RESUMO
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BOA-FÉ, A BÚSSOLA MORAL DO CONTRATO: virtude da transparência como dever obrigacional
Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx* Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx**
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx***
RESUMO
O presente trabalho tem como escopo o estudo da boa-fé como um princípio de múltiplos significados e ampla aplicação no Direito, não só nas relações contratuais, mas em todo o ordenamento jurídico. Intenciona, ainda, delinear o entendimento do referido princípio como um instrumento promotor da justiça social e não como mero altruísmo contratual, principalmente após o neoconstitucionalismo com a incorporação de ideais jus filosóficos. Além disso, objetiva dissertar acerca de sua aplicação em todas as fases contratuais, inclusive na preliminar através da teoria da culpa in contrahendo, responsabilização pré- contratual por meio do art. 186 do CC/02. Outrossim, pretende-se explanar a sua função reguladora da convivência contratual, interpretativa, e ampliativa do sentido das cláusulas contratuais. A sua relação com o abuso de direito e os institutos do venire contra factum proprium, supressio e surrectio, tu quoque, duty to mitigate the loss, substancial performance e violação positiva do contrato. Finalmente, demonstrar a relação da boa-fé com a teoria da imprevisão.
Palavras-chave: Boa-fé. Neoconstitucionalismo. Teoria da culpa in contrahendo. Abuso de direito. Teoria da Imprevisão.
1 INTRODUÇÃO
Vivendo em sociedade o homem estabelece regras de convivência, a isso chamamos ética, e, similarmente, quando regula a vivência contratual, chamamos de boa-fé. Destarte, o presente trabalho tenciona demonstrar que a boa-fé é um instituto multifacetado que funciona como orientador da autodeterminação contratual, como instrumento de interpretação e como dever colateral do contrato, sendo, portanto, um fenômeno complexo e de difícil definição.
Não obstante a vagueza conceitual, o princípio da boa-fé não é meramente retórico, é possível um entendimento adequado através da contextualização de sua aplicação, ou seja, para sua compreensão deve-se associar os aspectos da circunstância em que o princípio se encontra.
Para exemplificar, Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, citada por Xxxxxx Xxxxxxxxx (2019), afirma:
É que embora a expressão “boa-fé” tenha amplo espectro semântico, não constitui – é bom que se diga – um passaporte dado ao anarquismo metodológico que, no mais das vezes, mal esconde o voluntarismo do
* Graduando em Direito pela Faculdade de Ipatinga.
** Graduando em Direito pela Faculdade de Ipatinga.
*** Mestre em Direito Civil pela Universidade Gama Filho. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA). Magistrado.
intérprete. No Direito expressa a confiança no tráfego negocial, constituindo, ao mesmo tempo, norma de fundo conteúdo ético e rigorosa funcionalidade.
Nesse sentido, a delimitação do conteúdo do instituto é fundamental à estabilidade das relações jurídicas, evitando que o mercado econômico seja condenado a negócios jurídicos com má-formação.
Pretende-se, ainda, mostrar a evolução do contrato tendo como elementos essenciais a cooperação, o entendimento e a confiança, todos eles sustentados pela transparência que deve existir nas relações interpessoais, gérmen do princípio da boa-fé e atualmente considerada dever obrigacional.
A fim de demonstrar a importância da confiança nas interações humanas, destaca-se a observação de Xxxxxx Xxxxxxxxxxx (2012, p. 14-15), em sua obra o princípio da proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado, citado por Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2018):
No cotidiano, a palavra confiança pressupõe uma crença na ocorrência de um comportamento futuro com lastro em um agir pretérito. Ela, que agora gera uma expectativa de continuidade, advém do passado, mas é orientada para o futuro [...]. Contudo, observo que o princípio da proteção da confiança é desde há muito aplicado no ordenamento jurídico. É o caso das normas transitórias e da ação renovatória de locação comercial. Uma relação de confiança pressupõe a consciente transferência do controle sobre certos atos àquele que se confia. Por conta disso, ela proporciona um maior espírito de cooperação nas relações sociais. Quando ela está presente, aquele que confia não precisa, em cada situação particular, decidir se a outra parte agirá espontaneamente, isto é, se voluntariamente cumprirá suas obrigações, sejam elas meramente morais ou, até mesmo, jurídicas. Por conta disso, a ação dos atores quando há uma relação de confiança é cooperativa.
Por fim, será mostrada a evolução histórica do princípio, sua divisão em subjetivo e objetivo, e as suas diferentes aplicações nos sistemas da common law e da civil law. Outrossim, abordar-se-á a crise da teoria clássica do contrato baseada na mera realização dos interesses individuais dos contratantes em detrimento da função social do contrato, a responsabilidade contratual e extracontratual decorrente da violação da boa-fé objetiva, e a relação do princípio com o abuso de direito, a teoria da imprevisão e a culpa in contrahendo.
2 SOBRE A COOPERAÇÃO COMO ELEMENTO DO CONTRATO
O corpo social é um sistema visto que sua manutenção é resultado da ação interdependente dos indivíduos que o compõem. Ademais, a vida singular do ser humano é inconcebível já que este se origina em um mundo social. Fica nítido, portanto, que a causa eficiente1 da sociedade é o homem e a causa final2 do homem é a sociedade.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, em seu quadro “Allegoria del Buon Governo” (Figura 1), representa a República de Siena, uma das cidades italianas mais poderosas do século XIV, e o que se destaca é a cooperação entre os cidadãos.
1 Causa eficiente: corresponde ao agente criador.
2 Causa final: a finalidade do que foi produzido.
Figura 1 - Quadro "Allegoria del Buon Governo".
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Fonte: XXXXXXXXXX, p. 1338
De forma análoga, na passagem bíblica da Torre de Babel é narrada a história de um grupo de pessoas que queria construir uma torre que tocasse o céu, mas o intento não teve êxito em razão da punição divina que confundiu sua linguagem. Nessa perspectiva, afirma-se não só que a cooperação depende de comunicação, como que é determinante para a prosperidade de uma organização civil.
No esporte de canoagem, o movimento da canoa é determinado pela ação sincronizada dos remadores, se um deles acelerar ou parar de remar o barco pode afundar (
Figura 2 – Canoagem
Fonte: Xxxxxxx Xxxxxxxx/ Xxxxxxxxxxxx.xxx.
A natureza é regida pelo princípio da causalidade, ou seja, só existe o que é e o que não é, não se julga as coisas como boas ou ruins. Por isso, é com o contrato social, consequência da transição humana do estado de natureza para o estado civil, que a justiça surge. Nessa perspectiva, a justiça é uma ideia elaborada pela cultura de um povo e seu propósito é promover o bem comum pela realização dos direitos subjetivos.
