PROPOSIÇÃO DE ELEMENTOS ESTRUTURANTES PARA CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ENTRE O PODER PÚBLICO E EMPREENDIMENTOS DE CATADORES DE RESÍDUOS RECICLÁVEIS NO BRASIL
PROPOSIÇÃO DE ELEMENTOS ESTRUTURANTES PARA CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ENTRE O PODER PÚBLICO E EMPREENDIMENTOS DE CATADORES DE RESÍDUOS RECICLÁVEIS NO BRASIL
XXXX XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX
São Carlos-SP 2022
PROPOSIÇÃO DE ELEMENTOS ESTRUTURANTES PARA CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ENTRE O PODER PÚBLICO E EMPREENDIMENTOS DE CATADORES DE RESÍDUOS RECICLÁVEIS NO BRASIL
XXXX XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Engenharia Urbana.
Orientação: Prof. Dr. Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx
São Carlos-SP 2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana
Folha de Aprovação
Defesa de Tese de Doutorado do candidato Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, realizada em 30/09/2022.
Comissão Julgadora:
Prof. Dr. Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx (UFSCar) Profa. Dra. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (UFSCar)
Profa. Dra. Xxxxx Xxxxx (UFSCar)
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx (UFMG) Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx (IFSP)
O Relatório de Defesa assinado pelos membros da Comissão Julgadora encontra-se arquivado junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana
Dedico este trabalho a todos que estiveram ao meu lado, direta ou indiretamente, seja em pensamentos e fisicamente e, que de certa forma, contribuíram muito para que mais esta etapa fosse cumprida.
Dedico especialmente a minha amada e querida mãe, a razão da minha existência e minha luta diária e constante.
Ao meu orientador prof. Dr. Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, pelo companheirismo, pela dedicação, pela paciência, pelos conselhos, por toda orientação! Enfim, foi um aprendizado muito grande neste período que estive ao seu lado, tanto pessoal quanto pesquisador!
Aos meus irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas.
Aos antigos e novos amigos que sempre estiveram ao meu lado.
Xxxxxxxx inicialmente a Deus pelo dom da vida;
À minha mãe por estar presente em todos os momentos da minha vida.
À minha família
Ao meu orientador, prof. Dr.Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx.
Aos amigos tanto de São Carlos-SP como de Machado-MG. Ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana.
À Universidade Federal de São Carlos.
A ação é o alimento e a bebida que nutrirá
o meu êxito!
O fracasso jamais o surpreenderá se sua decisão de vencer for suficientemente forte!
(OgMandino).
O verdadeiro sábio é aquele que sabe o bastante para saber de que
nada sabe.
Com a evolução do processo de urbanização e do crescimento desordenado das cidades resultaram em inúmeros problemas ambientais de caráter mundial, entre os quais se destaca o expressivo aumento da produção de resíduos, bem como o seu descarte inadequado. Com a promulgação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, houve a regulamentação dos serviços de gestão e tratamento de resíduos sólidos urbanos que visa mitigar os problemas ambientais brasileiros relacionados com a disposição inadequada do resíduo urbano, tendo como um dos princípios à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Essa legislação preconiza a contratação direta entre prefeituras e empreendimentos de catadores para realização da coleta seletiva. No âmbito da cadeia de resíduos sólidos, fundamentalmente há a articulação entre empreendimentos solidários, poder público e entidades privadas que atuam no processo de coleta, triagem e processamento dos resíduos sólidos do município. Os catadores apresentam um importante papel nesta etapa. A presente tese teve como objetivo propor elementos estruturantes nos contratos administrativos entre o poder público e empreendimentos de catadores de resíduos recicláveis no Brasil. A metodologia da pesquisa correspondeu à abordagem descritiva, por meio dos seguintes métodos: consultas a publicações (artigos, teses, dissertações, sites de prefeituras e de cooperativas); levantamento das variáveis empíricas organizadas em variáveis relacionadas aos contratos (RC) e à relação de agentes contratados (RA); definição de variáveis e subvariáveis; técnicas quantitativas de análise de dados - Cohort e valor da informação. Os resultados evidenciaram que os instrumentos contratuais não estão de acordo com os dispositivos e aspectos preconizados pela PNRS, devido à ausência de inclusão social, econômica e ambiental dos catadores, reconhecimento do trabalho destes profissionais, integração ao sistema municipal na gestão de resíduos sólidos. Concluiu-se que deve avançar no número de contratos celebrados entre prefeituras e empreendimento de catadores, já que estão em desacordo com o que preconiza a PNRS, no qual estabelece e impulsiona essa contratação para auxiliar na gestão de resíduos sólidos urbanos. Além disso, deve-se ter um instrumento que possibilita e promova a ressignificação dos empreendimentos de catadores. Para tanto foram propostos sete dispositivos com elementos estruturantes com intuito de ser referência e contribuir com a administração pública e empreendimentos de catadores, ao auxiliar tais agentes na formulação e desenvolvimento da minuta dos instrumentos contratuais. A principal contribuição deste estudo é evidenciar as possibilidades de avanços, tanto nos aspectos quantitativos quanto qualitativos da contratação entre poder público e empreendimentos de catadores ao apontar elementos estruturantes que permite a proteção a tais entidades e, especialmente, aos catadores, por permitir melhorias nas condições de vida e trabalho, além promover qualidade na prestação de serviços na área de resíduos sólidos urbanos.
Palavras-chaves: Cooperativas de catadores; contratos com cooperativas; coleta seletiva; resíduos recicláveis.
The evolution of the urbanization process and the disorderly growth of cities resulted in numerous environmental problems worldwide, among which stands out the significant increase in waste production, as well as its inadequate disposal. With the enactment of the National Solid Waste Policy (PNRS) in 2010, there was the regulation of services for the management and treatment of urban solid waste, which aims to mitigate the Brazilian environmental problems related to the inadequate disposal of urban waste, having as one of the principles to the social inclusion and economic emancipation of collectors of reusable and recyclable materials. This legislation advocates direct contracting between city halls and waste picker enterprises to carry out selective collection. Within the scope of the solid waste chain, there is fundamentally the articulation between solidary undertakings, public authorities and private entities that work in the process of collecting, sorting and processing solid waste in the municipality. The collectors play an important role in this stage. This thesis aimed to propose structuring elements in administrative contracts between the public authorities and recyclable waste pickers in Brazil. The research methodology corresponded to the descriptive approach, through the following methods: consultations with publications (articles, theses, dissertations, websites of city halls and cooperatives); survey of empirical variables organized into variables related to contracts (RC) and the list of contracted agents (CA); definition of variables and subvariables; quantitative data analysis techniques - Cohort and information value. The results showed that the contractual instruments are not in accordance with the devices and aspects recommended by the PNRS, due to the lack of social, economic and environmental inclusion of the collectors, recognition of the work of these professionals, integration into the municipal system in the management of solid waste. It was concluded that the number of contracts entered into between city halls and waste pickers should advance, since they are at odds with what the PNRS recommends, in which it establishes and encourages this contract to assist in the management of urban solid waste. In addition, there must be an instrument that enables and promotes the re-signification of waste pickers' undertakings. For that purpose, seven devices with structuring elements were proposed with the intention of being a reference and contributing to the public administration and waste pickers' enterprises, by helping such agents in the formulation and development of the draft of the contractual instruments. The main contribution of this study is to highlight the possibilities of advances, both in the quantitative and qualitative aspects of contracting between public authorities and waste picker enterprises by pointing out structural elements that allow the protection of such entities and, especially, the pickers, by allowing improvements in conditions of life and work, in addition to promoting quality in the provision of services in the area of urban solid waste.
Keywords: Collectors' cooperatives; contracts with cooperatives; selective collect; recyclable waste.
Tabela 1. Número de contratos, minutas e termo de convênio por regiões do Brasil 82
Tabela 2. Número de contratos nas cidades por Estados 83
Tabela 3. Elementos de estrutura e cláusulas dos contratos administrativos analisados. 87
Tabela 4. Subvariáveis, descrição, tipologia e categorias. 92
Tabela 5. Variáveis analisados nos contratos administrativos existentes na região Norte. 94
Tabela 6. Variáveis analisadas nos contratos administrativos existentes na região Nordeste 95
Tabela 7. Variáveis analisadas nos contratos administrativos existentes na região
Sudeste, Estado de Minas Gerais e Rio de Janeiro. 100
Tabela 8. Variáveis analisadas nos contratos administrativos existentes na região
Sudeste, Estado de São Paulo 101
Tabela 9. Variáveis analisadas nos contratos administrativos existentes na região Sul 105
Tabela 10. Variáveis analisadas nos contratos administrativos existentes na região
Centro Oeste 106
Tabela 11. Dados estatísticos de algumas das variáveis métricas. 114
Tabela 12. Testes Anova e Kruskal-Wallis. 115
Tabela 13. Análise de correspondência simples elementos dos anexos contratuais 116
Tabela 14. Análise de correspondência simples entre os elementos anexos contratuais
e forma de execução. 117
Tabela 15. Saídas do modelo hierárquico linear das principais variáveis dos contratos 118
Tabela 16. Saídas do modelo hierárquico linear das principais subvariáveis dos contratos 119
Tabela 17. Saídas do modelo hierárquico linear de algumas subvariáveis dos contratos 120 Tabela 18. Saídas do modelo hierárquico linear das principais subvariáveis dos contratos. 121
Tabela 19. Saídas do modelo hierárquico linear de algumas subvariáveis dos contratos 121
Tabela 20. Saídas do modelo hierárquico linear das principais variáveis dos contratos 121
Quadro 1. Regiões e número de cidades que possuem algum programa de coleta seletiva 20
Quadro 2. Principais benefícios do trabalho em cooperativa para os catadores de materiais recicláveis 36
Quadro 3. As vantagens das organizações dos catadores na prestação de serviços 37
Quadro 4. Instrumentos legais relacionados aos catadores 51
Quadro 5 Pontos relevantes para gestão de cooperativas e associações 61
Quadro 6. Delineamento dos procedimentos metodológicos 67
Quadro 7. Análise do valor VI 78
Quadro 8. Elementos que foram analisados nos contratos administrativos existentes 90
Quadro 9. Proposta de elementos estruturantes nos contratos administrativos 124
Figura 1. Elementos essenciais contidos na gestão municipal de resíduos sólidos urbanos 06
Figura 2. Alavancas que influenciam na recuperação de materiais a nível doméstico 07
Figura 3. Fatores impeditivos para um eficiente sistema de gestão de resíduos sólidos. 09
Figura 4. Estratégia para uma eficiente gestão de resíduos sólidos 10
Figura 5. Enfoque da reciclagem na gestão de resíduos sólidos urbanos 18
Figura 6. Principais atores da cadeia produtiva da reciclagem 26
Figura 7. Diferenças entre associação e cooperativa 35
Figura 8. Abrangência e diferenças de iniciativas de empreendimentos econômicos 43
Figura 9. Composição dos serviços públicos de limpeza urbana 55
Figura 10. Princípios de prestação de serviços de catadores 59
Figura 11. Etapas e atividades da coleta seletiva solidária 60
Figura 12. Elementos necessários que devem conter nos contratos administrativos 63
Figura 13. Etapas para contratação direta através do processo administrativo 64
1. INTRODUÇÃO 01
1.2.PERGUNTA PROBLEMA 03
1.3.OBJETIVOS 03
1.3.1.Objetivo geral 03
1.3.2.Objetivos específicos 03
2. REVISÃO DE LITERATURA 05
2.1.Gestão de resíduos sólidos urbanos 05
2.2. Política nacional de resíduos sólidos e de saneamento básico: avanços, perspectivas e desafios 11
2.3. Coleta seletiva e reciclagem na gestão de resíduo sólidos 17
2.4. Importância da participação dos catadores na coleta seletiva 21
2.5.Cooperativas como alternativas quanto à precarização do trabalho 29
2.6.Cooperativas de catadores como empreendimentos de economia solidária 40
2.7. Breve análise sobre políticas públicas relacionadas aos catadores 49
2.8. Aspectos gerais dos contratos administrativos 50
2.9. Contratos administrativos na gestão de resíduos sólidos 53
2.10. Contratos administrativos com empreendimentos de catadores 56
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 67
3.1. Revisão bibliográfica 68
3.2. Identificação dos instrumentos contratuais entre prefeituras e empreendimentos de catadores 69
3.3. Definição de elementos/variáveis para avaliação de contratos administrativos 71
3.4. Aplicação de critérios e variáveis definidos nos contratos administrativos 74
3.4.1. Estatísticas descritivas e técnicas exploratórias 75
3.4.2.Agrupamento e interpretação de informações 77
3.5. Sistematização de elementos estruturantes nos contratos administrativos 79
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 81
4.1. Identificação e caracterização dos contratos administrativos 81
4.2. Definição de critérios, variáveis e subvariáveis para avaliação de contratos administrativos 89
4.3. Aplicação e avaliação dos contratos administrativos a partir dos critérios definidos 93
4.4.Avaliação geral empírica dos contratos administrativos a partir dos critérios definidos 110
4.5. Análises estatísticas dos dados 107
4.6. Proposição de elementos estruturantes nos contratos administrativos 123
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 131
REFERÊNCIAS 134
APÊNDICE 114
ANEXO 146
1. INTRODUÇÃO
Com a evolução do processo de urbanização e do crescimento desordenado das cidades, intimamente relacionado com o avanço da industrialização, assim como a expansão do capitalismo, propiciaram especialmente inúmeros problemas ambientais de caráter mundial (LIMA, 2015). Dentre os quais destacam-se o expressivo aumento da produção de resíduos, bem como o descarte inadequado, contexto deste ajustado ao espaço urbano à produção de mercadorias (WIRTH, 2013).
No âmbito da cadeia de resíduos sólidos, fundamentalmente há a articulação entre empreendimentos solidários, poder público e entidades privadas que atuam no processo de coleta, triagem e processamento dos resíduos sólidos do município. Os catadores apresentam um importante papel nesta etapa.
Com a promulgação da Lei n. 12.350/2010, mais conhecida como Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), houve a regulamentação dos serviços de gestão e tratamento de resíduos sólidos urbanos que visa mitigar os problemas ambientais brasileiros relacionados com a disposição inadequada do resíduo urbano, tendo como um dos princípios à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
A PNRS representou um marco significativo em ganhos que permite que as prefeituras contratem diretamente as cooperativas e associações para realização de serviços de coleta seletiva.
Este instrumento legal constituiu um avanço para os trabalhadores da catação, especialmente os que estão inseridos em empreendimentos de catadores, pois exige uma nova reestruturação da cadeia produtiva da reciclagem, especialmente no que se refere à redefinição de formas de inserção destes profissionais nos sistemas de coleta seletiva nos municípios. Mas há muito que avançar, pois embora a PNRS preconize que o catador assuma o protagonismo na prestação de serviços urbanos e ambientais, ainda são muitos os desafios enfrentados por eles, especialmente quanto ao contrato administrativo firmados com os municípios. Estes trabalhadores almejam um instrumento com bases bem estabelecidas, de modo que seja um garantidor do desenvolvimento sustentável dos empreendimentos a qual estão ligados.
Atenta-se que o estabelecimento e manutenção dos contratos administrativos ainda são recentes e apresenta inúmeras dificuldades que impõem uma lacuna entre a idealização da proposta inicial desta ferramenta e as realidades concretamente associadas a ela, em seu processo de implementação nos municípios brasileiros.
A realização deste trabalho é relevante no aspecto científica e social. Em relação à relevância científica, a pesquisa acadêmica com foco nas contratações de catadores pelo poder público municipal ainda representa uma lacuna no contexto de produção acadêmica no país, por mais que haja trabalhos cuja centralidade refere-se à temática de catadores e a PNRS (BESEN; FRACALANZA, 2016).
Sob a ótica de relevância social, considera-se que a manutenção de desigualdades sociais é fator intrínseco à manutenção das precárias condições de vida e trabalho dos catadores, o que caracteriza um cenário de alta relevância. A precariedade socioeconômica a que são submetidos os catadores é sustentada pelo cenário de elevada pobreza e desigualdade social, o qual encontra possíveis respostas no contexto de políticas públicas, dentre estas, as que favorecem a inclusão formal de catadores na cadeia produtiva da reciclagem. Tal demanda implica em reflexões acerca de toda essa questão, considerando a complexidade do processo de implementação de políticas públicas.
Apesar da relevância do tema, observa-se que ainda é pouco estudado se comparado a outros trabalhos na literatura, pois são reduzidas as pesquisas sobre contratos administrativos e empreendimentos de catadores de materiais recicláveis. A proposta deste estudo é inédita, já que até então não houve trabalho que teve como objetivo propor critérios na estruturação de contrato administrativo entre empreendimentos de catadores de materiais recicláveis e municípios.
A contratação pelo serviço público municipal é essencial e justo para que haja além da valorização do catador, a possibilidade de alavancar o serviço de coleta seletiva, bem como os empreendimentos de catadores de materiais recicláveis.
Vale ressaltar que a proposição de critérios na estruturação de contratos administrativos não se limita à utilização apenas no contexto acadêmico, mas especialmente que possa ser uma referência e contribuir com a administração pública,
ao auxiliar gestores na elaboração de contrato administrativo entre prefeituras e empreendimentos de catadores de materiais recicláveis.
1.2 PERGUNTA PROBLEMA
Em muitos municípios brasileiros há celebração de contratos administrativos com os empreendimentos de catadores de recicláveis. Quais elementos estruturantes devem conter nos instrumentos contratuais para seja um propulsor de melhorias nas condições de vida, prestação de serviços e trabalho dos catadores dos empreendimentos de materiais recicláveis?
1.3 OBJETIVOS
A seguir são elencados o objetivo geral e os objetivos específicos deste trabalho.
1.3.1 Objetivo geral
O presente trabalho teve como objetivo geral propor elementos estruturantes nos contratos administrativos entre o poder público e empreendimentos de catadores de resíduos recicláveis no Brasil.
1.3.2 Objetivos específicos
Para atingir o objetivo geral proposto, foram definidos os seguintes objetivos específicos:
• Identificar os instrumentos contratuais existentes entre prefeituras e empreendimentos de catadores no manejo dos resíduos sólidos urbanos, com ênfase em contratos administrativos.
• Definir critérios e variáveis aplicáveis para avaliação dos contratos administrativos identificados;
• Aplicar os critérios e variáveis definidos aos contratos administrativos;
• Empregar técnicas estatísticas descritivas na análise quantitativa dos contratos.
• Sistematizar elementos estruturantes que poderão subsidiar a elaboração de novos contratos entre as prefeituras e empreendimentos de catadores no manejo dos resíduos sólidos urbanos.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Gestão de resíduos sólidos urbanos
Mezaet al., (2020) consideram que o resíduo sólido tornou-se um grande problema nas áreas urbanas, especialmente quando o manejo é inadequado, o que pode causar poluição nos solos, nas águas e nos mais diversos ambientes, que consequentemente pode afetar a saúde pública. Portanto, a gestão municipal de resíduos sólidos nas grandes cidades exige a implementação de estratégias, programas e tecnologias das administrações locais que permitam a coleta adequada, gestão e disposição final de resíduos.
De acordo com Xxxxx x Xxxxx (2011), cabe à administração pública municipal a responsabilidade pelo gerenciamento dos resíduos sólidos, perfazendo desde a coleta até a disposição final ambientalmente segura.
A gestão de resíduos sólidos tornou-se uma preocupação global e é reflexo do contínuo crescimento populacional urbano, bem como das mudanças de padrões de consumo. Tais fatores implicam diretamente na saúde e no ambiente, consequentemente, aumenta a urgência de um eficiente gerenciamento de resíduos sólidos, particularmente no contexto dos países em desenvolvimento. Nos países industrializados, saúde pública, meio ambiente, escassez de recursos, mudanças climáticas e a conscientização e participação da população têm atuado como propulsores do sistema de gestão de resíduo em direção ao atual paradigma da gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos. No entanto, a urbanização, a desigualdade, crescimento econômico, aspectos culturais e socioeconômicos, questões relacionadas à política, à governança e institucionais e influências internacionais são os grandes desafios do gerenciamento integrado dos resíduos sólidos urbanos, especialmente nos países em desenvolvimento (MARSHALL, FARAHBAKHSH, 2013).
Na Figura 1 são evidenciados os elementos essenciais que estão presentes na gestão de resíduo sólido urbano pelos municípios.
Figura 1. Elementos essenciais contidos na gestão municipal de resíduos sólidos urbanos
Fonte: Adpatado de Yukalang, Xxxxxx e Xxxx (2017).
