ACÓRDÃO Nº 2/2009- 3ª SECÇÃO
ACÓRDÃO Nº 2/2009- 3ª SECÇÃO
RECURSO ORDINÁRIO N.º 1-SRM/2009 - (PROCESSO N.º 02/2008 - JRF DA
SECÇÃO REGIONAL DA MADEIRA)
DESCRITORES: AUTARQUIA LOCAL / CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
/ CONTRATO DE EMPRÉSTIMO / CONTRATOS INOMINADOS / DÍVIDAS / ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL / FRAUDE À LEI / PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO E DA ESTABILIDADE ORÇAMENTAL / PRINCÍPIO DA LEGALIDADE / RECURSO AO CRÉDITO / TIPO DE NEGÓCIO.
SUMÁRIO:
1. O endividamento municipal está rigorosamente delimitado pelos princípios e procedimentos da legalidade, do equilíbrio e da estabilidade orçamental e apenas é possível nos casos previstos na lei.
Mod. TC 1999.001
2. No caso em apreço, houve um recurso a instrumentos contratuais inominados, bastando uma alteração da denominação legal para se prejudicar o controlo da legalidade, consubstanciando uma típica fraude à lei. Ora, a jurisprudência da 1ª Secção do Tribunal de Contas estabelece que o intérprete não está obrigado à qualificação adoptada pelas partes, importando indagar, em especial pela análise da intenção das mesmas subjacente à contratação e pelo clausulado adoptado, e qual é o tipo de negócio realmente celebrado.
3. Pela matéria factual provada não surgem dúvidas estarmos perante negócios jurídicos que visavam a obtenção, pela Câmara Municipal, de crédito junto de Instituições Financeiras que lhe assegurasse o pagamento das dívidas já vencidas que tinha para com diversos fornecedores. Sendo que alguns desses negócios jurídicos, implicavam a existência de um acordo com vista à definição das facturas emitidas pela Câmara Municipal que seriam cedidas à Instituição Financeira bem como o plano de pagamento das mesmas. Esta obtenção de crédito consubstancia-se no preceituado do artigo 23º da Lei 42/98, sendo irrelevante a denominação que os outorgantes lhes atribuíram de “negócios jurídicos conexos a contratos de factoring”.
4. Assim, decidiu-se julgar procedente o recurso quanto ao pedido de revogação da decisão absolutória, e, em consequência, caracterizar os contratos celebrados nos autos como contratos de empréstimo e de abertura de crédito.
Mod. TC 1999.001
Conselheiro Relator: Xxxxxx Xxxxxxx
Transitado em julgado
RECURSO ORDINÁRIO N.º 1-SRM/2009
(Processo n.º 02/2008-JRF da S. R. Madeira)
ACÓRDÃO Nº 2/2009- 3ª SECÇÃO
I – RELATÓRIO
1. Em 12 de Dezembro de 2008, no âmbito do processo de julgamento de responsabilidades financeiras nº 2/2008, foi, na Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, proferida a douta Sentença nº 04 /08 que absolveu os Demandados dos pedidos apresentados pelo Ministério Público.
2. Não se conformou com a decisão o Ministério Público, que interpôs o presente recurso, nos termos e para os efeitos do artº 96º da Lei nº 98/97.
Nas doutas alegações apresentadas, que aqui se dão como integralmente reproduzidas, o ilustre Recorrente apresentou as seguintes conclusões:
Mod. TC 1999.001
• De acordo com o artigo 577º do Código Civil, a cessão de créditos é o contrato pelo qual o credor cede a terceiro uma parte ou a totalidade do seu crédito, independentemente do consentimento do devedor.
• Trata-se de um contrato bilateral, negociado e decidido apenas entre cedente e cessionário, sem qualquer interferência do devedor do crédito, embora com repercussões na esfera jurídica deste, dependentes apenas da notificação a este, da celebração do contrato (artº 583.° do Código Civil).
• A cessão do crédito não altera a natureza. os pressupostos e as condições da dívida relativamente ao devedor cedido. Para este, a dívida mantém-se inalterada, apenas devendo cumprir as suas obrigações, de montante e prazo, agora perante o cessionário.
• Ora, no caso em análise, foi o devedor (Câmara Municipal do Funchal), e não o credor, quem teve a iniciativa e procurou as instituições financeiras, visando a cessão de dívidas de que era titular e não de um crédito, o que revela que o negócio foi celebrado, essencialmente, no interesse daquele.
• Esta foi a forma encontrada pela Câmara do Funchal para obter os meios financeiros com vista ao pagamento das dívidas que tinha para com os seus fornecedores.
• Estes contratos operaram na esfera jurídica do devedor urna alteração da natureza da dívida subjacente, dos pressupostos e do regime do cumprimento originário.
• Efectivamente, com estes contratos, as dívidas administrativas resultantes da execução dos trabalhos e serviços prestados ao município, converteram-se em dívidas financeiras junto das entidades bancárias.
• O que pretendeu a Câmara do Funchal com estes contratos, foi que as entidades bancárias, com quem contratou, lhe concedessem os empréstimos necessários ao pagamento das dívidas que detinha para com diversos fornecedores, mediante a fixação de um prazo de reembolso e de condições de pagamento.