Em sua obra genealogia da moral, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx defende que a justiça deve ser entendida através do contrato jurídico, a sociedade figura na posição de credora e o indivíduo figura como devedor. Para ele, a instauração de uma justiça institucional tem por objetivo compensar os danos concretos e potenciais sofridos com a ação dos indivíduos. Acrescenta, ainda, que a punição resultante da aplicação da justiça propicia o aprimoramento da memória no homem e assim, pela lembrança da dor, desenvolve a responsabilidade moral (informação verbal).3 Sinteticamente, como em toda sociedade são repartidos os riscos, a justiça serve como instrumento redutor das condutas nocivas que aumentam o risco de desarmonia da comunidade.
Ao longo da história, diante de um mundo escasso, uma das formas que o homem encontrou para cooperar foi por meio das trocas, as necessidades eram satisfeitas através da permuta entre um objeto e uma compensação. Entretanto, esse tipo de atividade demanda confiança e a generosidade alheia não é suficiente para a crença no adimplemento obrigacional, principalmente quando os convenentes são desconhecidos, por isso, nesse caso é necessária uma garantia de cumprimento.
Como forma de gerar comprometimento aos acordos realizados surgem as promessas, e a palavra passa a vincular as partes. Contudo, em situações de trocas a longo prazo, a impossibilidade de realizar o negócio imediatamente faz com que a palavra, por ser insuficiente como garantia, seja substituída pelo dinheiro. Posteriormente, surgem os contratos os quais são promessas às quais o Estado assegura o cumprimento, ajudando a evitar incerteza negocial e contribuindo para a formação de uma sociedade mais efetiva (informação verbal).4
Conclui-se, portanto, que a coordenação é a célula vital de toda organização civil e que a troca primitiva evoluiu da confiança, a promessa, ao capital, e terminou nos contratos jurídicos. Outrossim, os contratos são consequência de uma proteção estatal que permite a “civic friendship”, isto é, o comportamento amistoso entre estranhos em uma relação comercial (informação verbal).4
2.1 Sistemas Legais
Uma família de leis interligadas por um princípio unificador configura um sistema legal. As principais categorias deste sistema são o common law e o civil law, o primeiro é desenvolvido a partir dos costumes das cortes britânicas, e o segundo dos códigos francês e alemão. Apesar de pertencerem a famílias distintas, são parte do mesmo gênero, por isso os dois sistemas possuem semelhanças e diferenças.
Tanto para o common law quanto para o civil law o consentimento é o momento crucial de formação do contrato, este, entretanto, para o primeiro sistema, conceitua-se como uma manifestação de assentimento mútuo, e para o segundo, como acordo de vontades. Nessa perspectiva, no common law, indícios de acordo
3 Informação fornecida no curso online “Introduction à la philosophie de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx”, da Universidade de Sorbonne, ministrado por Xxxxxxxxx Xxxxxxxx.
4 Informação fornecida no curso “Contract Law: From Trust to Promise to Contract”, da universidade de Harvard, ministrado por Xxxxxxx Xxxxx.
são suficientes para perfazer um contrato, já no civil law, é necessária uma evidência.4
Como regra, negociações não criam obrigações exigíveis, porém cabe às partes agirem conforme a boa-fé objetiva, isto é, com lealdade, proteção e informação. Assim, devem ser observados a duração, a quantidade de dinheiro gasto e o prejuízo que um ato gerou na outra parte para determinar a exigibilidade ou não do trato. A violação da boa-fé gera responsabilidade pré-contratual, quando antecede a formação do contrato, ou contratual.
A responsabilidade pré-contratual existe em ambos os sistemas legais, entretanto, é aplicada com maior ênfase no civil law através da doutrina da “culpa in contrahendo”, já o common law é mais resistente a esse tipo de punição pois considera que a vinculação precoce da tratativa pode gerar acanhamento de negociações no mercado econômico.
Outra diferença é que no sistema do Civil Law, para o sucesso de um contrato, questiona-se não só a intenção do promitente como também a causa do comprometimento. Nessa perspectiva, apesar de a barganha ser a causa principal de formação do contrato não é a única, como no Common Law, há também os contratos unilaterais como a doação, o mandato e o depósito. Desse modo, no civil law, o requisito da oferta e da aceitação é satisfeito ainda que o consentimento não seja parte de uma barganha.4
Há convergência, entretanto, quanto à lei do contrato, isso porque os sistemas buscam permitir que as pessoas escolham e criem seus negócios da forma que preferirem, desde que não haja impedimento legal ou moral, bem como facilitar a relação privada no contexto da economia de mercado. Nesse sentido o art. 3, VIII, da lei 13.874/19, também conhecida como lei da liberdade econômica:
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública. (BRASIL, 2019, grifo nosso).
Desse modo, tendo em vista a importância do contrato para a circulação de riquezas em uma sociedade, uma violação contratual deve ser punida com razoabilidade e priorizar não a sua resolução, mas sua revisão. Por fim, ressalta-se que as pessoas devem ser livres para contratar, mas também livres do contrato para não serem como marionetes dirigidas pelo Estado.
2.1.1 Formação do contrato
Quando pessoas concordam na troca de promessas intencionadas a criar, transferir ou extinguir obrigações e o Estado as reconhece como um dever assegurando-lhes o cumprimento, há um contrato. Ressalta-se, contudo, que a promessa deve apresentar alguns requisitos a fim de ensejar um contrato.
Primeiramente, é necessário que haja uma barganha séria e que as partes tenham intenção e não mera expectativa de criar uma relação jurídica, assim, situação de informalidade ou proposta entendida como brincadeira não gera ônus exigível. Ademais, o conteúdo da promessa não pode ser imoral ou ilegal nem ter
por objeto presentear alguém ou realizar uma ação que beneficie apenas a outra parte pois nesse caso não há barganha.
Exemplifica-se, certa vez a empresa Pepsi fez uma oferta humorística em uma propaganda televisiva e um telespectador pleiteou, no tribunal, que a oferta fosse cumprida, no entanto, a falta de seriedade impossibilitou o seu cumprimento e o caso deu origem ao precedente norte americano Pepsi x Xxxxxxx.4 Assim relatado:
O autor viu uma publicidade da Pepsi mostrando “pontos”, ganhos com a compra dos produtos, para a troca por mercadorias da Pepsi. O final do anúncio exibia um estudante trocando 7.000.000 (sete milhões) de pontos por uma aeronave. Os termos da promoção indicavam que os pontos poderiam ser trocados por 10 centavos. O autor, portanto, com a ajuda de vários amigos, acumulou pontos suficientes para “comprar” a aeronave e demandou esta do réu, que recusou e enviou uma carta explicando que tal objeto não era um item para troca e o encaminhou o regulamento da promoção. Esse foi o motivo do ajuizamento da ação pelo autor. A corte rejeitou a ação e estabeleceu que anúncios não constituem contratos ou oferta de venda, apenas convites a negociação. (Xxxxxxx x. Pepsico, Inc., 88 F. Supp. 2d 116, (S.D.N.Y. 1999), aff'd 210 F.3d 88 (2d Cir. 2000),
tradução nossa).
