Contrato de Plano
Contrato de Plano
de Saúde Particular
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Junior 1
De acordo com a Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, o plano de saúde é definido como:
Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós- estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de ga- rantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, li- vremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, con- tratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente a expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.
São contratos de trato sucessivo: os efeitos jurídicos dos contratos dessa natureza perpetuam-se no tempo, havendo continuidade. Isso se deve ao princípio da conservação dos contratos de consumo de longo pra- zo, ou, na terminologia apresentada por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, “contra- tos cativos de consumo”.
O contrato de seguro não é mero negócio jurídico com prazo in- determinado, ele se renova de tempos em tempos, uma vez que o prêmio corresponde à cobertura securitária que a operadora de seguros dispõe ao segurado em sua atualidade.
1Juiz de Direito do 3º Juizado Especial Cível de Niterói.
Além disso, tais contratos devem ser amparados pelo Código de Defesa do Consumidor, mesmo quando celebrados anteriormente a sua vigência (11 de março de 1991), em face da hierarquia constitucional de garantia à defesa dos interesses dos consumidores. Portanto, tendo sido o contrato renovado sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, embora firmado antes de sua vigência, não há como afastar a incidência das disposições nele previstas. Quanto aos contratos firmados na vigência do Código de Defesa do Consumidor, não pairam dúvidas sobre sua apli- cação.
No que tange à Lei 9.656/98, que trata dos planos e seguros pri- vados de assistência a saúde, as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal consideram que a nova lei não se aplica aos contratos assinados antes de sua entrada em vigor.
Tal entendimento se fundamenta nas garantias constitucionais ao ato jurídico perfeito e direito adquirido. Dessa forma, a aplicação do Có- digo de Defesa do Consumidor recebe nova luz com a definição de abuso e cláusulas abusivas trazidas pela Lei 9.656/98; ou seja, a nova lei é usada para facilitar a aplicação e concreção das normas já previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo aos contratos anteriores, se nestes estive- rem as cláusulas consideradas abusivas.
Da Boa-fé nos Contratos de “Planos de Saúde”
Na primeira hipótese, o Código de Defesa do Consumidor esta- belece em seu art. 6º, como direito básico do consumidor, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, qualidade e preço. Eis porque deve a empresa informar o consumidor sobre o aumento do preço do plano por faixa etária quando da escolha do plano, pois o texto do contrato também é informação.
A não informação e a cláusula que permite tais aumentos posterio- res, bem como a alteração do percentual de aumento de forma unilateral, desequilibram o contrato e violam a boa-fé, nos termos do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
A cláusula geral de boa-fé objetiva encontra-se implícita em nosso ordenamento jurídico antes da vigência do Código de Defesa do Consu- midor e do Código Civil de 2002, mas explicitada a partir desses marcos legislativos, vem sendo entendida como dever de conduta, que impõe leal- dade aos contratantes, e como limite ao exercício abusivo de direitos.
Na segunda hipótese, a cláusula de boa-fé tem importância ainda maior, pois trata das cláusulas limitadoras dos direitos dos consumidores, as quais, nos termos do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor, devem ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Os contratos anteriores à Lei 9.656/98, os quais representam ainda grande parcela dos contratos de “planos de saúde” vigentes adquiridos por consumidores, comumente previam limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames médicos, laboratoriais), limitando internações hospitalares, a permanência em UTI’s e similares. Tais cláusulas contratu- ais são nulas por serem contrárias à boa-fé.
As cláusulas que implicam limitações nas condições apresentadas po- dem ser consideradas inválidas, consoante os art. 51, § 1º, inciso II, do CDC, porque restringem direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ao afrontar seu próprio objeto, e por aplicação do art 51, inciso IV, do CDC, pois colocam o segurado em desvantagem em relação à seguradora.
A saúde é direito constitucionalmente assegurado. Situa-se entre aqueles de maior importância para o ser humano, individualmente e para a sociedade, sendo dever do Estado a prestação de serviços necessários à garantia da saúde.
