CONTRATO DE ADESÃO: interferência na Autonomia da Vontade e a possibilidade de revisão
XXXXXXXX XXXXXX XXXX
CONTRATO DE ADESÃO: interferência na Autonomia da Vontade e a possibilidade de revisão
CURSO DE DIREITO – UniEVANGÉLICA 2019
CONTRATO DE ADESÃO: interferência na Autonomia da Vontade e a possibilidade de revisão
Monografia apresentada ao Núcleo de Trabalho de Curso da UniEvangélica, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Me. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx.
ANÁPOLIS – 2019
CONTRATO DE ADESÃO: interferência na Autonomia da Vontade e a possibilidade de revisão
Anápolis, de de 2019.
BANCA EXAMINADORA
A presente monografia tem por objeto a análise do contrato de adesão frente à possibilidade de revisão. A metodologia utilizada foi a compilação bibliográfica e estudo de posicionamentos doutrinários e jurídicos. O primeiro capítulo aborda o conceito de contrato em sua generalidade, seu surgimento, evolução histórica, natureza jurídica e os princípios fundamentais formadores do Direito contratual. O segundo capítulo ocupa-se em analisar o contrato de adesão de maneira mais específica, apontando a sua origem na história do mundo e o seu surgimento no Brasil, além das características peculiares inerente a esse tipo contratual. Por fim, o terceiro capítulo trata da possibilidade de revisão, as discussões doutrinarias a respeito do assunto e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, tanto das relações contratuais consumeristas quanto as não consumeristas.
Palavras chave: Revisão contratual. Adesão. Contrato de massas.
INTRODUÇÃO. 01
CAPÍTULO I – CONTRATO 03
1.1 Conceito 03
1.2 Evolução Histórica 04
1.3 Natureza Jurídica 06
1.4 Princípios Fundamentais do Direito Contratual 07
1.4.1 Princípio da autonomia da vontade 07
1.4.2 Princípio da supremacia da ordem pública 09
1.4.3 Princípio do consensualismo 10
1.4.4 Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos 10
1.4.5 Princípio da força obrigatória dos contratos 11
1.4.6 Princípio da boa-fé e probidade 12
CAPÍTULO II – CONTRATO DE ADESÃO 14
2.1 Origem 14
2.2 Surgimento no Brasil 15
2.3 Conceito 16
2.4 Natureza Jurídica 17
2.5 Características 17
2.5.1 Uniformidade 18
2.5.2Predeterminação 18
2.5.3 Rigidez 18
2.6 A massificação contratual 19
2.6.1 Objeto do contrato de massa 20
2.6.2 Vínculo jurídico no contrato de massa 21
CAPÍTULO III – DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO 23
3.1 Considerações preliminares 23
3.2 Cláusula rebus sic stantibus 24
3.2.1 Teoria da Imprevisão 25
3.2.2 Teoria da base negocial 26
3.3 Revisão contratual no Código Civil 26
3.5 Revisão do contrato de adesão no Código de Defesa do Consumidor 28
3.4 Liberdade contratual e as cláusulas Abusivas. 30
CONCLUSÃO 33
REFERÊNCIAS 35
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico analisa, sob o prisma da evolução contratual, econômica e social, as nuances atuais do contrato de xxxxxx, bem como os seus desdobramentos diante do Direito e suas fontes, a fim de esclarecer o instituto da revisão nas condições gerais do contrato em massa.
A realização deste trabalho deu-se por meio de pesquisas pelo método de compilação bibliográfica, com o auxílio de renomados doutrinadores, bem como, através da história e normas ordenamento jurídico brasileiro.
O primeiro capítulo aborda o conceito de contrato em sua generalidade, seu surgimento, evolução histórica e a natureza jurídica. Além disso, houve previamente, a preocupação de tratar dos princípios fundamentais, pois eles revelam a composição, ao longo da evolução sociológica, do Direito Contratual.
O segundo capítulo expõe o contrato de adesão de maneira mais específica, apontando a sua origem na história do mundo e o seu surgimento no Brasil. Ademais, é feita uma análise quanto a sua natureza jurídica diante de divergências doutrinárias existentes, bem como do objeto, vínculo jurídico e características peculiares dessa modalidade contratual.
O terceiro capítulo trata da possibilidade de revisão do contrato de adesão. Sabe-se que princípio da obrigatoriedade dos contratos, decorrente do tradicional pacta sunt servanda, uma vez concluído, o contrato deve permanecer imutável em suas disposições. É diante de uma nova concepção do contrato e suas funções na sociedade que surge a possibilidade, por uma exceção, de se atenuar
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esse princípio geral. É nesse sentido que nasce a preocupação com a redução da iniciativa individual, com a disparidade entre o contratante e o aderente, bem como as cláusulas contratuais dessa negociação e a possibilidade de revisão.
A esse respeito o presente trabalho buscou observar as teorias e bases do direito contratual clássico e moderno, a fim de chegar a uma aplicação quando o contrato se tratar de uma relação consumerista, ou não consumerista. Para isso, o instituto da revisão foi investigado no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
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CAPÍTULO I – CONTRATOS
De acordo Xxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxx (2018, p.29) o contrato está para o civilista assim como o crime está para o penalista, é a espécie mais importante e socialmente difundida do negócio jurídico, a qual consiste, na força motriz das engrenagens socioeconômicas.
1.1 Conceito
O contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, o qual, para a sua formação, necessita do encontro da vontade das partes, vez que este é um regulamentador de interesses privados. Nos dizeres de Stolze e Pamplona Filho (2018, p.37) o conceito de contrato é:
[...] um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.
O acordo dessas duas ou mais vontades deve encontrar repouso na ordem jurídica, acompanhadas pela necessária responsabilidade na atuação do contratante, derivada do respeito a normas superiores de convivência, com assento na própria Constituição da República.
O contrato se destina a estabelecer uma regulamentação dos interesses das partes trazendo efeitos de criação, modificação ou extinção de direitos e obrigações de natureza patrimonial.
Como qualquer outro negócio jurídico, o contrato exige para a sua existência legal o concurso de alguns elementos fundamentais que constituem
condições de sua validade (XXXXXXXXX, 2018, p.36-40). Assim, para que o contrato produza efeitos, requisitos de ordem geral e de ordem especial devem ser observados. Os primeiros são comuns a todos os atos e negócios jurídicos, sendo eles, a capacidade do agente, o objeto lícito, possível, determinável ou determinado, e a forma prescrita ou não defesa em lei. Já os de ordem especial perpassam pelo consentimento recíproco ou acordo de vontades.
Para tanto, os requisitos de validade do contrato podem ser divididos em subjetivos, objetivos e formais. De forma sucinta, são requisitos subjetivos a existência de duas ou mais pessoas, a capacidade genérica para praticar os atos da vida civil, a aptidão específica para contratar e o consentimento das partes contratantes.
Os requisitos formais são aqueles elencados nos artigos 107 e 108 do Código Civil (BRASIL,2002):
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Os requisitos objetivos são a licitude do objeto do contrato, a possibilidade física ou jurídica do objeto do negócio jurídico, a determinação, o objeto do contrato e a economicidade desse objeto.
1.2 Evolução Histórica
Quando falamos surgimento do contrato não é possível fixar uma data específica para este fato, pois a sua ocorrência se confunde com a evolução moral da humanidade. Desde os primórdios da civilização, quando se abandonou o estágio da barbárie e experimentou-se certo progresso espiritual e material, o contrato passou a servir de instrumento para a circulação de riquezas, mediando interesses contrapostos.
