabe referência ao parágrafo 9º, do artigo 166, da Constituição Federal91, que parece limitar significativamente o campo de abrangência das emendas parlamentares, ao preconizar que essas serão aprovadas no limite de 1,2% da receita corrente líquida prevista no projeto da LOA e, ainda, determinar que metade desse percentual seja destinada a ações e serviços públicos de saúde. Por outro lado, esse dispositivo também formaliza a prática histórica de reservar determinado montante de recursos às emendas parlamentares, cuja alocação fica tão somente a cargo dos parlamentares por meio de suas emendas individuais.92
89 Constituição Federal. “Art. 166. [...] § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: [...]
II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal”.
90 Para tanto, acompanha-se RIGOLIN, Xxxx Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxx. Emendas parlamentares ao projeto de orçamento. In: Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, v. 5, n. 55, p. 7441 – 7447, jul. 2006, pp. 7441 – 7442.
91 Constituição Federal. “Art. 166. [...] § 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde”.
92 Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, antes mesmo da aprovação da EC nº 86/15, já criticava essa prática: “[d]uas graves distorções na participação do Poder Legislativo – e, por conseguinte, da vontade popular – no processo orçamentário se vislumbram a partir dessa prática: a primeira delas é a redução da influência dos parlamentares no orçamento público, que, exceto no que se refere ao montante destinado à ‘cota das emendas parlamentares’, pouco ou nada interferem na elaboração da peça orçamentária, e, portanto, na decisão sobre alocação de recursos públicos; a segunda é a limitação da ação dos parlamentares à inclusão de despesas de caráter eminentemente paroquial e localizado, visando atender a demandas de menor vulto, geralmente destinadas a interesses específicos de sua base de apoio eleitoral. Inviabiliza, por conseguinte, a participação efetiva dos representantes do povo, eleitos para compor o Parlamento, na definição das políticas públicas e nas grandes questões relacionadas à alocação de recursos, fazendo do Poder Executivo praticamente
Uma vez apresentadas as emendas parlamentares e emitido o parecer da CMO sobre o projeto da LOA, este é submetido à votação conjunta das duas casas do Congresso Nacional.93 Em caso de não aprovação do projeto da LOA no prazo previsto pelo ADCT, tem-se o já citado fenômeno da anomia orçamentária. Se obtida a aprovação, o projeto segue para sanção ou veto do chefe do Poder Executivo e subsequente promulgação.
Vale observar que o veto pode recair sobre dotações orçamentárias específicas, sendo que, se restarem recursos sem despesas correspondentes em razão de veto, emenda parlamentar ou rejeição do projeto da LOA, estes podem ser utilizados mediantes créditos especiais ou suplementares, que exigem prévia e específica autorização legislativa e serão estudados no próximo tópico.94
Por fim, cabem breves considerações sobre qual o grau juridicamente possível e politicamente desejável de participação do Poder Legislativo no processo orçamentário.
A aprovação legislativa do orçamento público está na sua própria concepção e é fundamental para atribuição do caráter democrático a esse instrumento. Contudo, dois fatores parecem ter contribuído para restringir a importância fática e jurídica da participação legislativa na construção do orçamento público. O primeiro é a transformação dos chefes do Poder Executivo em representantes democráticos, eleitos direta ou indiretamente, de modo a minimizar a necessidade de participação do Poder Legislativo para aferição de um caráter democrático mínimo ao orçamento público. O segundo é a crescente complexidade do orçamento público observada durante o século XX. Ao mesmo tempo em que o Estado passou a interferir na economia e prover direitos sociais, o orçamento público se tornou instrumento dessas atividades e adquiriu a função de planejamento, agregando significados mais profundos à previsão de receitas e
o único responsável pelas escolhas que vão definir os programas a serem cumpridos pelo ente federado” (XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Emendas ao orçamento e o desequilíbrio de poderes. In: . Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, p. 147).
93 Constituição Federal. “Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum”.
94 Constituição Federal. “Art. 166 [...] § 8º Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”.
autorização de despesas, que exigem conhecimentos técnicos e multidisciplinares para sua compreensão.
Nesse contexto, a interferência do Poder Legislativo na formulação da peça orçamentária é vista, por parte da doutrina, como negativa.
Para Xxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, “as emendas parlamentares não podem ter condão de reformar em profundidade, ou de por qualquer modo transtornar ou inverter, a política de administração do Município95, o que significaria implantar um novo plano de governo”96.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx é ainda mais incisivo na crítica, relacionando as emendas parlamentares a práticas de corrupção e à destinação de recursos públicos por pressão política.97
Por outro lado, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx alerta que essa é uma das competências de maior relevância do Poder Legislativo e cabe a ele debater, alterar e adequar o projeto da LOA apresentado pelo Poder Executivo às necessidades da sociedade, interferindo nas políticas públicas.98
As emendas parlamentares, na medida em que permitem uma participação efetiva do Poder Legislativo na elaboração da LOA, representam um instrumento com grande potencial para democratizar a escolha sobre a destinação dos recursos públicos, vez que essas decisões podem englobar necessidades de minorias ou necessidades locais percebidas mais facilmente por representantes não majoritários.
Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx ressalta que o atual modelo do ciclo orçamentário gera um déficit democrático, pois o protagonismo do Poder Executivo e a subalternidade parlamentar afastam a população do processo decisório.99
Xxxxxxx Xxxxxxx, mais de duas décadas atrás, escrevia
[e]m breve deverão estar definitivamente sepultadas as deformações culturais que têm situado a participação dos
95 A despeito dos autores centrarem sua consideração no nível municipal, suas ponderações são abrangentes a todos os entes da federação.
96 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx; NUNES, Xxxxxx xx Xxxxxx. Emendas parlamentares..., p. 7441.
97 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito..., pp. 439 – 442.
98 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Vereador não pode apenas homologar a lei orçamentária. In: .
Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, pp. 121 – 124.
99 XXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx. Breves considerações sobre deficiências estruturais do sistema orçamentário brasileiro – Propostas para incrementar a legitimidade e a eficiência do modelo. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011 p. 458.
Parlamentos no processo orçamentário como uma ‘indesejável interferência’, consolidando-se, em seu lugar, o entendimento de que esta não só é legítima, mas uma das determinantes históricas da existência dessa instituição.100
O comentário do autor ainda se mostra contemporâneo quanto ao reconhecimento das distorções da participação do Poder Legislativo no ciclo orçamentário e a sua visão otimista acerca da correção dessas distorções não só não se confirmou como parece que tais distorções se consolidaram, a ponto de serem constitucionalizadas com a EC nº 86/15.
2.4.2. Execução da lei orçamentária
Uma vez aprovada a LOA, cabe ao Poder Executivo comandar a sua execução. Para tanto, são realizados a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso,101 a fim de planejar a liberação dos recursos ao longo do exercício financeiro e “ajustar o ritmo da despesa com o fluxo da receita”102.
2.4.2.1. Etapas de execução da despesa pública
A realização das despesas públicas segue um procedimento que compreende três etapas. A primeira é o empenho103, ou seja, o ato emitido por autoridade competente que cria para o Estado a obrigação de pagamento, deduzindo determinada despesa da correspondente dotação orçamentária.
Segundo Michel Haber, Xxxxxx Xxxxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx, “[a] realização de empenhos coloca em evidência os compromissos assumidos pela
100 SANCHES, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. A participação do Poder Legislativo na análise e aprovação do orçamento. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 33, n. 131, p. 59 – 77, jul./set. 1996, p. 77.
101 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 8º Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso”.
102 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx.
Orçamento público..., p. 93.
103 Lei nº 4.320/64. “Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”.
Administração, que deverão ser adimplidos ao longo do exercício financeiro, sendo possível confrontá-los com os créditos orçamentários existentes”104.
Relacionando esse aspecto ao objeto desse trabalho, notadamente no âmbito federal, o Decreto nº 93.872/86 determina, para o âmbito federal, que, no caso de contratos de vigência plurianual, são empenhadas, em cada exercício financeiro, apenas as despesas a serem nele executadas.105
O mesmo diploma determina que, em contratos cuja duração ultrapassa um exercício financeiro, sejam indicados o crédito orçamentário e o empenho para atender as despesas relativas a esse contrato no exercício financeiro em curso e, ainda, declaração de que serão celebrados termos aditivos a cada exercício financeiro futuro para indicação do crédito e empenho das despesas a serem nele executadas.106 - 107
A segunda etapa na realização da despesa é a sua liquidação108, na qual há verificação do direito adquirido do credor ao crédito, que tem por fim apurar a
104 XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Despesa Pública. In: XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de et al (coord.). Lições de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 47.
105 Decreto nº 93.872/86. “Art. 27. As despesas relativas a contratos, convênios, acordos ou ajustes de vigência plurianual, serão empenhadas em cada exercício financeiro pela parte nele a ser executada”.
106 Decreto nº 93.872/86. “Art. 30. Quando os recursos financeiros indicados em cláusula de contrato, convênio, acordo ou ajuste, para execução de seu objeto, forem de natureza orçamentária, deverá constar, da própria cláusula, a classificação programática e econômica da despesa, com a declaração de haver sido esta empenhada à conta do mesmo crédito, mencionando-se o número e data da Nota de Empenho (Lei nº 4.320/64, Art. 60 e Decreto-lei nº 2.300/86, art. 45, V).
§ 1º Nos contratos, convênios, acordos ou ajustes, cuja duração ultrapasse um exercício financeiro, indicar-se-á o crédito e respectivo empenho para atender à despesa no exercício em curso, bem assim cada parcela da despesa relativa à parte a ser executada em exercício futuro, com a declaração de que, em termos aditivos, indicar-se-ão os créditos e empenhos para sua cobertura”.
107 O Decreto nº 93.872/86 ainda vedava, em seu artigo 31, a celebração de contrato com investimento cuja execução ultrapassasse um exercício financeiro sem a comprovação de que os recursos para atender as despesas em exercícios financeiros futuros estariam assegurados pela sua inclusão no orçamento plurianual de investimentos ou por lei prévia que autorizasse e fixasse o montante das dotações que anualmente constariam do orçamento durante o prazo de sua execução. Contudo, esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que substituiu o orçamento plurianual de investimentos pelo PPA, com caráter programático, sem força executória, e determinando, em seu artigo 167, parágrafo 1º, apenas a inclusão no PPA do investimento que ultrapassa um exercício financeiro, sem a necessidade de assegurar a existência de recursos ou a inclusão das despesas referentes a exercícios financeiros futuros LOA, lei que autoriza e fixa os montantes das dotações orçamentárias anuais.
108 Lei nº 4.320/64. “Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base: I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
origem e o objeto do que se deve pagar, o montante e a quem deve ser realizado o pagamento.
A terceira e última etapa na realização da despesa pública é o pagamento109, resultado da ordem de pagamento emitida após a regular liquidação da despesa.
Entretanto, a execução orçamentária não se limita às etapas da execução da despesa pública.
2.4.2.2. Instrumentos de flexibilidade da execução orçamentária
Tendo em vista que a LOA é elaborada a partir de previsões de receitas e despesas, que podem ou não se confirmar, a execução orçamentária é marcada por instrumentos que permitem a sua flexibilidade e adaptação às necessidades conjunturais.110
Sobre o assunto, Xxx Xxxxx Xxxxxxxxxxxx lembra a importância de assegurar a flexibilidade, sendo que
[e]ssa flexibilidade não significaria uma discricionariedade absoluta, mas se caracteriza como um relevante instrumento da política fiscal, tendo em vista que o projeto de lei orçamentária assenta-se em estimativas macroeconômicas que, uma vez alteradas, interferem na captação de receitas e possibilidade de execução das despesas públicas.111
Ainda, Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx observam
que
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço”.
109 Lei nº 4.320/64. “Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”.
110 Quanto a esse aspecto, Harrison Leite lembra que qualquer norma legal ou constitucional, à exceção das cláusulas pétreas, pode ser modificada, contudo, o processo de alteração da lei orçamentária é peculiar, em especial no que tange à desnecessidade da participação do Poder Legislativo em determinadas hipóteses (XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Segurança jurídica do orçamento público e sua alteração. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 19, n. 96, p. 153 – 180, jan./ fev. 2011, p. 158).
111 BLIACHERIENE, Xxx Xxxxx. Orçamento Impositivo à Brasileira. In: XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (Org.). Direito Financeiro, Econômico e Tributário: Estudos em Homenagem a Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 56.
[e]videntemente, a execução orçamentária deve observar os programas aprovados no orçamento. Mas não é simples conciliar a necessidade de preservar a vontade parlamentar e, ao mesmo tempo, promover os ajustes necessários às vicissitudes verificadas durantes a execução orçamentária. Há aí um trade off, entre a rigidez normativa da lei de orçamento e a eficiência requerida para responder a situações imprevistas.112
Dentre esses instrumentos estão i) os créditos adicionais; ii) a margem de remanejamento; iii) a reserva de contingência; e iv) a limitação de empenho e movimentação financeira.113
Os créditos adicionais representam dotações orçamentárias insuficientes ou não autorizadas na LOA e apresentam-se em três espécies: a) créditos suplementares, para despesas para as quais há dotação orçamentária, mas em montante insuficiente; b) créditos especiais, para despesas sem dotação orçamentária; e c) créditos extraordinários, para despesas urgentes e imprevistas.114
Os créditos suplementares e especiais são abertos por decreto executivo, contudo, exigem prévia autorização legislativa e dependem da disponibilidade de recursos. Esses recursos disponíveis podem advir de superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior, de excesso de arrecadação, de
112 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx.
