Contract
7
Avaliação de Contratos de Energia
Este capítulo visa ilustrar um importante uso da metodologia desenvolvida através da sua aplicação na avaliação de contratos de energia eólica no ACL. Os contratos de energia eólica representam alto risco, devido à grande instabilidade no comportamento do vento, por isso, são comercializados predominantemente no ACR com contratos e cláusulas especiais. Além disso, existe uma grande dificuldade em caracterizar a correlação entre o vento e o PLD, principalmente porque a energia eólica não está diretamente inserida no processo de formação deste preço. Uma característica importante da metodologia desenvolvida neste trabalho é observada na etapa de geração dos cenários integrados, quando as séries ENA’s simuladas pelo Newave são incorporadas – as mesma séries que dão origem às séries de PLD (ver Figura 7-1) – e dessa forma os cenários gerados estão correlacionados às séries de PLD.
Figura 7-1 – Diagrama da metodologia desenvolvida.
Fonte: Própria.
O risco de uma carteira pode ser atenuado através da diversificação, que depende da correlação entre os ativos integrantes. A contratação da energia eólica no ACL pode viabilizar a diversificação, através da formação de um portfólio de contratos de energia (eólica e hidrelétrica) que considera a complementaridade (Seção 3.4) e a correlação negativa entre esses recursos. A contratação da quantidade ótima
desses contratos pode ser determinada com base em um modelo de otimização estocástica, que necessita dos cenários de disponibilidade desses recursos, [45].
7.1
Estrutura de Comercialização de Energia
A estrutura do setor elétrico envolve certo grau de intervenção do Estado e medidas de regulamentação que visam incentivar a expansão da capacidade geradora e assegurar o fornecimento de energia. As principais características da estrutura atual são, [46]:
(i) Ambiente de Contratação Livre (ACL) voltado para negociações não reguladas, do qual podem participar os geradores, consumidores livres e comercializadores. Este ambiente de comercialização promove concorrência no setor;
(ii) Ambiente de Contratação Regulado (ACR) composto pelos leilões de energia, onde vigoram os contratos de comercialização de energia no ambiente regulado (CCEARs) de longo prazo (15 a 30 anos). De acordo com as normas do setor, as distribuidoras são obrigadas a realizar compra de energia por meio de leilões públicos. Este ambiente sinaliza o custo marginal de expansão do sistema;
(iii) Garantia de suprimento ou garantia física do sistema corresponde à máxima carga que pode ser suprida a um risco pré-fixado (5%) de não atendimento da mesma. O valor da garantia física do sistema é obtido por meio de simulações da operação. Para simulações a sistemas equivalentes, o modelo Newave será utilizado em sua versão para cálculo de garantia física. A fração da garantia física do sistema alocada a uma usina, ou garantia física da usina, independe da sua geração real e está associada às condições de longo prazo que cada usina pode oferecer ao sistema;
Figura 7-2 – Garantia física independe da geração real.
Fonte: Própria.
(iv) Os agentes vendedores devem apresentar lastro de venda de energia para garantir 100% de seus contratos. O lastro para venda de energia é constituído pela garantia física dos empreendimentos próprios de geração e/ou por contratos de compra. Eventuais consumos de agentes vendedores são considerados como venda de energia. Os agentes da classe geradora podem utilizar contratos de compra de energia para lastrear os contratos de venda de energia;
Figura 7-3 – Energia comercializável da usina.
Fonte: Própria.
7.2
Preço de Liquidação de Diferenças
O modelo de formação do preço da energia depende das operações de despacho e, ambos impactam diretamente na gestão de um portfólio de contratos de energia. As operações de despacho são determinadas pelo ONS e o processo completo de cálculo do CMO de cada subsistema consiste na utilização da cadeia de modelos composta principalmente pelo NEWAVE e DECOMP (ver Seção 3.3). O CMO de um subsistema reflete o acréscimo no valor esperado do custo de operação ao longo do horizonte de planejamento, causado pelo aumento marginal da demanda do subsistema em questão. O CMO ajustado pela CCEE é denominado PLD. Esses ajustes consistem basicamente na incorporação de restrições internas do subsistema (operacionais e de transmissão).
O PLD é limitado por um preço máximo (teto), que é função dos custos variáveis de operação das termoelétricas, e por um preço mínimo (piso), que é função dos custos de operação, manutenção das usinas hidrelétricas e da utilização dos recursos hídricos. O PLD assume valores muito baixos nos períodos úmidos, quando há armazenamento de energia através dos reservatórios das usinas, e valores altos nos períodos de seca.