De acordo com Xxxxx (2019), a gestão de resíduos sólidos corresponde à coleta, transferência e descarte de todos os materiais sólidos não líquidos e não gasosos de residenciais, comerciais, institucionais, construção e demolição e varredura de ruas. Tais resíduos são provenientes das atividades de consumo cotidiano das pessoas, que necessita ser gerenciada de forma adequada.
É evidente que os países mais ricos geram maiores quantidades de resíduos e de lixo, no entanto, estes possuem maior capacidade para equacionar a gestão de resíduos, em função de vários fatores, tais como: dispõem de maiores recursos econômicos, há uma preocupação maior em relação aos aspectos ambientais da população, além do desenvolvimento tecnológico. Diferentemente nos município de países em desenvolvimento, cuja urbanização está em pleno processo, há déficits na capacidade financeira e administrativa o que dificultam prover infraestrutura, moradia, serviços essenciais como água, saneamento, coleta e destinação adequada dos resíduos, além de impossibilitar também perfazer segurança e controle da qualidade ambiental para a população (JACOBI; BESEN, 2011).
De acordo com Xxxxxxxx e Xxxxxxxxxx (2015), a gestão de resíduos sólidos urbanos apresenta diversas oportunidades, evita os impactos negativos associados aos resíduos, tem como intuito a recuperação de recursos, realização de ações de cunho ambiental, proporciona benefícios econômicos e sociais, além de impulsionar um caminho por um futuro sustentável.
Conforme reforçam Xxxxxx, Xxxxx e Xxxxxxx (2018), com a ausência de um programa eficaz de gerenciamento de resíduos sólidos, os resíduos gerados por várias
atividades da sociedade e o descarte desorganizado de resíduos levam indubitavelmente à poluição ambiental, o que resulta em sérios riscos à saúde e ao saneamento dos moradores. Compreender a geração de resíduos e seu descarte adequado, disponibilidade de recursos e condições ambientais de uma comunidade específica são essenciais para o desenvolvimento de um sistema eficaz de gerenciamento de resíduos sólidos.
Ainda de acordo com os autores citados acima, um dos fatores para que o gerenciamento de resíduos seja eficiente é garantir uma adequada segregação dos resíduos na fonte, deve ser assegurado que o resíduo passe por diferentes fluxos de reciclagem e recuperação de recursos. Somente aqueles resíduos finais devem ser depositados em aterros sanitários. Tal prática reduz a carga no transporte e em especial nos aterros.
Na Fig. 2 apresenta diversos fatores que influenciam a recuperação de materiais a nível doméstico.
Figura 2. Alavancas que influenciam na recuperação de materiais a nível doméstico
Fonte: Adaptado de Mwanza; Mbohwa; Telukdarie (2018)
O sistema de gestão de resíduos sólidos deve promover análise econômica que inclui os custos operacionais e de investimento e os custos das atividades ambientais, o que possibilita analisar os custos totais para a sociedade. Uma análise integrada dos indicadores das questões ambientais demostram que as reduções mais significativas nos impactos ambientais ocorrem com taxas mais altas de reutilização de resíduos secos por meio da reciclagem. A integração de análises ambientais e econômicas apresentam melhores resultados quando são obtidos pela combinação de compostagem, tratamento biológico mecânico e reciclagem. Tal fator permite reduzir os impactos dos sistemas municipais de gerenciamento de resíduos sólidos (PAES et al., 2020).
A gestão de resíduos sólidos urbanos, dentre os diversos objetivos, tem como primeiramente a proteção à saúde de população urbana, especialmente os membros de grupos de baixa renda. Visa promover a preservação ambiental por meio do controle da poluição (água, ar, solo e poluição) de modo a garantir a sustentabilidade dos ecossistemas na região urbana. Em terceiro lugar, esta gestão visa apoiar o desenvolvimento econômico, ao prestar serviços de gerenciamento de resíduos e garantir o uso e a conservação eficientes de materiais e recursos valiosos. Finalmente, gerar emprego e renda no próprio setor (BOUANINI, 2013).
No âmbito da gestão integrada de resíduos sólidos, a separação dos materiais recicláveis possui papel estratégico sob várias perspectivas: promove o estímulo do hábito de separar o resíduo na fonte geradora para que ocorra o máximo de aproveitamento, permite promover a educação ambiental direcionada para a redução do consumo e do desperdício, permite gerar trabalho e renda e melhorar a qualidade da matéria orgânica para a compostagem (RIBEIRO; BESEN, 2007).
Diversos fatores podem ser impeditivos para que um sistema gestão de resíduos sólidos seja eficiente. Xxxxxxxx, Xxxxxx e Xxxx (2017), apontam diversos fatores que constam na Figura 3.
Figura 3. Fatores impeditivos para um eficiente sistema de gestão de resíduos sólidos
Fonte: Adpatado de Yukalang, Xxxxxx e Xxxx (2017).
São muitos os fatores e condições que devem ser superados para que haja uma eficiente gestão de resíduos sólidos urbanos, conforme quadro anterior. Há àquelas relacionadas às questões estruturais (barreira técnica e física, falta de ponto de coleta de resíduos, irregularidade da coleta, instalações inadequadas de separação, volume de resíduo, limitação de espaço) e também gerencial (política inadequada, ausência de envolvimento com os programas, pouca comunicação, ausência de participação em reuniões, não observação de sinais, falta de cooperação, insolubilidade do problema, barreiras financeiras, recolhimento de taxa de gestão).
Torna-se insuficiente equacionar problemas de remuneração de contratos de coleta e de disposição final e, posteriormente, enviar os resíduos para aterros sanitários privados devidamente licenciados. É necessário definir estratégias de modo a promover a redução de resíduos nas fontes geradoras, por meio de educação ambiental permanente, condições para que ocorra a coleta seletiva com inclusão de catadores, além de metas que visam reduzir a disposição de resíduos no solo, por meio de um plano de gestão abrangente, integrado e pactuado com a sociedade (JACOBI; BESEN, 2011).
Na figura 04 representa esquematicamente uma estratégia para uma eficiente gestão dos resíduos sólidos.
Figura 4. Estratégia para uma eficiente gestão de resíduos sólidos
Fonte: Adaptado de Xxxxxx e Besen (2011).
Conforme evidencia a figura, é primordial implantar as diversas estratégias para que a gestão de resíduos sólidos urbanos se consolide e obtenha o êxito esperado.
Estes mesmos autores salientam que em regiões metropolitanas como São Paulo necessita de uma política e um plano municipal de gestão de resíduos sólidos que devem ser alinhados com um plano metropolitano. Basicamente, são necessárias ações concretas e vontade política da administração municipal para que possa evoluir da situação atual de ausência de política robusta, de estratégias e de uma visão de planejamento para o equacionamento da gestão dos resíduos, configuram os grandes desafios da atualidade.
Para que haja uma gestão ideal de resíduos sólidos urbanos deve-se promover a integração da gesta de resíduos, coleta, tratamento e descarte, especialmente com ênfase na gestão sustentável, bem como na adoção de conceitos e referências associados a uma economia circular (MELARÉ et al., 2017).
Conforme revelam Xxxxxx e Xxxxx (2011), ainda impera barreiras que estão diretamente ligadas aos interesses econômicos privados que impossibilitam desvincular com a lógica baseada em contratos que priorizam coleta, transbordo e aterramento em detrimento de uma coleta seletiva mais ampla e abrangente. O grande desafio é promover essa inversão que ainda prevalece, ou seja, deve-se investir majoritariamente na redução da produção excessiva e no desperdício, primar pela coleta seletiva e compostagem e ter cada vez menos direcionamento a destinação final.
2.2 Política nacional de resíduos sólidos e de saneamento básico: avanços, perspectivas e desafios
Neste capítulo busca fazer uma pequena análise da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei n. 12.305/2010, sobre os avanços introduzidos por esta política, assim como as perspectivas e desafios. Nota-se que a PNRS apresenta diversas diretrizes e ferramentas que visam solucionar os problemas advindos do manejo e gerenciamento de resíduos sólidos urbanos no Brasil.
A promulgação desta lei, alterou a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, na qual dispõe sobre os princípios, objetivos e instrumentos, assim como de diretrizes relacionadas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos. Por meio desta
lei é incluído também o gerenciamento dos resíduos perigosos, as responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Esta lei imputa e é aplicada as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos (BRASIL, 2010).
Nota que a PNRS é considerada um marco importante que tem como missão solucionar a problemática da disposição de forma inadequada dos resíduos sólidos dos municípios brasileiros.
Em seu Art. 3º da PNRS define a destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, conforme segue:
VII - destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos (BRASIL, 2010, p.02).
Nos Art. X e XI da Lei 12.305/2010 define o gerenciamento de resíduos sólidos e gestão integrada de resíduos sólidos da seguinte forma:
X - gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei.
XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável.
Aparecem diversos instrumentos elencados na PNRS como a coleta seletiva, a implantação de sistemas de logística reversa e outros instrumentos que responsabilizam o compartilhamento pelo ciclo de vida do produto, o incentivo para que seja criado e impulsionado o desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais de reutilizável e recicláveis, a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de gestão, reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos (BRASIL, 2010).
A PNRS apresenta grande potencial para fortalecer os catadores e as cooperativas de reciclagem. Dentre os vários dispositivos existentes nesta legislação, está previsto a destinação correta dos materiais recicláveis. Por meio desta política preconiza o retorno dos produtos às empresas de origem e delega ao poder público a responsabilidade pelos planos de gestão dos resíduos sólidos.
A PNRS incumbe ao Distrito Federal e aos municípios a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios, sem prejuízo das competências de controle e fiscalização dos órgãos federais e estaduais do Sisnama, do SNVS e do Suasa, bem como da responsabilidade do gerador pelo gerenciamento de resíduos, consoante o estabelecido nesta Lei (BRASIL, 2010).
A PNRS evidenciou a importância do trabalho dos catadores, especialmente ao associarem no sistema de cooperativismo, conforme prevê a Política Nacional de Cooperativismo*1. Ao estabelecerem em cooperativas ou associações permite melhorar as condições de trabalho para os catadores, mas é imprescindível o apoio da esfera pública, privada e social (BRASIL, 2010).
O grande desafio da PNRS é efetivar o cumprimento das diversas diretrizes estabelecidos nesta legislação. A inclusão dos catadores é uma forma eficiente de cumprir tais diretrizes, especialmente na gestão integrada de resíduos sólidos urbanos.
A Lei Federal 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico:
1 Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971.
Art. 2o. Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: [...] III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente.
Essa legislação responsabiliza gestores públicos quanto aos serviços de saneamento básico e também em relação ao tratamento dos resíduos sólidos, no qual exige a elaboração de um plano de saneamento que contemple às necessidades desses princípios básicos. Verifica-se também que a partir desta lei surgiu a necessidade dos gestores para que elaborem um plano de gerenciamento de resíduos sólidos para os estados e municípios (BRASIL, 2007).
Observa-se que a lei n.11.445/2007 estabelece a inclusão socioprodutiva de catadores:
Art. 10. A prestação de serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.§ 1o Excetuam-se do disposto no caput deste artigo: I - os serviços públicos de saneamento básico cuja prestação o poder público, nos termos de lei, autorizar para usuários organizados em cooperativas ou associações, desde que se limitem a: a) determinado condomínio; b) localidade de pequeno porte, predominantemente ocupada por população de baixa renda, onde outras formas de prestação apresentem custos de operação e manutenção incompatíveis com a capacidade de pagamento dos usuários. (BRASIL, 2007).
Neste artigo pode-se observar a preocupação com a inclusão de associações ou cooperativas para prestar serviço de coleta seletiva e a realizar o tratamento de resíduos sólidos, por meio da contratação de prestação de serviços.
No Art. 57 da Lei 11.445/2007 alterou o inciso XXVII do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública. (BRASIL, 2007).
Observa-se que por meio desta regulamentação possibilita que associações ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis prestem serviço de coleta seletiva, ou seja, reforça a inclusão dos catadores na cadeia da reciclagem.
Aliado ao que preconiza o Art. 57 da Lei n. 11.445/2007, o Art. 7 da PNRS fomenta o processo de reciclagem nos seguintes incisos:
XI- prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; XII- integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. (BRASIL, 2010).
Nota-se uma priorização de compras e contratações de serviços com padrões sustentáveis por parte do poder público. Isso permite o estimulo de hábitos sustentáveis na aquisição de produtos e serviços, assim como possibilita a inclusão de questões sociais, especialmente para aqueles que exercem a prática da produção de materiais recicláveis.
No Art. 36 lista uma série de conduta que deve ser observada sobre a problemática dos resíduos sólidos, especialmente quanto à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, especialmente se houve o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos:
I - adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; II - estabelecer sistema de coleta seletiva; III - articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno
ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; IV - realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso na forma do § 7o do art. 33, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial; V - implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido; VI - dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. § 1o Para o cumprimento do disposto nos incisos I a IV do caput, o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos priorizará a organização e o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação. § 2o A contratação prevista no § 1o é dispensável de licitação, nos termos do inciso XXVII do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993 (BRASIL, 2010).
A contratação do serviço de coleta seletiva pelos catadores de materiais recicláveis avançou diante desta regulamentação. A disposição desta regulamentação na PNRS configura um item importante para que seja efetivada a inclusão socioprodutiva dos catadores na cadeia da reciclagem.
Nota-se também que poderá haver a concessão de subsídios para que as associações ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis possam ter condições de atender as iniciativas, conforme consta no Art. 42 da PNRS:
O poder público poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas de: [...] III - implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda; [...] V - estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa. (BRASIL, 2010).
Por meio desta regulamentação, podem ser criadas cooperativas ou associações através de linhas de financiamento de crédito, de modo que os trabalhadores pertencentes a tais empreendimentos tenham condições dignas de trabalho, uma vez que os trabalhadores estão constantemente expostos a diversos tipos de contaminação.
Observa-se também que os trabalhadores associados nestes empreendimentos apresentam baixa renda e o que recebem serve somente para garantir a sobrevivência e com isso terão dificuldades em fazer investimentos nos empreendimentos.
De acordo com Xxxxxxxx (2013), a PNRS não é acordada de forma plena por todos envolvidos e com isso a capacidade de inclusão social se perde, conforme exposto. Essa política apresenta grandes possibilidades de mudanças que podem transformar positivamente a realidade social, no entanto, ainda enfrenta dificuldades para que seja efetivada essa transformação.
2.3 Coleta seletiva e reciclagem na gestão de resíduo sólidos
A prestação de serviço de coleta seletiva, no Brasil, começa a ter suas primeiras iniciativas em 1989. Cabe ressaltar também que a ausência, durante muitos anos, de uma política nacional de resíduos sólidos, assim como determinação política dos gestores municipais, resultou em um passivo ambiental de lixões e aterros sanitários controlados. Em função do declínio da vida útil de muitos aterros houve a necessidade de construir novos (JACOBI; BESEN, 2011).
De acordo com Xxxxxxx x Xxxxx (2007) e Arantes (2015), as parcerias estabelecidas dos municípios com as organizações de catadores tiveram início na década de 1990 e operam, em sua maioria, por meio de galpões de triagem cedidos pelas prefeituras, equipamentos e veículos de coleta e apoio nas campanhas de conscientização e divulgação. As atividades exercidas pelos catadores organizados correspondem à triagem, ao beneficiamento e a comercialização dos materiais e, em alguns casos, também de coleta.
A reciclagem configura como sendo uma importante estratégia que visa minimizar os danos causados pelos RSU, já que permite promover diversos benefícios tanto para sociedade como para o ambiente. No aspecto ambiental, o trabalho dos catadores permite minimizar, indiretamente, a poluição do solo, da água e do ar; contribui diretamente com a limpeza da cidade, permite uma maior vida útil aos aterros sanitários, além promover geração de renda aos envolvidos na cadeia dos materiais (XXXXX; SANTOS, 2016).
A reciclagem permite, ainda, criar oportunidades de emprego, além de fornecer produtos com menores preços (BOUANINI, 2013).
De acordo com este autor, o papel reciclado possui um valor até 25% mais barato que o papel branco virgem e cada tonelada de papel reciclado apresenta uma economia de 17 árvores e o equivalente energético de 165 galões de gasolina, ou seja, os gastos energéticos são bem menores, além de exigir apenas metade da água. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (APA) analisou que ao reciclar 8 milhões de toneladas de metais permitiu eliminar mais de 26 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, o que equivale a remover mais de 5 milhões de carros da estrada por um ano.
A reciclagem aparece como uma excelente estratégia na gestão de resíduos sólidos, pois apresenta três enfoques importantes: ambiental, econômico e social (KING; GUTBELET, 2013; GUTBERLET, 2015), conforme Fig. 5
Figura 5. Enfoque da reciclagem na gestão de resíduos sólidos urbanos
Fonte: Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2015), King; Xxxxxxxxx (2013).
São três dimensões de suma importância e cada qual com um impacto na vida das pessoas. No que diz respeito ao enfoque ambiental é inegável a contribuição que a reciclagem oferece para preservar os recursos naturais. Sobre a dimensão econômica tem um impacto muito positivo por promover a redução dos custos propriamente dos materiais, tanto diretamente quanto indiretamente, como manutenção e criação de aterros. Quanto à dimensão social a reciclagem promove, principalmente, a integração entre os catadores e com isso mobiliza outras ações como geração de renda, melhoria da qualidade de vida e trabalho dos trabalhadores da reciclagem.
De acordo com Xxxxxxx x Xxxxx (2007), majoritariamente nos diversos municípios brasileiros, a participação da população nos programas de coleta seletiva é realizada de forma voluntária. As campanhas visam promover a sensibilização nos bairros, condomínios, escolas, comércio, empresas e indústrias para que sejam separados os materiais recicláveis na fonte geradora.
Estes mesmos autores relatam que os recursos orçamentários para custear os programas municipais de coleta seletiva são provenientes de taxa de limpeza pública específica ou por meio de taxa arrecadada juntamente com o Imposto Territorial Urbano (IPTU), que tem como base de cálculo a área edificada.
A coleta seletiva no Brasil no ano de 2018 estava presente em 1.322, ou 38,1%, dos municípios, sendo prestado na modalidade porta a porta em 1.135 cidades, que representam 37,8% da população urbana do país. No entanto, a massa coletada de resíduos recicláveis foi o correspondente a 14,4 kg/hab./ano, equivalente a 1,7 milhão de toneladas coletada seletivamente. Para cada 10 kg de resíduos disponibilizados para a coleta, apenas 411 gramas foram coletadas de forma seletiva. A prática da coleta seletiva no país, por mais que tenha apresentado alguns avanços, ainda se encontra num patamar muito baixo (BRASIL, 2019).
De acordo com dados do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) sobre pesquisa nacional do CicloSof 2018, no Brasil, neste ano, havia 1.227 municípios que possuíam algum programa de coleta seletivo, representa 22% de todas as 5.570 cidades. São equivalentes a 35 milhões (17%) de brasileiros que contam com algum programa de coleta seletiva (CEMPRE, 2018).
No Quadro. 1 apresenta a regionalização dos municípios com coleta seletiva no Brasil. As regiões que mais apresentam cidades que possuem algum programa de coleta seletiva são o Sul e Sudeste. A menor região corresponde ao Norte, com apenas 15 municípios.
Quadro 1. Regiões e número de cidades que possuem algum programa de coleta seletiva
Regiões | Número de cidades | Percentual |
Sul | 337 | 42% |
Nordeste | 97 | 8% |
Norte | 15 | 1% |
Centro-oeste | 62 | 4% |
Sudeste | 416 | 45% |
Total | 1.227 | 100% |
Fonte: CicloSoftCempre (2018).
Ainda de acordo com os dados da pesquisa Soft 2018 do Cempre (2018), os modelos de coleta seletiva existentes nestes municípios (1.227) correspondem à porta a porta (80%), PEVs (45%) e cooperativa (61%), sendo que muitos podem ter um misto de mais de um agente executor da coleta seletiva.
Os dados da pesquisa realizada em 2011 reforçam que houve avanço na prestação do serviço de coleta seletiva. Entretanto, este tipo de serviço está aquém dos patamares necessários para que efetivamente reduza a quantidade de resíduos potencialmente recicláveis que ainda são dispostos em aterros ou lixões, bem como reduzir os impactos decorrentes (JACOBI; BESEN, 2011).
Conforme ressaltam Xxxxxxx e Besen (2007), no Brasil os programas municipais de coleta seletiva são integrantes do sistema de gerenciamento de resíduos sólidos domiciliares. Tais programas podem ser operacionalizados somente pelos municípios (ou por empresas que são contratadas), ou ainda pelos municípios que estabelecem parceria com catadores organizados em cooperativas, associações, ONGs e, recentemente, em Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – as Oscips.