Da mesma forma, promessa de comparecer a um jantar, promessa ao amante ou de realizar doação também não formam contrato, por imoralidade ou falta de seriedade e obrigatoriedade, não sendo, portanto, exigíveis.
Um contrato se perfaz quando a oferta é aceita, salvo se não for costume exigi-la expressamente ou se o proponente a tiver dispensado. A aceitação deve ser o espelho da oferta já que o proponente é o mestre da xxxxxxxx, aquele que determina os termos da troca. Se o oblato aceitar algo diferente da proposta não há barganha e não se forma contrato uma vez que não se pode vincular alguém ao que não prometeu, todos devem ser livres para negociar, mas também livres do negócio. Nessa perspectiva, a performance exata da pretensão inicial é condição de toda aceitação.
Quanto ao objeto, acrescenta-se que o art. 104 do CC/02 estabelece a sua determinação como condição à validade do negócio jurídico.
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei. (BRASIL, 2002).
Entretanto, em algumas situações de risco ou de instabilidade de preços, a transação pode ser estipulada sob a perspectiva de existência da coisa e com um preço fixo que pode ser inferior ou superior ao preço de mercado da data da entrega.2 Trata-se do contrato aleatório, nesse caso, diferentemente do contrato comutativo, ainda que a tradição não ocorra por inexistência do bem, o pagamento é obrigatório.
É possível que a oferta e a aceitação não produzam o efeito de formar o contrato, isso acontece quando há retratação, comunicação de desistência antecedente ou coetânea a chegada da oferta ou da aceitação. A oferta também deixa de ser obrigatória nos termos do art. 428 do CC/02:
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. (BRASIL, 2002).
Dessa forma, a resposta deve vir não só alinhada com a oferta como também dentro de tempo razoável, caso contrário o negócio original não se consuma e um novo acordo pode surgir ou não da contraoferta. A razoabilidade do prazo para a resposta depende do que foi ajustado pelas partes ou dos usos e costumes, se uma pessoa propõe comprar uma mesa por cem reais e o vendedor a responde após um ano certamente não estará vinculada a aceitar o negócio.
Duas teorias tentam definir o momento em que a aceitação produz o efeito de formar o contrato, a da cognição e a da agnição que se subdivide em teoria da declaração propriamente dita, teoria da expedição e teoria da recepção. Para a segunda teoria, diferentemente da primeira, o conhecimento do proponente não é crucial, basta que a resposta seja redigida, no caso da teoria da declaração propriamente dita, expedida, no caso da teoria da expedição, ou recebida, na teoria da recepção. (XXXXXXXXX, 2020, p. 89).
Considera-se que o direito brasileiro adotou a teoria da expedição, mas há entendimento no sentido da teoria da recepção, pois apesar do artigo 434 do CC/02 afirmar que os contratos se tornam perfeitos com a expedição, o inciso III do mesmo artigo afirma que se a resposta chegar fora do prazo o contrato não se forma. Ora, se o recebimento intempestivo impossibilita a formação do contrato, não é a expedição da aceitação que determina a consumação contratual e sim o seu recebimento.
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado. (BRASIL, 2002).
Em síntese, o contrato é um pacto inter partes no qual estão presentes oferta, aceitação, capacidade para negociar e consideração, isto é, o quid pro quo, e a barganha. Outrossim, a oferta vincula o proponente, mas não eternamente, se a resposta não vier em tempo razoável o contrato original não se forma. Finalmente, no contrato aleatório, diversamente do comutativo, a entrega da coisa não é certa e pode não ocorrer uma vez que está sujeita a risco, contudo, o preço continua exigível.4
2.1.1.1 Sobre a relação entre a ética, a Constituição de 1988 e a transição do CC/1916 ao CC/2002
Viu-se que a carência de recursos e a insuficiência singular leva o homem a se agrupar e que tal união depende da cooperação entre os indivíduos. A cooperação é realizada através de trocas que evoluíram à forma dos contratos cujas
peculiaridades variam conforme o sistema legal adotado. No sistema legal brasileiro, com a nova perspectiva constitucional, a tratativa do contrato sofreu alteração.
A percepção da importância de ideais jus filosóficos para a coletividade impulsionou o neoconstitucionalismo, o qual marcou a reconciliação do naturalismo com o positivismo, normatizando princípios e subordinando a interpretação jurídica aos direitos naturais. A liberdade passa por uma ressignificação em relação à concepção moderna, não é mais entendida como a absoluta ausência de impedimento externo, mas como a ação autônoma voltada à concretização da justiça social.
Para evitar que o homem fosse colocado como um meio para fins alheios, protegendo-o de sua fragilidade ao se relacionar em sociedade, principalmente contratualmente, a CRFB de 1988 promoveu a entronização de valores existenciais em detrimento dos patrimoniais, superando o caráter puramente liberal do CC/1916, no CC/2002.
Suponha-se o ordenamento jurídico como sendo um texto dissertativo, a carta magna é a tese do texto, ideia principal, e a legislação infraconstitucional é a matéria constante dos parágrafos seguintes. Considerando-se que a alteração no conteúdo da tese provoca a modificação de toda a redação e que a coesão textual depende da coerência entre os parágrafos, tem-se que a matéria das normas infraconstitucionais é subordinada à da constituição federal.
Desse modo, verifica-se que, com a carta magna, o Direito Privado sofreu grande mudança de compreensão e aplicação, especialmente no que tange à codificação civil, pois a observância obrigatória de princípios como a boa-fé, função social e promoção da dignidade da pessoa humana nas relações interpessoais superou o caráter estritamente individualista do direito privado para transformá-lo em um instrumento promotor da justiça.
Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, o princípio da eticidade se relaciona tanto com o Direito Civil quanto com o Direito Constitucional, visto que aquele “se funda no respeito à dignidade humana, dando prioridade à boa-fé subjetiva, objetiva, a probidade e à equidade”.