Mod. TC 1999.001
• Na verdade, como se pode ver, por exemplo, no protocolo de acordo celebrado entre a Câmara e a BPI Factor, as diferentes cláusulas são de um típico contrato de empréstimo, como seja o montante máximo acordado; a fixação de prazos de reembolso que diferiram e fraccionaram o pagamento por prazos que
ultrapassaram um ano, com amortizações sem relação directa com a autonomia e natureza dos créditos e com uma remuneração convencionada, através do juro acordado.
• A única diferença, sem relevância porém, é que os montantes emprestados transitavam da entidade bancária para o credor sem passar pelos cofres da autarquia.
• Destes contratos resultam para a Câmara Municipal do Funchal muitas mais obrigações, e de natureza completamente diferente, do que aquela que resultaria da simples cessão de créditos que era a de pagar, na data do respectivo vencimento, o montante em dívida, só que, em vez de ao credor originário, agora, ao terceiro cessionário.
• Assim, da análise de todos os elementos, constata-se que os contratos em causa integram, na sua substância, um empréstimo que se traduziu em endividamento financeiro para a Câmara Municipal do Funchal.
• Uma vez caracterizadas as operações em causa como empréstimos, é indiferente a designação que lhes é dada, pelo que não se pode falar em analogia nem em interpretação extensiva.
• Pelo que a sentença recorrida deveria ter considerado os contratos celebrados entre a Câmara Municipal do Funchal e as entidades financeiras referidas como contratos de empréstimo, que implicaram um endividamento financeiro para o Município.
3. O Recorrente finaliza as alegações requerendo que seja proferido Xxxxxxx que revogue a Sentença proferida, decidindo-se que os contratos em causa se caracterizam como contratos de empréstimos, com todas as consequências legais.
Mod. TC 1999.001
4. Tendo o recurso sido admitido, os Demandados e ora Recorridos, notificados para responder nos termos do artº 99º nº 2 da Lei nº 98/97, vieram
defender a improcedência do mesmo e apresentaram as seguintes conclusões:
• A acusação assenta no pressuposto de que os acordos celebrados pelos demandados correspondem a operações de endividamento financeiro, já que o Município se compromete a pagar as comissões e, ou, juros resultantes da ce1ebraço do contrato de factoring;
• Contudo, tal pressuposto é totalmente fantasioso uma vez que desses acordos não resultou qualquer acréscimo de endividamento para o Município, na medida em que os seus efeitos consistiam justamente em diminuir o endividamento do Município; o endividamento do Município resultava, isso sim, dos contratos celebrados com os seus Fornecedores, e não dos contratos que os ora demandados celebraram posteriormente, pelo que tais contratos não podem corresponder a operações de endividamento;
• Mas, acima de tudo, independentemente de tal juízo prévio quanto à conformidade objectiva da conduta dos demandados com o ordenamento jurídico, o presente processo dirige-se à efectivação e julgamento de responsabilidades financeiras, pelo que tem por objecto a avaliação da censurabilidade das condutas constantes da acusação, e não da sua conformidade com o bloco da legalidade;
• Por isso, não se bastando com a formulação de um juízo objectivo quanto à sua ilegalidade, depende ainda de uma avaliação da responsabilidade subjectiva de agentes concretos, em ordem a fundamentar a formulação de urna censura sancionatória;
Mod. TC 1999.001
• Ao admitir a relevância da culpa no comportamento dos responsáveis, o legislador apela aos princípios e conceitos informadores do direito penal,
incluindo, em especial, o principio de que só é subjectivamente censurável a conduta desvaliosa descrita por lege scripta, certa, stricta, previa;
• O legislador exige, pois, que a norma que constitui o parâmetro de conformação da conduta dos agentes determine com suficiente precisão o facto ilícito, ao ponto de descrever todos os elementos que compõem o conteúdo material de cada espécie de facto típico; exige-se portanto que a acção ou omissão em que o facto consiste não seja inferida da lei, mas sim definida pela lei;
• Ao pretender fundamentar a responsabilidade financeira pela celebração de contratos de factoring e acordos de pagamentos conexos através do recurso a normas que regulam a contratação de empréstimos, o Ministério Público procurou sancionar os demandados com base na extensão do âmbito de aplicação das normas de legalidade financeira nas quais a conduta em análise não é expressamente descrita nem subsumível;
• Com efeito, independentemente da modalidade (civil, mercantil ou bancária) que assuma, o contrato de empréstimo consiste num negócio pelo qual uma parte presta à outra uma coisa fungível (por exemplo, dinheiro), ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade, podendo tal restituição ser ou não acompanhada do pagamento de juros;
• Tal tipo de contrato assume portanto como traço constitutivo e característico a existência de uma deslocação patrimonial entre o mutuante e o mutuário, primeiro, e de uma deslocação em sentido inverso, depois, quando o mutuário proceder à restituição da coisa ou da quantia emprestada;
Mod. TC 1999.001
• Como o próprio Ministério Público reconhece nas suas alegações, é justamente esse ―traço distintivo‖ que não se verifica in casu: os «montantes emprestados transitaram da entidade bancária para o credor sem passar pelos cofres da
autarquia», pelo que as deslocações patrimoniais sucessivas e em sentido oposto que distingue o tipo ―empréstimo‖ jamais tiveram lugar;
