DIREITO DE IMAGEM E DIREITO DE ARENA NO CONTRATO DE
DIREITO DE IMAGEM E DIREITO DE ARENA NO CONTRATO DE
TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
Análise sob a ótica da Lei n. 12.395/2011
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XXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXXX
Advogado, Mestre em Direito do Trabalho, Historiador e Jornalista
DIREITO DE IMAGEM E DIREITO DE ARENA NO CONTRATO DE
TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
Análise sob a ótica da Lei n. 12.395/2011
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2a edição atualizada
R
EDITORA LTDA.
Todos os direitos reservados
Xxx Xxxxxxxxx, 000
CEP 01224-001
São Paulo, SP — Brasil Fone (00) 0000-0000
xxx.xxx.xxx.xx Outubro, 2012
Versão impressa - LTr 4711.7 - ISBN 978-85-361-2321-9 Versão digital - LTr 7437.6 - ISBN 978-85-361-2341-7
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol: análise sob a ótica da lei n. 12.395/2011 / Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. — 2. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo : LTr, 2012.
Bibliografia.
1. Atletas — Brasil 2. Contratos de trabalho —
Brasil 3. Direito de arena — Brasil 4. Direito de imagem — Brasil I. Título.
12-11610 CDU-347.78:331.116:796.071.24
Índices para catálogo sistemático:
1. Atletas profissionais : Direito de imagem e direito de arena : Contratos de trabalho 347.78:331.116:796.071.24
2. Direito de imagem e direito de arena : Atletas profissionais : Contratos de trabalho 347.78:331.116:796.071.24
Dedico este livro a Xxxxxx, amada companheira de todas as horas, e a Xxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxx,
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filhas maravilhosas. Apoio e estímulo inesgotáveis.
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Desejo registrar aqui meus agradecimentos a algumas pessoas que muito colaboraram para a realização deste livro. Antes de todos, uma declaração de gratidão ao
Prof. Dr. Xxxxxx Xxx xx Xxxxxxx, por sua confiança e seu apoio.
Meu agradecimento também à Profª. Drª Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx que, pacientemente, muito auxiliou no corte epistemológico do tema. E o reconhecimento do papel de Xxxxx Xxxxx X. Xxxx, irmã do coração, cujas leituras e sugestões ajudaram a sanar alguns dos problemas do texto.
Por último, mas não menos importante, uma deferência especial ao Sindicato de Atletas de São Paulo (Sapesp), onde, por seus dirigentes e funcionários, foi-me permitido vivenciar o dia a dia dos problemas dos jogadores, em um momento crucial de sua nova realidade jurídica.
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A todos, meus agradecimentos especiais.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 11
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 13
PREFÁCIO 15
INTRODUÇÃO 19
1. HISTÓRIA DA PROFISSÃO DE ATLETA 23
1.1. Futebol no Brasil — Origens 23
1.2. “Amadorismo marrom” 26
1.3. Êxodo para o exterior 30
1.4. A profissionalização 34
1.5. O futebol e o Estado 35
1.6. A organização do esporte nacional — A era da legislação 41
1.7. A regulamentação da atividade do atleta — A era do passe 47
1.8. A Constituição de 1988 — A era dos direitos 53
1.9. A aplicação e as alterações da “Lei Pelé” — A era dos embates 55
1.10. Lei n. 12.395/2011, a alteração da “Lei Pelé” — O retrocesso 60
2. O CONTRATO DE ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL — NATUREZA
JURÍDICA 68
2.1. Polêmica pré-normativa 68
2.1.1. Natureza civil do contrato 69
2.1.2. Natureza desportiva 72
2.1.3. Natureza trabalhista 75
2.2. Solução legal e a situação atual 78
2.2.1. Lei n. 6.354/76, a “Lei do Passe” 79
2.2.2. Lei n. 9.615/98, a “Lei Pelé” 82
3.1. A imagem e os direitos da personalidade 85
3.2. Direito de Imagem 91
3.2.1. Conceito e autonomia 91
3.2.2. Garantia constitucional 93
3.2.3. O uso consentido da imagem, a cessão 95
3.3. Direito de Imagem no contrato de trabalho do atleta profissional 99
3.3.1. Imagem pessoal e imagem profissional 100
3.3.2. Valorização da imagem pessoal do atleta 101
3.3.3. A imagem pessoal e o clube empregador 102
3.3.4. A licença lícita do uso de imagem 104
3.3.5. A contratação ilegal 106
3.3.6. A Lei n. 12.395/2011 e o Direito de Imagem 118
4. DIREITO DE ARENA 122
4.1. Direitos da personalidade na pessoa jurídica 123
4.2. Direito intelectual e direitos conexos 124
4.3. O Direito de Arena e o atleta profissional 127
4.3.1. Evolução legislativa 127
4.3.2. Características, titularidade e natureza jurídica 132
4.3.3. Arrecadação e distribuição do Direito de Arena 136
4.3.4. A Lei n. 12.395/2011 e o Direito de Arena 141
4.3.5. O cálculo do Direito de Arena 144
CONCLUSÕES 149
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153
ANEXO — LEGISLAÇÃO 161
APRESENTAÇÃO
A vida acadêmica é uma das maiores entregas a que uma pessoa se submete. Não afirmo isso como uma situação de sofrimento ou de sacrifícios. Quando falo em entrega, afirmo o caráter de dedicação a que se submetem aqueles que lecionam, escrevem e pesquisam na vida universitária.