2.4 Importância da participação dos catadores na coleta seletiva
Em meados do ano de 1986 foram iniciadas as primeiras organizações de coleta seletiva no Brasil, à medida que a reciclagem entrou na pauta da indústria, o que aumentou os tipos de materiais com potencial reciclável. A partir de 1990 algumas administrações municipais firmaram parcerias com catadores organizados em associações e cooperativas para a gestão e execução dos programas. A parceria entre munícipios e empreendimentos de catadores propiciou a redução de custos dos programas, além de ser um modelo de política pública de resíduos sólidos, por meio da inclusão social e geração de renda apoiada por entidades da sociedade civil. Nos últimos anos são considerados como prestadores de serviços (XXXXXXX; BESEN, 2007; XXXXXXXX; GÓES, 2019).
A igreja católica foi uma das entidades que impulsionou as iniciativas de organização dos catadores tendo como objetivo resgatar a dignidade, a auto-estima e da convivência social dos moradores de rua que coletavam materiais recicláveis como atividade econômica. Diversas ONGs também foram preponderantes no apoio tanto para os catadores autônomos como também para que cooperativas de catadores se desenvolvessem. Através deste modelo de parceria, por meio da coleta seletiva evidenciou a capacidade de multiplicação e capilarização destas práticas. (XXXXXXX; BESEN, 2007).
No ano de 1999 surge o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) através do 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel. Este movimento foi fundado em junho de 2001 no 1º Congresso Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis em Brasília. Este evento contou com a participação de mais de 1.700 catadores e catadoras. No supracitado congresso lançou-se a Carta de Brasília, documento que reúne as necessidades daqueles que sobrevivem da coleta de materiais recicláveis (MNCR, 2011).
Ao longo da trajetória dos catadores de materiais recicláveis sempre foi marcada por diversas transformações no tocante ao reconhecimento da função social do trabalho e o processo de organização. Os catadores vêm aderindo às associações e cooperativas como propulsor para o exercício da cidadania, resgate de direitos e inclusão social. No final da década de 1990 foram marcadas pela criação do Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e pelo acesso às políticas públicas. Dessa forma, os catadores puderam ampliar seu espaço na cadeia da reciclagem, aumento da capacidade de coleta e triagem de matérias recicláveis, o que permitiu consolidar como um importante agente socioambiental da reciclagem (LIMA, 2013).
Conforme ressalta Wirth (2016), catador de lixo era a denominação dos trabalhadores informais que atuavam no Nordeste do Brasil. O nome catador de material reciclável foi o termo assumido para designar estes trabalhadores em todo o país após o primeiro encontro nacional do movimento de catadores. Outras denominações regionais como papeleiro, reciclador ou carroceiro foram substituídos por catador*2 de material reciclável.
A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego reconhece o serviço prestado pelos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, portanto, configura como uma profissão reconhecida desde 2002. A CBO define o catador como “aquele que cata, seleciona e vende material reciclável, e que se organiza de forma autônoma ou em cooperativa/associação com diretoria e gestão próprias” (XXXXX; SANTOS, 2016).
Os catadores de materiais recicláveis estão presentes no cenário dos resíduos há muitas décadas. Estes buscam ampliar suas atividades de modo a fortalecer e avançar na cadeia produtiva da reciclagem, através de organizações coletivas, seja relacionado à produção (trabalho associado, formação de redes de comercialização e beneficiamento dos resíduos) ou ao movimento social (XXXXXXXXX; ZANIN, 2011).
A participação formal dos catadores foi destaque na coleta seletiva em parceria com o poder público no ano de 2018, os quais foram responsáveis por 30,7% do total de resíduos coletados seletivamente no referido ano. De acordo com o relatório do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apontaram 1.232 organizações de catadores no Brasil, alocadas em 827 municípios. Verificou-se no ano de 2018 que são mais de 27 mil catadores vinculados a entidades, sejam associações ou cooperativas (BRASIL, 2018).
De acordo com Rolim, Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx (2015), os catadores de materiais recicláveis exercem atividades que colabora diretamente com os aspectos
2 Convencionou-se, neste trabalho, a utilização do termo “catadores” para designar tanto catadoras quanto catadores.
socioambiental, pois reinserem no processo produtivo os materiais que foram descartados pela sociedade. Mas infelizmente ainda são estigmatizados pela sociedade e até mesmo por membros familiares, pois realizam um trabalho que os mantém em constante contato com aquilo que comumente é chamado de “lixo”.
A reciclagem possui uma função social, pois os catadores desempenham um importante papel ao possibilitar que muitos materiais recicláveis sejam destinados de forma inadequados, com isso apresentam destinação ecologicamente correta. No entanto, ainda impera na sociedade a falta de reconhecimento do papel socioambiental desempenhado pelos catadores de materiais recicláveis. Essa ausência de reconhecimento leva muitos catadores à informalidade e, consequentemente, às condições adversas de trabalho e de vida (MORIGI, 2018).
De acordo com Xxxxxx (2002), os catadores de materiais recicláveis apresentam um significado social. A recolha de materiais recicláveis constitui um meio de vida para muitos que foram excluídos da sociedade e degradados ao máximo. Sendo a maioria extremamente pobre, são explorados pelos sucateiros, pois compram material recolhido pelo catador a preços vis. De modo a driblar esta condição, a única defesa é unir forças por meio do cooperativismo. Sendo a cooperativa uma entidade econômica e política, esta entidade representa os catadores diante do poder público e dele reivindica, por exemplo, locais para armazenagem e separação dos materiais recolhidos, além de financiamento para o processamento do material separado.
Para Bosi (2008), a reciclagem em grande escala no Brasil ocorreu somente a partir do momento em que a coleta e a separação dos resíduos demonstraram ser viáveis e de baixo custo, ou seja, realizado por trabalhadores com remuneração que compensasse investimentos em tecnologia. Dessa forma, a taxa de lucratividade deve ser competitiva com a precificação determinada, por exemplo, pelo mercado mundial responsável por derivados de petróleo e pela produção de alumínio e de celulose. Sendo assim, o surgimento da força de trabalho compõe-se de trabalhadores com ausência de contrato e com uma produtividade cujo pagamento é definido pela produção: são trabalhadores que não apresentam condições para retornar às ocupações formais. Fatores estes que viabilizaram, em sua maioria, o crescimento da reciclagem no país. Houve um aumento de trabalhadores informais presentes nas ruas das cidades, figurado
nos catadores de materiais recicláveis. Foi através dos materiais recicláveis que estes trabalhadores perceberam nesta ocupação uma fonte de renda. Com ausência de formalização ocupacional, os catadores com seus carrinhos vislumbraram a sua sobrevivência na coleta, seleção e venda de materiais recicláveis.
É importante salientar que todos devem compreender os conceitos relacionados aos resíduos e ao material reciclável e todos os seus aspectos comumente entendidos. Os catadores desempenham um papel muito importante já que eles promovem a reinserção no circuito produtivo de materiais que apresentam valor de troca e isso por si só contribui com a sustentabilidade ambiental e não o resíduo com todos os seus aspectos comumente entendido (ROLIM; XXXXXXXX; XXXXXXXXX, 2015).
De acordo com Xxxxxxxx e Xxxx (2019), a partir do momento em que os catadores começarem a compreender a si mesmo como trabalhadores, automaticamente será alcançada a valorização profissional que tanto almejam. Esta forma de compreensão, por conseguinte proporciona a atribuição de outro sentido além da busca pela sobrevivência.
Ainda de acordo com estes autores, o alinhamento entre manter o equilíbrio ambiental e qualidade de vida vem sendo bastante discutido na atualidade, em razão do aumento do padrão e do poder de consumo da população que está diretamente relacionado com a produção dos resíduos e consequentemente o destino final. Milhares de catadores e catadoras exercem um papel crucial e é muito relevante no cenário brasileiro, pois coletam, separam por categorias, compactam, acondicionam e comercializam resíduos que são descartados pela sociedade. No âmbito da reciclagem, ao exercerem essa atividade, estes trabalhadores são os maiores responsáveis no Brasil por inserem os materiais recicláveis na cadeia produtiva da reciclagem de resíduos. Observa-se, no entanto, que tais catadores, ao trabalharem individualmente ou de forma organizada em cooperativas ou associação ainda são os mais frágeis e penalizados dessa cadeia produtiva.
Segundo Xxxxxxxxxx (2011), reforça que o catador é o elo mais frágil da corrente no âmbito da reciclagem. Considera ainda que os catadores formam uma massa de trabalhadores com ausência de uma unidade significativa, em organizações coletivas ainda rudimentares para o trabalho (cooperativas e associações), cujos aspectos, como
exemplo, exploração da força de trabalho e o subemprego são características relevantes na busca permanente na obtenção de condições mínimas de sobrevivência, por meio da execução diária de formas de trabalho, realizadas geralmente na precariedade.
Ainda de acordo com o supracitado autor, o catador deve sempre ter uma concepção de reafirmação da identidade coletiva de agente ambiental e passará a ter ressignificado a sua atividade de trabalho por meio do alinhamento com as concepções do poder público. Diante disto, os catadores passam por problema social e são concebidos como solução ambiental.
De acordo com Xxxx (2008), a configuração do setor de reciclagem no Brasil, diante do excedente de uma numerosa população trabalhadora, em muitos casos suas qualidades são recusadas pelo mercado, é um traço que constitui as atuais relações de trabalho e uma evidência importante desse processo. Com isso mesmo, a informalidade, bem como seu crescimento funcional, precisa ser percebida como um resultado, ainda inconcluso, das relações de forças historicamente estabelecidas em torno da organização do trabalho.
De acordo com Xxxxxxxxx e Xxxxx (2011), a cadeia produtiva da reciclagem de resíduos urbanos é composta por uma estrutura piramidal, onde na base são representados pelos catadores informais, empreendimentos de catadores – figuradas por associações e cooperativas. Na parte posterior desta pirâmide representa os intermediários – sucateiros, empresas recuperadoras ou beneficiadoras – e por último, no ápice, é formada por empresas de reciclagem propriamente dita – reprocessamento e transformação, conforme a Figura 6. O maior valor agregado do produto encontra-se no topo da pirâmide. Os catadores são os principais responsáveis por inserir os materiais recicláveis nesta cadeia produtiva, no entanto, ainda são os mais fragilizados e precarizados.
Figura 6: Principais atores da cadeia produtiva da reciclagem
Fonte: Adaptado de Xxxxxxxxx e Xxxxx, 2011.
Ainda de acordo com estes autores, a cadeia produtiva de reciclagem de resíduos é composta por vários atores – indústrias, empresas, órgãos públicos, cidadãos e catadores – cada qual exerce funções diferenciadas. É preciso reconhecer o importante papel desempenhado por catadores de resíduo reciclável nessa cadeia, já que através de seus trabalhos agregam valor econômico, social e ambiental aos resíduos descartados. Dentre os atores presentes, os catadores são os mais frágeis, pois deparam-se com inúmeras dificuldades que impedem de exercer suas funções de forma digna e com maior sustentabilidade.
No processo de comercialização, os preços dos materiais pagos aos catadores são estabelecidos pelos intermediários, muitas vezes com valores irrisórios. Determinam quantidade mínima de materiais para compra e são os que determinam os preços das mercadorias e não os que vendem. Portanto, a formação dos preços pagos aos catadores dos materiais coletados e classificados revelam estes traços estruturais, já que apresenta uma relação de dependência direta com as empresas compradoras. (XXXXX; XXXXXXXX, 2013; XXXXXXXX; GÓES, 2019).
Conforme salientam Xxxxxxxx e Góes (2019), os catadores de materiais recicláveis são submetidos a uma relação de trabalho onde impera um grande paradoxo, atuam numa atividade muito lucrativa, mas ao mesmo tempo são reproduzidas relações de exploração, que há muito tempo era tida como uma situação superada no mundo do trabalho, mas que são expressões atualmente contidas nas questões sociais que estão envolvidas na relação de produção dos catadores.
De acordo com Xxxxxxx (2011), observa-se ainda que muitos catadores sofrem desrespeitos como, por exemplo, acesso aos direitos para o exercício da cidadania e formas de ofensa e degradação. Os catadores desempenham papel ambiental importante o que corrobora que devem ser cada vez mais valorizados estes agentes. O trabalho, portanto, figura como uma das possíveis esferas na qual o indivíduo contribui com a sociedade. Ao engajar através de associações de catadores, estes agentes percebem o valor social que possuem, além de garantir a restituição da autoconfiança, da autoestima e do autorrespeito perdidos.
Xxxxxxx Xxxxxxxx e Góes (2019), muitos estudos corroboram a existência das desigualdades que ainda imperam entre os catadores. São destacadas três formas principais de desigualdades: a discriminação cultural (são estigmatizados por realizar um trabalho que socialmente é desvalorizado, considerado como algo descartado, sem valor), a exploração econômica (apesar do árduo trabalho, não são bem remunerados) e a exclusão social (muitos vivem sob condições de marginalidade, sem acesso aos direitos que elevam a cidadania).
De acordo com Xxxxxx, Xxxx e Guimarães (2017), é comum os catadores de materiais recicláveis, nomenclatura legal e correta, serem ainda confundidos como catadores de lixo pela premissa do objeto de trabalho. Deve-se cada vez mais conscientizar as pessoas para que denomine corretamente estes profissionais, de modo a construir socialmente a sua ressignificação.
Os catadores ainda não são reconhecidos pela sociedade pelo importante trabalho que desempenham, muitos não possuem acesso aos direitos e às garantias relativas ao seu trabalho, exceto pela renda que obtém por meio da venda dos materiais coletados aos intermediários comerciais do mercado de recicláveis. Tais intermediários
controlam importantes etapas do ciclo das cadeias produtivas dos materiais recicláveis pós-consumo (OLIVEIRA; GÓES, 2019).
De acordo com Xxxxxxx (2015), os catadores de resíduos compõem os principais agentes que promovem a coleta seletiva em diversos municípios brasileiros. Muitos movimentam recursos financeiros expressivos com a reciclagem, muito mais que as próprias prefeituras, empresas e cooperativas. Muitos destes são provedores da família e responsáveis pelo sustento da casa, há aqueles que chegam a ganhar acima do valor mínimo do salário vigente. Por mais que a atividade dos catadores ainda não seja prestigiada e mal classificada pela sociedade, possibilita que estes indivíduos sintam-se integrados a algo e além de serem remunerados para proverem seus lares.
Conforme ressaltam Garceset al., (2017), através da reciclagem muitos trabalhadores brasileiros conseguem gerar renda por meio da coleta de materiais recicláveis. No entanto, ainda são desvalorizados e muitos são vistos de forma negativa pela população, especialmente quando o serviço de coleta é feito de forma informal, consideram ser desorganizado e que complica o trabalho do serviço público de limpeza.
Conforme analisa Lima (2013), há uma reivindicação das associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis para que a prestação de serviços da coleta seletiva seja remunerada, configura uma das principais bandeiras de luta da categoria. Esta remuneração além de reconhecer a relevância deste trabalho, figura como condição primordial para assegurar que tais empreendimentos se desenvolvam de forma sustentável. Com isso, as organizações tornam-se relevantes e estratégicas como parceira para a limpeza urbana, consequentemente eleva as condições de trabalho, renda e qualidade de vida dos trabalhadores.
Conforme revelam Xxxxxx e Xxxxx (2011), não é possível, especialmente nas metrópoles brasileiras, promover avanços na gestão eficiente e sustentável sem que haja uma cobrança socialmente justa pelos serviços prestados na coleta seletiva. Em outros serviços como água, esgoto e energia já ocorrem tais cobranças. Ao cobrar uma taxa proporcional às quantidades geradas de resíduos é considerado um importante fator de conscientização e também de educação dos cidadãos de modo a reduzir as quantidades produzidas e o desperdício.
De acordo com Xxxx (2013), inserir os catadores para o aumento de escala no sistema de coleta seletiva ainda apresenta diversos desafios. A remuneração pelos serviços ambientais, até então prestadas gratuitamente, representa uma das condições para que a prestação de serviços torne-se mais eficiente, além de assegurar a efetividade dos benefícios ambientais – reciclagem, limpeza da cidade, preservação da vida útil dos aterros, dentre outros – e sociais – condições dignas de trabalho, aumento da renda dos associados e consciência ambiental.
Os catadores de materiais recicláveis, através da prestação de serviço de coleta seletiva, contribuem de diversas maneiras e tem efeitos amplificados, uma vez que promovem ganhos de produtividade da triagem, pelo aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos materiais que chegam às associações de catadores. Este trabalho deve- se ao fato de que estes trabalhadores conseguem mobilizar a sociedade e criar vínculos sociais com a população. Com isso, consolida uma base sólida que contribui para o crescimento contínuo da coleta seletiva, o que permite, inclusive, promover a redução dos custos relativos aos serviços geridos por autarquias municipais ou empresas privadas (LIMA, 2013).
2.5 Cooperativas como alternativas à precarização do trabalho
O ser humano, ao longo da sua existência, desenvolveu diversos mecanismos para sua sobrevivência. O trabalho aparece como o meio mais utilizado pelos indivíduos, pois possibilita suprir suas mais diversas necessidades. O trabalho constitui uma atividade própria da condição humana, independemente do modo de produção (REINERT, 2001).
De acordo com Xxxxx (2004), com o processo de divisão social do trabalho é muito comum presenciar um elevado número de trabalhadores que não são absorvidos pelas empresas, o que resulta em uma imensa parcela da população excluída socialmente.
Conforme revela Xxxx (2008), deve-se desvincular a relação que se tem do capital e trabalho nas suas formações históricas atuais. Isso pode conter explicações relacionadas ao mundo dos trabalhadores e das mudanças ocorridas nele, que comumente são discutidas e realçadas pelas ciências humanas e sociais nesses últimos
anos. Dessa forma, não se deve apenas reconhecer a organização capitalista do trabalho “informal”, mas sim perceber como esse tipo de organização também “resignifica” e condiciona as experiências e as práticas dos diversos sujeitos implicados nesse processo.
De acordo com Xxxxxx e Xxxxx (2011), por meio da economia global culminou na reestruturação das relações de produção fundamentada pelas globalizações financeira e produtiva e por inovações tecnocientíficas. Estes fatores modificaram a ocupação e emprego e em função das novas configurações tornou precário e deteriorou as antigas relações de trabalho, bem como acentuou e impôs novas determinantes ao desemprego.
O capitalismo configura um modo de produção onde basicamente os direitos de propriedade individual são aplicados ao capital e o direito à liberdade individual. Por conta disto, a sociedade é dividida em duas classes básicas: a classe proprietária ou possuidora do capital e a classe trabalhadora, por não ter capital, ganha a vida vendendo a sua força de trabalho. Deste processo naturalmente resulta em competição em desigualdade (SINGER, 2002).
Ainda de acordo com este autor, o cooperativismo de consumo foi um difusor de cooperativas pela Europa a partir de meados no século XIX. A cooperativa dos Pioneiros Equitativos de Rochdale representa a mãe de todas as cooperativas. Surgiu em Rochdale, um importante centro têxtil no norte da Inglaterra em 1844. Foi fundada por 28 operários de diversas atividades, dentre os objetivos desta cooperativa era a criação de uma colônia auto-suficiente e o apoio a outras sociedades com este propósito.
Ainda de acordo com o autor supracitado, o que impulsionou a criação da cooperativa foi a derrota de uma greve de tecelões em 1844. Foi adotada uma série de princípios que posteriormente foram imortalizados como os princípios universais do cooperativismo: (1) nas decisões tomadas todos os membros possuíam direito a voto,
(2) o número de membros era aberto, poderiam entrar quem desejasse, (3) o capital emprestado a cooperativa havia um taxa fixa de juros, (4) as sobras seriam divididas entre os membros de forma proporcional às compras de cada um na cooperativa, (5) as vendas seriam feitas sempre à vista, (6) os produtos vendidos pela cooperativa seriam sempre puros, sem adulteração, (7) a cooperativa se encarrega da educação cooperativa,
(8) a cooperativa tinha que manter sempre neutra no que tange às questões religiosas e
políticas. Estes princípios foram sintetizados de diversas experiências de cooperativas anteriores.