7.3
Contratos de Compra e Venda
A gestão de um portfólio de contratos de energia precisa considerar as diferenças entre os contratos bilaterais de compra e de venda. Antes da publicação do decreto, que prevê o lastro de 100% dos contratos, uma parcela da energia negociada podia ser comprada no mercado de curto prazo a PLD. Após o decreto, os agentes têm a necessidade de firmar contratos que assegurem o equilíbrio entre a energia ofertada e demandada, fortalecendo os contratos do tipo bilaterais. Os preços praticados para estes contratos seguem a lógica racional de acordo com a tendência do preço de mercado. O formato mais simples de contrato, no ACL, descreve o montante contratado, o preço, o prazo e o subsistema de carga. Além disso, possibilita que algumas flexibilidades sejam incorporadas.
Uma flexibilidade dos contratos bilaterais de compra é variar a quantidade contratada. Na prática, se o valor do PLD for superior ao preço do contrato na data de entrega, aumenta-se a quantidade (equivale a uma opção de compra). A quantidade excedente é liquidada no mercado de curto prazo a PLD. No entanto, se o valor do PLD for inferior ao preço do contrato na data de entrega, reduz-se a quantidade (equivale a uma opção de venda). A quantidade referente a esta redução é comprada no mercado de curto prazo.
Por outro lado, os contratos bilaterais de venda devem lidar com a incerteza na variação de quantidade. Essa variação tem limites pré-estabelecidos em contrato e pode ser regida por cláusulas Take or Pay. As cláusulas Take or Pay determinam um pagamento mínimo contratado, mesmo que a quantidade entregue seja inferior ao limite mínimo pré-estabelecido. Caso a quantidade entregue seja superior ao limite máximo, o consumidor restituirá a energia excedente a preços diferenciados também pré-estabelecidos.
Outra flexibilidade destes contratos é quanto à sua disponibilidade, que funcionam como contratos de aluguel em que o comprador paga um valor mensal a uma dada usina geradora pelo direito de comercializar todo ou parte do seu lastro. No caso de usinas térmicas, se o PLD supera o valor do seu custo variável unitário (CVU) estabelecido no contrato, o comprador deve reembolsar o gerador pelo custo variável incorrido. Contudo, em contratos com renováveis, o CVU é considerado zero e o custo do contrato para o comprador passa a ser apenas um custo fixo mensal.
7.4
Avaliação do Risco do Portfólio
No Brasil, os principais riscos que um agente comercializador está exposto são:
(i) Volatilidade do preço da energia (PLD) de médio e longo prazo, que ocorre em função de decisões de despacho com algumas características conservadoras em relação aos reservatórios. Essas decisões visam evitar os problemas causados pela redução de potência em períodos de seca;
(i) A comercialização de energia entre subsistemas, em que a diferença entre os preços influencia o lastro dos contratos negociados, e expõe a carteira ao montante contratado multiplicado pela diferença de preços entre os subsistemas.
Os contratos ACR apresentam baixo risco aos agentes, pois têm seus ganhos e perdas valorados pelo preço estabelecido em contrato. Já os contratos no ACL apresentam alto risco, uma vez que seus ganhos e perdas são valorados pelo PLD.
Em geral, o risco de uma carteira é avaliado através das métricas VaR (Value at Risk) e CVaR (Conditional Value at Risk), [38]. O VaR, definido como o mínimo retorno esperado para um dado nível de confiança, resume a exposição total ao risco em um único número. O VaR também pode ser definido como a pior (ou maior) perda esperada ao longo de um intervalo de tempo. No entanto, esta medida não fornece nenhuma informação a respeito das perdas que o excede, que podem ser significativas. O CVaR utiliza informações sobre eventos que ocorrem nas caudas das distribuições de probabilidades, e pode ser definido como a média das perdas condicionada às perdas que excedem ou são iguais ao VaR.
7.5
Otimização do Portfólio Eólico-Hídrico
Um portfólio diversificado, eólico-hídrico, representa menor risco ao agente comercializador. A quantidade ótima de cada contrato que compõe o portfólio, ou estratégia ótima, pode ser definida através de modelos de otimização com gestão de risco. O processo de otimização de carteiras consiste na escolha de ativos que desencadearão receitas futuras estocásticas, definidas através dos cenários de disponibilidade de vento e vazão. Essa natureza aleatória gera um problema não trivial, pois cada possibilidade de carteira proporciona muitos cenários de fluxos de caixa futuros. Tais cenários podem ser caracterizados por uma sequência de distribuições de probabilidade, uma para cada período de contrato, que, em geral, são dependentes entre si.