Orçamento público..., p. 94.
113 Considera-se, aqui, a observação de Xxxxxxx Xxxxxxxx, para quem as “transferências, remanejamentos e transposições” não se diferenciam substancialmente dos créditos adicionais, motivo pelo qual não serão analisadas em específico. De fato, esses instrumentos (“transferências, remanejamentos e transposições”) são mencionados pelo artigo 167, VI, da Constituição Federal, para constar a vedação do seu uso sem prévia autorização legislativa, ponto que será abordado na análise dos créditos adicionais. Nesse sentido: “[o]s dois [créditos adicionais e “transferências, remanejamentos e transposições”] são utilizados para atingir o mesmo objetivo: cobrir despesas não previstas no orçamento, ou por meio da criação de novo programa, ou mediante reforço da dotação anterior. Da mesma maneira, transferir, remanejar ou transpor recursos de uma dotação para outra necessariamente significará a diminuição de uma dotação para o aumento de outra: o incremento da dotação pode ser feito também por crédito adicional” (LOCHAGIN, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público: flexibilidade e orçamento impositivo. São Paulo: Blucher, 2016, p. 117).
114 Lei nº 4.320/64. “Art. 40. São créditos adicionais, as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.
Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em:
I - suplementares, os destinados a refôrço de dotação orçamentária;
II - especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica; III - extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública”.
anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais autorizados em lei ou de operações de crédito.115 - 116
A respeito dos créditos suplementares, Xxxxxxx Xxxxxxxx assevera que
a suplementação não é dos programas orçamentários em si, mas dos recursos financeiros que os atenderão. Nesse sentido, considerando-se que cada programa é o resultado de uma decisão política aprovada pelo parlamento, melhor seria que não fosse possível a anulação de um programa para o reforço de outro, mas tão somente a anulação de determinados objetos de custo de cada programa, transferindo-se seus recursos para outra categoria prioritária. Isso em um cenário de orçamento-programa tecnicamente adequado.117
Já sobre os créditos especiais, o autor comenta que
são abertos para um novo programa, projeto ou atividade, servindo para destinar-lhe os recursos para finalidades tais como pessoal, material e outras, que possibilitarão a concretização de seu produto, e também para a despesa propriamente dita. Dessa forma, presta-se essa espécie ao aprimoramento do planejamento estatal inicialmente realizado.118
115 Lei nº 4.320/64. “Art. 42. Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo.
Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa.
§ 1º Consideram-se recursos para o fim deste artigo, desde que não comprometidos: I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;
II - os provenientes de excesso de arrecadação;
III - os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei;
IV - o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realiza-las.
§ 2º Entende-se por superávit financeiro a diferença positiva entre o ativo financeiro e o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos adicionais transferidos e as operações de credito a eles vinculadas.
§ 3º Entende-se por excesso de arrecadação, para os fins deste artigo, o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a arrecadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência do exercício.
§ 4° Para o fim de apurar os recursos utilizáveis, provenientes de excesso de arrecadação, deduzir- se-á a importância dos créditos extraordinários abertos no exercício”.
116 Para uma análise mais completa sobre a disponibilidade desses recursos, cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., pp. 99 – 102.
117 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., p. 98.
118 Ibidem, p. 98.
Os créditos extraordinários, por sua vez, por serem motivados por despesas urgentes e imprevisíveis, têm liame menos notável com o planejamento estatal.
Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxxxx coloca que
[a] urgência e imprevisibilidade se tornam requisitos mutuamente dependentes para caracterizar a legitimidade constitucional da abertura de créditos extraordinários, não podendo ser atendidos por esse instrumento aqueles casos em que a despesa prevista está despida da nota de emergência. Os exemplos constitucionais [guerra, comoção interna ou calamidade pública] não permitem que se equipare o erro de planejamento do governo, que não previu despesas corriqueiras, a casos de relevante magnitude e comoção social.119
A urgência e a imprevisibilidade também justificam a dispensa de autorização legislativa prévia, vez que podem ser abertos por medida provisória, uma exceção à vedação de uso da espécie normativa em matéria orçamentária.120
- 121
Apesar disso, a eleição da medida provisória como meio para a abertura de créditos extraordinários parece reforçar a sua excepcionalidade, pois, além dos requisitos de imprevisibilidade e urgência para a abertura dessa espécie de crédito
119 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., pp. 120 – 121.
120 Constituição Federal. “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a: [...]
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; [...]
Art. 167. [...] § 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62”.
121 A Constituição Federal foi imprecisa ao vedar, em seu artigo 62, que seja utilizada medida provisória para a abertura de créditos adicionais e suplementares, mas permitir, em seu artigo 167, parágrafo 3º que créditos extraordinários sejam abertos pelo mesmo instrumento, vez que tanto créditos suplementares, quanto créditos extraordinários são espécies de créditos adicionais. Não obstante, tem prevalecido a interpretação de que é permitido o uso de medida provisória para abertura de créditos extraordinários (tendo em vista a exceção expressa no texto constitucional), observados os demais requisitos para a edição de medida provisória, ficando vedada a edição de medida provisória para abertura de créditos especiais e suplementares. Para uma análise mais completa da questão, cf. ibidem, pp. 118 – 119.
adicional, exige-se a verificação dos requisitos de relevância e urgência necessários à edição de medidas provisórias.
Nesse ponto, cabe a observação de que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou o artigo 44, da Lei nº 4.320/64, que previa a abertura de créditos extraordinários por meio de decreto do Poder Executivo. Considerando que, com o vigor da Constituição Federal, o Poder Legislativo passa a se manifestar sobre a abertura dos créditos extraordinários, ainda que de forma posterior, na apreciação da medida provisória, parece haver uma indicação de valorização do Poder Legislativo na execução orçamentária pela atual ordem constitucional.122
Outro mecanismo de flexibilização da execução orçamentária é a chamada margem de remanejamento. Embora a abertura de créditos suplementares guarde deferência ao planejamento orçamentário, por não incluir novos programas e apenas reforçar dotações orçamentárias já existentes, e ao processo orçamentário, por exigir autorização legislativa prévia, em razão de exceção ao princípio da exclusividade estampada no artigo 165, parágrafo 8º, da Constituição Federal123, é possível que essa autorização legislativa prévia para a abertura de créditos suplementares seja genérica e não específica.
Assim, concede-se, na própria LOA, um percentual da receita disponível para abertura de créditos suplementares pelo Poder Executivo mediante decreto, sem deliberação específica pelo Poder Legislativo, com hipóteses para as quais a margem de remanejamento pode ser utilizada e alguns requisitos a serem observados.124
Contudo, as hipóteses de cabimento do uso da margem de remanejamento têm se alargado, de modo que esse se tornou um relevante instrumento para alteração da LOA, na medida em que constitui “espaços de livre disposição no orçamento”.125
A reserva de contingência é mais um instrumento de flexibilidade da execução orçamentária e consiste em uma dotação global sem destinação
122 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., p. 118.
123 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.
124 Para uma análise mais profunda do tema, cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Flexibilidade orçamentária deve ser usada com moderação. In: Consultor Jurídico, 20 set. 2016, Contas à vista.
125 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., pp. 125 – 126.
específica, a fim de reservar recursos para eventuais créditos adicionais e atendimento de passivos contingentes e demais riscos fiscais imprevistos.126
Esse instrumento tem a vantagem de permitir que novas despesas sejam atendidas sem anulação de dotações já existentes, contudo, aliada à margem de remanejamento, pode significar uma flexibilidade excessiva para o Poder Executivo e a possibilidade de executar despesas sem qualquer autorização legislativa e consideração com o planejamento que envolve a elaboração das leis orçamentárias.
Por fim, cabe estudar a limitação de empenho e movimentação financeira, também chamada de “contingenciamento”. Sua finalidade é ajustar o ritmo de execução da despesa à arrecadação, de modo que opera quando há indicação de frustração de receitas que possam comprometer o equilíbrio orçamentário e exijam uma reformulação da programação financeira.
Nesse cenário, cabe ao chefe de cada Poder e do Ministério Público editar ato que determine a limitação de empenho e movimentação financeira no montante necessários e de acordo com os critérios da LDO, sendo possível a recomposição das dotações orçamentárias mediante o reestabelecimento da receita prevista. Vale observar que a própria LRF restringe a incidência da limitação de empenho e movimentação financeira sobre despesas que constituam obrigações constitucionais e legais, em especial as destinadas ao pagamento do serviço da dívida, além de despesas eventualmente ressalvadas pela LDO.127
126 Decreto-lei nº 200/67. “Art. 91. Sob a denominação de Reserva de Contingência, o orçamento anual poderá conter dotação global não especificamente destinada a determinado órgão, unidade orçamentária, programa ou categoria econômica, cujos recursos serão utilizados para abertura de créditos adicionais”.
Lei Complementar nº 101/00. “Art. 5º O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar: [...]
III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao: [...]
b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos”.
127 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1o No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas.
§ 2o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias”.
Essa previsão tem por escopo garantir o cumprimento do superávit primário ou nominal previsto no Anexo de Metas Fiscais e, por consequência, evitar o comprometimento do equilíbrio fiscal e orçamentário, de forma que tal instrumento deveria ser usado estritamente com esse fim e nesse contexto.128
Contudo, na prática, o contingenciamento tem sido usado corriqueiramente como forma de postergar despesas e torná-las uma “moeda de troca” de apoio político entre Poder Executivo e os interessados na execução de determinada despesa, ou simular “cortes” nas despesas públicas.129
Ainda sobre a questão, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx lembra que “por vezes, os ‘cortes’ recaem sobre investimentos, despesas importantes para o desenvolvimento social e econômico”130.
Resta frisar que os instrumentos de flexibilidade da execução orçamentária são necessários, vez que a LOA é elaborada com base em previsões e, portanto, é adequado que sua execução seja dotada de flexibilidade.
Contudo, o uso cada vez mais intenso desses instrumentos também está
distanciando o orçamento aprovado pelo Poder Legislativo daquele efetivamente cumprido pelo Poder Executivo, tornando excessiva a discricionariedade exercida ao longo da execução orçamentária e mitigando a credibilidade da lei orçamentária, que passa a se aproximar de uma ‘peça de ficção’.131
Esse cenário também gera distorções no planejamento exigido pelo ordenamento jurídico e construído nas previsões das leis que compõem o sistema orçamentário e um desequilíbrio na repartição de competências entre os Poderes em matéria de orçamentos públicos.
128 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., pp. 130 – 131.
129 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Hora é de “apertar o cinto” e contingenciar gastos. In: . Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, pp. 154 – 155.
130 Ibidem, p. 155.
131 Idem. Orçamento não pode mais ser uma peça de ficção. In: . Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016, p. 115.
2.4.2.3. Natureza jurídica do orçamento público
É nesse contexto de crescimento da utilização dos instrumentos de flexibilização da execução orçamentária que se insere atualmente a discussão acerca da natureza da LOA.
A posição tradicional sustenta que a LOA teria natureza de lei formal, sendo materialmente um ato político-administrativo, por faltar-lhe características de generalidade e abstração e não conter nenhuma regra jurídica, de ordem ou de proibição. Nesse sentido, a LOA constituiria mera autorização parlamentar para a execução das despesas por meio da prática de atos administrativos,132 o que embasa a concepção de um orçamento autorizativo.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx defende a distinção entre lei formal e material no âmbito orçamentário, considerando que essa dicotomia “visa retirar da lei ânua qualquer conotação material relativamente à constituição de direitos subjetivos para terceiros, sem implicar perda de sua função de controle negativo do Executivo”133. Também defensor do caráter autorizativo do orçamento público, Xxxxxxx Xxxxxxxx sustenta que a impositividade da LOA prejudicaria o planejamento, pois retiraria a faculdade do administrador de agir e alterar o orçamento diante de
necessidades conjunturais.134
Argumento similar é levantado por Xxxxxxxx Xxxxx, para quem
a total imperatividade da lei orçamentária poderia ocasionar efeitos devastadores, porquanto engessaria a política econômica, marcadamente no âmbito fiscal, impondo metas e programas inexequíveis, pelo menos sob as perspectivas de então.135
Essa tese também foi historicamente adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que não admitia o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias por considerá-las leis de efeitos concretos. Contudo, a Corte, em decisões mais recentes, já tem alterado o posicionamento para reconhecer contornos abstratos
132 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito..., p. 94.
133 Ibidem, p. 96.
134 KANAYAMA. Xxxxxxx Xxxx. A ineficiência do orçamento público impositivo. In: Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 7, n. 28, p. 127 – 144, out./ dez. 2009, pp. 141 – 143.