De acordo com Xxxxxx (2002), na cooperativa de produção, considerada protótipo de empresa solidária, todos os sócios possuem a mesma parcela do capital e, por conseguinte, o mesmo direito de voto em todas as decisões que cercam este empreendimento. Se tiver a necessidade de diretores, estes são eleitos por todos os sócios, ninguém manda em ninguém, não há competição entre os sócios. Este é considerado o princípio basilar dos empreendimentos solidários. A progressão da cooperativa ao acumular capital é dividida igualmente entre os membros, assim como quando for mal, com acúmulo de dívida, todos devem participar dos prejuízos para saldar os débitos assumidos.
O cooperativismo foi implantado no Brasil no começo do século XX, trazidos pelos imigrantes europeus. Seu contorno constituiu cooperativas de consumo nas cidades e de cooperativas agrícolas no campo. Mas poucas cooperativas eram ou são autogestionária, a direção e as pessoas que trabalham nestes empreendimentos são assalariadas, em função desta característica não se pode considerar como parte da economia solidária (SINGER, 2002).
De acordo com Xxxxxx (2002), a cooperativa representa uma união de pessoas que permite resgatar a dignidade humana do catador, além de desenvolver a autoajuda e da ajuda mútua que possibilita a constituição da comunidade de catadores.
As cooperativas e associações de catadores são criadas para prestarem serviço público à sociedade. Dentre as características, são empreendimentos que não visam fins lucrativos; os esforços são direcionados ao trabalho, ao seu desenvolvimento e a propiciar sua execução. Mas há necessidade de aparelhos legais, econômicos e institucionais de modo a manter-se e para que seus associados possuam uma contraprestação digna por meio do seu trabalho, para que consigam evoluir através da própria prestação de serviços, bem como agregar valor econômico, gerado por eles, além de não possibilitar a apropriação por atravessadores (BAPTISTA, 2013).
Diante da crise social ocorrida nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil, onde ocorreu a desindustrialização, foram perdidos milhões de postos de trabalho o que acarretou desemprego em massa e acentuou a exclusão social, foi neste contexto que a
economia solidária reviveu. Assumiu em geral a forma de cooperativa ou associação produtiva, em diferentes modalidades, mas tendo como princípio elementar a autogestão. Portanto, a economia solidária teve sua reinvenção recente, mas apresenta grande vigor e notável criatividade institucional (SINGER, 2002).
Ainda de acordo com este autor, atualmente a maioria dos empreendimentos solidários apresenta caráter intersticial, ou seja, surgiram como respostas a crises nas empresas, ao desemprego e a exclusão social.
Xxxxxxx, Xxx Xxxxx e Xxxxxxxx (2014), reforçam que com o aumento do desemprego provocado pela globalização, especialmente a partir dos anos 1990, muitos trabalhadores perderam seus postos de trabalho e foram obrigados a migrarem para o setor informal, onde as condições de trabalho são mais precárias. Como forma de buscar a sobrevivência, entre as atividades mais procuradas por estes trabalhadores, encontra-se a catação de materiais recicláveis.
De acordo com Xxxxxxx (2001), nos moldes atuais, o trabalho é caracterizado por um mercado muito competitivo, que por sua vez resulta no desemprego. Este fenômeno contemporâneo é proveniente de diversas causas e fatores e com isso gera consequências econômicas, sociais e políticas.
Houve uma expansão da atividade de catação de material reciclável a partir da década de 1970. A partir deste contexto, inicia-se no Brasil o debate quanto ao esgotamento do manejo dos resíduos sólidos urbanos em lixões a céu aberto, seguindo uma convergência de interesses da classe política e dos movimentos ambientalistas que indicavam a necessidade de reverter essa condição (XXXXXX XXXXX, 2001; SINGER, 2002; GAIGER, 2003; METELLO, 2007; LEITE, 2012).
Já na década de 1980, inicia-se a organização de cooperativas e associações de reciclagem constituídas pelos catadores e catadoras de materiais recicláveis, impulsionada por incentivos advindos de entidades eclesiásticas e ONG. Leite (2012) e Lima (2015) reforçam que houve uma série de fatores que convergiram e possibilitaram a aceleração e fortalecimento das cooperativas e associações, dentre as quais destacam- se: a consolidação de debate sobre as questões ambientais; o aumento da geração de resíduo, bem como a destinação pelos municípios; a globalização da produção e dos mercados que impulsionaram o desemprego.
Xxxxxxx (2001), relata que na década de 1990 surgem os empreendimentos populares cuja essência está na livre associação e no trabalho coletivo. Com isso fomentou investigações sobre a natureza de sua gestão. Tais empreendimentos revelam a junção de economia e solidariedade – há a inserção do elemento solidário no centro de suas atividades e relações econômicas.
De acordo com Xxxxx (2004), há uma parcela da população, por conta do processo excludente no mercado de trabalho, tem a sua subsistência na catação de material reciclável.
Nas organizações em cooperativas e associações os catadores entremeiam processo de trabalho individual e solitário, em diversas situações casos relacionados à situação de rua, e coletivo. Este processo dual necessita de uma cultura de organização social e política. Este processo é complexo e demanda apoio e suporte (COUTO, 2012).
De acordo com Xxxx (2008), uma perspectiva orientada não permitirá calibrar a autonomia dos catadores de como percebem e vivenciam, por exemplo, certas pressões como aquela exercida pela necessidade da renda. Portanto, as ocupações consideradas “informais” ganham cada vez mais relevância no mundo do trabalho por acionar como uma forma de produção preferencial do capital e não como escolha exclusiva dos trabalhadores.
A inclusão social dos catadores é muito importante e serve como premissa básica para a promoção da saúde destes agentes. Ao inserir numa cooperativa possibilita ganhos inerentes ao aumento de renda, de forma estável e constante, o que permite que os catadores vivam em melhores condições – acesso a alimentação e medicamentos, promoção de condições salubres de higiene, dentre outros– percebe-se ganhos substantivos, especialmente relacionado às melhores condições ambientais no trabalho (FROTA, 2014).
Ao deixar de trabalhar de forma individual para formarem uma cooperativa, os catadores de materiais de recicláveis visam buscar melhores condições de trabalho e renda, além de permitir ganharem a consciência de sujeitos que emergiram dos restos de uma sociedade de consumo, criam uma identidade coletiva que se fortalece em seu movimento e discussões (PEREIRA; DAL SECCO; XXXXXXXX, 2014).
É bem recente o trabalho dos catadores de materiais recicláveis que se organizaram em cooperativa. Há um expressivo número de cooperativas especialmente nas principais capitais do Brasil. Diante do grande potencial que a reciclagem apresenta no país, as iniciativas de cooperativas mostram-se bem tímidas, levando em consideração o número de pessoas que estão envolvidas neste trabalho (MORIGI, 2018).
Ainda de acordo com este autor, as cooperativas de catadores apresentam grandes desafios do ponto de vista de gestão, dentre eles o mais complexo refere-se à conciliação entre sua atividade econômica eminentemente empresarial com os princípios da autogestão. A incorporação da autogestão, que representa a participação ativa dos associados, não representa uma tarefa simples no cotidiano das atividades desenvolvidas. Muitas cooperativas não conseguem capacitar os seus agentes quanto aos valores e princípios cooperativistas, o que pode provocar diversas distorções que são prejudiciais à inclusão social destes indivíduos.
Estima-se a existência de 1.175 cooperativas ou associações de catadores, distribuídas entre 684 dos 5.563 municípios brasileiros. Este quantitativo representa em torno de 30.390 catadores organizados (IPEA, 2012).
No Figura7, apresenta as principais diferenças existentes entre as associações e cooperativas. Cada qual apresenta uma legislação que a define, há um quantitativo mínimo de pessoas que difere de uma para outra, constituição de patrimônio, emissão de nota fiscal, questões relacionadas à previdência e programa de integração social, contribuição para financiamento da seguridade social, imposto de renda e contribuição sobre lucro líquido.
Figura 7. Diferenças entre associação e cooperativa
Fonte: Leis 9.790/1999, 5.764/71 e 12.690/2012
Conforme ressaltam Jacobi e Besen (2011), muitos catadores trabalham de forma independente em condições precárias de segurança e de saúde nas ruas da cidade.
No contexto do trabalho de catação de materiais recicláveis, observa-se que é marcada pela precarização dos locais de trabalho e insalubres, muitos são explorados pelos atravessadores, assim como ausência de direitos básicos de proteção social. Há uma perspectiva de marginalização ocupada pelos catadores na cadeia produtiva dos
materiais recicláveis, condições propícias que podem agravar a saúde estes trabalhadores, além das más condições de trabalho e vida. Por este motivo, como forma ganhar o seu sustento, buscar dignidade e sentir sujeitos, os catadores tem-se organizado no mercado competitivo da reciclagem (PEREIRA; DAL SECCO; XXXXXXXX, 2014).
De acordo com Xxxxxxx (2015), as cooperativas de catadores de materiais recicláveis mostram-se como excelente alternativa para a problemática do excesso de volume de resíduos gerados pela sociedade moderna, impulsionada especialmente pelo consumismo. Estas cooperativas se organizam para desenvolver um trabalho que visa promover a despoluição das cidades por meio da coleta seletiva de materiais recicláveis como alumínio, papelão, plástico, vidro, embalagens diversas, borracha, tecido, nylon e equipamentos eletrônicos.
Com a organização do trabalho em cooperativas de catadores de materiais recicláveis e com o apoio da gestão por parte da iniciativa pública e privada em seus métodos, mediante trabalho desenvolvido por estas organizações, pode-se observar os benefícios para os catadores constantes no Quadro 2.
Quadro 2. Principais benefícios do trabalho em cooperativa para os catadores
- Promove a geração de emprego e renda;
- Permite resgatar a cidadania dos catadores/cooperados;
- Possibilita retirar os catadores das ruas, dos lixões e de diversas situações insalubres;
- Impulsiona a organização do trabalho dos catadores nas ruas evitando os problemas na coleta do resíduo e o armazenamento de materiais recicláveis em logradouros públicos;
- Tem o potencial de reduzir as despesas com programas de coleta seletiva nas instituições, públicas e privadas;
- Tende a reduzir as despesas com coleta, transferência e disposição final de resíduos separados pelos catadores e que não serão encaminhados ao local de disposição final;
- Contribui com a saúde publica e ao sistema de saneamento;
- Fornece material reciclável de baixo custo à indústria;
- Reduz os gastos municipais e a contribuição à sustentabilidade do meio ambiente, tanto pela diminuição da matéria-prima utilizada, que conserva recursos e energia, quanto pela diminuição da necessidade de terrenos a serem utilizados como lixões e aterros sanitários.
Fonte: Adaptado de Esteves (2015).
Ao prestar serviços na coleta seletiva, destacam-se diversas vantagens para as organizações de catadores de materiais recicláveis, conforme evidenciados no Quadro 3.
Quadro 3. As vantagens das organizações dos catadores na prestação de
serviços
Aspectos | Vantagens |
Condições trabalho e qualidade de vida | Permite melhorar as condições de trabalho e da qualidade de vida dos membros das organizações comparadas ao trabalho informal. |
Diversificação dos tipos de materiais | Possibilita diversificar os tipos de materiais separados e aumentar a qualidade da segregação, ao comparar com centrais mecanizadas. |
Comercialização em rede | As organizações podem comercializar de forma conjunta(denominada rede). |
Mobilização e sensibilização da sociedade | A sociedade se mobiliza e sensibiliza sobre a realidade dos catadores, assim como em relação à necessidade de minimizar resíduos que, consequentemente, permite preservar o ambiente e reduzir danos. |
Captação de recursos | As organizações podem captar recursos por meio de projetos, em editais e linhas governamentais de crédito específicos. |
Contratação pelos órgãos públicos | As organizações podem ser contratadas pelos órgãos públicos, sem necessidade de licitação. |
Recebimento pela prestação de serviços | Podem receber pela prestação de serviços ambientais urbanos. |
Poder de negociação | Adquirem autonomia que permite negociar a comercialização de materiais recicláveis, tendo como escopo a defesa dos direitos dos catadores. |
Investimentos | Realizar investimentos que beneficiam todos os integrantes, como cursos de alfabetização, técnicas de reciclagem, contabilidade, etc. |
Fonte: Adptado de Besen; Xxxxxxx; Xxxxxxx (2017).
Percebe-se que são várias vantagens, sob diversas perspectivas, sendo as principais, a formação de organização dos catadores como melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida, diversificação das tipologias de materiais, comercialização em rede, mobilização e sensibilização da sociedade quanto às questões ambientais por
meio dos resíduos, possibilidade de captar recursos financeiros com órgãos de fomento, contratação pelo poder público, remuneração pela prestação de serviços, negociações melhores, além da promoção de investimentos que beneficie todos os membros.
De acordo com Sant’Ana e Metello (2016), contratação das cooperativas de catadores pelo poder público permite o aumento da renda da cooperativa. Como desdobramento deste aumento nas receitas possibilita a estabilização jurídica, contábil e financeira destas entidades. Outro fator desencadeante desta contratação, faz com que ocorra a necessidade de uma melhor organização, assim como melhores planejamentos, de modo a respaldar as obrigações assumidas no contrato. Diante desta mudança, as cooperativas deixam de ter instabilidade e podem obter modalidades de investimento e de crédito.
A formação de cooperativas em sua maioria apresenta muitos obstáculos, exige- se a junção de número mínimo de vinte pessoas, devem apropriar-se de documentos como estatutos, atas de assembleias. Por isso a educação popular constitui uma ferramenta importante para que essa apropriação se efetive. Por mais que os catadores estejam unidos pelas redes de comercialização das cooperativas e associações, o mercado da reciclagem apresenta instabilidade. A ausência de capital de giro ou reservas para arcar com as crises representam grandes desafios para muitas cooperativas. É de muito importante que haja parcerias com a sociedade civil e poder público local (PEREIRA; DAL SECCO; XXXXXXXX, 2014).
Segundo Xxxxxx et al., (2009), a cooperativa de catadores de reciclagem insere- se como um importante elemento em cadeias reversas de recuperação de valor de resíduos. Essas cooperativas são constituídas por associações de trabalhadores, majoritariamente constituída por uma camada mais vulneráveis da população, que recebem apoio do poder público para desenvolver atividades de coleta, recebimento, separação, processamento, embalagem e retorno dos itens aos ciclos produtivos industriais. São exemplos de itens que retornam ao ciclo produtivo: vidros, papéis e papelões, recipientes metálicos (latas, latinhas, baldes), embalagens PET (Polietileno Tereftalato), entre outros.
O trabalho em cooperativa une os catadores, pois todos trabalham em prol dos mesmos ideais e objetivos. O direcionamento das suas atividades visa satisfazer as suas
necessidades financeiras e pessoais por meio da produtividade, além de valorizar o trabalho e não explorar a força de trabalho. Comercialmente falando, as cooperativas exercem atividades de coleta, separação e venda do material reciclável recolhido para os consumidores de material selecionado. Com isso possibilita agregar valor por meio da quantidade acumulada, separação e prensagem, além de comercializar os produtos com empresas de beneficiamento e ou de reciclagem. Uma cooperativa bem gerenciada permite negociar um preço mais justo e, ao facilitar acesso aos grandes compradores, possibilita a utilização de matéria-prima para seus produtos de modo que tenha uma rentabilidade maior, assim como agregar aos seus produtos o valor social (XXXXX; XXXXXXXX, 2013; ESTEVES, 2015).
Percebe-se que muitas cooperativas de catadores de materiais recicláveis apresenta precariedade no que se refere à estrutura para funcionar. Problemas relacionados ao gerenciamento, ambiental e aos aspectos sociais representam vulnerabilidades a essa questão que são expostos os trabalhadores (CRUVINEL; PÁDUA; FERREIRA, 2015).
De acordo com Xxxxxxxx al., (2017), as cooperativas de catadores de materiais recicláveis possui um conjunto de atividades para a coleta seletiva, dentre as quais destacam a catação, a triagem e a comercialização. Ao promover estas atividades, as cooperativas atuam de modo a prolongar a vida útil de produtos e embalagens, além de trabalharem com o processo de logística reversa. Para que estes empreendimentos possam desenvolver e atuar com maior efetividade, é necessário maior apoio das autoridades, especialmente do poder estadual e municipal, incentivar cada vez mais as cooperativas existentes, além de impulsionar a criação de novos empreendimentos como forma de estimular o descarte consciente dos resíduos sólidos gerados na cidade. Este apoio também deverá ser no sentido de impulsionar uma melhoria na gestão destes empreendimentos pelos próprios cooperados, de modo a alavancar as oportunidades, bem como promover maior autonomia e, dessa forma, consolidar cada vez mais as cooperativas.
Conforme ressalta Baptista (2013), os catadores, inseridos em cooperativas ou associações, possuem grande desafio ao ajustar as questões relacionadas ao cooperativismo como solidariedade, igualdade e liberdade com a competitividade do
mercado da livre-concorrência. Prevalece ainda a defasagem do processo de gestão em relação às trocas, além da ausência de condições igualitárias de competitividade.
Ainda de acordo com este autor, com a ausência de apoio do poder público à sua estruturação, os empreendimentos apresentam grandes dificuldades em se pautar nos aspectos solidários, pois devem gerar e distribuir renda com desigualdade em função da competitividade do mercado. Em função deste aspecto, tais empreendimentos são pautados por configurações capitalistas. Os associados são tidos como empregados ao invés de serem proprietários da cooperativa. Ao serem absorvidas pelo sistema capitalista, as cooperativas deixam de primar pela solidariedade e o espírito do cooperativismo. Com isso, deixa de lado a solidariedade na economia solidária e a cooperativa passa a figurar como uma empresa comum (BAPTISTA, 2013).
Cruvel, Pádua e Xxxxxxxx (2015), reverberam que a atuação dos trabalhadores na coleta dos resíduos constitui uma boa alternativa que reduz o volume de lixo que seriam levados aos aterros sanitários, mas caso a cooperativa tenha gerenciamento comprometido pode aumentar os problemas ambientais, além de causar condições desfavoráveis relacionados à ocupação laboral dos trabalhadores envolvidos nesta atividade.
2.6 Cooperativas de catadores como empreendimentos de economia solidária
De acordo com Xxxxx (2017), o mundo do trabalho no Brasil está além das questões salariais de mercado. Há uma variedade de outras atividades econômicas que não envolvem necessariamente uma relação contratual de compra e venda de força de trabalho. Observa-se uma multiplicidade no que se refere às dimensões da sociabilidade humana. Fatores estruturais são responsáveis por essa realidade heterogênea nas formas de ocupação laboral. Como exemplo de fatores estruturais tem-se a diminuição do peso do emprego industrial no total da ocupação na economia, além da precarização dos postos de trabalho ao longo dos últimos anos.
Este autor ainda ressalta como alternativa para uma relação direta de compra e venda de força de trabalho aparece à organização de indivíduos de forma associativa que tem como intuito exercer uma diversidade de atividades econômicas, sejam de produção, prestação de serviços ou ainda atividades de intermediação. Tais
possibilidades estão intimamente inseridas no campo da ação coletiva, permeada em uma economia plural, onde há um convívio de múltiplas formas de regulação que coexistem de forma concomitante, às vezes de maneira contraditória e conflituosa, outras de maneira complementar.
A economia solidária caracteriza-se por movimentos que surgiram na década de 1980, na qual incorporou preceitos da economia social, mas promoveu novas questões e propostas provenientes da situação da sociedade do trabalho nessas últimas décadas. Estes movimentos visam romper unicamente com os aspectos da racionalidade econômica, contemplam as esferas social, política e econômica (KEMP, 2008).
Ao longo da década de 1990, no âmbito da realidade do Brasil, como resultado do processo de redemocratização, assim como a retomada de garantia de livre associação no país, diversos grupos populares urbanos e rurais que estavam organizados a luz do cooperativismo e o associativismo tiveram sua visibilidade no cenário político regional e nacional. De modo a unificar o discurso em torno dessa pauta, muitos intelectuais e representantes de movimentos sociais adotaram o termo “economia solidária”, como um conceito que agrupa iniciativas econômicas populares, seja urbano ou rural, que tenha a coletividade no trabalho e a autogestão como elementos centrais de identidade comum, ou seja, diante da diversidade encontra-se uma unidade. Aquelas iniciativas que possuíam essas características foram denominadas como “empreendimentos econômicos solidários” (SILVA, 2017).
De acordo com Gaiger (2016), a terminologia economia solidária (EcoSol) ganhou notoriedade no Brasil a partir da década de 1990, quando começaram a surgir diversas iniciativas econômicas notáveis e o reconhecimento pela natureza associativa e suas práticas de cooperação e autogestão. Ao promover a sua expansão, a economia solidária passou a permear várias categorias sociais e múltiplas formas de organização, como aquelas que se dedicam à produção de bens, prestarem serviços, ao comércio e ao crédito.