Segundo Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (2018, p. 35), no Direito Romano atribuiu-se ao jurista Gaio_ um jurisconsulto Romano do século II, cujo
nome completo é desconhecido, sendo este seu prenome_ a catalogação das fontes das obrigações.
[...] Deve-se ao jurisconsulto GAIO o trabalho de sistematização da fontes das obrigações, desenvolvidas posteriormente na Institutas Xxxxxxxxxx, que seriam distribuídas em quatro categorias de causas de causas eficientes:
a) o contrato – compreendendo as convenções, as avenças firmadas entre duas partes;
b) o quase contrato – tratava-se de situações jurídicas assemelhadas aos contratos, atos humanos lícitos equiparáveis aos contratos como a gestão de negócios;
c) o delito – consistente no ilícito dolosamente cometido, causador de prejuízo para outrem;
d) o quase delito – consistente nos ilícitos em que o agente atuou culposamente, por meio de comportamento carregado de negligência, imprudência ou imperícia.
A partir dessa catalogação romana a sistematização jurídica do contrato tornou-se mais nítida, vez que o período clássico remonta a introdução do acordo contratual como contrato obrigacional. Dessa forma, frequentemente aponta-se para a Roma como o berço do surgimento do instituto contratual, no entanto, o fato de o Direito Romano ter sido a principal fonte histórica dos sistemas jurídicos ocidentais, tais como o contrato, não significa a pontual origem do seu surgimento.
Nesse diapasão é que Xxxxxxx Xxxxx (1999, p.6) cita Xxxxxxxx demonstrando que “[...] não é no direito romano que se deve buscar a origem histórica da categoria que hoje se denomina contrato”. O acordo de vontades que efetiva um vínculo jurídico só pode ser esclarecido diante da ideologia individualista do regime capitalista de produção.
Desse modo cada sociedade, dotada de produção jurídica, cada Escola doutrinária, contribuíram para a composição do conceito de contrato, bem como, suas figuras típicas. Além disso, devemos considerar inegável contribuição do movimento iluminista francês que com toda a sua conotação antropocêntrica trouxe à tona a vontade racional do homem que desencadeou, consequentemente, o pacta sun servanda (os pactos devem ser cumpridos).
Observando a evolução contratual no tempo e na sociedade Xxxxxxx Xxxx (2000, p.43) observou que:
[...] poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou com estruturas e escala de valores tão distintas quanto às
que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista.
Reflexos notáveis do desenvolvimento do contrato sob diversas formas podem-se observar ao longo da história, quando, por exemplo, a tendência individualista trouxe sérios desequilíbrios contratuais que foram contornados pelo dirigismo contratual no século XX (SCHREIBER, 2018 p. 397). O contrato sofreu várias transformações ao longo desse século, o incremento da atividade industrial, a avanço tecnológico, a adaptação das massas sociais, começaram a enfraquecer basilares da teoria clássica contratual.
Por isso, podemos afirmar que o matriz ideológico do contrato é desenhado de acordo com a época e sua conjectura social em que está inserido, sendo assim esse instituto jurídico é socialmente adaptável.
1.2 Natureza Jurídica
Quanto a natureza jurídica do contrato tomar-se-á como norte as duas correntes predominantes na doutrina, quais sejam a corrente objetivista, seguida por Xxxxxxx Xxxxx, e a corrente voluntarista, explicada pelos pioneiros Brinz e Xxxx (Stolze; PAMPLONA FILHO, 2018, P.42).
Conceitualmente viu-se que o contrato é uma espécie de negócio jurídico, fato que será de suma importância para que entendamos as divergências nas correntes doutrinárias. Para os adeptos da corrente objetivista, o negócio jurídico é um meio concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos jurídicos, com conteúdo normativo, consistindo em um poder privado de autocriar um ordenamento jurídico próprio.
Para os voluntaristas o negócio jurídico é a declaração de vontade dirigida à provocação de determinados efeitos jurídicos, o quais podem constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Essa é a corrente dominante no Direito Brasileiro, refletida pelo artigo 112 do Código Civil: Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que o sentido literal da linguagem.
Nesse contexto, entre os partidários da teoria da vontade e da teoria da declaração, ficou por se esclarecer se o que prevalece é a vontade interna ou a vontade declarada. Nesse sentido, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx afirmou o seguinte:
[...] a vontade deve ser manifestada, não tendo valor para o direito objetivo a que, posto que legitimamente formada, se não exteriorizou. Somente com a sua manifestação, o agente pode provocar a desejada reação jurídica e esta exteriorização, que torna visível a vontade e lhe dá existência objetiva, é o que nós chamamos declaração ou manifestação, sendo indiferente que se faça com palavras, gestos ou até com o simples silêncio. (Apud, GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2018, p. 42)
Por todo o exposto deve-se conceituar o negócio jurídico sob o prisma do critério estrutural como sendo todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia, impostos pela norma jurídica que sobre ela incide (AZEVEDO, 2002, p. 16).
1.4 Princípios Fundamentais do Direito Contratual
Os princípios tratam-se de ditames fundantes, superiores e informadores do conjunto de regras do Direito Positivo. O Direito contratual rege-se por diversos princípios, alguns tradicionais e outros modernos, compostos ao longo da evolução sociológica do instituto contratual. Os mais importantes, segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p.40) são os: da autonomia de vontade, da supremacia da ordem pública, do consensualismo, da relatividade dos efeitos da obrigatoriedade, da revisão ou da onerosidade excessiva e da boa-fé, os quais veremos a seguir.
1.4.1 Princípio da autonomia da vontade
Esse princípio teve seu apogeu após a Revolução Francesa (GOLÇALVES, 2018), em que a pregação de liberdade em todos os campos, inclusive o contratual, e a predominância do individualismo incidia sob a sociedade do século XIX. No entanto, é desde o direito romano que as pessoas têm a liberdade de contratação, podendo escolher se querem contratar, o que querem e de quem
querem, ou seja, já era possível estabelecer com quem fazer e o conteúdo do contrato.
O princípio da autonomia da vontade tem como basilar exatamente essa liberdade contratual, preceituando o poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. As partes podem celebrar ou não um contrato, sem a interferência do estado.
No século XIX, tal princípio foi sacramentado no artigo 1.134 do Código Civil francês que dizia que “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram”. No Direito Civil brasileiro, a liberdade contratual é prevista no art. 421 do Código Civil que estabelece ser “lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas no Código (GONÇALVES, 2018, p.41).
O contrato atípico é o que resulta de um acordo de vontades sem, no entanto, ter regulamentação no ordenamento jurídico, visam a priori atender às necessidades dos contratantes. Tal pacto tem validade, desde que as partes sejam capazes e o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável e suscetível de apreciação econômica, ou seja, devem repousar sobre os requisitos de validade subjetivos e objetivos, já mencionados no ponto 1.1 deste capítulo.
O incremento tecnológico, as guerras e revoluções redesenharam o individualismo liberal, tão presente nos contratos atípicos, e cedeu lugar ao intervencionismo do Estado, ingerência estatal denominada como “dirigismo contratual”. Com isso, a liberdade de contratar acabou por esbarrar em limitações, em três aspectos (SCHREIBER, 2018, p. 402), revelando não ser absoluta.