Com efeito, o tempo que é dedicado à Academia se o fosse em outras atividades, a recompensa financeira certamente seria maior.
Ocorre, entretanto, que a satisfação e a sensação de utilidade à humanidade que o trabalho acadêmico proporciona é maior do que qualquer compensação financeira.
Para se dedicar à vida acadêmica, o professor, o pesquisador, enfim, aquele que trabalha com educação, deve ter sensibilidade diferenciada, humildade sincera e sentido de doação ao próximo, além de desapego a bens materiais, ao menos advindos da atividade a que se dedica.
Essas virtudes, sem dúvida, as têm o autor desta obra, professor Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx.
Mesmo aqueles que não compartilham do convívio com o autor, basta a leitura deste trabalho para concluir que se está diante de um pesquisador sensível, humilde e desprendido.
Uma obra que inicialmente foi escrita como dissertação de mestrado, apresentada à banca examinadora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e que recebeu nota 10, por si só comprova a preocupação de seu autor em apresentar à comunidade acadêmica um trabalho sem máculas, fossem de mérito ou de escrita.
Poucas dissertações e teses são tão completas quanto a elaborada pelo professor Xxxxx Xxxxxx, e que agora se torna esta obra que você, leitor, tem em mãos.
Por ter participado da banca de defesa como examinador, posso garantir, com a experiência de quem nos últimos dez anos examinou 150 dissertações/ teses, que o trabalho escrito e a defesa oral foram simplesmente impecáveis.
O autor nos apresenta uma análise do Direito de Imagem e do Direito de Arena, analisando doutrina e jurisprudência, fazendo críticas e apresentando soluções aos problemas que envolvem os institutos, além de uma parte histórica admirável.
Quem quer conhecer as origens do futebol em nosso país encontra neste trabalho uma fonte excelente, pois o autor conseguiu sintetizar as informações que se encontram em várias outras obras, com a vantagem que sua forma de redigir é extremamente agradável.
Portanto, caro leitor, você tem em suas mãos um trabalho de alto nível.
Sinto-me profundamente honrado em poder ocupar este espaço para apresentar o professor Xxxxx Xxxxxx e sua obra.
Bem-vindo amigo Xxxxx Xxxxxx, a academia jurídica te recebe com carinho e se sente engrandecida com sua presença.
Felicito a LTr pela publicação desta obra que, não tenho dúvidas, será um grande sucesso.
Boa leitura!
Doutor e mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Pós-doutor em Direito do Trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha, Espanha. Presidente do Instituto Iberoamericano de Derecho Desportivo. Vice-Presidente da Asociación Iberoamericana de Derecho Del Trabajo y de la Seguridad Social. Membro da Academia Paulista de Direito. Advogado.
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
Originalmente este trabalho foi elaborado tendo preocupações de longo e de curto prazo. No longo prazo, estava o estudo da história da profissionalização do atleta, gestada ao longo de mais sessenta anos, buscando entender o processo que desaguou na Lei n. 9.615/98, a “Lei Pelé”. Também no longo prazo estava o estudo dos Direitos da Personalidade, em especial o Direito de Imagem e o Direito de Arena, de suas características gerais e de como eles se expressavam no caso específico do atleta profissional.