Economia solidária, outra economia, economia popular, economia social e solidária são diversas terminologias que designam ações e atividades coletivas, que se baseiam na autogestão e solidariedade. Este modo alternativo cresce em todo o mundo,
como uma opção que visa à inclusão social e produtiva da população que estão excluídas do sistema econômico dominante (BRITSCHGY, 2018).
A economia solidária refere-se ao modo de produção baseada na propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. Ao aplicar estes princípios promove a união entre todos numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital com igualdade em cada cooperativa ou sociedade econômica. Naturalmente o resultado é a solidariedade e a igualdade, entretanto, há necessidade de mecanismos estatais de redistribuição solidária da renda. Nos empreendimentos solidários os sócios não recebem salários, mas retiradas que pode variar conforme receita obtida. A decisão sobre a diferenciação ou não das retiradas são decididas de forma coletiva em assembleias (SINGER, 2002).
Segundo Xxxxxxxx (2013), uma economia solidária ou a solidariedade na economia somente poderá ser desenvolvida em bases igualitárias por aqueles que se juntam para produzir, comerciar ou poupar. Ou seja, o que Xxxx Xxxxxx “define como associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais”. Caso toda economia fosse solidária, a desigualdade seria menor.
De acordo com Xxxx (2008), a economia solidária constitui um movimento que visa desenvolver a solidariedade interna, com intuito de promover democratização das formas de organização do trabalho e impulsionar a redistribuição da renda e socialização através da coletivização dos lucros.
A diferença entre uma empresa capitalista e solidária está intimamente relacionada à forma como é administrada. Na empresa capitalista impera a heterogestão, a administração é hierárquica, formada por níveis de autoridades, sucinta o máximo de cooperação entre os empregados que são agrupados em seções, departamentos e sucursais, espera-se extrair o máximo do trabalho e eficiência do pessoal. Já empreendimento solidário é administrado de forma democrática, ou seja, pratica a autogestão onde todas as decisões são tomadas em assembleias (SINGER, 2002).
Diferente do que acontece nas empresas, numa relação empregatícia, não há padrões e os cooperados são ao mesmo tempo detentores e responsáveis por viabilizar tais direitos através da sua força de trabalho. Nas empresas o empregado cobrará os padrões, embasada por um aparato jurídico e institucional no qual defende a sua
condição, já no sistema cooperativismo são direcionados ao coletivo do qual são parte. Diante da inviabilidade do empreendimento com exíguas políticas de apoio, o que resta é dissolvê-lo o que consequentemente ocorre o desemprego (WIRTH, 2016).
Em função dos novos arranjos de trabalho houve a necessidade de uma nova forma de organização do trabalho que difere das aspirações do chão de fábrica do modo capitalista, constatou-se de forma mais evidente a supremacia da economia solidária. Por ser um modo de organização do trabalho, cujo arranjo é feito de forma coletiva, possui características organizacionais que vai muito além da mera dimensão econômica, essencialmente esparra numa dimensão política e social de caráter idealmente transformador (XXXXXX; XXXXX, 2011).
O termo economia solidária engloba um leque variado de organizações econômicas, de entidades representativas e de organismos da sociedade civil e do Estado. Este termo EcoSol designa, de forma simultânea, uma tipologia típica de empreendimento econômico, um movimento social e uma área de intervenção política. Nos últimos decênios, a economia solidária esteve presente em diversos temas que tiveram impactos nas ciências sociais, especialmente no que se refere aos estudos sobre desigualdades, relações de trabalho, movimentos sociais, economia popular e políticas públicas. (GAIGER, 2016).
As iniciativas econômicas organizam-se de forma abrangente e diferentes tipos de empreendimento, conforme pode ser verificado na Figura 8.
Figura 8. Abrangência e diferenças de iniciativas de empreendimentos econômicos
Fonte: Xxxxxxxx xx Xxxxx (2017).
Conforme relatam Filizolaet al., (2011), o empreendimento econômico solidário não está atrelado somente aos aspectos econômicos, mas principalmente por constituir sentidos que contribuem com as atividades humanas, além de promover a reorganização destes empreendimentos. Isso acontece, pois o ser humano tem a necessidade de ser útil, desempenhar funções que irão contribuir com o desenvolvimento de uma área, ou seja, está diretamente ligado à capacidade do indivíduo de produzir no seu sentido de existência, além de figurar novas relações profissionais e pessoais, pois o trabalho é preponderante por influir na formação da personalidade e da identidade destes trabalhadores.
De acordo com Britschgy (2018), o movimento da economia solidária no Brasil apresenta uma forma estratégica de enfrentar a pobreza, uma alternativa para aquelas pessoas que vivem à margem do sistema econômico vigente e encontram-se excluídas na sociedade. Este movimento visa fortalecer e emponderar os sujeitos ao promover, entre outros, melhoria da qualidade de vida, exercício pleno da cidadania que se baseia na autonomia, na democracia e na justiça social.
A autogestão nos empreendimentos de economia solidária distingue das demais formas de organização, mas representa um grande desafio, pois é complexo constituir meios internos que visam incentivar os associados a participarem diretamente das decisões cotidianas destes empreendimentos. Os trabalhadores trabalham e ao mesmo tempo são sócios – isso pode gerar responsabilidades diferenciadas em relação a uma empresa comum. Para muitos associados não é tão simples assimilar estes dois aspectos. Para que garanta o pleno exercício da gestão democrática nestes empreendimentos, é necessário estabelecer estratégias diferenciadas, especialmente àqueles que possuem maior contingente de sócios. Tem-se na assembleia geral, reconhecidamente, a instância máxima decisória, galgado no princípio cooperativista clássico, de que para cada pessoa um voto é imprescindível. Há também outras instâncias coletivas que deliberam, o que depende da natureza de cada grupo. Especificamente em cooperativas, há legislação que trata sobre a necessidade de haver no mínimo uma assembleia geral anual, além do estabelecimento obrigatório de conselhos específicos e uma diretoria executiva na qual a função principal é a do presidente (SILVA, 2017).
A economia solidária representa ou poderá representar mais do que a mera resposta a incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade que almejam e necessitam trabalhar. Poderá constituir uma alternativa superior ao capitalismo, ou seja, por propiciar as pessoas que se inserem nestes empreendimentos, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras, uma vida melhor. Mas é necessário que a economia solidária deva gerar sua própria dinâmica, além de construir um sistema que gere e faça difusão de conhecimento para formação técnica e ideológica aos futuros integrantes. Deverá, como forma de competir com o capitalismo e outros modos de produção, alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias, por meio de apoio de serviços financeiro e científico-tecnológicos solidários (SINGER, 2002).
Xxxxxx e Xxxxx (2011), reforçam que as raízes discursivas e práticas da economia solidária confluem-se quando a classe trabalhadora reage a exploração do capitalismo, que são provenientes do custo humano da revolução industrial.
Apesar de essa raiz ser uma reação ao capitalismo que provém dos operários e intelectuais, cujo intuito é defender o trabalhador e especialmente a organização coletiva do trabalho, a conceituação de economia solidária surgi posteriormente, extemporâneo às suas raízes. Conceitualmente falando, a economia solidária designa uma noção atual, de forma mais ampla e acabada, que incorpora de maneira crítica todas essas experiências, municia em si a síntese de um debate que coaduna várias experiências de reação ao capitalismo por meio de ações e tem como ponto central e fundamental a organização coletiva do trabalho (XXXXXX; GODOY, 2011).
Em um empreendimento de economia solidária, a propriedade dos meios de produção é resultante do processo de decisão coletiva dos próprios trabalhadores (SINGER, 2002; GAIGER, 2006).
As cooperativas de catadores são consideradas empreendimentos econômicos solidários, pois se encontram alinhadas aos princípios da Economia Solidária (ES), em busca de “[...] outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual”, a cooperação, a autonomia e a gestão democrática (SINGER, 2002; GAIGER, 2006). Neste sentido
busca defender a propriedade coletiva ou associada, a liberdade individual, a distribuição de renda de forma igualitária e a solidariedade (GAIGER, 2006).
Conforme ressalta Forte (2017), de modo a legitimar e elaborar uma política pública é preciso que tenha juridicização, que é um processo que atribui caráter jurídico emanada de cada sociedade quanto a sua simbologia e prática relacionadas a diversas esferas. Dessa forma, juridicizar a economia solidária corresponde atribuir-lhe caráter jurídico, além das suas especificidades, incorporá-la ao ordenamento jurídico nacional, por conseguinte, obriga o Estado ter o reconhecimento como fato jurídico. Ao proceder dessa forma, o Estado responsabiliza-se pelas garantias e direitos resultantes da juridicização. Este é procedimento inicial da regulação da economia solidária para a sua institucionalização.
Este mesmo autor assevera que para que ocorra a institucionalização da política pública do movimento da economia solidária deve envolver a criação de um marco legal, através de uma lei que contemple necessidades e direitos, que delimite a abrangência e público alvo, assim como direcione apoio para haja o pleno desenvolvimento, o que faz com que seja um direito para sociedade.
A organização coletiva do trabalho na esfera da economia solidária está intimamente ligada às experiências de economia social que foram influenciados pelos pensamentos socialistas, caracteriza-se pela associação de pessoas em gestões democráticas cujo objetivo é produzir e reproduzir meios de vida, permeada pelas relações de solidariedade, reciprocidade e igualdade. Os principais formatos dessa economia referem-se às cooperativas, às mutualidades e às associações (COELHO; GODOY, 2011).
Xxxxx (2017), considera que a economia solidária caracteriza-se por ser empreendimentos econômicos que não visam tecnicamente ao lucro, já que são constituídas por associações de pessoas e não de capital, além de oferecer e possibilitar a superação de limitações do trabalho individual aos seus integrantes, especialmente naqueles grupos com escassos recursos financeiros que pretendem investir num negócio. Por ter essa característica, os integrantes dos empreendimentos não possuem cobertura prestada diretamente pela seguridade social e pela legislação trabalhista, que representam instituições voltadas ao trabalho assalariado. Os próprios trabalhadores
cooperados devem efetuar como autônomos os seus vínculos contributivos com o sistema de seguridade, de modo a legitimar benefícios previdenciários.
De acordo com Xxxxx e Xxxxxxxx (2013), o serviço de catação individual enfrenta muitos entraves na coleta de resíduos e como forma de minimizar essa problemática os empreendimentos de economia solidária apresentam grandes potenciais econômico, ambiental e social, como as cooperativas e associações solidárias de catadores. Por meio destas iniciativas, possibilita inserir estes trabalhadores, muitas vezes ociosos por não ter acesso à educação e capacitação, no mercado de trabalho de forma digna e legal. Esse arranjo produtivo está pautado nos princípios de economia solidária e autogestão sustentável para manutenção do negócio.
A inserção dos catadores de materiais recicláveis em cooperativas apresenta avanço significativo na vida destes agentes e devem ter a concepção de que o trabalho desenvolvido por eles não é simplesmente uma fonte de renda, mas representa um meio de reconhecimento ou valorização social. Portanto, um dos requisitos essenciais à sobrevivência dos empreendimentos cooperativistas deve-se dissociar a premissa do trabalho como somente um meio de satisfação de necessidades básicas, mas também aliado às convicções e ideais dos trabalhadores (FROTA, 2014).
Xxxxxxx, Xxx Xxxxx e Xxxxxxxx (2014), ressaltam que ao avançar na cadeia produtiva dos materiais recicláveis para os catadores vai além do acesso à riqueza que o trabalho produz, deve promover o reconhecimento no processo de transformação da natureza. Perceber o resultado do seu trabalho a sua atividade humana singularizada no modo de pensar, criar e agir sobre o seu meio.
O trabalho informal, que rege expressivo número de relações de trabalho no Brasil, somada às características encontradas na população de rua, representa cenário social que propicia à geração de formas alternativas de organização do trabalho. Tanto o trabalho informal quanto a população em situação de rua apresentam composição e origem muito heterogênea, portanto, toda política pública que se destina a eles deve considerar as respectivas especificidades. Sob esta perspectiva que se desenvolve muitas cooperativas de catadores de resíduos sólidos, são constituídas por antigos catadores de lixo e ex-moradores de rua, como alternativa para deixar o trabalho informal, além de
buscar cidadania, tendo à autogestão como balizador destas relações (XXXXX; XXXXXXX, 2014).
É necessário que os catadores, como um grupo que exerce ocupação, enfrentem além das lutas e discussões concernentes à coleta seletiva, também o reconhecimento social do trabalho e o aumento de renda, a intensificação de ações que visem compreender o trabalho cooperado, bem como atividades contra a discriminação sexual e social (ARANTES, 2015).
As cooperativas compreendem o trabalho como forma de emancipar e elevar a liberdade, no entanto, tal liberdade não é tida como contrapartida pelo trabalho. As cooperativas, por si só, ainda apresentam dificuldades em se desprender das amarras das indústrias de reciclagem. É um empreendimento que se esforça para ser solidária em meio a contextos onde beneficiam poucos e exploram muitos. Através do trabalho há meios e condições para alcançar a liberdade? Ou, ao contrário – que aspectos deveriam ter para que houvesse liberdade para o trabalho? Tais questionamentos devem perpassar necessariamente pela ressignificação do trabalho, através da proteção social, econômica e política assegurada pelo Estado e garantida por meio da própria organização dos catadores como um grupo coletivo e ator político (BAPTISTA, 2013).
Conforme revela Xxxxxxx (2015), de modo a melhorar as condições de trabalho dos catadores de materiais é recomendado que adote algumas medidas, tais como: utilizar equipamentos que auxiliem o trabalho como esteiras, mesas adequadas, empilhadeiras; promover campanhas regulares que vise melhorar a qualidade do material que vão para os galpões; desenvolver atividades com o intuito de esclarecer os catadores sobre o cooperativismo e as diferenças fundamentais das relações de emprego; impulsionar treinamentos em habilidades sociais, que impulsione discussões sobre distintos pontos de vistas e as possibilidades de solução de conflitos e decisões colegiadas; incentivar ações que busquem preservar o respeito à diversidade, contra a discriminação sexual e social, nos empreendimentos.
Como estratégia para valorização do trabalho prestado à sociedade e aos municípios, o MNRS vem demandando a contratação destas cooperativas pelo poder público, o que representa um avanço. O MNCR argumenta que sem essa formalização a coleta seletiva corre riscos de não se consolidar como ação sustentável (MNCR, 2016).
A principal finalidade de prestação de serviços por cooperativas e associações de catadores não é o lucro, mas a provisão de ações à sociedade e ao meio ambiente (MNCR, 2012).
De acordo com Xxxxx e Xxxx (2018), a catação de materiais recicláveis representa a principal fonte de renda de muitos trabalhadores que se dedicam exercer esta atividade nas ruas, aterros e lixões de vários municípios do Brasil. Como forma de juntar forças, estes trabalhadores organizam-se em empreendimentos econômicos solidários, como cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis. Estes empreendimentos têm aumentado consideravelmente.
Segundo Xxxxx (2017), os segmentos da sociedade civil e poder público estão presentes no movimento da economia solidária, em função, entre outros fatores, da atuação da rede de gestores públicos a nível municipal, estadual e federal.
2.7 Breve análise sobre políticas públicas relacionadas aos catadores
Política pública, enquanto campo de conhecimento e disciplina acadêmica, nasce nos EUA e na Europa com perspectivas distintas, sendo que na primeira concentrava mais na análise sobre o Estado e suas instituições, já na Europa desponta como consequência dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Estado. (XXXXX, 2006).
Dentro do campo de conhecimento da política pública há variáveis que estão intimamente relacionadas como a política (politics), a sociedade política (polity) e as instituições onde as políticas públicas são decididas, desenhadas e implementadas (HEIDENIAIIN; SALLVI, 2009).
Ainda de acordo com estes autores, a política pública possui como principal foco analítico identificar o tipo de problema que esta visa corrigir, ao sistema político (politics) e à sociedade política (polity), bem como nas instituições/regras que irão modelar a decisão e a implementação da política pública.
A política pública constitui um campo multidisciplinar. Visa sintetizar teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da economia. Apresenta forte impacto na economia e nas sociedades, bem como possui íntima relação entre Estado, política, economia e sociedade. (SECCHI, 2012)
É notável que a implantação de políticas públicas relacionadas aos catadores refere-se ao cenário político, econômico, cultural e social aos quais estão inseridos os atores responsáveis. No processo de construção das representações, os atores inseridos nos grupos sociais correspondem governos, especialistas, profissionais e sociedade. Entender que a intersetorialidade e interdisciplinaridade consolidam a implementação de políticas públicas relacionadas aos catadores é importante em um panorama sustentável e adequado às condições locais, oferecendo em cada contexto recursos e conhecimentos essenciais para a mudança e ampliação do olhar de todos os atores na busca de uma política efetiva para toda sociedade.
De forma cronológica atenta-se que são diversos instrumentos legais relacionados aos catadores. Algumas políticas envolvem indiretamente os catadores, mas que são preponderantes para que respalde a atuação destes trabalhadores na cadeia produtiva dos materiais recicláveis. Outras envolvem diretamente os catadores como a política nacional de reciclagem.
No Quadro 4 estão expostas, de forma cronológica, as principais políticas públicas relacionadas com os catadores direta ou indiretamente.
Quadro 4. Instrumentos legais relacionados aos catadores
Lei/decreto | Objeto |
Lei Federal n 6.938/81 | Trata sobre a Política Nacional do Meio Ambiente |
Lei n. 9.795/1999 | Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental. |
Lei n 9.974/2000 altera a Lei n 7.802/1989 | Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. |
Lei n. 9.966/2000 | Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. |
11 de setembro de 2003 | Cria o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de lixo. Art. 1º Fica criado o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo, com a finalidade de: I - implementar o Projeto Interministerial Lixo e Cidadania: Combate à Fome Associado à Inclusão de Catadores e à Erradicação de Lixões, visando garantir condições dignas de vida e trabalho à população catadora de lixo e apoiar a gestão e destinação adequada de resíduos sólidos nos Municípios; II - articular as políticas setoriais e acompanhar a implementação dos programas voltados à população catadora de lixo; III - definir mecanismos de monitoramento e avaliação da implantação das ações articuladas que deverão atuar de forma integrada nas localidades. |
Decreto Federal 5.940 de 25 de outubro 2006 É revogado pelo Decreto 10.936 de 12 de janeiro de 2022: institui o Programa Coleta Seletiva Cidadã | Institui a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta na fonte geradora, e a sua destinação as associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis. |
Projeto Cataforte | Estruturar e fortalecer as redes de cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis, enquanto empreendimentos solidários. |
Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 | Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências |
Decreto nº 7.405, de 23 de dezembro de 2010 É revogado pelo Decreto nº10.473/2020 | Institui o Programa Pró-Catador, denomina Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo criado pelo Decreto de 11 de setembro de 2003, dispõe sobre sua organização e funcionamento, e dá outras providências. |
Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010 | Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. |
Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 | Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. |
Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010 | Regulamenta a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências. |
A Instrução Normativa nº 01/2010 | Dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. |
Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021 | Institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, altera as Leis 8.212 (1991), 8.629 (1993) e 6.015 (1973). |
A implementação dos Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos (PMGRS), instituída na Lei n. 12.305/2010 e no Decreto n. 7.405/2010, demarca um novo momento nesta trajetória, já que eleva a importância das cooperativas e associações de catadores de recicláveis no cenário mais amplo da Economia Solidária no Brasil. Esta política pública promove incentivos inéditos à formação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), no qual reconfigura o ambiente institucional para o seu funcionamento. Dentre as possibilidades desta legislação aparece a dispensa de licitação na contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal na figura de contrato administrativo, com isso permite o reconhecimento e inclusão formal de catadores como prestadores de um serviço de utilidade pública.
2.8 Aspectos gerais dos contratos administrativos
Xxxxxxxx (2011), considera contrato privado da administração como sendo aqueles realizados pela administração pública, sejam eles submetidos ao regime jurídico administrativo ou ao regime de direito privado.
Esta mesma autora salienta que dentre as características do contrato administrativo é imprescindível que tenha a presença da administração pública como uma das partes, sendo esta também a atuação como poder público. O contrato administrativo deve, fundamentalmente, atender a satisfação do interesse público e objetivar uma finalidade pública, sob pena de desvio de poder. Ressalta-se que as cláusulas do contrato administrativo são fixadas de forma unilateral pela administração.