135 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Finanças públicas, economia e legitimação: alguns argumentos em defesa do orçamento autorizativo. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 64, p. 80 – 98, 2009, p. 88.
em determinados dispositivos das leis orçamentárias e a possibilidade de serem objeto de controle de constitucionalidade.136
Não obstante as críticas, a doutrina jurídica brasileira contemporânea majoritária tem adotado a concepção da LOA como lei material, constituindo um orçamento impositivo, seja na defesa de que o texto constitucional já permite essa interpretação, seja na defesa de que sua adoção, mediante alteração legislativa ou constitucional, seria salutar.137
Assim, as dotações orçamentárias presentes na LOA não seriam simples autorizações para a execução das respectivas despesas, mas constituiriam a obrigação dessa execução.138 - 139
Na definição de Xxxxxxx Xxxxxx, para quem, o ordenamento jurídico brasileiro ainda consagra o orçamento autorizativo,
o orçamento impositivo obriga o Executivo a esgotar verbas das dotações orçamentárias como aprovadas originariamente, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição. Confere maior seriedade na elaboração e execução do orçamento, bem como permite melhor desempenho dos órgãos destinados a fiscalizar e controlar a execução orçamentária.140
Outros autores defendem que a Constituição Federal já adotou o orçamento impositivo e assim deveria ser interpretada. Para Xxxxx Xxxxxx as referências legislativas à “autorização” de despesas significam que o Poder
136 Cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Orçamento não pode mais ser uma peça de ficção..., pp. 118 – 119. 137 Muitos autores, contudo, fazem a observação de que o orçamento impositivo, para funcionar de forma benéfica, teria de ser acompanhado de outras medidas orçamentárias, como a redução das vinculações e a revisão de programas orçamentários, entre outras. Sobre a questão, cf. BLIACHERIENE, Xxx Xxxxx. Orçamento Impositivo à Brasileira..., pp. 59 – 60 e XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., pp. 142 – 143.
138 Há, ainda, um posicionamento intermediário, capitaneado por Xxxx Xxxxxx, que considera a lei orçamentária sui generis, com natureza de ato administrativo em relação às despesas e de lei material em relação às receitas, contudo, essa visão não tem tido adeptos na doutrina brasileira contemporânea, notadamente em razão da dispensa de previsão de tributos na LOA para a sua cobrança. Sobre o assunto, cf. XXXXXX, Xxxxxxx. Direito financeiro e tributário. 18ª ed. São Paulo: Atlas: 2009, p. 75 e XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito..., pp. 98 – 99.
139 Existem diversos “modelos” de orçamento impositivo, tanto nas sugestões realizadas pela doutrina, quanto nas PECs que tramitam no Congresso Nacional e se relacionam ao assunto, entretanto, o denominador comum parece ser a noção de obrigatoriedade de cumprimento da LOA, variando em grau sobre a possibilidade de alteração da programação orçamentária e nos procedimentos para essa alteração. Sobre o assunto, cf. BLIACHERIENE, Xxx Xxxxx. Op. cit., pp. 59 – 61 e XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., pp. 137 – 139.
140 XXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 107.
Executivo só pode executar as despesas autorizadas pelo Poder Legislativo, não que ele estaria autorizado a gastar, podendo não fazê-lo. Ou seja, a “autorização” não traduz um sentido de facultatividade.141
Ou seja, o orçamento impositivo potencializa a participação do Poder Legislativo na execução orçamentária na medida em que obriga a execução das despesas aprovadas na LOA e, reconhecendo essa obrigação, passa a inserir o Poder Legislativo também na decisão de não gastar.
Para Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, o orçamento público é elaborado em função de objetivos e metas a serem atingidos e projetos e programas que compõem um conjunto de planejamento governamental e sua alteração só seria aceitável em caso de impossibilidade do seu fiel cumprimento e cabimento da abertura de créditos adicionais nas hipóteses legais.142
Nesse sentido, o autor afirma que, “[e]m síntese, não faz sentido algum o delineamento de todo um sistema orçamentário calcado no planejamento e na afirmação do direito à transparência da gestão fiscal, se as dotações orçamentárias não tiverem caráter impositivo”143.
Além do respeito ao planejamento e à sua concretização, o orçamento impositivo sinaliza deferência à autorização legislativa, vez que, como aponta Xxxxxx Xxxxxxxxxxxxx, a não execução da despesa pública, “seja por incompetência, seja por opção política de não realizar o gasto, gera uma deslegitimação da participação legislativa nesse processo de escolhas do que gastar”144.
É por isso que se verifica a afirmação de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx de que, embora a ideia do orçamento impositivo seja um avanço institucional, “sua efetiva adoção pressupõe a mudança na cultura política nacional (sobretudo no relacionamento entre os Poderes Executivo e Legislativo)”145.
Ou seja, considerando que a concepção de orçamento autorizativo permite uma maior discricionariedade do Poder Executivo, em desprestígio da autorização
141 MARÇAL, Xxxxx Xxxx. Por uma releitura do conceito de orçamento autorizativo no Brasil. In: BDA
– Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 263 – 272, mar. 2015, p. 267.
142 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Orçamento impositivo. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 325 – 327.
143 Ibidem, p. 326.
144 XXXXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Orçamento e a efetivação de direitos sociais. In:
Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, n. 19, set./ nov. 2009, p. 2.
145 XXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Desafios para adoção do orçamento impositivo. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 61/62, p. 77 – 95, jan./ dez. 2005, p. 94.
legislativa às dotações orçamentárias constantes da LOA, a instituição do orçamento impositivo passaria por uma atuação mais marcante do Poder Legislativo, tanto com uma alteração constitucional ou legislativa expressa, quanto com a limitação do uso dos instrumentos de flexibilidade orçamentária.
A questão remete à EC nº 86/15, que, à época de sua tramitação, ficou conhecida como “PEC do Orçamento Impositivo”, embora logo tenha sido constatado que a referida alteração constitucional não impõe, de fato, um orçamento impositivo e atribui o caráter de impositividade apenas às dotações orçamentárias fruto de emendas parlamentares.
Os novos parágrafos do artigo 166, da Constituição Federal146, tornam obrigatória a execução orçamentária e financeira dessas dotações, exceto em caso
146 Constituição Federal. “Art. 166. [...] § 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
§ 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais.
§ 11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações a que se refere o § 9º deste artigo, em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no § 9º do art. 165.
§ 12. As programações orçamentárias previstas no § 9º deste artigo não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos de ordem técnica.
§ 13. Quando a transferência obrigatória da União, para a execução da programação prevista no
§11 deste artigo, for destinada a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, independerá da adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de cálculo da receita corrente líquida para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal de que trata o caput do art. 169.
§ 14. No caso de impedimento de ordem técnica, no empenho de despesa que integre a programação, na forma do § 11 deste artigo, serão adotadas as seguintes medidas:
I - até 120 (cento e vinte) dias após a publicação da lei orçamentária, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública enviarão ao Poder Legislativo as justificativas do impedimento;
II - até 30 (trinta) dias após o término do prazo previsto no inciso I, o Poder Legislativo indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável;
III - até 30 de setembro ou até 30 (trinta) dias após o prazo previsto no inciso II, o Poder Executivo encaminhará projeto de lei sobre o remanejamento da programação cujo impedimento seja insuperável;
IV - se, até 20 de novembro ou até 30 (trinta) dias após o término do prazo previsto no inciso III, o Congresso Nacional não deliberar sobre o projeto, o remanejamento será implementado por ato do Poder Executivo, nos termos previstos na lei orçamentária.
§ 15. Após o prazo previsto no inciso IV do § 14, as programações orçamentárias previstas no § 11 não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos justificados na notificação prevista no inciso I do § 14.
§ 16. Os restos a pagar poderão ser considerados para fins de cumprimento da execução financeira prevista no § 11 deste artigo, até o limite de 0,6% (seis décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.
§ 17. Se for verificado que a reestimativa da receita e da despesa poderá resultar no não cumprimento da meta de resultado fiscal estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias, o montante
de “impedimentos de ordem técnica”, para os quais há o detalhamento de um procedimento, com manifestação do Poder Legislativo, a legitimar eventual remanejamento de recursos.
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx, “[p]ode-se dizer que essa emenda conferiu maior estabilidade à execução das emendas parlamentares, por meio da procedimentalização da forma de liberação de recursos”147.
Com isso, a “liberação” de emendas parlamentares, ou seja, a execução, pelo Poder Executivo, de despesas públicas correspondentes a dotações orçamentárias inseridas na LOA por meio de emendas parlamentares em troca de apoio e votos de parlamentares a projetos de interesse do governo,148 perdeu força, embora mecanismos de flexibilização da execução orçamentária ainda possam ser usados como instrumentos de barganha política.
Entretanto, essa emenda constitucional também significou a perda de um momento para demonstrar preocupação com a qualidade da gestão orçamentária e reforçar as prerrogativas parlamentares e a participação do Poder Legislativo no ciclo orçamentário, tendo prevalecido o foco na destinação de recursos a circunscrições eleitorais.149
Nesse sentido,
restringir o orçamento impositivo à questão das emendas na forma como elas estão configuradas não contribui para contornar uma dificuldade considerável do processo orçamentário brasileiro, que é a focalização dos debates parlamentares quase que exclusivamente em projetos de específico interesse local, e não em questões estruturantes de interesse nacional.150
Esse diagnóstico revela ponto crucial sobre a participação do Poder Legislativo em todo o ciclo orçamentário, que será aprofundado no próximo tópico.
previsto no § 11 deste artigo poderá ser reduzido em até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das despesas discricionárias.
§ 18. Considera-se equitativa a execução das programações de caráter obrigatório que atenda de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria.
147 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., p. 139.
148 XXXXXXXXX, Xxxxx. Orçamento Público..., p. 307.
149 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 140.
150 Ibidem, p. 140.
2.4.3. Controle da lei orçamentária
O orçamento público surgiu como um instrumento de controle e, com o seu aprimoramento e o acúmulo de novas funções, passou a ser também um objeto de controle.
Nesse movimento, o foco do controle orçamentário passou da fase de elaboração do orçamento público para a sua execução.151 É por isso que a etapa de controle do ciclo orçamentário está intrinsecamente ligada à própria execução orçamentária e as duas atividades se apresentam como concomitantes e complementares.
De uma forma geral, o controle pode ser interno, “quando a entidade controlada está incluída na estrutura organizacional de Poder da entidade controladora” ou externo, quando o controlador “não integra a estrutura administrativa submetida a controle”152.
No âmbito orçamentário, o controle interno destaca-se em razão do artigo 74, da Constituição Federal153, ao prever sua finalidade de avaliação do cumprimento das metas previstas no PPA e a execução dos programas de governo e dos orçamentos públicos. No mais, o controle interno tem diversas atribuições concomitantes ao controle externo, que serão vistas a seguir.
Já o controle externo da Administração Pública é exercido pelo Poder Legislativo, pelos Tribunais de Contas, pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público.
151 XXXXXXXXX, Xxxxx. Orçamento Público..., p. 358.
152 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXX, Emerson Cesar da Silva. MOURÃO, Licurgo. Fiscalização Financeira e Orçamentária. In: XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de et al (coord.). Lições de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 120.
153 Constituição Federal. “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional”.
Até mesmo pela construção histórica dos orçamentos públicos, no desenho constitucional do ciclo orçamentário, o Poder Legislativo aparece como o principal responsável pela atividade de controle do orçamento público.
Isso se dá pelas suas atribuições constitucionais de acompanhamento dos instrumentos de flexibilização da execução orçamentária, estudadas no tópico anterior, e pela menção expressa do artigo 70, da Constituição Federal154, que atribui o exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta ao Congresso Nacional, no âmbito federal de controle externo, e aos órgãos de controle interno de cada Poder.
Sobre o assunto, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx aponta que os conceitos de controle e de fiscalização são coincidentes, mas também extrapolam um ao outro. A fiscalização financeira se concentra no final do ciclo orçamentário e vai além do controle na medida em que também engloba a atividade genérica de fiscalização e controle do Executivo. Já o controle, ao mesmo tempo em que se insere na fiscalização financeira, também a transborda, pois está presente em todas as fases do ciclo orçamentário, inclusive a sua elaboração e aprovação.155
Em sentido similar, Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx aponta que a apreciação, discussão e votação dos projetos de leis orçamentárias pelo Poder Legislativo, em sentido amplo, pode ser considerada uma forma de controle:
[t]rata-se, assim, de uma espécie de controle intimamente relacionado à função principal do parlamento, consistente na elaboração de normas jurídicas. Pode-se afirmar também estarmos diante de um controle prévio exercido sobre a formulação de políticas públicas pelo Poder Executivo, controle este incidente não apenas sobre a verificação da observância dos requisitos constitucionais e legais atinentes à gestão fiscal, financeira e orçamentária, mas também sobre o próprio planejamento das
154 Constituição Federal. “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”. 155 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito..., pp. 460 – 461.
receitas e despesas previstas, interferindo na definição de metas e prioridades da administração pública.156
Esse controle externo do Congresso Nacional é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União,157 que tem suas atribuições detalhadas no artigo 71, e, em especial, pela CMO, diante da atribuição do artigo 72, da Constituição Federal158, que lhe permite a solicitação de esclarecimentos à autoridade governamental e, em último caso, até mesmo a sustação de despesas não autorizadas.