A assistência à saúde é permitida à iniciativa privada, que pode ex- plorá-la com objetivo de lucro, porém, oferecendo-se, em contrapartida, serviço adequado, de qualidade, que assegure a assistência à saúde daque- le que contrata o serviço, mantendo-se o respeito ao direito, nos moldes constitucionais.
A saúde é de relevância social e individual, segundo a Constituição, superior a qualquer direito de natureza patrimonial ou econômica, sendo que o direito ao lucro é resguardado, na medida em que auferido com a pres- tação de serviço adequado, em conformidade com a legislação vigente.
Aplicação do estatuto do idoso e o reajuste dos planos de saúde
Em 1º de janeiro de 2004, entrou em vigor a Lei 10.741/03, conheci- da como Estatuto do Idoso. Assim como outras legislações existentes no país
– Estatuto da Criança e do Adolescente e Código de Defesa do Consumidor, por exemplo – o Estatuto do Idoso objetiva dar maior proteção a um grupo vulnerável da sociedade. Para o Estatuto, é considerado idoso aquele que tem 60 (sessenta) anos ou mais. Dentre as suas medidas protetivas está a vedação de práticas discriminatórias a idosos nos planos de saúde.
Assim determina o artigo 15, § 3º: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. Desde que o Estatuto do Idoso entrou em vigor, estabeleceu-se controvérsia quanto a sua aplicabilidade: ele pode ser aplicado aos contra- tos assinados antes de sua entrada em vigor, ou somente para os contratos assinados depois de 1º de janeiro de 2004?
Há duas correntes, sendo que a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, responsável pela regulação dos planos de saúde – opta pela segunda, desfavorável ao consumidor. De qualquer maneira, alguns pontos são incontroversos: uma regra geral, válida para todos os contratos, antigos e novos, é a proibição do aumento por mudança de faixa etária se não houver previsão expressa e clara no contrato quanto às faixas etárias e os respectivos percentuais de aumento que incidirão em cada faixa. A controvérsia quanto à aplicação do Estatuto do Idoso é expressa por diferentes visões dos juristas sobre as situações sobre as quais uma lei nova pode recair.
A regra geral é de que as leis somente podem produzir efeito sobre
atos que se derem depois de sua entrada em vigor, como determina o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ao falar de direito adquirido e ato jurídico perfeito.
Mas, existem situações em que, para a proteção da própria relação contratual e dos direitos envolvidos, leis podem recair sobre relações con- tratuais que se iniciaram antes delas, desde que visem a proteger a ordem pública e os interesses sociais. Não se trata de posição unânime dos juristas, mas é defendida por muitos dos doutrinadores mais modernos. Dentre
tais contratos, encontram-se os contratos de planos de saúde.
Quando o consumidor contrata um plano de saúde, requer serviço contínuo, e seu principal objetivo é a transferência (onerosa e contratual) de riscos referentes à eventual necessidade de assistência médica ou hospi- talar no futuro.
A legislação, por sua vez, assim como a sociedade, tende a evoluir e não faz sentido restringir o consumidor à legislação do momento da assinatura de um contrato desse tipo, se surge uma legislação posterior, de interesse social. Assim, quando são editadas leis como o Estatuto do Idoso, de interesse social, sua aplicação deve ser imediata, incidindo sobre todas as relações, na execução do contrato de natureza sucessiva, a partir da edição dessa nova lei.
Não é qualquer lei que produz o efeito de aplicação imediata; so- mente aquelas consideradas de ordem pública ou de interesse social; não é qualquer contrato que é afetado, mas apenas aqueles que, por suas peculia- ridades, são classificados como contratos de trato sucessivo. Mas, mesmo leis de interesse social não recaem sobre situações fáticas consolidadas, an- tes de sua entrada em vigor. Assim, se o consumidor idoso recebeu aumen- to por mudança de faixa etária, antes de janeiro de 2004 – quando entrou em vigor o Estatuto do Idoso – previsto em contrato adequadamente, não há como anular esse reajuste.