No curto prazo, o trabalho tinha o objetivo bastante pragmático de colaborar, de forma prática, com a busca desses direitos da personalidade no dia a dia do atleta. Viu-se que a profissionalização do atleta é tardia e incompleta e, ainda, que alguns direitos definidos em lei deixam de ser pagos pelas agremiações desportivas. Assim, entendeu-se que a indicação de alguns caminhos para a obtenção desses direitos poderia ser bastante útil. Os depoimentos de atleta e de advogados, assim como a referência do livro em decisões dos tribunais, mostraram que essa finalidade, de certa forma, foi alcançada.
A realidade é dinâmica, e as relações entre as agremiações desportivas e os atletas são conflitivas. A “Lei Pelé”, o primeiro documento legal a pretender regular essas relações, há catorze anos enfrenta a resistência dos clubes que ainda não conseguiram se adequar totalmente à nova realidade. Essa inadequação se expressa especialmente no Congresso Nacional, onde um poderoso lobby dos clubes já conseguiu diversas alterações na lei, sempre em detrimento dos direitos dos atletas.
A mais recente delas foi a aprovação da Lei n. 12.395, de 16 de março de 2011, que alterou 32 dos 96 artigos da “Lei Pelé”, muitos deles subtraindo dos atletas direitos conquistados há bem pouco tempo. Entre essas alterações, estavam duas em especial, os arts. 42 e 87-A, que mudaram completamente o Direito de Imagem e o Direito de Arena. As alterações deram novas características a esses direitos, impondo a necessidade da presente reedição.
A simples menção ou referência a uma possível “flexibilização” das leis trabalhistas causa inflamados debates nos meios de comunicação, o que também ocorre quando se menciona a supressão de algum direito de uma determinada categoria profissional. As centrais sindicais, assim como os
partidos e organismos progressistas ou mais à esquerda do espectro político, não admitem sequer o início de um debate que possa concluir pela extinção de direitos.
O mesmo não acontece quando a categoria é a dos atletas. A Lei n. 12.395/2011, que subtraiu e alterou direitos dos profissionais do esporte, foi aprovada no Congresso Nacional por votação simbólica, sem discussão. Mais que disciplinar alguns aspectos da lei geral do esporte, a nova norma demonstrou que os direitos dos atletas, obtidos muitas décadas depois das outras categorias, ainda não estão consolidados.
PREFÁCIO
Num primeiro momento, tratar do regime jurídico do atleta profissional de futebol pode parecer de pouco interesse social e científico.
Essa postura provavelmente é reflexo de certo preconceito a respeito do meio esportivo futebolístico, às vezes sacudido por práticas condenáveis.
Por outro lado, pode-se pensar que esse regime jurídico não oferece maiores indagações, já que regulado por legislação sem nenhuma complexidade e de fácil aplicação.
No entanto, nos dias de hoje, o futebol reveste-se de importância social crescente, envolvendo interesses os mais diversos no mundo dos negócios, onde as práticas condenáveis constituem exceções, como em qualquer atividade humana.
Ademais, o exame do regime jurídico do atleta profissional de futebol não pode limitar-se a uma análise meramente positivista da legislação pertinente, mas exige sua contextualização numa visão mais aberta do direito moderno, já que os direitos trabalhistas do atleta de futebol, como trabalhador, são protegidos como direitos humanos positivados constitucionalmente na linha dos direitos fundamentais.
Portanto, esse é o mérito de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, que, da militância profissional como advogado trabalhista na área, aliada às experiências no magistério de História e no jornalismo, preparou-se para encetar pesquisa acadêmica a respeito do regime jurídico do atleta profissional de futebol. Para tanto, valeu-se da metodologia de Xxxx Xxxxxx, buscando o conhecimento científico sobre o regime jurídico do atleta profissional de futebol, ao utilizar-se da técnica da problematização sobre conceitos aparentemente consolidados.
Recorreu, primeiramente, à história da profissionalização do atleta profissional de futebol, que lhe deu verdadeira cidadania.
A seguir, debruçou-se sobre o estudo da natureza jurídica do contrato do atleta profissional de futebol, tão necessária para a solução dos eventuais conflitos jurídico-trabalhistas.
Finalmente, fez brilhante análise dos institutos jurídicos do direito de imagem e do direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, algumas vezes confundidos justamente por falta de análise aprofundada.
Tive o privilégio de orientar a dissertação de mestrado de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, intitulada “Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional”, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde obteve o título universitário de Mestre em Direito, e, agora, tenho a satisfação de prefaciar seu livro sobre o tema, que, certamente, preencherá lacuna no meio editorial do Direito Desportivo.