• Só pode então concluir-se que os contratos celebrados pelos demandados partilham de alguns elementos do ―tipo‖ empréstimo - mas daí nada mais se conclui senão que, em razão da sua semelhança, as razões justificativas da limitação à contratação de empréstimos procedem igualmente para a celebração de acordos atípicos conexos com contratos de factoring;
• Ora, como se lê no n° 2 do artigo 10.° do Código Civil, independentemente da designação que se lhe pretenda dar, essa operação jurídica não consiste em nada mais do que na reprodução do percurso lógico que a Ciência Jurídica desenvolveu para a realização de raciocínio analógico «há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei»;
• Essa circunstância já seria, só por si, suficiente para vedar em absoluto a condenação dos demandados: é que a ordem constitucional só permite a condenação de condutas cujos elementos fácticos e jurídicos determinantes da respectiva ilicitude sejam descritos numa norma com força e forma de lei;
• Assim, não sendo as condutas referidas na acusação objecto de previsão expressa em «lege certa» e «stricta», não podem os demandados ser condenados pela celebração de acordos conexos com contratos de factoring, nem podem ser pessoalmente responsabilizados em qualquer processo para o qual a lei exija a demonstração da culpa do agente;
Mod. TC 1999.001
• Em qualquer caso, nem mesmo o grau de censurabilidade que se pretende imputar aos demandados pela prática dos factos constantes da acusação seria compatível com os montantes flagrantemente desproporcionais das multas que são propostas, as quais não encontram correspondência, nem no grau objectivo
de lesão dos interesses públicos invocados na acusação, nem na censura subjectiva. que pretensamente lhes é dirigida — violando, pois, todos os critérios legalmente definidos de graduação das sanções aplicáveis;
• Tal censura subjectiva não é, de resto, sustentada em qualquer indício carreado para o processo que demonstre a existência de dolo ou de negligência grosseira
— pelo que as normas processuais que regulam o julgamento de responsabilidades financeiras impedem, só por si, que seja apreciada qualquer responsabilidade individualmente imputável aos demandados, aqui Recorridos, determinando inevitavelmente a improcedência do presente recurso e o arquivamento definitivo dos autos.
II – OS FACTOS
A factualidade apurada na douta sentença e que releva para a apreciação da decisão consta dos nºs 13 e seguintes que se reproduzem:
FACTOS PROVADOS
Mod. TC 1999.001
13. Na gerência de 2005 da Câmara Municipal do Funchal, o demandado Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx exercia funções de Presidente da Câmara, o demandada Xxx Xxxxxxxxx Xxxx Marote de Vereador com o pelouro financeiro, na primeira gerência até 01/11/2005, e o demandado Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx como Vereador ao pelouro financeiro, na segunda gerência de 2005.
14. Nessa gerência, o município do Funchal celebrou negócios jurídicos conexos a contratos de factoring com o ―Besleasing e Factoring, S.A.‖, o ―BPI Factor, S.A.‖ e o ―Totta Crédito Especializado, S.A.―, com vista ao desconto de créditos vencidos e ainda não pagos, relativos a trabalhos e/ou serviços já realizados e reconhecidos pela Câmara, com os pagamentos das comissões e/ou juros à sua responsabilidade.
15. Na sequência desses negócios jurídicos foram celebrados:
a) Um ―Protocolo de Acordo‖ celebrado em Dezembro de 2000 com o ―BPI Factor, S.A.―, aditado a 3 de Janeiro de 2001 e a 14 de Dezembro do mesmo ano;
b) Diversos ―Acordos de Reconhecimento de Dívida com Plano de Pagamentos‖ celebrados em 2004 e 2005 com o ―Besleasing e Factoring, S.A. ―;
c) Diversas ―Confirmações de Liquidação de Facturas‖ emitidas durante as gerências de 2004 e de 2005, a favor do ―Totta Crédito Especializado, S.A. ―, às quais estão associadas ―Autorizações de Débito Permanente em Conta‖;
16. O demandado Xxx Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx foi o responsável pelas negociações com aquelas instituições financeiras e assinou os documentos que as titularam, com excepção dos contratos com os n°s 210 e 211 que foram autorizados pelo demandado Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, e nºs 249 e 250 que foram autorizados pelo demandado Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx Calado, tudo conforme consta do Anexo VI ao Relatório de Auditoria (fls. 63 e 64), que aqui se dá por reproduzido.
17. O acordo celebrado com o ―BPI Factor, S.A.‖ para vigorar em 2005, definiu as condições gerais dos descontos dos créditos, nomeadamente:
Mod. TC 1999.001
a) A modalidade dos contratos de factoring a serem celebrados com os fornecedores daquela Câmara;
b) As taxas de juro remuneratórios: EURIBOR (anteriormente à adopção da moeda única era a LISBOR) a 1 mês, adicionada de um spread de 2%, e de mora: taxa de juro em vigor acrescida de 3%;
c) O limite do crédito disponível: €3.750.000,00;
d) O prazo máximo de reembolso dos créditos: 48 meses a contar da data da 1ª carta de Confirmação de Liquidação de Facturas emitida pela Câmara.
18. Com o ―Besleasing e Factoring, S.A.‖ vigoraram em 2005 diversos acordos de reconhecimento de Divida com Plano de Pagamento, na sequência de contratos de factoring entre o fornecedor e a instituição de crédito, nos quais são definidos:
a) O plano de pagamento das facturas; entre 6 meses a um ano, repartido por prestações;
b) A dedução fixa (flat): 0,25% sobre o valor nominal do crédito, paga no momento do desconto da factura;
c) A taxa de juro: EURIBOR a 3 meses, acrescida de 1%.