O cenário legislativo atual é mais coerente com a condição humana e com a realidade social, isso porque entende que a ação ética não é espontânea e deve ser forçada pelo Direito em algumas situações, como por exemplo nas negociais. Consoante Pascal (2003, p. 292), "[...] é justo que o que é justo seja seguido e é necessário que o que é mais forte seja seguido. A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica […]". Um Estado, dessa maneira, só será bem gerido quando associar o dever moral ao dever jurídico de agir eticamente no mundo.
3 ANTECEDENTES DA BOA-FÉ
Na Grécia, os estoicistas e os filósofos Xxxxxxxxxx e Xxxx produziram trabalhos sobre justiça e equidade que introduziram no sistema contratual um padrão ético de comportamento.
Xxxxxx, um dos maiores escritores romanos, é o que deixa a definição mais completa de boa-fé, como uma palavra com significado amplo que expressa o sentimento de honestidade de uma boa consciência e que se opõe a toda ação dissimulada que se aproveite da simplicidade alheia. (XXXXXXXXXX, 2005, p. 43 apud FAUVARQUE-COSSON e MAZEAUD, 2008, p. 152).
Tudo começou com a expansão de Roma pela bacia do Mediterrâneo, estrangeiros chegaram e seu desamparo jurídico incitou a criação do posto de pretor
peregrino, alguém com funções semelhantes à de um magistrado, isto é, ouvia alegações e autorizava ou proibia certo curso de ação dos forasteiros. Tal pretor criou uma lei que originou a bonae fidei iudicia, o direito de ação de boa-fé.
Inicialmente, o propósito do referido instituto era tutelar relações jurídicas negligenciadas pela lei romana, mas posteriormente, foi também introduzido no jus civile, direito aplicado apenas aos cidadãos romanos, como expressão de um comportamento pautado no respeito à palavra dada, forma de demonstrar confiança. De acordo com Xxxxxx, o cabimento do direito de ação de boa-fé envolvia matérias de tutela, dever fiduciário, contratos de agenciamento, aluguel e venda. Depois, com Xxxxx e Xxxxxxxxxx, foram adicionados depósitos, penhoras, reivindicações de divisão de bens, reivindicações de sucessão em propriedades de terceiros, entre outros. Aparentemente, foi nesse contexto que os juízes passaram a intervir mais ativamente nas relações jurídicas de modo a determinar-lhes a moralidade e o comportamento honesto, além de estabelecer o que cada parte devia a outra com base no que consentiram. (XXXXXX, 44 a.C. apud FAUVARQUE-
XXXXXX & XXXXXXX, 2008, p.152).
Na era medieval, a partir do século XII em diante a boa-fé tornou-se pressuposto de ausência de pecado, externalização da graça divina. Nesse período, os contratos de boa-fé passaram a ser regra e princípio geral do comércio nacional e internacional.
Em 1804, na modernidade, o Código Napoleônico positivou de modo simplicista a boa-fé, isso porque “como a ideia do respeito pelos contratos celebrados estava totalmente radicada não tinha utilidade dobrá-la, através da boa- fé”. Na Alemanha, diferentemente, em razão de sua unificação tardia ocorreram muitos conflitos mercantis e os Tribunais tiveram que recorrer à antiga bona fides para a solução dos casos, criou-se, portanto, uma tradição de aplicação da boa-fé. (XXXXXXXX, 1996, p. 895).
O Brasil previu o princípio no Código Comercial de 1850 mas não fez muita diferença prática, é apenas com a Constituição de 1988 que o instituto passa a ser enfatizado no ordenamento, seja no Código de Defesa do Consumidor, seja no Código Civil em seu art. 422, assim expresso: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Não obstante a exigibilidade do princípio da boa-fé com força de norma, a amplitude de sua aplicação como instrumento padronizador de comportamento e de interpretação gera dificuldades práticas de aplicação até os tempos hodiernos, afinal o que significa conduta razoável ou imprópria? São conceitos evasivos, muito utilizados, que não definem nada ou quase nada.
Assim, a adoção do instituto em vários sistemas teve definições oscilantes que se baseavam ora no direito natural ora no positivismo, e como consequência de tal imprecisão, o Direito contemporâneo sofreu afetação uma vez que até hoje a natureza legal da boa-fé é incerta.
3.1 Análise da Boa-fé
Ao adentrar em um restaurante expectativas são criadas, espera-se receber a refeição e o dono do estabelecimento espera ser pago, há um consenso presumido de troca protegido pelo Estado, em outras palavras, um contrato. Nessa perspectiva, infere-se que acordos fazem parte do cotidiano, e a tutela das expectativas que
deles decorrem não só é fundamental ao bom funcionamento do sistema econômico como constitui a ideia medular da boa-fé.
Toda interação pressupõe a virtude da transparência, afinal “é difícil conceber uma situação em que sujeitos concordem em mentir um para o outro deliberadamente" (XXXXXXX, 2013, p. 551), ao agir alinhado com as próprias pretensões dá-se outras condições de previsibilidade para decidir se quer iniciar, manter ou descontinuar uma relação com a contraparte. Sob essa premissa, o Código Civil, numa tentativa de encorajar a boa-fé, elege os princípios da eticidade e da socialidade como cardinais e, assim, prioriza a conduta virtuosa e os interesses coletivos, refreando o comportamento oportunista.
Ainda assim, com todo seu caráter axiológico pode-se dizer que a boa-fé não se resume a isso, o que se busca nos negócios jurídicos através desse instituto não é uma "injeção de princípios morais representante de certo tipo de paternalismo estatal, ou um sentimento de altruísmo contratual", mas sim aumentar a eficiência econômica do negócio a partir da maximização dos interesses das partes no momento do acordo e da redução dos custos de contratação. (XXXXXXX, 2013, p. 528).
Quanto ao momento de aplicação, tem-se que a boa-fé é observável em todas as etapas do iter contratual, isto é, na fase pré-contratual, momento que representa o que é intencionado pelas partes sem consenso sobre os elementos essenciais de formação do contrato, através do dever de informação e da não interrupção imotivada das negociações; na execução do ato jurídico, objetivando o cumprimento adequado dos deveres de prestação, não modificação do acordo salvo consentimento ou autorização legal, e implemento conforme a originalidade e essencialidade das obrigações; e na fase pós-contratual, para uma liquidação completa dos efeitos gerados pelo ato jurídico. Da mesma forma prevê o art. 422 do CC/02: “os contratantes são obrigados a guardar assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Todo contrato pressupõe limitação da liberdade de ação em prol do benefício convencionado, das regras de negociação e dos costumes, ignorar esse limite é violar a essência do acordo e as expectativas da contraparte. Desse modo, a boa-fé busca "punir os efeitos da surpresa decorrente da impossibilidade de conhecimento da realidade negocial e da conduta alheia". (XXXXXXXXXXXX XXXXX, 2013, p. 5).