No nível infralegal destaca-se a Lei nº 4.320/64, segundo a qual o controle da execução orçamentária compreende: i) a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações; ii) a fidelidade funcional dos agentes da administração, responsáveis por bens e valores públicos; e iii) o cumprimento do programa de trabalho expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços.159
156 DALLAVERDE, Xxxxxxxxxx Xxxxx. A atuação parlamentar no exercício do controle financeiro e orçamentário. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1249.
157 No âmbito do controle externo financeiro e orçamentário, Poder Legislativo e Tribunal de Contas possuem competências que demandam atuação conjunta ou de forma separada, a depender do caso (Ibidem, pp. 1237 – 1238).
158 Constituição Federal. “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; [...]
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; [...]
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; [...]
Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º, diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários.
§ 1º Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias.
§ 2º Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional sua sustação”. 159 Lei nº 4.320/64. “Art. 75. O contrôle da execução orçamentária compreenderá:
Especificamente quanto ao controle externo exercido pelo Poder Legislativo, o diploma especifica que “terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento [LOA]”160.
Também merece menção a LRF, que atribui ao Poder Legislativo, diretamente ou com auxílio dos Tribunais de Contas, e ao controle interno de cada Poder, a fiscalização do cumprimento da própria lei e, em especial de questões como o atingimento de metas da LDO e a observância dos limites e condições para a realização de operações de crédito, inscrições em restos a pagar, despesas com pessoal e dívida.161
Vale colocar que, não obstante sua posição de destaque na função de controle orçamentário, o Poder Legislativo tem exercido essa função de forma insuficiente.162
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx,
a atuação política parlamentar tende a ignorar as questões públicas gerais de planejamento e políticas públicas, atendo-se à aprovação de emendas que lhe tragam as vantagens político-eleitorais que a discussão abstrata sobre programas de governo e condições macroestruturais do país dificilmente traria.163
I - a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações;
II - a fidelidade funcional dos agentes da administração, responsáveis por bens e valores públicos; III - o cumprimento do programa de trabalho expresso em têrmos monetários e em têrmos de realização de obras e prestação de serviços”.
160 Lei nº 4.320/64. “Art. 81. O contrôle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal emprêgo dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento”.
161 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que se refere a:
I - atingimento das metas estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias;
II - limites e condições para realização de operações de crédito e inscrição em Restos a Pagar;
III - medidas adotadas para o retorno da despesa total com pessoal ao respectivo limite, nos termos dos arts. 22 e 23;
IV - providências tomadas, conforme o disposto no art. 31, para recondução dos montantes das dívidas consolidada e mobiliária aos respectivos limites;
V - destinação de recursos obtidos com a alienação de ativos, tendo em vista as restrições constitucionais e as desta Lei Complementar;
VI - cumprimento do limite de gastos totais dos legislativos municipais, quando houver”.
162 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A execução do orçamento público..., p. 124.
163 Ibidem, p. 126.
Registra-se, contudo, que esse aspecto não se restringe ao Brasil. Diagnóstico similar é feito por Xxxxxxxx Xxxxx em relação ao Poder Legislativo francês, para quem os parlamentares franceses preferem defender seus interesses locais a se preocupar com o interesse geral e demonstram uma falta de vontade de exercer o controle orçamentário, o que o autor atribui a uma tradição construída em períodos de menor abrangência constitucional e legal dessa competência parlamentar.164
Considerando o apresentado até o momento, entende-se que a preocupação com o interesse local, concretizado nas emendas parlamentares, não é, a priori, negativo, vez que contribui para uma maior democratização na alocação de recursos públicos, contudo, produz o efeito contrário quando os parlamentares limitam a ele a sua atuação no âmbito orçamentário, ausentando-se de efetivamente agir em relação à grande maioria das dotações orçamentárias.
Por essa razão, Xxxxxxxx Xxxxx alerta que a afirmação dos poderes orçamentários e financeiros do Parlamento passa pelo reforço da eficácia do controle parlamentar.165
Ainda, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx coloca a necessidade de esforços para
criar mecanismos mais eficientes do Poder Legislativo no processo orçamentário, bem como de controle da atividade de execução orçamentária pelo Poder Executivo, a fim de que o orçamento público cumpra seu papel de lei, que, de fato, represente as escolhas da população sobre a aplicação dos recursos públicos e sejam estas cumpridas tal como aprovadas.166
Por fim, é necessário considerar o controle exercido pelo Poder Judiciário. A carga significativamente política das leis orçamentárias e a interpretação de que o orçamento público não é lei em sentido material têm afastado o Poder Judiciário de uma posição de destaque no exercício dessa atividade. Contudo, a crescente atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas e a sinalização, pelo
164 BAUDU, Aurélien. L’incertaine renaissance parlementaire em matière budgétaire et financière. In: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et à L’Étranger, Paris, n. 5, p. 1423 – 1450, sept./ oct. 2010, pp. 1442 – 1443.
165 Ibidem, p. 1424.
166 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Emendas ao orçamento e o desequilíbrio de poderes..., p. 148.
STF, de uma alteração na interpretação da natureza jurídica das leis orçamentárias, indicam que essa forma de controle pode ganhar espaço.
Para Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, a “judicialização dos orçamentos” se apresenta como o próximo passo da judicialização de políticas públicas e uma potencial solução para dar efetividade às políticas públicas para além das ações judiciais individuais.167
Assim, o controle judicial de políticas públicas não encerraria o seu ciclo, mas, constatando falhas no planejamento estatal, o retroalimentaria, permitindo sua correção com a objetivação de uma universalização progressiva e propagação da resposta judicial aos demais cidadãos em igual situação jurídica por meio da lei orçamentária.168
Para tanto, seria necessário estabelecer a premissa de que os orçamentos públicos têm natureza jurídica de lei material, cabendo ao Poder Judiciário tanto o controle de legalidade de atos administrativos, em especial os de execução orçamentária, em face das leis orçamentárias, quanto o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias diretamente em face da Constituição Federal.
Não se ignora, contudo, que, à semelhança do próprio controle judicial das políticas públicas, um controle judicial dos orçamentos públicos se deparará com questões como a ausência de legitimidade democrática do Poder Judiciário e a reserva do possível e, em função delas, terá que calibrar-se.
Nota-se uma demanda da doutrina jurídica por uma maior efetividade do exercício do controle, seja o realizado pelo Poder Legislativo, seja nas possibilidades de um controle orçamentário realizado pelo Poder Judiciário.
Essa demanda parece ser resposta à percepção de uma predominância do Poder Executivo no ciclo orçamentário.169 Essa predominância tem por causa as competências que lhe foram atribuídas pelo próprio ordenamento jurídico, como a elaboração dos projetos de leis orçamentárias e a atividade de execução orçamentária, e também a omissão dos outros poderes, em especial a pouca
167 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Controle judicial do ciclo orçamentário: um desafio em aberto. In:
Interesse Público, Belo Horizonte, ano 17, n. 90, p. 199 – 226, mar./ abr. 2015, p. 199.
168 Idem. Judicializar o orçamento aprimorará as políticas públicas. In: Consultor Jurídico, 20 jan. 2014.
169 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Orçamento e planejamento: tensões entre poderes. In: Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, p. 31 – 58, set. 2014/ fev. 2015, p. 58.
participação do Poder Legislativo na elaboração das leis orçamentárias e no acompanhamento da execução orçamentária.
Para Xxx Xxxxx Xxxxxxxxxxxx, “[o] conflito entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo na seara orçamentária é gerado por excessos e desvirtuamento cometidos por ambos os Poderes”170.
Desse cenário, os resultados são a falta de preocupação com a formulação do planejamento por meio das leis orçamentárias, o seu descumprimento e uma flexibilidade da execução orçamentária exacerbada, fatores com reflexos diretos sobre a anualidade orçamentária, como será explorado a seguir.
170 BLIACHERIENE, Xxx Xxxxx. Orçamento Impositivo à Brasileira..., p. 69.
3. ANUALIDADE E PLURIANUALIDADE ORÇAMENTÁRIA171
3.1. Anualidade orçamentária
A anualidade orçamentária determina que o orçamento público seja elaborado e aprovado anualmente, contendo a previsão das receitas que serão arrecadadas e das despesas que serão executadas no período de um ano, o exercício financeiro.
Dessa forma, a anualidade orçamentária está relacionada aos dois elementos essenciais do orçamento público: a limitação no tempo e a autorização legislativa. Ao determinar a periodicidade com a qual o orçamento público deve ser elaborado, aprovado e executado, a anualidade orçamentária concretiza sua limitação no tempo e torna efetiva a autorização legislativa, ao exigir que esta seja constantemente renovada.
Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx-Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx-Xxxxxx Xxxxxxx fazem referência a uma dupla dimensão da anualidade orçamentária, pois determina a duração da autorização orçamentária e da execução do próprio orçamento.172
Xxxxxxx Xxxxxx xxxxxx que é com a anualidade orçamentária que os representantes parlamentares nacionais ou locais exercem suas competências em matéria de autorização orçamentária, mas também de controle e avaliação das finanças públicas.173
Ainda, a anualidade orçamentária é a concretização da natureza temporária da lei orçamentária, uma de suas características peculiares em relação às demais leis.174 - 175
No ordenamento jurídico brasileiro, a anualidade orçamentária é referida como princípio no artigo 2º, da Lei nº 4.320/64, que prescreve que “[a] Lei do
171 Parte das considerações desta seção são fruto de um desenvolvimento mais aprofundado de trabalho de Xxxx xx Xxxxxx intitulado Anualidade orçamentária e planejamento da Administração Pública, apresentado pela autora para obtenção do título de graduada em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no ano de 2014.
172 XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx-Xxxxxxxxx; e XXXXXXX, Xxxx-Xxxxxx. Finances Publiques. 12ème ed. Paris: LGDJ, 2013, p. 284.
173 XXXXXX, Xxxxxxx. Les principes budgétaires et comptables publics. Paris: LGDJ, 2009, p. 83.
174 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Orçamento impositivo..., p. 157.
175 Cabe observar que as leis orçamentárias não são as únicas leis de natureza temporária no ordenamento jurídico. Existem outras leis temporárias – que tem seu prazo de vigência pré- estabelecido – e, ainda, as leis excepcionais – que regulam situações específicas e transitórias e também são consideradas como leis temporárias em sentido amplo. Contudo, para as leis orçamentárias, nota-se a particularidade de que a sua natureza temporária é imposta pela própria Constituição Federal.
Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Govêrno, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade”.
Já no nível constitucional, a anualidade não é referida nominalmente como princípio, mas como o próprio prazo de vigência do orçamento, veiculado por lei orçamentária anual, conforme se extrai do artigo 165, III, da Constituição Federal, segundo o qual “[l]eis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: [...] os orçamentos anuais”, e do parágrafo 5º desse mesmo artigo que prevê que a “lei orçamentária anual” compreenderá o orçamento fiscal, o orçamento de investimentos e o orçamento da seguridade social.
A doutrina jurídica brasileira elenca, de forma recorrente, a anualidade como um dos princípios que orientam os orçamentos públicos,176 embora as considerações sobre o tema sejam diversas entre os autores.
Xxxxxxxxx Xxxx’Xxxx x Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx remetem o surgimento da anualidade orçamentária à anualidade tributária, segundo a qual a autorização legislativa para a cobrança de tributos deveria ser renovada anualmente.177
Considerando essa origem e o fundamento para a existência da anualidade orçamentária, ou seja, a necessidade de autorização legislativa periódica para a cobrança de tributos e, posteriormente, para a realização de despesas públicas, diversos autores178 tratam a anualidade orçamentária como a periodicidade historicamente consagrada de modo anual.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx destaca que a anualidade orçamentária tem importância política, financeira e econômica. Do ponto de vista político, a
176 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução à Ciência das Finanças..., pp. 419 – 420; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 9ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Xxxxx Xxxxxx Editor, 2002, pp. 46 – 47; XXXXXX, Xxxxxxx de. Direito financeiro e orçamentário. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 57 – 58; XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Orçamento público..., p. 74; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. O orçamento a partir de seus princípios..., pp. 87 – 90; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx. Reflexão sobre o conflito entre princípios orçamentários. Interesse Público. Belo Horizonte, ano 12, n. 63, p. 95 – 102, set./ out. 2010; XXXXXX, Xxxxxxx. Direito financeiro e tributário..., pp. 67 – 68; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Curso de Direito Financeiro..., pp. 363 – 364; XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. Orçamento-programa..., pp. 132 – 134; XXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxx’Xxxx e. Os princípios orçamentários. Rio de Janeiro: Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, 1962, pp. 34 – 39; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito constitucional financeiro: teoria da Constituição Financeira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 375 – 376; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito..., pp. 329 – 330.