Seguindo o pensamento de Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p.42) discorre sobre três dessas limitações à liberdade de contratar:
[...] a faculdade de contratar ou de não contratar (de contratar se quiser) mostra-se, atualmente, relativa, pois a vida em sociedade obriga as pessoas a realizar, frequentemente, contratos de toda as espécies, como o de transporte, de compra de alimentos, de aquisição de jornais, de fornecimento de bens e serviços públicos (energia elétrica, água, telefone, etc.). O licenciamento de um veículo, por exemplo, é condicionado à celebração do seguro obrigatório.[..] também a liberdade de escolha do outro contraente
(de contratar quem quiser), sofre, hoje, restrições, como nos casos de serviços públicos sob o regime de monopólios e nos contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor.
E, em terceiro lugar o poder de estabelecer o conteúdo do contrato (de contratar o que quiser) sofre também, hodiernamente, limitações determinadas pelas cláusulas gerais, especialmente as que tratam da função social do contrato e da boa-fé objetiva, do Código de Defesa do Consumidor, e, principalmente, pelas exigências da supremacia da ordem pública [...]
Com base na descrição e críticas do referido autor, podemos perceber o quanto o princípio da autonomia de vontade, que outrora era um basilar da doutrina clássica dos contratos, encontra-se relativizado.
1.4.2 Princípio da supremacia da ordem pública
O princípio da supremacia da ordem pública é aquele que proíbe estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes e não podem ser derrogados pelas partes. A liberdade contratual sempre encontrou limitações na ordem pública, prevalecendo o entendimento que o interesse da sociedade se sobressai ao interesse individual. Segundo Xxxxx Xxxxxxxxx (2002, p.16):
[...] a ideia de ordem pública é constituída por aquele conjunto de interesses jurídicos e morais que incumbe à sociedade preservar. Por conseguinte, os princípios de ordem pública não podem ser alterados por convenção entre os particulares.
O Código Civil francês dispõe em seu artigo 6º (apud: XXXXXXXXX, 2018, p.44) que “não se pode derrogar, por convenções particulares, as leis que interessam à ordem pública”. Nesse sentido o Código Civil brasileiro, proclama, no parágrafo único do artigo 2.035: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. Além disso, a ordem pública é também uma cláusula geral, disposta no artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
O exercício do direito também deve ser ordenado pelos bons costumes, conceito que decorre dos padrões de convivência e conduta social, estabelecidos
por sentimentos morais de uma época. Portanto, em suma, a noção de ordem pública somada aos bons costumes, constituem freios limitadores à liberdade contratual.
1.4.3 Princípio do Consensualismo
Em contrário modo dos tempos primitivos que se caracterizou pelo simbolismo e formalismo (STOLZE, PAMPLONA FILHO, 2018, p. 45) o princípio do consensualismo, decorrente da moderna concepção, afirma que para o aperfeiçoamento do contrato basta o acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa. Desse modo, de forma sucinta, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx concluiu:
[...]Os contratos são, em regra, consensuais. Alguns, no entanto, são reais, aqueles que somente se aperfeiçoam pela entrega do objeto, subsequente ao acordo de vontades, por exemplo, o contrato de depósito, os de comodato ou mútuo.
Há que se falar, por fim, que em algumas doutrinas há a junção ou a equiparação do princípio do consensualismo com o princípio da autonomia de vontades. Bem como há autores, como Xxxxxxx Xxxxx, que fazem essa distinção (2001, p. 22-36)
1.4.4 Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos
Com grande coerência ao modelo clássico de contrato (GONÇALVES, 2018, p.47), que visava exclusivamente a satisfação das necessidades individuais das partes, o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos parte a ideia da regra geral, ou seja, os efeitos dos contratos só se produzem em relação às partes, àqueles que manifestaram a sua vontade, vinculando-os ao seu conteúdo, não afetando terceiros.
O atual Código Civil brasileiro, no entanto, deixou de conceber o contrato apenas como instrumento de satisfação pessoal dos contratantes, mas passou a reconhecer diante dele uma função social. É assim que passou a existir a possibilidade de terceiros que não são propriamente parte em influírem no contrato em razão de por ele serem afetados direta ou indiretamente. Exemplos dessa
situação são os contratos com a pessoa a declarar e a estipulação em favor de terceiros, previsto na referida lei.
Nesse diapasão, o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos sofreu um abrandamento, primeiro, pelo reconhecimento de cláusulas gerais que contém matéria de ordem pública, e depois, pela nova concepção da função social do contrato, os quais deixam de proteger unicamente os direitos individuais das partes e passam a tutelar o interesse coletivo em detrimento da exclusividade do interesse dos contratantes.
1.4.5 Princípio da Força Obrigatória dos Contratos
O princípio da força obrigatória dos contratos também pode ser nominado como princípio da força vinculante dos contratos ou princípio da intangibilidade dos contratos, classicamente o pacta sun servanda e significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada pelas partes na constituição do acordo.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p.48), o referido princípio repousa sobre dois fundamentos.
[...] a) a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir a palavra empenhada, gerando a balbúrdia e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo entre as partes faz lei, personificada pela máxima pacta sun servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterada nem pelo juiz.
Desse modo, de nada xxxxxxx o negócio, se o acordo firmado entre os contratantes não tivesse força obrigatória, seriam meras intenções protocoladas, sem, no entanto, ter validade jurídica.
Como estabelecido anteriormente, os contratos são resultado da conjectura social e as transformações ocorridas ao longo dos séculos trouxe limitações a esse princípio, a exemplo a teoria da imprevisão, consignada no art. 393 e parágrafo único do Código Civil (BRASIL,2002):
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Por meio da teoria da imprevisão ou teoria da onerosidade excessiva, quer-se evitar o empobrecimento injustificado da parte contratante, assim, uma vez configurados os pressupostos da teoria, a parte poderá ingressar pleiteando a revisão ou a resolução do contrato.
Evidencia-se dessa forma, mais um princípio que foi relativizado, mesmo que ainda subsista, na medida em que deve incidir nas condições econômicas de execução, por razão de justiça, há a flexibilização da obrigatoriedade.
1.4.6 Princípio da boa-fé e da probidade
O princípio da boa-fé e probidade são preceitos expressos dispostos no artigo 422 do Código Civil que diz que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Conceituando o referido princípio, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p. 405) diz que “a boa-fé consiste em cláusula geral que impõe a adoção de comportamento compatível com a mútua lealdade e confiança nas relações jurídicas”.
No que tange a probidade, mencionada no retrotranscrito artigo 422, segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p.54):
[...] nada mais é senão um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, podendo ser entendida como honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que não são atribuídos ou cometidos à pessoa. Ao mencioná-la teve o legislador mais a intenção de reforçar a necessidade de atender ao aspecto objetivo da boa-fé do que estabelecer um novo conceito.
O princípio da boa-fé se divide em boa-fé objetiva, denominada também concepção ética e boa-fé subjetiva, chamada de concepção psicológica da boa-fé. A respeito da diferença entre ambas arremataram Xxxxx Xxxxxx e Pamplona Filho (2018, p. 88-89):
[...] Esta última consiste em uma situação psicológica, um estado de ânimo ou de espírito ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada situação, sem ter ciência do vício que a inquina. [...]. Distingue-se, portanto da boa-fé objetiva, a qual, tendo natureza de princípio jurídico – delineado em conceito jurídico indeterminado –, consiste em uma verdadeira regra de comportamento, de fundo ético e exigibilidade jurídica.