Consoante Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx (1996, p. 896), em torno da boa-fé há importantes institutos tais como a culpa in contrahendo, os deveres acessórios, o abuso de direito e a alteração das circunstâncias. Quanto à culpa in contrahendo, trata-se da proteção na fase negocial seja através da exigência de conduta virtuosa, seja pelo ato de evitar que a fraqueza do parceiro resulte em desequilíbrio contratual.
De acordo com o enunciado 25 da I Jornada de Direito Civil (JDC): “o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”.
Em relação à responsabilidade nessa etapa há discussão doutrinária, a jurisprudência espanhola defende o regime da responsabilidade extracontratual uma vez que antes da celebração do contrato não são aplicáveis os requisitos da responsabilidade contratual, exigem-se apenas regras jurídicas genéricas, outra posição sustenta a responsabilidade contratual uma vez que a boa-fé é cabível desde as negociações sob pena de indenizar pelos danos causados. Há ainda os que afirmam que a boa-fé não cria deveres a menos que tenha relação com algum termo do contrato. Ressalta-se que a ignorância do instituto na etapa preliminar configura um aborto contratual. (XXXXXXX XXXXXXXXX, 2004, p. 311).
Os deveres acessórios são aqueles que complementam as estipulações escritas com o fim de assegurar a integralidade da prestação principal, sua violação configura inadimplemento e é apta para justificar a exceptio de non adimplenti contractus. Nesse sentido, cita-se o enunciado 24 da I Jornada de Direito Civil (JDC): “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.
A alteração das circunstâncias refere-se à mudança de ambiente que deu azo ao contrato, gerando, consequentemente, a inexigibilidade de sua execução. O abuso de direito, por sua vez, "vincula o titular de situações favoráveis a exercê-las dentro do sistema", não é possível agir na contramão das expectativas que se criou na contraparte- venire contra factum proprium; nem se prevalecer de violações que ele próprio causou- tu quoque; ou atuar com o objetivo de prejudicar terceiros- exercício em desequilíbrio. (XXXXXXXX, 1996, p. 896).
Nas relações jurídicas, a boa-fé assume inúmeras funções, atua como método de interpretação, como ampliador do sentido dos deveres criados pelas partes, como dever colateral, etc. De fato, são aplicações múltiplas, mas todas têm como escopo garantir a preservação das expectativas razoáveis bem como do resultado prático almejado pelos sujeitos, e essa tutela é feita situando as manifestações dos contratantes no contexto em que foram feitas e aplicando as normas adequadas.
Conforme Xxxxxx Xxxxxxxxxxxx (1983) "a interpretação deve orientar-se a determinar o significado mais correto do negócio, em consideração a sua função e a sua eficácia como ato de auto regulação dos interesses dos particulares”. Assim, quando as palavras falham e as estipulações contratuais mostram-se obscuras, o alcance da finalidade útil do acordo depende de uma interpretação justa que abstraia a real intenção das partes bem como o significado de suas manifestações escritas e não escritas. A interpretação supra descrita é chamada por Xxxxxx (1978) de complementar do contrato, uma vez que supre lacunas semânticas para resolver situações não previstas ou mal delineadas no contrato, de uma maneira que as partes teriam concordado se tivessem antevisto o evento incerto. (apud XXXXXXX XXXXXXXXX, 2004, p. 292-293)
Outrossim, Xxxxxx Xxxxx em seu artigo Sentido do Código Civil assevera que:
É indispensável, porém, ajustar os processos hermenêuticos aos parâmetros da nova codificação, pois como nos ensina o insigne filósofo Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx- falecido recentemente aos 102 anos- a hermenêutica não se reduz a mero conjunto de normas interpretativas, porque é da essência mesma da realidade cultural que se quer compreender. Nada seria mais prejudicial do que interpretar o novo Código Civil com a mentalidade formalista e abstrata que predominou na compreensão da codificação por ele substituída. A boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências. (REALE, 2003, grifo nosso).
Quanto à função de ampliador de sentido das obrigações, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx (apud XXXXXXX XXXXXXXXX, 2004, p. 303), professor da universidade de Salamanca, em seus comentários à obra de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, assinala que "[...quem se obriga, deve prever o alcance virtual da obrigação e não se limitar apenas ao que foi convencionado, incorrendo, valha a expressão, em uma evidente
miopia jurídica." A dificuldade de enxergar além acima referida é explicada pelo fato de ser um erro amarrar a boa-fé aos termos expressos da convenção uma vez que as expectativas, principal objeto de tutela da boa-fé, são geradas não só pelas normas autônomas como também por palavras ditas oralmente, condutas e contexto.
Se um indivíduo A faz um contrato de leasing com o dono de um shopping para montar um supermercado e, meses depois, o shopping compra um pedaço de terra para expandir e vende parte dele para uma grande rede de supermercados, percebe-se alguma injustiça, pode não ter havido a violação de cláusula expressa mas com certeza houve do dever colateral da boa-fé. Chama-se dever colateral por complementar as obrigações escritas independente de estipulação, a partir, principalmente, dos deveres de informação, proteção, conselho e fidelidade.
A informação serve para auxiliar a formação da declaração de vontade na fase negocial e a boa consecução do dever de prestação; para a abstenção de enganar ou induzir a contraparte a erro; e, em vista da assimetria de conhecimento das partes referente à operação econômica, para "reduzir os custos de transação tais como os decorrentes dos custos de monitoramento e cumprimento do contrato (entregas, conferências e administração de prazos), de negociação (estudos, perícias, auditorias) e de rediscussão dos contratos (onerosidade excessiva e inadimplementos)" (XXXXXXXXXXXX XXXXX, 2013, p. 3).
A proteção consiste em "evitar a lesão de interesses pessoais ou patrimoniais da contraparte", muito comum em contratos de seguro; o conselho consiste em advertir o outro sobre as consequências que podem advir de uma determinada decisão; e, finalmente, a fidelidade, comum nos contratos em que a confiança é essencial, como no mandato, consiste em sempre privilegiar os interesses do outro e evitar relações que gerem conflito de interesses. (XXXXXXX XXXXXXXXX, 2004, p. 307).
Fica nítido, portanto, que "a boa-fé serve como limitação ao exercício dos direitos subjetivos proibindo o abuso ou o desvio de seu exercício, e impulsiona as partes a serem coerentes em seu comportamento, evitando contradizer seus próprios atos, entre outras condutas". (XXXXXXX XXXXXXXXX, 2004, p. 290).