177 XXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxx’Xxxx e. Op. cit., pp. 34 – 36 e XXXXXXXXX, Xxxxx. Op. cit., pp. 73 – 74.
178 Cf. CARVALHO, José Augusto Moreira de. Op. cit., p. 87; XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. Op. cit., pp. 132 – 133; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Op. cit., p. 364; XXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 67; XXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxx’Xxxx e. Op. cit., p. 34.
periodicidade permite a intervenção do Congresso Nacional na atividade financeira do Estado, o que é relevante tanto pela sua função de controle, quanto por configurar uma limitação ao Poder Executivo, se tornando um elemento democrático. Já do ponto de vista financeiro, a periodicidade permite marcar o período durante o qual são contabilizadas as receitas arrecadadas e estabelecidas as despesas autorizadas, visando uma execução orçamentária adequada e com os respectivos balanços e controles de resultados. Por fim, do ponto de vista econômico, a importância da periodicidade reside no fim de prever as flutuações cíclicas dos processos econômicos e adequar o orçamento público a essas variações, o que evidencia uma relação com a função de planejamento do orçamento público.179
O autor reconhece que a adoção da periodicidade anual se justifica pela conveniência do ponto de vista político e financeiro, o que levou à consagração da periodicidade como a própria anualidade. Um período mais longo prejudicaria a aprovação e o controle político, com maior discricionariedade do Poder Executivo na elaboração e na execução orçamentária e, por outro lado, um período mais curto seria insuficiente para arrecadar os tributos, contabilizar as receitas e executar as despesas.180
A consideração da anualidade como elemento para o exercício do controle político também é feita por Xxxxxxx Xxxxxxxx, segundo o qual “[t]odos eles [os princípios orçamentários], em sua essência, visam a resguardar a função política do orçamento como plano de governo que o Legislativo aprova para fiel execução pelo Executivo”181.
Para Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx,
[o] princípio da anualidade orçamentária sinaliza no sentido de que o Legislativo deve exercer o controle político sobre o Executivo pela renovação anual da permissão para a cobrança dos tributos e a realização dos gastos, sendo inconcebível a perpetuidade ou a permanência da autorização para a gestão financeira.182
Para Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx,
179 XXXXX, Xxxx Xxxxxx da. Orçamento-programa..., pp. 132 – 133.
180 Ibidem, pp. 133 – 134.
181 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução à Ciência das Finanças..., p. 420.
182 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Tratado de Direito..., p. 329.
[a] separação entre quais são os recursos provenientes do exercício orçamentário que se finda e os recursos que integram o exercício orçamentário que se inicia é fundamental para que seja possível o processo de fiscalização da atividade financeira da Administração Pública, e que interessa não só àquele que fiscaliza como também àquele beneficiário de crédito constituído e reservado orçamentariamente em um determinado período de tempo.183
Por outro lado, alguns autores focam na importância financeira da anualidade orçamentária ao abordarem a temática. Segundo Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx,
[a] anualidade prescreve que a dinâmica orçamentária deve ser cíclica em um ano, com gastos e arrecadação com começo e término dentro desse período contábil. Tal sistemática serve para facilitar o planejamento e a execução orçamentária, o que seria bem mais complicado se tivesse um prazo muito longo (cinco anos, por exemplo) ou muito curto.184
Outros elementos relacionados, pela doutrina jurídica brasileira, à anualidade orçamentária são a segurança jurídica e a possibilidade de revisão do orçamento.
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx nota que a anualidade orçamentária está ligada ao princípio da segurança jurídica pois estabelece limites temporais ao poder de intervenção do Estado.185
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx destaca a importância da anualidade pois ela permite definir no tempo os efeitos do orçamento e gera a necessidade de elaboração do orçamento de forma antecipada à realização dos gastos públicos.186
183 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx. Princípio da anualidade orçamentária aplicado ao prazo dos contratos administrativos regidos pela Lei 8.666/93. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 17, n. 87, p. 11 – 65, jul./ ago. 2009, p. 44.
184 XXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx.
Orçamento público..., p. 74.
185 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Financeiro e Tributário..., p. 47.
186 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito constitucional financeiro..., p. 375.
Já Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxxx xx Xxxxxx observam que esse princípio pressupõe uma revisão periódica do conteúdo da lei orçamentária, permitindo seu ajuste às mudanças sociais e econômicas.187
Por fim, cabe colocar que diversos autores tratam, ao lado da anualidade orçamentária, de uma plurianualidade orçamentária, por vezes chamada de princípio e geralmente relacionada à previsão constitucional do PPA e à necessidade de planejamento, questões que serão abordadas posteriormente nesse trabalho.
3.2. Exercício financeiro
Exercício financeiro é o período definido para a contabilização das receitas arrecadadas e despesas realizadas. Em razão da adoção da anualidade orçamentária, o exercício financeiro no Brasil tem a duração de um ano.
A Constituição Federal remete à lei complementar dispor sobre o exercício financeiro.188 Na ausência dessa lei complementar, o assunto é regulado pelo artigo 34, da Lei nº 4.320/64189, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar e determina que o exercício financeiro coincidirá com o ano civil (1º de janeiro a 31 de dezembro).
Muitos países adotam a anualidade orçamentária, contudo, nem sempre o exercício financeiro coincide com o ano civil, a exemplo dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Japão. Além do Brasil, países como França e Argentina, dentre outros, adotam a coincidência entre o exercício financeiro e o ano civil.190
3.3. Regimes de receitas e despesas
O regime contábil de receitas ou despesas determina a forma pela a qual essas serão contabilizadas. O ordenamento jurídico brasileiro adotou um regime
187 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. O orçamento a partir de seus princípios..., p. 87 e XXXXXX, Dejalma de. Direito financeiro e orçamentário..., pp. 57 – 58.
188 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 9º Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual”.
189 Lei nº 4.320/64. “Art. 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil”.
190 Cf. CARVALHO, André de Castro; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SILVEIRA, Xxxxxxxxx Xxxxx. Orçamento público..., p. 74; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. Op. cit., p. 88; XXXXXXXXX, Xxxxx. Orçamento Público..., p. 74; XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. Orçamento-programa..., pp. 134 – 135.
misto, que determina o regime de caixa para as receitas e o regime de competência para as despesas públicas.191
Isso significa que as receitas são “registradas levando-se em consideração o momento de entrada do numerário no caixa da entidade”192, ou seja, as receitas são contabilizadas no exercício financeiro em que foram efetivamente arrecadadas. Já as despesas são “imputadas ao correspondente período de apuração”193, ou seja, ao exercício financeiro em que são empenhadas, ainda que
o pagamento efetivo seja realizado em momento posterior.
3.4. Despesas plurianuais
Em sentido estrito, despesas plurianuais seriam aquelas que se prolongam por mais de um exercício financeiro. Ainda, existem despesas que, apesar de terem duração inferior a um ano, extrapolam o limite de um exercício financeiro, gerando consequências em face da anualidade orçamentária e compondo, em um sentido amplo, o que se considera por despesas plurianuais.
Sobre as despesas plurianuais em sentido amplo, o artigo 167, parágrafo 1º, da Constituição Federal estabelece que “[n]enhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade”.
A Lei de Responsabilidade Fiscal traz previsão no mesmo sentido, vedando que a LOA consigne dotação orçamentária para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no PPA ou em lei que autorize a sua inclusão.194
191 Lei nº 4.320/64. “Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro:
I - as receitas nêle arrecadadas;
II - as despesas nêle legalmente empenhadas”.
192 XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. O regime de execução da despesa orçamentária. In: Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, ano 7, n. 84, p. 45 – 47, dez. 2008, p. 45.
193 Ibidem, p. 45.
194 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 5º [...] § 5º A lei orçamentária não consignará dotação para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, conforme disposto no § 1º do art. 167 da Constituição”.
Considerando que o PPA não tem força executória, essas despesas plurianuais, ainda que estejam previstas nessa lei orçamentária, dependem de inclusão em sucessivas LOAs para serem autorizadas e executadas.
Essa situação demonstra um ponto de conflito do sistema orçamentário brasileiro, como evidenciam Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
a cada ano o Congresso Nacional aprova uma dotação orçamentária correspondente a uma fração do necessário para concluir um projeto de execução plurianual, procedimento que precisa ser repetido até o término de sua execução.195
Os autores ainda relatam que essa é uma das causas para a ocorrência de obras inacabadas, pois as frações anuais das despesas dos projetos podem não ser inclusas na LOA, deixando-os sem os recursos necessários para a sua conclusão. Em diversos países, essa autorização legislativa é dada uma única vez, considerando-se o valor total do projeto – e não a cada fração anual –, de modo que a autorização para inclusão da fração da despesa nos anos subsequentes seja dispensada ou se torne quase automática. No Brasil, segundo os autores, seria necessária uma emenda constitucional para lidar com a questão, tendo em vista a previsão constitucional dos orçamentos anuais.196
Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx levanta outro ponto relacionado com a questão:
com as recentes transformações qualitativas e quantitativas das funções e responsabilidades do Estado, a flexibilização da anualidade orçamentária se mostrou mais atraente quando programações de longo prazo passaram a demandar garantias de financiamento seguro dos empreendimentos dessa natureza, deslindo, em consequência, tais programações da sujeição aos azares de uma concessão anual pelo Parlamento dos recursos correspondentes. Resumindo, o longo prazo na execução de determinadas programações tornou-se imperativo à administração pública como requisito essencial para o Estado exercer com
195 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A Lei 4.320 e a responsabilidade orçamentária. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; SCAFF, Xxxxxxxx Xxxxxx (coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 501.
196 Ibidem, p. 501.
eficiência e segurança suas hodiernas funções e responsabilidades.197
Essas considerações serão melhor exploradas mais adiante.
Tendo em vista a relevância da situação para o escopo desse trabalho, pretende-se, nessa subseção, detalhar as disposições legislativas que fazem referências a despesas que extrapolam um exercício financeiro e representam, em alguma medida, exceções à anualidade orçamentária.198
3.4.1. Programas de duração continuada
A noção de programas de duração continuada foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1998, ao determinar que o PPA deve estabelecer as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para as despesas relativas aos programas de duração continuada.199
Para Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, essa previsão concretiza uma atuação governamental baseada no planejamento, vinculando recursos para projetos plurianuais, de modo a garantir a continuidade dessas ações estatais.200
Apesar de ser ponto essencial no conteúdo do PPA, o conceito de “programas de duração continuada” não é objeto de disposições normativas mais completas, notadamente em face da ausência de um tratamento normativo mais detalhado do PPA.201
Isto posto, cabe a observação de Xxxxxx Xxxxxxx:
197 RIBEIRO. Xxxxxxxx Xxxxx. Impactos da anualidade orçamentária na alocação de recursos públicos. 2010. 42 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Orçamentos Públicos) – Instituto Serzedello Corrêa, 2010, p.17.
198 Cabe observar que os artigos 23 a 26, da Lei nº 4.320/64, que tratavam das “previsões plurienais” e do “Quadro de Recursos e de Aplicação de Capital”, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista sua substituição pelo PPA e pela LDO. Sobre o assunto, cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (org.). Orçamentos públicos: a Lei 4.320/64 comentada. 2ª ed. atual. e rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 98 – 106.
199 Constituição Federal. “Art. 165. [...] § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”.
200 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Orçamento impositivo...pp. 313 – 314.
201 Lembra-se que o PPA, assim como a LDO, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988. Na ausência de nova lei complementar sobre orçamentos públicos, foi recepcionada a Lei nº 4.320/64 que, por ser anterior à Constituição, não traz previsões relativas ao PPA. Para agravar a situação, o artigo 3º, da LRF, que tratava do PPA, foi vetado, fazendo com que haja completa anomia legislativa infraconstitucional sobre essa lei orçamentária.
[n]a verdade, exceto os investimentos, que tem prazos de início e conclusão, boa parte das ações governamentais são continuadas, como, por exemplo, manutenção e conservação de obras, ações de natureza social. Como então colocar no plano governamental todo esse enorme contingente de despesas que têm uma natureza de se prolongarem no tempo. Sobre esse aspecto, o governo federal dá uma interpretação restritiva considerando ações de natureza continuada apenas aquelas despesas advindas de programas de natureza finalística, que correspondam a prestação de serviços à comunidade. É uma forma de tentar compreender o que quis dizer o legislador constituinte dando interpretação mais restritiva ao dispositivo.202
Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx também aponta que uma interpretação literal da previsão constitucional sobre o PPA faria com que praticamente todas as despesas, tanto correntes como de capital, constassem dessa lei orçamentária, retirando em grande parte os seus objetivos específicos e sua diferenciação perante a LOA, sugerindo o autor que o PPA deva se restringir ao planejamento estratégico.203
3.4.2. Despesas obrigatórias de caráter continuado
Apesar da semelhança no nome, as despesas obrigatórias de caráter continuado não se confundem com os programas de duração continuada.
Elas estão previstas no artigo 17, da LRF204, e consistem em despesas correntes derivadas de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que
202 XXXXXXX, Xxxxxx. Orçamento, eficiência e performance budget..., p. 704.
203 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx de. PPA versus orçamento..., pp. 679 – 681.