Neste sentido, o artigo (que se encontra no Anexo I) – “Fostering Wind Power Penetration into the Brazilian Forward-Contract Market”, realizado por A. Street,
D. Xxxx, X. Xxxxx, X. Xxxxxx, X. Xxxxxx e B. M. Amaral, [45] – relata alguns resultados práticos da utilização da metodologia de geração de cenários integrados em modelos de otimização de carteiras. O artigo utiliza os cenários de vento e vazão para gerar receitas futuras e otimizar algumas estratégias de contratação. O objetivo é valorar a complementaridade entre os recursos quando comercializados no ACL. Em sua elaboração, o CVaR foi adotado como medida dos ganhos corrigidos pelo risco. Segundo esse critério observou-se que é possível aumentar o valor de uma estratégia de negociação eólica em 18,7%, o que reduz a diferença entre o valor da estratégia de negociação no ACL e uma receita livre de risco de 19,3% para 4,1%. O efeito desse aumento na receita anual pode ser visto através da função de distribuição acumulada de probabilidade, para um contrato eólico isolado e para esse contrato inserido em portfólio eólico-hídrico (Figura 7-4).
Figura 7-4 – FDA X receita anual.
Fonte: Própria.
7.6
Outra Proposta para Geração de Cenários Integrados
A metodologia desenvolvida neste trabalho para geração de cenários integrados também pode ser empregada na avaliação de contratos de energia. Porém, esses resultados não serão inseridos diretamente no Newave, e passarão a alimentar um modelo de otimização de contratos específicos do próprio agente comercializador.
Neste contexto, os problemas com simulação negativa, citados na Seção 6.2, podem ser contornados de outra forma. A seguir, será apresentada nova sugestão no desenvolvimento do modelo estatístico, que está em vigor no artigo citado acima [45].
Primeiramente, pensou-se na transformação logarítmica das variáveis de interesse como solução alternativa para a simulação negativa. O modelo VARX estimado por MQP com essas variáveis transformadas resultou em cenários com limite superior extremamente elevado, muitas vezes gerando valores maiores que o máximo observado na amostra. Em especial, este modelo gerou valores acima de 100% para FC, o que é tão indesejável quanto os valores negativos.
Contudo, o modelo ajustado com os dados transformados pelo logaritmo da razão de chance gerou valores dentro de um intervalo pré-determinado e se revelou mais adequado. A qualidade do ajuste aproximou-se do modelo avaliado na Seção 5.3, e os cenários simulados apresentaram uma aderência bastante adequada ao histórico. Além disso, o uso dessa transformação trouxe algumas vantagens: eliminou a presença dos outliers nas séries, e manteve os cenários dentro de um intervalo válido.
A transformação dada pelo logaritmo da razão de chance aplicada às variáveis endógenas do modelo permitiu incorporar algumas restrições. No caso da variável FC, que está representada em percentuais e, portanto, é restrita ao intervalo [0,1]. Por outro lado, a variável Vz segue o mesmo conceito, porém com um limite diferente [0, ∞). Teoricamente não há limite máximo para essa variável, contudo, há algumas considerações físicas que devem ser respeitadas. Como por exemplo, a vazão máxima registrada pela PCH analisada, igual a 270 m3/s.
A transformação logaritmo da razão de chance, no seu uso original, representa a razão entre probabilidade de um evento ocorrer e a probabilidade de não ocorrer. Na prática, pode ser expressa como, por exemplo, “3 contra 1”, significando que há 3 vezes mais chance de ocorrer algo do que o inverso. A transformação proposta é uma adaptação dessa idéia para o caso de variáveis com valores
limitados por um intervalo [Min,; Máx]. Seja X uma variável, e seja X* a sua transformada. Então:
X* = log ( X— Min) (7.1)
Max — X
As variáveis exógenas ao modelo exercem papel de controle e foram tratadas por uma transformação logarítmica simples.
7.6.1
Modelo VARX com Variáveis Transformadas
O novo modelo proposto para esta aplicação diferencia-se apenas no formato dos dados de entrada no modelo VARX, que podem ser dados originais ou dados transformados. Após o tratamento dos dados, com base na transformação dada pela Eq.(7.1), estima-se o modelo VARX por MQP e os resultados alimentam o processo gerador de cenários integrados, que adota uma distribuição Normal aos resíduos (Seção 6.1).