Dessa forma é que o princípio deve nortear-se diante dos contratantes, mesmo em fase de puntuação, até à celebração e o cumprimento da obrigação, sob pena de responsabilização civil.
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CAPÍTULO II – CONTRATO DE ADESÃO
Para Xxxxx Xxxx (2018, p.127) o contrato de adesão pode ser concebido como “o contrato que, ao ser concluído, adere a condições gerais predispostas ou utilizadas por uma das partes, que passam a produzir efeitos independentemente de aceitação da outra. Ou simplesmente: o contrato que adere condições gerais”.
2.1 Origem
A concepção de contrato como instrumento por meio do qual as partes estão livres para negociar nem sempre teve essa denotação ao longo da história da humanidade. Durante alguma parte história o homem que não pertencia a nobreza e ao clero não podia dispor livremente dos seus bens (CERQUEIRA, online, 2001).
De acordo com Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx (online,2001) foi só com a Revolução Francesa que o indivíduo e a sua vontade ganhou força frente ao Estado. O liberalismo deu funcionamento ao Estado Moderno cuja intervenção é mínima e suas instituições tendem a considerar ao individualismo, o homem no centro das relações sociais.
Por meio do Código Civil Frances, em 1804, que o contrato passou a ser visto sob novas nuances, os ideais de liberdade e de igualdade. Assim, as pessoas poderiam contratar e serem contratadas livremente na essência mais simples do contrato. Diante desses ideais vale considerar o que observou Dantas:
[...] a liberdade e a igualdade formais, asseguradas pela lei, serviram de fundamento para dois dos mais importantes princípios contratuais: o princípio da autonomia de vontade e o da força obrigatória dos contratos (DANTAS, 2007, p.10)
Em decorrência da história o contrato sofreu outras modificações, dadas com o advento da Revolução industrial, que levou os contratos a sofrerem profundas mudanças em relação ao que era adotado no século XVIII. Como observou Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx:
[...] enquanto no século XVIII, por influência dos ideais revolucionários franceses, presumia-se um perfeito equilíbrio de forças dos contratantes, daí serem os contratos paritários, com profundas mudanças sociais e a criação da sociedade de massas, o direito reconheceu que a estrutura clássica do contrato havia ruído irremediavelmente (2011, p.39).
Todos os avanços tecnológicos, medicinais e a produção industrial em larga escala transformaram a sociedade e o mercado de tal forma que as relações jurídicas se multiplicaram geometricamente. Várias manifestações culturais com a indústria da comunicação levaram à necessidade da instalação de instrumentos que atingissem uma grande escala.
O maior reflexo dos efeitos da cultura de massa sobre o direito foi a construção de uma nova estrutura para os contratos, a qual prescindiu da paridade entre as partes passando para a generalidade. É nesse cenário que se instala a necessidade da contratação em standard e as figuras do ofertante e do aderente a fim de atende de forma rápida um grande número de pessoas, surge o contrato de adesão.
2.2 Surgimento no Brasil
Segundo Xxxxxx Xxxxxx (2001), o contrato de adesão foi, primeiramente, assim denominado por Xxxxxxx Xxxxxxxxx, jurista francês, no ano de 1901, quando adveio a chamada massificação das relações contratuais, considerando-se uma das maiores repercussões no mundo jurídico.
Dessa forma, a repercussão alcançou o Brasil, de forma que as relações contratuais estabelecidas na sociedade que também passou a apropriar-se das características do contrato de adesão.
O termo “contrato de adesão” foi trazido no país pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 54, sendo posteriormente reafirmado no Código Civil de 2002, em seus artigos 423 e 424.
No Código Civil, esses dispositivos impõem uma proteção maior à parte hipossuficiente da relação contratual, ou seja, ao aderente. Prescrevendo que se houver cláusulas ambíguas ou contraditórias, deverá ser adotada interpretação mais favorável ao aderente. Outrossim, as cláusulas que determinam a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da própria natureza do contrato serão tidas como nulas. Já no Já o Código de Defesa do Consumidor o que aparece é o conceito e a estipulação da forma que em que se dará o vínculo contratual.
2.3 Conceito
O contrato de adesão consiste na elaboração unilateral por um dos contratantes, cabendo ao chamado aderente, a aceitação em bloco de seu conteúdo. O aderente não tem a oportunidade de discutir ou negociar as cláusulas do contrato, podendo apenas aceita-lo ou rejeitá-lo no todo. Nesse sentido Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx observou o seguinte:
[...] Devido a preponderância da vontade de um dos contrates, que elabora todas as cláusulas, o outro adere ao modelo de contrato previamente confeccionado, não podendo modifica-las: aceita-as ou rejeita-as, de forma pura e simples, e em bloco, afastada qualquer alternativa de discussão [...] (2018, p.100).
A frequente utilização dessa modalidade contratual deu-se em cenários de contratação em massa, no qual um dos contratantes tem interesse em uniformizar as suas relações contratuais por meio de um instrumento contratual padronizado, sendo que o mesmo é quem detém o poder econômico ou estratégico necessário para impor o seu instrumento contratual ao outro contratante de modo rígido e unilateral.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, verificou que “no passado, chegou-se a discutir se o contrato de xxxxxx representava efetivamente um contrato, na medida em que aderir não é o mesmo que acordar” (2018, p. 428), no entanto, resta evidente que o contrato de adesão apresenta contornos que não se ajustam à definição clássica de contrato. Essa espécie contratual, surgida com a expansão da indústria e do capitalismo, suscita debates acerca cláusulas pré-constituídas por uma das partes e sua aceitação pela contraparte.
2. 4 Natureza Jurídica
Quanto a natureza jurídica do contrato de adesão tem-se duas teorias. A primeira diz que é um negócio unilateral; quem defende esta ideia baseia-se no motivo de que não existe liberdade contratual as cláusulas são impostas por uma das partes, já a segunda teoria afirma que a natureza jurídica é contratual, por sua manifestação de vontade, esta é a teoria dominante na doutrina e nos tribunais.
Xxxxx Xxxx, que conceitua o contrato de adesão como aquele que adere às condições gerais e pondera dizendo que a natureza jurídica dessa modalidade contratual é um fator em discussão:
[...]a natureza das condições gerais dos contratos é um dos problemas mais inconclusos da teoria do direito. Não são normas jurídicas gerais, nem meros atos-fatos jurídicos. Não se confundem com os negócios jurídicos bilaterais (contratos de adesão), que serão destinatários de sua integração, porque lhes antecedem [...] (2018, p.120).
A “subordinação” do aderente às cláusulas pré-estabelecidas pelo contratante, faz com que o contrato de adesão seja uma forma peculiar de contratação muito criticada por alguns autores, porém instrumento de extrema proficuidade para a comercialização em massa. E, em geral, na doutrina dominante já não permanece dúvida alguma acerca do reconhecimento de sua natureza contratual.
2.5 Características
Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2012, p.108) o contrato de adesão supõe algumas características que o delimita e diferencia dos demais contratos, entre elas estão a uniformidade, a predeterminação e a rigidez. Vale ressaltar que há doutrinadores, tais como Fiuza e Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Lisboa, que incluem outras características ao contrato de adesão, como a abstração contratual. Para o último, a abstração é a circulação em massa dos formulários de cláusulas predispostas gerais “cuja concretização depende da convergência de declarações, pois sem isso, a preelaboração não passa de mera minuta unilateral” (LISBOA, 2000, p.158).