19. Quanto ao ―Totta Crédito Especializado, S.A.―, encontravam-se em vigor em 2005 ―Confirmações de Liquidação de Facturas‖, com ―Autorização de Débito Permanente‖ anexas, emitidas caso a caso pela Câmara Municipal do Funchal, relativamente a cada fornecedor, as quais implicam a existência de um acordo com vista à definição:
a) Das facturas a serem cedidas e o plano de pagamento das mesmas (o qual varia consoante o valor global dos créditos cedidos);
b) Das taxas dos juros remuneratórios: EURIBOR a 90 dias, acrescida de 1%, e de mora: taxa de juro em vigor acrescida de 2%.
Mod. TC 1999.001
20. Com excepção dos contratos nºs 208 e 209, todos os acordos constantes do Anexo VI referido tiveram uma vigência que abrangeu mais que um exercício económico.
21. Pelo menos os contratos n s 229, 231 e 240 foram destinados ao fornecimento de bens e serviços correntes.
22. No ano de 2005, o limite de endividamento para empréstimos de médio e longo prazo da Câmara Municipal do Funchal era de €2.511.450,59.
23. No ano de 2005, a Câmara Municipal do Funchal atravessava um período de dificuldade no pagamento das dívidas já vencidas, algumas com um atraso superior a um ano.
24. Todos os contratos referidos no Anexo VI tinham o prazo de vencimento ultrapassado na altura da celebração dos acordos respectivos.
25. Quando foram contraídas, as dívidas foram contabilizadas nas rubricas de
―Dívida a Fornecedores‖ (Conta 22); depois dos acordos com as instituições bancárias passaram para a rubrica ―Dívida a outros credores‖ (Conta 26).
26. Numa auditoria pedida pela Câmara Municipal do Funchal os Revisores Oficiais de Contas consideraram correcta a classificação económica desta dívida.
27. Quando da celebração dos acordos com as instituições financeiras, alguns dos fornecedores haviam já apresentado à Câmara notas de débito dos juros de mora vencidos, à taxa legal
28. Na sequência desses acordos e do correspondente pagamento aos fornecedores, alguns prescindiram dos juros já vencidos.
Mod. TC 1999.001
29. A diminuição dos encargos com juros permitiu à Câmara Municipal do Funchal a posterior amortização de mais capital e reduzir os níveis de endividamento.
30. O demandado Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx, que assumiu funções como Vereador do pelouro financeiro em 02/11/2005, foi confrontado nessa altura por credores com dívidas já vencidas, que emitiram notas de débito de juros de mora. Por isso, procurou seguir os procedimentos anteriormente tomados pela Câmara para satisfação imediata e menos onerosa dessas dívidas.
31. Antes de assumir funções, teve reuniões com o demandado Xxx Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx, anterior Vereador do pelouro, que opôs ao corrente da situação financeira da Câmara e o informou das soluções seguidas.
32. Quanto aos dois contratos que autorizou, actuou ainda com a preocupação de reduzir a dívida de fornecedores e aumentar a capacidade de endividamento do Município.
33. Os demandados Xxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx xx Xxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, tinham conhecimento das normas que regem o POCAL e actuaram dentro do estrito condicionalismo referido nos pontos 1 a 4.
34. Os demandados Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxx Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx conheciam as normas que regem o recurso ao crédito pelas autarquias.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Mod. TC 1999.001
Todos os que directa ou indirectamente entrem em contradição com os factos acima dados como provados, nomeadamente que os demandados Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxx Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx Calado tenham agido livre e conscientemente com intenção de violar as normas que regem o recurso ao crédito pelas autarquias.
III- O DIREITO
Como resulta dos autos, os Demandados e ora Recorridos foram absolvidos na 1ª instância por se ter entendido que os contratos em causa não integram uma
―infracção típica às normas jurídicas apontadas como violadas pelo que a eventual
condenação apenas poderia resultar de uma interpretação extensiva do conceito de
―empréstimo‖ aí formulado, o que é proibido pelo disposto no artº 29º - nº 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa‖.
Da matéria de facto apurada nos autos resulta, de forma clara e inequívoca, que, ao celebrar os negócios jurídicos descritos nos pontos nºs 14, 15, 17, 18 e 19, os Demandados formalizaram operações de endividamento financeiro para a autarquia que representavam.
Assim, e independentemente do ―nomen juris‖ que decidiram atribuir aos negócios jurídicos em causa, os Demandados tinham que observar os normativos legais que, à data dos factos, disciplinavam as operações de endividamento autárquico, no caso, a Lei nº 42/98, de 6 de Agosto.
Mod. TC 1999.001
Este diploma estabelecia, no Capitulo IV – artºs 23º a 29º – um conjunto de exigências e requisitos que os municípios tinham que observar quando pretendessem contrair empréstimos, utilizar aberturas de créditos junto das instituições autorizadas por lei a conceder créditos, proclamando que o endividamento municipal se deveria orientar por princípios de rigor e eficiência (artº 23º-nº 2) de forma a atingir os objectivos enunciados nas diversas alíneas do nº 2 do preceito.
As preocupações do legislador nesta matéria justificaram a delimitação conceitual de crédito de curto prazo e crédito de médio e longo prazo bem como as exigências e pressupostos aferidores da legalidade de cada um dos regimes.