O posicionamento da Justiça. Estudo de decisões judiciais
No Poder Judiciário, não há consenso: há decisões tanto no sentido de que o Estatuto do Idoso é aplicável aos contratos firmados antes de sua en- trada em vigor, quanto no sentido de sua não aplicabilidade. O Superior Tri- bunal de Justiça (STJ) recentemente posicionou-se favoravelmente ao con- sumidor (Recurso Especial nº 809.329 - RJ (2006/0003783-6), vedando a aplicação de reajustes por mudança de faixa etária para pessoas com 60 anos ou mais, independentemente da data de contratação do plano de saúde.
No Rio de Janeiro e em São Paulo também não se verifica consen- so: há decisões em ambos os sentidos no Tribunal de Justiça; no Distrito
Federal, identificaram-se três decisões favoráveis ao consumidor e funda- mentam-se no Estatuto do Idoso, para proibir a cobrança de valores dife- renciados nos planos de saúde em razão da idade.
Definiu-se tão somente que, em função do seu caráter de ordem pú- blica, tem a legislação aplicação imediata; por isso, influi em relações que, a despeito de nascidas em período anterior a sua vigência, devem sofrer os efeitos da nova lei [o Estatuto do Idoso], principalmente porque a cláusula relacionada ao aumento de mensalidade em função da implementação dos 60 anos passou a gerar efeitos concretos, quando o direito brasileiro não mais contemplava a validade dessa espécie de reajuste.
Outro importante argumento com referência ao respeito à irretroa- tividade da lei e ao ato jurídico perfeito é que os contratos de seguros e pla- nos de saúde são típicos de execução diferida no tempo; destarte, sujeitos a mutações, adaptações, conforme o interesse geral, público, social, eco- nômico etc., sem que isso implique desobediência aos mesmos princípios. Têm como característica sua consumação na propagação do tempo e por essa razão, estão sujeitos, submetem-se à aplicação da lei nova, sem que tal represente lesão ao ato jurídico perfeito ou retroação, prevalecendo a regra rebus sic stantibus, o tempo rege o contrato. (XXXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Revista de Julgados do Tribunal de Alçada Crimi- nal do Estado de São Paulo. V. 66, nov./dez. 2003, p. 20 e 21, citado em Apelação Cível nº 2005.022.022592-0, 14/10/05, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Relator Des. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx):
“PLANO DE SAÚDE – Majoração em virtude de alterada a faixa etária da beneficiária – Vigência da Lei 10.741, de 03 de janeiro de 2004 (artigo 15, parágrafo 3º) – Fundamenta- ção relevante, em princípio, da decisão recorrida, para conceder a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional – Lei nova, de caráter social – Incidência admitida, de plano, aos contratos em curso – Tutela preferencial ao idoso – Finalidade de preservá-lo de mutações financeiras, em razão de sua idade, e que lhe tragam risco de prejuízo irreparável ou de complexa reparação – Au-
mento significativo da prestação do plano de saúde (aproxima- damente 60%, a acarretar natural desestabilização à economia da agravante, aposentada) – Requisitos à concessão da liminar, presentes (parágrafo 3º, do artigo 461, do Código de Processo Civil) – Improvimento”. (JTJ 285/309)
Sob nossa ótica, deve prevalecer o caráter de essencialidade do con- trato. Nesse aspecto, antes de mais nada, compete ao Poder Judiciário apli- car os princípios constitucionais, entre os quais a tutela da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde estão inseridos nesses princípios.
Sob a perspectiva do direito contratual, ao ponderar a possibilida- de de reajuste do plano e o respeito ao ato jurídico perfeito, deve-se ter em mente a possibilidade da interferência do Poder Judiciário nas relações contratuais, em função do bem que é objeto desse contrato. Como bem diz a professora Xxxxxx Xxxxxxxxx:
“No entanto, a destinação dos bens é tratada, sob a ótica do Có- digo, abstraindo-se a dimensão existencial, isto é, não sendo leva- da em conta a função que exercem na conservação ou promoção da dignidade da pessoa humana. A ótica predominantemente patrimonial, constante do Código Civil, mostra-se insuficiente em face da ordem constitucional brasileira, já que a Constituição Federal de 1988 está inserida na tendência comum às Constitui- ções modernas, as quais “... deslocam o valor fundamental não mais para a propriedade ou para as rendas, mas sim para o ser humano e seus direitos fundamentais. A propriedade e a renda agora são encaradas como instrumentos para a realização da dig- nidade da pessoa humana”. Nesse sentido, a disciplina do bem de família, por meio da Lei nº 8.009/90, representa uma mudança em relação aos critérios tradicionais, na medida, precisamente, em que determina a especificidade do regime jurídico aplicável àquele bem em função da finalidade existencial que o mesmo desempenha. Assim é que, em correspondência aos ditames cons-
titucionais, segundo os quais a prevalência há de ser conferida à pessoa - e não, portanto, ao patrimônio em si mesmo considerado
– o “contexto” normativo referente ao bem destinado à residência familiar é correspondentemente diferenciado.