Professor Doutor Xxxxxx Xxx xx Xxxxxxx
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Aceitamos, portanto, a ideia de que a função da ciência é a busca da verdade, ou seja, de teorias verdadeiras (embora, como observou Xenófanes, podemos nunca alcançá-las ou mesmo não reconhecer sua veracidade). Enfatizamos, porém, o fato de que a verdade não é o único objetivo da ciência. Procuramos mais do que a simples verdade: buscamos uma verdade interessante — difícil de ser descoberta.
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Xxxx Xxxxxx, Conjecturas e refutações, 1963.
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INTRODUÇÃO
Nosso primeiro contato com o Direito Desportivo, e com as questões relativas ao contrato de trabalho do atleta profissional, deu-se no início do ano de 2000, quando iniciamos uma colaboração no Departamento Jurídico do Sindicato de Atletas de São Paulo (Sapesp). O Direito nascia como uma opção madura. O tardio início da carreira jurídica se dava após uma experiência no magistério de História e uma longa militância no jornalismo paulista. As questões ligadas ao desporto estavam distantes de nosso dia a dia. O futebol era apenas mais um assunto do caótico cotidiano nas páginas dos jornais, olhado sempre com certo distanciamento e indiferença.
A colaboração no Sindicato dos Atletas alterou de forma significativa essa representação. Atletas e clubes, que antes eram apenas um conjunto de nomes impressos nos jornais do dia seguinte, ganharam fisionomia, tornando-se reais e palpáveis. O que antes nos parecia apenas uma atividade quase lúdica, muito próxima do lazer, sem muita importância, tornou-se uma profissão, com normas, regulamentação, contratos, história, direitos...
O atleta profissional de futebol vivia um momento inédito, pois a “Lei Pelé”,(1) que institui as normas gerais sobre desporto, ainda era muito recente, e alguns de seus dispositivos ainda estavam em vacatio legis, e somente entrariam em vigor em março de 2001. A hodierna lei era uma novidade para todos; jogadores, clubes, advogados e juízes ainda não tinham a completa tradução de seu sentido e significado. Supunha-se sua modernidade e os avanços que representava, mas, naquele momento, não era possível avaliar quão profundos eram.
Ao lado das incertezas e inseguranças, a vivência da nova lei trazia a possibilidade da inovação, da construção, da experimentação dos limites. Apresentava-se a possibilidade concreta da inserção definitiva do atleta de futebol, desde sempre um pária no mundo do Direito, nas modernas relações de trabalho.
Nos anos que se seguiram, muito foi feito. Hoje se tem um grande e aprofundado conhecimento da lei que regulamentou a atividade do atleta profissional. Já existe uma volumosa jurisprudência sobre vários aspectos
(1) Lei n. 9.615/98, de 24 de março de 1998.
do contrato de trabalho do atleta, assim como farta bibliografia doutrinária. Entretanto, as questões ligadas ao jogador de futebol, em sua relação com os clubes, não estão encerradas. Muito ainda se debate sobre a relação atleta/ empregado, clube/empregador. Os tribunais, em todo o país, ainda têm entendimentos discordantes e divergentes sobre o real sentido dos institutos ligados ao contrato de trabalho desportivo. Grupos de pressão ainda tentam mudar a lei, que desde sua promulgação até, pouco menos de dez anos, já foi alterada quatro vezes, havendo ainda no Congresso Nacional alguns projetos de lei que buscam novas mudanças.
Este trabalho nasceu de reflexões, sentimentos, certezas e dúvidas formulados ao longo desse período. Indiretamente, foi sendo construído em cada novo processo, em cada nova demanda, em cada nova questão que nos era apresentada. De forma alguma, pretende-se que seja definitivo ou conclusivo. Ao contrário, é uma contribuição para um debate que ainda está muito longe de acabar. Apenas mais uma colaboração, mas com a qualidade de ter sido forjada ao longo da História.
* * *
A busca do conhecimento sempre esteve presente na elaboração deste livro. Buscou-se entender algumas questões que envolvem o contrato de trabalho do atleta profissional a partir da clara consciência de um problema concreto, que aflige e afeta pessoas reais, e não de formulações abstratas. Foi a percepção da existência material desses problemas que despertou a necessidade da reflexão, mais teórica certamente, buscando sua superação.
Procurando não incorrer no erro das falsas verdades e das opiniões absolutamente conclusivas, mas que escondem toda uma série de problemas e divergências, busca-se, ao contrário, apresentar os problemas. A problematização do tema foi a escolha para demonstrar que se está tratando de temas novos, inconclusos, com muitas opiniões discordantes e divergentes.