2.5.1 Uniformidade
Esta é a característica mais preponderante do contrato de adesão e o que o diferencia dos demais contratos. Consiste em “uma exigência imprescindível, pois, se o ofertante pretende obter número indeterminado de aderentes para que haja aceitação passiva, será preciso que o conteúdo do contrato seja invariável” (DINIZ, 2012, p.108).
Nesse sentido, a uniformidade caminha lado a lado com a massificação, uma vez que essa compreende-se na elaboração de um conteúdo geral para o contrato, de tal sorte que colocado à disposição do público em geral, aquele que tiver interesse, possa aderir ao ajuste, tal qual a característica da uniformidade.
2.5.2 Predeterminação
Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx (2002, p.74) denominaram de “predisposição” as cláusulas que devem ser previamente elaboradas pelo proponente e colocadas à disposição do público para que tempo futuro resultar em relações concretas. Os autores ressaltaram que:
[...]enquanto estão só no âmbito particular do predisponente, embora já tenham existência fática, não têm existência jurídica. Mas postas ao conhecimento do público, passam a ter relevância para o Direito[...]
Há de se considerar neste ponto a caracterização de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2012, p.109), no sentido em que a doutrinadora diz que a predeterminação unilateral é também uma das características identificadoras intrínsecas ao contrato de adesão. Sem essas cláusulas determinadas unicamente pelo contratante ter-se- ia um contrato paritário.
2.5.3 Rigidez
Ainda sob o prisma de uma característica identificadora do contrato de adesão, a rigidez das condições gerais está diretamente ligada à uniformidade:
[...] as suas cláusulas deverão ser rígidas, porque deverão ser uniformes; portanto, o ofertante não poderá alterar o teor da policitação senão precedendo-o de ampla divulgação ou aprovação das autoridades [...] (XXXXX, 2012, p.109).
Por essa característica é que a aderente aceita ou rejeita o predisposto nas cláusulas, no todo. A rigidez garante que as cláusulas não possam sofrer alterações, sob pena de desconfigurar a finalidade precípua do contrato.
Vale salientar, que o Código de Defesa do Consumidor assegura, em seu artigo 54 §1º, a inserção de cláusula no formulário. Tal fato não desconfigura a natureza de contrato de adesão, vez que a maior parte do seu conteúdo permanece formada unilateralmente pelo proponente.
2.6 A massificação contratual
O direito acompanha a sociedade. Sabe-se que ao longo dos anos são inúmeras as mutações do direito em todas as suas matérias, no ramo penal, por exemplo, a autocomposição deixou de existir e deu-se ao Estado a tutela de sancionar condutas socialmente reprováveis; no direito de família passou a considerar as novas formações familiares da atualidade. São inúmeras mutações, as quais também alcança o direito contratual. O modelo pragmático do liberalismo na composição de interesse em igualdade de condições teve seu espaço reduzido substancialmente, em razão da massificação contratual e da crescente concentração de capital.
Xxxxx Xxxx (2018, p.118) considera que “as massas são conjuntos humanos nos quais o homem se revela como um ser anônimo e despersonalizado”. Hoje, não há a identificação dos sujeitos na relação contratual e os contratos aos quais as pessoas mais se vinculam estão submetidos a condições gerais predispostas por uma das partes, inalteráveis pelos destinatários, que acabam por submeter milhares de pessoas.
O contrato de adesão, que no ano de 2012 (p.382) foi destacado por Xxxxxx como aquele que “se dirige à contratação em massa, o qual dificilmente seria imaginado fora do âmbito do consumidor”, hoje é uma das mais amplas formas de contratação:
[...] os contratos de adesão atravessam toda a vasta área contratual da circulação de bens e da prestação de serviços, constituindo, em setores relevantes (bancário, de seguros, de fornecimento de bens duradouros etc.), a forma largamente dominante, quase exclusiva, da contratação” (LÔBO, 2018, p.119).
Diferente de Venosa, para Lôbo as condições gerais, formadoras do contrato de adesão, ultrapassam os limites do direito de consumidor, visto que nem todos os aderentes são consumidores. Para isso o autor pontuou a hipótese da franquia (2018, p.125), a qual, o aderente dificilmente enquadra-se como consumidor já que o direito brasileiro não inclui nesta tutela específica os consumidores intermediários, salvo o disposto no artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
É sob uma perspectiva social massificada que as condutas para a contratação se tornaram mais simplificadas, não há mais que se discutir cláusula por cláusula e os contratos podem ser aceitos por um “click”.
Vale ressaltar que tanto as características identificadoras do contrato de adesão, quanto a massificação dos contratos levam a modalidade em estudo a um ponto chave: as condições gerais. A uniformidade, predeterminação e rigidez discorrem a respeito das propriedades das condições gerais necessárias à formação do contrato de adesão. Nesse ponto devemos considerar o conceito de Xxxxx Xxxx (2018, p.120) em atenção aos grifos, diretamente ligados à classificação de características substanciais do contrato de adesão:
[...] as condições gerais podem ser entendidas como regulação contratual predisposta unilateralmente e destinada a se integrar de modo uniforme, compulsório e inalterável a cada contrato de adesão, que vier a ser concluído entre o predisponente e o respectivo aderente (LÔBO, 1991, p.24).
Além de estarem presentes no contrato de adesão, as cláusulas gerais são pertinentes aos contratos necessários ou obrigatórios, tal qual o seguro obrigatório de licenciamento de veículo, nos quais a vontade é totalmente dispensada.
2.6.1 Objeto do contrato de massa
A relação jurídica diante dos contratos de massa não é diferente das demais. Pode-se ter relações contratuais para que sejam adquiridos tanto objetos de cunho imediato, quanto de cunho mediato. Os primeiros consignados ao ato de realizar a prestação do que foi acordado, por exemplo, a entregada da coisa, o
pagamento do preço. Os últimos estão relacionados a bens como a vida, a coisa, o produto, o serviço.
Nos contratos de adesão é corriqueira a associação direta das relações de consumo a essa modalidade contratual, no entanto, o contrato de adesão tem propagação no âmbito civil, cultural, administrativo.
2.6.2 O vínculo jurídico no contrato de massa
A doutrina costuma dividir a formação dos contratos em três etapas: negociações preliminares, fase de policitação e aceitação.
A primeira, negociações preliminares, é uma fase prescindível e dispensável, isto é, não é uma fase obrigatória à formação de um contrato válido. Nesta primeira fase as partes discutem as condições do contrato. É uma fase em que as propostas feitas não vinculam as partes, tendo em vista que estão apenas delimitando a sua vontade para, eventualmente, a formação de um contrato futuro.
A policitação, contraria às negociações preliminares, vincula as partes pois presume-se que ouve entre elas um consenso exprimido pelo acordo de duas ou mais vontade. A policitação ou oferta, é nos termos de Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx:
[...] a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa com a qual se pretende alguém celebrar um contrato; é uma iniciativa que provém de um dos eventuais contratantes, certa e inequívoca, tendente diretamente à conclusão do contrato (XXXXXXXX, 2005, p.168).
Por fim a aceitação, que é a concordância da proposta que precisa ser eficaz e chegar ao conhecimento do proponente de forma expressa ou tácita. No contrato de adesão a aceitação deve ocorrer de forma integral. Isso porque, o contrato de adesão prescinde de fase preliminar em que ambas as partes discutem os termos do negócio.