É também esta filosofia de rigor que subjaz e fundamenta o estabelecimento de limites ao endividamento municipal (artº 24º) e que se adequa aos princípios estabelecidos nos artigos 9º, 84º e seguintes da Lei de Enquadramento Orçamental, em vigor à data 1 bem como ao ponto 3.1.1. e) do POCAL 2.
Observe-se, ainda, que a questão do endividamento municipal se manteve e mantém como princípio orientador do recurso ao crédito nas autarquias sendo o saneamento financeiro dos municípios um objectivo permanente do legislador que vem justificando os regimes normativos estabelecidos na Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro e no Decreto-Lei nº 38/2008, de 7 de Março.
São, aliás, compreensíveis todas as cautelas do legislador nesta área. Como referia o Prof. Xxxxx Xxxxxx 3 a propósito do empréstimo público que se trata ―de um contrato fortemente informado pelo interesse público‖, e que o domínio do interesse público determina, entre outros aspectos, a fixação legal das condições a que o empréstimo deve obedecer e conduz a que ele seja um acto ―autorizado e vinculado legalmente‖.
Mod. TC 1999.001
É, pois, pacifico que o endividamento municipal está rigorosamente delimitado pelos princípios e procedimentos da legalidade, do equilíbrio e da estabilidade orçamental
1 Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto, alterada pela Lei Orgânica nº 2/2002, de 28 de Agosto, pela Lei nº 23/2003, de 2 de Julho e pela Lei nº 48/2004, de 24 de Agosto.
2 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22 de Fevereiro, com as alterações constantes da Lei nº 162/99,
de 14 de Setembro, do Decreto-Lei nº 315/2000, de 2 de Dezembro, do Decreto-Lei nº 84-A/2002, de 12 de Abril e da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
3 Finanças Públicas e Direito Financeiro, Almedina, Vol II, 4ª edição, 8ª reimpressão 2001, pág. 113.
e apenas é possível nos casos previstos na lei e de acordo com os pressupostos e limitações nela estabelecidos.
Deste modo, entende-se que o legislador tenha atribuído a este Tribunal uma particular atenção e competências relevantes na matéria que nos vem ocupando. Na verdade:
• Todos os actos de que resulte o aumento da dívida pública fundada municipal estão submetidos à fiscalização prévia, independentemente do seu valor (artº 2º-nº 1-c) e 46º-nº 1-a) da LOPTC 4;
• Ainda que não se suscitem dúvidas sobre a sua legalidade, os Serviços de Apoio do Tribunal de Contas não podem declarar a respectiva conformidade (artº 83º-nº 2 da L.O.P.T.C.;
• O Tribunal de Contas deve, no âmbito da fiscalização prévia, verificar especificamente a observância dos limites de endividamento (artº 44º-nº 2 da L.O.P.T.C.);
• A utilização de empréstimos públicos em finalidade diversa da legalmente prevista, bem como a ultrapassagem dos limites legais da capacidade de endividamento constitui uma infracção financeira sancionatória (artº 65º- nº 1-f) da L.O.P.T.C.).
Mod. TC 1999.001
*
4 Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto e 35/2007, de 13 de Agosto.
Face ao quadro legal sumariamente descrito tem-se assistido, com preocupação, a construções argumentativas que, artificiosamente, visam justificar que operações de recurso ao crédito efectuadas pelas autarquias não estejam sujeitas à apertada disciplina jurídico-legal a que nos vimos referindo.
Para o efeito, um dos expedientes jurídico-formais construídos e utilizados com maior frequência tem sido o recurso a instrumentos contratuais inominados a contratos em que falte algum dos elementos caracterizadores do contrato de empréstimo ou, ainda, a contratos de factoring e de cessão de créditos.
Assim se obteria, por acordo das partes, aquilo que o legislador inequivocamente não quer, evitando-se as exigências formais, os requisitos, pressupostos e limites que disciplinam o recurso ao crédito.
Estas posições fazem depender a efectivação do controlo da legalidade dos dinheiros públicos resultantes do crédito obtido – desde logo, a fiscalização prévia deste Tribunal – da decisão dos outorgantes, bastando-se com uma alteração da denominação legal para se prejudicar o controlo da legalidade, consubstanciando uma típica fraude à lei.
Tendo em atenção a gravidade das condutas descritas, este Tribunal tem vindo a sindicar, de forma pacífica, e desde há muito, em numerosos Acórdãos da 1ª Secção, tais procedimentos ilegais.
Mod. TC 1999.001
Dada a sua relevância por se encontrar publicado5 e por se debruçar sobre uma situação factual muito idêntica à dos autos – o contrato ―estava denominado como sendo de cessão de créditos e acordo de pagamento conexo‖ e fora celebrado
5 Diário da República, 2ª Série, de 14.10.03
entre um Município, uma empresa e uma instituição financeira – transcreve-se o núcleo essencial argumentativo do Plenário da 1ª Secção deste Tribunal (Acórdão nº 29/2003, de 01.07.03) – justificativa da manutenção da recusa do ―visto‖ que a 1ª instância havia decidido:
―… no caso em apreço, a realidade que os factos evidenciam é bem diferente da que seria normal na celebração de um típico contrato de cessão de créditos. É o devedor (CMCB), e não o credor, quem desencadeia o procedimento e procura um cessionário, o que evidencia que o negócio será celebrado, essencialmente, no interesse daquele. Todo o procedimento é desencadeado pelo devedor (CMCB) com vista à cessão de uma dívida (pois é de uma dívida de que ela é titular) e não de um crédito.( …)
Portanto, o que sempre esteve subjacente à celebração do contrato foi a forma de a CMCB encontrar meios financeiros para pagar a dívida que tinha, ou tem, para com a empresa (…) , proveniente da execução de empreitadas.