204 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.
§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.
§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.
§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.
fixem a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios financeiros.
Desse modo, as despesas obrigatórias de caráter continuado diferenciam- se dos programas de duração continuada por i) serem efetivamente despesas, enquanto os programas de duração continuada, como o próprio nome caracteriza, são programas aos quais são referidas despesas; ii) serem sempre despesas correntes, enquanto os programas de duração continuada podem ser referentes também a despesas de capital; iii) derivarem de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo, enquanto as despesas dos programas de duração continuada podem ter outro fundamento.
No mais, se adotada a interpretação restritiva do conceito de programas de duração continuada, acima mencionada, esses só englobam despesas de natureza finalística, enquanto as despesas obrigatórias de caráter continuado podem fazer frente à atividades-meio.
Por fim, enquanto a previsão normativa dos programas de duração continuada, ao exigir sua inclusão no PPA, parece direcionar para um objetivo de planejamento da ação estatal, as previsões da LRF a respeito das despesas obrigatórias de caráter continuado têm por objetivo mapear a sua expansão, garantir receitas para o seu custeio e minimizar seus riscos ao equilíbrio fiscal.
3.4.3. Créditos especiais e extraordinários
O artigo 167, parágrafo 2º, da Constituição Federal205, prevê que os créditos especiais e extraordinários, já tratados nesse trabalho, têm vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, contudo, prevê que, no caso do ato de autorização ser promulgado nos últimos quatro meses do exercício financeiro, esses créditos serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subsequente, sendo reabertos nos limites dos seus saldos.
§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.
§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.
§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado”.
205 Constituição Federal. “Art. 167 [...] § 2º Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subsequente”.
Esse é o caso mais marcante de exceção à anualidade orçamentária no ordenamento jurídico brasileiro, vez que permite que a autorização legislativa para determinada dotação orçamentária, relativa a créditos especiais e extraordinários, seja, de fato, transposta para o exercício financeiro seguinte e incorporada ao seu orçamento.
Apesar do caso ser notável, deve-se observar sua excepcionalidade. A medida se justifica em face da natureza de imprevisão e imprevisibilidade, respectivamente, dos créditos especiais e extraordinários, e do fato de que a proposta da LOA para o exercício financeiro subsequente deve ser enviada até quatro meses antes do final do exercício financeiro, de modo que, surgindo a necessidade desses créditos após esse marco temporal, não seria fácil ou possível incluí-los na próxima LOA.206
3.4.4. Restos a pagar
Os restos a pagar consistem nas despesas empenhadas, mas não pagas até o final do exercício financeiro.207 Como são despesas que não foram totalmente executadas dentro de um exercício financeiro, encaixam-se, pelo menos, no conceito de despesas plurianuais em sentido amplo, mas também podem ser decorrentes de despesas plurianuais em sentido estrito.
Como se tratam de despesas orçamentárias previstas para um exercício financeiro, em determinada LOA, que serão em parte executadas somente no exercício financeiro seguinte, regido já por outra LOA, os restos a pagar representam uma exceção à anualidade orçamentária.
Os restos a pagar se classificam em processados, quando são liquidados no mesmo exercício financeiro do empenho, e não processados, quando não liquidados.
206 Isso porque, de acordo com o artigo 166, parágrafo 5º, da Constituição Federal, o Presidente da República só pode propor modificação nos projetos das leis orçamentárias enquanto não iniciada a votação, na CMO, da parte do projeto sobre o qual incide a alteração: Constituição Federal. “Art. 166 [...] § 5º O Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos a que se refere este artigo enquanto não iniciada a votação, na Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta”.
207 Lei nº 4.320/64. “Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas”.
A LRF também disciplina os restos a pagar, vedando que os titulares de Poder, Tribunal de Contas ou Ministério Público assumam, nos últimos dois quadrimestres de seus mandatos, despesas que não possam ser integralmente cumpridas dentro dele, ou que tenham parcelas a serem pagas no exercício financeiro seguinte sem que haja disponibilidade de caixa suficiente.208
Esse dispositivo reconhece que os restos a pagar podem representar um risco ao equilíbrio das contas públicas e limita-os, homenageando o princípio do equilíbrio orçamentário. Contudo, cabe a crítica de Michel Haber, Xxxxxx Xxxxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx de que “a previsão deveria contemplar a análise do resultado ao final de cada período anual”209, vez que essa vedação não impede um descontrole dos restos a pagar no período do mandato anterior aos últimos dois quadrimestres.210
De fato, no início da década de 2010, observou-se um crescimento significativo das despesas inscritas em restos a pagar, chegando-se a falar na existência de um “orçamento paralelo” ao aprovado pelo Poder Legislativo para determinado exercício financeiro.211
Embora o volume dos restos a pagar tenha diminuído nos últimos anos,212 a recorrência desse expediente ainda não se mostra adequada à sua excepcionalidade jurídica, situação que está intimamente ligada aos vícios no manejo dos instrumentos de flexibilização da execução orçamentária.
O uso indiscriminado da limitação de empenho e movimentação financeira, ou seja, fora da hipótese justificadora trazida pela LRF, faz com que despesas orçamentárias fiquem “contingenciadas” pela maior parte do exercício financeiro,
208 Lei Complementar nº 101/00. “Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício”.
209 HABER, Xxxxxx; XXXXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Despesa Pública..., p. 53.
210 Sobre o assunto, ver também XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxx. As despesas públicas na virada dos exercícios financeiros. In: Revista da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 343 – 386, jan./ dez. 2013, pp. 376 – 380.
211 Cf. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. A transparência na inscrição dos restos a pagar. 2012. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Orçamentos Públicos) – Instituto Serzedello Corrêa, 2012, p. 24 e MENEZES, Dyelle. Recorde: “Orçamento paralelo” deve somar R$ 240,1 bilhões em 2014. In: Contas Abertas, 04 jan. 2014.
212 BRASIL. Ministério da Fazenda; Secretaria do Tesouro Nacional. Avaliação dos Restos a pagar
– Ano 2017. Brasília, Ministério da Fazenda, 2017, p. 5.
sendo postergadas em descumprimento da programação financeira e do cronograma de execução mensal de desembolso.
Com a aproximação do final do exercício financeiro, tais despesas são “liberadas” e tem-se início uma “corrida” para realizar o empenho, a fim de não se perder a autorização legislativa contida na LOA para essas dotações orçamentárias.213 - 214
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx também destaca o
abarrotamento no final do exercício de restos a pagar, fazendo com que a gestão de licitações e contratos/convênios seja temerária, por ter de ‘correr contra o tempo’ antes do encerramento da execução orçamentária e, por conseguinte, do exercício financeiro.215
Nesse cenário, é provável que essas despesas percam em qualidade, planejamento e eficiência por serem realizadas “às pressas” e, como não haverá tempo hábil para realizar sua liquidação e pagamento, serão acrescidas aos restos a pagar.216
Além de ser uma consequência dos contingenciamentos preventivos, a inscrição de despesas em restos a pagar é motivada por dois fatores.
Não obstante as despesas orçamentárias sejam contabilizadas pelo regime de competência, o superávit primário do governo federal é calculado pelo regime de caixa. Dessa forma, ao postergar despesas e o seu consequente pagamento, contribui-se para a formação de um (falso) resultado positivo de superávit primário e o cumprimento de metas macroeconômicas.217
Por outro lado, as despesas empenhadas, mesmo não pagas, são consideradas como recursos públicos “investidos”, em especial para áreas como
213 Como constatado por Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, em análise realizada sobre a execução orçamentária e financeira mensal federal entre os anos de 2004 e 2009, há uma grande concentração de empenhos e pagamentos no último trimestre do ano (XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. Impactos da anualidade orçamentária..., p. 31). Esse diagnóstico não é exclusivo para o Brasil. Na Inglaterra, onde o exercício financeiro se encerra em março, o fenômeno é conhecido como “March Madness” (cf. XXXXXXX, Xxxx et al. Annuality in public budget – An explatory study. London: CIMA
- The Chartered Institute Of Management Accounts, 2005, p. 5).
214 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Natal é tempo de correr com a execução orçamentária..., p. 137 – 139.
215 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Judicializar o orçamento aprimorará as políticas públicas...
216 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. Impactos da anualidade orçamentária..., p. 13.
217 HABER, Xxxxxx; XXXXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Despesa Pública..., p. 52.
saúde e educação que possuem gastos mínimos obrigatórios e geram pressões políticas, apesar da possibilidade de posterior cancelamento dessas despesas inscritas em restos a pagar.218
De todo modo, Xxxxxx Xxxxxxxx lembra que a atividade da administração pública é contínua e não é simples dividi-la em partes anuais. Por isso, assevera que:
[e]xiste – e precisa existir – uma forma de flexibilizar a despesa pública na divisa dos exercícios financeiros. Há serviços contratados, contínuos ou não, como elaboração de um parecer, a prestação de serviços de fornecimento de água, luz e telefone, nos quais não se consegue dividir o que foi efetivamente prestado até 31 de dezembro.219
O autor ressalta a importância da possibilidade de inscrição de restos a pagar não processados, para conceder maior facilidade no trato das despesas em final de exercício financeiro. Contudo, detalha que se trata de exceção, que tem sido amplamente utilizada criando, para o exercício financeiro seguinte, um “orçamento paralelo” à LOA com montantes significativos, deturpando as prioridades estabelecidas pela LDO e prejudicando o equilíbrio das finanças públicas. E conclui, Xxxxxx Xxxxxxxx, que a conta de restos a pagar deveria se prestar apenas à resíduos de caixa, próprios da adoção do regime de competência, e não a uma programação transferida.220
Em suma, os restos a pagar são instrumentos essenciais na adequação da realidade da administração pública à anualidade orçamentária, contudo, seu uso deve ser criterioso, a fim de não depreciar o equilíbrio das finanças públicas, a qualidade dos gastos públicos e, em especial, o planejamento da ação estatal.
218 HABER, Xxxxxx; XXXXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Despesa Pública..., p. 52.
219 XXXXXXXX, Xxxxxx X. Restos a pagar. Orçamento. Lei de Responsabilidade Fiscal e seu art. 42. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, ano 19, n. 97, p. 67 – 97, mar./ abr. 2011, p. 71.
220 Ibidem, pp. 71 – 73.
3.5. Plurianualidade orçamentária
Embora não seja referida como princípio pelo ordenamento jurídico ou pela doutrina brasileira majoritária, como ocorre de forma quase unânime com a anualidade orçamentária, alguns juristas já indicam a relevância da discussão acerca da plurianualidade orçamentária.
A consideração tem como ponto de partida a previsão constitucional do PPA e ganha força com o fato de que orçamento público tem se tornado cada vez mais um instrumento fundamental para o planejamento da ação governamental, com relevantes reflexos para a economia do país. Se a anualidade orçamentária já admite exceções no cotidiano da Administração Pública, isso se intensifica considerando esses fatores.
Entre os defensores da plurianualidade orçamentária, contrapondo-a à anualidade orçamentária, destaca-se Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, para quem “já não se pode tratar a anualidade como princípio”, vez que a anualidade é a própria periodicidade do orçamento e, com a previsão do PPA, já estaria superada.221 Também merece menção Xxxxxxx Xxxxxx, que chega a se referir ao PPA como “orçamento plurianual”222.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, considerando o “orçamento plurianual de investimentos”, predecessor do PPA, já afirmava que “o sistema brasileiro, que integra orçamento e planejamento, concilia ambas as exigências [controle político e planejamento], ou seja, o princípio da anualidade e o princípio da plurianualidade cíclica”223.
Outro autor que trata do tema é Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, para quem a anualidade orçamentária deve ser tratada como princípio, e não como regra, exatamente para ser sopesada e compatibilizada com o princípio da plurianualidade.224
Apesar dos posicionamentos em favor da plurianualidade apontados, especialmente o de Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, não parece possível reconhecer uma superação da anualidade orçamentária pelo ordenamento jurídico brasileiro,
221 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de. Curso de Direito Financeiro..., p. 364.
222 XXXXXX, Xxxxxxx. Direito financeiro e tributário..., p. 96.
223 XXXXX, Xxxx Xxxxxx da. Orçamento-programa..., p. 314.
224 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Reflexão sobre o conflito entre princípios orçamentários..., p. 100.
seja pela expressa previsão de orçamentos anuais, seja pela ausência de força executória do instrumento orçamentário plurianual, o PPA.
Nesse sentido, se acompanha a ideia de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, para quem a anualidade não é afastada pelo PPA “mesmo porque as previsões neste contidas somente podem ser concretizadas mediante cada orçamento anual”225.
Para uma avaliação mais completa desse aparente conflito entre anualidade e plurianualidade orçamentária, será necessário tratar da natureza jurídica daquela.