O mesmo procedimento de qualificação e de diferenciação deve ter lugar no tocante à classificação dos contratos, influindo so- bre a escolha do regime jurídico aplicável. Propõe-se, portanto, uma diferenciação que tenha como base a destinação do bem cuja aquisição ou utilização seja objeto do contrato. O paradig- ma da essencialidade constitui a base para uma tal diferenciação, e encontra fundamento na Constituição, na medida em que esta instituiu uma cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, impondo, dessa forma, o reconhecimento da influên- cia de interesses não-patrimoniais sobre a conformação jurídica das relações contratuais. Por isso, há de se distinguir os contratos em que tais interesses extra-patrimonial estão presentes daqueles outros contratos nos quais, ao contrário, as obrigações assumidas sejam instrumento de satisfação de interesses exclusivamente pa- trimoniais. Nesse exato sentido, conclui Xxxxxx Xxxxxxxxxxx: “... uma coisa é a obrigação finalizada à realização de uma exigência da pessoa, como podem sê-lo as obrigações assumidas por uma sociedade por ações a escopo de lucro”.2
Nesse sentido, torna-se importante distinguir as situações patrimo- niais – especificamente as relações contratuais – qualificadas em função de sua utilidade existencial, como tal entendido o grau de imprescindibilida- de da aquisição ou utilização pessoal do bem em questão, para garantir um padrão mínimo de dignidade de quem dele necessita. A destinação do bem objeto do contrato é um elemento fundamental na determinação do relati- vo poder negocial dos contratantes e, por isso, deve ser levada em conta na
2 Xxxxxxxxx, Xxxxxx. Teoria dos Contratos - novo paradigma. 2. Ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 495.
solução do conflito de interesses que eventualmente sobrevenha.
Estas são as premissas que fundamentam o estabelecimento do pa- radigma da essencialidade. Os contratos que versem sobre a aquisição ou utilização de bens que, considerando sua destinação, são tidos como essen- ciais e sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de prote- ção da parte vulnerável – assim entendida a parte contratante que necessita do bem em questão - e, vice-versa, no extremo oposto, os contratos que tenham por objeto bens supérfluos regem-se predominantemente pelos princípios do direito contratual clássico, vigorando aqui a regra da mínima intervenção heterônoma.
Já estabelecido o fato de que o contrato de plano de saúde é de cará- ter essencial e merece regime tutelar diferenciado, o Estatuto do Idoso deve incidir sobre relações jurídicas firmadas antes de sua vigência.
“Ou seja, pôr a pessoa no centro do direito civil significa que a vida digna seja alcançada à condição de necessário parâmetro de interpre- tação e de aplicação das normas de direito civil. A teoria contratual deve estar voltada, pois, à proteção da pessoa, impondo-se, de acordo com o paradigma da essencialidade, a diferenciação dos contratos conforme a sua específica importância como instrumento de satis- fação das necessidades fundamentais do homem de carne e osso. Em feliz síntese, Xxxx Xxxxx Xxxxxx observa que: “A pessoa, e não o pa- trimônio, é o centro do sistema jurídico, de modo que se possibilite a mais ampla tutela da pessoa, em uma perspectiva solidarista que se afasta do individualismo que condena o homem à abstração”. 3
Assim, afasta-se a incidência de norma constitucional, para conferir eficácia positiva ao princípio do mínimo existencial, contido também em nossa Constituição, aplicando-se o Estatuto do Idoso aos planos anteriores
à sua vigência. ♦
3 Idem, 2006, p. 495.