Xxxxxx (2010), ressalta que o contrato administrativo difere dos contratos privados, pois estão inseridos num regime jurídico próprio, ou seja, caracteriza-se por conter um acordo de vontades opostas, de forma consensual e comutativa com a qual participa a administração pública. Neste tipo de contrato produz obrigações que envolvam finalidade pública, ou não contrariem o interesse público, contém ainda de forma explícita ou implícita cláusulas de privilégio que o submetem a regime jurídico de direito administrativo, informado por princípios publicísticos, colocando a administração em posição de supremacia no ajuste.
São critérios determinantes no contrato administrativo o serviço público e a utilidade pública. É necessário, na execução do contrato, respeitar à realização de um fim de interesse público. Todo contrato administrativo deve visar à consecução de um serviço público ou à implementação de uma utilidade pública, ainda que de forma indireta. A forma do contrato administrativo pressupõe uma expressa autorização legal, em atendimento ao princípio da legalidade estrita. Portanto, os contratos administrativos devem obedecer à forma prevista em lei, da qual não podem se desviar, até mesmo para manter os fins previstos no objeto a ser contratado: utilidade pública ou consecução de um serviço público (XXXXXXXX X XXXXX, 2012).
Ainda de acordo com o autor supracitado, é notório o princípio da predominância do interesse público sobre o interesse particular. Diante disto, a administração pública apresenta-se em uma situação de superioridade quando ocorre a contratação, eliminando essa coincidência de vontades e fazendo com que a autonomia da vontade seja mitigada.
Amorim (2018), destaca que no contrato administrativo a administração deve estar em um dos polos deste instrumento. É adotada em sentido amplo, abrangendo qualquer contrato celebrado pela administração pública, que poderá reger-se tanto pelo direito público como pelo direito privado. Assim, a expressão contrato da administração engloba todos os contratos celebrados pela administração pública, subdividindo-se em: contratos administrativos propriamente dito, contratos administrativos de colaboração, contratos administrativos de delegação, acordos de vontade da administração e contratos privados celebrados pela administração pública.
2.9 Contratos administrativos na gestão de resíduos sólidos
Segundo Xxxxx (2013), como forma de obter uma prestação de serviço eficiente, as prefeituras contratam empresas de médio e grande porte que atuam no ramo da limpeza urbana. Ao proceder dessa forma, tem-se que a gestão de resíduos apresenta alto grau hegemônico de ser privatista.
No modelo privatista na coleta de resíduos, os serviços de manejo de resíduos são transformados em mercadorias, tendo o lucro dos serviços o intuito principal das
empresas prestadoras. Ao adotar este modelo condiciona questões tecnológicas que são escolhidas, assim como as decisões que afetam o meio ambiente e as condições de trabalho a tal imperativo (WIRTH; XXXXXXXX, 2016).
Ainda de acordo com estes autores, em função desta dificuldade, as empresas que são contratadas pelas prefeituras para executarem os serviços de manejo dos resíduos possuem papel abrangente que vai além da simples prestação de serviços. Elas exercem influencias na definição de como ocorre a prestação de serviços e especialmente nas decisões referentes aos custos e preços. Portanto, os programas de coleta seletiva na gestão dos resíduos estão imersas na forma privatista e diversos projetos, em muitos municípios, ficam a margem das políticas de limpeza urbana e destinação de resíduos.
Xxxxxxx Xxxxxxxx e Góes (2019), tradicionalmente os serviços de coleta é concedida por empresas possuidoras de capital acumulado, como knowhow, financeiros e tecnológicos. Muitos catadores não possuem recursos financeiros, assim como meios de produção e conhecimentos relacionados à indústria dos recicláveis. De forma majoritária se submetem a intermediários comerciais de materiais recicláveis (denominados de atravessadores e aparistas), e dessa forma ficam excluídos da política quanto tecnicamente da gestão de resíduos sólidos nos municípios. Além destes fatores, os catadores são estigmatizados por estarem vinculados ao lixo, assim como à precariedade das suas condições de vida e de trabalho.
Lima (2013), ressalta que o contrato com empresas privadas contempla um conjunto de serviços de limpeza urbana como coleta, transporte de resíduos orgânicos, recicláveis, entulhos da construção civil, destinação final, varrição, capina e outras atividades como comunicação. Por outro lado, externaliza-se os custos da produção, que culmina em condições de trabalho precarizados, baixos salários dos garis, a pouca mobilização da população, além do índice elevado de resíduo orgânico misturado aos recicláveis, isso ocorre principalmente se o pagamento dos serviços leva em consideração o peso dos resíduos.
O serviço público de limpeza urbana é composto por diversos processos, conforme mostrado na Figura 9. O manejo dos resíduos sólidos compreende um dos
serviços públicos de saneamento básico, cuja execução é realizada pelos municípios e sua regulamentação é possui forma.
Figura 9. Composição dos serviços públicos de limpeza urbana
Fonte: Xxxxxxxx Xxxxx; Xxxxxxxx (2016).
De acordo com Xxxxx x Xxxxxxxx (2016), os municípios, ainda de forma privatista de gestão, contratam empresas para prestarem parte ou serviço integral de manejo de resíduos. Frequentemente são falhas as fiscalizações para avaliar a qualidade da prestação desses serviços, o que culmina em grandes dificuldades para os gestores públicos municipais. Isso ocorre especialmente porque muitas prefeituras não possuem ferramentas e técnicas, além de servidores qualificados para fiscalizar esta prestação de serviço.
Conforme relatam tais autores, não há no Brasil uma tabela nacional de referência para prestação de serviço de limpeza urbana. A realização dos contratos ocorre entre prefeituras e empresas. Observa-se um aumento de terceirização nos serviços relacionados aos resíduos sólidos, ao mesmo tempo há uma a agenda ambiental internacional exerce uma influência nesta questão. Há um conjunto de iniciativas que visa implantar a coleta seletiva em muitas cidades brasileiras que promove um
importante aporte para a reflexão, por mais que seja numericamente pouco significativo, bem como em termos de abrangência do serviço.
Habitualmente as empresas que prestam serviços de limpeza urbana, nos contratos estabelecidos, são remuneradas pelo pode público conforme peso do material coletado, de forma proporcional. Tal critério visa o estímulo econômico para que ocorra a expansão do serviço. Isso significa que, para o lixo comum, quanto mais quilos coletados, maior será a quantidade que irá para os aterros, isso representa maior eficiência do serviço, já para o material reciclável essa relação ocorre de forma inversa. O material reciclável, diante da separação por tipos, necessita ser coletado sem que ocorra a compactação. Isso faz com que a carga seja mais leve, mas que será mais fácil para a triagem. Observa-se que devem ser operado com critérios diferentes para serviços com objetivos diversos, mas não é o que ocorre, utiliza-se o mesmo raciocínio do lixo comum para o serviço de coleta seletiva (WIRTH; XXXXXXXX, 2016).
Conforme xxxxxxxxx Xxxxxxxx e Góes (2019), para muitas prefeituras a prestação de serviços públicos de coleta seletiva e destinação de resíduos sólidos concedidos a catadores de materiais recicláveis era algo que não havia possibilidade. Pois as concessões dos serviços de limpeza urbana sempre foram realizadas por empresas que se especializaram na oferta de serviços na destinação final de resíduos sólidos.
Xxxxx (2006), considera que se tem dedicado cada vez mais a devida importância sobre as políticas públicas, bem como das instituições, regras e modelos que regem sua decisão, elaboração, implementação e avaliação. Há vários fatores que impulsionaram esta visibilidade, dentre as quais a adoção de políticas restritivas de gasto, novas visões sobre este papel dos governos; o outro fator corresponde a impossibilidade de formar coalizões políticas capazes de equacionar os desenhos de políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento econômico e a promoção da inclusão social.
2.10 Contratos administrativos com empreendimentos de catadores
Conforme xxxxxxxx Xxxxxxxx e Góes (2019), muitos municípios concebem as cooperativas de catadores como empreendimentos autônomos, ou seja, por meio da comercialização de materiais classificados e enfardados no mercado de recicláveis
obtém a subsistência que necessitam. Para tanto, muitos municípios concedem apoio a essas atividades, mas sem o reconhecimento de que estes sujeitos podem ser prestadores de serviços públicos por meio da celebração de contrato com os catadores.
A demanda por contratar e remunerar as organizações de catadores pelo poder público constitui um princípio balizador. O contrato de prestação de serviços com o município deve ter bases bem estabelecidas, no qual contemple todos os custos relacionados com o sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos. A remuneração destas organizações de catadores é composta pelo desempenho da coleta seletiva solidária que por sua vez está intimamente vinculada ao processo de trabalho e estruturação da organização com a autogestão e forma de processamento dos resíduos (LIMA, 2013).
O supracitado autor assevera que a prestação de serviços pelos empreendimentos de catadores deve ser remunerada ou reconhecida diferentemente do que apregoa a lógica da concorrência do mercado formal, no qual é mensurado pelo menor preço. Por mais que empresas privadas ofereçam este serviço com custos menores, as organizações de catadores prestam serviços diferenciados. As empresas privadas são mais competitivas, pois se sustentam em economias de escala e com uma variedade dos serviços que possibilita otimizar os recursos, diluir os custos fixos e obter ganhos em escala.
De acordo com Xxxxxxx e Xxxxx (2007), há sub-remuneração das organizações de catadores pelos serviços prestados tanto pela sociedade, por meio das prefeituras, quanto pelas empresas produtoras de embalagens. Dentre os problemas de gestão destas entidades corresponde à ausência de capital de giro, que impossibilita a integração dos catadores autônomos nas centrais de triagem, impede a aquisição de equipamentos e a modernização tecnológica.
Ainda de acordo com estes autores, o estabelecimento e manutenção dos contratos administrativos ainda são recentes e apresenta inúmeras dificuldades que impõem uma lacuna entre a idealização da proposta inicial desta ferramenta e as realidades concretamente associadas a ela, em seu processo de implementação nos municípios brasileiros.
Lima (2013), reforça que ainda impera alguns desafios no processo de contratação de organizações de catadores, que se inicia desde a elaboração do plano de
gerenciamento, momento em que o gestor público, mesmo aplicando a legislação vigente, deixa de priorizar a inclusão efetiva dos catadores na coleta seletiva e no sistema de logística reversa. A inserção dos empreendimentos de catadores, nesses casos, resultada de forma parcial no processo de remuneração pela prestação de serviços, permanece ainda aquela visão de assistência no processo de negociação da contratação. Na percepção dos gestores públicos há concessão de auxílio aos catadores do que o recebimento de apoio destes trabalhadores para resolução da problemática de resíduo, ou seja, aparenta que o município concede um auxílio social, não um pagamento por serviços recebidos.
Este mesmo autor ressalta que há alegação de uma suposta ineficiência das associações de catadores. É certo que tais empreendimentos apresentam diversos processos de organização. Muitos estão se organizando para que sejam contratadas pelos municípios e outras ainda precisam de investimento para que a prestação de serviços seja feita com eficiência e qualidade. É comum, no processo de transição, haver mudanças e é importante promover adequações para novas condições de funcionamento. Mas isso não é impeditivo para que os empreendimentos de catadores, desde que disponham de infraestrutura adequada e capacitação técnica, superem as dificuldades e some novas competências com a experiência já adquiridas. Portanto, compõe condições para que sejam implantados sistemas de coleta seletiva mais eficiente.
De acordo com Xxxxxxx e Xxxxx (2007), a parceria estabelecida entre as organizações de catadores e prefeituras pode conter fragilidade no embasamento legal, pode correr grandes riscos especialmente com a mudança de gestão dos municípios. São necessárias legislações específicas para que sejam viabilizados os convênios remunerados entre as prefeituras e as organizações de catadores de materiais recicláveis, pois ocorre alteração no processo licitatório para serviços públicos de manejo de resíduos sólidos.
De forma errônea recomenda que os catadores se profissionalizem, como se não fossem bons nos serviços que prestam. Se eles conseguirem superar as condições desfavoráveis em que se inicia pela luta em sobreviver pode culminar em história de vida e empreendimentos com alto nível de sucesso. Portanto, deve assegurar condições
adequadas para que eles possam evoluir. Mas são imprescindíveis que sejam formalizados, de forma jurídica, contratos, convênios e processos de licitação (LIMA, 2013).
Conforme ressaltam Xxxxxxx e Besen (2007), os programas municipais que possuem parceria com catadores que estão inseridos em cooperativas ainda enfrentam dificuldades de diversas ordens: técnica (por não ter meios para promover a capacitação), organizacional (processo de organização do trabalho e baixa inserção de práticas cooperativistas) e econômica (muita competição pelo material reciclável, ausência de remuneração pelos serviços prestados pelos catadores). Dessa forma, há necessidade de promover inserção institucional com base em instrumentos legais de modo a garantir a continuidade das atividades dos empreendimentos, bem como indicadores que possibilitem monitorar e aprimorar nos aspectos referentes à perspectiva da sustentabilidade socioambiental e econômica.
Há princípios que regem a prestação de serviço das organizações de catadores seja para as prefeituras ou para o setor privado, conforme a Figura 10.
Figura 10: Princípios de prestação de serviços de catadores
Fonte: Adaptado Lima (2013)
A transparência corresponde a mostrar como é realizado o serviço, ou seja, fazer com que o público em geral e administradores tomem conhecimento dos horários, requisitos e metas, além de disponibilizar dados, indicadores de atendimentos e alcance de metas. Continuidade ou regularidade diz respeito à prestação de serviço público ao usuário de forma ininterrupta, exceto em ocasiões que sejam excepcionais. A eficiência remete a prestação de serviços por meio de novos processos tecnológicos, de modo que seja executado com menor prazo ao mínimo custo, sem que ocorra perda da qualidade. Generalidade ou universalidade é um dos princípios onde a prestação de serviços deve ser realizada a todos aqueles usuários que apresentam as condições legais sem nenhuma discriminação ou privilégio, ou seja, todos são tratados de forma equitativa. O controle (inclusive controle social), uma exigência indispensável, é aquele realizado aos custos e qualidades, de modo que tenha transparência ao prestar contas, já que os cidadãos têm direitos e pagam por meio dos impostos os serviços prestados (LIMA, 2013).
No âmbito da coleta seletiva deve ser realizada por etapa. Conforme a Figura 11, no qual são apresentadas três etapas que contemplam uma coleta seletiva.
Figura 11. Etapas e atividades da coleta seletiva solidária
Fonte: Adaptado Lima (2013).
De acordo com Xxxxx; Xxxxxxx x Xxxxxxx (2017), o modelo de prestação de serviços na coleta seletiva, por meio de organizações de catadores de materiais recicláveis, é complexo e dinâmico. Dessa forma, no Quadro 5 são apresentados itens que são considerados imprescindíveis para que a gestão das cooperativas e associações seja aperfeiçoada.
Quadro 5. Pontos relevantes para gestão de cooperativas e associações
- A organização deve estar estruturada legal e juridicamente para que esteja funcionando dentro dos requisitos legais para que possa prestar serviço para órgãos públicos e privados;
- Deve haver a definição de metas e objetivos da coleta seletiva;
- A organização deve ter um projeto técnico-operacional.
- Dimensionamento dos seguintes aspectos: recursos financeiros que são necessários e divisão de tudo aquilo que foram auferidos; recursos humanos para que possa minimizar a operação; infraestrutura, logísticos ou de transporte; insumos e serviços de apoio à operação.
- Programar a coleta e estabelecer roteiros.
- Precificar os serviços.
- Gestão dos serviços prestados, direcionado a sustentabilidade.
Fonte: Besen; Xxxxxxx x Xxxxxxx (2017).
De modo a selecionar o fornecimento de obras, serviços, compras e alienações, a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios devem realizar processo licitatório. Por meio deste rito licitatório, deve assegurar a igualdade de condições de participação de todos aqueles interessados, elaborar regramentos que reconheçam condições de pagamento e preços compatíveis com a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato de prestação dos serviços. Deve-se exigir dos licitantes, aqueles que possuem condições para executar o objeto licitado, a aferição de condições técnicas e econômicas. De forma excepcional, as contratações de obras, serviços, compras e alienações pelo Poder Público podem ser realizadas de forma direta, sempre observadas às condições previstas na legislação específica (LIMA, 2013).
A Lei Federal n. 11.445, de 05 de janeiro de 2007, denominada de Lei de Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico (LDNSB), alterou a redação da Lei Federal
n. 8.666, de 21 de junho de 1993, intitulada Lei de Licitações e Contratos Administrativos (LLCA). Por meio desta legislação permite viabilizar, através da contratação direta, com dispensa de licitação, de organizações de catadores que sejam contratadas pelos municípios para executar serviços de coleta seletiva.
A Lei Federal n. 12.305, de 02 de agosto de 2010, denominada de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelece diretrizes para que possa promover a integração das organizações de catadores ao sistema público de resíduos sólidos e possibilita aos municípios o dever de implementar a coleta seletiva priorizando a participação destes trabalhadores. Prever ainda disponibilizar linhas de financiamentos especiais do Governo Federal, prioritariamente aqueles municípios que fizerem a contratação de empreendimento de catadores.
A LDNSB e a PNRS representam um marco regulatório e oferece segurança jurídica para que ocorra a contratação formal de organizações de catadores e também outorga um novo estágio de atuação destes empreendimentos. Tais legislações exigem cumprir deveres e responsabilidades para que seja executada de forma adequada à prestação de serviço e ao mesmo tempo consagra o direito ao pagamento pelo serviço prestado, como reivindicado pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) (LIMA, 2013).
Ainda de acordo com Lima (2013), ao possibilitar a contratação por dispensa de licitação dos empreendimentos pelo poder público não desobriga instaurar um processo administrativo. Todo município tem o poder-dever de formalizar um processo administrativo cujo intuito é validar e conformar a contratação das organizações de catadores, principalmente no que se refere à precificação dos serviços a serem prestados. A modalidade de dispensa de licitação desobriga a realização de uma competição prévia de modo a selecionar um empreendimento de catadores que será contratada. Por se tratar de uma relação jurídica formal, onde ocorrerá dispêndio de recursos públicos, os empreendimentos de catadores deverão cumprir todas as exigências legais e contratuais.
Conforme revela o supracitado autor, há algumas exigências que devem conter no contrato administrativo de prestação de serviços. Deve seguir a forma escrita quando a contratação for direta por dispensa de licitação, no qual não se baseie nos valores do objeto licitado. Deverá atender, de forma integral e plenamente, o conteúdo mínimo estabelecido no artigo 55, deve conter em todo contrato, expressos na Figura 12:
Figura 12. Elementos necessários que devem conter nos contratos administrativos
Fonte: Adaptado Lima (2013).
O rito da contratação segue diversos passos: inicialmente tem-se a abertura do processo administrativo, há solicitação do serviço, neste deve haver a justificativa da necessidade do serviço, ocorre à elaboração da especificação técnica (TDR), junta dos documentos de habilitação e das propostas de cotação de preço. Deve-se constar as razões da escolha do prestador, a indicação da dotação orçamentária, a justificativa da dispensa – acompanhada dos elementos necessários que a caracterizam; nesta etapa deve conter a justificativa do preço, a expedição de parecer jurídico e a autorização do ordenador de despesa. Após este processo vem a assinatura do contrato administrativo, emissão da nota de empenho, a ratificação e publicação da dispensa – no prazo de 5 dias
– a contar do recebimento do processo, comunicação à autoridade superior – prefeito ou secretário municipal – no prazo de 3 dias, da dispensa (LIMA, 2013).
A contratação direta, realizada por meio do processo administrativo, deve ser instruída com os elementos que estão contidos no Art. 26 da Lei n. 8.666/1993 e a dispensa de licitação, por meio dos incisos III e seguintes do art. 24 e inexigibilidade de licitação, amparado no art. 25, são observados as etapas contidas na Figura 13.
Figura 13. Etapas para contratação direta através do processo administrativo
Fonte: Adaptado Lima (2013)
A Política Nacional dos Resíduos Sólidos optou pela reciclagem como forma prioritária para a destinação dos resíduos. Essa política prioriza as cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis como organizações que visam realizar este trabalho nos municípios (WIRTH; OLIVEIRA, 2016).
Ainda de acordo com estes autores, diante do desenvolvimento tecnológico na área de resíduos sólidos constitui um dos fatores que justifica e amplia, de forma gradativa, a participação do setor privado em relação ao serviço público na prestação de serviço na área de resíduos sólidos.