Por fim, como decidiu o juiz Cardozo no precedente americano Wood v. Xxxx, Xxxx Xxxx-Xxxxxx, uma promessa pode não estar expressa e ainda ser exigível pelo fato de ser instintiva (XXXXXXX, 1995, p. 783). Assim foi a decisão:
A lei não se importa com o significado preciso de uma frase no contrato, com o encontro exato de uma promessa com a outra. Às vezes as obrigações não se encaixam perfeitamente como as partes de um quebra- cabeça, e ainda, todo o contrato, como foi dito em McCall Co. V Xxxxxx, pode incluir um “instinto de obrigação” expresso de maneira imperfeita. (XXXXXXX, 1995, tradução nossa).
Destarte, a boa-fé é um dever natural de todo contrato e, por isso, um instinto de obrigação para que o contrato tenha razão de existir.
4 O ABUSO DE DIREITO E SUA RELAÇÃO COM A BOA-FÉ
Um dos princípios corolários do contrato é a liberdade negocial, as partes são livres para determinar os direitos e deveres que vão reger a obrigação, entretanto, ela não é absoluta pois deve estar delimitada pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, quando alguém se excede no exercício de seu direito, sem intenção clara, e gera prejuízo à parte contrária, fala-se em abuso de direito.
Para exemplificar, se o vizinho de um terreno utilizado para o pouso de dirigíveis construir enormes edifícios que representem perigo para as aeronaves que ali aterrissam, há exercício anômalo e despropositado do direito de propriedade e, por isso, abuso de direito. A situação ilustrada configura o caso Xxxxxxx Xxxxxx julgado pela Corte de Amien na França em 1912 (USTÁRROZ, 2019), assim descrito:
Considerando que resulta do acórdão recorrido que Xxxxxxxx instalou em seu terreno contíguo ao de seu vizinho Xxxxxxx-Xxxxxx, estruturas de madeira de dezesseis metros de altura cobertas por barras de ferro pontiagudas, sem qualquer utilidade para a exploração de suas terras e com o único propósito de prejudicar Xxxxxxx-Xxxxxx, e que, no sentido do artigo 647 do código civil, a altura da estrutura estava em desacordo com o autorizado para a proteção de seus legítimos interesses como proprietário; a sentença aprecia a existência de um abuso de direito por parte de Xxxxxxxx e o condena a indenização pelos danos causados a uma aeronave de Xxxxxxx-Xxxxxx, e à retirada das barras de ferro que se sobrepõem às estruturas de madeira. (USTÁRROZ, 2019, tradução nossa).
A verdade é que o fundamento do abuso de direito está na boa-fé pois o ato abusivo viola o dever de agir com base na confiança e lealdade, padrões de comportamento exigidos pelo princípio da boa-fé que evitam a quebra das expectativas geradas pela relação jurídica. Conforme o enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil, “a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”, assim, o abuso de direito é uma causa geral de ilicitude objetiva pois independe de culpa para sua averiguação, que visa a proteção da confiança nos contratos e cujo padrão de determinação é delineado pela boa-fé.
Dentro do instituto há algumas situações específicas tais como o venire contra factum proprium, a supressio e a surrectio, o tu quoque, o duty to mitigate the loss, a substancial performance e a violação positiva do contrato, aos quais passa-se à explicação em seguida.
Quanto ao venire contra factum proprium e ao tu quoque, em ambos há incoerência entre duas condutas que se sucedem, a diferença é que no venire contra factum proprium as duas são lícitas mas o segundo comportamento não condiz com as expectativas geradas pelo primeiro, e no tu quoque o que há é o levantamento de uma pretensão decorrente de uma violação só que quem viola seus deveres não pode exigir seus direitos, um exemplo disso é a exceptio de non adimplenti contractus, aquele que não cumpriu suas obrigações não pode exigir da outra parte o seu cumprimento.
Os institutos da supressio e surrectio, por sua vez, são dois lados da mesma moeda e ocorrem em decorrência da passividade do titular de uma relação jurídica que passa não ser mais exigível em razão das expectativas geradas pela inércia do credor. O duty to mitigate the loss é ilustrado no art. 771 do CC/02 e no enunciado 169 da Jornada de Direito Civil que dispõe "o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”, aqui há a obrigação de minorar as próprias perdas para não agravar a situação do devedor, é muito comum nos casos que envolvem seguro de veículo e acidente de trânsito.
Substancial performance, também chamado teoria do inadimplemento mútuo, é a possibilidade de obstar a penalidade máxima de resolver um contrato, direito potestativo do credor, em virtude de um descumprimento mínimo da obrigação, isso acontece não só por ser uma medida desproporcional como também por não atender ao interesse social nas tratativas. Nesse sentido o Enunciado 361 da
Jornada de Direito Civil "o adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.
Por fim, a violação positiva do contrato é aquela decorrente da violação dos deveres colaterais do contrato, isto é, aqueles derivados da boa-fé, e da quebra antecipada da obrigação. Salienta-se que no sistema do common law existe o instituto do antecipatory breach (ruptura antecipada), que permite que o contratante ajuíze ação de resolução contratual, caso saiba antecipadamente da intenção de não cumprimento da obrigação pela outra parte.
4.1 Teoria da Imprevisão e a Boa-fé
Viu-se que o contrato organiza uma relação, formaliza um compromisso de fazer algo junto com alguém buscando a perenidade do acordo com prestações equilibradas. Destarte, quando a alínea normal do contrato é alterada por um evento extraordinário torna-se necessária a aplicação da teoria da imprevisão para a preservação da intenção econômica por meio da flexibilização das cláusulas pré- estabelecidas. Afirma-se, portanto, que a boa-fé é uma força endógena da teoria da imprevisão (XXXXXX, 2001, p. 343) visto que esta última busca a conservação do contrato a partir da manutenção das expectativas criadas pelo acordo inicial.
Assim como a lei, o contrato é algo vivo e evolutivo, ou seja, é impossível prever todos os desdobramentos pelos quais passará no futuro, por isso sua planificação tem grande probabilidade de conter lacunas e para evitar a onerosidade excessiva, a alteração da base econômica do contrato, e o abuso de direito, provocados por uma mudança externa, é preciso gerir os riscos que incidiram naquela relação, através do compartilhamento do ônus. Tendo em vista que o equilíbrio real prefere ao formal, sempre que as circunstâncias supervenientes transformarem o equilíbrio de ontem no desequilíbrio de hoje faz-se mister a integração das cláusulas para garantir a maturação do negócio em curso. (XXXXXX, 2001, p. 363-364)
A revisão é importante para evitar que o devedor se submeta a uma situação em que tenha que escolher entre continuar uma relação que lhe acarreta prejuízo ou descumpri-la, e não só frustrar suas expectativas como sofrer todas as dificuldades que decorrem da inadimplência. E isso é algo que compromete a função social do contrato, prevista no art. 421 do CC/02, uma vez que dificulta a circulação de riquezas no âmbito do mercado econômico.