Em todo o trabalho, procura-se evitar a mera leitura da lei e a apresentação pura e simples de uma extensiva relação das características definidoras do contrato de trabalho do atleta. Essa opção está apoiada em duas convicções. Em primeiro lugar, porque outros estudiosos já o fizeram, antes e melhor, e o trabalho não iria muito além de reproduzir seus textos, afastando-se da proposta inicial de problematização. Em segundo lugar, não se fez por acreditar que as características do contrato estão muito bem expressas, de forma quase autoexplicativa, na legislação correspondente, e uma leitura cuidadosa já esclarece seu teor. Essas características são destacadas no texto apenas quando se faz necessário citar particularidades de tais contratos.
Persegue-se aqui tarefas que se acredita serem mais relevantes. De um lado, buscar as origens dos institutos que hoje se apresentam, entendendo
que estes são frutos de uma longa evolução histórica, legal, doutrinária e jurisprudencial. De outro, apresentar propostas de solução para alguns nós górdios encontrados no dia a dia, no cumprimento dos contratos de trabalho de atletas e nos embates nos tribunais, especialmente para a questão do Direito de Imagem do atleta e do Direito de Arena.
A primeira preocupação específica do livro é buscar na História a gênese da atividade profissional do atleta e sua evolução no tempo. Essa abordagem inicial se deve apenas a uma necessidade burocrática. Sabe-se que o esporte, no geral, e o futebol, em particular, ocupa grande parte das preocupações e do imaginário nacional, chegando a ser usado como metáfora das qualidades e dos defeitos da nacionalidade. O futebol, que não poucas vezes faz o país ser visto como a “pátria de chuteiras”, é uma febre, uma paixão nacional, mas ainda é um grande desconhecido. Muitos ainda têm guardadas na memória a escalação de um determinado time campeão, uma partida especial, a descrição de um gol heróico, mas não conseguem avaliar os percalços e as mazelas que se escondem por trás do espetáculo.
A abordagem histórica busca exatamente mostrar as dificuldades e os dilemas da carreira de atleta profissional, que sempre foram escondidas pela glória e pela fama. Mostra que os deuses da bola enfrentavam, e ainda, de certa forma, enfrentam, dificuldades profissionais que há muito foram solucionadas para quase todas as outras categorias de trabalhadores do país. A evolução da legislação específica para a categoria sempre foi muito lenta, com atraso de mais de 40 anos comparada à CLT. A reflexão histórica mostra que os problemas contemporâneos vividos pelos atletas têm raízes no passado, em velhas práticas arraigadas, impossíveis de serem esquecidas e difíceis de serem superadas.
O recurso à História também está presente no segundo capítulo do livro. Agora não são mais os fatos que se encadeiam, mas a evolução das concepções da doutrina sobre o atleta e seu contrato com os clubes. Assim como no ponto anterior, o que se busca não é o simples relato burocrático, a simples observação. Busca-se a origem do cotidiano, a criação do presente. Tenta-se entender como e por que os jogadores demoraram mais de quatro décadas para terem livre acesso à Justiça do Trabalho.
O capítulo seguinte mergulha especificamente em um dos pontos centrais do trabalho: os direitos da personalidade, o Direito de Imagem e como ele se apresenta no caso do atleta profissional. Aqui, socorre-nos a Constituição Federal de 1988, que, de forma inédita no país, e inovadora perante as constituições de todo o mundo, elevou tais direitos à categoria das garantias individuais inafastáveis. Os direitos da personalidade, dotados de status constitucional, trouxeram novas questões para os trabalhadores, especialmente para aqueles cuja exibição da imagem é inerente à própria prática profissional.
O enquadramento constitucional do Direito de Imagem passou a colidir com antigas e arraigadas práticas dos clubes envolvendo os contratos de cessão de imagem, usuais quando da contratação do atleta. Velhos modos de proceder, iluminados por uma nova luz, mostraram esconder ardis, que gradativamente vêm sendo afastados pelo Poder Judiciário. O livro procura mostrar por que essas práticas devem ser entendidas como fraude, mas, ao mesmo tempo, indica que é possível utilizar-se da imagem do atleta de forma lícita, sem incorrer em práticas fraudulentas.