As estatísticas do modelo apresentaram valores satisfatórios, uma vez que em FC, 63% (R2=0,6311) das variações ocorridas no logaritmo da razão de chance (FC*) são explicadas pelo modelo, e o R2 ajustado é 0,5958. Em Vz, 74% (R2=0,7360) das variações ocorridas no logaritmo da razão de chance (Vz*) foram explicadas pelo modelo, e o R2 ajustado é 0,7108.
3 4
2 3
2
1
1
0
0
-1
-1
-2 -2
-3
0 2 4 6 8 10 12
-3
0 2 4 6 8 10 12
Figura 7-5 – Comparativo anual resíduos FC*. Figura 7-6 – Comparativo anual resíduos Vz*.
20 30
18
25
16
14
20
12
10 15
8
10
6
4
5
2
0
-3 -2 -1
0 1 2 3
0
-3 -2 -1
0 1 2 3 4
Figura 7-7 – Histograma resíduos FC*. Figura 7-8 – Histograma resíduos Vz*.
Os comparativos anuais das sequências de resíduos mostram que as variâncias mensais estão equilibradas pelo ajuste do modelo (Figura 7-5 e Figura 7-6). A distribuição dos resíduos gerados pelo modelo FC* pode ser aceita como Normal, pois o teste de Normalidade de Jarque-Bera, com p-valor=0,3278, não mostra evidência para rejeitar a hipótese nula de normalidade. Porém, o mesmo teste aplicado aos resíduos Vz*, com p-valor=0,0132 rejeita a hipótese de normalidade.
0.8
Sample Autocorrelation
0.6
0.4
0.2
0
|
|
| |||||||
Sample Autocorrelation Function (ACF)
0.8
Sample Autocorrelation
0.6
0.4
0.2
0
Sample Autocorrelation Function (ACF)
-0.2
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Lag
-0.2
0 2
4 6 8 10 12 14 16 18 20
Lag
Figura 7-9 – Autocorrelação resíduos FC*. Figura 7-10 – Autocorrelação resíduos Vz*.
0.8
Sample Autocorrelation
0.6
0.4
0.2
0
Sample Autocorrelation Function (ACF)
0.8
Sample Autocorrelation
0.6
0.4
0.2
0
Sample Autocorrelation Function (ACF)
-0.2
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Lag
-0.2
0 2
4 6 8 10 12 14 16 18 20
Lag
Figura 7-11 – Autocorrelação quadrado dos resíduos FC*. Figura 7-12 – Autocorrelação quadrado dos resíduos Vz*.
Os resíduos FC*e Vz* não possuem autocorrelações significativas nas Figura 7-9 e Figura 7-10. As FAC’s do quadrado dos resíduos FC*e Vz* (respectivamente Figura 7-11 e Figura 7-12) mostram que o efeito de heterocedasticidade
70
60
50
40
30
Real
Previsto
20
10
0
condicional não é significativo com o uso da transformação nas variáveis, possivelmente porque amenizou os valores extremos (outliers) contidos na série.
160
140
120
100
80
60
Real
Previsto
40
20
0
200301
200305
200309
200401
200405
200409
200501
200505
200509
200601
200605
200609
200701
200705
200709
200801
200805
200809
200901
200905
200301
200305
200309
200401
200405
200409
200501
200505
200509
200601
200605
200609
200701
200705
200709
200801
200805
200809
200901
200905
Figura 7-13 – Desempenho do modelo FC* (a partir Jan/03). Figura 7-14 – Desempenho do modelo Vz*(a partir Jan/03).
O período entre Ago/2007 e Jul/2009 corresponde ao período de validação. Os valores, real e previsto, estão expressos na escala original, após sofrerem a transformação inversa. Nota-se que algumas previsões out-of-sample para FC* (Figura 7-13) não acompanham totalmente as quedas da série real. No entanto, as previsões para Vz* (Figura 7-14) não acompanham totalmente os picos da série.
Figura 7-15 – Cenários simulados FC*. Figura 7-16 – Cenários simulados Vz*.
A transformação, utilizada nos dados de entrada do modelo, foi capaz de gerar cenários consistentes com o intervalo válido e solucionar o problema de simulação negativa. Além disso, o modelo apresentou um diagnóstico bastante satisfatório.
Figura 7-17 – Comparativo anual + simulação FC* (2015). Figura 7-18 – Comparativo anual + simulação Vz* (2015).
Para uma análise mais aproximada, as figuras acima (Figura 7-17 e Figura 7-18) apresentam o comparativo anual entre o histórico (FC e Vz) seguido das simulações para o ano 2015. É possível notar que os cenários simulados conservam as características da evolução anual observada no histórico.