Nesse ponto, ressalta-se o entendimento de Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx em seu livro Programa de Direito do consumidor: “o contrato só cumpre a sua função social com o adimplemento das obrigações convencionais, meio pelo qual é obtida a circulação de riquezas e mantém-se a economia girando”
Reforçando a tese de que as pessoas devem ser livres não só para contratar como também livres do contrato, cita-se o julgado da Terceira Turma do STJ:
Da análise do acórdão de fls. 126/137, verifica-se que o TJ/GO fundamentou o julgado também na afronta aos princípios da boa-fé objetiva, da probidade e da função social do contrato, consagrados nos arts. 187, 421, 422 e 2.035, parágrafo único, do CC/02. Todavia, pelos mesmos motivos expostos acima, não vejo como o objeto principal do contrato, qual seja, a venda e compra de safra futura a preço certo, possa violar tais princípios. Muito ao contrário. A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Este não pode ser ignorado, a pretexto de cumprir-se uma atividade beneficente. Ao
contrato incumbe uma função social, mas não de assistência social. Por mais que o indivíduo mereça tal assistência, não será no contrato que encontrará remédio para tal carência. O instituto é econômico e tem fins econômicos a realizar, que não podem ser postos de lado pela lei e muito menos pelo seu aplicador. A função social não se apresenta como objetivo do contrato, mas sim como limite da liberdade dos contratantes em promover a circulação de riquezas. (Terceira Turma. REsp 783404/GO, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, x. em 28/06/2007, DJ 13/08/2007, grifo nosso).
Cabe ressaltar que, não obstante a lei 13.874/2019 tenha realçado o caráter excepcional da revisão contratual, ao inserir o art. 421-A e o parágrafo único do art. 421 ao CC/02, esta ainda prevalece como medida a ser adotada no contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (BRASIL, 2019, grifo nosso).
A 15ª Câmara Cível do TJMG, no julgamento da Apelação Cível 1.0701.09.260089-2/002, realizado no dia 29/08/2013, citou, em sua ementa, a boa- fé objetiva como fundamento passível de justificar a revisão dos contratos de compra e venda:
APELAÇÃO - REVISÃO DO CONTRATO - PROMESSA DE COMPRA E
VENDA - MORA PROLONGADA. Nas ações revisionais de contrato de promessa de compra e venda, a existência de mora prolongada confronta com os deveres decorrentes de obrigação correlata à obrigação principal, tais como boa-fé objetiva e os que decorrem da função social do contrato.
Por fim, cabe esclarecer que a revisão não é oposta ao princípio da força obrigatória dos contratos, na verdade os dois se complementam já que visam a eficácia do contrato. Assim, havendo risco econômico anormal, tal qual aquele decorrente de fatos “previsíveis, porém de consequências incalculáveis”, a autonomia da vontade deve ser exercida dentro das previsões legais a bem da construção de uma sociedade em que vigore a livre iniciativa, mas com justiça social. Em suma, a revisão é um remédio que se aplica à relação jurídica para que esta continue a existir de maneira saudável, consoante VILLELA (2010), é uma medida necessária para que as partes “possam celebrar negócios cuja execução permita atingir o objetivo que justificou sua pactuação, de modo a realizar o papel que se espera de todo e qualquer contrato”. (apud ZANETTI, 2013, p. 467)
4.1.1 A Teoria da Culpa in Contrahendo e sua relação com a Boa-fé
Que as partes estão sob o dever, classificado como contratual, de negociar em boa-fé já ficou claro, agora resta enfatizar que o mesmo dever cabe na fase extracontratual. Nesse sentido, a publicação de Ihering de 1861 intitulada “Culpa in
contrahendo (XXXXXXX e XXXX, 1964, p. 447), ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição”, segundo o autor, o promitente que cria na outra parte a falsa aparência de criação de uma obrigação, é culpado e deve ser responsabilizado. Nessa perspectiva, a teoria da culpa in contrahendo, representada pela responsabilidade pré-contratual, reforça a efetivação da boa-fé posto que visa a proteção das expectativas criadas por uma manifestação tendente a criar uma relação jurídica contratual.
Uma vez que duas ou mais pessoas entram em negociação, passa a existir um relacionamento de confiança entre elas, independentemente do sucesso ou fracasso desta fase preliminar. Fica nítido, portanto, que a responsabilidade preliminar não é absoluta, ela se limita às condutas desalinhadas com a confiança, violadoras da boa-fé objetiva, não há penalidade em caso de insucesso na celebração do contrato, mesmo porque a negociação não vincula as partes. Outra situação legítima de ocorrer é quando a retratação chega ao oblato antes ou concomitantemente com a oferta, nesse caso a proposta perde o caráter vinculante e o contrato não se forma.
De modo exemplificativo, imagine que uma pessoa negocie sua casa com alguém mesmo já a tendo vendido a outra pessoa, percebe-se aqui que o proponente age de má-fé não só porque cria expectativas que sabe que não podem ser concretizadas como porque ignora o dever de informar ao compartilhar informação falsa com o contratante, qual seja de que a casa negociada era de sua titularidade. Outro caso de falsa informação é quando uma pessoa entra em uma sociedade em função do valor dos ativos a serem introduzidos no empreendimento pela outra parte e essa promessa não se concretiza, nesse caso, essa pessoa terá direito a ser ressarcida da perda que sofrer se a parceria fracassar pela subcapitalização. (XXXXXXX e XXXX, 1964, p. 405).
O ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx do STJ, em trecho de decisão monocrática no AREsp 1711493, afirma:
A este respeito, confira-se: "[...] a cláusula geral que estabelece a concepção social do contrato (art. 421 do novo CC) representa outro fundamento da responsabilidade pós-contratual. A função social do contrato tem por escopo limitar a autonomia privada, a liberdade de contratar, impondo um comportamento ético, proporcional aos contraentes, impedindo distorções à ideia de comutatividade, que deve imperar em toda relação contratual" (Rogério Ferraz Xxxxxxx, Responsabilidade Pós-Contratual no Novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 114). E, em relação aos deveres intrínsecos ao referido princípio, conclui o autor que, embora "[...] preveja o art. 422 do novo Código Civil que a noção de probidade e boa-fé deva estar presente na conclusão e execução da avença, por se tratar de uma cláusula geral (aberta), essa atitude dos contratantes deverá ser seguida não somente durante a fase contratual, mas também antes e após a celebração do pacto. Isso significa que o dispositivo em questão abarca situações como a culpa in contrahendo e a culpa post factum finitum" (op. cit. p. 113).