3.6. Anualidade orçamentária: princípio ou regra?
Para uma resumida distinção entre princípios e regras, recorre-se a Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, que adota o referencial teórico de Xxxxxx Xxxxx.226
Regras são normas com uma estrutura que determina a sua aplicação total, desde que aplicáveis ao caso concreto. Dessa forma, regras apresentam exceções, que fazem parte da própria regra e determinam situações nas quais elas não serão aplicadas. Já princípios funcionam como “mandamentos de otimização”, a serem aplicados em maior ou menor grau em cada caso concreto, mediante sopesamento com outros princípios.227
Dessa forma, entende-se que a anualidade orçamentária conforme apresentada na Constituição Federal tem estrutura normativa de regra, já que não há o que se sopesar ou realizar em maior ou menor grau nos prazos de elaboração e aprovação da LOA e na validade anual das dotações orçamentárias.
Diante das dotações orçamentárias presentes na LOA, percebe-se que a aplicação da anualidade orçamentária é integral, observando-se exceções em que parte da execução dessas dotações orçamentárias pode ser concluída no exercício financeiro seguinte, como nos casos dos restos a pagar e dos créditos especiais e extraordinários abertos nos últimos quatro meses do exercício financeiro.
225 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. O orçamento a partir dos seus princípios..., p. 90.
226 Existem outros referenciais teóricos para a distinção e classificação entre princípios e regras. Para tanto, cf. XXXXX, Xxxxxxxx. Princípios e regras e a segurança jurídica. In: RDE – Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 189 – 206, jan./ mar. 2006, pp. 190 – 196 e SILVA, Xxxxxxxx Xxxxxx xx. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 56 – 64.
227 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx xx. Op. cit., pp. 45 – 46.
Nesse sentido, embora elencado quase unanimemente como princípio pela doutrina jurídica brasileira, parece que, na distinção entre princípios e regras, a anualidade orçamentária seria melhor caracterizada como regra.
Dessa forma, se acompanha Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx-Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx-Xxxxxx Xxxxxxx, que elencam a anualidade orçamentária como uma regra técnica fundamental, assim como o fazem com a unidade e a universalidade, outros dois elementos normalmente considerados princípios.228
Contudo, embora essa classificação seja relevante para fins de interpretação, não afasta o conteúdo teórico atribuído pela doutrina ao princípio da anualidade orçamentária, tendo em vista a utilização desse termo como sinônimo da periodicidade orçamentária. Explica-se. Entende-se que a regra da anualidade orçamentária concretiza o princípio da periodicidade orçamentária, que tem por conteúdo a aprovação do orçamento público em periodicidade hábil a permitir a participação e o controle legislativos (caráter político) e o planejamento da execução orçamentária (caráter financeiro).
Para esse princípio da periodicidade orçamentária cabe sopesamento com os demais princípios do ordenamento jurídico, tais como os do planejamento, da eficiência ou do equilíbrio fiscal, adequando-se, desse modo, maior ou menor periodicidade a depender do caso concreto.229
Assim, entende-se que a doutrina jurídica, brasileira e estrangeira, tende a se referir à anualidade orçamentária como princípio por i) trata-la como sinônimo de periodicidade orçamentária; ii) no caso da doutrina brasileira, seguir a expressão consagrada na Lei nº 4.320/64, embora essa não tenha sido repetida pela Constituição Federal; e iii) usar outro referencial teórico para caracterizar princípios e regras, segundo o qual princípios seriam mandamentos nucleares ou estruturantes do sistema230.
Quanto a esse terceiro motivo, deve-se observar que o fato da anualidade orçamentária ser considerada uma regra não retira automaticamente a sua importância fundamental e estruturante para o sistema jurídico que rege as finanças
228 XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx-Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx-Xxxxxx. Finances Publiques..., p. 263.
229 Para autores que defendem que a anualidade orçamentária deve ser considerada princípio para permitir seu sopesamento com outros princípios, cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. Impactos da anualidade orçamentária..., pp. 11 – 13 e XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx. Reflexão sobre o conflito entre princípios orçamentários..., pp. 99 – 102.
230 Cf. XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx xx. Direitos fundamentais..., p. 45.
e os orçamentos públicos, tanto que, como apontado acima, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx- Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx-Xxxxxx Xxxxxxx se referem a ela como “regra técnica fundamental”.
Considerando o princípio da periodicidade orçamentária, vislumbra-se maior adequação às disposições constitucionais que indicam instrumentos plurianuais de planejamento, vez que seu conteúdo pode ser realizado de forma anual ou plurianual, a depender do caso concreto, sem perder seu significado. De fato, para uma substituição total da noção de anualidade pela plurianualidade orçamentária, como sugere Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, seria necessária uma alteração constitucional.
Na França, já se cogitou um alongamento da periodicidade orçamentária, seja para permitir a recondução de autorizações orçamentárias, seja para instituir orçamentos bienais, sob o argumento de que essas alterações poderiam diminuir a ineficácia administrativa nos finais de exercício financeiro e evitar desgastes políticos na aprovação legislativa dos orçamentos.231
Atualmente, acredita-se que as duas noções (anualidade e plurianualidade) coexistem em regras concretizadoras do princípio da periodicidade orçamentária. O orçamento público propriamente dito e executável ainda consiste na LOA e, portanto, resume a anualidade orçamentária. Por outro lado, o PPA contém previsões orçamentárias plurianuais e é necessário considerar que as leis orçamentárias compõem um sistema, para o qual o ordenamento jurídico exige um dever de compatibilidade das leis anuais (LDO e LOA) com a lei plurianual (PPA).
Dessa forma, tem-se a manutenção da anualidade orçamentária como ponto estruturante dos orçamentos públicos, mas com uma tendência de coordenação dos programas anuais com um planejamento plurianual. 232
231 XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx-Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx-Xxxxxx. Finances Publiques..., pp. 284 – 285.
232 XXXXXX, Xxxxxxx. Les principes budgétaires..., pp. 83 – 84.
4. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA
Nessa seção, procura-se discorrer sobre a evolução da teoria do contrato administrativo como reflexo da introdução do modo de agir consensual no âmbito da Administração Pública a requerer um repensar sobre o fenômeno da legalidade no âmbito do Estado acompanhado pela expansão dos mecanismos de obrigação para a Administração Pública.
4.1. Teoria do contrato administrativo
A teoria do contrato administrativo surgiu a partir de uma concepção de que determinados contratos celebrados pela Administração Pública se distinguem dos contratos privados e, portanto, exigem um regime jurídico próprio. 233
Essa distinção é marcada, em especial, pela ausência de igualdade entre as partes e de observância ao pacta sunt servanda,234 ante a presença de algumas prerrogativas da Administração Pública para assegurar o atendimento ao interesse público. 235
Na transposição dessa teoria, de origem francesa, para o Brasil, a ideia foi simplificada e reduzida para caracterizar os contratos administrativos pela presença de cláusulas exorbitantes, 236 ou seja, um regime de poderes ou prerrogativas para a Administração Pública, que “exorbitam” o regime jurídico próprio dos contratos privados. Em contraposição, o contratado teria a garantia do equilíbrio econômico- financeiro do contrato.
Essas cláusulas exorbitantes asseguram à Administração Pública o direito de alterar e rescindir unilateralmente o contrato, de controlar e acompanhar a sua
233 A formulação e disseminação da teoria do contrato administrativo se contrapõe a outra concepção, segundo a qual, por essas distinções do contrato privado, os “contratos” celebrados pela Administração Pública não poderiam ser considerados propriamente como contratos, mas como atos jurídicos bilaterais (cf. XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Do contrato administrativo à administração contratual..., p. 75).
234 XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Contrato Administrativo. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, x. 00.
000 XXXXXXX. Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017, p. 259.
236 XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Op. cit., p. 319.
execução e de impor sanções ao contratado237 e seriam justificadas pelo “interesse público” contido nas atividades da Administração Pública.238
Como consequência, a compreensão de uma assimetria entre as partes desses contratos e de uma supremacia do interesse público a justificar a existência e o uso dessas prerrogativas esvaziaram os contratos enquanto fonte de obrigações para a Administração Pública difundindo-se, para usar a expressão de Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, “uma concepção de relativa desvinculação da Administração das obrigações contratuais”. 239
Contudo, como ensina Xxxxx Xxxxxxx, em razão da simplificação dos mecanismos de contratação, da maior liberdade da Administração Pública na escolha de contratados e de uma tendência de menor desigualdade entre as partes nesses contratos, esta teoria começou a ser questionada.240
Ainda, a própria noção de interesse público que a justifica começou a ser reformulada. No lugar de ser compreendido como um conceito jurídico em si e um sinônimo de “bem comum”, como se houvesse apenas um interesse público genérico a ser tutelado pelo Estado, passou a ser entendido, em uma concepção democrática, como um interesse legalmente definido, admitindo-se a existência de diversos interesses públicos específicos.241
No plano prático, as cláusulas exorbitantes demonstraram efeitos negativos, ao gerar insegurança, prejudicar a confiança do contratado no acordo e aumentar os riscos dos contratos, incrementando os seus custos.242
Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, de forma mais detalhada, assevera que esse regime de prerrogativas i) estimula a ineficiência da Administração Pública, que se acomoda na facilidade de alteração e rescisão dos contratos; ii) gera contratos mais onerosos para a Administração Pública, vez que o risco advindo das cláusulas exorbitantes é incluído no custo do contratado; iii) legitima práticas governamentais autoritárias pelo uso ou ameaça de uso dessas medidas unilaterais; e iv) facilita condutas ímprobas dos administradores durante a execução
237 MEDAUAR. Odete. O direito administrativo em evolução..., p. 259.
238 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. In: XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Direito Administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 574.
239 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Do contrato administrativo à administração contratual..., pp. 76 – 77.
240 MEDAUAR. Odete. Op. cit., pp. 259 – 260.
241 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Op. cit., p. 575.
242 Ibidem, p. 582.
dos contratos, que podem receber vantagens indevidas para exercer ou não essas prerrogativas em interesse do contratado.243
Segundo Xxxx Xxxxxxxx, registrando a evolução do significado dos contratos celebrados pela Administração Pública,
deixando-se de definir o contrato administrativo com base nas cláusulas exorbitantes, é possível concluir que nem todo o contrato em que o Estado é uma das partes deve, como numa relação de causa e efeito, conter cláusulas exorbitantes. E, consequentemente, nem toda relação contratual com o Estado envolve um contrato administrativo no seu sentido estrito, em que há manejo de poderes de autoridade.244
Dessa forma, o contrato administrativo passou a ser considerado como instituto integrante do gênero dos contratos,245 e não como gênero apartado.
O questionamento da teoria do contrato administrativo foi reforçado pelo surgimento de novos tipos contratuais adotados pela Administração Pública, vez que ela é insuficiente para explicar o fenômeno contratual contemporâneo da Administração Pública em toda a sua complexidade.246
Por essa razão, Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx adota a nomenclatura de módulos convencionais para explorar o fenômeno de modo mais amplo, distinguindo, dentre esses, os que são propriamente contratos, vez que criam uma situação jurídica a partir de um acordo de vontades, e os que são usados pela Administração Pública para a substituição, pela via consensual, do exercício de um poder unilateral de decisão apto a criar uma situação jurídica.247
Para além da questão conceitual, o autor constrói a crítica de que a teoria do contrato administrativo institucionaliza uma ideia de desconfiança, contrária à segurança jurídica, ao incorporar prerrogativas unilaterais da Administração
243 XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Mecanismos de consenso no direito administrativo. In: XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx (coord.). Direito Administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 344.
244 XXXXXXXX, Xxxx. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 51 – 52.
245 XXXXXXXX, Xxxxx. Limites constitucionais à autonomia dos entes federados em matéria de contratos administrativos. 2014. 169 p. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 36.
246 MEDAUAR. Odete. O direito administrativo em evolução..., pp. 270 – 271 e XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Contrato Administrativo..., p. 236.
247 XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Op. cit., pp. 237 – 238.
Pública, atribuídas por força de lei e não pela vontade e pelo consenso das partes.248
Pelo exposto, nesse trabalho, acolhendo uma exposição evolutiva da teoria do contrato administrativo, se adotará a expressão contrato administrativo em um sentido amplo, para se referir, genericamente, a contratos celebrados pela Administração Pública – sem limitação àqueles que contém cláusulas exorbitantes
–, ou seja, módulos convencionais pelos quais se cria nova situação jurídica mediante um acordo de vontades entre as partes, especialmente pela compreensão teórica desse instrumento enquanto criador de obrigação tanto à Administração Pública, como ao seu parceiro contratual.
4.2. Consensualidade administrativa
A crítica à teoria do contrato administrativo se insere em um contexto de contratualização da atividade administrativa, na qual a capacidade da Administração de obrigar-se pela via dos acordos de vontades foi posta em voga.
Sobre esse fenômeno, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx cita alguns elementos, dentre os quais se destacam uma transição das normas do nível legal para o nível contratual e uma maior possibilidade negocial, inclusive no estabelecimento de cláusulas contratuais.249
O autor ainda ressalta a importância do instituto dos contratos para o que descreve como um “deslocamento do eixo da autoridade para consensualidade” no âmbito da Administração Pública.250
A utilização mais intensa de contratos e outros módulos convencionais é, aliás, uma das características que marca esse modelo de Administração consensual.251
Xxxxxxx Xxxxx define o fenômeno em sentido amplíssimo, amplo e restrito. Para a autora, o sentido amplíssimo de consensualidade abrange todos os casos em que a Administração Pública admite formas de participação em seu
248 XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Contrato Administrativo..., pp. 323 – 324.
249 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Do contrato administrativo à administração contratual..., p. 80.