O contrato de adesão, portanto, passa somente pela fase de policitação e aceitação, as quais carregam suas peculiaridades_ só o proponente formula as cláusulas e o aderente as aceita ou recusa no todo. Assim, é necessário que o vínculo jurídico entre as partes nesse tipo de contrato seja pautado sob um equilíbrio econômico e permeado de boa-fé. Além disso, as partes devem observar o dever de
informação, o dever de lealdade, o dever de segurança e o dever de cooperação para que não haja lesão ao direito do aderente.
23
CAPÍTULO III – POSIBILIDADE DE REVISÃO
3. 1 – Considerações preliminares
Com a evolução das relações sociais e o surgimento do consumo em massa, bem como a concentração de capital econômico, os princípios tradicionais da nossa legislação já não eram suficientes para reger as relações humanas sob determinados aspectos. Diante da necessidade de restabelecer o equilíbrio das relações contratuais é que surgiu o Código Defesa do Consumidor, bem como as inovações trazidas pelo atual Código Civil.
Entre os temas tratados nesses dispositivos é de suma importância aquele que tange a revisão judicial dos contratos, isso porque, muitas vezes, as questões levadas à discussão no âmbito de poder judiciário costumavam envolver apenas a possibilidade de rever um determinado contrato.
Com as alterações sofridas no âmbito jurídico e sociológico o Estado editou normas com finalidade de proteger o interesse dos economicamente mais fracos e o contrato deve cumprir, atualmente, uma função social. Nesse sentido observa Xxxxx Xxxx falando das transformações resultantes da teoria contemporânea do contrato:
[...] A experiência que mais avança nessa área é a dos direitos do consumidor. A relação contratual de consumo, transcendendo o interesse dos figurantes, está provocando uma das mais profundas transformações do direito contratual, principalmente a partir da última década do século XX. Nesses casos, a teoria clássica do contrato foi
superada, não por modismo, mas porque seus pressupostos são distintos e inadequados. (LÔBO, 2018, p.19)
Resultando dessas transformações é que se deu lugar a uma das formas de intervenção estatal, a revisão do contrato. Assim, quando houver um desequilíbrio, de tal sorte que se uma das partes estiver sofrendo um prejuízo em virtude da desproporção das prestações contratuais, poderá pleitear que seja revisto o contrato e restabelecido o equilíbrio inicial.
Diante do relevante papel social é que se verá nesse estudo a revisão judicial dos contratos diante, justamente, desses que são um dos meios mais propagados de contratação, qual seja, o contrato de adesão. É importante abordar esse estudo tendo como parâmetro tanto o Código Civil como o Código de Defesa do consumidor.
3.2 - Cláusula rebus sic stantibus
Para Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p.477) a origem de todas as teorias modernas situa-se na cláusula rebus sic stantibus, uma expressão em latim que pode ser traduzida como “estando assim as coisas”. De forma geral, esta cláusula significa que situações ou obrigações terão validade enquanto a situação que deu origem a elas se mantiver. Esta cláusula é uma exceção à regra geral que determina o cumprimento dos contratos (pacta sunt servanda). Para determinar qual situação esta cláusula deve ser aplicada, Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx aponta os seguintes requisitos:
[...] em primeiro lugar, devem ocorrer, acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Há sempre uma gradação, na prática, em torno da compreensão desses fatos. No direito do consumidor, mais leve têm se mostrado esses requisitos. Como examinamos, tais acontecimentos não podem ser exclusivamente subjetivos. Devem atingir uma camada mais ou menos ampla da sociedade. (VENOSA, 2012, p. 462).
O supracitado autor menciona que a origem da cláusula se deu no século XVII, a leitura racionalista do direito conduziu a consagração do pacta sunt servanda, no entanto, a partir da segunda metade do século XIX a cláusula rebus sic stantibus é retomada e teorias com o fim de aperfeiçoá-la e dar solução ao problema
das alterações supervenientes a formação do contrato para fundamentar sua resolução ou a revisão.
A cláusula servir para construções engenhosas de equidade contratual, tais como a teoria da imprevisão, a teoria da resolução por onerosidade excessiva, a teoria da pressuposição, a teoria da base objetiva do negócio, sendo esta última a que mais influenciou a dogmática jurídica nas últimas décadas. Todas essas formulações têm e comum a preservação da equidade ou do equilíbrio contratual e a vedação do enriquecimento sem causa.
3.2.1 - Teoria da imprevisão
De acordo com Xxxxx Xxxx (2018, p. 200-204), a teoria da imprevisão se popularizou entre os juristas brasileiros especialmente após a monografia de Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx intitulada “Caso fortuito e teoria da imprevisão”, de 1958, com repercussão no Código Civil de 2002. Lôbo, ainda observou que:
[...] Curiosamente, a teoria da imprevisão nasceu no âmbito dos contratos administrativos, a partir da decisão do Conselho de Estado da França, no caso Gaz de Boudeoux, de 1916, que admitiu a revisão do contrato a fim de restabelecer o equilíbrio financeiro, afetado pela guerra, e evitar a interrupção do serviço público. Mas a Corte de Cassação francesa não a admitiu no âmbito dos contratos privados, malgrado ciclones econômicos e as guerras mundiais, por ausência de previsão expressa no Código Civil (LÔBO, 2018, p. 202).
A sua difusão no Brasil trouxe um forte componente restritivo, qual seja a limitação da cláusula rebus sic stantibus, isso porque há a imposição de requisitos impedientes para a sua ampla aplicação, sendo eles: a excepcionalidade e a imprevisibilidade. O primeiro requisito “afasta situações consideradas ordinárias ou comuns nas relações contratuais duradouras” (LÔBO, 2018, p.202), sendo, dessa forma, impossível confundir com a rebus sic stantibus, que encerra objetivamente a equidade e o equilíbrio contratual, com a teoria da imprevisão.
O Código de Defesa do Consumidor, contrariamente ao Código Civil, utiliza formas abertas que ultrapassam os limites da teoria da imprevisão, estão elas elencadas no art. 6º, II e art. 51, §1º, II (igualdade ou equilíbrio contratual); art. 6º, V (prestações desproporcionais); art. 6º, V (onerosidade excessiva ou desvantagem
exagerada) e art. 51, §4º (justo equilíbrio de direitos e obrigações). Dessa forma, não há qualquer referência a imprevisão ou excepcionalidade no CDC, o que existe é a clara adoção do conceito de base negocial objetiva.
3.2.2 – Teoria da base negocial
Para Xxxxx Xxxx (2018, p.201) na teoria da base negocial objetiva “só se considera o conjunto de circunstâncias cuja existência ou permanência é tida como pressuposto do contrato”. Nesse sentido Xxxx Xxxxxx explica:
[...] as circunstâncias e estado geral das coisas cujas existências ou subsistências são objetivamente necessárias para que o contrato subsista, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, como regulamentação datada de sentido. E esta não subsiste quando: a) a relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação se destruiu em tal medida que não se pode falar racionalmente em “contraprestação”; b) a finalidade objetiva do contrato, expressada no seu conteúdo, resultou inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja possível. (LARENZ, 1956, p. 170).
Nessa teoria interessa apenas a existência objetiva do desiquilíbrio contratual que pode derivar tanto da celebração do contrato quando de causas supervenientes.
3.3 - A revisão contratual no Código Civil
Embora normalmente o contrato de adesão esteja ligado às relações de consumo, há negócios jurídicos que não tem essa característica. Por essa razão o legislador reservou alguns de seus dispositivos no Código Civil.