Por último, mas não menos importante, o trabalho trata do Direito de Arena, instituto de criação nacional, sem paralelo no mundo, e constantemente confundido com o Direito de Imagem. Há grande confusão entre os dois, cujos limites, em uma primeira aproximação, parecem ser pouco definidos. Contudo, a fronteira entre ambos é bastante clara se observados do ângulo correto, mudando um pouco o foco de visão, buscando auxílio de instrumental de outros ramos do Direito, especialmente das ferramentas do Direito Civil. O objetivo aqui é desfazer esse equívoco, mostrando que são direitos distintos, com distinta natureza jurídica e titulares diferenciados.
De uma forma geral, assim se organiza o presente trabalho. Procurou-se ser claro e, ao mesmo tempo, rigoroso quanto à utilização de conceitos e critérios. Da mesma forma, procurou-se fugir de uma dicotomia maniqueísta presente em muitos trabalhos que tratam dos direitos dos clubes e dos atletas. Esforçou-se para manter uma linha equânime entre as posições absolutas, entre as trevas e a luz. Contudo, essa prudência não deve ser entendida como neutralidade. As experiências, que deram origem a muitas reflexões aqui esboçadas, foram vividas pelo ponto de vista dos atletas. Essa ótica em nenhum momento foi ocultada.
Capítulo 1
HISTÓRIA DA PROFISSÃO DE ATLETA
1.1. FUTEBOL NO BRASIL — ORIGENS
A origem do futebol no Brasil tem uma história quase lendária, repetida à exaustão por comentaristas, jornalistas e torcedores em geral: no final do século XIX, 1894, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, um jovem anglo-brasileiro, trouxe o futebol junto com suas bagagens depois de uma temporada na Inglaterra. Trabalhos acadêmicos mostraram que esse mito popular resiste a uma análise histórica.(1) Realmente o jovem Xxxxxx, depois de anos estudando na Europa, voltou ao país, apaixonado e entusiasmado pelo novo esporte. Este ardor se expandiu pelas terras brasileiras, contagiando outros jovens, dispostos a difundi-lo e divulgá-lo.
Mais que uma aventura literária, o futebol chegou ao Brasil marcado por um componente social muito forte, que profundamente determinou seu desenvolvimento nos 30 anos seguintes: a elitização. O esporte nasceu e teve seu desenvolvimento inicial no país como uma expressão da elite dominante das grandes cidades do Centro-Sul.
Os jovens das elites urbanas, ao voltarem de seus estudos no exterior, transportaram para o país o novo jogo que começava a virar febre na Europa. No final do século XIX, nos colégios e nas universidades da Inglaterra, o jogo havia se tornado uma mania nacional, uma disciplina específica, ensinado como parte da formação dos jovens elegantes e nobres. Os brasileiros que foram estudar em terras britânicas incorporaram essa aura de virtude do esporte, e se apaixonaram.
O caso de Xxxxxxx Xxxxxx, ao trazer uma bola em sua bagagem, foi emblemático e simbólico, mas não foi o único. Como ele, diversos outros jovens da elite brasileira também tinham em suas malas a paixão pelo futebol. Aqui encontraram altos funcionários das empresas inglesas, que aportavam no país acompanhando e representando os maciços investimentos do
(1) Xxx XXXXXX, Xxxxxxxx (1990); XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx (2000); XXXXXX XXXX, Xxxx Xxxxxx dos (2002).
capitalismo britânico em terras brasileiras. Eram engenheiros, contadores, técnicos, também formados pelas mesmas escolas inglesas, também seduzidos, que se reuniam em clubes particulares, onde praticavam o novo esporte. Nessa fase, o futebol podia verdadeiramente ser chamado de “esporte bretão”.
Para difundir o futebol entre os ingleses, que viviam em São Paulo e jogavam cricket, Xxxxxx entregou-se a uma fervorosa atividade de missionário. O primeiro círculo que cultivou o jogo numa forma organizada foi formado por sócios de um clube inglês — o São Paulo Athletic Club —, que havia sido fundado para a prática do cricket e ao qual Xxxxxx se associou. O clube reunia altos funcionários ingleses da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway. (Rosenfeld, 1973. p. 62-3)
Na Inglaterra, o futebol levou quase um século para se consolidar entre os jovens escolares. A prática do esporte, que no início do século XIX era rigorosamente proibida, acusada de desviar a atenção dos moços dos assuntos sérios, poucas décadas depois se tornara uma atividade elegante e estimulada (Caldas, 1990. p. 23). No Brasil, sua expansão foi muito mais rápida. Nos colégios da elite, formavam-se bons jogadores, que passaram a integrar os clubes da época, como o Payssandu, no Rio de Janeiro, o Germânia
— atual Pinheiros —, o São Paulo Athletic Club, na capital paulistana.
O futebol surgia no Rio de Janeiro como uma novidade moderna e elegante. Introduzido no Brasil por imigrantes europeus e por jovens que traziam da Europa as novidades do moderno esporte, os primeiros anos do futebol na cidade ganharam na historiografia, como vimos, a marca de um jogo de elite, um fidalgo esporte inacessível a negros e trabalhadores em geral — na reafirmação de uma imagem construída, no período, pelos próprios administradores do jogo que se reuniam nos recém-fundados clubes da Zona Sul. (Pereira, 2000. p. 17)
O nascimento e os primeiros anos do futebol no Brasil ficaram marcados por esse caráter elitista. Os ingleses e estudantes que voltavam da Grã-
-Bretanha foram seus precursores; estes faziam parte da elite social e econômica das sociedades paulista e carioca. Era um esporte de ricos, para ricos. Além de sua origem transplantada, é necessário se considerar que tudo o que dizia respeito ao jogo — uniformes, bolas, redes, e até mesmo apitos — era muito caro, importado da Europa. Sua prática, inicialmente, exigia um grande campo, muito bem gramado e tratado. Essas características deram a conotação social do esporte em seus primeiros anos, mas essa face iria mudar rapidamente.
No início dos anos de 1910, começou-se a perceber que o esporte não ficaria restrito às elites que o criaram. Empresas inglesas, com seus engenheiros e técnicos, formavam times de futebol, que se apresentavam nos dias de folga e nos intervalos do trabalho. O mais significativo desses clubes foi o Bangu, criado no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, pelos ingleses da empresa têxtil Companhia Progresso Industrial do Brasil, patrona da equipe time. As apresentações do time passaram a ser assistidas com entusiasmo pelos operários, não só por “amor à camisa” da empresa, mas pelo fascínio que o esporte despertava. Não demorou muito para que esses mesmos operários passassem a praticar esse esporte nas ruas de terra e nos terrenos próximos de suas casas. Não demorou muito também para que surgissem bons jogadores entre esses operários.
A Companhia Progresso Industrial localizava-se fora da cidade do Rio de Janeiro, o que dificultava o acesso de outros ingleses até o campo do Bangu. Assim, aos ingleses que quisessem praticar o futebol não restava alternativa senão abrir espaços, para completar o time, aos operários que se mostrassem talentosos em campo. Essa necessidade/dificuldade marcou, segundo os relatos (ibidem, p. 20),(2) o início da democratização do esporte, o começo do fim da discriminação social. Porém, esses mesmos autores deixam claro que a elite cedeu espaço em seus times não por um anseio democrático ou progressista. Apenas desejava continuar praticando o esporte. No caso do Bangu, o pioneiro, o futebol deu prestígio comercial à fábrica de tecidos, obrigando seus dirigentes a darem ainda mais importância ao time. A partir de 1909, os operários selecionados passaram a integrar o time, treinando regularmente (ibidem, p. 31).
(2) Em uma carta publicada no jornal Correio da Manhã, em 22 de abril de 1918, “O que escreve um leitor sobre amadorismo”, um leitor cita que clubes ligados a empresas, Bangu e Andaraí, traziam em seus quadros “honrados operários” (apud Pereira, 2000. p. 312).
1.2. “AMADORISMO MARROM”
A abertura do futebol às camadas populares trazia um fator complicador: como poderiam os atletas-operários, ou operários-atletas, trabalhar e ao mesmo tempo dispor de força e energia para desempenhar suas funções no gramado?
Os primeiros atletas do futebol, jovens oriundos das elites e técnicos e profissionais estrangeiros, não trabalhavam em funções pesadas e extenuantes. Suas tarefas diárias eram, quase sempre, intelectuais e de mando, não exigindo grande esforço ou desgaste físico. Assim, tinham disposição suficiente para os treinos e as partidas, quase sempre disputadas nos finais de semana. O mesmo não acontecia com os operários. As prolongadas jornadas de trabalho, a exposição a condições precárias e insalubres os esgotavam e debilitavam. As poucas horas fora do local de trabalho eram reservadas para a recomposição das forças e preparação para a jornada do dia seguinte. Os dias de folga, normalmente os domingos, eram poucos para permitir que o trabalhador tivesse ânimo e energia para disputas esportivas.
Os times ligados às empresas, como já se viu, resolveram o problema retirando os operários-atletas da produção, dando-lhes condições para treinar e se preparar para as disputas. Protegidos, aqueles que eram escolhidos se tornavam apenas atletas.
O mesmo não acontecia nos clubes. As agremiações esportivas que apenas reuniam a elite não tinham como cooptar jogadores fora de seus quadros associativos. Não tinham como introduzir jogadores das camadas populares sem dar-lhes condições para serem atletas em tempo integral, ou na maior parte do tempo.
Ainda em 1915, quando dava seus primeiros passos, nosso futebol apresenta, talvez, o primeiro sintoma de que o amadorismo não iria muito longe. Jogadores de São Paulo e do Rio de Janeiro já recebiam, nessa época, algum dinheiro para entrar em campo como forma de incentivo às vitórias. Era a gratificação(3) independente do
(3) A partir de 1923, o Clube de Regatas Vasco da Gama instituiria essa gratificação, que passaria a ser chamada de “bicho”. A origem da palavra “bicho” liga-se ao Jogo do Bicho, prêmio que os atletas, ainda amadores, recebiam pelas vitórias e, à época, dizia-se ser proveniente do jogo ilícito. Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx descreve o pagamento peculiar: “(...) o português dava dinheiro aos jogadores de Xxxxxx e Xxxxx. Chamava-se esse dinheiro de bicho porque, às vezes, era um cachorro, cinco mil réis, outras um coelho, dez mil réis, outras um peru, vinte mil réis, um galo, cinqüenta, uma vaca cem. Não pára aí. Havia vacas de uma, de duas pernas, de acordo com o jogo. Contra o América, campeão do centenário, contra o Flamengo, bicampeão, contra o Fluminense, tricampeão, uma vaca de uma perna
resultado, estava assegurada, por antecipação, uma certa quantia que, na verdade, servia de estímulo ao jogador. Seu interesse e aplicação durante o jogo poderiam significar futuras escalações e, portanto, mais gratificações. Isto, evidentemente, não caracteriza o profissionalismo: no entanto, cria condições satisfatórias para seu surgimento. (Caldas, 1990. p. 38)
Mas a prática não era bem-vista. Membros e dirigentes dos clubes, assim como torcedores e intelectuais da época, resistiam duramente à ideia de pagamentos para recompensar o tempo dos atletas que não eram “bem-
-nascidos”. O discurso contra o pagamento, e a defesa do amadorismo, oscilava entre os ideais utópicos do olimpismo e o mais puro preconceito social.
Verdadeiros sportman como Xxxxx Xxx, o festejado introdutor do futebol na cidade (Rio de Janeiro), brigaram até a morte contra o “profissionalismo mascarado” que ia tomando conta do futebol na cidade. Antigos adeptos do amadorismo como Xxxxxx Xxxxxxxx, que anos antes largara os campos aos primeiros sinais do “profissionalismo marrom”, afirmavam em 1932 ser esse processo “resultante da substituição gradativa dos princípios idealistas pelos utilitaristas entre as classes moças” uma “desgraçada avalanche que ameaça os alicerces morais de todas as organizações esportivas do mundo” — clamando pela volta “à época em que o esporte era praticado a bem do corpo e do espírito”, e não em troca de alguns milhares de réis. (Pereira, 2000. p. 318)(4)
O discurso fundava-se nos ideais olímpicos, surgidos na Inglaterra na segunda metade do século XIX, imbuídos da moral vigente durante o período vitoriano. O cavalheirismo, a solidariedade e o respeito mútuo eram, segundo eles, princípios presentes no amadorismo esportivo, que deixavam de existir com a remuneração do atleta, qualquer que fosse ela.
O discurso subjacente era outro; escondidos estavam o preconceito e a aversão às camadas populares. Significativamente, esse período de semi-
-amadorismo ficou registrado na história do futebol com vários nomes, todos eles pejorativos: “falso amadorismo”, “amadorismo marrom”, “profissionalismo
era pouco, só mesmo de duas pernas. O português não encontrava jogador do Vasco sem meter a mão no bolso. Xxxx lá, ó Xxxxxx Conceição, para que não engulas nenhum gol. Xxxx lá ó Xxxxx, é justo que leves o teu, pois já me deste muito dinheiro a ganhar” (1964. p. 123-4).
(4) No trecho destacado, o autor transcreve citações de Xxx, publicadas no artigo “Reparo do Dia”, no Jornal dos Sports, 16 out. 1931, e de Mendonça, publicadas em “Amadorismo”, no jornal esportivo FFC, 31 jul. 1932.