250 Ibidem, pp. 75 e 80.
251 XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Mecanismos de consenso no direito administrativo..., p. 348
procedimento, como os instrumentos participativos, audiências públicas e consultas públicas. Já no sentido amplo, a consensualidade é verificada nas diversas formas de acordos de vontades da Administração Pública, tanto na esfera administrativa, quanto na esfera judicial, entre as quais incluem-se contratos administrativos, acordos intragovernamentais e acordos judiciais.252
Em sentido restrito, a autora adota o conceito de consensualidade como
uma
técnica de gestão administrativa por meio da qual acordos entre Administração Pública e administrado são firmados com vistas à terminação consensual do processo administrativo pela negociação do exercício do poder de autoridade estatal (prerrogativas públicas).253
Portanto, essa consensualidade administrativa apresenta-se como uma forma de atuação da Administração Pública que permita compatibilizar interesses públicos e privados, conforme destaca Xxxxx Xxxxxxx:
[u]m conjunto de fatores propiciou esse modo de atuar, dentre os quais: a afirmação pluralista, a heterogeneidade de interesses detectados em uma sociedade complexa; a maior proximidade entre Estado e sociedade, portanto, entre Administração e sociedade.254
A autora relaciona esse movimento “à crise da lei formal como ordenadora de interesses”, de modo que, em paralelo aos mecanismos democráticos clássicos, os módulos contratuais surgem como uma nova forma de participação na tomada de decisões administrativas e de definição de interesses.255
É nesse sentido que a consensualidade administrativa demonstra seu caráter democrático, consagrando múltiplos interesses da sociedade e permitindo maior participação na Administração Pública, de modo a se antepor a um modelo
252 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 111.
253 Ibidem, pp. 111 – 112.
254 MEDAUAR. Odete. O direito administrativo em evolução..., p. 261.
255 Ibidem, pp. 261 – 262.
de Administração Pública autoritária, possibilitando um incremento dos meios de controle.
Outro fator relacionado pela doutrina à consensualidade administrativa é a eficiência, em grande parte por evitar os efeitos práticos negativos das cláusulas exorbitantes, mencionados no tópico anterior.256
Para Xxxxxxx Xxxxx, essa relação entre eficiência e consensualidade é construída em razão dos diversos meios para a tomada de decisões oferecidos pela consensualidade, de modo a ampliar as possibilidades de escolha do meio mais adequado ao caso concreto, concretizando uma atuação administrativa mais eficiente.257
Dessa forma, “vislumbra-se na consensualidade administrativa um instrumento para a definição do ótimo – ou seja, eficaz, eficiente e legítimo – interesse público pelo agente público competente para a sua conformação”258.
Para tanto, nessa nova forma de agir da Administração Pública pautada pela consensualidade, as obrigações criadas por acordos de vontades ganham centralidade, trazendo a debate a legalidade enquanto parâmetro de ação e controle da Administração Pública.
4.3. Legalidade e consensualidade administrativa
O princípio da legalidade sempre esteve relacionado à limitação do poder do Estado. Em uma perspectiva positiva, a Administração Pública limita-se a fazer somente o que a lei ordena ou permite. Já em uma perspectiva negativa, a legalidade impede que a Administração Pública interfira na esfera de direitos dos indivíduos, constituindo uma garantia individual, exceto em razão de leis aprovadas pelo Poder Legislativo composto pelos representantes dos cidadãos.
Contudo, ao discorrer sobre a consensualidade administrativa, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, assevera que “o Direito Administrativo pós-moderno
256 Sobre o assunto, cf. XXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Mecanismos de consenso no direito administrativo..., p. 348; XXXXXXXX, Xxxx. Concessão..., p. 58; XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. O futuro das cláusulas exorbitantes..., p. 576; e XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. A consensualidade no direito administrativo: acordos regulatórios e contratos administrativos. In: Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 103, n. 389, p. 3 – 17, jan./fev. 2007, pp. 4 – 5.
257 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Sanção e Acordo..., pp. 120 – 129.
258 XXXXXXXX, Xxxxx. Interesse público e consensualidade administrativa – o caso dos contratos de parcerias. In: Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, ano 12, n. 134, p. 70 – 80, fev. 2013, p. 75.
evoluiu para conformar-se ao Estado Democrático de Direito, ou seja, passou a atuar não mais apenas sob o império da lei, mas sob o império do direito”259.
Nesse sentido, as transformações do Estado e do modo de atuar da Administração Pública e a “crise da lei formal”, acima apontadas, retroalimentam uma nova concepção do princípio da legalidade.
Sobre esse contexto, cabe a observação de Xxxx Xxxxxxxx:
[é] fato que se vive em um momento de crise do Legislativo, da lei formal como requisito para a garantia de direitos. Há uma crescente valorização da figura do chefe do Poder Executivo em decorrência da necessária intervenção do Estado na seara econômica, o que demanda agilidade negocial.260
Xxxxxxx Xxxxx aponta, ainda, o enriquecimento às atividades administrativas e a inviabilidade fática de o Parlamento disciplinar todos os detalhes da atuação administrativa como causas para uma superação do radicalismo da vinculação da Administração Pública à lei formal.261
A essas constatações soma-se a falha na representatividade do Poder Legislativo e a maior representatividade do Poder Executivo, que passa a ser escolhido democraticamente por meio de eleições, pontos tangenciados no estudo do ciclo orçamentário.
Gustavo Binenbojm sistematiza o problema, constatando que:
[a]o ângulo estrutural, a crise da lei confunde-se com a crise da representação e, mais especificamente, com a crise da legitimidade dos parlamentos. Ao ângulo funcional, a crise da lei é a própria crise da ideia de legalidade como parâmetro de conduta exigível de particulares e do próprio Estado.262
Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx relaciona a consensualidade administrativa com as mudanças do Estado e da sociedade para estabelecer que, além do limite da legalidade, no Estado Democrático de Direito, a Administração
259 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. O futuro das cláusulas exorbitantes..., p. 583.
260 XXXXXXXX, Xxxx. Concessão..., p. 63.
261 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Sanção e Acordo..., p. 266.
262 BINENBOJM, Xxxxxxx. O sentido da vinculação administrativa à juridicidade no direito brasileiro. In: XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx (coord.). Direito Administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 145.
Pública subordina-se também à legitimidade, que depende de um consenso sócio- político.263
No mesmo sentido, Alexandre Aragão afirma que “a busca do consenso dos cidadãos é um critério de legitimidade substancial, de justificação e guia das decisões administrativas”.264
Diante disso, para Odete Medauar, o princípio da legalidade deve abranger, além da lei formal, os preceitos decorrentes do Estado Democrático de Direito, os princípios e fundamentos de base constitucional e as normas editadas pela própria Administração Pública.265
Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx constata que “a amarração jurídica da Administração contemporânea é realizada, a par da lei formal, por várias outras fontes e mecanismos”, de modo que esse arcabouço jurídico “condiciona a criação e a execução de soluções, políticas e programas pela Administração Pública”, devendo pautar a sua atuação sem esgotar o espaço para a deliberação administrativa.266
Gustavo Binenbojm, por seu turno, desenvolve a ideia de juridicidade administrativa, segundo a qual todo o ordenamento jurídico vincula a Administração Pública, a partir das regras e princípios constitucionais.267
Essas considerações expandem o conceito de subordinação à legalidade da Administração Pública para além da legalidade estrita, compreendendo uma subordinação à legalidade ampla, juridicidade ou normatividade, a depender do autor que trata do tema.268
Ou seja, observa-se um avanço em relação às ideias de estrita legalidade e de subordinação positiva à lei, tanto para alargar a abrangência do princípio da legalidade para além da lei formal, incluindo acordos firmados pela Administração Pública, quanto para conceber que a atuação da Administração Pública supera a mera execução do que a lei ordena ou permite.
Para Xxxxx Xxxxxxxx, as transformações na compreensão do princípio da legalidade não desvirtuam a sua finalidade original de imposição de limites à
263 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Mutações do Direito Administrativo. 2ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Xxxxxxx, 0000, p. 40.
264 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. A consensualidade no direito administrativo..., p. 5.
265 MEDAUAR. Odete. Direito Administrativo moderno. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 128.
266 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Direito Administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 235.
267 BINENBOJM, Xxxxxxx. O sentido da vinculação administrativa..., p. 161.
268 Cf. XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. A concepção pós-positivista do princípio da legalidade. In:
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 236, p. 51 – 64, abr./ jun. 2004, p. 63.
atuação do Estado e consequente garantia de respeito à esfera individual de direitos do particular.269
De fato, uma compreensão mais ampla do princípio da legalidade, ao impor, ao Estado como um todo e especificamente à Administração Pública, a observância à integralidade do ordenamento jurídico e não somente às leis formais, preserva a noção primordial desse princípio de limitação do poder e de garantia individual do ponto de vista negativo.
A princípio, se vinculada a mais normas, a atuação da Administração Pública estará mais balizada. Com isso, considera-se fonte de obrigação para a Administração Pública, não só as leis formais aprovadas pelo Poder Legislativo, mas também as suas próprias normas, atos e contratos.
Acolhe-se, portanto, uma visão mais abrangente do princípio da legalidade, para a qual a Administração Pública também se vincula, além da lei formal, à Constituição Federal e seus princípios, às normas infralegais e aos seus acordos.
Para fins desse trabalho isso significa que os contratos administrativos criam obrigações jurídicas. Contudo, essas obrigações jurídicas dependem de dotações orçamentárias, autorizadas pelo Poder Legislativo mediante uma lei formal (a LOA), para serem cumpridas, seja de forma direta, no caso das obrigações pecuniárias, seja de forma indireta, no caso de obrigações de outras naturezas.
Isso constitui um conflito porque, apesar da superação do princípio da legalidade estrita como principal vetor normativo para a atuação da Administração Pública, o orçamento público, por expressa disposição constitucional, ainda concretiza esse princípio, vez que a autorização orçamentária exige lei formal.
No caso, aplicável a consideração realizada por Gustavo Binenbojm, que, ao tratar do tema da juridicidade, ressalva os casos de reserva de lei, para os quais a Constituição Federal exige a regulação por lei formal ou material.270
Apesar da discussão acerca da natureza jurídica da LOA, parece certo que a autorização orçamentária se inclui, no mínimo, no que o autor classifica como reserva de lei formal, observada “quando uma certa matéria só puder ser tratada por lei em sentido formal, ou seja, o ato normativo primário editado pelo Parlamento,
269 XXXXXXXX, Xxxxx. Limites constitucionais à autonomia dos entes..., p. 31.
270 BINENBOJM, Xxxxxxx. O sentido da vinculação administrativa..., p. 165.
elaborado segundo o procedimento legislativo ordinário fixado na Constituição”271 - 272.
Estabelecida a ampliação do princípio da legalidade para constatar a vinculação da Administração Pública aos contratos por ela celebrados, passa-se à análise da configuração do direito positivo de algumas espécies contratuais.
271 BINENBOJM, Xxxxxxx. O sentido da vinculação administrativa..., p. 165.
272 Embora Gustavo Binenbojm mencione o processo legislativo ordinário, parece que o conceito é aplicável também a processos legislativos especiais, como o prescrito constitucionalmente para as leis orçamentárias, vez que o autor não faz nenhuma consideração que permita excluí-los da ideia.
5. ORÇAMENTO PÚBLICO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Nessa seção, serão analisadas as disposições relativas a orçamentos públicos presentes nas leis que regulam contratos administrativos, com especial foco para aquelas relacionadas à anualidade orçamentária, e com suporte de textos doutrinários que discorrem sobre esses dispositivos, a fim de discorrer a respeito de como o ordenamento jurídico e a doutrina tratam a vinculação da Administração Pública aos orçamentos públicos no âmbito dos contratos administrativos.
5.1. Lei nº 8.666/93
A Lei nº 8.666/93 regula o artigo 37, XXI, da Constituição Federal, dispondo sobre licitações e contratos da Administração Pública.
A relação dessa espécie de contrato administrativo, relativa, nos termos do artigo 1º, caput, a “obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações”, com o orçamento público é demonstrada em vários dispositivos da lei.
O artigo 7º, parágrafo 2º, III273 e o artigo 14274 exigem a existência de dotação orçamentária para a realização, respectivamente, de licitação para obras e serviços e de compras. Vale notar, ainda, que, no caso de realização de licitação para obras e serviços, a exigência de dotação orçamentária se limita aos recursos necessários para as obras ou serviços a serem executados no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma. Essa limitação temporal está em consonância com a anualidade orçamentária, mas também demonstra a lacuna normativa para o tratamento das obras e serviços que, pelo cronograma, serão executadas no exercício financeiro seguinte, para as quais não há exigência de dotação orçamentária.
273 Lei nº 8.666/93. “Art. 7º [...] § 2º. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: [...]
III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma”.
274 Lei nº 8.666/93. “Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa”.