Além disso, o contrato em apreço opera na esfera do devedor, aqui devedor cedido, uma alteração da natureza da dívida subjacente, dos pressupostos e do regime de cumprimento originário. Uma dívida administrativa resultante da execução de uma empreitada converte-se em dívida financeira junto de uma entidade bancária. (…)
O que, em rigor, com este contrato, a CMCB pretendeu foi que uma entidade bancária (repare-se que a Câmara apenas consultou instituições bancárias) lhe concedesse um empréstimo para pagar a dívida que detinha para com a empresa (…) mediante a fixação de um prazo de reembolso e de «condições de pagamento»
— leia-se taxa de remuneração.
Mod. TC 1999.001
A única diferença, mas sem relevância, é que o montante emprestado transitava da entidade bancária para o credor sem passar pelos cofres da autarquia. As diferentes alíneas da cláusula 6.a do contrato, ainda em minuta (que nada têm a ver com o credor originário), são cláusulas de um típico contrato de empréstimo: prazo de reembolso [alíneas a) e d)], taxa remuneratória devida à entidade bancária [alínea
b)] e garantias [alínea g)], nem mais nem menos do que as previstas no n.º 7 do artigo 24º da Lei das Finanças Locais (Lei nº 42/98, de 6 de Agosto), ali expressamente dirigidas a «empréstimos contraídos». (…)‖
Em consequência, o Tribunal considerou preenchida a estatuição legal do artº 44º-nº 3-b) da L.O.P.T.C. – violação directa da Lei (norma financeira).
Este Xxxxxxx, como já se referiu, insere-se na extensa e uniforme Jurisprudência da 1ª Secção do Tribunal de Contas que consolidou o entendimento de que os contratos devem ser analisados e qualificados, não apenas com base na sua configuração formal, mas também em função das circunstâncias em que se enquadram e dos objectivos que visam realizar 6
*
As considerações que vimos fazendo integram-se na Jurisprudência deste Tribunal acolhendo integralmente o entendimento aí assumido que o intérprete não está obrigado à qualificação adoptada pelas partes, importando indagar, em especial pela análise da intenção das mesmas subjacente à contratação e pelo clausulado adoptado, qual o tipo de negócio realmente celebrado.
Mod. TC 1999.001
Ora, analisando o caso ―sub judice‖ a matéria factual provada não oferece dúvidas que estamos perante negócios jurídicos que visavam a obtenção, pela Câmara Municipal do Funchal, de crédito junto de Instituições Financeiras que lhe
6 Vejam-se, designadamente, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 79/01, 200/01, 31/02, 87/02, 88/02, 98/02, 100/02, 103/02, 104/02, 6/03, 7/03, 12/03, 20/03, 22/03, 28/03, 29/03, 30/03, 31/03, 32/03, 42/03, 50/03, 79/03, 23/04, 327/06, 39/07 e 101/07, e em Plenário , nºs 50/01, 2/02, 17/02, 26/02, 28/02, 5/03, 7/03, 10/03, 16/03, 17/03, 18/03, 20/03, 21/03, 25/03, 31/03, 37/03, 39/03, 49/03, 21/04 e 15/07.
assegurasse o pagamento das dívidas já vencidas que tinha para com diversos fornecedores (factos nºs 14, 15, 17, 18 e 19).
Esses negócios jurídicos estipulavam o limite do crédito disponível, o prazo máximo de reembolso do crédito, taxas de juros remuneratórios e determinavam a alteração da natureza de dívida anterior – que, em parte, se destinava ao fornecimento de bens e serviços correntes (facto nº 21).
Alguns desses negócios jurídicos, especificamente, os celebrados com o ―Totta Crédito Especializado, S.A.‖, implicavam a existência de um acordo com vista à definição das facturas emitidas pela Câmara Municipal do Funchal que seriam cedidas à Instituição Financeira bem como o plano de pagamento das mesmas – (facto nº 19).
• A factualidade descrita integra-se na estatuição do artº 23º da Lei nº 42/98 pois as operações em causa com as Instituições Financeiras visavam a obtenção de crédito ao Município consubstanciando empréstimos e aberturas de crédito sendo irrelevante a denominação que os outorgantes lhes atribuíram “negócios jurídicos conexos a contratos de factoring”.
Reafirma-se que o regime do recurso ao crédito pelas autarquias constante da Lei nº 42/98 (bem como os da Lei nº 2/07 e Decreto-Lei nº 38/08) decorre e reforça princípios fundamentais do Estado em matéria orçamental e financeira, especialmente as normas consagradas no Título II da Lei de Enquadramento Orçamental por força do artº 2º- nº 5 do mesmo diploma.
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São interesses públicos, de solidariedade recíproca entre níveis de Administração e de transparência orçamental que justificam o particular rigor que o legislador
colocou na delimitação legal do regime de crédito dos municípios e que está bem evidenciado no já citado artº 23º-nº 2 da Lei nº 42/98.