São milhões de reais mensais que diversas prefeituras desembolsam para empresas enterrarem os resíduos. O mais adequado seria remunerar os catadores para coleta dos resíduos para impedir o aterramento e não poluir o meio ambiente. Ao remunerar tais trabalhadores por este serviço possibilita a geração de renda, a inclusão social e a produção de matérias-primas limpas, o que preserva o meio ambiente (MNCR, 2009)
O que se discute sobre a coleta seletiva e a reciclagem pode permitir que tais atividades sejam formalmente reconhecidas no âmbito do manejo dos resíduos sólidos no Brasil. Essa democratização apresenta grande potencial que visa possibilitar melhorias nas condições de trabalho dos catadores de materiais recicláveis e fazer com que haja uma melhor distribuição dos recursos públicos investidos nas políticas de gestão dos resíduos, assim como propiciar decisões mais favoráveis ao meio ambiente (XXXXX; XXXXXXXX, 2016).
Conforme ressalta tais autores, ao passo que as cooperativas e associações estabelecem contratos para a prestação do serviço de coleta seletiva, o trabalho de catação figura com uma nova condição, ou seja, deixa de ser um apêndice dos sistemas de limpeza urbana e passam a ser a organização responsável pela execução desse serviço público. Através deste formato o poder público municipal favorece a distribuição de renda e a construção de uma nova lógica de funcionamento onde os saberes, a experiência e os interesses dos trabalhadores associados podem constituir uma dinâmica que altera a forma como esse serviço foi historicamente configurado.
A contratação de empreendimentos a coleta seletiva e a reciclagem seriam aspectos centrais. A empresa privada possui uma visão sobre a coleta seletiva, ou seja, por conter volume coletado menor, impede a sua dinâmica produtiva, já para os empreendimentos constitui um processo de fundamental importância na sua produção. Para as organizações quanto melhor a coleta, isso facilitará posteriormente o processo
de triagem, prensagem e, consequentemente, o resultado da venda do material (WIRTH; XXXXXXXX, 2016).
Tais autores esclarecem que a forma como foi figurada os serviços de limpeza urbana no Brasil é um dos fatores que pode impedir que se efetive a contratação de cooperativas de catadores e a implementação de arranjos participativos, do controle social e finalmente a gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos, conferida pela PNRS. Nesse percurso, o que há nesse embate corresponde aos interesses que configuram a gestão e os processos tecnológicos desse serviço público. É a forma como é implementada a política pública que determinará se realmente os catadores ocuparão um lugar de destaque, assim como se a experiência terá centralidade nas formas como o serviço será executado.
Santos (2018), realizou um estudo com três cooperativas que mantém contrato administrativo com os respectivos municípios do Estado de São Paulo: Coopervida (São Carlos), Acácia (Araraquara) e Mãos Dadas (Ribeirão Preto), somente a Cooperativa Acácia quem contratou foi o Departamento Autônomo de Água e Esgotos de Araraquara –DAAE, já os demais foram as prefeituras. Neste estudo apontou que o período de vigência do contrato é de um ano e pode ser aditada por cinco anos. As cooperativas mantém contrato há mais de 10 anos (Coopervida e Acácia) e 7 anos (Mãos Dadas).
Ainda de acordo com esta autora, as cooperativas ainda possuem muitos obstáculos no que tange a contratações, sob algumas naturezas, dentre as quais, forma e conteúdo de cada contrato e relações entre gestores públicos municipais. Os contratos são considerados condições favorecedoras, mas não suficientes ao processo de inserção formal de cooperativas de catadores na cadeia produtiva da reciclagem.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste tópico são apresentados os procedimentos metodológicos que foram utilizados neste trabalho. No Quadro 6 é apresentado o delineamento dos métodos utilizados para o alcance dos objetivos específicos, assim como o resultado para cada item:
Quadro 6. Delineamento dos procedimentos metodológicos
OBJETIVO GERAL | Propor elementos estruturantes nos contratos administrativos entre o poder público e empreendimentos de catadores de resíduos recicláveis no Brasil | ||
Item | Etapas | Método empregado | Resultado esperado |
1 | Revisão bibliográfica | Buscas em bases de dados: foram utilizadas três bases de dados na área de ciências e engenharias: ISI Web ofKnowledge (todos os bancos), SciVerseScopus e Scielo. | Embasamento teórico sobre forma de contratação de cooperativas, aspectos vantajosos e desafios de contratações. |
2 | -Identificar os instrumentos contratuais existentes entre prefeituras e empreendimentos de catadores no manejo dos resíduos sólidos urbanos, com ênfase em contratos administrativos | Consultas a publicações (artigos, teses, dissertações, sites de prefeituras e de cooperativas) | Inventário dos contratos administrativos |
3 | -Definir critérios e variáveis aplicáveis para avaliação dos contratos administrativos identificados | Levantamento das variáveis empíricas divididas em variáveis relacionadas aos contratos (RC) e à relação de agentes (RA) | Identificação de elementos referentes ao plano de trabalho da coleta seletiva, dos planos de execução, vigência, precificação dos serviços e gestão dos serviços prestados |
4 | -Aplicar os critérios e variáveis definidos aos contratos administrativos; | Dos dados coletados foram transformados em 25 variáveis, categóricas (binária e policotômica) e métricas (contínua e discreta) | Reconhecimentodos elementos que indiquem as condições que resultam no êxito dos esquemas de contratos administrativos de modo a fazer um panorama sobre os elementos existentes nos contratos |
5 | -Empregar técnicas estatísticas descritivas na análise dos contratos | Técnicas quantitativas de análise de dados - Cohort e valor da informação | Validação dos dados estatísticos das variáveis dos contratos |
6 | - Sistematizar elementos estruturantes que poderão subsidiar a elaboração de novos contratos entre as prefeituras e empreendimentos de catadores no manejo dos resíduos sólidos urbanos. | A partir das análises, tanto empírica quanto estatística, além do aprofundado do tema, elencar elementos estruturantes que devem conter nos contratos administrativos. | Apontamento dos elementos estruturantes relacionadas aos dispositivos sobre melhorias nas condições de vida dos catadores; reconfiguração e estruturação dos empreendimentos de catadores; organização coletiva do processo de trabalho; proteção jurídica dos catadores; relevância social, ambiental e econômica do trabalho dos catadores; qualidade de vida na prestação de serviços |
Nas seções a seguir, é explanada toda metodologia utilizada para alcançar o objetivo geral, bem como os específicos, conforme demonstrado no quadro 6.
3.1 Revisão bibliográfica
A etapa inicial, fundamental em qualquer pesquisa, correspondeu à revisão bibliográfica. Foi feita ampla leitura e análise sobre autores e temáticas relevantes ao objeto do estudo para posteriormente avançar nas demais etapas.
Conforme destaca Conforto et al. (2009), a revisão constitui um método científico que permite promover busca e análise de artigos de uma determinada área da ciência. É feito por meio de uma revisão planejada no qual visa responder a uma pergunta especifica. Para tanto, deve utilizar métodos sistemáticos para identificar, selecionar, coletar e analisar informações dos estudos constantes na revisão.
De acordo com Xxxxx e Xxxxxxxx (2008), a revisão sistemática basicamente é constituída por seis fases: elaboração de protocolo; formulação da pergunta norteadora; busca dos estudos; seleção dos estudos; avaliação crítica dos estudos; coleta e síntese dos dados.
A revisão sistemática da literatura visa levantar as condições que a literatura acadêmica destaca como importantes para a efetividade destes instrumentos. A primeira fase corresponde a buscas em bases de dados: foram utilizadas as três bases de dados na área de ciências e engenharias: ISI Web ofKnowledge (todos os bancos), SciVerse Scopus e Scielo. Diante do grande quantitativo de documentos existentes, foram definidos limites na pesquisa, através de combinações de palavras-chaves relacionados à temática do estudo.
Foram realizadas buscas combinando termos (strings): resíduos sólidos urbanos
+ reciclagem, coleta seletivo + participação dos catadores, gestão de resíduos sólidos urbanos + municípios, cooperativas + contratos administrativos.
Quanto ao cunho do estudo classifica-se como descritivo. Descritivo, por promover o relato de uma determinada problemática que deve ser solucionado. A problemática é apresentada de modo a obter a descrição pormenorizada da mesma.
Na pesquisa descritiva xxxxxxx Xxxxxxx (2007: 114) “Os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira neles”. Uma das características principais desta abordagem é que os fenômenos são estudados sem manipulação do pesquisador, procurando estudar a natureza, causas, características e frequência dos fenômenos.
Ainda de acordo com Xxxxxxx (2007), este tipo de estudo é mais adequado quando se deseja melhor entendimento acerca de diversos fatores e elementos que influenciam determinados fenômenos.
3.2 Identificação dos instrumentos contratuais entre prefeituras e empreendimentos de catadores
De modo a identificar os instrumentos contratuais, dentre as fontes iniciais, foram realizadas buscas por meio da ferramenta “Google”. Iniciar uma busca, sem ter o devido cuidado, pode provir em numerosos resultados que demandará muito tempo para analisar, sem chegar àqueles que se almeja, além de não ser assertivos. Atentou-se a filtrar as pesquisas com os termos necessários, sem ter resultados aleatórios, apenas que contivessem termos digitados.
Para tanto foram utilizados ferramentas, própria deste aplicativo, que permitem refinar os resultados da pesquisa, fazendo com que estes se tornem mais precisos. Foram utilizados modificadores na barra de buscas de modo a incluir e excluir também determinadas palavras, pois o intuito era procurar frases exatas e localizar arquivos específicos.
Foram utilizadas as combinações de palavras-chaves: “contrato administrativo”
+ “prefeitura”, “contrato administrativo” + “prefeitura municipal”, “contrato administrativo” + “cooperativa de catadores”, “contrato administrativo” + “cooperativa de catadores” + “prefeitura”, “materiais recicláveis” + “prefeitura” + “contrato”.A opção por palavras-chaves de cauda longa foi facilitar o ranqueamento e chegar a buscas com dados mais refinados, além de evidenciar resultados que continham o conteúdo digitado.
A utilização de “aspas” na pesquisa garantiu que este buscador exibisse somente resultados que contivessem exatamente os termos pesquisados, além de destacar o
vocábulo em negrito, o que facilitou o processo de busca. O uso também permitiu reduzir o quantitativo de resultados para que contivesse somente termos específicos e com isso evitar àqueles não relevantes.
Outro comando também utilizado correspondeu à ferramenta “allinanchor:” para os seguintes termos: “prefeitura allinanchor: contrato administrativo”, “prefeitura allinanchor: cooperativa de catadores”, “materiais recicláveis allinanchor: instrumentos contratuais”, “materiais recicláveis allinanchor: prefeitura”, “instrumento contratual allinanchor: materiais recicláveis”. Ao utilizar essa ferramenta permite aparecer somente todos os links que contenham o termo digitado. Outra vantagem na utilização deste dispositivo é que possibilita aparecer, por exemplo, ao inserir “prefeitura allinanchor: contrato administrativo”, em todas as buscas sobre “prefeitura” resultará somente as que tiverem no link páginas que possuem termo “contrato administrativo”.
Para refinar ainda mais, utilizou também o comando “allintext:” nas seguintes palavras chaves: “allintext: contrato administrativo prefeitura”, “allintext: contrato prefeitura empreendimento”, “allintext: instrumento contratual prefeitura cooperativa”. Ao utilizar este comando, juntamente com os termos, aparecem todos os resultados cuja descrição contenhasomente as palavras que foram digitadas.
Para facilitar as buscas em locais específicos, de modo a restringir as abrangências, utilizou-se também à opção “filetype:”, pois permite buscar arquivos em formato PDF a partir dos termos descritos anteriormente.
Para facilitar e otimizar as buscas eobter as informações que almejava, utilizou- se ferramentas como “meta descrition” e “URL”.
Em todos os resultados atentou-se sempre aos “metadescription3”, descrições que aparecem logo abaixo do link do site, pois constitui uma excelente ferramenta para se chegar às páginas indexadas. Outraferramenta que também foi utilizada refere-se a URL4. A utilização desse recurso permite fazer uma leitura prévia, sem antes acessar o site propriamente dito e com isso facilitar e agilizar as buscas.
Todas essas ferramentas foram ativadas e utilizadas de modo a se chegar com maior facilidade às páginas onde constavam informações específicas referentes aos instrumentos contratuais e prefeituras.
3 Refere-se a um resumo do conteúdo que o usuário encontrará ao acessar determinado site.
4Uniform Resource Locator - Localizador Uniforme de Recursos.
Para o desenvolvimento deste trabalho foram coletados e analisados todos os instrumentos contratuais existentes entre prefeituras e cooperativa de resíduos recicláveis firmados até o ano de 2021.
As fontes dos dados de pesquisas são classificadas em primárias, secundárias e terciárias (XXXXXXX, 2007). O banco de dados foi construído através de análise individual e sistemática de todos os contratos existentes, e, portanto, caracteriza-se como fonte de dados primários.
A coleta de dados e a construção do banco de dados foram realizadas no período entre 10 de Fevereiro de 2021 a 20 de maio de 2022.
Nesse sentido, este trabalho considera a relação entre contratos administrativos provenientes de prefeituras e empreendimentos de catadores de recicláveis, através de variáveis que são representadas por instrumentos contratuais existentes (visão contratualista) e variáveis condicionantes relacionadas às características contratuais.
Reconhece-se que, inicialmente, a estrutura governamental e os processos inerentes ao desenvolvimento e aplicabilidade dos contratos são diferentes entre os agentes que firmam contratos com os empreendimentos de catadores de recicláveis, por existirem diferenças institucionais entre estes. Consequentemente, há também divergências na forma de se desempenhar o que foi estabelecido nos contratos firmados por esses agentes, em virtude da relação prévia com o principal.
Os dados referentes aos contratos foram construídos a partir da análise e leitura de todos os elementos constituintes dos instrumentos contratuais.
Dessa forma, as variáveis empíricas utilizadas para o desenvolvimento do trabalho foram classificadas nas categorias relacionadas aos contratos (RC) e à relação de agentes (RA) contratantes.
3.3 Definição de elementos/variáveis para avaliação de contratos administrativos
A definição de elementos/variáveis foi realizada a partir da leitura de todos os contratos analisados, da observância na legislação vigente, que regulamenta os contratos administrativos, a Lei n. 8.666/935, denominada princípios da teoria geral dos contratos,
5 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
da Lei n.12.305/20106 e de trabalhos científicos que tratam sobre os dispositivos contratuais administrativos.
A Lei 8.666/93, em seu Art. 54, considera que a regulamentação dos contratos ocorre por meio das cláusulas e preceitos de direito público que devem, obrigatoriamente, serem aplicados em todos os contratos administrativos firmados entre a administração pública e terceiros.
No primeiro parágrafo desta legislação recomenda que todos os contratos devem ser redigidos tendo como premissa básica a clareza, precisão e as condições para execução, além de definir os direitos, obrigações e responsabilidade das partes.
No Art. 55, da supracitada lei, são enumeradas 13 cláusulas necessárias em todo o contrato que é estabelecido entre administração pública e terceiros. A íntegra dessas cláusulas encontra-se no Anexo I.
Portanto, diante da análise dos contratos, observou-se cláusulas comuns provenientes da exigência da legislação.
Segundo o conceito preconizado pela literatura, variável corresponde à característica que podem ser mensuradas, controladas ou manipuladas em pesquisa.
Dentre às 13 cláusulas presentes no Art. 55 da Lei 8.666/93, 10 serviram como referencial para elaboração das seguintes variáveis: “objeto (prestação de serviços de coleta, transporte, triagem, processamento) e seus elementos característicos”; “regime de execução contratual (regime especial, regime de transição e regime pleno)”; “forma de remuneração”; “vigência do contrato”; “obrigações da contratada”; “obrigações do contratante”, “penalidades”, “rescisão”, “prazo de execução” e “cláusulas exorbitantes do contrato administrativo (modificação unilateral, rescisão unilateral, fiscalização, sanções ao contrato e ocupação provisória)”.
Outra fonte utilizada para levantar os critérios e variáveis partiu da análise da relação da Política Nacional de Resíduos e catadores, constantes nos diversos dispositivos da Lei 10.305/2010. Nesta lei há diversos dispositivos que tratam sobre a atuação e perspectiva dos catadores no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, o que subsidiou a elaboração da variável “reconhecimento da relevância social, ambiental e econômica do trabalho dos catadores”.
6 Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.
O Art. 8, da referida lei, trata sobre a criação e o desenvolvimento de cooperativas, onde há o estabelecimento de metas, por exemplo, para a inclusão social e emancipação de catadores. Este dispositivo serviu como referência para elaboração da variável “inclusão produtiva dos catadores” e “rotas tecnológicas alinhadas às diretrizes da PNRS”.
A variável “Capacitação e educação ambiental dos catadores de materiais recicláveis” teve como referência os dispositivos da lei que versa sobre a importância dos catadores serem agentes ambientais e multiplicadores das ações de educação ambiental.
Os Artigos 41, 42 e 43, respectivamente, da supracitada lei, permitiram a definição das seguintes variáveis: “dispositivo que trata sobre a reciclagem e a inclusão social dos catadores”, “definição de critérios para o processo de coleta e destinação”, “condições de saúde e trabalho e ocupação laboral dos trabalhadores da reciclagem” e “inclusão social e emancipação econômica dos catadores”.
A variável “transferência de renda significativa por meio do custeio da logística reversa” teve como referência o Art. 33, § 3º, III.
As demais foram sendo introduzidas e tendo como referências leitura de artigos e trabalhos científicos que tratam sobre a evolução na gestão de resíduos sólidos com a participação e protagonismo dos catadores de materiais recicláveis.
As variáveis seguintes tiveram como referência os autores: Xxxxxxx e Xxxxx (2007) “Forma de execução - termo de referência”; Xxxxxx (2010); Xxxxxxxx (2011) “Anexos contratuais - todos os termos e aditivos”; Catão (2015) “proteção jurídica dos direitos dos catadores”; Besen; Xxxxxxx x Xxxxxxx (2017) “Dispositivo que trata sobre a comercialização dos resíduos nas cooperativas”; Santos (2018) “Pagamento de aluguel, fornecimento de caminhões e outros” e “pagamento de INSS”.
Na primeira etapa procurou analisar de forma qualitativa, denominada de variáveis ordinais, já que permitiu ordenar os itens em termos de qual tem menos e qual tem mais elementos representado pela variável em questão. O intuito foi analisar as características de cada elemento pertencentes nas variáveis definidas.
Os critérios utilizados para designar se determinado elemento e conteúdo estava presente no contrato ocorreu por meio de três marcadores: “integralmente”,
“parcialmente” e “não”. No item que continha todos os elementos de forma substantiva, dados precisos, acurados, consistentes, concretos e com conteúdo claro e expresso foram designados como “integralmente”, nos elementos que embora contivesse determinado elemento, mas de forma vaga, com pouca descrição, foram denominados como “parcialmente”, e aqueles itens analisados que não continham nenhum elemento foram caracterizados com o marcador “não”.
(I) Integralmente
(N) Não
Os dados foram expostos em tabelas, de forma regionalizada – Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, bem como com coloração diferenciada para cada marcador
(P) Parcialmente
de modo a identificar, de forma visual, a maior prevalência ou não dos elementos nos contratos analisados.
Posteriormente foram analisadas de forma quantitativa, as chamadas variáveis intervalares, que são aquelas que permitem não só ordenar em postos os itens que estão sendo analisados, como também quantificar e comparar, por exemplo, o tamanho das diferenças existentes entre eles.
Portanto, das vinte e cinco variáveis, posteriormente foram ainda refinadas, tornando-as em subvariáveis e foram classificadas em categóricas (binária e policotômica)7 e métricas (contínua e discreta)8.
A exposição das variáveis ao longo da escrita do texto é importante, já que elas foram fundamentais para atingir aos objetivos do trabalho, através da análise empírica e estatística.
3.4 Aplicação de critérios e variáveis definidos nos contratos administrativos
O intuito desta verificação é apontar se estes contratos administrativos estão de acordo com os dispositivos e aspectos preconizados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ou seja, visou levantar se tais contratos são favorecedores à atuação de cooperativas de catadores como a integração destes trabalhadores na cadeia da reciclagem, garantias, condições propulsoras a superação da condição de exploração e
7 Binária refere-se à variáveis com duas categorias, já as policotômicas são aquelas com mais de duas categorias. 8Variável contínua é aquela que pode assumir qualquer valor entre dois limites, já a discreta é aquela que pode aceitar valores enumerável.
precarização do trabalho, promovendo uma resignificação da economia solidária junto às cooperativas de catadores de recicláveis.
Além destes itens levantados, foram analisadas as características dos municípios que possuem contrato administrativo, como por exemplo, pequeno, médio ou grande e número de habitantes. Verificou também as regiões do país que mais possuem contratos. Levantamento dos valores médios praticados pelos contratos, além de fazer um levantamento das especificidades de cada contrato, bem como as similaridades e diferenças entre eles.