O Código Civil estabeleceu algumas regras de interpretação ao contrato de adesão. Elas estão dispostas nos artigos 423 e 424 do referido Código. A primeira regra informa que quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Para esclarecer o que seriam as cláusulas ambíguas e a contradição Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx exemplifica:
[...] será ambígua a cláusula que da sua interpretação gramatical for possível a extração de mais de um sentido, como, por exemplo, o
prestador de serviços que se compromete a trocar dois pneus de dois carros; há ambiguidade na medida em que não é possível determinar se a troca versa sobre dois pneus de casa carro, ou seja, quatro pneus, ou um pneu em cada um dos dois carros, totalizando dois pneus. De outro lado há contradição se o conteúdo das cláusulas foi inconciliável, tal como dispor que o mútuo é celebrado sem vantagens para o mutuante e estabelecer cobrança de juros. (XXXXXXXXX, 2018, p.71).
A segunda regra de interpretação, disposta no artigo 424 proclama que nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Nesse dispositivo, as condições gerais consagram o princípio da equivalência dos poderes contratuais, mediante o favorecimento do aderente e em detrimento àquele que predispôs as cláusulas contratuais.
De forma geral, a matéria de revisão contratual pode ser encontrada no Código Civil em seus artigos 317 e 418. O primeiro artigo trata da revisão por fato superveniente e o segundo, trata-se de um dispositivo, que pode ser utilizado na revisão, mas que é próprio da extinção dos contratos.
A possibilidade de revisão nesse Código divide-se doutrinariamente em duas correntes denominadas teoria da imprevisão e teoria da onerosidade excessiva. Xxxxxx Xxxxxxx (2018, p. 704) esclarece que a primeira corrente afirma que o atual Código Civil consagrou a teoria da imprevisão pois na jurisprudência parece ser majoritária a possibilidade de revisão por fato superveniente. Já a segunda corrente a teoria da onerosidade excessiva é a adotada pelo Código Civil uma vez que o artigo 418 da referida lei equivale ao artigo 1.417 do Código Italiano. Xxxxxx, tentou sintetizar, nesse sentido, quando seria possível a aplicabilidade de uma intervenção judicial a fim de revisar um contrato, para tanto, o autor observou:
[...] a possibilidade de intervenção judicial no contrato ocorrerá quando um elemento inusitado e surpreendente, uma circunstância nova, surja no curso do contrato, colocando em situação de extrema dificuldade um dos contratantes, isto é, ocasionando um excessiva onerosidade em sua prestação. O que se leva em canta, como se percebe, é a onerosidade superveniente [...] (VENOSA, 2012, p.458).
Para resolver essa questão técnica Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx diz que apesar de ser um tema muito controvertido e não tendo ainda chegado a uma conclusão, há de se considerar o que a lei brasileira traz em seu artigo 317, o que
afasta qualquer discussão acadêmica quanto à teoria adotada, pois este artigo afasta qualquer correspondência a uma codificação estrangeira. É nesse sentido que ele observa:
[...] a lei traz o art. 317, dispositivo que cuida mais adequadamente da matéria e não tem correspondente naquela codificação estrangeira. Essa é a fundamental diferença entre os sistemas. A partir dessas constatações, entendemos ser interessante, dizer que, até afastando qualquer discussão acadêmica mais profunda quanto à teoria adotada, o Código Civil de 2002 consagra a revisão contratual por fato superveniente diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva (XXXXXXXXX, 2018, p.705).
Na perspectiva do supracitado autor deve-se considerar ainda que no âmbito do Direito Civil, apesar da referência a imprevisibilidade em seus artigos 317 e 478, o legislador exonerou os contratantes da necessidade de produzirem provas acerca da ocorrência de fatos imprevisíveis quando houver o manifesto desequilíbrio contratual em virtude da onerosidade excessiva.
É importante assinalar que esses dispositivos do Código Civil representam uma atenuação do princípio do pacta sunt senvanda. Os contratos, evidentemente, devem ser cumpridos, no entanto, todas as vezes que a exigência de seu cumprimento implicar em uma situação de disformidade entre as partes, deverá o juiz interferir na relação para restabelecer o equilíbrio.
3.4 – A revisão do contrato de adesão no Código de Defesa do Consumidor
A noção de contrato, como expressão de liberdade contratual ou da autonomia privada, foi desenvolvida no contexto histórico preciso do Estado moderno, mais precisamente na fase do Estado liberal. A teoria tradicional do contrat0 estava vinculada a livre e consciente manifestação de vontade dos figurantes, do modo mais amplo possível, com uma interferência mínima do legislador. Os únicos limites que admitiam uma intervenção judicial eram os bons costumes e a ordem pública.
Atualmente, os contratos de adesão viabilizam uma maior desenvoltura às relações contratuais. Inegavelmente contribuem profundamente para facilitar o tráfego negocial e reduzir o lapso temporal entre formação do conteúdo do contrato
da sua realização. Em observância a tal fato fez necessário a criação de um diploma legal que cuidasse desses contratos de modo mais específico, surgiu nesse contexto o Código de Defesa do Consumidor. Nesse ponto, preceitua Xxxxxx Xxxxxxx:
[...] como é notório, a Lei 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, constitui norma de ordem pública e de interesse social, pelo que conta do seu art. 1º, sendo também norma príncipiologica pela previsão expressa de proteção aos consumidores constante no Texto Maior, particularmente nos seus arts. 5º, XXXII e 170, III (TARTUCE, 2018, p.710).
A crescente incidência de contratos de adesão designou ao legislador a tarefa de regular ditames que tratassem desse tipo contratual. Desse modo, o Código de Defesa do Consumidor dedicou um de seus capítulos para tratar dos contratos de adesão. O conceito desse tipo de contrato é tratado no art. 54 da referida lei e seus parágrafos. O §1º permite a inserção de cláusula no formulário, sem que isso desfigure a natureza do contrato, em outras palavras, a constituição de nova cláusula às condições gerais pré-estabelecidas, não afasta a posição privilegiada do proponente. O §3º exige que os contratos de adesão sejam redigidos em termos claros e legíveis, de modo a facilitar a compreensão do consumidor, em complemento a isso, dispõe o §4º como as cláusulas devem ser redigidas. A respeito desse último parágrafo pontua Xxxxx Xxxx sobre a importância da constituição de cláusulas claras até para que o contrato possua eficácia:
[...] As condições gerais constantes, para que possam produzir efeitos, tem que ser cognoscíveis ao aderente, ou seja, têm de ser conhecidas e entendidas por ele. Consequentemente, ao direito do aderente à cognoscibilidade (o que pode ser conhecido) corresponde o dever do predisponente de informar, que é uma das grandes conquistas do direito na luta contra os abusos das condições gerais. (LÔBO, 2018, p. 130)
Já prevendo a necessidade revisão contratual, pelo descumprimento, por exemplo, da regra do §4º do artigo 54, o CDC estabeleceu em seu artigo 6º, inciso V que nos contratos de consumo há a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e a revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Em observância art. 6º do CDC, Xxxxx Xxxx (2018, p.188), divide a revisão contratual em dois tipos, a legal e a judicial. Para ele, a primeira modalidade diz respeito a própria declaração de vontade, “pois o contrato já nasceu
desequilibrado”, é a revisão de base negocial. O segundo tipo decorre de fatos externos “surgidos posteriormente à conclusão do contrato”, dessa forma, esta é a restauração da base negocial. Para a nulidade de um contrato, a cláusula ou a condição geral, a qual decorre o contrato de adesão, devem ser qualificadas como abusivas, assunto que será tratado mais adiante de maneira específica.