Adoptar-se, nesta sede, interpretações que, como nos autos, excluem deste rigoroso regime legal, negócios jurídicos que, embora se destinando inequivocamente à obtenção de crédito dos municípios, não foram denominados como ―empréstimos‖ pelos outorgantes é, salvo o devido respeito, desrespeitar e afrontar a teleologia e a ―ratio legis‖ do regime de crédito dos municípios.
De igual modo, não nos revemos nas posições que, como os Recorridos, procuram prevalecer-se do facto de, não existirem, nos negócios jurídicos em análise, ―duas deslocações patrimoniais directas e sucessivas, em sentido inverso, entre mutuante e mutuário‖ para concluir que ―não existe um contrato típico de empréstimo‖.
Na verdade, e atentos os já enunciados interesses públicos em causa e aos fins e princípios estruturantes do regime de créditos dos municípios — porque é disto que estamos a tratar — subscrevemos, integralmente, o entendimento constante do já citado Acórdão nº 29/03 de que ―a única diferença, mas sem relevância, é que o montante emprestado transitava da entidade bancária para o credor sem passar pelos cofres da autarquia‖ uma vez que o restante clausulado se integra e reconduz a contratos de empréstimo e a aberturas de crédito.
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Assim sendo, não se justificam as considerações, aliás muito doutas, que os Recorridos fazem a propósito da inconstitucionalidade da interpretação extensiva e do recurso à analogia nesta sede, que são estranhas às considerações que expendemos.
IV- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes da 3ª Secção, em Plenário, acordam em:
• Julgar procedente o recurso quanto ao pedido de revogação da decisão absolutória, e, em consequência, caracterizar os contratos celebrados nos autos como contratos de empréstimo e de abertura de crédito a que se refere o artº 23º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto.
• Não são devidos emolumentos pelo recurso (artº 16º-nº 2 e 20º do Regime jurídico dos emolumentos deste Tribunal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio).
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• Reenvie-se o processo à 1ª instância para, face ao ora julgado, ser proferida sentença sobre o mérito da causa.
• Registe e Notifique.
Lisboa, 6 de Julho de 2009
Conselheiro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
(Relator, por vencimento)
Conselheiro Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx
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Conselheiro Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx
Voto separado – manteria a decisão de 1ª instância, pelos seguintes motivos:
(1) O argumento forte do MP recorrente decorre de um raciocínio de necessidade lógica, de maioria de razão, mas o raciocínio de maioria de razão é também outra das modalidades de interpretação extensiva, a par do raciocínio por identidade de razão7.
(2) Contudo, o art.7º CEDH, proíbe a interpretação extensiva contra reum em direito penal, como tem secundado o TEDH8 ou revela a jurisprudência europeia, por exemplo, do Bundesverfassungsgericht, severa em rejeitar uma interpretação sancionatória que vá para além do sentido literal (Wortsinn) dos elementos do tipo9.
(3) Diversos autores se pronunciam no mesmo sentido: Xxxxxxx00, Xxxxxxxx00, por argumentos de natureza dogmática, politica e prática. Em primeiro lugar, porque é muito difícil estabelecer as fronteiras entre uma analogia e uma interpretação extensiva da lei e principalmente num domínio onde são os mesmos os fundamentos políticos da proibição da analogia incriminadora contra reum e da interpretação extensiva: dizem respeito à reserva constitucional exclusiva, assumida no nosso art.º 165/1 CRP, principio que vale com a mesma força para os dois casos. Por fim, certo é que o distinguo entre analogia e interpretação extensiva, em termos práticos, tem sido assumido como uma fresta para contornar a directiva constituinte do nullum crimem sine lege certa et stricta, através da via plástica da delimitação fronteiriça dos campos.
7 Xxxxxxxx, H-H, Xxxxxxx, T., Lehrbuch des Strafrechts, All.Teil, 5.Auf., Berlin: Humblot, pp.151 e 152.
8 Caso Pessino vs. França, 06.10.10: o princípio da legalidade dos delitos e das penas, contido no art.º7 da
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Convenção, interdita que o direito penal seja interpretado extensivamente em detrimento do acusado; caso Xxxxxxxxxx & Militatru-Pidhordi vs. Roménia, 07.05.24: como corolário do princípio da legalidade das Convenções, as disposições de direito penal estão submetidas ao princípio da interpretação estrita; resulta da interdição da aplicação extensiva da lei penal que, na falta, no mínimo, de uma interpretação jurisprudencial acessível e razoavelmente previsível, as exigências do artº7 não seriam consideradas como respeitadas em relação ao acusado.
9 Xxxxxxx, 94.12.19, in Xxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx, 0000, pp. 2776 e 2777.
10 Aut.Cit. Leipziger Kommentar zum Stragesetzbuch, 10.Auf….Berlin: De Gruyter, anot.23ª au §1º.
11 Aut.Cit. Alternativ Kommentar zum Stragesetzbuch…Band 3., Neuvied: Luchterhand. Anot.79ª au§1º.
(4) Assim é que o art.º 111/4 do Novo Código Penal Francês de 1994 prescreve uma interpretação estrita para a lei penal12; e assim é do mesmo modo que deve ser lida e aplicada a garantia constitucional do art.º 29/1.3 CRP, por força do dispositivo que se assume no art.º 8/2 da lei fundamental.
(5) Deve ter, pois, pelo menos, o conteúdo material que lhe é reconhecido pelo direito internacional de direitos humanos, sem oferecer um nível de menor garantia13.