Após a primeira fase do levantamento, foi realizada também uma análise de conteúdo dos trabalhos sobre contratação. Nessa etapa, buscou-se identificar os elementos que indiquem as condições que resultam no êxito dos esquemas de contratos administrativos de modo a fazer um panorama sobre os elementos existentes nos contratos.
Nesta etapa do trabalho buscou analisar todos os contratos obtidos no levantamento de dados para contratação de empreendimentos de catadores no manejo dos resíduos sólidos urbanos.
A caracterização destes contratos tem como propósito servir e fornecer subsídio para o entendimento das demais questões que envolvem o objeto macro deste trabalho, uma vez que possibilita promover uma correlação e ampliação das variáveis envolvidas. Para entender as relações que se estabelecem e existem entre os itens dos contratos administrativos, cada qual com sua particularidade, é imprescindível o
levantamento e validação de dados quantitativos.
3.4.1 Estatísticas descritivas e técnicas exploratórias
De modo a apresentar as principais características dos dados coletados, foram empregados métodos estatísticos descritivos univariados e bivariados, assim como medidas de posição e de dispersão, de associação entre variáveis qualitativas e de correlação entre variáveis quantitativas.
Somado a isso foram utilizadas técnicas exploratórias de análise fatorial e análise de correspondência simples e múltipla, cujo intuito foi realizar um diagnóstico do comportamento dos dados.
Foram utilizadas também técnicas confirmatórias, para tanto fez uso de modelos multinível de regressão para dados em painel.
Conforme esclarece Fávero e Belfiore (2017), essa técnica estatística é especialmente adequada, pois considera a existência de estruturas aninhadas de dados, ou seja, em que determinadas valores apresentam variações entre unidades distintas que representam grupos, porém não entre informações presentes em um mesmo grupo.
Dessa forma, ao utilizar modelos multinível, procura estimar a existência de variabilidade na variável dependente originário de mudanças nas variáveis independentes e, quanto desta variabilidade é produzido pelo fato de as observações pertencerem a grupos distintos.
As técnicas quantitativas de análise de dados são amplamente utilizadas em muitos trabalhos, uma vez que permite solucionar determinados problemas, além de propiciar a elaboração de modelos que elucidem e antevejam a realidade. Conforme alertam Xxxxx, Beaver e Landsman (2001), muitos trabalhos relevantes fazem uso das técnicas econométricas. A não utilização destas técnicas nestes trabalhos poderia apresentar limitação da validade de suas inferências. Mas, ao escolher uma técnica estatística esta deve se basear em uma teoria tácita e deve ser adequada com o que se deseja investigar.
De acordo com Xxxxxx (2006), os modelos multinível caracterizam como sendo uma generalização dos métodos de regressão. Com isso, ao utilizar estes modelos permite o alcance de uma variedade de propósitos, no qual pode-se incluir predição, redução dos dados e inferência causal desde experimentos até estudos observacionais.
Comparativamente aos modelos clássicos de regressão linear ou de análise e covariância, os modelos multinível podem ser superiores, uma vez que é considerada a análise de dados hierarquicamente estruturados.
Os modelos multinível visam propor uma estrutura de análise onde são reconhecidos os diferentes níveis no qual articula os dados, estando cada subnível
representado pelo seu próprio modelo (XXXX; XXXXXX, 2005 apud FÁVERO; XXXXXXXXXX, 2010).
3.4.2 Agrupamento e interpretação de informações
Para o desenvolvimento desta tese foram utilizados dois conceitos, cohort e valor da informação.
Cohort refere-se a um termo que designa o agrupamento de pessoas ou elementos que possuem em comum algum evento ou situação, ou seja, serve para interpretar indicadores para um grupo específico, que pode ser agrupado de acordo com determinadas características (XXXXX, 2005).
Este mesmo autor ressalta que o conceito de cohort tem sido essencial nos estudos em ciências sociais, tais como demografia, epidemiologia, psicologia, ciência política e sociologia.
Valor da informação é fator de extrema importância para a satisfação informacional dos indivíduos ou grupos de indivíduos, uma vez que há excesso de informação, há ambiguidade e há complexidade (VALENTIM; ANÇANELLO, 2018).
Estas mesmas autoras relatam que as noções de valor comumente são associadas a preço e custo, ambas pautadas nos modelos econômicos tradicionais, entretanto, constata-se que a informação se diferencia de um produto mercantil tradicional. Sendo assim, é essencial compreender quais são os fatores que constituem uma informação de valor, ou seja, quais são os atributos básicos que a qualificam como uma informação de valor. Vale destacar que este é um tema que deve ser continuamente explorado, uma vez que exige maior aprofundamento e reflexões.
Destacam-se quatro ações significativas de valorização da informação em ambientes informacionais: a organização, a análise, a síntese e o julgamento. A primeira etapa a ser cumprida ao se agregar valor à informação é a de organização, pois confere acesso à informação. O objetivo principal desta etapa é poupar o tempo do indivíduo na busca pela informação desejada. Quanto à análise, esta é dividida em: análise voltada aos dados, a qual tem por meta ratificar e definir dados; e análise voltada ao indivíduo, a qual se propõe a resolver problemas no âmbito das necessidades informacionais deste.
Quanto à síntese, pode-se conceituá-la como a reunião de informações significativas que serão, posteriormente, agregadas em blocos reutilizáveis; permitindo, assim, a comparação de informações de distintas fontes. O julgamento da informação é relacionado ao potencial da informação para a resolução de problemas (KIELGAST; HABBARD, 1997).
Para calcular o valor da informação deve passar por duas etapas: a primeira ocorre calculando o WeightofEvidence (WOE) e logo em seguida ocorre o cálculo do valor da informação (VI).
A fórmula para o cálculo do WOE é realizada com a seguinte expressão:
WOE = [ In (distribuição dos eventos ÷ distribuição de não eventos) x 100]
O valor de WOE será zero se a chance da distribuição de eventos/distribuição de não eventos for igual a 1. Se a distribuição de não eventos for maior que a distribuição de eventos, a chance será menor que 1 e, portanto, o WOE será um número negativo. Caso contrário, se a distribuição de eventos for maior que a de não eventos, a chance será maior que 1 e, de tal modo, o WOE será um número positivo.
O valor da informação (VI) de uma variável preditora é a soma dos valores absolutos do WOE de todos os grupos dessa variável. Assim, ele representa a quantidade de informação diagnóstico dessa variável preditora que discrimina os eventos dos não eventos.
Para calcular o valor da informação (VI) tem-se as seguintes variáveis:
= ∑ni −1[distribuição dos eventosi–distribuição dos não eventosi) x In (distribuição de eventos ÷ distribuição de não eventos)]
A literatura defende que a utilização do WOE e VIpara a escolha dos preditores do modelo é útil quando for construído um modelo de regressão logística. Siddiqi (2006), sugere como os valores de VIdas variáveis preditoras podem ser assim interpretados (Quadro 7):
Quadro 7. Análise do valor VI
Resultado | Grau de discriminação de eventos e não eventos |
Menor que 0,02 | Inexistente |
De 0,02 até 0,1 | Fraca |
De 0,1 até 0,3 | Média |
Acima de 0,3 | Alta |
Foram calculados os valores informacionais das variáveis preditoras categóricas com intuito de averiguar quais dessas variáveis possuem maior impacto na reconfiguração e estruturação econômica das cooperativas de catadores de materiais recicláveis, bem como a garantia de melhorias na prestação de serviços.
A utilização desta técnica tem como base desenvolver um modelo preditivo de modo a preconizar quais elementos presentes no contrato administrativo, baseado nas suas características, possibilita melhorias nas condições de vida e trabalho dos catadores, bem como que seja um instrumento eficiente na prestação de serviços para os municípios. Ao utilizar o valor da informação, bem como os conceitos de cohort embasa e permite a validação dos resultados.
3.5 Sistematização de elementos estruturantes nos contratos administrativos
A proposição de elementos estruturantes que devem conter nos instrumentos contratuais para promover à reconfiguração e estruturação econômica dos empreendimentos de economia solidária de coleta seletiva e seus impactos na organização coletiva do processo de trabalho foi organizada a partir das análises empíricas e estatísticas, bem como o aprofundamento sobre tema contrato administrativo e empreendimentos de catadores de materiais recicláveis.
Foram propostos sete dispositivos que podem resultar na reconfiguração e estruturação econômica dos empreendimentos de catadores de materiais recicláveis, dentre os quais destacam-se:
-Dispositivos que versam sobre cláusulas necessárias;
-Dispositivos que versam sobre melhorias nas condições de vida dos catadores;
-Dispositivos que versam sobre a reconfiguração e estruturação econômica dos empreendimentos de catadores;
-Dispositivos que versam sobre organização coletiva do processo de trabalho;
-Dispositivos que versam sobre a proteção jurídica dos catadores;
-Dispositivos que versam sobre relevância social, ambiental e econômica do trabalho dos catadores;
-Dispositivos que versam sobre qualidade na prestação de serviços (eficiência, eficaz e efetividade).
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Este capítulo tem como intuito descrever os resultados da pesquisa, que foram apresentadas em seções. Na primeira seção é apresentada a identificação e caracterização dos contratos administrativos; posteriormente são apresentadas a definição de critérios, variáveis e subvariáveis para avaliação de contratos administrativos; na sequência tem a aplicação e avaliação dos contratos administrativos a partir dos critérios definidos; na outra seção dedica-se na avaliação geral empírica dos contratos administrativos a partir dos critérios definidos; em seguida são apresentadas as análises provenientes de técnicas estatísticas descritivas e por fim é inserida a proposição de elementos estruturantes nos contratos administrativos.
4.1 Identificação e caracterização dos contratos administrativos
Esta seção expressa os aspectos gerais dos contratos administrativos firmados entre empreendimentos de catadores de materiais recicláveis e prefeituras em todo o Brasil.
Foram identificados 178 vínculos entre prefeituras e cooperativas de resíduos recicláveis. Optou-se por analisar somente os contratos já existentes, uma vez que as minutas podem sofrer alterações após a etapa de contratação. Embora o termo de convênio vise à execução de um objeto de interesse em comum, tem a finalidade não lucrativa e social, já os contratos envolvem obrigatoriamente a contraprestação pelos serviços.
A Tabela 1 revela o número de contratos, minutas e termo de convênio celebrado entre empreendimentos de catadores de materiais recicláveis e prefeituras até o ano de 2021.
Tabela 1. Número de contratos, minutas e termo de convênio por regiões do Brasil
Regiões | Número de contratos | Minutas | Termo de convênio |
Norte | 12 (14,29%) | 3 (10,34%) | 6 (9,23%) |
Nordeste | 11 (13,09%) | 5 (17,26%) | 12 (18,46) |
Sudeste | 32 (38,10%) | 12 (41,37%) | 27 (41,55) |
Sul | 22 (26,19%) | 7 (24,13%) | 16 (24,61%) |
Centro oeste | 07 (08,33%) | 2 (6,90%) | 4 (6,15%) |
Total | 84 (100%) | 29 (100%) | 65 (100%) |
Fonte: Próprio autor, 2022..
A região do Brasil que possui maior número contratos administrativos com os municípios é a região sudeste, com praticamente 38,10%, em segundo aparece a região Sul, o que corresponde a 26,19% de todos os contratos analisados. A região nordeste fica em terceiro lugar em termos de números de contratos com a municipalidade, 13,09% do total. Em quarto lugar corresponde à região norte com 14,29%, já região Centro Oeste fica em último lugar, equivalente a 08,33%.
Ao analisar as regiões, cujas capitais possuem contratos administrativos com as prefeituras, verifica-se os seguintes números: na região Norte são quatro capitais (Rio Branco-AC, Manaus-AM, Boa Vista-RR e Palmas-TO); na região Nordeste (Natal-RN, Maceió-AL, Aracaju-SE) e na região Sudeste (Belo Horizonte-MG, Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP) são três capitais cada; na região Sul são duas (Curitiba-PR e Porto Alegre-RS), Centro Oeste somente uma (Cuiabá-MT) e uma no Distrito Federal (Brasília).
Em termos de Estados e número de contratos, a Tabela 2 mostra o quantitativo de contratos firmados com os municípios.
Um número bem expressivo de capitais que não possuem contrato administrativo com nenhum empreendimento de catadores de materiais recicláveis no manejo dos resíduos sólidos, são dez no total: Macapá-AP (região Norte), São Luís- MA, Fortaleza-CE, João Pessoa-PB, Recife-PE e Salvador-BA (região Nordeste), Vitória-ES (Região Sudeste) Florianópolis-SC (região Sul), Campo Grande e Goiânia- GO (região Centro Oeste). São capitais com grande número de catadores de materiais recicláveis e também com quantitativo de cooperativas e associações, conforme levantamento realizado.
Tabela 2. Número de contratos nas cidades por Estados
Estado | Número de contratos* |
Acre | 1 |
Amazonas | 1 |
Roraima | 1 |
Pará | 4 |
Amapá | 1 |
Tocantins | 2 |
Rio Grande do Norte | 1 |
Paraíba | 2 |
Alagoas | 2 |
Sergipe | 2 |
Bahia | 4 |
Minas Gerais | 9 |
Rio de Janeiro | 4 |
São Paulo | 22 |
Paraná | 5 |
Santa Catarina | 2 |
Rio Grande do Sul | 10 |
Mato Grosso do Sul | 1 |
Mato Grosso | 3 |
Goiás | 5 |
Distrito Federal | 2 |
*Cidade diferente, ou seja, no Estado do Acre, possui uma cidade que possui contrato administrativo com a prefeitura e assim sucessivamente. |
Fonte: Próprio autor, 2022.
Pelo levantamento, dos 26 Estados do Brasil, 20 (76,9%) possuem alguma cidade com pelo menos um contrato com empreendimento de catadores como responsáveis pela gestão dos resíduos sólidos nestes municípios. As Unidades Federativas que não possuem nenhum município com contrato administrativo são seis no total: Amapá, Espirito Santos, Maranhão, Piauí, Ceará e Pernambuco. No Apêndice consta relação de municípios que possuem contrato com algum empreendimento de catadores no manejo de resíduos sólidos.
O Estado de São Paulo é o que mais possui municípios que possuem contrato com algum empreendimento de catadores no manejo dos resíduos sólidos. Rio Grande do Sul vem em seguida com dez municípios e Minas Gerais aparece em terceiro em termo de número de contratos com alguma municipalidade, total de nove cidades. Nesta mesma análise, são seis Unidades Federativas que possuem um único município com
contrato administrativo com algum empreendimento de catadores de materiais recicláveis.
Por meio do contrato administrativo firmado com o poder público municipal, os catadores são elevados e valorizados como parte integrante de agentes de limpeza pública, com o qual são reconhecidos como cumpridores de um importante papel social e ambiental. As atividades destes profissionais podem se tornar sistematizadas e planejadas, diante do qual firmam compromissos e responsabilidades para atender determinada área dentro do município em termos de prazos e condições.
De acordo com IBGE (2020), o Brasil possui 5.570 municípios. Pelo levantamento dos contratos existentes, representa somente 1,51% de todos os municípios existentes no país. Nota-se que representa um número muito insignificante, apesar da Política Nacional de Resíduos Sólidos preconize que haja contratação de cooperativas e associações por parte das prefeituras para auxiliar no manejo da gestão de resíduos sólidos urbanos.
Há aquelas prefeituras que possuem termo de convênio com as cooperativas como, por exemplo, no município de Guarujá-SP com as cooperativas Cooperbem e Mundo Novo que auxilia no aluguel de barracão, compras de EPI’s, dentre ouros auxílios. Mas é insuficiente para garantir a continuidade da prestação de serviços, por haver falta de instrumento que consolide esta parceria. Ressalta-se ainda que tais empreendimentos prestam um trabalho que é de competência do poder público local, mas que ainda sobrevivem sob ações ditas assistencialistas ou caminham sem nenhum apoio da prefeitura.
Por meio do contrato administrativo firmado entre prefeituras e cooperativas ou associações, onde é garantido o repasse regular de recursos pela prestação de serviços, é possível fazer com que estas organizações busquem tecnologias que irão favorecer o controle da cadeia produtiva da reciclagem. Outro benefício desta parceria entre poder público municipal e empreendimentos da reciclagem é fazer com que empresas privadas também paguem por estes serviços, uma vez que são grandes geradoras de resíduos.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos aponta caminhos e diversas possibilidades para que se estabeleça contrato administrativo entre prefeituras e empreendimentos de economia solidária no manejo de resíduos sólidos urbanos, mas é
imprescindível fazer com que seja transposta em realidade. Não basta simplesmente estabelecer contrato, é fundamental que tais instrumentos sejam afinados a realidade e condições dos empreendimentos, além de ser transparente e garantir meios para que trabalhadores e trabalharas tenham dignidade enquanto profissionais e seres humanos.
Considera-se interessante o estabelecimento de contrato administrativo entre empreendimentos de catadores e prefeituras no manejo dos resíduos sólidos, mas também entre todos aqueles que também produzem, como proprietários de indústrias, organizações, comércio, enfim, todos aqueles geradores devem se responsabilizar e socializar os custos inerentes a estes resíduos para que remunere também as cooperativas e associações, de modo a promover parte do processo de logística reversa, por exemplo.
O estabelecimento de contrato administrativo entre empreendimentos de catadores de materiais recicláveis pode proporcionar muitos benefícios para toda comunidade, especialmente para os catadores, pois possibilita a inclusão sócio- produtiva destes profissionais no mercado de trabalho, deixa de ter um caráter marginalizado, torna-os emancipados, estabelece a dignidade humana, permite desenvolver trabalhos educativos, dentre outras possibilidades. Mas também oferece a sociedade vantagens, pois ao retirar resíduos do ambiente e devolvê-los na cadeia produtiva e com isso reduz a poluição, o desmatamento, a preservação dos recursos naturais, propicia melhorias na qualidade de vida da população e ampliação da vida útil dos aterros sanitários.
É fundamental ter um instrumento que garanta não só as condições que favoreçam a vida laboral dos catadores e catadoras, mas também permitir que evolua para estabelecer uma verdadeira autogestão, para que fluam boas relações internas, ou seja, uma verdadeira revolução estrutural no ambiente de trabalho, nos aspectos sociais e econômicos destes trabalhadores.
Observa-se que todos os empreendimentos de catadores de materiais recicláveis passaram por um processo licitatório, é o princípio da obrigatoriedade da licitação — norma de ordem pública, princípio constitucional que direciona a atividade administrativa em momento anterior à contratação—, ou seja, um rito com diversas fases e etapas. São exigidas dos empreendimentos que apresente habilitação jurídica,
qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e regularidade fiscal, de acordo com a Lei n. 8.666/93, Lei de Licitações e Contratos Administrativos, mais precisamente o que estipula o artigo 27 da respectiva lei. Por conta desta legislação é necessário todo um trâmite com a definição do objeto de contratação.
Inicialmente é realizada uma chamada pública para contratação de organizações cooperativas ou associações de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis e de forma concomitante ocorre este rito com muitas fases e etapas. A Lei de Licitações preconiza este rito para que seja prevalecida a igualdade de condições entre todos os participantes, mas devem preencher os requisitos e exigências no processo licitatório.
A Lei 5.764/71, mais conhecida como “Lei das Cooperativas”, apresenta diversos dispositivos nos quais permitem a essas organizações a estabelecerem relação contratual com outras entidades, sejam públicas ou privadas. Dentre o destaque desta legislação refere-se ao Art. 86, no qual expressa que as cooperativas podem fornecer bens e serviços a não associados, desde que o exercício dessa faculdade atenda aos objetivos sociais e não colida com a lei.
Ao analisar os editais das chamadas públicas, também denominada como dispensa de licitação, há itens fundamentais e preconizados pela Lei 8.666/93, como definição do objeto, condições para habilitação, descrição dos procedimentos para análise da documentação, requisitos para impugnação, exigência de sessão pública, quesito para recursos, a forma dos contratos e dotações orçamentárias, exigências e estado de mecanismos de controles e minuta do contrato.
Por força da Lei de Licitações, devem-se cumprir estas exigências e a minuta, como parte integrante da chamada pública, já vem previamente elaborada.
É fundamental que a elaboração do contrato seja feita com participação ativa dos catadores por meio de debates e discussões, não pode prevalecer à unilateralidade, especialmente do poder público municipal, já que tudo que foi acordado deverá ser fielmente cumprido, por ambas as partes.
Pelos contratos analisados, verifica-se um padrão em termos de forma e cláusulas, dentre os quais aparecem na Tabela 3.