Ainda quanto ao art. 6º, é possível notar que não há menção à teoria da imprevisão, no Código de Defesa do Consumidor, a revisão dá-se pela simples onerosidade excessiva. Se houver um fato novo, superveniente, que gerou o desequilíbrio o consumidor já se tem respaldo para a possibilidade de revisão, a teoria adotada pelo Código é a denominada “teoria da base objetiva do negócio jurídico”. Para melhor entender no que consiste tal teoria, Xxxxxxxx Schreiber a conceitual dizendo:
[...] a base do negócio consistiria na representação mental de uma das partes no momento da conclusão do negócio jurídico, conhecida em sua totalidade e não rechaçada pela outra parte, ou a comum representação das diferentes partes sobre a existência ou surgimento de certas circunstâncias nas quais se baseia a vontade negocial [...] (XXXXXXXXX, 2018, p.479).
Nesse diapasão o CDC caminha de tal sorte que a razão da lei é a da uniformização do regime jurídico de proteção a qualquer contrato de consumo, uma vez que esses tipos de contratos se dão originalmente de maneira impessoal, assim, seja negociado ou de adesão a condições gerais há a preocupação com o equilíbrio das relações por meio da intervenção estatal.
3.5 - Liberdade contratual e as cláusulas abusivas
Os contratos caminharam lado a lado a evolução sociológica e jurídica da comunidade humana. Assim sendo, o contrato de adesão surgiu com uma necessidade de tornar mais rápidas as negociações e reduzir os custos. Ocorre que a iniciativa individual também foi reduzida. Ao legislador coube traçar limites à imposição das condições gerais. Diante desse modelo contemporâneo de contrato observa-se que a liberdade contratual encontra barreiras, não podendo ser considerada em sua totalidade, porque a sociedade não mais a permite. Xxxx Xxxxx a respeito desse paradoxo, concluiu que “a liberdade contratual destrói-se a si própria, determinando a sua própria negociação” (XXXXX, 1988, p.318).
Com a liberdade individual reduzida e a latente necessidade de consumo de produtos oferecidos somente por determinado fornecedor ou predisponente, se deu lugar ás chamadas cláusulas abusivas. A cerca delas Xxxxx Xxxx observou:
[...] Consideram-se abusivas as cláusulas de contrato de consumo ou as condições gerais dos contratos que atribuem vantagens excessivas ao fornecedor ou predisponente, acarretando em contrapartida demasiada onerosidade ao consumidor ou aderente e desarrazoado desequilíbrio das prestações (LÔBO, 2018, p.132).
Esse termo embora muito usado no âmbito do direito consumerista, inclusive em contrato que não se caracterizem como contrato de adesão, não é uma expressão pelo Código Civil, no entanto a nulidade prevista nessa lei muito se identifica às cláusulas abusivas. Ou fator de diferença entre o CC/2002 e o CDC é quanto a invalidade da cláusula abusiva a qual não possui a mesma natureza do ato em abuso do direito, de que trata o CC, art. 187. É a existência do poder contratual dominante, nos contratos de adesão, presumida pela lei, que converte uma cláusula em abusiva. Essa mesma cláusula, em um contrato comum livremente negociado, que presume a inexistência de poder negocial dominante, pode ser considerada válida.
O CDC e o CC/2002 adotaram modelos distintos para a identificação das cláusulas abusivas. O primeiro estabelece uma lista exemplificativa com modelos abertos para a apreciação do julgador. O segundo optou por um modelo de abertura explicito, conforme art. 424 (renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio) e implícito de cláusula abusiva consolidada no âmbito jurisprudencial. A exemplo desta, a Súmula 302 do STJ, que dispõe: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado” (BRASIL, ONLINE, 2004).
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p.488-489), em seu estudo sobre o desequilíbrio contratual superveniente no direito brasileiro pontou, tendo como parâmetro o artigo 478 do Código Civil, chamou de “extrema vantagem” o desequilíbrio diretamente ligado ao enriquecimento sem causa. O autor considera nesse ponto o Enunciado n.365, o qual demonstra o seguinte teor:
[...] A extrema vantagem do art.478 do Código Civil deve ser interpretada como um elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do
negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena. (SCHREIBER, 2018, p.489)
As cláusulas abusivas ganharam o grau mais elevado de invalidade, pois geram a nulidade do contrato, no entanto, pela adoção do princípio da conservação do negócio jurídico é possível a nulidade parcial de uma cláusula ou de um contrato.
33
CONCLUSÃO
Com o presente trabalho observa-se que a evolução histórica contratual trouxe ao ordenamento jurídico novos meios de contratação, entre eles, o contrato de adesão, o qual foi criado para suprir a necessidade de situações negociais homogêneas e numerosas.
Embora não seja possível fixar uma data específica para o surgimento do contrato, deve-se considerar a contribuição da sociedade, dotada de produção jurídica, para a composição de inúmeras formas contratuais confundidas com sua própria evolução moral.
O contrato de xxxxxx teve seu surgimento apregoado ao declínio da essência da liberdade e igualdade, temas oriundos da Revolução Francesa, que deram ao Estado Moderno um funcionamento de intervenção mínima, o qual considerava o homem como o centro das relações sociais. Assim, com o advento da revolução industrial e os avanços tecnológicos trazidos por ela, mais uma vez, as modificações sociais refletiram nas formas de contratação, o que prescindiu da paridade entre as partes para a generalidade, dado o relevante aumento das relações jurídicas.
O contrato de adesão é aquele criado para suprir, justamente, a necessidade da contratação em massa, apresentando-se com todas suas condições gerais já predispostas, restando a outra parte somente a alternativa de aceitar ou repelir o contrato. Diante dessas características, consolidou-se uma divergência doutrinária quanto a seguridade da constituição das cláusulas gerais feitas pelo predisponente.
34
Apesar de elencadas no Código Civil algumas regras de interpretação ao contrato de adesão _ tais quais a previsão de interpretação mais favorável ao aderente quando houver condições gerais ambíguas ou contraditórias, bem como a nulidade das cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza jurídica do negócio _ a revisão contratual, nesse Código é delimitada à teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva, no Código de Defesa do consumidor não há menção à teoria da imprevisão, a revisão dá-se pela simples onerosidade excessiva (art. 6 do CDC).
Por essa razão, quando se tratar de contrato de adesão referente a relações de consumo deve-se seguir o disposto no CDC. Tendo ainda de ser observado, as regras do artigo 54 da referida lei: a) permissão de inserção de nova cláusula, sem que isso desconfigure a natureza do contrato; b) as condições gerais devem ser redigidas em termos claros e legíveis, sendo que o aderente deve entendê-las e conhece-las.
Todas as medidas elencadas pelo legislador, tanto no CC como no CDC, luta contra os abusos das condições gerais, desse modo, conclui-se que para fins de revisão no contrato de adesão deve-se observar a teoria da base negocial. Nessa teoria interessa apenas a existência objetiva do desiquilíbrio contratual que pode derivar tanto na celebração do contrato quando de causas supervenientes, em adoção a ela coloca-se fim a discussão da aplicação da teoria da imprevisão para os contratos de adesão, e caminha-se para a segurança dessa modalidade contratual que inegavelmente facilitam a realização negocial no mundo moderno.
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REFERÊNCIAS
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