(6) Deste modo, o princípio da legalidade que foi ao art.º 29/1.3 CRP deve ser pesado pelo julgador no sentido de lhe estar vedada a interpretação extensiva da lei penal incriminadora contra reum ou em detrimento do visado.
(7) Aqui chegados, importará agora delimitar qual é o âmbito objectivo da aplicação do princípio da legalidade, ou seja, quais são, em suma, os elementos típicos a que se aplica.
(8) A qualificação jurídica de empréstimo e empréstimos de médio e longo prazo, funciona aqui como uma condição objectiva de punibilidade14, um pressuposto de punição que depende, portanto, de uma valoração politica do legislador sobre a dignidade penal de uma acção ou omissão, o que quer dizer, na falta desta circunstância, há-de perder dignidade penal o facto objectivo e subjectivamente típico e culposo15 que seja.
(9) Constitui aquela circunstância, em si e por si, um dos pressupostos da punição que devem estar previstos em lei prévia, estrita e certa, para que o agente possa ser
12 Code Pénal – art.111-4: La loi pénale est d’interpretation stricte.
13 Vide Xxxxx Xxxxxxxxx & Xxxxx Xxxxxxx, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Coimbra:
Coimbra Editora, 2007, p.495, anot. IV ao artº 29: nos termos do artº 8º [CRP], as normas penais internacionais europeias prevalecem sobre o direito interno; Xxxxxxx, Xxx Xxxxx Xxxxxx, Direito internacional dos direitos humanos, Coimbra: Almedina, 2006, p.120: a Constituição admite a supremacia de todo o direito internacional de direitos humanos, se for mais protector do que o Direito Constitucional.
14 Art.º19.º/1, Lei 55B/2004, 30.12: no ano de 2005, os encargos anuais dos Municípios… com amortizações
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e juros dos empréstimos a médio e longo prazos… não podem exceder o maior dos limites do valor correspondente a 1/8 dos Fundos de Base Municipal, Geral Municipal e de Coesão Municipal que cabe ao Município, ou a 10% das despesas realizadas para investimento pelo Município no ano anterior. vd. Xxxxx xx Xxxxxxxx: …as chamadas condições objectivas de punibilidade são elementos do crime que se situam por de fora tanto da ilicitude como da culpa, não se exigindo, para sua relevância, que entre elas o agente exista uma qualquer conexão psicológico-intelectual, podendo ainda serem fruto do mero acaso.
15 Albuquerque, Xxxxx Xxxxx de, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da Republica e
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2ª ed. - not. prévia ao Art. 10 e anot. Art.226; Ac. STJ, 96.12.19, CJ- STJ, IV, t.3, v.222.
punido. Cabe esta condição na garantia positiva e negativa do nullum crimem sine lege praevia, quer se dirija ao legislador (proibição de incisos penais de todo indeterminados), quer se dirija ao julgador (proibição da aplicação analógica e extensiva da lei penal).
(10) Sigamos Jescheck & Weigend: a função de garantia de lei penal na forma de proibição da analogia inclui todos os elementos da norma penal que co-determinam a punibilidade e as consequências jurídicas, isto é, os elementos do tipo ilícito e do tipo de culpa, as causas pessoais da exclusão e de afastamento da pena, as condições objectivas da punibilidade e todas as sanções16.
(11) O pressuposto de punição que temos vindo a analisar, está, por conseguinte, submetido ao princípio da legalidade, do hábito, acolhido estritamente na censura, pelo Tribunal Constitucional, das criações jurisprudenciais de direito penal contra reum17.
(12) Com efeito, a proposta de solução do caso, apresentada nas conclusões da minuta do MP, representaria um juízo de natureza politica de equiparação do conteúdo material dos críticos protocolos associados aos contratos de factoring a empréstimos e empréstimos bancários de médio e longo prazo, com infracção da garantia constitucional oferecida aos visados pelo art.º29/1 CRP, tal como concluiu, aliás, a sentença recorrida.
(13) E, em boa verdade, como sustentam os demandados na contra-minuta18, os Bancos apenas se substituem, segundo o perfil do negócio jurídico considerado, na posição dos credores iniciais da Câmara, aceitando esta a sub-rogação mediante um acerto de encargos: trata-se de uma operação financeira decerto, mas não do
16 Auts.cits., Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil, 5.Auf. Berlin: Duncker & Humblot, p.136; Vd.tb.Xxxxx, Xxxxx, Strafrechts, All. Teil, Band.I, 4.Auf., München: Bech, p.158: também é proibido restringir para além do seu sentido literal causas de desculpa, causas da exclusão ou afastamento da pena ou alargar correspondentemente condições objectivas de punibilidade.
17 Xxxx, p.ex, Ac TC 205/99, Xx.XX 122/00.
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18 A minuta não se distancia deste ponto de vista também: A cessão do contrato não altera a natureza, os
pressupostos e as condições da dívida relativamente ao devedor cedido: a dívida mantém-se para este inalterada, apenas devendo cumprir as obrigações que tenha de montante e prazo, agora perante o cessionário.
empréstimo bancário típico, onde é o Banco que disponibiliza ao mutuário e não por ele, uma certa quantia dos seus fundos.
(14) Em consequência: não merece a decisão recorrida qualquer critica no sentido de ser revogada, porque fez aplicação de bom direito.
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O Xxxx Xxxxxxxxxxx (Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx)