Seguro de crédito
Seguro de crédito
Noção
O seguro de crédito tem como finalidade fazer face ao risco de não recebimento das vendas a crédito de bens e serviços. O segurado deverá, assim, solicitar limites de garantia para todos os seus clientes a quem venda a crédito, ficando seguro até aos limites aprovados. Em suma, o contrato de seguro de crédito destina-se a proteger o segurado da possibilidade de não cumprimento por parte de um devedor.
Há dois grandes ramos de seguro, configurados autonomamente do ponto de vista legal e operacional, o ramo vida e o ramo não vida, dentro deste, nos termos do RJASR, artigo 8.º, alínea n), encontra-se o seguro de crédito, que por sua vez abrange as seguintes modalidades: insolvência, crédito à exportação, vendas a prestações, crédito hipotecário e crédito agrícola.
No que, por exemplo, à insolvência diz respeito, o seguro de crédito pode cobrir a insolvência do devedor, desde que comprovada por decisão judicial transitada em julgado.
Finalidades
O seguro de crédito, configurado como um seguro financeiro, é celebrado, genericamente, por um credor para garantir o risco de não pagamento definitivo de determinado crédito por parte de um devedor, garantindo ao segurado uma compensação pelas perdas sofridas, consequência do incumprimento ou insolvência dos
seus devedores, de acordo com os limites do capital seguro previamente acordados entre as partes.
Assim, contratado um seguro de crédito, a seguradora determina um prémio a pagar, normalmente calculado tendo por base o volume de negócios anual do segurado e o risco de crédito dos seus clientes.
Entre as vantagens na subscrição de um seguro de crédito por parte das empresas, destacam-se, entre outras, o afastamento da incerteza sobre o cumprimento dos objectivos do negócio e a facilitação de um adequado planeamento da tesouraria.
Permite-se, assim, às empresas aumentar as vendas e fazer crescer os seus negócios. Empresas com seguros de crédito podem vender a crédito em situações onde normalmente e sem o referido seguro, teriam determinadas restrições ou vender apenas com a protecção do seguro. Para as empresas exportadoras, dir-se-á que esta é uma vantagem competitiva, que podem ver os custos com a apólice de seguro sercompensados, mesmo sem nunca comunicarem uma situação de incumprimento.
As empresas investem num seguro de crédito, entre outras razões, para obter melhores condições de financiamento, pois os bancos disponibilizam mais capital para as empresas e reduzem os custos dos fundos.
Regime jurídico
O artigo 166.º daLCS estabelece que “os seguros de crédito e caução são regulados por lei especial”, concretamente pelo DL n.º 183/88, de 24 de Maio, que estabelece o quadro legal do seguro de créditos, “e pelas disposições constantes da parte geral” do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril) “que não sejam incompatíveis com a sua natureza”.
O acórdão do TRL, processo nº 22311/18.9T8LSB.L1-2 de 20 de Fevereiro de 2020 decidiu que tendo em conta a sua natureza e a falta de especificação legal diversa, ao seguro de crédito são aplicáveis as disposições gerais que regulam os termos das obrigações pré-contratuais, previstos na Lei do Contrato de Seguro, em sede de formação do contrato (cfr. artigos 16.º a 38.º).Em geral, os contratos de seguro de crédito são celebrados com a duração de um ano, sendo renovados e o prémio recalculado, no final desse período, sendo esta a regra supletiva, nos termos do artigo 40.º do RGCS.
Riscos
O artigo 161.º da LCS prevê os riscos que podem ser seguradospelo seguro de crédito, e que consistem na falta ou atraso no pagamento de obrigações pecuniárias (alínea a)), riscos políticos, naturais ou contratuais, que obstem ao cumprimento de tais obrigações
(alínea b)),não amortização de despesas suportadas com vista à constituição desses créditos(alínea c)), variações de taxa de câmbio de moedas de referência no pagamento(alínea d)), alteração anormal e imprevisível dos custos de produção (alínea e)) e suspensão ou revogação da encomenda ou resolução arbitrária do contrato pelo devedor na fase anterior à constituição do crédito (alínea f)). O preceitoserve-se da palavra “nomeadamente” para esclarecer que se trata de uma lista exemplificativa, e não de uma lista taxativa.
Deste modo, a LCS,além de tornar as disposições comuns e as disposiçõesdo título referente ao“seguro de danos” aplicáveis aos contratos de seguro de crédito,vem alargar o âmbito de aplicação deste tipo de seguro.
O grande objectivo de uma apólice de seguro de crédito, passa por ajudar os segurados a prevenir perdas imprevisíveis. Se uma perda imprevisível ocorrer, a indemnização é ativada, desde que fornecida toda a documentação de suporte.Dir-se-á contudo, que o objectivo principal não é indemnizar na sequência de um incumprimento, mas sim, fornecer às empresas o apoio necessário para evitar esses incumprimentos.
Questão diferente é a de saber quais os factos passíveis de causar a verificação do sinistro. Estes estão previstos no artigo 4.º do DL n.º 183/88 de 24/88 de Maio. Segundo o n.º2 do artigo 161.º da LCS, o seguro de crédito pode cobrir riscos de crédito inerentes a contratos destinados a produzir os seus efeitos em Portugal ou no estrangeiro, podendo abranger tanto a fase de fabrico como a fase de crédito e, ainda, a fase anterior à tomada firme.
Nos termos do artigo 165.º, n.º1, 1.ªparte, “no seguro de crédito, o segurador fica sub- rogado na medida do montante pago nos termos previstos no artigo 136.º”, isto significa que em caso de incumprimento por parte do devedor, o segurador adquire o direito de receber do devedor a quantia que haja pago ao credor.A 2.ª parte do artigo 165.º, n.º1 determina ainda que “em caso de sub-rogação parcial, o segurador e o segurado concorrem no exercício dos respetivos direitos na proporção que a cada um for devida”.
O acórdão do TRC de 25 de Maio de 2010 decidiu que o seguro de crédito nunca poderá ter como objetivo proteger os devedores relapsos, permitindo que estes não paguem quando estão em condições de o fazer, sob pena de os segurados nunca terem necessidade de cobrar os créditos, bastando-lhes receber a indemnização do seguro e facilitando a vida aos devedores que não se dispõem a pagar.
Deveres de informação e de colaboração
Nenhuma seguradora, entidade estranha à relação entre o segurado e os seus clientes, aceita a cobertura do risco deste, sem tomar determinadas medidas para se assegurar que não ficará depois numa situação desfavorável. O segurado tem, por isso, deveres de
informação e de colaboração constantes para com a seguradora, quer na fase pré- contratual, quer na fase contratual.
Por exemplo, em caso de “ameaça de sinistro”, o segurado pode estar obrigado a participar essa ameaça acompanhada de todos os documentos que titulam o crédito, obrigando-se a suspender as suas relações comerciais com o devedor se a seguradora assim o entender.
O objetivo primordial é, assim, proteger ambas as partes da relação contratual, seguradora e segurado.Como tal, só haverá lugar ao pagamento de indemnização pela seguradora, nas situações tipificadas como sinistro1.
Havendo apenas a “ameaça de sinistro” por mora prolongada e a obrigação contratual dea seguradora proceder a um adiantamento da quantia em dívida, este adiantamento é provisório, sendo imputado na indemnização definitiva caso se venha a verificar uma situação de sinistro e sendo devolvido à seguradora caso não se verifique o sinistro e o credor receba o seu crédito do devedor, não devendo, portanto, ser deduzido no valor da dívida a pagar pelo devedor(Acórdão do TRC, Processo nº 2481/06.0TBACB.C1, de 25 de Maio de 2010).
É relevante reforçar, então, que o segurado está adstritoa umamplo dever de informação a favor da seguradora, tendo por objecto os elementos que na economia do contrato possam interferir com a atuação, os direitos e os deveres das partes.
Excepção de não cumprimento
A violação do dever de informação permite à seguradora invocar aexcepção de não cumprimento.
A este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26 de Março de 2015, Processo nº 551/13.7TVPRT.P1, disponível em xxx.xxxx.xx que nos diz que “no contrato de seguro de crédito o segurado está onerado com um amplo dever de informação a favor da seguradora, tem por objecto os elementos que na economia do contrato possam interferir com a atuação, os direitos e os deveres das partes. A violação desse dever de informação permite à seguradora invocar a excepção de não cumprimento e recusar-se a regularizar o sinistro enquanto não lhe for fornecida a informação contratualmente relevante.”
Para concluir, dir-se-á que o seguro de crédito tem inúmeras vantagens para as empresas e para os empresários, sendo um instrumento de que as mesmas dispõem para cobrir os riscos de não cumprimento por parte dos seus clientes.
1Acórdão do TRC, processo nº 2481/06.0TBACB.C1, de 25 de Maio de 2010.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
Legislação essencial e bibliografia sumária
Regime Jurídico do Contrato de Seguro, Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril
Quadro Legal do Seguro de Créditos, Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio
Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Actividade Seguradora e Resseguradora, Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro
Xxxxx, Xxxxx Xxxxx (2018), Direito Comercial e do Mercado, 2ª edição, Almedina, Coimbra.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx (2014), O Seguro de Crédito à Luz do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pp. 6-11. versão eletrónica:
xxxx://xxxxxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/Xxxxxx-X-xxxxxx-xx-xx%X0%X0xxxx-
%C3%A0-luz-do-regime-jur%C3%ADdico-do-contrato-de-seguro-2.pdf