Em síntese, se as partes acharem oportuno e conveniente, é possível a desistência das negociações sem maiores consequências, contudo, se forem praticados atos que criam expectativas reais de realização do negócio e a parte realizar despesas em razão do contrato esperado que depois não se concretiza por culpa ou dolo, apura-se a responsabilidade pré-contratual através da aplicação dos arts. 186 ou 187 do CC/02.
Por fim, importa ressaltar que a teoria da culpa in contrahendo não é conflitante com o princípio da liberdade contratual, isso porque sem a gestação de uma negociação transparente e pautada na boa-fé não é possível o nascimento de um contrato adequado ao seu fim social, o objetivo é evitar abortos contratuais dolosos pois sem o principal, o acordo, não é possível o acessório, a liberdade.
4.1.1.1 Boa-Fé Objetiva e Subjetiva
A separação da boa-fé entre subjetiva e objetiva começou no século XIX, na Alemanha, a partir da polêmica instaurada por Xxxxx e Wächter acerca da natureza psicológica ou ética da boa-fé, para o primeiro o caráter que prevalece é o objetivo e para o segundo o subjetivo. (VILLARREAL, 2009, p. 48).
Xxxxx observa a manifestação exterior da conduta, sua retitude e integridade, sendo irrelevante a intenção ou crença de que está agindo bem. Wächter, por sua vez, define boa-fé como a simples ignorância, estado psicológico e não volitivo, de causar dano a direito alheio, a íntima convicção de estar em uma situação regular com o Direito.
Para esclarecer essa confusão de conceitos retorna-se ao direito romano em que o direito das obrigações era permeado pela confiança e pelo tratamento probo, ou seja, a boa-fé objetiva. No direito real, em contrapartida, a boa-fé predominante era a subjetiva especialmente em matéria possessória, com relação à teoria da usucapião e teoria dos frutos. No Brasil, a perspectiva é a mesma como se pode observar do art. 1242, caput, do CC/02, que trata da usucapião ordinária exigindo a boa-fé subjetiva, ignorância do vício que impede a aquisição da coisa, e do art. 51, IV, do CDC, que estabelece a boa-fé objetiva como padrão de comportamento nas relações consumeristas sob pena de nulidade das cláusulas que a violarem. Vejamos:
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. BRASIL, 2002).
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. (BRASIL, 2015).
Acerca da classificação da boa-fé, preceitua Xxxxx Xxxxx (2006):
A boa-fé subjetiva consiste em crenças internas, conhecimentos e desconhecimentos, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de situação adversa. Quem compra de quem não é dono, sem saber, age de boa-fé, no sentido subjetivo.
A boa-fé objetiva baseia-se em fatos de ordem objetiva. Baseia-se na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na outra.
Desse modo, conclui-se que a classificação da boa-fé em objetiva e subjetiva se refere à relevância ou não da aparência de regularidade legal de um comportamento dentro do Direito, foi visto que é requisito no Direito Real, mas não no Direito contratual.
5 CONCLUSÃO
Viu-se que a vida do homem é fundada na cooperação entre os indivíduos e para que esta ocorra são necessários entendimento, comunicação e confiança e sob este último elemento se constrói a boa-fé. Assim, o acordo intersubjetivo e amparado pelo Estado de fazer algo conjuntamente, definição de contrato, pressupõe o comportamento íntegro das partes, de acordo com os parâmetros da boa-fé, para que elas confiem o suficiente uma na outra a ponto de firmarem um compromisso obrigacional.
Além disso, o contrato é regulado de maneiras distintas em função do sistema legal sob o qual está inserido, se se trata do sistema da common law o momento de sua formação é com a manifestação de indícios de acordo e sua causa principal é a barganha, e resiste à responsabilidade pré contratual; se o caso é da civil law, entretanto, a formação é a partir de uma clara evidência do acordo de vontades e se dá não só quando há sinalagma e barganha como também em contratos unilaterais, mandato e depósito, e simpatiza com a responsabilidade pré contratual. A semelhança reside no fato de que em ambos o objetivo é permitir o negócio livre e facilitado no contexto da economia de mercado.
Quanto à formação, se perfaz com a aceitação da oferta salvo se não for costume exigi-la, devendo esta ser alinhada com a proposta pois o ofertante é o mestre da xxxxxxxx e só se vincula ao que prometeu. Ademais, possui alguns requisitos de validade, quais sejam barganha séria intencionada a criar uma relação jurídica e consoante a moralidade coletiva, objeto determinado ou determinável, salvo no caso dos contratos aleatórios, e ausência de retratação.
A nova perspectiva constitucional da CRFB/88 provocou alteração na tratativa dos contratos, estes passam a ser considerados instrumentos voltados à concretização da justiça social. Princípios como a boa-fé, função social e dignidade humana promoveram a superação do caráter puramente individualista do Direito Privado sem, contudo, suplantar os princípios cardeais do direito privado, quais sejam a autonomia privada, a força obrigatória dos contratos e a relatividade obrigacional.
Com os trabalhos gregos acerca da eticidade comportamental e com o instituto da bona fides judicia romana, o princípio da boa-fé tem seus primeiros traços delineados. Na era medieval o instituto adquiriu feição religiosa, e na modernidade, foi positivado superficialmente no Código Napoleônico. No Brasil, o Código Comercial de 1850 faz menção ao princípio, mas este só começa a ter eficácia após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Apesar ter um conceito aberto, pôde-se concluir que o princípio trata do respeito às expectativas criadas pelo próprio comportamento na outra parte acerca da criação de uma relação jurídica, e de uma ação transparente que não se esgota na própria virtuosidade, mas que funciona como meio a garantir a eficiência econômica do negócio a partir da maximização dos interesses das partes. Quanto a sua aplicação, é observável em todas as etapas do iter contratual, antes, durante e após o acordo.
Em torno da boa-fé há institutos importantes tais como a culpa in contrahendo, os deveres acessórios, o abuso de direito e a alteração das circunstâncias. Em relação ao primeiro, trata-se da responsabilidade pré-contratual em função da violação do princípio da boa-fé, o segundo refere-se às obrigações não escritas passíveis de cumprimento para a devida execução do acordo, o terceiro cuida da
extrapolação dos limites de exercício de um direito, e o último, trata da teoria da imprevisão.
Por fim, a separação entre a boa-fé objetiva e subjetiva, o primeiro sendo um padrão de comportamento ético que predomina no direito contratual, como demonstrado no art. 51, IV, do CDC, e o segundo uma convicção de agir em conformidade com o Direito, prevalente no direito real, no art. 1242 do CC/02.
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